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O calendário das celebrações da Madeira é denso, em qualquer lugar e em qualquer época do ano pode assistir-se à celebração de uma festa, embora se registe maior incidência de eventos no período que vai do verão até ao Natal. A abordagem da atividade festiva não pode ser confinada a dicotomias como festa e quotidiano, sagrado e profano, religioso e civil, pois as festas estão integradas no dia-a-dia. A festa do Espírito Santo A festa do Divino Espírito Santo realiza-se no domingo de Pentecostes e encerra o ciclo pascal católico. Caracteriza-se pela sua difusão, pela escala de mobilização popular que atinge no Atlântico lusófono, destacando-se as regiões insulares dos Açores e da Madeira, pela acumulação de alimentos (charolas) e a sua posterior distribuição, consumada no bodo ou copa aos pobres, e pela inversão da hierarquia social, patente na figura do “imperador”. À escala do arquipélago, estes aspetos podem considerar-se uniformes, embora pesem algumas diferenças ou ajustes de menor importância. A paróquia constitui a base territorial da festividade. Em regra, já no ano anterior é proposta ao padre a pessoa (ou pessoas) que figurará como festeiro (antes designado “imperador”), que fica com a responsabilidade de assegurar a coordenação e o financiamento da festa. Há pelo menos duas razões que levam alguém a voluntariar-se: o pagamento de promessas e a demonstração de que houve mobilidade social ascendente. O festeiro realiza os seus objetivos com o apoio e a assistência da Irmandade do Espírito Santo, constituída pelos mordomos e pelo próprio pároco, o que manifesta a coesão dos paroquianos. A festa é composta por duas partes: a visita e a cerimónia litúrgica com o arraial. A visita do Espírito Santo aos domicílios constitui a fase preparatória da festa, consoante o tamanho da paróquia, essas visitas podem ocorrer em vários domingos sucessivos entre a Páscoa e o Pentecostes. O grupo itinerante é formado por muitos elementos. O mordomo e os seus encarregados vestem fato escuro, gravata e opa vermelha e levam pendões vermelhos com as insígnias no centro (uma pomba branca). As saloias são cantadeiras na fase da puberdade e seguem em traje solene, que varia consoante a paróquia, embora tenha sempre inspiração ou mesmo invocação do fardamento usado pelo agrupamento folclórico a que pertencem. Seguem-se os músicos que tocam instrumentos, como a machete, a viola de arame, o acordeão, a flauta, o rajão, a braguinha, ou os ferrinhos. A banda filarmónica, que substitui os músicos nalguns locais, anima o cortejo com instrumentos de sopro. Com o adiantamento do itinerário previsto e a duração da jornada, aumenta o número de acompanhantes que se incorporam no desfile: são vizinhos próximos ou mais afastados, muitas crianças e jovens de casas já visitadas, ou das que se seguem na receção ao Espírito Santo. O pároco nem sempre integra o cortejo. A sua ausência justifica-se pelo esforço físico que a caminhada por estradas, ruas, veredas e caminhos de pé posto, por regra em declive acentuado, exige, pelo número das visitas a cumprir, e pelas rodadas de vinho, de licores e de doçaria servidos em cada domicílio, e que a força dos preceitos de hospitalidade obriga a aceitar e a consumir. A visita segue um itinerário que leva a todos a bênção anual dos lares e dos campos cultivados. Junto a cada entrada, o proprietário da casa aguarda de portas franqueadas. O cortejo entra e a maioria dos curiosos fica no exterior, espreitando e ouvindo, porque não cabem todos dentro da casa; o acontecimento é pretexto para uma reunião familiar alargada. Fazem-se as saudações e o dono da casa, os membros da família e os convidados beijam o pendão. Segue-se a bênção daquele lar, as saloias entoam um cântico anunciando a ressurreição de Cristo, e conclui-se com a entrega da esmola. Quando esta é feita em dinheiro o mordomo recebe-o numa coroa que traz consigo. Mas se tal ocorre em géneros, os encarregados arrecadam-nos numa armação redonda, para mais tarde fazerem as charolas, que são posteriormente submetidas a um escrutínio público, momento em que as pessoas discorrem sobre esta circunstância, e que é prelúdio dum ritual que conduz da acumulação competitiva de alimentos à respetiva partilha numa refeição coletiva. Servem-se por esta altura rodadas de bebidas; as mulheres preferem licor, para as crianças sobra a laranjada, já o vinho americano ou jaqué representa as preferências da esfera masculina. Os músicos ganham balanço, surgem candidatos para um despique, enquanto uma assistência atenta incentiva os contraentes. O estímulo pode ter vindo de um dos encarregados e logo alguém, homem ou mulher, se destaca para aceitar o repto. Declamam-se louvores ao dono da casa. As saloias exibem-se de novo, entoando trechos do reportório folclórico regional. Seguem-se as despedidas. A duração da visita dependeu da esmola dada, por conseguinte do estatuto do dono da casa. O cortejo prossegue caminho. As armações onde os alimentos são recolhidos eram feitas em fibra vegetal (de vime e de bananeira) trançada; depois, com o aumento das esmolas em géneros, aumentando o seu respetivo peso para várias dezenas de quilos, as armações passaram a ser feitas em arame. Os produtos são ali acomodados formando uma bola colorida (devido à diversidade de legumes, frutas e restantes produtos alimentares, que inicialmente provinham das terras de cada um) cujo diâmetro atinge quase a altura de uma pessoa, o que obriga a que estas bolas sigam penduradas numa vara, levada aos ombros por dois homens. Os preparativos para o arraial, que constitui a segunda parte da festa do Divino Espírito Santo, iniciam-se logo que os alimentos e o dinheiro estão angariados. Seguindo o exemplo duma paróquia na costa de Baixo, na quinta-feira anterior ao Pentecostes, um grupo de homens sobe à serra, desbasta a mata e corta os troncos longos e delgados que constituirão os mastros com que se monta o arraial. No dia seguinte, cerca de uma dezena de homens entrega-se à colocação dos mastros e à decoração com o endémico alegra campo (Semele androgyna L. Kunth) e outra vegetação. Uma salva, lançada de uma bateria de foguetes de estalo improvisada num ponto alto, assinala o início do arraial, com o chamado sábado das charolas; em tempos idos, havia zonas onde se tocava um búzio para chamar o povo. No interior da igreja, junto ao altar, forma-se de novo um cortejo nos moldes já descritos. As saloias interpretam cânticos religiosos e os músicos acompanham-nas ao acordeão e com instrumentos de cordas; desfilam depois para o exterior, com o festeiro, o mordomo e os encarregados transportando o pendão. É dada a bênção ao local. À noite, decorre o arraial; Há comes e bebes, ouve-se música gravada, formam-se tocatas e observam-se os charambitas. Consome-se espetada de carne de bovino (embora mais tarde também se tenha verificado a entrada de carne de frango), vinho, cerveja e refrigerantes. O domingo começa, de igual modo, com uma salva de foguetes. Após a missa, realiza-se uma refeição coletiva que evoca o bodo aos pobres com bênção do pão, que se guarda, dado se lhe reconhecerem propriedades curativas. A existência dum imperador a prazo e a realização do bodo são os parâmetros duma inversão temporária das relações de força que existem na sociedade. Com o passar dos anos, o bodo deixou de se realizar na forma anteriormente descrita; os produtos alimentares passaram a ser distribuídos com algum recato, uma vez que se percebeu que as pessoas necessitadas não desejavam ver exposta a sua situação de carência Mas continua a cumprir-se a devoção, a invocar-se a tradição, a aferir as posições relativas de indivíduos naquela comunidade paroquiana e a conjeturar-se sobre quem será o próximo festeiro. O ciclo natalício O ciclo natalício é o quadro festivo ao qual se dá maior importância. De tal forma que o romancista Horácio Bento de Gouveia (1901-1983) lhe dedicou páginas duma prosa revivalista, constatando que “o Natal [era] na cidade, a Festa no campo” (GOUVEIA, 2001, 45). O ritual do Natal inicia-se com as missas do parto, designação insular para as novenas que preenchem o Advento, que começam em meados do mês de dezembro e terminam a 23. Estes ofícios divinos celebram-se de madrugada, hábito que vem do passado, de forma a não afetar a faina agrícola, ainda que neste período as tarefas fossem menos absorventes e prementes. Esta sequência de missas mobiliza adultos e crianças. Há que aprender e ensaiar cânticos, que são um catecismo passado de prosa a verso. A participação dos devotos nos atos litúrgicos consta de canto e de execução instrumental. As peças interpretadas copiam, relativamente aos aspetos performativos que revestem, o repositório dos agrupamentos folclóricos, embora lhes retirem a dança. Quando a missa acaba, já desponta a alvorada, as igrejas estão em ambiente festivo, pouco cerimonioso, o que contamina as respetivas paróquias. No adro e suas imediações, montam-se barracas de comes e bebes, organizam-se sorteios, vendem-se rifas, arrecadam-se fundos e distribuem-se bugigangas a título de prémios. A matança do porco, que no começo do séc. XXI é uma prática sacrificial em regressão, enquadra-se neste complexo festivo. Acontece, em regra, após a primeira missa do parto. O animal, em regime de engorda forçada nos últimos meses, é morto a sangue frio. O processo exige a participação de muita gente; os homens têm intervenção direta, as mulheres e as crianças desempenham funções auxiliares. Depois de se chamuscar o porco, faz-se o desmanche do cadáver. Em tempos idos, procedia-se à salga, depois a indústria implementou a desidratação como técnica de conservação a longo prazo. A matança é a ocasião em que se concretiza uma ação cooperativa baseada na retribuição do auxílio prestado por parentes, vizinhos, amigos, conhecidos ou mesmo alguns curiosos e convidados; revela a rede de relações sociais mantidas pela casa onde se mata o porco. Entre os ausentes distinguem-se os que estão fora, por razões circunstanciais, como a emigração ou o trabalho, daqueles com quem não se mantêm relações por desavenças antigas ou recentes. Esta leitura não se aplica aos fiéis que assistem à missa. O templo pretende ser a grande casa, onde todos são acolhidos. Aqui o estatuto e a condição do indivíduo esbatem temporariamente a dinâmica gerada pelos sentimentos de amizade e discórdia. Terminadas as novenas, segue-se a Missa do Galo, que se realiza às 24.00 h do dia 24 de dezembro. Em muitas igrejas representa-se um Auto dos Pastores, o que implica que atores e figurantes se tenham mobilizado antecipadamente para realizar ensaios. Terminada a missa, as pessoas regressam a casa e reúnem-se numa refeição, após a qual se trocam presentes. A véspera de Natal é dia de atividade intensa nas casas, faz-se a lapinha (presépio), que é encarada como uma manifestação natalícia nativa, ao contrário da árvore, que está associada a um quadro de representações importado, e preparam-se os momentos altos de comensalidade: a véspera, o dia de Natal e as oitavas (prolongamento da celebração da festa durante oito dias). A família mais restrita é congregada nas refeições da noite de dia 24 e do dia 25. Nos dias seguintes, nas oitavas, chegavam a fazer-se três refeições que abrangiam uma parentela mais alargada; mais tarde, fixou-se apenas uma. A carne de porco, temperada com vinho e alhos, é o manjar natalício de regra, sendo o primeiro consumo cerimonial do animal sacrificado. A festa de São Pedro e a dança das espadas A festa de S. Pedro festeja-se no verão. Existem várias paróquias e capelas dedicadas a este apóstolo, tanto na Madeira como no Porto Santo. No entanto, foi na Ribeira Brava que se consolidou esta celebração, que atrai à cidade muitas pessoas, uma vez que se trata de uma festividade com ressonância à escala regional. Na véspera do dia do santo (29 de junho), à noite, faz-se um desfile de marchas populares. As marchas obedecem a um modelo performativo fora do contexto religioso e centrado na competição entre freguesias e/ou associações recreativas. Reconhece-se aqui um decalque do modelo lisboeta, praticado desde os anos 30 do séc. XX por promotores privados e posteriormente assumido pelas instâncias municipais de muitos locais do país. As marchas desfilam pelas ruas da localidade, animadas com barracas de comes e bebes. À medida que a noite avança, juntam-se pequenos grupos de apreciadores e de curiosos à volta de repentistas acompanhados de tocadores de instrumentos de cordas; enquanto houver vinho, não abrandam os despiques. Na baía, realiza-se uma procissão com canoas iluminadas que invoca o tempo em que a Ribeira Brava era uma vila piscatória. À meia-noite há fogo de artifício. O arraial atrai nativos e forasteiros desde a antevéspera, que veem a sua chegada facilitada pelo facto de o local beneficiar de uma encruzilhada viária, que o liga à costa de Baixo e ao lado Norte. No dia do santo, realiza-se uma procissão em que se respeita uma ordem específica. À frente da procissão desliza pelas ruas uma canoa de pesca com um mordomo. Segue-se-lhe a confraria de S. Bento, o patrono da vila, com o respetivo pendão e os confrades, e, de igual forma, a confraria do Espírito Santo, com as saloias atirando flores à assistência encostada às paredes das ruas estreitas e a outros curiosos, mais afortunados, porque assistem à procissão das varandas dos prédios. Atrás, vem o andor, com S. Pedro sentado no trono, levado aos ombros de bombeiros. Segue-se a autoridade civil, representada pelo Presidente da Câmara. A banda filarmónica fecha este cortejo religioso. Celebra-se então uma missa em honra de S. Pedro na igreja paroquial. Cumprido o serviço divino, dá-se início a um programa que inclui a dança das espadas e outros números artísticos. A dança das espadas é interpretada por sete bailadores, seis munidos de espada e um mestre que faz as marcações. Todos vestem um fardamento composto por calças brancas e uma camisa vermelha ajustada na cintura, calçam sapatos pretos e usam na cabeça uma mitra de onde pendem fitas largas que lhes caem pelas costas. São acompanhados por quatro tocadores, um de pandeiro, um de rajão, um de braguinha e outro de bombo, que usam o mesmo fardamento; não terá sido sempre assim, porque anteriormente os músicos eram estranhos contratados para tocar ocasionalmente. Conhecem-se dados históricos sobre esta dança. Está desde o período medieval associada à procissão do Corpus Christi e a outras manifestações do espaço ibérico. Existem referências documentais que a atestam também na Madeira. Na imprensa insular, surge informação mais pormenorizada a partir do séc. XIX. Algumas fontes documentais referem ter sido executada em várias vilas em períodos recuados. A partir de finais de oitocentos, aparecem notícias sobre exibições integradas na procissão da barquinha na festa de S. Pedro, na Ribeira Brava; as referências sugerem a preocupação em atrair forasteiros, os designados “romeiros”, vindos do Funchal em excursões organizadas em lanchas. Estas exibições ganharam fama e passaram a constituir cartaz, mas referem-se anos de interrupção, e, em 1934, aconteceram pela última vez. A emigração justificará a irregularidade. Em 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial, as festas de S. Pedro ter-se-ão realizado com grande fulgor, com a exibição da dança, sendo novamente interrompidas a seguir. Em 1976, dá-se uma experiência de revivificação, de que se conhecem pormenores: um estudante do serviço cívico (período de um ano de serviço comunitário, entre a conclusão do ensino secundário e a entrada no ensino superior, que vigorou em Portugal entre 1975 e 1978), António Rodrigues, que depois se tornou um conhecido escultor, confrontou-se com fotografias da dança executada 30 anos antes e ficou curioso e sensibilizado pelas atividades extraescolares dedicadas ao folclore, pelo que, resolveu recuperar a performance de 1946. Serviu-lhe de informante um dos dançadores de então. Mas também desta vez a iniciativa acabou por não vingar definitivamente; em 2000, a tradição foi renovada com o grupo folclórico da Boa Nova. Como nota explicativa destas interrupções, refira-se o custo elevado do sustento de um grupo de tocadores e de dançadores dedicado à dança das espadas. A Feira do Gado A Feira do Gado é um evento que se realiza anualmente durante três dias, que devem abarcar um fim de semana do princípio de julho, na freguesia da Santa, do concelho de Porto Moniz. Dentro dos eventos não religiosos, e a seguir às festas do fim do ano (ou noite de S. Silvestre), é o que perdura há mais tempo, com 52 edições até 2015. É uma iniciativa levada a cabo pela autoridade governamental que tutela a agricultura e a pecuária. Realiza-se num recinto preparado para acolher não só visitantes, stands, barracas de comes e bebes, diversões, mas também o gado bovino, ovino, caprino e as aves. O leilão de gado, realizado no segundo dia, constitui o ponto alto do programa. A missa campal na manhã de domingo encerra o certame. A feira espelha o aumento do consumo alimentar baseado em produtos vindos do exterior, a que se contrapõe uma produção insular confinada a nichos como os vinhos generosos e a fruta tropical). As pessoas admiram e avaliam os animais e as produções expostas e ficam a conhecer a maquinaria agrícola. O elemento galvanizador dos ânimos, e que imprime ímpeto identitário camponês, são os cantos ao despique, sempre presentes nesta festa. Para além deles, há os elementos de qualquer arraial: comes e bebes, e venda ambulante de vestuário e artesanato. A Festa da Autonomia  A Festa da Autonomia acontece anualmente, no último dia de julho. É promovida pelo Partido Social Democrata da Madeira (PSD Madeira), desde 2010 em recinto adquirido para o efeito, a herdade do Chão da Lagoa, na zona alta do concelho do Funchal. refletindo a implantação popular do partido que a organiza, e atrai inclusivamente porto-santenses, trazidos em viagem especial no ferry interinsular. Ali se encontram stands, que representam a militância de bases, e barracas de comes e bebes em número adequado ao abastecimento da multidão presente. A festa da Autonomia tem tido a função de dramatizar o sentimento regionalista associando a oposição ao poder central, instalado em Lisboa. O dia começa com a peregrinação dos dirigentes pelas representações das estruturas partidárias, a fim de estreitar a relação entre a direção e as bases. Seguem-se intervenções políticas, atuações de artistas de impacto nacional, exibições folclóricas e o discurso de encerramento, onde se destaca o balanço do ano anterior e se determina a rentrée política. A Festa da Liberdade A Festa da Liberdade realiza-se todos os anos, num dia de agosto, no sítio da Fonte do Bispo, na freguesia da Fajã da Ovelha. Trata-se de uma confraternização política promovida pela comissão regional do Partido Socialista (PS Madeira), que reproduz o modelo típico deste tipo de eventos: agitação política, programa cultural e convívio entre pessoas com os mesmos princípios políticos. No espaço preparado, sucedem-se os comes e bebes, e os stands que representam as estruturas partidárias de base concelhia, o que indicia o grau de penetração do partido na sociedade. Num espaço central é armado um palco, onde se realizam os comícios e os espetáculos. A festa de partido divulga as linhas de ação que devem ser tomadas durante o período que decorre até à edição seguinte, ao mesmo tempo que cria na assistência o sentimento da política como um processo assente nesse retorno aguardado. A palavra escutada dramatiza, agita e mobiliza, gera sentimentos de pertença, certeza e confiança. O Governo regional empreende ainda, no começo do séc. XXI, um conjunto de eventos que se estende ao longo do ano e que pode ser designado por ciclo de animação turística. O primeiro destes eventos é o Carnaval, que tem uma programação assente em dois cortejos, que acontecem na baixa funchalense. Na noite de sábado, realiza-se o cortejo de carros alegóricos, que mobiliza centenas de figurantes organizados em troupes que estão em competição e que fazem investimentos avultados na indumentária e na cenografia, sendo assumida a inspiração em carnavais brasileiros. Ao longo do percurso, instalam-se bancadas para acomodar os espetadores que assistem ao desfile. Na terça-feira de entrudo, à tarde, realiza-se o cortejo do Trapalhão, uma mascarada de participação livre, individual ou em troupes. Ao contrário da seriedade e do rigor performativo que caraterizam o primeiro cortejo, deste espera-se uma desordem acompanhada de um humor caracterizado pela crítica social. A Festa da Flor realiza-se em abril e celebra a primavera através de dois desfiles, um desfile infantil, realizado num sábado, que ruma em direção a um “muro da esperança”, feito de flores; e um desfile alegórico, realizado no domingo, dedicado à flor. Num largo da baixa da cidade, está patente ao público uma exposição de flores, que retoma uma iniciativa que em décadas anteriores se realizava no Ateneu Comercial. Em junho, acontece o Festival do Atlântico, uma iniciativa composta por vários eventos pirotécnicos, que se sucedem nos sábados desse mês com a finalidade de se escolher, através da votação do público, a empresa que irá ficar responsável pelo fogo de artifício da noite de S. Silvestre. Em julho, realizam-se dois festivais musicais, um de música clássica e outro, chamado Raízes do Atlântico, dedicado à música tradicional e folclórica revivificada. Logo no princípio do mês de setembro, realiza-se a Festa do Vinho, que dura uma semana e acompanha as vindimas. Monta-se uma cenografia alusiva na baixa do Funchal e no Estreito de Câmara de Lobos, onde se proporciona aos turistas assistir à apanha da uva, enquanto se apresentam vinhos e se realizam espetáculos de variedades, com uma participação intensa de vários agrupamentos folclóricos. Em meados do mês de setembro, durante um fim de semana, invoca-se no Porto Santo a ligação próxima que o negociante e navegador Cristóvão Colombo (1451-1506) tinha com a Ilha. Em outubro, organiza-se, desde 2011, o Festival da Natureza, que e visa converter os recursos ambientais num fator turístico. A iniciativa promove os passeios a pé, as caminhadas (o trekking), a evasão, a fruição da montanha, etc. Os turistas adotam uma indumentária destinada a dialogar com as forças da natureza. No mês de dezembro, tudo converge para a passagem do ano, a noite de S. Silvestre e o fogo de artifício, festividades que começam com a iluminação decorativa das ruas centrais do Funchal. O ponto alto acontece às 24.00 h entre o último e o primeiro dia do ano, quando o fogo de vista arranca. No porto, os navios de cruzeiro afastam-se do molhe e procuram uma melhor posição na baía. Quando a exibição pirotécnica termina, calam-se as sirenes e zarpam. Esta festa de fim do ano é organizada desde 1930. Estas iniciativas articulam-se com outras, alusivas à quadra natalícia já abordada, como a véspera de Natal no mercado do Funchal, onde se bebe cacau e se comem tangerinas sem haver preocupação com a hora de fecho, e a organização de presépios, alguns deles feitos à escala humana. Ainda no âmbito da passagem de ano, durante um espetáculo no jardim municipal, realiza-se o cantar dos Reis, que marca um ponto alto da Epifania (comemoração da adoração dos Reis Magos a Jesus). No plano histórico, as romarias madeirenses devem ser vistas como instâncias geradoras de identidade regional ao nível das classes subalternas. Os lugares onde se realizam definem um mapa que grosso modo cobre o espaço insular. As romarias mais concorridas são a do Monte, de Ponta Delgada, do Loreto, de Machico e, no Porto Santo, a da Senhora da Graça, mas em todas converge a celebração litúrgica e a festa popular, o cumprimento de promessas e a vivência do arraial. A 15 de agosto, realiza-se a festa de Nossa Senhora do Monte. A proximidade a que está do Funchal, a sua tradição criada no seguimento do relato duma aparição acontecida no séc. XVI e o facto de Nossa Senhora do Monte ser a padroeira da Ilha, imprime a esta festa uma primazia à escala do arquipélago, sendo a mais conhecida e a que mobiliza mais pessoas, inclusivamente turistas, uma vez que o local da festa é um destino procurado no âmbito do turismo religioso. Como nos outros arraiais, repete-se uma cultura alimentar construída à volta da carne, com preferência pelo bovino, do vinho, da aguardente temperada em poncha, do bolo do caco, das rosquilhas, das bonecas de massa e dos colares de rebuçados pendurados ao pescoço, ou usados a tiracolo. Noutros tempos, as pessoas deslocavam-se até ao monte a pé para cumprir promessas; com o advento do transporte público, que assegura dia e noite a circulação das pessoas, as casas de romeiros espalhadas pela Ilha deixaram de ter a função de acolher os peregrinos. Na mesma data, festeja-se no Porto Santo a maior festa religiosa, com o respetivo arraial, daquela ilha, a festa de Nossa Senhora da Graça. A capela dedicada a Nossa Senhora da Graça situa-se a meia encosta, na estrada que vai da vila em direção à Serra de Fora, ainda na vertente voltada a sul. Esta festa congrega os porto-santenses, e os milhares de turistas madeirenses que naquele período ali permanecem. A coincidência de datas revela que as romarias não são integradores interinsulares. No domingo do primeiro fim de semana de setembro é a vez de, em Ponta Delgada, se evocar o Senhor Bom Jesus. Os preparativos decorrem nos dias anteriores, como acontece para todos os arraiais, colocam-se os mastros e faz-se a decoração das ruas com flores e vegetação de modo a fazer um caminho atapetado para procissão passar. A missa realiza-se na manhã de domingo uma tradição instituída no tempo em que os romeiros e demais visitantes tinham de ter tempo para empreender as longas caminhadas de regresso às suas localidades. A 8 de setembro, na costa de Baixo, no Arco da Calheta, celebra-se a festa da Senhora do Loreto. Esta sequência de festas litúrgicas e respetivos arraiais termina em Machico, com a festa do Senhor dos Milagres, celebrada a 8 e 9 de outubro. No primeiro dia de celebração, organiza-se uma procissão iluminada com tochas que traz a imagem do Senhor dos Milagres da sua capela para a igreja matriz. No domingo realiza-se a missa e uma nova procissão, que conduz a imagem pela cidade até à beira-mar e a faz regressar à capela de origem, depois de passar novamente pela matriz. O andor em que a imagem é levada é uma embarcação, invocando a razão desta celebração, a inesperada recuperação da imagem, depois de ter sido levada para o mar durante o aluvião que ocorreu em 1803. As festas que originavam romarias não se diferenciavam pela forma como decorriam, mas incentivavam a circulação das pessoas pela Ilha, já a escolha do destino de romagem seguia devoções e compromissos pessoais assumidos em promessas. As celebrações ou festividades de incidência coletiva podem ser agrupadas em religiosas (rito católico) e civis (feriados nacionais). No preenchimento do calendário anual, predominavam as primeiras, embora com a entrada em vigor do Estatuto da Autonomia (em 1976) se verificasse uma alteração desta relação de forças entre o religioso e o secular: a Igreja perdeu o controlo exclusivo sobre as festividades, que já não servem apenas para difundir a sua doutrina, mas podem dedicar-se a outros assuntos, como a política ou o turismo. A partir da déc. de 1980, surgiu um leque amplo de motivações e pretextos para celebrar: o regionalismo (feriado da Região, festas partidárias); a festivalização temática como fomento da economia insular (flor, vindimas, natureza, pirotecnia, carnaval, música clássica e tradicional); o incremento do desenvolvimento local (jornadas festivas dedicadas à pecuária, ao peixe espada preto, à sidra e à colheita de frutos, tais como a anona, a ginja, a cereja, a castanha, o pero); e as inexoráveis penetrações vindas de fora, como o dia dos namorados, o dia da mulher, o dia da Criança e outros. Foram anunciadas ainda outras festas, para celebrar as novas cidadanias, como a diáspora, a ecologia, a mobilidade e o património cultural. Na sociedade madeirense, a atividade festiva não é específica da insularidade ou do seu regionalismo, mas distingue-se pelo relacionamento que estabelece com as componentes externas: a diáspora, os movimentos migratórios, os fluxos turísticos e a globalização. 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Jorge Freitas Branco (atualizado a 29.12.2016)

bello, anastácio, pseud. de manuel anastácio da silva

Nasceu no sítio dos Arrifes, Freguesia de São Pedro, Funchal, a 11 de maio de 1868, filho de Cândido da Câmara, nascido na freguesia da Sé, e de Rosa da Silva, nascida na vila e concelho de São Vicente. Casou com Leocádia Bello Perestrelo a 14 de junho de 1888 na freguesia da Sé, filha de João Perestrelo e de Catarina da Silva Perestrelo, naturais da ilha do Porto Santo. O casal teve dois filhos: Álvaro, nascido a 17 de setembro de 1889, e Maria, nascida a 24 de março de 1894, ambos da freguesia de São Pedro, Funchal. Este desenhador a crayon, artista de mérito comprovado pela sua técnica inconfundível, foi um dos alunos fundadores da extinta Escola Industrial Josefa d’Óbidos, no Funchal, posteriormente designada Escola de Desenho Industrial de António Augusto de Aguiar, na qual esteve entre 1889 e 1893, tendo privado com o pintor retratista espanhol Manuel de la Cuadra y Estévez (1835-1903), que aí lecionou. Através do DN da Madeira (12 maio 1897), temos conhecimento que viveu alguns anos nos Açores, onde lecionou a disciplina de desenho na Escola Industrial Gonçalo Álvares Cabral, em Ponta Delgada. Tirou passaporte para o Rio de Janeiro em 10 de julho de 1920, mas desconhecem-se pormenores da sua estada nesta cidade. São referência da sua obra os retratos do rei D. Carlos de Bragança e da rainha D. Maria Amélia de Orleães, assim como o conjunto de retratos de presidentes da CMF, datados do final do séc. XIX e princípio do séc. XX, pertencentes ao espólio do Teatro Baltazar Dias do Funchal. Faleceu com 69 anos, vítima de cancro na laringe, no Asilo dos Velhinhos, à Calçada de Santa Clara em São Pedro a 14 de janeiro de 1938, onde esteve recolhido no último ano de vida, tendo sido sepultado no Cemitério das Angústias. Apesar de o seu percurso de vida ser pouco conhecido, a obra de Anastácio Bello está presente na casa de muitas famílias burguesas da época, perpetuando os seus ancestrais em expressivos retratos, de grande formato, desenhados a lápis de carvão. Bibliog.: manuscrita: ARM, Registos Paroquiais, Assentos de Casamento, Batismos e Registos de Óbitos: Registo de Baptismo/Nascimento, liv. 1372, São Pedro, 1868, fl. 34; Assento de Casamento, liv. 1324, Sé, 1888, fl. 16; Passaporte n.º 2849, cota cx. 23, cap. 4610-07-1920; Registo de Baptismo/Nascimento: Álvaro, liv. 1394, São Pedro, 1890, fl. 49v.; Registo de Baptismo/Nascimento: Maria, 1895, liv. 6795, São Pedro, fl. 10; Registo de óbito, liv. 278, doc. 12, 1938; impressa: DN Madeira, 12 maio 1897; DN Madeira, 4 jan. 1938.  Teresa Margarida Lopes Brazão Cupertino da Câmara (atualizado 16.08.2016)

zarco, joão gonçalves

João Gonçalves Zargo terá nascido por volta de 1390-1395, sendo a data mais tardia calculada por Álvaro Rodrigues de Azevedo, anotador de Saudades da Terra, que a estabeleceu tanto com base no ápodo de “mancebo”, atribuído por Zurara a Zarco, em 1419 (ZURARA, 1841, 385), como na idade do filho, João Gonçalves da Câmara, que, em 1501, faleceu aos 87 anos. [caption id="attachment_8426" align="alignleft" width="200"] Estátua de João Gonçalves Zarco da autoria de Francisco Franco. Banco de Portugal, ao fundo. BF.[/caption] Apesar de ser uma personalidade histórica muito estudada, ainda não foi possível estabelecer sem controvérsias as suas origens, quer geográficas, quer familiares. Alguns autores dão-no como proveniente de Matosinhos, outros de Tomar, outros, ainda, de Lisboa ou do Porto, sem que em nenhum dos casos se possam apresentar provas documentais que o confirmem. No que toca aos antepassados, estes mudariam tanto quanto as suas localidades de origem, uma vez que é possível documentar a existência de Zargos ou Zarcos em diversas partes do Reino. A própria origem social de Zargo não está claramente estabelecida. Enquanto alguns autores fazem dele um “escudeiro nobre da criação daquele senhor [infante D. Henrique]” (Id., Ibid., 385), outros definem-no como “cavaleiro, familiar e criado do senhor infante […] não muito rico”, como é o caso de Diogo Gomes, um navegador contemporâneo do primeiro capitão do Funchal (SILVA, 1998, pp. 60, 67), o que parece indicar que Zargo tinha raízes na pequena nobreza que resultou das fortes movimentações sociais provocadas pela crise de 1383-1385. Outros, ainda, não hesitam em adiantar a hipótese de uma escalada social que teria conduzido Zargo à nobreza, como acontece com vários autores citados por Álvaro Rodrigues de Azevedo, consideração que se inscreve mais numa espécie de “divinização”, já assinalada por Cabral do Nascimento, de que o primeiro capitão foi objeto, do que na realidade propriamente dita. A resolução desta questão depende de se considerar “Zargo” como alcunha ou como nome de família. A grafia do nome do capitão – que assinava, invariavelmente, Zargo – sofreu uma alteração fonética. O fenómeno presente nesta mudança de consoantes transforma, neste caso, o c em g, pelo que Zargo poderia optar, sem dúvida, pela forma que usa o g. Segundo Azevedo, a grafia com c seria “talvez a forma mais genuína de escrever e pronunciar este apelido”, mas “está antiquada e o uso adotou a segunda” (FRUTUOSO, 2008, 432). Se se defender a hipótese de Zargo ser nome de família, faz sentido procurarem-se Zargos por Portugal, como fez Álvaro Rodrigues de Azevedo, ao pretender estabelecer uma hipótese genealógica para Zargo; a sua tese é reforçada não só pelo facto de o primeiro capitão assinar “Zargo”, mas também pela circunstância de o infante D. Henrique usar essa grafia quando lhe fazia uma mercê, o que, segundo Monterroio, dificilmente se poderia aceitar no caso de ser alcunha (DÓRIA, 1998, 119). Na realidade, atesta-se a ligação de Zarco apenas a uma localidade do Reino de Portugal, através de dois documentos datados de 1474, os quais provam que Zargo possuía, em Alcoitão, no termo de Cascais, um meio casal que, por testamento de mão comum dele e de sua mulher, Constança Rodrigues, foi deixado ao Convento do Salvador, em Lisboa. Segundo um dos referidos documentos, Constança Rodrigues, “mulher que foi de Joham Gonçalvez da Camara, cavaleiro fidalgo capitão da dita Ilha na parte do Funchal”, apresentou uma cédula do testamento feito em 1471, declarando perante o notário que pretendia doar ao Convento, por suas almas, a metade de um casal que ambos “houveram em parte e quinhão das ditas suas terças” (Id., Ibid., 128). Estabelece-se, assim, com segurança a posse de uma propriedade herdada nos arredores de Cascais, demonstrando que a família tinha património naquela zona, o que torna credível que a sua origem geográfica e familiar ficasse nas proximidades. Em relação ao percurso de Zargo, anterior à sua ida para a Madeira, as informações disponíveis não encontraram confirmação documental. Segundo Zurara, João Gonçalves Zarco teria estado em Ceuta, em 1415, o que é reafirmado por Manuel Faria e Sousa, que o coloca entre os cavaleiros armados por D. João I no rescaldo da vitória. Zurara volta a referir a presença do capitão, que, em conjunto com Tristão Teixeira, terá tomado parte no descerco de Ceuta, em 1418, depois do que terão pedido ao infante que “os avisasse como pudessem fazer suas honras” (ZURARA, 1841, 385). Na sequência do pedido, o infante ter-lhes-á recomendado que aparelhassem uma barca para desvendar as terras da Guiné, e nessa viagem acabariam por ir ter a Porto Santo, em 1418, de acordo com alguns autores, em 1419, segundo outros. De Porto Santo dirigiram-se à ilha da Madeira, depois voltaram ao Reino, onde relataram os sucessos da viagem, e regressaram às ilhas, por ordem do Rei, para procederem ao respetivo povoamento. A primeira menção à ação do capitão do donatário – posterior ao início do povoamento do arquipélago e à definição dos limites da capitania do Funchal –, está contida num documento de D. João I, com data de 1426, no qual o Monarca especificava a forma como se haviam de repartir as terras, para o que dava instruções a João Gonçalves Zarco, na qualidade de “capitão do Rei e senhor da dita Ilha” (TEIXEIRA, 2008, 79). Esse escrito estipulava que as terras se dessem às pessoas de maior categoria social, sem qualquer encargo, ou aos pobres, que somente poderiam ambicionar à sua posse se, dentro do prazo de 10 anos, as tornassem produtivas, de acordo com o regime de sesmarias. A 1 de novembro de 1450, o infante D. Henrique, na posse do senhorio das ilhas (que lhe fora outorgado por seu irmão, D. Duarte, a 26 de setembro de 1433), doou a Zarco a capitania do Funchal, com base no facto de “aquele ser o primeiro que por seu mandato a Ilha povoou e por muitos outros serviços que lhe fez” (MARQUES, 1988, I, 483). A declaração de doação, que Vitorino Magalhães Godinho compara a uma “constituição” (RODRIGUES, 1988, 51), estabelecia, como funções de Zarco: a manutenção do território “em justiça e direito”; a administração da justiça (ficando-lhe vedado apenas o julgamento de casos que pudessem implicar pena de morte, ou amputação de membro); a possibilidade de dar terras em sesmaria (embora o prazo dessa concessão estivesse limitado a cinco anos); o monopólio da construção de moinhos, dos fornos e da venda do sal; e o privilégio de receber a redízima sobre todas as rendas cobradas na capitania e destinadas ao senhorio. Da forma como desempenhou as suas funções ficaram registos diversos. Segundo documento citado por José Sainz-Trueva, quando o capitão morreu, considerava-se que tinha governado a Ilha “não como senhor dela, mas como pai e companheiro de todos os seus moradores” (SAINZ-TRUEVA, 1988, 106). Outros documentos, porém, fornecem dados que apontam noutro sentido. Assim, como resposta a uns “capítulos” (AHM, XV, doc. 11) que lhe tinham sido apresentados pela Câmara do Funchal, o duque D. Fernando outorgou um regimento, com data de 3 de agosto de 1461, que, entre outros itens, mandava que Zarco mantivesse as condições de venda do sal que lhe tinham sido definidas na carta de concessão da capitania, impedindo, portanto, os abusos que o capitão cometera na venda daquele produto. Em relação ao sabão, ordenou o duque que fosse vendido por preço razoável, e, no tocante aos moinhos, impunha condições para que o seu funcionamento, da competência de Zarco, melhorasse. Em carta de 7 de maio de 1466, D. Fernando voltava a responder a queixas apresentadas pelos moradores da capitania, podendo deduzir-se, pelo teor do texto, que o capitão continuava a exceder-se nos preços do sal. A 10 de maio do mesmo ano, o duque informava do envio de um ouvidor seu, Dinis Eanes da Grã, que se deslocava à Madeira para intervir em erros de administração da justiça que lhe tinham sido reportados pelas gentes do arquipélago, o que, mais uma vez, é indício de alguns abusos, desta vez cometidos não só pelo capitão do Funchal, mas também pelo de Machico. Por uns “apontamentos” de D. Fernando, datados de 7 de novembro de 1466, se conclui que João Gonçalves Zarco excedia as suas competências quando mandava soltar presos que estavam à responsabilidade dos juízes ordinários, e, em carta de 7 de agosto de 1468, o duque voltava a referir abusos cometidos por Zarco e pela sua mulher, Constança Rodrigues, na venda do sal e do sabão. Este conjunto de testemunhos permite concluir que a atuação de Zargo não foi totalmente desprovida da defesa de interesses próprios, o que, contudo, não significa que o capitão norteasse a sua administração apenas por este tipo de critério. A confirmá-lo estão as palavras de Jerónimo Dias Leite, que o afirmam comprometido com funções governativas, já tão idoso “que se fazia levar em colos de homens ao sol, onde estava sustentando a velhice com muito perfeito juízo, praticando e governando justiça” (LEITE, 1947, 20). Na qualidade de capitão do donatário na capitania do Funchal, Zargo ficou encarregado da distribuição de terras pelos povoadores em regime de sesmaria, o que implicava, naturalmente, que atribuísse a si próprio a posse de algumas áreas, espalhadas um pouco por todo o território. Assim, embora a documentação seja escassa, é possível localizar propriedades suas com base em fragmentos de informação recolhidos de registos notariais deixados quer pela viúva, quer pelos seus filhos. Do tempo do capitão conhece-se uma escritura, com data de 14 de fevereiro de 1454, pela qual ele tomava posse de seis lotes de terreno, três dos quais garantidamente localizados no Funchal, um outro também se situaria provavelmente nessa localidade, e os restantes dois na Praia Formosa e na Ribeira Brava. Zargo, por carta de atribuição de armas – que lhe foi passada a 4 de julho de 1460 por D. Afonso V –, passou a ter como apelido “Câmara de Lobos”, gozando, a partir daí, do estatuto de nobreza com que o Rei retribuía os leais serviços prestados à Coroa portuguesa. Entre as propriedades do capitão no Funchal estão identificadas: a de Santa Catarina, na zona ocidental do Funchal, onde Zargo, a sua mulher, Constança Rodrigues, e os filhos já nascidos aquando da fixação na Ilha edificaram a primeira residência, junto da qual Constança mandou construir uma capela sob o patrocínio de S.ta Catarina; a de São Pedro e São Paulo, chamada de várzea da Carreira, onde a família construiu a segunda moradia; e uma outra propriedade situada nas Cruzes, ou Bela-Vista, onde se viria a edificar a terceira e última residência de Zargo. Do casamento de João Gonçalves Zargo nasceram sete filhos, a saber: João Gonçalves da Câmara, filho primogénito e sucessor do pai na capitania, que se casou duas vezes (só houve descendência do segundo matrimónio, com D. Maria Noronha); D. Helena Gonçalves Câmara, casada com Martim Mendes; Rui Gonçalves da Câmara, que veio a ser capitão do donatário nos Açores, e se casou com Maria de Bettencourt; Garcia Gonçalves da Câmara, consorciado com D. Violante de Freitas; D. Catarina Gonçalves da Câmara, casada com Garcia Homem; D. Beatriz Gonçalves da Câmara, que veio a contrair casamento com Diogo Cabral; e D. Beatriz Gonçalves da Câmara, que desposou Diogo Afonso de Aguiar. Apesar de não se poder estabelecer, com exatidão, o dia da morte de João Gonçalves Zargo, é possível indicar o período em que terá ocorrido o falecimento: a 14 de outubro de 1471, o capitão ainda apareceu na sessão camarária em Santa Maria do Calhau, mas a 22 de dezembro desse ano Constança Rodrigues, em doação que fez a uma criada sua, assume-se como viúva, o que tem de significar que Zargo faleceu neste intervalo. Bibliog.: AHM, vol. XV, doc. 11, 1959; DÓRIA, Miguel de França, “As Origens de Zarco”, Islenha, n.º 22, jan.-jun. 1998, pp. 117-130; FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra. História das Ilhas do Porto Santo, Madeira, Desertas e Selvagens, anot. Álvaro Rodrigues de Azevedo, vol. II, Funchal, Empresa Municipal Funchal 500 Anos, 2008; LEITE, Jerónimo Dias, Descobrimento da Ilha da Madeira e Discurso da Vida e Feitos dos Capitães da Dita Ilha, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1947; MARQUES, João Martins da Silva (ed. lit.), Descobrimentos Portugueses, vol. I, supl. vol. I, vol. III, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1988; RODRIGUES, Miguel Jasmins, “Madeira: Colonização e Estruturas de Poder (do início até ao Reinado de D. Manuel, Antigo Duque…)”, Islenha, n.º 3, jul.-dez. 1988, pp. 46-59; TEIXEIRA, Maria Anita, A Família e a Casa de João Gonçalves Zarco, Funchal, Empresa Municipal Funchal 500 anos, 2008; SAINZ-TRUEVA, José de, “Zarco na Heráldica do Século XV a XX”, Islenha, n.º 3, jul.-dez. 1988, pp. 105-124; ZURARA, Gomes Eanes de, Chronica do Descobrimento e Conquista de Guiné Escrita por Mandado de El Rei D. Affonso V, sob a Direcção Scientifica, e segundo as Instrucções do Illustre Infante D. Henrique, Paris, J. P. Aillaud/Officina Typographica de Fain e Thunot, 1841. Ana Cristina Trindade Paulo Perneta (atualizado a 15.09.2016)

westall, william

[caption id="attachment_8405" align="alignleft" width="266"] William Westall, c. 1830. Arqui. Rui Carita.[/caption] [caption id="attachment_8422" align="alignright" width="234"] Retrato de William Westall, A.R.A. Arqui. Rui Carita.[/caption] William Westall nasceu a 12 de outubro de 1781 em Hertford, a norte de Londres, tendo estudado na Royal Academy e visitado por duas vezes a Madeira. Em 1801, integrou a expedição do Com. Matthew Flinders (1774-1814) à Austrália, no navio Investigator, como desenhador de Sir Joseph Banks (1743-1820), chegando à Ilha a 1 de agosto e partindo quatro dias depois. Acompanhou os cientistas da expedição ao Pico Ruivo e passou a noite numa capela que ficava sobre o Funchal; supõe-se que esta capela seria a de N.ª Sr.ª da Alegria, de que muito se queixou, pela falta de condições e a exiguidade do local, motivo que o levou a regressar sozinho ao Funchal. Ao embarcar, teve um acidente e perdeu o material que teria desenhado na Madeira, situação de que sempre se ressentiu e que, segundo os seus biógrafos, o haveria de marcar para toda a vida. Em 1805, ao regressar da viagem à Austrália, volta a passar na Madeira, onde fica durante um ano, período após o qual se desloca à Jamaica. [caption id="attachment_8412" align="alignleft" width="300"] Baía do Funchal, W. e R. Westall, 1811. Arqui. Rui Carita.[/caption] O pintor terá feito contactos na Ilha na primeira viagem, dado ter pintado, na segunda estadia, a quinta do Prazer, do polémico comerciante Robert Page (1775-1829). Esta quinta terá sido reformulada e dado origem ao Monte Palace Hotel, onde depois se instalou a sede da Fundação Berardo. William Westall publicou mais tarde, com o seu meio-irmão Richard Westall (1765-1836), que o iniciara na pintura, e com outros, algumas vistas da Madeira no conjunto Foreign Scenery, A Series of Picturesque and Romantic Scenery in Madeira, the Cape of Good Hope, Timor, China, Prince of Wales's Island, Bombay, Mahratta Country, St. Helena and Jamaica, editado pela casa T. Cadell & W. Davies, ativa editora londrina (1795-1817), fundada por Thomas Cadell (1742-1802). O primeiro folheto saiu em 1811, tornou-se um sucesso financeiro e atraiu a atenção de Rudolf Ackermann (1764-1834), que contribuiu para alguns desses trabalhos com textos e sugestões. [caption id="attachment_8408" align="alignleft" width="215"] Forte do Pico. Westall. Arqui. Rui Carita.[/caption] Apesar disto, só saíram depois mais 2 folhetos, em 1812 e 1813, embora Ackerman tenha posteriormente editado outros trabalhos sobre a Madeira. As edições dos irmãos Westall, com litografias e textos editados separadamente, mas constituindo folhetos que, agrupados, seriam suscetíveis de encadernação, popularizaram um novo formato que serviu, em parte, de modelo aos álbuns de litografias depois editados (Litografias e litógrafos). Uma das litografias assinadas por Richard Westall é a vista da fortaleza do Pico, litografada por John Pye (1782-1874). Nesta imagem, a fortaleza aparece sobranceira ao que parece ser o recém-instalado cemitério das Angústias, onde decorre um enterro; o que é uma fantasia, pois não há ângulo que permita tal vista e o cemitério em questão só foi ali instalado em 1817, quando a litografia tem a data de 1812. As primeiras representações do cemitério são conhecidas muito mais tarde, em 1850, como por exemplo a feita por Frank Dillon (1822-1909). A vista da baía do Funchal, também assinada por Richard Westall e datada de 25 de abril de 1811, é igualmente fantasiosa. Deduz-se, por isso, serem uma interpretação dos desenhos anteriormente executados por seu irmão William, 15 anos mais novo. [caption id="attachment_8415" align="aligncenter" width="473"] Quinta dos Prazeres, de Robert Page. W. Westall, 1811. Arqui. Rui Carita.[/caption] Richard Westall iniciou-se como aprendiz de um gravador de heráldica, frequentando depois a Royal Academy. Celebrizou-se como aguarelista, paisagista e ilustrador, sendo, mais tarde, professor de desenho da futura rainha Vitória. Faleceu com 71 anos, a 4 de dezembro de 1836. O seu meio-irmão William Westall colaborou como litógrafo em grande parte dos desenhos da Madeira do reverendo James Bulwer (1794-1879), editados em Londres em 1827. Tornou-se num dos mais requeridos artistas dessa área e faleceu em Londres, a 22 de janeiro de 1850.  [caption id="attachment_8418" align="aligncenter" width="523"] Palácio de S. Lourenço, William Westal, 1813. Arqui. Rui Carita.[/caption] Bibliog.: CAMACHO, Ana Margarida Sottomayor Araújo, ficha “Richard Westall”, in Obras de Referência dos Museus da Madeira, 500 de História de um Arquipélago, catálogo de exposição comissariada por Francisco Clode de Sousa e patente na Galeria de Pintura do Rei D. Luís, Palácio Nacional da Ajuda, 21 nov. 2009-28 fev. 2010, Funchal, DRAC, 2009; NASCIMENTO, João Cabral do, Estampas Antigas da Madeira, Funchal, Club Rotário do Funchal, 1935; SAINZ-TRUEVA, José de (org.), Viagens na Madeira Romântica, catálogo de exposição patente no teatro municipal dez. 1988-jan. 1989, Funchal, DRAC, 1988; SOUSA, Francisco Clode de, “Aparências e permanências”, in Estampas, Aguarelas e Desenhos da Madeira Romântica, catálogo de exposição patente na Casa Museu Frederico de Freitas jul.-dez. 1988, Funchal, DRAC, 1988, pp. 15-38; WESTALL, William, Foreign Scenery, a series of picturesque and romantic scenery in Madeira, the Cape of Good Hope, Timor, China, Prince of Wales's Island, Bombay, Mahratta country, St. Helena and Jamaica, Londres, T. Cadell & W. Davies, 1811, 1812 e 1813; Rui Carita (atualizado a 15.09.2016)

vilhena, guiomar madalena de sá e

[caption id="attachment_8368" align="alignleft" width="300"] Assinatura de D. Guiomar Vilhena, 1768. Arqui. Rui Carita.[/caption] A “ilustríssima senhora” D. Guiomar Madalena de Sá Vasconcelos Bettencourt Machado e Vilhena, como então era referida, foi a grande terratenente da Madeira no final do Antigo Regime, administrando 48 capelas vinculadas, entre inúmeras outras propriedades rurais e urbanas. Mulher educada e informada, a partir de 1766 assumiu os negócios da família, que ampliou com novos navios e propriedades, chegando a exportar mais de 50 % dos quantitativos globais do vinho da Madeira e mandando levantar no Lg. da Sé um imóvel para a administração da sua casa comercial, afrontando os comerciantes estrangeiros na Ilha e, inclusivamente, por meios jurídicos, os Ingleses. A sua atividade levou-a a escrever pessoalmente para os ministros do governo de Lisboa, entre outros. Assumiu ainda os negócios da confraria de S. José da sé do Funchal (Confrarias; Sé do Funchal), dos pedreiros e carpinteiros da cidade, cujas atas de eleição assinava como juiz da confraria, situação perfeitamente inédita no espaço nacional de Setecentos, onde não se conhecem registos de outras mulheres à frente de confrarias de homens e de casas comerciais de grosso trato. [caption id="attachment_8372" align="alignright" width="300"] Casa Comercial de Dona Guiomar Vilhena, Fotografia de Joaquim Augusto de Sousa, 1876. Arqui. Rui Carita.[/caption] Filha do morgado Francisco Luís de Vasconcelos Bettencourt (1681-1741) e de sua mulher, Mariana Inês de Vilhena (c. 1680-1755), nasceu em 1705 e foi batizada a 24 de maio desse ano, sendo padrinho o bispo do Funchal, D. José de Sousa Castelo Branco (1654-1740) e madrinha D. Maria de Almeida, “mulher do governador da Ilha Duarte Sodré Pereira, que assistiu ao batismo, como seu procurador, e como tal assinou” o assento (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Batismos, liv. 20, fl. 143v.). Já existia uma irmã mais velha, Inês António Maria Xavier Vilhena (1700-c. 1750), que professou no convento da Esperança de Lisboa e um irmão, Francisco José de Vasconcelos (1702-1723), falecido prematuramente, sem deixar descendência. As irmãs mais novas, D. Leonor Josefa de Vilhena (1707-1778) e D. Inácia Maria Rosa de Sá Vilhena (1710-?) casariam com importantes morgados da época e “homens da governança” do Funchal, respetivamente, Luís António Esmeraldo Teles de Meneses, guarda-mor da saúde e Mendo Brito de Oliveira, capitão-mor (Ordenanças), descendendo dos primeiros o futuro 1.º conde de Carvalhal, depois herdeiro de grande parte dos seus vínculos. Teve ainda uma outra irmã, Maria Madalena (1719-1725), que faleceu precocemente. Mais novo do que D. Guiomar era também João José de Vasconcelos Bettencourt (1715-1766), familiar do Santo Ofício, fidalgo de Casa Real e cavaleiro da Ordem de Cristo, que se casou, em 1758, com Leonor Henriqueta de Mendonça e, em 1765, com Antónia Joana Correia Henriques, não deixando descendência. Terá tido problemas de saúde recorrentes, chegando a deslocar-se a Londres por esse motivo, pelo menos em 1759. No ano seguinte, na mesma cidade, foram editadas duas peças musicais do mestre de capela da Sé, António Pereira da Costa, que João José pagou. Nos últimos tempos de vida e após o falecimento da mãe, em 1755, sua irmã Guiomar teria já assumido a liderança da importante casa senhorial e comercial. [caption id="attachment_8400" align="alignleft" width="300"] Fontanário de Embrechados. Arqui. Rui Carita.[/caption] A déc. de 60 do séc. XVIII corresponde a um longo braço de ferro entre o Gov. João António de Sá Pereira (1719-1804), futuro barão de Alverca, e as principais famílias insulares, personificando aquele na Madeira as ideias iluministas do gabinete do marquês de Pombal. Terá liderado a contestação ao governador um meio tio-avô de D. Guiomar, João José Bettencourt de Sá Machado (1707-1781), padre que, embora mulato e filho de uma escrava, frequentou a Universidade de Coimbra, sempre acompanhado de um criado branco, e que João António de Sá Pereira não hesitou em desterrar para a costa norte. A casa do irmão de D. Guiomar, João José de Vasconcelos Bettencourt, e depois a da própria cobravam a comenda dos marqueses de Angeja, tendo D. Guiomar intercedido pelo dito padre junto do 3.º marquês e 4.º conde de Vila Verde (1716-1788), capitão-geral da armada real e presidente do Erário Régio que, por sua vez, interveio a favor do mesmo clérigo junto do governador, tal como o próprio secretário de estado Aires de Sá e Melo (1690-1786), tio por afinidade de Sá Pereira. Todavia, não conseguiram obter grandes resultados. A família Vasconcelos Bettencourt liderava, assim, um grupo de gente esclarecida e a quem, por certo, já não seriam estranhas as ideias das nascentes lojas maçónicas internacionais. A família de D. Guiomar era possuidora de inúmeros bens que os avós e o pai ampliaram, alargando o património ao continente e aos Açores. O pai, e.g., chegou a adquirir propriedades ao convento da Esperança de Lisboa, provavelmente quando ali professou sua filha mais velha, tal como o avô, Francisco de Vasconcelos Bettencourt, o Velho (c. 1610-1694), adquirira a quinta de N.ª S.ª do Loreto, com “aparatosas casas de moradia”, foros e águas, a que o morgado veio a vincular uns “panos de rás, para outrossim andarem em morgado” (ARM, Juízo..., cx. 2, n.º 9, fls. 7v.-8v.). A vinculação de um bem móvel a um morgado indicia a alta qualidade dos “panos de rás” em questão, devendo tratar-se de um importante conjunto de tapeçarias flamengas do séc. XVI. A família dedicava-se, desde Quinhentos, ao comércio do açúcar e depois, ao longo de Setecentos, também do vinho. Francisco Luís de Vasconcelos era, nos inícios do séc. XVIII, o detentor do maior número de licenças de comércio para o Brasil; em 1726, e.g., enviou para aquele espaço 200 quintais de bacalhau e 50 barris de farinha, depois de ter prevenido o abastecimento da Ilha, tal como deliberado na vereação camarária de 24 de janeiro de 1725. Mais tarde, sendo já D. Mariana Inês de Vilhena viúva e querendo enviar idênticas mercadorias para o mesmo destino, o juiz do povo embargou a operação, dada a falta de mantimentos na terra. O irmão de D. Guiomar, João José de Vasconcelos Bettencourt, assumiria também os negócios da família com o Brasil, havendo registo de mercadorias enviadas para lá em 31 navios, entre 1737 e 1766, que, conjuntamente com o comércio então feito com outros destinos (Inglaterra, América, Europa do Norte, Mediterrâneo e continente português), totalizaram a movimentação de 52 embarcações. [caption id="attachment_8393" align="alignleft" width="300"] Vista Geral do Palácio de D. Guiomar Vilhena,c. 1760. Arqui. Rui Carita.[/caption] A liderança da família, entretanto, parece ter cabido a D. Guiomar Madalena de Sá e Vilhena, como assinava, a quem o pai privilegiou no seu testamento, sugerindo tratar-se da filha dileta: “deixa a sua filha D. Guiomar a melhor peça de ouro ou prata, que tiver e que valha para cima de duzentos mil réis”, no ano em que faleceu, em 1741, legando a D. Inácia, mulher de Mendo de Brito de Oliveira, uma no valor de 150$000 réis, sem fazer qualquer referência especial aos restantes filhos (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 10, fl. 254v.). Idêntica leitura permite fazer o testamento da mãe, que, em 1755, num breve testemunho, declara ter dedicado a todos os filhos “igual amor”, instituindo-os por seus herdeiros, tanto nas legítimas como nas terças, mas não deixando de acrescentar: “só com a distinção de que a minha filha Dona Guiomar terá de mais que os outros, um valor de dois mil cruzados, que escolherá das minhas joias, nas que lhe parecer” (Id., Juízo..., cx. 160, n.º 2, fl. 3; Id., Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 13, fl. 55). [caption id="attachment_8396" align="alignright" width="196"] Palácio de D. Guiomar Vilhena. Arqui. Rui Carita.[/caption] Até à morte do irmão, a 12 de novembro de 1766, o percurso de D. Guiomar parece ter sido caseiro e recatado. Todavia, não o foi, certamente, uma vez que se apresentou de imediato na sé do Funchal para assumir a direção da confraria dos carpinteiros e dos pedreiros, que movimentava importantes verbas, assinando pessoalmente as atas de eleição, algo que o pai nunca fizera e o irmão somente uma vez. Com o falecimento da mãe, em 1755, e o casamento do irmão, em 1758, altura em que este terá saído da casa dos pais, fixando residência mais acima, na R. das Mercês, D. Guiomar mandou levantar um oratório pessoal em sua casa, tendo obtido, para o efeito, um breve do papa Clemente XIII, datado de 25 de junho de 1759, e um despacho do bispo D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (c. 1710-1784), de 18 de janeiro de 1760. O breve papal refere que o oratório constava de “altar levantado e mesa, construído de paredes firmes, livre e separado de todos os usos domésticos, ornado e paramentado com os ornamentos e mais coisas necessárias para nele decentemente se poder celebrar e dizer missas” (APEF, Oratórios, cx. 1, Processo do Oratório de Dona Guiomar Madalena de Sá e Vilhena, fls. 2-4). Os pais e o irmão já tinham o seu oratório na residência da R. do Castanheiro, pelo que o novo pedido parece indicar estar-se perante a construção de raiz da obra em apreço. D. Guiomar mandou também levantar todo um novo corpo neoclássico para residência, pois o importante edifício que chegou até nós, infelizmente totalmente vazio, é uma construção de raiz da segunda metade do séc. XVIII. Por volta de 1800, tendo a morgada já falecido, o “Palácio de D. Guiomar” (Palácios) ainda era assim referido na planta de Agostinho Marques Rosa, da Biblioteca Pública e Municipal do Porto (BPMP). [caption id="attachment_8375" align="alignleft" width="300"] Casa de D. Guiomar Vilhena. Arqui. Rui Carita.[/caption] Nos anos seguintes, os bens de D. Guiomar incluíam propriedades na Lombada do Loreto; no Arco da Calheta; na Lombada da Ponta do Sol; a Quinta das Virtudes, em São Martinho; a fazenda do Arcipreste, em Santo António; as terras de Água de Mel, em São Roque; as das Neves e do Palheiro Ferreiro, em S. Gonçalo; montados de gado no Estreito de Câmara de Lobos e no Campanário; duas capelas no convento de São Francisco; a magnífica capela do Santíssimo, na matriz de São Pedro, pertencente ao vínculo de João de Moura Rolim; e o último engenho de açúcar da Madeira, na Ribeira dos Socorridos. Juntava-se ainda a este património uma série de propriedades nos Açores e no continente. Também pertencia à morgada a antiga Quinta das Angústias, hoje Quinta Vigia (Quinta Vigia), cuja residência reconstruiu, vindo a falecer no local, em 1789; nela foi levantado o chamado Mirante de D. Guiomar, sempre assim referido ao longo do séc. XIX nas cartas do porto do Funchal. Eram seus vários outros imóveis, nomeadamente o grande edifício da R. do Capitão levantado em 1775 no então Lg. da Sé, para sede da sua casa comercial e de outros comerciantes ingleses, edificação que acolheu depois a Câmara Municipal do Funchal, entre os finais do séc. XVIII e os meados do XIX, vindo a ser demolida em 1913 (República). Seguindo as pisadas do pai e do irmão, bem como as da mãe, D. Guiomar dedicou-se ao comércio de larga escala e numa dimensão muito pouco normal para o seu sexo e para a sua época. Assim, entre 1780 e 1799, a exportação da Casa de Dona Guiomar deve ter ultrapassado a cifra das 103.704 pipas de vinho, contando-se, entre elas, 48.673 destinadas aos portos da Ásia. Em alguns destes anos, a Casa de D. Guiomar chegou a ser responsável por mais de 50 % do total do comércio externo do vinho da Madeira. Com efeito, a 13 de novembro de 1784, D. Guiomar Madalena de Sá e Vilhena intitula-se “a proprietária da maior casa comercial do Funchal”, num requerimento onde declara que lhe tinham sido apreendidas várias fazendas despachadas para a ilha de São Miguel com o pretexto de não se encontrarem seladas, não obstante ter pago os respetivos direitos. Nesse requerimento a que anexou vários documentos, queixa-se do juiz e oficiais da Alfândega e pede uma devassa ao procedimento dos mesmos (AHU, Madeira e Porto Santo, n.º 150). Em 1784, e.g., quando uma nau portuguesa da Índia e a galera Flor do Funchal não conseguiram efetuar totalmente um carregamento de 700 pipas de vinho que D. Guiomar pretendia transportar para Calcutá, o governador autorizou o fretamento de um bergantim para conduzir as restantes vasilhas e emitiu o respetivo passaporte. Uma vez que só podiam navegar para Oriente os navios reais, este explicou o seu procedimento para Lisboa, alegando que se tratava de uma das duas casas comerciais mais respeitáveis, sendo a outra a de Pedro Jorge Monteiro, com quem tomara posição idêntica. [caption id="attachment_8390" align="alignleft" width="300"] Casa de Guiomar Vilhena in Heraldo da Madeira, 27/01/1907. Arqui. Rui Carita.[/caption] D. Guiomar aproveitou para agradecer, imediatamente, ao secretário de Estado Martinho de Melo e Castro, referindo que “nem o meu sexo, nem a minha capacidade é próprio para executar uma profissão, que depende de maiores talentos; mas como vossa excelência tão benignamente protege a todo o comércio nacional devo eu confiar na mesma benignidade, que as luzes de que eu me considero destituída, as suprirá o amparo de vossa excelência, dignando-se de ser o meu protetor” (AHU, Madeira e Porto Santo, nº 712). Nessa sequência, em 1788 e em sua casa, foi passada procuração judicial ao comerciante Charles Murray, então cônsul britânico na Madeira (1772-1801), em conjunto com Thomas Horne e José António da Fonseca, para a defesa da comercialização do vinho da Madeira em Lisboa e “em qualquer outra parte”, figurando D. Guiomar à cabeça da lista de 22 comerciantes, na sua maior parte estrangeiros, que nela reconheciam poder e delegavam funções (Ib., Ibid., n.º 883). D. Guiomar chegou mesmo a defrontar os interesses ingleses, nomeadamente por meios jurídicos; e note-se que uma contenda com o mesmo grupo custara a vida ao juiz do povo do Funchal poucos anos antes. De facto, aquela disputa resultou numa das raras referências que temos à prevalência da justiça nacional e regional de então face aos interesses ingleses. O caso envolveu o marinheiro Jacques Wilson, da fragata de guerra Race Horse, assassinado no caminho da Pontinha, por baixo da capela de Santa Catarina, na noite de 19 de outubro de 1783. O incidente implicara sete elementos portugueses e pelo menos um inglês, que servira de testemunha e tinha ficado bastante ferido: Guilherme Wayte, piloto da galera inglesa Belisário, como referiu Inácio Xavier de Sousa Pizarro ao ministro Martinho de Melo e Castro, a 14 de julho do ano seguinte. O cônsul britânico no Funchal e o geral, em Lisboa, conseguiram pressionar a Chancelaria Régia, recebendo o governador, D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, uma carta sobre o incidente, “que pela sua atrocidade e por ser feito contra um vassalo de uma nação amiga e aliada desta corte”, requeria que os culpados fossem de imediato transferidos para a cadeia do Limoeiro, em Lisboa, “pois na Ilha poderiam vir a escapar à justiça”, como tinham referido os ingleses e transcrevera a Chancelaria Régia (ARM, Governo Civil, liv. 518, fls. 8-10). No entanto, o processo fora prontamente levantado pelo juiz de fora do Funchal, tendo-se apurado que o autor da “perigosa facada no oficial inglês” tinha sido José Joaquim, logo preso e entregue a Francisco Peixoto da Silva, mestre do bergantim N.ª S.ª do Livramento, “paquete das Ilhas”, e enviado para Lisboa (Id., Ibid.). A chegada à cidade foi imediatamente comunicada por Inácio de Pina Manique ao ministro Martinho de Melo e Castro, mostrando o cuidado que o assunto mereceu à corte. Os restantes implicados no caso, tripulantes da galera N.ª S.ª do Monte, de que era senhoria D. Guiomar, que logo disponibilizou defesa para os seus marinheiros, permaneceram no Funchal, aguardando a conclusão do processo. Assim, não seguiram na galera que saiu do porto a 11 de novembro seguinte, nem chegaram a ser encaminhados para Lisboa. O governador fora preciso na sua resposta, enviando cópias dos autos e citando não entender as questões levantadas pelo “cavaleiro Hort”, cônsul geral britânico em Lisboa, nem o seu requerimento, afirmando que não “houve influências particulares na sua soltura”, pois que nem o agravo do cônsul britânico no Funchal para o corregedor tinha tido provimento (ARM, Governo Civil, liv. 518, fls. 8-10). Não podemos deixar de sentir a preciosa influência de D. Guiomar por detrás do desenrolar destes acontecimentos e mesmo junto do governador, tendo ela requisitado os serviços de todos os notários do Funchal para a sua casa, não deixando, por isso, muito espaço de manobra ao cônsul britânico. A morgada e comerciante, no entanto e de uma forma geral, mantinha as melhores relações com os negociantes ingleses, designadamente, com Thomas e Arthur Ahmuty, possuidores de uma firma de exportação de vinhos que se tinham estabelecido no prédio de D. Guiomar, pagando anualmente 5% do custo da obra, então orçada em cerca de 25.000 cruzados. Ou com John Leacock, que chegou ao Funchal como aprendiz de comerciante de vinhos, em 1741, estagiando na firma de John Catanach, tendo-se estabelecido depois e residido numa das casas de D. Guiomar, na R. do Bispo, com Thomas Magrath. Este, vice-cônsul da Dinamarca em 1769 e cônsul em 1771, era importador de géneros da Noruega e foi caixeiro despachante de D. Guiomar, a partir de 1784, sendo cônsul da Suécia em 1805. [caption id="attachment_8386" align="alignleft" width="300"] Casa de Guiomar Vilhena. Arqui. Rui Carita.[/caption] Existe mesmo a informação de que, em 1782, D. Guiomar ofereceu um jantar em sua casa a William Hickey (1749-1830), aliás, referido pelo próprio nas suas memórias. O memorialista inglês relata que fora apresentado a D. Guiomar por Luís Barreto, natural de Bombaim e que seguia viagem com ele, contando que fora depois convidado para um “muito bom jantar, servido com uma série de deliciosos vinhos, particularmente um malvasia” que a proprietária lhe assegurara ter a idade dela, “que eram 70 anos”, e ter sido feito pelo seu pai a partir de vários “vintage”, sendo um licor indubitavelmente precioso (HICKEY, III, 1919, 3). Esclareça-se que D. Guiomar não tinha 70 anos à data, mas 77, e que Hickey se veio a tornar um admirador incondicional dos vinhos da Madeira, habituais a bordo dos navios em viagem para a Índia. Os últimos anos de vida de D. Guiomar foram passados na sua já referida Quinta das Angústias, por si parcialmente reconstruída (Quinta Vigia), por certo, sobrelevando o antigo mirante que ficou com o seu nome e que mantém uma série de pormenores arquitetónicos ao gosto dos meados e finais do séc. XVI. O mirante terá sido erigido para servir de “posto de vigia e de comando para os empreendimentos” marítimos da morgada (BARROS, 2001, 41), controlando dali as entradas e saídas dos seus navios. Alguns anos depois, em 1841, escrever-se-ia que a quinta possuía um dos “melhores edifícios desta cidade” (CÂMARA, 1841, 41). Todavia, considerando que a mesma teve vários grandes proprietários e que foi perdida praticamente toda a documentação da casa Carvalhal, principal herdeira do património imobiliário de D. Guiomar, quase propositadamente delapidada pelo 2.º conde (1831-1888), torna-se muito difícil abordar o assunto. A título de exemplo, na planta do comandante Skinner, datada de 1775, mas editada em Londres em 1791, a Quinta das Angústias ainda não figura com o corpo neoclássico, que não consta igualmente na planta de Agostinho Marques Rosa, que terá sido, em grande parte, decalcada da outra. Em contrapartida, na planta do brigadeiro Reinaldo Oudinot (c. 1747-1807), levantada na sequência da aluvião de 1803 e onde se apresenta o novo projeto para a “cidade das Angústias” (Urbanismo), esse corpo já surge indicado. Mantemos, assim, a ideia de que a obra neoclássica foi levantada pela “ilustríssima senhora” morgada. [caption id="attachment_8379" align="alignleft" width="190"] Castiçal de D. Guiomar Vilhena, John Carter, 1772. Arqui. Rui Carita.[/caption] Após o falecimento de D. Guiomar, a sua casa comercial, privada da orientação e do empenho da própria, tornou-se rapidamente desastrosa. Com efeito, o organismo acumulara dívidas incomportáveis e, com a morte da morgada, fora esbulhado das principais propriedades agrícolas que lhe davam suporte, tendo elas sido herdadas pelo sobrinho e, depois, pelos herdeiros sobrinhos netos. As dívidas à Fazenda ascendiam, entretanto, a 50.000$000 réis e, em fevereiro de 1791, consumava-se a penhora dos bens livres de D. Guiomar. [caption id="attachment_8382" align="alignright" width="207"] Lista das Jóias de D. Guiomar Vilhena. Arqui. Rui Carita.[/caption] O testamenteiro, P.e Manuel de Jesus, quase sempre o seu braço direito, desde 1772, e também de João de Carvalhal Esmeraldo (1733-1790), sobrinho de D. Guiomar, em 1787, foi constrangido a depositar na tesouraria da Junta da Real Fazenda um valioso espólio de 262 peças, entre joias e inúmeros objetos de ouro e prata, tais como relógios, colares, anéis, brincos, relicários da Índia, bandejas, jarros e castiçais, no valor de 22.827$600 réis. Depositou, ainda, entre outros, 61 escrituras respeitantes a prédios urbanos e rústicos comprados por D. Guiomar, na quantia de 45.373$719, tal como 41 escrituras relativas a juros e dívidas ativas, no valor de 14.649$256 réis, e a carta de partilhas do irmão Francisco Luís de Vasconcelos Bettencourt. O antigo administrador tentou, entretanto, que não se procedesse de imediato à execução, comprometendo-se a saldar parte da dívida através de prestações anuais, mas, ao retirar-se para Lisboa, indicava desligar-se do assunto, dedicando-se a outras atividades. Em breve, seria o Juízo dos Resíduos e Capelas a processar o testamenteiro e os legatários pelos atrasos no cumprimento dos encargos das 48 capelas, tendo o coronel Luís Vicente de Carvalhal Esmeraldo (c. 1752-1798), então herdeiro, procurado demarcar-se da situação; aliás, tentou embargar a partida para Lisboa do P.e Manuel de Jesus. Nesse caso, o testamenteiro ainda conseguiu de Roma o perdão para os atrasos, mas o mesmo não se passou com as dívidas à Fazenda. Os principais prédios de D. Guiomar acabaram por ir à praça pública, bem como parte das joias e o que restava recolheu a Lisboa, em setembro de 1801, englobando essa remessa “os panos de rás”, muito provavelmente as tapeçarias que, em 1694, o bisavô da morgada vinculara ao morgadio do Loreto. Do incomensurável espólio móvel de D. Guiomar, com centenas de peças de prata, tapeçarias, entre outros, praticamente nada ficou perfeitamente identificável, salvo o conjunto de peças de prata formado por seis castiçais e três sacras que deixou em testamento à igreja de N.ª Sª do Monte e que encomendara em Londres, entre 1772 e 1773, ao prateiro John Carter. Resta, felizmente, o mirante da Quinta Vigia, o edifício neoclássico que ali mandou levantar e a capela onde por certo rezou. Em ruínas, ainda se mantém, altaneira, a residência da R. do Castanheiro, mas, face ao adiantado estado de degradação, provavelmente, não por muito mais tempo. Bibliog. manuscrita: ANTT, Junta e Provedoria da Real Fazenda do Funchal, códs. 761, 771 e 1632; APEF, Oratórios, cx. 1, Processo do Oratório de Dona Guiomar Madalena de Sá e Vilhena; AHU, Madeira e Porto Santo, n.os 147, 150, 701, 706, 712, 883, 4804, 4805 e 4833; ARM, Juízo de Resíduos e Capelas, cxs. 2 e 160; ARM, Arquivos Particulares; ARM, Câmara Municipal do Funchal, t. 9, livs. 1259, 1293, 1353; ARM, Governo Civil, liv. 518; ARM, Registos Paroquiais, S. Pedro, Óbitos, liv. 8; ARM, Registos Paroquiais, Sé, Batismos, liv. 20; ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, livs. 10 e 13; ARM, Registos Notariais, liv. 997; BNB, cartografia 1090203, FERNANDES, Mateus (III), Cidade do Funchal, 1567/1570; BPMP, cota PP 190/CE, Agostinho José Marques Rosa, Planta da Cidade do Funchal Capital da Ilha da Madeira, c. 1800; IGP, cota 539, Reinaldo OUDINOT  (dir. e execução final), Planta da Cidade do Funchal Capital da Ilha da Madeira em que se Representão as Ruinas Causadas pelo Aluvião de 9 de Outubro de 1803; impressa: Heraldo da Madeira, Funchal, 27 jan. 1907; BARROS, Bernardete, Dona Guiomar de Sá Vilhena. A vivência singular de uma mulher no século XVIII, Funchal, SRT, CEHA, 2001; CÂMARA, Paulo Perestrelo da, Breve Notícia sobre a Ilha da Madeira ou memórias sobre a sua Geografia, História, Geologia, Topographia, Agricultura, Commercio, etc. Offerecida a Sua Magestade Fidelissima a Sra. Dona Maria Segunda, Lisboa, Typ. da A. das Bellas Artes, 1841; CARITA, Rui, História da Madeira, vol. V, Funchal, SER, 1999; Id., “A Confraria de S. José da Sé do Funchal e a Família da Ilustríssima Dona Guiomar de Sá Vilhena”, Islenha, n.º 27, 2000, pp. 60-70; CARITA, Rui e TRUEVA, José Manuel de Sainz, Itinerário Cultural do Funchal, Funchal, CMF, 1997; GUERRA, Jorge Valdemar, "A Quinta de Nossa Senhora das Angústias. Em torno dos seus proprietários", Islenha, n.º 14, 1994, pp. 113-136; HICKEY, William, Memoirs of William Hickey, 3 vols., London, Hurst & Blackett, Ltd., [1919]; SKINNER, “Plan of The Town of Funchal by Capt. Skinner, 1775”, in JOHNSTON, William, Geo-hydrographic Survey of the Isle of Madeira with the Dezertas and Porto Santo Islands, Geometrically taken in the Year 1788, London, W. Faden, 1791; SOUSA, João José Abreu de, O movimento do Porto do Funchal e a conjuntura da Madeira de 1727 a 1810. Alguns aspectos, Funchal, DRAC, 1989; TRUEVA, José de Sainz, “Igrejas, Casas, Fortalezas e Capelas Brasonadas da Ilha da Madeira e Porto Santo”, Atlântico, n.º 11, outono de 1987, pp. 182-196; VERÍSSIMO, Nelson, “A caminho da Índia, William Hickey no Funchal”, Diário de Notícias, revista, Funchal, 8 jun. 1997; VIEIRA, Alberto, História do Vinho da Madeira. Documentos e textos, Funchal, CEHA, 1993. Rui Carita (atualizado a 03.10.2016)

vias rodoviárias

A circulação de pessoas e mercadorias na Madeira foi sempre feita com grandes dificuldades. Com efeito, até ao séc. XX, as vias de comunicação da Ilha eram muito rudimentares. Nas últimas décadas dessa centúria e nas primeiras do séc. XXI, a rede viária foi profundamente modernizada. Construíram-se estradas, viadutos, pontes e túneis, obras com um forte contributo da engenharia portuguesa que revolucionaram as acessibilidades do arquipélago. Palavras-chave: transportes; mobilidade; engenharia; obras públicas. O povoamento da Madeira foi iniciado do litoral para o interior, vencendo a orografia da Ilha: “a partir da costa para o interior, os caminhos foram-se ramificando, sinuosos, íngremes e estreitos, à medida que as populações se vão fixando, que os povos surgem, que a capela se ergue, que a mata incendiada dá lugar, primeiro à seara e ao canavial depois” (SUMARES et al., 2002, 17), a partir da região sul. Com efeito, em 1455, as povoações principais estavam situadas no litoral sul: Funchal, Machico, Santa Cruz e Câmara de Lobos. O relevo da Ilha, caracterizado por montanhas de elevada altitude, vales profundos, declives acentuados e arribas imponentes, além das águas abundantes e vegetação densa das montanhas, dificultou fortemente a circulação de pessoas entre diferentes locais da Madeira, desde o início do seu povoamento. Frutuoso descreve as dificuldades iniciais da exploração terrestre da ilha da Madeira: “[João Gonçalves Zarco] mandou gente por terra, que caminharam com grande trabalho e perigo, não pelo na Ilha haver de animais ferozes, nem bichos peçonhentos e nocivos, como em outras partes, porque nesta fresca Ilha se não achou outro género de bichos senão umas lagartixas pequenas tamanhas de um dedo, que não fazem dano notável, nem são peçonhentas. Mas tornando à gente que por terra descobria, por ser mui fragosa a Ilha daqui para baixo, de altas rochas, profundas ribeiras, ásperos caminhos, e espessos montados, passaram mal, e puseram muitos dias no caminho” (FRUTUOSO, 1823, 67). Até fins do séc. XIX, as vias terrestres eram escassas e de difícil acesso, por veredas e caminhos inclinados, sujeitos a derrocadas ou outros efeitos erosivos da água das chuvas ou do mar. Os caminhos, trilhos e veredas eram difíceis de construir em tão sinuosas condições geográficas e, em geral, tinham de ser percorridos a pé, a cavalo, em palanquim ou rede (Transportes). Segundo um relatório do governador Sebastião Xavier Botelho, em 1819: “faltam pontes em algumas destas ribeiras, e por isso no inverno é muitas vezes embaraçada a comunicação dos povos entre si, e com a capital, são aplicados fora do tempo os remédios espirituais, falta-se ao sacrifício da missa, e seguem-se os outros males, que nascem de não haver comunicação” (SUMARES et al., 2002, 30). O transporte marítimo era então o meio de comunicação mais importante para os madeirenses. As mercadorias eram transportadas em barcos de carreira, embarcações a remo, vela ou motor, que ligavam vários portos da costa sul (Funchal, Campanário, Ribeira Brava, Calheta, Paul e Porto Moniz), da costa norte (Faial, Ponta Delgada e Porto Moniz) e Porto Santo. Em tempos mais modernos, o transporte de passageiros era feito nos vapores costeiros, com carreiras semanais para o Porto Moniz e o Porto Santo. Para grande parte da população madeirense, a deslocação ao Funchal representava uma jornada difícil e, por isso, pouco frequente. Ainda no início do séc. XXI encontramos madeirenses que relatam os tempos em que iam a pé para o Funchal, por trilhos e veredas, arriscando a sua própria segurança. As pessoas atravessavam a Ilha a pé ou em carroça, desde o norte até à costa sul. No sul, com melhores condições de mar, era possível apanhar o barco (o “vapor” ou embarcações de remos ou vela) para o Funchal. Os que não podiam pagar o transporte de barco, seguiam a pé. Estradas reais [caption id="attachment_8340" align="alignleft" width="300"] Escadas na Estrada, Canto do Muro. BF.[/caption] Até o séc. XIX, as vias de comunicação terrestres mantiveram as características de veredas e caminhos, muito difíceis de construir e de manter, impondo grande risco para a população que os atravessava. O Cap.-Gen. João António Sá Pereira, em 1777, refere: “não havia [...] caminhos alguns por onde, sem bem evidente perigo de vida, se pudesse passar de umas para as outras freguesias, e ainda sair da cidade mais de meia légua [...], era quase impossível a comunicação da capital com as vilas de toda a Ilha que não fosse unicamente pelo mar, que, no inverno era bravíssimo” (LEITÃO, 2012, 33). Segundo Eduardo Pereira, algumas povoações madeirenses “viviam quase no isolamento das antigas cidades gregas, comunicando-se e reunindo-se só em determinadas épocas do ano por motivos políticos ou religiosos” (PEREIRA, 1940, 365). Também em relação ao Funchal, onde o progresso era naturalmente antecipado em relação às restantes regiões do arquipélago, escreve uma visitante inglesa no séc. XVIII: “As ruas do Funchal estão todas pavimentadas de seixos, na sua maior parte aguçadas; não têm passeios laterais, de forma que andar a pé não é fácil nem agradável, e, como de ordinário são íngremes, torna-se isso trabalho fatigante” (SUMARES et al., 2002,18). As dificuldades de transporte e acessos na ilha da Madeira causavam enorme isolamento e atraso no desenvolvimento económico das populações, principalmente no norte da Ilha. Em 1815, a Junta de Agricultura apresentou um projeto ao rei que visava a abertura de uma nova estrada geral, de leste para oeste, com ramificações de norte a sul, que pudesse contribuir para o desenvolvimento do comércio interno de produtos agrícolas. Em 1836, foi instalada uma comissão de estradas na Madeira, havendo desde então registo de abertura e reparações de estradas, veredas, pontes e túneis. As estradas desenvolvidas nessa época foram denominadas estradas reais. Entre 1848 e 1849 foi construída a ponte do Ribeiro Seco, então conhecida por ponte Monumental, que ligava o Funchal a Câmara de Lobos. Sob a direção do capitão de engenharia Tibério Augusto Blanc, esta ponte teve origem num projeto idealizado pelo governador Luiz da Silva Mouzinho de Albuquerque: “Logo ao sair da cidade para o lado d’oeste encontra-se uma grande quebrada que as torrentes hão formado, e no fundo da qual passa o Ribeiro Seco. Esta quebrada intentou o Sr. Mousinho d’Albuquerque atravessar por meio de uma ponte pênsil; e para esse fim começou por mandar construir dois gigantescos pilares, afora dos fortíssimos encontros em cada uma das bordas da quebrada. Entrava no plano a ideia de levantar um monumento à memória do imortal duque de Bragança, magnânimo libertador dos portugueses, e nesta conformidade devia a obra ser magnífica e grandiosa” (SILVA e MENESES, 1978, I, 799). A ponte do Ribeiro Seco, construída em alvenaria e pavimento calcetado com pedra quebrada, significou um marco importante na construção da primeira estrada da Madeira — a estrada Monumental — que seria concluída com a ponte dos Socorridos, em 1851. [caption id="attachment_8344" align="alignleft" width="300"] Túnel do Arco de S. Jorge, BF.[/caption] Nos anos seguintes, foram abertas outras estradas com as seguintes ligações: Porto Moniz-Ribeira da Janela, Seixal-São Vicente, Terças (Santa Cruz)-Santo da Serra, Ponta do Sol-Madalena do Mar, Ladeira de Santana-Calhau de São Jorge, Santo António-Curral das Freiras, Machico-Porto da Cruz. Estas obras foram da responsabilidade do governador civil José Silvestre Ribeiro, “um dos mais dinâmicos e empreendedores governantes desta terra” (SUMARES et al., 2002, 18). As principais estradas reais (que se passaram a chamar estradas nacionais após a implantação da República) estabeleciam, assim, a comunicação entre as principais localidades da Ilha, cruzando-a de norte a sul. Até 1821, a responsabilidade das vias de acesso terrestre da Madeira estava a cargo dos capitães-generais, através da cobrança de ordenanças, tendo passado depois para os inspetores de agricultura e estradas. Alguns caminhos eram privados, o que limitava a mobilidade da população. A manutenção desta rede viária era necessária e difícil, pois a orografia da Madeira e as abundantes águas de inverno deterioravam as estradas e faziam da sua utilização um perigo eminente. Para assegurar a acessibilidade e segurança das populações que percorriam essas estradas, foi criado um imposto de trabalho, conhecido por “roda de caminho”, que consistia em cinco dias de trabalho braçal que os chefes de família eram obrigados a desenvolver na manutenção e construção de estradas (este imposto podia também ser pago em dinheiro, poupando os mais ricos). No século XX Apesar dos esforços da comissão de estradas, a rede viária continuava muito atrasada; as populações no norte da Ilha tinham muita dificuldade em percorrê-las: “os habitantes da freguesia de São Vicente cada vez que precisavam de ir ao Funchal para vender gado ou por outras razões pessoais ou familiares, faziam o percurso da Encumeada, que passava pelo Caramujo, Estanquinhos e Boca da Encumeada, passando pela Serra de Água, descendo até a Ribeira Brava. De lá, iam de barco até ao Funchal [...] para os que não iam de barco, o percurso para o Funchal fazia-se subindo o Curral das Freiras, que ia dar mais ou menos à freguesia de Santo António” (ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL CRESCER SEM RISCO, s.d. , 12). Também os turistas (que aumentavam em número pelas, cada vez mais famosas, características terapêuticas do clima madeirense) tinham dificuldade na visita à Ilha. Júlio Dinis, numa carta de 1869, refere-se à sua estadia na Madeira, alegando: “Passeios a pé são impraticáveis, graças às pavorosas subidas que por toda a parte se encontram. A rede não é tão cómoda como parece; os carros sem rodas não podem vencer todos os caminhos” (SUMARES et al., 2002, 19). Até ao ano de 1901, em que foi concedida a autonomia administrativa ao Funchal, “somente havia nove quilómetros duma boa estrada, que punha a cidade do Funchal em comunicação com a vila de Câmara de Lobos” (SILVA e MENESES, 1978, I, 800). Segundo a primeira edição do Elucidário Madeirense: “As estradas madeirenses são muitas vezes péssimas, e nalgumas o ângulo de inclinação é tal que só com grande esforço se pode transitar por elas. O viajante pode visitar quase todos os pontos dos arrabaldes do Funchal, servindo-se dos carros puxados por bois, mas para alcançar certos pontos do interior e subir às fragosas eminências que formam uma boa parte da Ilha, necessário é recorrer ao cavalo ou a rede, sendo este último meio de transporte o mais adequado a certo género de viagens.” (Id., Ibid., II, 588). O Elucidário Madeirense chega a descrever: “As vias de comunicação na Madeira eram, sem contestação possível, as piores de todo o nosso país [...] A maior parte delas não merecia o nome de estradas, pois que na sua generalidade eram estreitas veredas praticadas num solo de penoso e dificílimo piso, sobranceiras a insondáveis abismos e costeando os flancos de elevadas montanhas, oferecendo quase sempre aos viandantes os mais graves incómodos e perigos” (Id., Ibid., I, 800). O aumento de visitantes na Madeira em finais do séc. XIX teve uma importante influência no desenvolvimento de uma nova rede de estradas. A economia do turismo começava a desenvolver-se e era essencial melhorar a circulação interna da Ilha. No início do séc. XX, o visconde da Ribeira Brava, então presidente da Junta Agrícola, mandou delinear, com a Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal (JGDAF), um ambicioso projeto de desenvolvimento de uma rede de estradas que permitisse a deslocação das populações, “um grandioso plano de estradas com o fim de criar a indústria do turismo nesta Ilha” (PEREIRA, 1989, 15). Este projeto consistia no plano de construção de duas estradas: uma de leste e outra de oeste, com especial enfoque na passagem por pontos de atração turística. Entre 1913 e 1918, iniciaram-se trabalhos de exploração e terraplanagem para a construção das novas estradas. Em 1938, foi aprovado um plano para a execução de uma rede complementar de estradas da ilha da Madeira, após um estudo realizado por uma comissão técnica denominada para esse propósito. O plano aprovado em decreto seria executado em três fases; a execução total do plano estava estimada em 44.000.000$00 (75% de comparticipação do Estado e os restantes seriam pagos por empréstimo contraído pela JGDAF). Na execução do plano complementar de estradas, houve também um grande esforço para melhorar e modernizar as estradas antigas, adaptando-as à circulação automóvel. Note-se que o primeiro automóvel chegou à Madeira em 1904. Porém, o automóvel era então um bem de luxo que não servia como transporte para a maioria dos madeirenses: apenas duas décadas mais tarde surgiram na Ilha os automóveis para transporte coletivo, iniciando-se então a necessidade de utilização das vias rodoviárias para a circulação da população por automóvel. Em 1938, as estradas reais passaram a ser denominadas estradas nacionais, tendo sido criadas três categorias para a classificação da rede viária naquela época. A primeira era, precisamente, a das estradas nacionais, as anteriores estradas reais que ligavam o Funchal a diferentes localidades da Ilha. A estrada nacional (EN) número 23 dava a volta à ilha da Madeira, costeando o litoral e perfazendo 166 km; passava por Câmara de Lobos, Quinta Grande, Campanário, Ribeira Brava, Tábua, Ponta do Sol, Madalena do Mar, Arco da Calheta, Calheta, Estreito, Prazeres, Fajã da Ovelha, Ponta do Pargo, Achadas, Porto Moniz, Ribeira da Janela, Seixal, São Vicente, Ponta Delgada, Boa Ventura, Arco São Jorge, Santana, Faial, São Roque do Faial, Porto da Cruz, Machico, Santa Cruz, Porto Novo, Caniço, São Gonçalo, Funchal. A EN24 ligava Funchal, Monte, Poiso, Ribeiro Frio, Cruzinha e Santana, perfazia 28 km; era usada pelos famosos cestos do Monte, a propósito dos quais se escreveu: “E assim descemos do Monte pela estrada real n.° 24, em cinco minutos, n’um percurso de 4 kilometros, realizando uma velocidade de 48 kilometros por hora!” (SILVA e MENESES, III, 1978, 650). A EN25, com 34 km, ligava Funchal, São Martinho, Estreito de Câmara de Lobos, Jardim da Serra, Encumeada, Rosário e São Vicente. A EN26, com 13 km, passava por Ribeira Brava-Serra de Água, Encumeada, São Vicente. A EN27, com 33 km, passava por Funchal, Santo António, Curral das Freiras e Boaventura, e tinha ligação à referida EN23. E a EN28, perfazia 19 km, ligando Ponta do Sol, Cruzinhas, Encumeada, beira do Paul da Serra, Ruínas das Casas do Paul, Estanquinhos, Caramujo, Feiteiras (São Vicente). A segunda categoria de redes viárias era a das estradas municipais, que ligavam as sedes de concelho às freguesias e povoações mais importantes. Destinadas à viação rápida, tinham uma largura mínima de 5 m e valetas de 0,5 m de abertura. A sua inclinação média (e a das estradas nacionais) era de 8% a 10%. A terceira e última categoria era a dos designados caminhos vicinais, ligações de interesse secundário. Os caminhos vicinais (e as estradas municipais) de acesso pedonal tinham inclinações entre 13% e 27%. Os caminhos que permitiam trânsito automóvel eram considerados de primeira ordem, com largura mínima de 3,5 m e valetas de 0,5 m de abertura. Em 1955, a ilha da Madeira tinha uma rede de estradas nacionais de 314 km, o que revela o enorme esforço e investimento feito durante a primeira metade do séc. XX, considerando que a rede viária tinha apenas 9 km no início do século. Alguns destes esforços foram feitos conjuntamente com os trabalhos de construção de levadas efetuados pela Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos, no mesmo intuito de atravessar vales e montanhas. As estradas de leste e de oeste foram, entretanto, finalizadas. A estrada de leste, que tinha cerca de 30 km e cujo traçado passava por Funchal, Caniço, Gaula, Santa Cruz, Machico, Portela, ficou concluída em 1954. A estrada de oeste, com cerca de 70 km, passava por Funchal, Câmara de Lobos, Estreito de Câmara de Lobos, Quinta Grande, Campanário, Ribeira Brava, Tábua, Ponta do Sol, Canhas, Loreto, Calheta, Estreito da Calheta, Prazeres e Fajã da Ovelha; e incluía duas extensões: uma a partir do Funchal (Funchal, Monte, Poiso, Ribeiro Frio, com extensão de cerca de 41 km) e outra a partir da Ribeira Brava (Ribeira Brava, Serra d’Água, Encumeada, São Vicente, Ponta Delgada, com extensão de cerca de 45 km). A obra rodoviária construída entre 1926 e 1968 foi apreciada por peritos nacionais e internacionais, destacando-se D. Boulet, cujo relatório, publicado numa revista de obras públicas francesa, afirma: “Talhada nas rochas, em muro quase vertical, a muitas centenas de metros acima do vale ou do mar, a estrada vertiginosa bordeja muitos precipícios alucinantes a tal ponto que não se sabe se devemos admirar mais os engenheiros que as estudaram e determinaram os traçados, se a mão de obra que realizou o trabalho nas condições duma audácia espantosa” (PEREIRA, 1989, 24). A Estrada Regional (ER) número 101 (ER101), antiga EN23, com 205 km de extensão, merece especial destaque por ser uma “obra de engenharia notável, realizada com os meios limitados da época, que só encontra paralelo na extraordinária rede de levadas construída ao longo dos séculos” (BANDEIRA, 2004, 37). Foi concluída a 6 de junho de 1958, com a inauguração do túnel Boa Ventura/Arco de São Jorge. Na passagem para o séc. XXI, encontra-se sem circulação rodoviária principal, mas está ainda na lembrança de muitos madeirenses e turistas o percurso vertiginoso da estrada escarpada na rocha da costa norte, desde São Vicente ao Porto Moniz. A sua imagem ficou gravada em muitos postais madeirenses. A construção das estradas [caption id="attachment_8361" align="alignleft" width="300"] Ponte, São Vicente. BF.[/caption] A construção da rede viária na ilha da Madeira foi realizada “à custa de muito dinheiro, força de vontade, sacrifícios e dedicações de funcionários e trabalhadores” (PEREIRA, 1989, 16). Os trilhos, veredas, estradas, túneis e pontes construídos em escarpas verticais de centenas de metros de altitude representam um trabalho de muitos homens que deve ficar na memória da história da Madeira, à semelhança do trabalho da construção das levadas. Pereira refere, sobre os trabalhadores, que “estes, como muitos outros, desprendidos, corajosos e heroicos, suspensos por grossos calabres em trapézios, com um abismo de 500 metros aos pés, faziam perfurações que deviam ser dinamitadas” (Id., Ibid.). Ao esforço do trabalho de perfuração da rocha usando picaretas, acrescia o esforço realizado para transportar os materiais de construção em cestos, à cabeça ou à mão, por longas distâncias e tortuosos caminhos. Chegaram a trabalhar na construção da rede viária mais de 100 operários vindos de Cabo Verde, “importados pelo visconde da Ribeira Brava para os libertar duma crise de fome flageladora daquele arquipélago” (PEREIRA, 1989, 17). Na construção das estradas, a técnica de pavimentação foi-se alterando, com especial esforço para adaptar as estradas à circulação de automóveis. As estradas mais antigas tinham pavimento de “ressaltos de pedras roladas e caboucos” (PEREIRA, 1989, 14). A estradas reais de melhor piso eram empedradas de basalto liso ou de “calçada pé-de-boi”, um empedrado de basalto que nas ladeiras tinha a forma de degraus abaulados com largura correspondente à passada de um boi, devido à vulgar utilização destes animais na tração de veículos de transporte. Posteriormente, foram adotadas as técnicas modernas da época: a calçada de paralelepípedos de basalto, assentes sobre fundação de macadame, a calçada de fundação, calçada coberta de tapete betuminoso ou calçada de revestimento superficial betuminoso sobre fundação de macadame. A primeira estrada a ser asfaltada foi o ramal da estrada Monumental que conduzia às piscinas do Lido, em 1949. A modernização da rede rodoviária de finais do século XX Nos anos 80, inserindo-se no contexto económico nacional, que usufruía da abertura aos fundos da União Europeia, a Madeira foi alvo de uma estrondosa modernização das infraestruturas rodoviárias. A melhoria das acessibilidades como infraestruturas de apoio ao desenvolvimento económico eram, então, a razão para o forte investimento visível das últimas décadas do séc. XX. A inauguração da estrada da Liberdade, em 1989, com cerca de 4 km, ligando a rotunda de D. Francisco Santana às Quebradas, em São Martinho, marca o início de uma via rápida (VR), a número 1, projetada para a Madeira. A ligação este da VR1, entre a Ribeira Brava e o Funchal, ficou operacional entre 1996 e 1997. Em 2000, foi inaugurado o troço oeste, ligando o Funchal a Machico e, quatro anos mais tarde, ao Caniçal. Na passagem pelo Funchal, a VR1 constitui uma circular à cota 200, com uma implantação complexa: “Esta via, com uma extensão total de 5,5 quilómetros, está implantada a meia encosta do anfiteatro em que se instalou a cidade e liga a saída oeste [...] à saída leste [...] estabelecendo um verdadeiro by-pass à malha urbana para o tráfego de passagem que, anteriormente, tinha de atravessar o centro do Funchal” (BANDEIRA, 2004, 33). [caption id="attachment_8358" align="alignleft" width="241"] Ponte do Porto Novo, pormenor. BF.[/caption] A moderna rede viária da Madeira, construída nas últimas três décadas, é constituída por uma rede regional principal (formada por vias de comunicação rodoviária de maior interesse regional, que asseguram as ligações entre as sedes de concelho ou destas com os principais centros de atividade económica, formando uma rede viária estruturante em ambas as ilhas) e uma rede regional complementar (formada por vias que estabelecem as ligações entre as estradas regionais principais e os núcleos populacionais mais importantes e complementam a estrutura principal da rede regional principal), conforme se lê no dec. leg. regional n.º 15/2005/M. As vias regionais principais podem ser classificadas como vias rápidas, vias expresso ou vias regulares. As vias rápidas pertencem à rede regional principal; dispõem de faixas de rodagem distintas para os dois sentidos de tráfego, separadas por uma zona central; e não têm cruzamentos de nível com qualquer outra estrada. A VR1 tem uma plataforma com largura de 16,5 a 18,5 m, duas faixas de rodagem, duas vias em cada sentido, separador central e bermas. A inclinação máxima é de 10% (8% em túnel). Constituída por pontes, viadutos e túneis, tem uma extensão de 44 km (ligação da Ribeira Brava ao Caniçal), passa pelo Funchal, sob a forma de circular (cota 200) e admite uma velocidade máxima de 80 a 100 km/h. O traçado da VR1 foi concebido para privilegiar a solução de túnel no atravessamento das zonas de maior ocupação urbana ou de significativo interesse paisagístico. No atravessamento dos vales, recorreu-se a pontes e viadutos de extensão significativa. Esta via rápida inclui no seu traçado 30 túneis e relevantes obras de arte da engenharia civil. No início do séc. XXI, está em construção a VR2, entre Câmara de Lobos e o Estreito de Câmara de Lobos. [caption id="attachment_8365" align="alignright" width="300"] Vista total sobre a Ponte do Porto Novo, Santa Cruz, BF.[/caption] As vias expresso têm uma faixa de rodagem, duas vias em cada sentido (pode ainda haver uma via de transportes lentos do lado ascendente) e não têm separador central. A inclinação máxima é de 12% (8% em túnel) e a velocidade máxima permitida é de 80 a 90 km/h. As ligações norte-sul e na costa norte foram melhoradas e modernizadas com as ligações por via expresso (VE). As vias expresso vieram substituir muitas das estradas regionais que, por falta de manutenção ou por razões de segurança, têm sido fechadas à circulação. Na Madeira, há sete vias expresso (VE1 a VE7). A VE1, com 18,5 km, inicia-se na VR1, em Machico, e termina na Ribeira de São Jorge (Santana). A ligação com a VR1 é feita com recurso a um nó desnivelado e o acesso a vias ou localidades atravessadas por cruzamentos de nível ou por interseções do tipo rotunda. A VE2, com 15 km, liga São Vicente ao Porto Moniz, constituindo uma alternativa à antiga e famosa ER101 (alguns troços desta antiga estrada foram mantidos para fins essencialmente turísticos). A VE3, com 23,2 km, inicia-se na Ribeira Brava, atravessa Tabua, Ponta do Sol, Madalena do Mar e Calheta, ao longo da costa sudoeste da Ilha, terminando na Raposeira. A VE4, com 14,3 km, liga a costa sul à costa norte, a oeste da Ilha; começa na Serra d´Água e termina em São Vicente (com ligação à VE2), e inclui no seu traçado o túnel da Encumeada, que tem 3,1 km de extensão. A VE5, com 3,9 km, começa na rotunda da Cancela e termina na Camacha (Santa Cruz). A VE6, com 2,7 km, é o túnel que liga o Curral das Freiras à Ribeira da Lapa. A VE7, com 2,6 km, é o túnel que liga a freguesia do Jardim do Mar e a do Paul do Mar. Estão previstas mais duas VE, uma no Funchal e outra ligando a Ponta do Sol e os Canhas. Finalmente, as vias regulares são todas as restantes estradas da rede regional principal. Porto Santo A ilha do Porto Santo não tinha os condicionamentos da geografia madeirense. Porém, o progresso da rede viária foi condicionado pelo seu maior isolamento em relação à ilha da Madeira. Até o séc. XX, a rede viária do Porto Santo era formada por caminhos vicinais que uniam a vila Baleira aos aglomerados de população. Também havia atalhos e sítios de passagem por terras aráveis com “carreiros de pé-posto” (PEREIRA, 1940, 368). Com piso de empedramento irregular, cascalho, terra solta ou areia, as principais vias eram, para leste, Vila, Portela, Serra de Fora, Porto dos Frades e Serra de Dentro; para norte, Vila, Tanque (com dois ramais: um para o Pico do Castelo e outro que liga o sítio do Farrobo à Camacha e Pedregal), Areias, Fonte da Areia; para oeste, Vila, Campo de Baixo, Espírito Santo (com ramal para o Campo de Cima), Ponta e Calheta. [caption id="attachment_8347" align="alignleft" width="300"] Água de Pena, Machico, BF.[/caption] O plano da rede complementar de estradas, decretado em 1938, não beneficiou o Porto Santo, tendo este sido “sacrificado ao turismo da Madeira” (Id., 1989, 31). No entanto, a ilha foi abrangida por um plano de fomento hidroagrícola e florestal que beneficiou a população com uma rede de estradas e caminhos, incluindo o seu alargamento, pavimentação e calcetamento, entre 1955 e 1971. Após a inauguração do aeroporto, em 1960, foram abertas duas novas vias: uma do sítio do Tanque ao aeroporto e outra, constituída pelos Serviços Florestais, do Tanque ao Pico do Castelo (contornando-o pelo flanco sul até mais de meia altura do pico) e descendo até à Camacha. No começo do séc. XXI, existiam quatro estradas regionais, uma principal e três complementares, na ilha do Porto Santo. A ER120 (principal) liga a Calheta, Campo de Baixo, Cidade Vila Baleira, Porto de Abrigo; Cidade Vila Baleira, Dragoal, Farrobo, Camacha, Pedregal, Serra de Dentro, Serra de Fora, Porto dos Frades. A ER260 entre a  Barroca e a Serra de Fora. A ER261 liga o Dragoal, Pico do Castelo, Camacha. A ER262 liga o Tanque, Aeroporto, Farrobo. Pontes, furados e viadutos Devido às características geográficas da Madeira, já anteriormente referidas, a construção de estradas esteve sempre associada à necessidade de pontes que vencessem os vales e as ribeiras, e a túneis que permitissem, não só, a passagem de pessoas para lá das montanhas, mas também, a passagem da água e o transporte de mercadorias. Os túneis tinham o antigo nome de “furados”, pelo qual, ainda no início do séc. XXI, são conhecidos pelos madeirenses. Entre os furados mais imponentes, anteriores às construções modernas, do final do séc. XX, mencionam-se: “o Furado Velho da Levada Velha do Rabaçal, que mede 450 metros de extensão, e o Furado Novo da Levada Nova do Rabaçal, que tem 800 metros de comprimento, havendo outros de muito mais limitada extensão” (SILVA e MENESES, 1978, II, 507). [caption id="attachment_8351" align="alignleft" width="197"] Ponte do Porto Novo, BF.[/caption] As pontes e viadutos, obras de arte da engenharia civil, encontram-se em todos os traçados das vias rodoviárias modernas da Madeira. A Ilha possui um vasto património de pontes antigas, que tiveram de ser conservadas, reforçadas ou ampliadas para se adaptarem ao aumento do tráfego rodoviário. As pontes mais antigas foram construídas em alvenaria de pedra e betão, sendo constituídas por arcos simples. Destacam-se a ponte Monumental (ponte do Ribeiro Seco), a ponte da ribeira dos Socorridos e a ponte da ribeira do Faial. Das pontes construídas nos traçados rodoviários modernos, destacam-se a ponte João Gomes e a ponte dos Socorridos (com pilares que atingem os 120 m de altura, foi a primeira ponte de tirantes com suspensão axial realizada em Portugal), ambas projetadas pelo Eng. António Reis. Entre outras obras de arte da rede rodoviária moderna madeirense, podem ser consideradas obras de relevo na engenharia civil, ambas no traçado da VR1, o viaduto da Amoreira, entre o Funchal e a Ribeira Brava, de estrutura contínua com comprimento de 550 m; e o viaduto do Comboio, entre o nó da Pestana Júnior e o túnel da quinta da Palmeira, pela sua inserção numa zona com forte ocupação urbana. As estradas reais (ou caminhos reais) perderam importância com a chegada dos automóveis e da construção da rede de estradas moderna do séc. XX. No entanto, o interesse recente das autoridades madeirenses em recuperar estes caminhos antigos ajudará a guardá-los na memória da história da Madeira, lembrando os homens que os projetaram e construíram com enorme esforço e coragem. [caption id="attachment_8354" align="alignright" width="300"] Ponte dos Socorridos, BF.[/caption] A modernização da rede rodoviária madeirense a que assistimos nas últimas décadas reduziu drasticamente a distância-tempo entre as diferentes localidades da Ilha, aumentando a segurança e acessibilidade das populações. A construção da rede rodoviária da Madeira é montra da capacidade da engenharia portuguesa, não só no que se refere às estradas, que são visíveis a todos os que por lá passam, mas também no que se refere às infraestruturas que, podendo passar desapercebidas ao passageiro comum, sustentam a viabilidade e segurança dessas vias rodoviárias. O grande projeto da criação de estradas na Madeira, ao longo dos últimos dois séculos, demonstra o papel do engenheiro no desenvolvimento criativo e audaz de condições que contribuem para a melhoria da qualidade de vida das populações. Bibliog. impressa: ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL CRESCER SEM RISCO, Os Trilhos e Veredas do Concelho de São Vicente, s.l., Associação de Solidariedade Social Crescer sem Risco, col. “Antigamente Era Assim…”, vol. v, s.d.; BANDEIRA, Carlos, “Projectos e Obras: A Modernização da Rede Viária da Ilha da Madeira”, Engenharia e Vida, n.º 12, 2004, pp. 28-40; CADAMOSTO, Luís de e SINTRA, Pedro de, Viagens, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1948; Decreto Legislativo Regional n.º 1/2013/M, 2 de janeiro de 2013; FRUTUOSO, Gaspar, As Saudades da Terra, Funchal, Empresa Municipal Funchal 500 Anos, 2007; LEITÃO, Maria de Fátima Carvalho, Os Impactes Territoriais da Via Rápida da Ilha da Madeira (VR1): Estudo de Caso do Concelho de Santa Cruz, Dissertação de Mestrado em Gestão do Território apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, texto policopiado, 2012; PEREIRA, Eduardo C. N., Ilhas de Zargo, vol. 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