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ribeiro, fernando ramôa

Nascido no Monte, no Funchal em 1945, Fernando Ramôa Ribeiro foi engenheiro químico, professor de Química, presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e, de 2007 até à sua morte, em 2011, Reitor da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), tendo sido eleito para dois sucessivos mandatos. Engenheiro químico de formação, Ramôa Ribeiro foi professor catedrático do Instituto Superior Técnico (IST), no Departamento de Engenharia Química, desde 1988. Após estudos secundários no Liceu Nacional de Aveiro, licenciou-se em 1968 em Engenharia Química-Industrial pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Doutorado em França (Docteur en Sciences) pela Universidade de Poitiers, em 1980, com equivalência a Doutor em Engenharia Química pelo IST-UTL, fez nesta escola a Agregação em Engenharia Química, em 1988. Procurou sempre desenvolver o intercâmbio científico e académico entre Portugal e França, tendo ajudado no lançamento de uma associação de estudantes portugueses de graduação e pós-graduação naquele país. Chamado a colaborar em tarefas de gestão académica e científica, ocupou diversos cargos relevantes na sua escola e no país, designadamente os de vice-presidente do Conselho Diretivo do IST, entre 1984 e 1987, presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), de 1994 a 1996 (após ter sido vice-presidente), vice-reitor da UTL, de 1999 a 2002, e presidente da FCT, a agência de financiamento do sistema científico-tecnológico nacional que, em 1996, sucedeu à JNICT, entre 2002 e 2005. Tendo feito investigação principalmente na área da catálise (em particular, a catálise proporcionada por estruturas minerais manoscópicas, designadas por “zeólitos”, que têm aplicações na indústria petroquímica), promoveu a formação de um dinâmico grupo de investigação que atraiu alguns talentosos jovens (Catalysis and Reaction Engineering Research Group – CRERG). Publicou cerca de duas centenas de artigos em revistas internacionais indexadas, assim como uma dezena de livros, um dos quais um manual universitário publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Entre as suas obras, destacam-se, por ordem cronológica, Reactores Químicos (2002, 2.ª ed., em coautoria com Francisco José de Lemos e José Madeira Lopes), Zeólitos: Um Nanomundo ao Serviço da Catálise (2004, em coautoria com Michel Guisnet); As Indústrias Químicas em Portugal: Perspectivas para o Século XXI (2007), O Futuro e o Passado: Tomada de Posse do Reitor da UTL (2007, em coautoria com Jorge Calado) e A Energia da Razão (2009). Foi membro da Academia das Ciências de Lisboa e membro e Conselheiro da Ordem dos Engenheiros, tendo presidido ao Conselho Nacional do Colégio de Engenharia Química dessa Ordem. Promoveu a indústria química nacional, procurando alargar a sua colaboração com a academia, pelo que não admira que a empresa GALP Energia, na refinaria de Sines, tenha criado um polo de investigação com o seu nome. Foi ainda autor de uma patente europeia. Protagonizou numerosas atividades de intercâmbio internacional. Entre 1989 e 1997, foi membro da Comissão Científica da NATO, e, entre 1989 e 1996, governador do Joint Research Center da União Europeia. Em 2011, foi condecorado pelos Presidentes da República de França e de Portugal com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública. Pessoa de fino trato, para quem era fácil não só fazer como manter amigos, Fernando Ramôa Ribeiro foi não só um brilhante cientista como um gestor de ciência e académico excecional, procurando com habilidade consensos para sair das situações mais difíceis. Faleceu a 29 de agosto de 2011, vítima de cancro, quando muito havia ainda a esperar da sua experiência e clarividência. A 8 e 9 de outubro desse ano, decorreu no Salão Nobre do IST um simpósio científico em sua homenagem sob o título Catalysis: From the Active Site to the Process, e a 4 de Janeiro de 2012 decorreu na Reitoria da UTL uma cerimónia em sua honra. Uma residência universitária no campus do IST no Taguspark tem hoje o seu nome. Obras de Fernando Ramôa Ribeiro: Reactores Químicos, 2002; Zeólitos: Um Nanomundo ao Serviço da Catálise, 2004; As Indústrias Químicas em Portugal: Perspectivas para o Século XXI, 2007; O Futuro e o Passado: Tomada de Posse do Reitor da UTL, 2007; A Energia da Razão, 2009. Bibliog.: Arquivo de Ciência e Tecnologia da FCT: http://act.fct.pt/historia-da-ciencia/protagonistas/fernando-ramoa-ribeiro-1945-2011 (acedido a 23 jul. 2015); IST – Simpósio de homenagem a Fernando Ramôa Ribeiro: http://scrr.ist.utl.pt (acedido a 23 jul. 2015); Boletim da Sociedade Portuguesa de Química – Notícia do simpósio de homenagem: http://www.spq.pt/magazines/BSPQ/658/article/30001792/pdf (acedido a 23 jul. 2015). Carlos Fiolhais (atualizado a 28.02.2016)

ribeira brava

A primeira questão para a qual importa encontrar resposta é a origem do nome deste lugar. Na Relação de Francisco Alcoforado e nas Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso, percebemos já que a ribeira era um importante obstáculo. Diz o primeiro que “passou abaixo até chegar a uma ribeira muito furiosa a que chamou a ribeira brava” (MELO, 1975, 94). O segundo, ao descrever o processo de reconhecimento da Costa por João Gonçalves Zarco, refere-se a “uma furiosa ribeira” e a um local onde havia “traçado uma povoação, que deu nome Ribeira Brava” (FRUTUOSO, 1979, 123). Noutro passo, explica que “a Ribeira é tão furiosa, quando enche, que algumas vezes leva muitas casas e faz muito dano, por vir de grandes montes e altas serras, e por ser desta maneira lhe vieram a chamar Brava” (Ibid., 123). Por volta de 1530, Giulio Landi afirmava que “há a povoação vulgarmente chamada Ribeira Brava que quer dizer torrente rápida porque nela corre um rio que no tempo das chuvas vai com tanto ímpeto que muitas vezes faz arrasar as casas” (ARAGÃO, 1981, 83). O temor da bravura da água que desce das escarpas é uma constante na História deste lugar. Na memória de muitos madeirenses estão presentes alguns momentos dessa fúria recente, com as aluviões de 1970 e de 2010. Durante muito tempo, foi constante a preocupação com a defesa do lugar, tendo sido erguida em 1502 uma primeira muralha, que a invernia destruiu. A tradição registada nos paroquiais de 1735 refere que o lugar se salvou “por milagre do Santo”. Na verdade, por vezes, só um milagre era capaz de conter a fúria da ribeira. Até à atualidade. Ao longo dos tempos, foram sendo feitas obras para controlar a ribeira, sem se conseguir. Há referência à atenção das autoridades nesse sentido em 1508, 1620, 1660, 1747, 1748 e 1803. Em 1878, na sequência dos problemas sucedidos no ano anterior com a ribeira, o Governo Civil refere a atenção de apoio do Tesouro, que “tem dado para as obras, em todos os tempos, grossas quantias, porque a ribeira, correndo ora numa, ora noutra margem, leva tudo diante de si, na sua impetuosa corrente, destruindo plantações e ameaçando a povoação. E sendo ao longo dessa ribeira, que parte dos povos transitam do norte da ilha para o porto da Ribeira Brava, onde embarcam os seus géneros para o Funchal, torna-se a estrada uma das mais frequentadas e importantes do Distrito. Tem estado esta estrada sempre à mercê da ribeira, tornando-se necessárias continuadas despesas para reparações das muralhas e da mesma estrada. Foi para a pôr, tanto quanto possível, ao abrigo da ribeira, que já em 1864, se intentou encostar a ribeira à margem esquerda; no sítio das Murteiras, e que, de então para cá, todas as obras são subordinadas ao pensamento de aproveitar as muralhas do encanamento, utilizando-as para a estrada que vai sempre na encosta esquerda. A povoação, com estes encanamentos, fica muito mais abrigada e protegida, porque as águas correm em direção mais conveniente” (CASTRO, 1878, 52). Nesta época, foram gastos 3.000$000 réis nas muralhas da ribeira. Não obstante este problema, o lugar foi, desde o início da ilha, povoado por colonos, que não se deixaram vencer pela fúria da ribeira. A capelania, criada em 1440, atesta a rápida aposta neste assentamento e na sua afirmação dentro e fora da ilha, graças às riquezas da terra. Os primeiros colonos foram, desta feita, obreiros da terra e bravos guerreiros nas façanhas africanas, tal como refere Gaspar Frutuoso: “os moradores que nela vivem que quando convinha aos capitães do Funchal, que depois foram socorrer os lugares de África com gente deste só lugar, tiravam tão nobres cavaleiros e gente lustrosa, que à sua custa iam servir a El Rei, e tinham tanto nome, como ao diante se verá no discurso desta história” (FRUTUOSO, 1979, 88). Destes, podemos referir Pedro de Brito, Diogo de Barros, Pedro de Barros ou Gaspar Vilela. Há um outro fator importante na valorização da Ribeira Brava e da Serra de Água, que resulta do facto de as populações da encosta norte, nomeadamente de São Vicente, usarem o porto da Ribeira Brava para comunicarem com o Funchal, na medida em que as comunicações marítimas diretas, na costa norte, eram sempre um risco e a viagem por terra, pelo interior da ilha, muito demorada. Nos registos paroquiais dos primórdios da ocupação, há informação relevante sobre o serviço e cabotagem, assinalando-se oito barqueiros ou homens do mar. Em 1765, a visita pastoral à encosta norte fez-se a partir da Ribeira Brava. O custo do frete do barco da viagem entre o Funchal e a Ribeira Brava era de 2$100 réis, enquanto o percurso entre este porto de chegada e a Serra de Água custava 1$600 réis, mais $200 réis de beberete, para os oito homens que transportavam a rede, $600 réis para os seis homens que transportavam os baús e $400 réis para os moços de bestas. O serviço de cabotagem foi muito importante para as freguesias ribeirinhas. No Campanário, na Foz da Ribeira dos Melões, existiu um pequeno cais. A partir de 1875, a Ribeira Brava teve um posto fiscal, mas o cais terá sido construído entre 1904 e 1908. Tamanhas dificuldades e custos faziam com que as populações reivindicassem um caminho em condições que lhes encurtasse as distâncias e facilitasse o acesso à Ribeira Brava, o que só veio a acontecer depois da República, em 1916. Em 1821, Paulo Dias de Almeida refere que o “porto é muito mau, raras vezes se encontra bom mar para desembarcar; a praia é um calhau muito grosso, e com algumas pedras; só os barcos ali costumados encalham sem risco; é costume ali carregar os barcos encalhados e depois de carregados deitados ao mar, esperando a vaga, e isto muitas vezes com o risco de se alagarem. É o lugar de mais concorrência dos habitantes do norte da ilha, por ser o caminho mais curto que há para atravessar a Ilha, uma vez que não haja cheia da Ribeira, pois que os viajantes a atravessam muitas vezes; tem sucedido no inverno os viajantes ficarem detidos quatro, e seis dias na Freguesia da Serra d’Água por falta de caminhos, o qual se poderia ter feito ao lado esquerdo da Ribeira sem grande despesa; bastava aplicar as ordenarias que continuadamente se empregam em fazer os passadiços no leito da Ribeira, não sendo nunca menos de 50 homens, neste trabalho todos os meses, eram bastantes para no espaço de 3 anos terem completo um caminho de tanta necessidade, muito principalmente para os homens que vêm da vila de S. Vicente carregados, que neste porto embarcam, e desembarcam com mais comodidade. Ainda que se venha a completar a estrada que fazem pela serra, jamais os habitantes deixarão de vir à Ribeira Brava carregados, para d’ali irem à cidade em barcos, cuja viagem fazem toda em 6 horas, e pela estrada da serra jamais passarão até à cidade porque se triplica a distância; só viajantes a cavalo, ou algum homem sem carga. Os vinhos do norte não se transportam por terra, é só por mar, é o meio mais cómodo [...] e a maior parte dos habitantes moram distantes, e outros empregados na pesca, e barcos da costa” (CARITA, 1983, 61). As dificuldades na superação deste caminho junto à Ribeira ficaram resolvidas em 1850 com uma muralha mandada construir pelo Governado José Silvestre Ribeiro, no valor de 605$885 réis. Mais uma vez se insiste na importância desta via para as populações do norte: “A comunicação entre a Ribeira Brava e Serra d’Água, aliás tão frequente, e de tamanha conveniência para o comércio interno, e trato dos povos, é muito perigosa na estação do inverno, em razão de ser necessário atravessar sete vezes a ribeira. Tornava-se pois necessário abrir um caminho na rocha da margem direita, e assim se fez […]” (Ibid., 61). A valorização do lugar da Serra de Água muito tem a ver com este movimento das gentes do norte. Em 1888, as gentes de São Vicente reclamam um porto e, enquanto este não chega, insistem na ideia de uma estrada e de um túnel que ligassem à Ribeira Brava, uma vez que esta era a via privilegiada de escoamento dos produtos do concelho para o Funchal, contudo, tardou muito a ser adequada aos objetivos das populações do norte. O desejo da construção de um túnel, solicitado desde 1888, só foi atendido em 2011, com a construção de um com 3086 m de comprimento. A primeira estrada de ligação ao Funchal pela Ribeira Brava surge em 1914, mas é no período de 1913 a 1918 que a estrada que ligará Câmara de Lobos à Ribeira Brava e a São Vicente sofre um notável avanço. Em 1928, esta foi alvo de um alargamento, de modo a ajustar-se à circulação de viaturas. Hoje, o sistema viário em progresso tende a esbater cada vez mais as distâncias. A vila e o município A importância de que se reveste este lugar desde o séc. VX e a posição de relevo que as suas gentes assumiram na vida local deram-lhes a possibilidade de fazerem reivindicações. Já no séc. XV é notada a presença dos seus moradores como homens-bons do concelho. O cargo de Juiz do lugar, no decurso dos sécs. XVI e XVII, estava nas mãos das famílias Betencourt e Barros. No séc. XVI, com a criação dos municípios da Ponta do Sol (1501) e Calheta (1502), surgiu a reivindicação dos ribeira-bravenses para a criação de uma vila e município. Gaspar Frutuoso fez eco deste desejo: “pelo merecer, por ter bom porto e ser muito viçosa, já muitas vezes tentaram os moradores de a fazerem vila” (FRUTUOSO, 1979, 123), afirmando que “Não é este lugar vila pelo deixar de ser à falta de muitos vizinhos e bom assento, e ser somenos da Ilha, antes é o mais bem assentado e magnífico de todos; senão por ser termo da cidade do Funchal […]” (Ibid., 88). Recorde-se que depois do séc. XVI não mais se mexeu na estrutura municipal. Apenas em 1743, mercê da insistência das populações do norte da ilha, surgiu o município de São Vicente. A Revolução Liberal veio provocar uma transformação na vida municipal e as reformas de Mouzinho da Silveira tiveram reflexo na reforma administrativa de 1832. Neste ano, foram criados os municípios de Santana, Porto Moniz e Câmara de Lobos. Com a reforma administrativa de 1835, a Ribeira Brava passou para a alçada da Ponta do Sol e o Campanário para a de Câmara de Lobos. Esta alteração desagradou à população da Ribeira Brava, que, em carta a D. Maria II, datada de 11 de novembro de 1835, solicita a criação de um município com sede na freguesia, incluindo as freguesias do Campanário, Serra de Água e Tabua. São motivos úteis que fazem esta reivindicação: “Os moradores do Campanário, a não ficarem anexos à Ribeira Brava preferem pertencer ao Funchal como d’antes, a ficarem anexos a Câmara de Lobos, para onde têm de atravessar altos montes, subir e descer íngremes ladeiras, os da freguesia d’Atabua preferem unir-se à Ribeira Brava onde têm mais relações de vizinhança e comodidades; e os da Serra d’Água não têm outra saída de seus rochedos senão pela Ribeira Brava. Por estas circunstâncias nascidas da natureza das coisas e fundadas na verdade confiam os abaixo assinados conseguir a graça que imploram” (RIBEIRO, 1996, 68-69). Quem reclama desta pretensão é o município da Ponta do Sol, a 24 de fevereiro de 1836, dizendo não existirem meios para financiar o funcionamento do novo concelho. Por decreto de 6 de maio de 1914, depois da implantação da República e graças a Francisco Correia Herédia, um dos obreiros do republicanismo, foi criado o concelho, contudo só em 1921 foi instalada a primeira vereação, tendo a vila surgido mais tarde, por decreto de 26 de maio de 1928. Note-se que a 20 de março de 1884 surge uma ordem de desanexação da Tabua, relativamente à Ponta do Sol, que se junta ao novo concelho da Ribeira Brava, o que significa que havia desde esta data um projeto no sentido da concretização do município. A título de remate, trazemos à memória algumas situações anormais ao quotidiano do lugar. Primeiro, foram os tumultos de 1722 sobre o pagamento dos encargos das terras de colónia. Mais tarde, em 1817, esta agitação popular volta à vila. Em 1884, foi a agitação do momento eleitoral que ditou novos motins na mesa de voto para as eleições, tendo causado alguns mortos. Tudo por iniciativa dos republicanos que estavam na mesa de voto – entre eles, o pároco da freguesia –, que embebedaram os militares que montavam a segurança, instigando-os depois a disparar sobre a multidão. Depois, em 1936, o movimento contra o decreto dos laticínios, que se pensava levar ao monopólio, provocou diversos distúrbios no Faial, Santana, Funchal, Machico e Ribeira Brava. Neste último lugar, a 5 de agosto, as populações enfurecidas destruíram a documentação da repartição de finanças. A resposta do governo não se fez esperar, enviando uma força militar e criando um tribunal especial para julgar os ativistas. A 24 de novembro de 1937, o Decreto 28235 estabeleceu um adicional sobre as contribuições e impostos, pagas em seis prestações, para cobrir despesas do Estado com a revolta. Uma das consequências mais evidentes desta revolta foi a perda de toda a documentação municipal, alvo da fúria dos revoltosos em 1936.  Freguesias O concelho da Ribeira Brava é composto pelas freguesias da Ribeira Brava, Tabua, Campanário e Serra de Água. Por alguns considerada paróquia desde 1440, a Ribeira Brava parece-nos enquadrar-se antes no grupo de paróquias criadas nos anos que se seguiram à morte do infante D. Henrique, em 1460. A prová-lo, está o facto de haver notícia do seu capelão em 1461. A primitiva paróquia de Atabua teve origem na capela da Santíssima Trindade, que depois deu lugar à de N.ª Sr.ª da Conceição. Sabemos que a 2 de julho de 1743 era curato paroquial. A freguesia era conhecida como Atabua, mas, a partir de 1838, o P.e António Francisco Drummond e Vasconcelos alterou a forma primitiva para Tabua. A 18 de outubro de 1881, a freguesia foi anexada ao concelho da Ponta do Sol e aí se manteve até 1914, altura em que foi desanexada para ser incluída no novo concelho da Ribeira Brava. Criada em 1556, a paróquia e agora freguesia do Campanário esteve subordinada a diversos municípios ao longo do seu percurso histórico. De 1855 a 1867, pertenceu ao município de Câmara de Lobos, mas, com a sua extinção, passou para o do Funchal. Em 1914, com a criação do novo concelho da Ribeira Brava, deixou de pertencer a Câmara de Lobos. A freguesia da Serra de Água estava anexada ao concelho de Ponta do Sol até 1914, altura em que foi criado o município da Ribeira Brava, ao qual passou a pertencer. A paróquia foi criada por alvará régio de 28 de dezembro de 1676, instalando-se apenas em 1680. Até 1502, data da criação do município da Ponta do Sol, estas freguesias estavam integradas no concelho do Funchal, passando desde então para o concelho entretanto criado. Durante muito tempo, esta foi uma área importante para o Funchal, sendo considerada a sua quinta. Deste modo, muitas das famílias mais importantes tinham casa na cidade e participavam ativamente na vida municipal. Para além disso, o lugar foi adquirindo importância, em termos administrativos e fiscais. Por outro lado, encontram-se homens-bons da Ribeira Brava na vereação funchalense, sendo referidos como tal, a 26 de janeiro de 1508, João de Castanheiras, João de Medeiros, Diogo de Teives e João Gonçalvez, o Moço. Há ainda a representação delegada no local, através do juiz pedâneo (1491), que, em 1583, acumulava as funções de alcaide. Ainda em 1495, sabemos que o procurador do capitão do Funchal apresentou alguém para o cargo de alcaide pequeno, com funções na justiça local, havendo ainda um escrivão do judicial, que surge referido em 1586. A 5 de julho de 1508, Vasco Gonçalvez compareceu no Funchal, em vereação, para tomar posse do cargo e fazer juramento. Em 1527, foi eleito Lopo Machado para juiz do lugar, mas este pediu escusa do cargo, justificando que se encontrava então a mudar de residência para o Funchal e que, no momento da nomeação, andava a recolher a sua seara. Nesse ano, a 31 de agosto, não se fez vereação “por os oficiais serem em baixo em a Ribeira Brava” (COSTA, 1998, 181). Na Ribeira Brava, existia já um porteiro do concelho que fazia a publicitação dos despachos e posturas da vereação à população local. A vereação tinha ainda dois quadrilheiros na Ribeira Brava, com funções de fiscalização e vigilância face às determinações camarárias. Em termos de defesa, existia, em 1527, um guarda-mor, cargo acometido ao fidalgo Diogo de Teive, que se havia comprometido a colocar um guarda pequeno às suas custas no varadouro. O desenvolvimento da cultura açucareira contribuiu para a valorização do lugar, que foi sede de uma comarca para a arrecadação dos direitos do açúcar e também de um posto alfandegário, em 1507. Na sequência desta situação, encontramos aqui, desde 1485, vedor e escrivão, em 1501, o lealdador do açúcar, em 1517, o encaixador, em 1512, o escrivão da arrecadação dos quartos e, em 1517, o recebedor dos quintos. Ainda para a arrecadação de direitos, encontramos o rendeiro do verde, em 1527. Esta estrutura administrativa é ainda confirmada pelos dados dos registos paroquiais do séc. XVI, onde aparecem alcaide, juiz, escrivão, meirinho recebedor, dizimeiro e rendeiro do verde. Também nas vereações se encontram poderes delegados na localidade, em alcaide e escrivão (1488), porteiro e jurado (1490), juiz pedâneo (1491) com escrivão (1495), meirinho da serra (1495), jurado da renda do verde (1496) e taxadores (1496), o que demonstra que a área apresentava um incremento populacional e um progresso económico que, a partir da déc. de 80 do séc. XV, justificam esta presença do poder delegado do município do Funchal.  População A Ribeira Brava foi terra de gente ilustre, com participação ativa na defesa do Norte de África, com referência especial a Henrique Betencourt, sobrinho do senhorio de Lanzarote que se fixou na Banda de Além, a Diogo de Teive, fidalgo da casa real e descobridor das ilhas portuguesas de Flores e Corvo, e ao P.e Manuel Álvares, autor da mais importante e divulgada gramática latina. Mas outros fidalgos viveram na Ribeira Brava, como Miguel de Betencourt Freitas, Nicolau de Barros, Francisco Betencourt de Atouguia ou João Fernandes do Pó, a que se juntava, no Campanário, Luís de Atouguia Betencourt. Desde o princípio que os lugares que hoje dão forma ao concelho atraíram povoadores e, por força da sua riqueza agrícola, foram assumindo importância. As informações que podemos extrair dos registos paroquiais do séc. XVI referem oito fidalgos, seis escravos e quatro criados. O facto de a Ribeira Brava se ter mantido em ligação direta com o Funchal favoreceu a situação de muitas famílias importantes que repartiam a sua morada e os seus interesses económicos entre os dois lugares. Deveremos notar ainda a presença de alguns estrangeiros, no caso genoveses, com ligações à produção açucareira, que repartiam a sua residência entre a cidade e este lugar, onde tinham as terras de canaviais, como foi o caso de Lucas Salvago, António Di Negro, António Teixeira Dória e João Martins Salvago. A imagem de Gaspar Frutuoso é muito clara: “Não é este lugar vila, pelo deixar de ser à míngua de muitos vizinhos e bom assento, e ser o somenos da lha; antes é o mais bem assentado e magnífico de todos, senão por ser termo da cidade do Funchal e uma fresca quintã […]” (FRUTUOSO, 1979, 88). Acrescenta o autor que “é uma aldeia que terá como trezentos fogos, com uma igreja de São Bento e bom porto de calhau miúdo, que, pela chã da ribeira acima, tem as casas, [...] com que é a mais fresca aldeia que há na ilha, pelo que, e pelo merecer, por ter bom porto e ser muito viçosa, já muitas vezes tentaram os moradores de a fazerem vila” (Ibid., 88). Na descrição de Gaspar Frutuoso, não há referências à Serra de Água, dando-se conta apenas da Tabua, com 30 fogos, e do Campanário, com 100 fogos “espalhados”. O recenseamento de 1598 refere já a Serra de Água e apresenta a informação sobre os efeitos catastróficos da Ribeira: “Tinha antes que a ribeira levasse parte do lugar, 281 fogos, agora tem 208 e 735 almas de sacramento” (GOMES, 1932, 32). A Tabua parecia estar em decadência, devido à falta do açúcar, tendo só 74 fogos e 264 almas de sacramento. Relativamente ao Campanário, a que chama “quinta”, refere 85 fogos e 309 pessoas de confissão. Segundo informação de António Carvalho da Costa, na sua Corografia Insulana, datada de entre 1713 e 1717, encontramos na Ribeira Brava 400 vizinhos, nesta terra onde “foram antigamente os seus nobres povoadores os que resistiram aos nomeados sítios, que padeceram as nossas praças de África, como consta daquelas Histórias […]” (NASCIMENTO, 1930, 68), referindo depois Atabua, com 60 vizinhos. Em 1722, Henrique Henriques de Noronha refere já a freguesia da Serra de Água, com 217 casas e 445 residentes. A Ribeira Brava regista 335 fogos e 1300 almas. Em 1794, com as devassas episcopais, encontramos registados na Ribeira Brava 1778 maiores, num total de 1953 moradores; no Campanário, 1398 em 1541; na Serra de Água, 603 em 644; e na Tabua 1054 em 1169. Em 1822, Paulo Dias de Almeida apresenta estas freguesias como pertencendo àquilo a que chama “o distrito militar da Ribeira Brava”, assinalando aí 1260 fogos e 5222 pessoas (CARITA, 1983, 80). Em 1850, a Ribeira Brava, que aparentava ser já uma vila, mercê do desusado movimento da cabotagem, registava 729 fogos e 3425 habitantes; a Serra de Água 309 e 1493; e a Tabua 403 e 1813, respetivamente. Relativamente à freguesia do Campanário, não dispomos dos dados para a mesma. Em 1856, o surto de cólera chegou a estas freguesias, estando na origem de 252 mortes na Ribeira Brava, 143 na Serra de Água, 161 na Tabua e 206 no Campanário, números que se refletem na população. Assim, em 1859, a Ribeira Brava regista 782 fogos e 3404 habitantes; a Serra de Água 301 e 1456; a Tabua 437 e 1958; e o Campanário 643 e 3271. Em 1885, a Ribeira Brava registava 1861 homens e 2027 mulheres; a Serra de Água 799 e 836; e a Tabua 991 e 992, respetivamente, faltando mais uma vez os dados para a freguesia do Campanário. Em 1930, o conjunto das freguesias que compõem atualmente o município da Ribeira Brava registava 16.343 almas. Nos censos de 1940 e 1950, este número subiu para, respetivamente, 19.382 e 20.500, afirmando-se, a partir daí, a tendência descendente, por força do fenómeno da emigração. Recursos e riqueza A Ribeira Brava foi terra de grandes recursos agrícolas. Os vales das margens da Ribeira e as ravinas foram transformados em poios onde medravam os canaviais e trigais. Gaspar Frutuoso testemunha-o, dizendo que a freguesia é “tão fresca e nobre das melhores da Ilha, que além de ter muitos frutos e mantimentos em abundância, é e sempre foi tão generosa com os seus moradores que nela vivem […]” (FRUTUOSO, 1979, 88). Mais adiante especifica: “[…] pelo chão da ribeira acima tem as casas, e muitas canas de açúcar, e dois engenhos, e pomares muito ricos de muitos peros e peras, nozes e muita castanha, com que é a mais fresca aldeia que há na ilha; [...] Tem também muitas vinhas, ainda que o vinho não seja tão bom como o do Funchal” (Ibid., 122). Sobre o Campanário, refere as suas “terras de criações e de lavoura de trigo e centeio” e comenta que é gente da monta “dada mais a criar gado, que a cultivar vinhas, nem outras fruteiras”, assinalando que a Ribeira dos Melões “dá muitas canas e em parte algumas vinhas” e que a Ribeira da Tabua “tem muitas vinhas, canas e frutas” (Id., Ibid., 123-124). A riqueza do lugar e o acesso à cidade através do mar levaram a que esta fosse uma área agrícola pertencente a famílias funchalenses ou aos Jesuítas e ao Convento de Santa Clara, resultando daí uma situação de dependência. Gaspar Frutuoso refere que é “uma fresca quinta, donde os moradores da cidade acham e lhes vai o melhor trigo, frutas, caças, e em mais abundância que em toda a ilha; e pode-se com razão chamar celeiro do Funchal, como a Ilha de Cecília se chama de Itália” (Id., Ibid., 88). Existia na Ribeira Brava uma variedade de produtos e culturas, contudo, o grande fator de progresso desta área foi, sem dúvida, o açúcar. Prova-o o facto de ter sido uma comarca fiscal, de 1508 a 1522, com lealdador (em 1501), para a fiscalização, um escrivão de arrecadação dos quartos do açúcar e um posto alfandegário com casa da alfândega (1483-1511) com escrivão da saída do açúcar, o que permitia a exportação direta. De acordo com as estimativas da produção de 1495, esta comarca produziria 14.778 arrobas, sendo 5618 da Ribeira Brava, 5310 da Tabua e 3850 do Campanário. Segundo os mesmos estimos, asseguravam esta produção dos canaviais os seguintes proprietários e rendeiros: No Campanário, Pedro Gonçalves, Paio Rodrigues, Vasco Lopes, Fernando Afonso, Pedro Álvares, Luís Álvares, Pedro Vaz, Gonçalo de Castro, Filipa Gil, Álvaro Rodrigues, Romão Frias, Paulo Ferreira, Luís Álvares, Pedro Eanes, Gonçalo Casca; na Tabua, João Mendes de Oliveira, Álvares Fernandes, o Galego, João Vaz. Álvaro Fernandes, Pedro Álvares, Pedro Martins, Martins Afonso, João Martins, Lançarote Gonçalves, João Betencourt e João Mendes de Brito. Já no séc. XVI, a comarca representava 29% da produção, disputando o primeiro lugar com o Funchal, passando para 20% do total no séc. XVII. Na documentação, encontramos referência à existência de oito engenhos, dois caldeireiros de engenho e igual número de purgadores. Nos livros de pagamento do quarto e quinto, surgem 35 proprietários de canaviais, muitos deles dispondo de escravos. Entre os proprietários, encontramos três importantes famílias: Barros (Pedro Gonçalvez), Teive (Rui e Diogo), Betencourt (Francisco, Pedro e João). Para 1536, temos os dados da produção da comarca de Ribeira Brava em 9020 arrobas produzidas por: Baltazar Vilela, Belchior Gonçalves, Diogo de Teive, Fernando Afonso, Francisco de Betencourt, Gome Álvares, João de Medeiros, Lopo Rodrigues, Nicolau de Barros, Pedro Afonso, Pedro Betencourt. Nos sécs. XVII e XVIII, manteve-se a mesma estrutura de arrecadação dos direitos da coroa, mas aqui adaptada à dimensão da cultura. Assim, para cada uma das áreas era provido um quintador, um para cada uma das antigas comarcas, isto é, Funchal, Calheta, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Santa Cruz. Nas primeiras localidades, este era apoiado por um escrivão. Por mandado de 20 de dezembro de 1683, foi ordenada a extinção, a partir de 30 de julho, dos quintadores do açúcar de Santa Cruz, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Calheta, argumentando-se, para tal, o facto de os mesmos não terem “exercício algum por se terem extinguido os engenhos, e se não fabricarem nessa ilha os tais açúcares”. Note-se que, em 1684 e 1720, temos informação documental sobre a nomeação do quintador do açúcar da Ribeira Brava, o que poderá ser um indício de que a produção se mantinha. [caption id="attachment_8123" align="alignleft" width="182"] Portal da antiga capela do solar de São José, 1720 (c.), Museu Etnográfico da Ribeira Brava, ilha da Madeira. Cantaria, 1720 (c.), posteriormente reposta. Museu Etnográfico da Ribeira Brava. Fotografia de 22 de junho de 2011. Ilha da Madeira.[/caption] Na Madeira, um dos aspetos mais evidentes da revolução tecnológica iniciada no séc. XV prende-se com a capacidade do europeu em adaptar as técnicas de transformação conhecidas às circunstâncias e às exigências de culturas e produtos tão exigentes como a cana e o açúcar. O tributo foi evidente. Ao vinho, foi-se buscar a prensa; ao azeite e aos cereais, a mó de pedra. Por outro lado, estamos perante uma permuta constante entre processos tecnológicos e formas de aproveitamento das diversas fontes de energia. A tração animal e a força motriz do vento e da água foram usadas em simultâneo com os cereais e a cana sacarina, havendo casa de estruturas em que o moinho de cereais convive com o de cana-de-açúcar. Persistem ainda hoje testemunhos materiais, como um dos engenhos da Ribeira Brava, integrado no Museu Etnográfico da Madeira. Estas estruturas de dupla funcionalidade encontram-se noutros locais, como é o caso do Brasil, onde, em Caldas da Imperatriz, no estado de Santa Catarina, existe uma estrutura movida a água que funciona ainda para a moenda da cana e fabrico da farinha de mandioca. O vinho foi uma das culturas importantes em toda a área do concelho. É já referenciado nos sécs. XVII e XVIII, assumindo um papel de relevo na agricultura, de forma que, em 1787, toda a área do atual concelho produzia 720 pipas, com particular incidência no Campanário e na Ribeira Brava. Note-se que, no período de 1754 a 1794, havia na área do concelho 11 licenças para cortar madeira para lagares e apenas uma para reparar. Isto poderá ser um indício de que a segunda metade do séc. XVIII foi uma época de incremento da cultura da vinha, o que está em consonância com o que aconteceu em toda a ilha. Em 1841, os dados da produção de vinho indicam 130 pipas na Ribeira Brava, 60 na Serra de Água, 83 na Tabua e 168 no Campanário. [caption id="attachment_8127" align="aligncenter" width="300"] Cordofones no Museu Etnográfico da Ribeira Brava, 2010, ilha da Madeira. Antiga Mercearia do Museu Etnográfico da Ribeira Brava. Projeto do atelier do arquiteto Francisco Caíres, 1995. Fotografia de Rui Camacho, 11 de junho de 2010. Ilha da Madeira.[/caption] A área não dedicada à agricultura adquiria importância desusada na economia das gentes, primeiro, com as plantações de nogueiras e castanheiros, depois, com o corte de madeiras, principalmente de vinhático, que se exportavam para a cidade, com o fim de alimentar a construção civil ou, no local, a de lagares e engenhos de açúcar. Pelas autorizações solicitadas junto da vereação para o corte do vinhático, parece-nos ser esta uma atividade lucrativa para alguns moradores. Ainda hoje, persiste na Serra de Água a tradição da castanha seca, assim como da cidra, que se mantém como riqueza desta localidade. Contudo, foi nos sécs. XVI a XVIII que este fruto mais cativou as suas gentes e gerou riqueza, por força da fruta seca para exportação. Outras árvores de fruta tiveram igualmente importância, como as figueiras, os pessegueiros e a bananeira. A criação de gado de pasto ou estabulado criou também riqueza. Em montados próprios ou arrendados, criavam-se cabras. A partir do séc. XX, surgiram as fábricas de manteiga, pequenas unidades que laboravam para empresas. Apenas na Serra de Água são referidas três. Em 1925, existia mesmo uma fábrica da empresa Industrial de Lacticínios, que produzia 240 kg de manteiga por mês, o que demonstra a importância que aí tinha o gado leiteiro, estabulado ou em furnas. A importância dos recursos marinhos é evidente na vila, no Campanário e na Tabua. Nesta última localidade, encontramos referência a uma confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Pescadores, documentada em 1717, o que deverá ser uma evidência desta atividade. Houve, inclusivamente, um projeto de conserva e salga de peixe, em 1910, que não vingou. [caption id="attachment_8130" align="aligncenter" width="300"] Museu Etnográfico da Ribeira Brava, projeto Atelier Caíres, 1995, ilha da Madeira. Projeto do atelier do arquiteto Francisco Caíres, 1995. Fotografia de 22 de junho de 2011. Ilha da Madeira.[/caption] A crise da cultura da vinha no último quartel do séc. XIX levou os madeirenses a apostarem, de novo, na da cana sacarina, surgindo novos engenhos. Assim, em 1853, surge o engenho de José Maria Barreto e C.ª, nas atuais instalações do Museu Etnográfico, na vila, e o da Tabua, de Valério Roiz da Cova e José da Silva. Depois disso, nos princípios do séc. XX, há notícias sobre novos engenhos na Ribeira Brava e Tabua, o que demonstra o vigor da cultura, contudo, a lei de 1927, que favorece o quase monopólio da laboração do engenho Hinton, obriga ao seu encerramento. A área do atual município da Ribeira devia rendas e tributos ao Colégio dos Jesuítas no Funchal e ao Convento de Santa Clara. Para o triénio 1759-1761, foram cobrados de trigo, vinho, pescado, miunças e verduras 17.011$650 réis. As Clarissas recebem assim, das suas terras no Campanário e na Ribeira Brava, vinho, trigo, cevada, sumagre, centeio, castanhas, inhame, feijão, cebolas, abóboras, nozes, castanhas e cerejas. Desde 1644 que há registo de moradas do Colégio na vila da Ribeira Brava, assinalando-se aí casa, celeiro e adega. Os Jesuítas tinham mesmo sociedade numa embarcação para o transporte dos seus produtos para o Colégio, no Funchal, como informa Henrique Henriques de Noronha, em 1722: “Os seus Dízimos pertencem também aos Padres da Companhia” (NORONHA, 1996, 221). [caption id="attachment_8152" align="alignleft" width="152"] Casas da antiga Rua do Colégio, 1800 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Cantaria e alvenaria pintada, 1800 (c.). Fotografia de 22 de junho de 2011. Antiga Rua do Colégio, Ribeira Brava. Ilha da Madeira.[/caption] [caption id="attachment_8149" align="aligncenter" width="281"] Casas da antiga Rua do Colégio, 1800 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira .Cantaria e alvenaria pintada, 1800 (c.). Fotografia de 22 de junho de 2011. Antiga Rua do Colégio, Ribeira Brava. Ilha da Madeira.[/caption] [caption id="attachment_8158" align="alignright" width="166"] Portal seiscentista da antiga Rua do Colégio, 1620 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Cantaria e alvenaria pintada, 1620 (c.). Fotografia de 22 de junho de 2011. Antiga Rua do Colégio, Ribeira Brava. Ilha da Madeira.[/caption] A partir dos dados avulsos das rendas senhoriais e dos impostos que recaíam sobre as culturas, como era o caso das miunças e do verde, é possível saber da importância das culturas agrícolas e do aproveitamento dos recursos na área. Assim, nos cereais, nota-se uma dominância do centeio, o que deverá estar relacionado com a pobreza das populações locais, mas também com a necessidade do mesmo para alimentar o gado, uma vez que os vales da Serra de Água e da Ribeira Brava eram muito frequentados. Encontramos ainda referência a inúmeros moinhos de água, que pagavam, até 1821, os direitos banais ao capitão do Funchal, que tinha, aqui, um procurador das suas rendas, embora estas fossem arrendadas a privados. Em 1862, na freguesia da Ribeira Brava, são referidos 23 moleiros. Para 1910, encontramos o registo dos moinhos, havendo sete no Campanário, seis na Tabua, quatro na Serra de Água e oito na Ribeira Brava. Na déc. de 50 do séc. XX, nota-se uma redução destes, uma vez que apenas há o registo de dois no Campanário, persistindo seis na Tabua, três na Serra de Água e apenas um na Ribeira Brava, situação que resultará por certo do desenvolvimento da moenda elétrica, não obstante assinalar-se a criação de fábricas de pão: quatro em 1923 e duas em 1936 e 1956. As atividades oficinais foram igualmente um fator de importante riqueza para a localidade. Com base na informação dos registos paroquiais do séc. XVI, assinalam-se ofícios ligados à agricultura: trabalhadores, pastores e cabreiros, lavradores, canavieiros, mestres de açúcar, caldeireiros, feitor de engenho, cozedor de meles, purgador de açúcar, escumeiro, caixeiro e hortelão. Merece relevo o número de ofícios ligados à produção de açúcar, 13 mestres, o que atesta a importância desta produção. Nota-se ainda uma diversidade de outras atividades, o que demonstra o desenvolvimento populacional e económico do lugar. Assim, encontramos ferreiros e tanoeiros, sendo que no sector da construção são os serradores, pedreiros e carpinteiros. Para os serviços e comércio, relevam-se os sapateiros, alfaiates, barbeiros, físicos, barqueiros, mercadores, almocreves, carniceiros e pescadores. É de salientar o número de ofícios relacionados com o comércio: sete mercadores ou almocreves. Na atividade piscatória, aparecem seis pescadores, e no transporte marítimo, oito barqueiros ou marítimos. A atestar o desenvolvimento das atividades de transformação e processamento dos palmes, registam-se cinco sapateiros, o que parece ser um número elevado de profissionais para a população do lugar. Para os sécs. VXIII e XIX, há referências aos ofícios nos livros da câmara, quando estes prestavam juramento e apresentavam fiança. Em 1780, surgem os ofícios de barbeiro, sapateiro, serralheiro, carpinteiro, marchante, arrais, ferreiro e fanqueiro; em 1862, carpinteiro, cordoeiro, costureira, ferreiro, parteira, pedreiro, carpinteiro, padeiro, tecedeira, torneiro, curtidor e juntadeira. [caption id="attachment_8138" align="alignleft" width="182"] Janela quinhentista, 1580 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Cantaria, 1580 (c.), posteriormente reposta. Fotografia de 22 de junho de 2011. Rua de São Francisco, Ribeira Brava. Ilha da Madeira.[/caption] [caption id="attachment_8141" align="alignright" width="201"] Janela quinhentista, 1580 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Cantaria, 1580 (c.), posteriormente reposta. Fotografia de 22 de junho de 2011. Rua de São Francisco, Ribeira Brava. Ilha da Madeira.[/caption] [caption id="attachment_8145" align="aligncenter" width="300"] Casa com janela quinhentista, 1580 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Cantaria, 1580 (c.), posteriormente reposta. Fotografia de 22 de junho de 2011. Rua de São Francisco, Ribeira Brava.[/caption] No vale da Ribeira Brava, vamos encontrar ainda o desenvolvimento de diversas indústrias locais: três de pirotecnia (1900), duas de serração (1928 e 1936), uma de refrigerantes (1938-1955), duas fábricas de massa e uma de blocos (1936). De tradição mais antiga serão as de curtumes. A primeira que surge documentada aparece em 1699, existindo ainda em 1771, nas proximidades da igreja do Campanário. Na Tabua, são referidos três curtidores em 1836 e seis em 1863. Esta última situação poderá estar relacionada com as estruturas escavadas na rocha, que encontramos na Ribeira da Serra de Água, indevidamente apresentadas como matamorras, e nas margens da Ribeira da Tabua. Contudo, esta é apenas uma hipótese de estudo que ainda não foi comprovada. Atente-se ao número extraordinário de ofícios ligados ao aproveitamento do couro, que pode ser mais um indício da presença desta indústria no espaço do atual concelho. Ainda nas freguesias do concelho, atesta-se a importância da indústria da tecelagem no fabrico de roupa e de agasalhos. Entre 1835 e 1837, encontramos registo da fiança das tecedeiras perante a vereação da Ponta do Sol, sendo 10 da Ribeira Brava e duas da Tabua. Por outro lado, em 1862, temos notícia dos teares em atividade, havendo nove no Campanário, 22 na Ribeira Brava, uma na Serra de Água e seis na Tabua. Relativamente às árvores de fruta, temos a presença da cidra, com particular incidência na Serra de Água, as cerejeiras, os castanheiros e as nogueiras. Sobre a cerejeira, temos notícia de um facto que aqui teve lugar. Na primeira metade do séc. VXIII, era comum a baldeação e o trato do vinho do Norte com o suco de cereja, de modo a adquirir a coloração característica dos do Sul. O edital de 27 de fevereiro de 1788 proibiu a plantação das cerejeiras pretas e ordenou o arranqueou enxertia das existentes, de modo a evitar o hábito de dar coloração aos vinhos. Os infratores seriam punidos com multa de 6000 réis. Assim, atendeu-se a uma representação dos comerciantes de vinho que se havia manifestado contra tal prática. A 6 de março desse ano, um restrito grupo de proprietários, entre os quais Manuel Acciauoli e Pedro Nicolau Acciauolli, solicitou a suspensão do edital, aduzindo os graves inconvenientes da aplicação. O governador, por despacho de 13 de março, indeferiu. O Cónego, porém, sentindo-se lesado, teimou em transgredir a lei, não permitindo o arranque ou enxertia das cerejeiras e penalizando os colonos que o faziam. O Governador tomou medidas severas, ordenando a sua prisão. O caso arrastou-se por algum tempo, até que a morte do réu o encerrou. No entanto, em 1819, a prática corrente do uso da cereja preta ainda se mantinha, e a Câmara, em representação, alude ao facto de ser uma das causas do descrédito dos vinhos, obtendo pronta resposta do governador D. Diogo Forjaz Coutinho, quebrando, desta forma, a cultura de cerejeiras do atual município. O testemunho da riqueza da Ribeira Brava, nomeadamente gerada pelo açúcar, está patente na igreja principal da invocação de S. Bento, expressa na decoração e riquíssimo espólio de pratas e nas inúmeras capelas com legados. A gratidão do rei D. Manuel pelos benefícios que esta terra lhe concedera, em direitos e bravura dos seus guerreiros, está expressa na oferta simbólica da pia batismal. Património Na Ribeira Brava, destaca-se a igreja matriz da freguesia sede do concelho, onde Manuel Álvares foi batizado e onde recebeu, com o irmão Francisco, em 1538, a primeira tonsura e os primeiros passos no estudo do latim. [caption id="attachment_8169" align="aligncenter" width="300"] Casa solarenga, 1760 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Cantaria e alvenaria pintada, 1760 (c.). Fotografia de 22 de junho de 2011. Largo da Igreja, Ribeira Brava. Ilha da Madeira.[/caption] A primitiva construção no local foi uma capela, que já existia em 1440, sendo vigariaria em 1518 e colegiada em 1540, com quatro beneficiados. Embora tenha sido bastante alterada com as remodelações, mantiveram-se alguns elementos quinhentistas: dois arcos góticos, o púlpito com um anjo na base e a pia batismal, oferta do rei D. Manuel, como foi referido. Das peças mais significativas, constam, na pintura, a Adoração dos Reis Magos e Adoração dos Pastores ou Natividade, a Virgem com o Menino, S. Bento e S. Bernardo; na escultura, a Virgem com o Menino, escultura flamenga do séc. XVI, e S. Pedro. Consideradas como dádivas de D. Manuel, mas pagas pela Fazenda Régia no Funchal, há ainda a pia batismal e a Descida da Cruz. Outro aspeto significativo é o tesouro da igreja, da qual se fez um núcleo museológico na sacristia. [caption id="attachment_8186" align="alignleft" width="172"] Arco da capela de Nossa Senhora de Loures, 1680 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Reforma de 1680 (c.). Fotografia de 22 de junho de 2011. Matriz de São Bento da Ribeira Brava, ilha da Madeira.[/caption] [caption id="attachment_8189" align="alignright" width="190"] Altar-mor da matriz da Ribeira Brava, 1680 e 1750 (c.), ilha da Madeira. Talha dourada e policromada. Oficina de Manuel Pereira de Almeida (?), 1680 (c.), acrescentado em 1750 (c.). Fotografia de 22 de Junho de 2011. Matriz de São Bento da Ribeira Brava, ilha da Madeira.[/caption] [caption id="attachment_8183" align="aligncenter" width="154"] Lampadário da Ribeira Brava, 1630 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Prata. Oficina de Marcos Agostinho (atr.), 1630 (c.). Matriz de São Bento da Ribeira Brava, ilha da Madeira.[/caption] Ainda na vila, há a assinalar várias capelas e um oratório franciscano, dedicado a Nossa Senhora da Porciúncula. A 12 de maio de 1724, os frades deram início à construção do oratório, financiado por um legado testamentário do beneficiado, o P.e Inácio Ferreira Garcês. Sabemos que, em 1730, eram seis os religiosos neste estabelecimento. Em 1732, era intenção transformá-lo num convento, contudo, o bispo D. Fr. Manuel Coutinho não deu autorização. O oratório foi desativado com a Revolução Liberal e sabemos que em 1835 servia de açougue. [caption id="attachment_8177" align="alignleft" width="179"] Altar do Santíssimo da Ribeira Brava, 1730 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Madeira dourada e policromada. Oficina de Manuel Pereira de Almeida e de Julião Francisco Ferreira (atr.), 1730 (c.). Óleo sobre madeira, cópia de retábulo flamengo, hoje no Museu de Arte Sacra. Fotografia de 22 de Junho de 2011.[/caption] [caption id="attachment_8180" align="alignright" width="196"] Sacrário do altar do Santíssimo da Ribeira Brava, 1680 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Madeira dourada e dourada. Oficina de Manuel Pereira de Almeida (atr.), 1680 (c.). Fotografia de 22 de Junho de 2011. Matriz de São Bento da Ribeira Brava, ilha da Madeira.[/caption] No Campanário, o primitivo templo foi destruído e erguido outro no seu lugar em 1963. A primeira informação que temos relativamente ao vigário data de 1518. Devido ao estado de ruína da Igreja de S. Brás, em 1532 a Coroa ordenou a sua reconstrução, tendo custado 87.000 réis. Na freguesia, surgiram outras capelas particulares com encargos: de Nossa Senhora do Carmo, de Nossa Senhora do Bom Despacho, de Nossa Senhora da Conceição, na Fajã dos Padres, de Nossa Senhora da Glória, de São João Baptista e de Nossa Senhora do Rosário. [caption id="attachment_8194" align="aligncenter" width="196"] Crucifixo, 1680 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Madeira entalhada e policromada. Reforma de 1680 (c.). Fotografia de 22 de junho de 2011. Matriz de São Bento da Ribeira Brava, ilha da Madeira.[/caption] Na Serra de Água, a primeira capela foi instituída por Beatriz Rodrigues Neto, em 1531, com a invocação de Nossa Senhora da Ajuda. Em 1598, foi ordenada a sua ampliação, o que significa que já funcionava, tendo a paróquia sido criada por alvará régio de 28 de dezembro de 1676. Teve capelão em 1680. De todos os templos, é o mais simples e aquele que expressa o nível de riqueza dos seus moradores. [caption id="attachment_8197" align="alignleft" width="138"] Varas de pálio (?), 1800 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira.Prata, 1800 (c.). Fotografia de 22 de junho de 2011. Matriz de São Bento da Ribeira Brava, ilha da Madeira.[/caption] [caption id="attachment_8200" align="alignright" width="207"] Pia de água benta da matriz da Ribeira Brava, 1520 (c.), ilha da Madeira. Calcário brecha da serra da Arrábida. Oficina régia (?), 1520 (c.) Lado da Epístola da entrada principal. Fotografia de 22 de junho de 2011. Matriz de São Bento da Ribeira Brava, ilha da Madeira.[/caption] A Tabua é mais antiga e o templo revela maior opulência. Sabemos que, em 1618, havia aí um vigário. A primitiva igreja da Santíssima Trindade foi construída por João Vaz, escudeiro. Em finais do séc. XVI, foi destruída por uma aluvião, servindo de paróquia a capela da Madre de Deus, tendo a nova igreja paroquial sido construída apenas em 1696. Apresentam também manifestações dessa riqueza agrícola as capelas da Candelária ou de Nossa Senhora das Candeias, de Nossa Senhora da Conceição, de Nossa Senhora dos Anjos, da Mãe de Deus e da Senhora da Madre de Deus.   [caption id="attachment_8134" align="aligncenter" width="227"] Roda de moinho do engenho do antigo solar de São José, 1860 (c.), Museu Etnográfico da Ribeira Brava, ilha da Madeira. Ferro, 1860 (c.), posteriormente reposta. Museu Etnográfico da Ribeira Brava. Projeto do atelier do arquiteto Francisco Caíres, 1995. Fotografia de 22 de junho de 2011. Ilha da Madeira.[/caption] O Museu Etnográfico da Madeira é uma referência na vila desde 1994. Espaço ligado à vida rural, contribui para preservar os restos de um engenho e moinho de cereais. Aqui funcionou, desde 1853, o engenho de José Maria Barreto e C.ª. De entre as principais tradições do lugar, podemos salientar a dança das espadas e as castanholas da Tabua. Personalidades Em 1533, no cerco de Santa Cruz do Cabo de Gué, em Marrocos, “acharam-se nesta jornada muitos homens fidalgos nobres e cavaleiros da ilha, entre os quais foram da Ribeira Brava, Manoel de Barros, e Gaspar Vilela, o qual levou neste socorro quinze homens à sua custa, e lá esteve cinco vezes servindo a El-Rei: e nesta companhia foram também João Henriques, Simão de Miranda, João Fernandes de Abreu, e Luis Doria, todos naturais da ilha” (FRUTUOSO, 1979, 287). Em 1722, Henrique Henriques de Noronha afirmava que a Ribeira Brava foi “[…] residência de muita nobreza antiga, pelo que se veem no seu distrito muitos morgados nobres, e rendosos” (NORONHA, 1996, 220), dividindo a sua vida entre este lugar e o Funchal. Estas famílias adquiriram importância económica, mas também social, por força do seu envolvimento nas campanhas africanas e no Oriente, recebendo títulos e comendas da coroa. Podemos, pois, afirmar que a Ribeira Brava foi lugar de gente ilustre, possuidora de títulos nobiliárquicos. João de Betencourt foi para a Madeira em 1448 com o seu tio Maciot de Betencourt, que havia vendido a ilha de Lanzarote ao Infante D. Henrique, fazendo assentamento na Banda de Além. Aí instituiu morgado que esteve na origem de uma das mais importantes famílias da ilha, que se evidenciou nas praças marroquinas e orientais. Em 1524, com sua mulher, Isabel Fernandes, fundou a capela de Nossa Senhora da Apresentação. Sabemos ainda que um João de Betencourt foi capitão de Malabar. Diogo de Teive, escudeiro da Casa Real, um dos primeiros povoadores da ilha, recebeu sesmarias na Ribeira Brava. O seu nome ficou célebre por ter sido um dos primeiros a aventurar-se na descoberta das terras ocidentais, de que resultou o descobrimento das ilhas de Flores e Corvo, em 1452. Nesse mesmo ano, recebeu, a 5 de dezembro, autorização do Infante D. Henrique para construir um engenho de água, o primeiro engenho particular da ilha. Esteve, ainda, na Terceira, em companhia de Jácome de Bruges, dando início à ocupação da ilha, que abandonou, em face do desaparecimento enigmático deste último. Os seus descendentes relacionaram-se com Castela, assumindo funções importantes no período da união das duas coroas. Em 1640, com a Restauração, o morgadio dos Teives passou para a Coroa, que o arrendou a particulares. Desde então, parece que nunca mais os Teives regressaram à posse dos seus bens e a pisar o solo do lugar. A estes junta-se outro descobridor, Fernando Pó, que, entre 1471 e 1473, descobriu a ilha que lhe deu o nome no Golfo da Guiné. [caption id="attachment_8165" align="aligncenter" width="226"] Armas do visconde da Ribeira Brava, 1910, Câmara Municipal da Ribeira Brava, 1776, ilha da Madeira. Cantaria rija esculpida, 1910. Antigo solar dos Herédias, 1776 (c.) Câmara Municipal da Ribeira Brava. Fotografia de de 22 de junho de 2011. Ribeira Brava, ilha da Madeira.[/caption] António Correia Herédia, Visconde da Ribeira Brava e figura marcante da política, entre finais do séc. XIX e os primeiros 18 anos do séc. XX, conduz até à época contemporânea o panteão de figuras ilustres. Descende de António Herédia, militar castelhano que veio para a ilha no período da união das duas coroas, sendo capitão do presídio político. Republicano convicto, com o alvorecer da República, teve uma carreira política fulgurante, batendo-se pela terra que o viu nascer. Em 1911, com a criação da Junta Agrícola, empenhou-se no plano de reconversão agrícola a que ela estava vocacionada. A promoção de viveiros agrícolas e de arborização e o desenvolvimento do plano viário são alguns dos objetivos alcançados. Foi através dele que chegaram à ilha alguns negros cabo-verdianos, ao abrigo de um programa de proteção contra a fome, tendo chegado algumas dezenas, em 1913, para trabalhar no campo experimental da Bica da Cana. As dificuldades de adaptação foram imensas, contando com a oposição dos locais, como se pode verificar pelos periódicos pontassolenses. [caption id="attachment_8162" align="aligncenter" width="206"] Portal seiscentista da antiga Rua do Colégio, 1620 (c.), Ribeira Brava, ilha da Madeira. Cantaria e alvenaria pintada, 1620 (c.). Fotografia de 22 de junho de 2011. Antiga Rua do Colégio, Ribeira Brava. Ilha da Madeira.[/caption] Foi na área das Humanidades que se destacou um dos mais notáveis ribeira-bravenses, cujo nome chegou a todo o mundo. Trata-se de Manuel Álvares, nascido em 1526. Aos 20 anos, entrou para a Companhia de Jesus, onde se afirmou como um notável professor de Humanidades. Foi Reitor do Colégio das Artes em Coimbra (1561-1566) e, depois, da Universidade de Évora (1573) e do Colégio de Santo Antão (1574-1575). A fama não resultou do exercício destas funções, mas sim da sua obra: a Arte de Grammatica, De Institutione Grammatica Libri Tres, De Mensuris Ponderibus et Numeris, Tratado Breve das Medidas, Pesos e Moedas, Epitaphium Principis Ludovici ou Oratio de Laudibus Regis Joannis I II. Contudo, merece especial destaque aquela que é considerada a sua obra-prima e a mais conhecida em todo o mundo, a Gramática Latina, publicada em 1572, que veio revolucionar o ensino do latim a nível mundial. Pelas mãos dos Jesuítas, espalhou-se por todo o mundo, tendo conhecido 530 edições até ao séc. XIX. Em Portugal, esta foi apenas destronada pelo ódio do Marquês de Pombal à Companhia de Jesus, que levou à sua proibição pelo alvará de 20 de junho de 1759. A memória deste ilustre ribeira-bravense está sinalizada no busto do escultor Amândio de Sousa, inaugurado na vila em 1972, e no nome da escola secundária do concelho. [caption id="attachment_8173" align="alignleft" width="177"] Padre Manuel Álvares, Amândio de Sousa, 1972, Ribeira Brava, ilha da Madeira. Insc: Padre Manuel Álavres 1526-1583, Autor da Arte da Gramática (De Institutione Grammatica). Homenagem do Município. Bronze, 62,5 cm. Amândio de Sousa, 1972. Inaugurado a 1 de Agosto de 1972. Fotografia de 22 de Junho de 2011. Largo da Igreja, Ribeira Brava. Ilha da Madeira.[/caption] Juntam-se outros, anónimos, que fizeram desta escarpa um local aprazível. Merecem relevo especial os escravos, mouriscos ou negros. Uns e outros adquirem importância na Ribeira Brava pelo facto de aqui existirem casas com ligações à vida agrícola e façanhas bélicas na costa africana. Note-se que foi na Ribeira Brava e no Funchal que mais se manifestou a presença de escravos na Madeira, tendo sido uma constante até à sua proibição pela Coroa, em 1597, resultado das presas de guerra da costa marroquina, troféu que os guerreiros ostentavam aos seus semelhantes e súbditos. No global, a freguesia da Ribeira Brava é uma das que apresenta maior percentagem de escravos, sendo esta de 17 % no séc. XVI. Desses proprietários, merece destaque Francisco Álvares de Atouguia, senhor de 10 escravos. Era uma terra de guerreiros, de proprietários de canaviais e, por isso mesmo, de escravos: os canaviais geravam a necessidade, as façanhas bélicas uma forma de os conseguir. A corrente migratória resultante do descontentamento gerado em face da conquista e ocupação do arquipélago canário iniciara-se já por volta de meados do séc. XV, sendo seu arauto Maciot de Betencourt. O sobrinho do primeiro conquistador das Canárias, amargurado com o evoluir do processo e em litígio com os interesses da burguesia de Sevilha, cedeu o direito do senhorio de Lanzarote ao infante D. Henrique mediante avultada soma de dinheiro, fazendas e regalias na Madeira. Iniciava-se assim uma nova vida para esta família de origem normanda, que das Canárias passa à Madeira e aos Açores, relacionando-se aí com a principal nobreza da terra, o que lhe valeu um lugar de relevo nas sociedades madeirense e micaelense do séc. XV. Acompanharam o desterro de Maciot de Betencourt a sua filha Maria e os sobrinhos e netos Henrique e Gaspar. Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas fazendas mercê do relacionamento matrimonial com as principais famílias da Madeira. Maria Betencourt, por exemplo, casou-se com Rui Gonçalves da Câmara, filho segundo do capitão do donatário do Funchal e futuro capitão do donatário da ilha de S. Miguel. Como já referido, João de Betencourt e os seus descendentes tiveram uma intervenção na vida municipal e na defesa das praças africanas, deixando o seu nome nos anais dos feitos de África, do Brasil e da Índia. Os Teives são uma família que, segundo Henrique Henriques de Noronha, começa com Diogo de Teive, que foi para a Ribeira Brava, onde teve fazendas e criou um morgado, reconhecido por provisão régia de 1531, em nome de seu filho Gaspar de Teive. Diogo de Teive, seu neto, nasceu na Ribeira Brava em 1540, filho de Gaspar de Teive. Ao ir para o Reino, acabou por adquirir um papel de relevo junto de Filipe II, de quem foi pajem e depois gentil-homem. O rei Filipe II gratificou os seus serviços com o título de senhor na vara de Aguazil, no Panamá, e uma comenda de 4000 pesos. Teve uma ligação ao Peru, onde faleceu. Por fim, é de referir João Augusto Pereira (1857-1915), militar e adepto da monarquia, que nasceu na Ribeira Brava, a 25 de maio de 1857. Frequentou as escolas Politécnica e do Exército. Na Madeira, foi comandante de Bateria n.º 3 de Artilharia de Montanha. Entre 1899 e 1910, assumiu as funções de deputado às Cortes, que abandonou com a implantação da República, que o levou a deixar a vida política ativa. Como deputado, defendeu os interesses mais prementes da ilha e teve, em 1900, a ousadia de apresentar um projeto de autonomia administrativa, cuja existência se desconhece nos arquivos da Assembleia. Na História recente de finais do séc. XX, devemos referenciar João Inocêncio Camacho de Freitas (1899-1969), Governador Civil da Madeira, e Luís Mendes (1932-1987) e a sua ação em prol do concelho, merecendo este último, por isso, um busto na vila, erigido em 1984. Bibliog.: ARAGÃO, António, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, DRAC, 1981; CAMACHO, Rui, “A Dança das Espadas da Ribeira Brava. Apontamentos para o seu Estudo”, Xarabanda, n.º 8, 1993, pp. 32-35; CARITA, Rui, Paulo Dias de Almeida, Tenente Coronel do Real Corpo de Engenheiros e a sua Descrição da Ilha da Madeira de 1817/1827, Funchal, DRAC, 1982; Id. (org. e dir.), Vila da Ribeira Brava, Funchal, Cine Forum do Funchal, 1983; Id., História da Madeira: As Crises da 2.ª Metade do Século XVI: 1566-1600, vol. 2, Funchal, Secretaria Regional da Educação, Juventude e Emprego, 1991; Id., “Le Trésor de Ribeira Brava”, in MUSÉE D’ART ANCIEN, Portugal et Flandre: Visions de l’Europe (1550-1680), Bruxelles, Fondation Europalia International, 1991, pp. 182-187; Id., “A Matriz da Freguesia da Ribeira Brava”, Islenha, n.º 19, jul.-dez. 1996, pp. 53-60; CASTRO, Afonso, Relatorios e Documentos Apresentados á Junta Geral do Districto do Funchal em 1 de Março de 1878, Funchal, Typ. Liberal, 1878; CASTRO, José de, As Victimas d’El-Rei: História dos Processos Movidos contra os Perseguidos Políticos da Ilha da Madeira, desde 29 de Junho de 1884 até ao Anno de 1885, Lisboa, Typ. Popular, 1885; COSTA, António Carvalho, Corografia Insulana, in NASCIMENTO, João Cabral do (org. e notas), Documentos para a História das Capitanias da Madeira, Lisboa, s.n., 1930; COSTA, José Pereira da, Introdução, in ÁLVARES, Padre Manuel, Gramática Latina, fac-símile da ed. de 1572, Funchal, JGDAF, 1972; Id., Vereações da Câmara Municipal do Funchal: Primeira Metade do Século XVI, Funchal, CEHA, 1998; FERNANDES, Mariela Justino Pio, Riscos no Concelho da Ribeira Brava: Movimentos de Vertente, Cheias Rápidas e Inundações, Dissertação de Mestrado em Dinâmicas Naturais e Riscos Naturais apresentada à Universidade de Coimbra, Coimbra, texto policopiado, 2009; FRANÇA, João, Ribeira Brava, Porto, ed. Manuel Barreira, 1954; FRUTUOSO, Gaspar, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1979; GOMES, J. L. de Brito, “Reçençeamento dos Foguos Almas Fregesias, e Mais Igrejas que Tem a Ilha da Madeira Tirado pellos Rois das Confições, assi em Geeral como em Particular”, Arquivo Histórico da Madeira, vol. II, n.º 1, 1932, pp. 28-35; GUERRA, Jorge Valdemar e VERÍSSIMO, Nelson, “O Hospício Franciscano e a Capela de S. José da Ribeira Brava”, Islenha, n.º 19, jul.-dez. 1996, pp. 61-94; MELO, Francisco Manuel de, Epanáfora Amorosa: Descobrimento da Ilha da Madeira Ano 1420: A Lenda e a História Acerca do Par Amoroso Machim e Ana de Harfet as Viagens de João Gonçalves Zarco por D. Francisco Manuel de Melo Baseado na Famosa Relação de Francisco Alcoforado Aqui Incluída: Obra de Divulgação e Cultura (Literatura e História), texto crit. e notas inform. por José Manuel de Castro, Lisboa, Livraria Ler, 1975; MENEZES, Sérvulo Drummond de, Uma Epoca Administrativa da Madeira e Porto Santo, a Contar do Dia 7 de Outubro de 1846, Funchal, Typ. Nacional, 1849-1852; NORONHA, Henrique Henriques, Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira (datado de 1722), transcr. e not. Alberto Vieira, Funchal, CEHAM 1996; PAES, Teresa, “Perfil Político do Visconde da Ribeira Brava”, Atlântico, n.º 3, outono 1985, pp. 218-223; PINTO, Maria Luís Rocha e RODRIGUES, Teresa Maria Ferreira, “Aspectos do Povoamento das Ilhas da Madeira e Porto Santo nos Séculos XV e XVI”, in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, CEHA, 1989, p. 403-420; RIBEIRO, João Adriano, “As Serras de Água na Capitania de Machico: Séculos XV-XVII”, in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, CEHA, 1989, pp. 115-135; Id., Ribeira Brava: Subsídios para a História do Concelho, Ribeira Brava, Câmara Municipal de Ribeira Brava, 1998; SARMENTO, Alberto Artur, Corografia Elementar do Arquipélago da Madeira, 2.ª ed., Funchal, s.n., 1936; TRINDADE, Ana Cristina Machado, A Moral e o Pecado Público na Madeira na Segunda Metade do Século XVIII, Funchal, CEHA, 1999. Alberto Vieira (atualizado a 09.09.2016)

revistas sobre arte

Até meados do séc. XX não existiu nenhuma publicação periódica consagrada exclusivamente às artes na Madeira. Nos anos 30, publicações como a Ilustração Madeirense integraram assuntos artísticos, mas foi depois, nos anos 50, com Das Artes e da História da Madeira que a Ilha teve uma revista de vocação cultural e regional, onde a arte ganhou destaque, embora de conteúdo muito ligado ao património sacro. Os anos 60 viram surgir o Comércio do Funchal, que integrou a arte moderna, local, nacional e internacional no posicionamento pedagógico e crítico que caracterizou este jornal. Mas foi com a criação do Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira, em 1977 e com a publicação do seu Espaço-Arte que se passou a poder falar de uma revista de artes plásticas na Ilha, sendo essa atenta aos problemas da arte moderna e contemporânea, apesar do seu cunho de divulgação escolar. Outras publicações, como a revista Atlântico e, mais recentemente, a Islenha, cumprem um papel importante na divulgação de estudos académicos sobre questões de cultura, onde a arte tem lugar de destaque. Palavras-chave: arte; artes plásticas; publicações periódicas; imprensa; cultura. No séc. XIX assistiu-se, na Madeira, ao aparecimento de um grande número de periódicos, alguns de muito curta duração. Na sua maioria de vocação política ou religiosa, estas publicações davam conta de acontecimentos sociais diversos e onde se incluíam, por vezes, notícias sobre peças de teatro, concertos ou bailes. No âmbito cultural, alguns continham artigos votados à literatura e só muito raramente às artes visuais. São exemplo, entre outros, o semanário A Estrella Litteraria (1874), A Aurora Liberal (1876), A Gazeta da Madeira (1866), A Grinalda Madeirense (1880), O Recreio, revista quinzenal dos alunos do liceu, e O Monóculo, entre outras. Nas primeiras décadas do séc. XX, o ambiente de consciência regionalista associado às tertúlias do Café Golden Gate, fez nascer vários periódicos que defendiam os valores insulares, mas nos quais a arte nunca teve um lugar preponderante. Destacamos o Heraldo da Madeira (1904 a 1915) e o Diário da Madeira, os quais tiveram algum protagonismo na dinamização cultural da sua época. Neste último, existiu uma secção denominada “momento artístico”, ainda que pouco regular, porque dependente dos raros acontecimentos que surgiam nesse campo. Nos anos 30, sobressai a iniciativa do Visconde do Porto da Cruz, que lançou, em 1929, a revista trimestral Ilustração Madeirense – Revista de Propaganda e Turismo, ligada, como o nome indica, à promoção turística da Ilha no exterior, tendo sido, por isso, uma edição trilíngue (em português, inglês e francês). Inovadora para a sua época no contexto regional, a revista possuía capa a cores e um interior de boa qualidade, recorrendo a um número avultado de ilustrações e fotografias. As duas primeiras capas foram assinadas por Roberto Cunha, logo em 1929, e seria Max Römer a assinar as capas de 1930 e 1931. A partir de 1932, as ilustrações para a capa foram substituídas por fotografias com vistas da Madeira. Contudo, e enquanto assunto, a arte ficou limitada a apontamentos acerca do património edificado, de que são exemplo as referências aos monumentos de Francisco Franco e ao Monumento da Paz. Para além destas, apenas se encontra: no n.º 1, um breve apontamento biográfico de Alfredo Miguéis, com reprodução da pintura intitulada Sarilhando; no n.º 4, uma reprodução de outra aguarela de A. Miguéis e um desenho a carvão de “Gil”, assim como duas caricaturas do madeirense Teixeira Cabral, uma pintura de Alberto de Sousa e um desenho de Sousa Machado; no n.º 6, um artigo intitulado “As Artes na Madeira” que mostra uma aguarela, Capela da Roferta (sic), de Maria B. da Costa Campos Soares. Com o avançar do século, e durante o regime salazarista, o panorama da imprensa local pautou-se pelo aparecimento de algumas publicações culturais de pendor literário que contribuíram para a divulgação dos autores locais. Entre estas, destacamos a Arquipélago, compilação de textos publicada pelo Eco do Funchal, em 1946 e 1952; o Areópago, em 1952; e o caderno literário Búzio, de 1956, editado por António Aragão, também responsável pela capa e ilustrações, e onde encontramos um artigo sobre artes plásticas de José Escada. A Revista das Artes e da História da Madeira, dirigida por Luiz Peter Clode e propriedade da Sociedade de Concertos da Madeira, constituiu a única publicação periódica especializada em cultura, arte e história madeirense durante as décs. de 50, 60 e 70. Com este título, a publicação pré-existira como suplemento d’O Jornal, nos anos 1948 e 1949; tendo sido lançado o primeiro número, enquanto revista autónoma, em 1950. Nos seus 21 anos de existência (1950-1971) a temática histórica foi predominante, como demonstram as secções regulares desta revista, com títulos como “Genealogias Madeirenses”, “Curiosidades do Passado” e “Coisas Velhas que os Novos não Sabem”, entre outros. Uma pequena secção de “atualidades” dava conta dos escassos acontecimentos artísticos que aportavam ao Funchal, na sua maioria, concertos organizados pela sociedade proprietária da revista. Esta secção dedicou-se, só muito pontualmente, às artes visuais, noticiando apenas uma exposição da pintora Bryce Nair e uma outra de esculturas religiosas, e publicando apontamentos sobre o escultor Francisco Franco e o fotógrafo Joaquim Augusto de Sousa. Na sua grande maioria, os artigos sobre arte estiveram sempre associados ao contexto religioso. Acompanhando a formação do Museu de Arte Sacra do Funchal (MASF), os textos nela publicados contribuíram para a sistematização e divulgação desse rico património, como foi o caso do escrito por Manuel Cayola Zagalo, em 1955. Ainda no contexto religioso, o Cón. Fulgêncio de Andrade abordou temas ligados à ourivesaria sacra, a relação da Igreja com a arte e outros assuntos de património. Os padres Eduardo C. N. Pereira e Manuel Juvenal Pita Ferreira trataram de arte religiosa, no geral e de ourivesaria sacra, em particular. Um outro escritor, que assinou S. A., publicou artigos sobre os problemas da arte religiosa, dos quais é exemplo “O Sacerdote e o Artista”, de 1952. Luiz Peter Clode escreveu um número considerável de artigos para a revista que dirigiu; sobre arte, destacamos um acerca do pintor Nicolau Ferreira e dois sobre porcelanas existentes em coleções da Madeira. Por outro lado, Luiza Clode debruçou-se sobre a iconografia mariana e o cadeirado da sé. Para além da arte religiosa, outros temas do património artístico da Madeira foram abordados por Elmano Vieira, que escreveu sobre as gravuras do séc. XIX, e por João Maria Henriques, que discursou sobre o mobiliário e a coleção de cadeiras do Museu Quinta das Cruzes. Sob um ponto de vista mais teórico e reflexivo, foram publicados textos de Vasco Lucena, professor da Academia de Música e Belas-Artes da Madeira, sobre estética e moda, estética e urbanismo, escultura, arte e natureza e sobre o ensino da pintura e escultura na Ilha. João Óscar Ribeiro Pereira e César Pestana também se dedicaram à reflexão teórica sobre a criação artística, desenvolvendo temas como a arte e o conceito de belo, teorias de espaço e volume, e arte da antiguidade clássica. Por fim, o arquiteto Raul Lino discursou sobre a ideia da “casa madeirense”. Para além de um texto sobre arte barroca e outro sobre cultura madeirense, o professor e camonista Emanuel Paulo Ramos foi um dos poucos investigadores que escreveu sobre arte contemporânea, no ano de 1963. Nesta senda da modernidade, apenas Jorge Marques da Silva publicaria um artigo sobre a presença itinerante da coleção Rolf Stenersen na Madeira, em 1971. Nos últimos anos, a revista Das Artes e da História da Madeira passou a ser editada anualmente — no início fora bimensal — até cessar a publicação, como se disse, em 1971. Para além desta revista, algumas iniciativas continuariam a privilegiar sobretudo a literatura, apenas abordando as artes visuais esporadicamente e de modo indireto. A registar, neste campo, o semanário Eco do Funchal que editou suplementos culturais (1962-1977) e pequenas tiragens de obras de autores madeirenses; e o suplemento do Jornal da Madeira intitulado Poesia 2000 (1971-1976), coordenado por José António Gonçalves. Ainda neste período, e apesar de também não ser uma revista de arte, merece ser assinalado o papel do semanário Comércio do Funchal (CF). O CF ou “jornal cor-de-rosa”, como ficou conhecido, foi criado em 1966, sob a direção de Vicente Jorge Silva, contribuindo sobremaneira na formação da opinião pública da Madeira e do país, durante o período da primavera marcelista. Para além da inédita crítica social, económica e política, este periódico deu grande destaque à cultura, à educação e às artes, no geral, através de extensas reportagens e inquéritos. Foram publicados diversos artigos de opinião e notícias sobre arte moderna e contemporânea, adotando uma postura claramente contrastante com a vocação mais tradicional e histórica da revista Das Artes e da História da Madeira. Contudo, até aos finais dos anos 70, as publicações inteiramente dedicadas à arte, e mais especificamente às artes visuais, primaram pela ausência. A nível nacional, o panorama não era alentador: existiam apenas duas publicações especialmente dedicadas às questões artísticas, Colóquio Artes e Jornal de Letras e Artes, com padrões de qualidade e continuidade dignos de registo. Foi a criação do Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), em 1977, que permitiu concretizar a existência de uma revista sobre arte na Região. Espaço-Arte foi publicada entre 1977 e 1995, sob responsabilidade daquela instituição de ensino artístico. No início, esta revista/boletim tinha caráter anual, passando a ser publicada semestralmente a partir de 1986, com uma tiragem 250 exemplares. A direção esteve a cargo de António Gorjão e Maurício Fernandes, que partilharam em simultâneo ou, sucessivamente, o cargo. Do conselho redatorial fizeram parte os anteriores, assim como Idalina Sardinha e Guilhermina da Luz. A publicação era impressa na reprografia do ISPAM, a preto e branco, e o design da capa esteve a cargo de Maurício Fernandes, tendo tido colaborações pontuais de Guilhermina da Luz, Celso Caires e alguns alunos do curso de design. Em 1988, o seu aspeto exterior (capa e contracapa, agora a cores) foi redesenhado e, a partir de 1989, passou a ser impressa pela editora Eco do Funchal. Em 1992, também o seu interior passou a conter páginas a cores. O Espaço-Arte foi o veículo privilegiado para publicar artigos pedagógicos, críticos e de reflexão, da autoria de docentes, alunos e convidados externos, assim como inquéritos, relatórios de atividades da escola, e textos das comunicações que integravam as Jornadas Anuais do ISAPM. De entre os docentes que participaram com textos, salientamos os seguintes autores: Idalina Sardinha, que abordou a arte contemporânea e a realidade artística madeirense, através de comentários a exposições e reflexões de caráter teórico; Jorge Marques da Silva e Anjos Teixeira, que contribuíram com sistematizações históricas acerca do ensino das artes na Madeira; Evangelina Sirgado de Sousa, que publicou acerca da sua pesquisa no domínio da arte por computador, atividade pioneira a nível nacional; e Isabel Santa Clara, que refletiu sobre o ensino artístico e comentou exposições de artes plásticas. Mais foi sobretudo António Gorjão, presidente do ISAPM, quem mais publicou, tendo produzido um vasto conjunto de textos de caráter institucional, mas também de valor académico, dos quais se destacam: diversos artigos de reflexão acerca da situação das escolas de arte a nível nacional; comentários de caráter crítico aos problemas da cultura na Madeira e do associativismo artístico; ensaios de análise semiológica a obras de artistas madeirenses; defesa da integração do ISAPM no ensino universitário e reflexões acerca da ideia de criação de um instituto universitário na Região; entre outros documentos, de sistematização e estatística e que hoje se revelam importantes testemunhos da dinâmica das artes locais na altura. Aberta a contributos externos, a revista publicou artigos de artistas e investigadores locais, tais como como António Ribeiro Marques da Silva, António Aragão, António Vasconcelos (Nelos), José de Sainz-Trueva, Teresa Brazão Câmara, José Manuel Pimenta e Irene Lucília. Para além da escrita, a revista também publicou com frequência inúmeras reproduções de desenho, pintura, banda desenhada e fotografia de artistas, tais como, Élia Pimenta, Rita Rodrigues, Teresa Jardim, Lígia Gontardo, Ana Luísa Sousa, Domingas Pita, Luís Filipe Vasconcelos, Nelos, Celso Caires e Maurício Fernandes. Ao lado da Espaço-Arte foram surgindo revistas mais generalistas, no campo da cultura insular, que cumpriram, e ainda cumprem, um importante papel na divulgação da investigação no âmbito da arte, direta ou indiretamente relacionada com a Madeira. Foi disso exemplo a efémera revista Atlântico, que fora lançada em 1985, sob a direção de António E. F. Loja, e publicada até 1989, com uma periodicidade quadrimestral, tendo lançado 20 números. A maior parte dos artigos sobre artes visuais foi, sem surpresa, dedicada a Francisco Franco e à sua obra no Funchal. Foram, num total de cinco, assinados por Armando de Lucena, João Couto, Maurício Fernandes, António Montês e Francisco Clode de Sousa. Sobre este escultor foram também republicados dois textos da autoria de Diogo de Macedo, já falecido na altura. Outros artistas do passado, como Max Römer e Andrew Picken foram estudados em artigos de Eberhard Axel Wilhelm e Rui Carita. Ainda no contexto da história da arte na Madeira, foram dados contributos por Luiza Clode, sobre pintura flamenga na Madeira e por João Lizardo, com vários textos sobre arte renascentista e mudéjar. José de Sainz-Trueva escreveu sobre arte decorativa e sobre o património artístico de algumas quintas e solares da Madeira, e Teresa Brazão Câmara publicou sobre artesanato e mobiliário madeirense, entre outros temas. A arquitetura na Região e algumas técnicas alternativas de construção arquitetónica foram abordadas por Marcelo Costa. Celso Caíres discorreu sobre a história das técnicas fotográficas e Jorge Marques da Silva escreveu acerca da arte naïf e da arte por computador. Outros autores abordaram a sua própria obra artística, como foi o caso de Lourdes Castro e Manuel Zimbro. Por outro lado, a Islenha é uma revista que, tendo sido criada em 1987 pela Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC), se encontra ativa na atualidade. Publicada semestralmente, em julho e dezembro, tem uma vocação cultural e regional semelhante à anteriormente referida. Ao longo dos anos, contou com três diretores: Nelson Veríssimo (primeira série, n.º 1 a n.º 30); Jorge Pestana (segunda série, n.º 32 a n.º 41); e Marcelino de Castro (terceira série, a partir do n.º 42). O espaço reservado às artes é proporcional ao dedicado a outros assuntos culturais abordados pela revista. Destacam-se os autores que nela publicaram artigos ou recensões sobre temas ligados às artes visuais: Bernardete Barros, Celso Caires, Rui Carita, Pedro Clode, Marcelo Costa, Higino Faria, Fátima Pitta Dionísio, Filipa Fernandes, Maurício Fernandes, José-Augusto França, Paulo de Freitas, João Lizardo, Guilhermina da Luz, Vítor Magalhães, Francisco Martins, A. Matos campos, José de Sainz-Trueva, Isabel Santa Clara, Rita Rodrigues, Cristina Trindade, Idalina Sardinha, Luís de Moura Sobral, Élvio Melim de Sousa, Francisco Clode de Sousa, Cristina Trindade, Jorge Trindade, António Manuel C. Viana, Eberhard Axel Wilhelm e Carlos Valente. Nesta revista verifica-se, como em casos anteriores, o predomínio de estudos dedicados ao rico espólio de arte religiosa, mormente de origem ou influência flamenga, patente no MASF, e de que são exemplo os dedicados ao pintor Ian Gossaert (Mabuse) e à pintura de N.ª Sr.ª do Amparo. Mas também ensaios comparativos sobre a arte flamenga nos arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias, e ainda pintura religiosa dos sécs. XVI e XVII pertencentes à Fundação Berardo. Alguns artigos estudam espaços religiosos específicos, como a capela de N.ª Sr.ª da Nazaré em Câmara de Lobos e o respetivo retábulo, a igreja de S. Bento da Ribeira Brava, a capela da Lombada dos Esmeraldos e a igreja matriz de Santa Cruz. Sobre outros museus, e as suas coleções, foram publicados estudos, nomeadamente sobre: a Casa-Museu Frederico de Freitas; as pinturas de Tomás da Anunciação; a coleção Carl Passavant; as coleções do Museu Anjos Teixeira (Sintra); as coleções de José Manuel Berardo; e ainda sobre os postais e quadros de temática madeirense, disseminados pelo mundo. A revista publicou vários ensaios sobre pintores e escultores de origem alemã ativos no séc. XIX, de que são exemplo: Wilhelm Georg Ritter; o escultor austríaco Joseph Füller, o pintor Ernst Fritz Klaucke, e Egon von der Wehl. Já do séc. XX, destacamos dois artigos e uma recensão, dedicados a Max Römer. No campo da escultura, alguns investigadores discorreram sobre Francisco Franco, Ricardo Velosa, Amândio de Sousa e Pedro Augusto dos Anjos Teixeira. Quanto à arte contemporânea, publicou-se a propósito de artistas portugueses que passaram pela Região, como foi o caso de Alberto Carneiro e de António Areal; também se publicaram artigos sobre a pintora Martha Telles. Outros autores dedicaram-se a artistas particulares no domínio da arte naïf, como Encarnação Baptista. Outras linguagens, mais votadas ao domínio das artes decorativas, mereceram destaque, tais como a tapeçaria, a azulejaria e os tetos armoriados. Também se escreveu sobre o design na Madeira, com temas como a iluminação pública e os letreiros pintados das casas comerciais. A Islenha constitui, em 2015, a única publicação local em formato papel com vocação cultural e artística. Houve iniciativas pontuais no campo da publicação estudantil, associada aos cursos de arte e design da Universidade da Madeira, porém sem duração. Na vertente digital, e apesar de inúmeras páginas dedicadas à cultura e às artes regionais, não existe, a meio da segunda década do séc. XXI, uma publicação online com essa orientação específica. Para concluir, deve ser feita uma referência especial, apesar do seu pendor generalista, ao papel desempenhado pela imprensa diária, nomeadamente pelo Diário de Notícias, com rubricas como “Das Artes e da História”, “Património Regional” e “Passos na Calçada”, assim como pelo Jornal da Madeira e o Tribuna. Estes periódicos, grosso modo, têm promovido e coberto os principais acontecimentos artísticos da Região, tais como exposições, encontros, festivais ou inaugurações, através de reportagens de fundo, artigos biográficos e entrevistas, quer nas suas páginas dedicadas à cultura, quer nos seus suplementos/revistas. Bibliog. impressa: Atlântico: Revista de Temas Culturais, Funchal, A.E.F.L., 20 n.os, 1985-1989; Das Artes e da História da Madeira: Revista de Cultura da Sociedade de Concertos da Madeira, Funchal, Sociedade de Concertos da Madeira, 8 vols., 1950- 1971; Espaço-Arte: Revista Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira, Funchal, ISAPM/Eco do Funchal, 26 n.os, 1977-1995; Islenha: Temas Culturais das Sociedades Insulares Atlânticas, Funchal, DRAC, 42 n.os, 1987-2015; NEPOMUCENO, Rui, A Revista das Artes e da História da Madeira, Funchal, O Liberal, 2013; VALENTE, António Carlos Jardim, As Artes Plásticas na Madeira (1910-1990). Conjunturas, Factos e Protagonistas do Panorama Artístico Regional no Século XX, Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à UMa, Funchal, texto policopiado, 1999. Carlos Valente (atualizado a 13.09.2016)

ramalho, raul chorão

O fim da Segunda Guerra Mundial, com o consequente despertar das democracias e uma oposição revigorada pela derrota do fascismo na Europa, conduz a uma certa agitação cultural que, em Portugal, no campo da arquitetura, vai determinar uma reflexão sobre a arquitetura moderna no país. Esta reflexão resulta, essencialmente, em três acontecimentos determinantes: o livro do arquiteto Fernando Távora O Problema da Casa Portuguesa, de 1947; o I Congresso Nacional de Arquitectos, em 1948; e, o mais significativo de todos eles, o inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, elaborado pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos e publicado em 1961, eventos que irão desencadear uma viragem na cultura arquitetónica portuguesa. Surgida no pós-guerra, a segunda geração de arquitetos modernistas portugueses opõe-se ao neorregionalismo materializado na chamada casa portuguesa que floresceu, na primeira metade do séc. XX, divulgada sobretudo pelo Arqt. Raul Lino. Fruto de uma visão arquitetónica algo limitada, bem como de algum atraso cultural, e filiada na ideologia política dominante, que reduziam a questão da arquitetura regional portuguesa a uma coletânea de elementos típicos das diversas regiões para a composição das fachadas, a casa portuguesa resultava de um amaneiramento das formas e de um somatório de variados pormenores decorativos que a tornavam pitoresca. Esta segunda geração de arquitetos modernistas recusa a arquitetura monumental-simbólica do Estado Novo e assume a linguagem do Movimento Moderno Internacional seu contemporâneo. Rejeita o ecletismo da arquitetura académica e os valores de temporalidade e tradição que esta sugere. Admira Le Corbusier, Gropius, Mies van der Rohe, Alvar Aalto e deixa-se contagiar pela vigorante moderna arquitetura brasileira. Procura o racionalismo, a funcionalidade, a luminosidade e a expressividade. Os já mencionados e determinantes eventos na arquitetura portuguesa acabarão por ditar o fim do mito da nostálgica casa portuguesa, pastiche do falso regionalismo, tão do agrado dos ideais conceptuais do Estado Novo. Integrando-se nas novas conceção estética e consciência teórica, surge no arquipélago da Madeira o trabalho pioneiro do Arqt. Raul Chorão Ramalho (Fundão, 1914-Lisboa, 2002). Diplomado pela Escola de Belas-Artes do Porto em 1947, mesmo antes de terminar o curso trabalhou com Faria da Costa e Keil do Amaral nos Serviços de Urbanização da Câmara Municipal de Lisboa. Autor de diversas obras por todo o país, a sua produção assenta em larga escala na ilha da Madeira, nomeadamente no Funchal, para onde foi inicialmente trabalhar (em 1944) numa missão da Direção Geral dos Serviços de Urbanização e, simultaneamente, para a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, órgãos dependentes do Ministério das Obras Públicas. Em 1946, é membro fundador do ICAT (Iniciativas Culturais, Arte e Técnica) e participa na I Exposição Geral de Artes Plásticas com uma casa de habitação. Em 1948, participa no I Congresso Nacional de Arquitectura e na III Exposição de Artes Plásticas, com fotografias da remodelação da Cervejaria Trindade, em Lisboa. É membro do júri da seleção e premiação da II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, realizada em 1961 e que pela primeira vez integra projetos arquitetónicos. Na Madeira, à semelhança do que aconteceu no resto do país, o primeiro e tímido modernismo dos anos 30 é interrompido pela arquitetura do Estado Novo dos anos 40, com os seus valores de tradição, historicismo e representação. Rebelando-se contra esses valores, o Arqt. Chorão Ramalho irá, a partir dos inícios dos anos 50, implantar a arquitetura moderna na Ilha, numa simbiose com a arquitetura vernácula. Retoma o tema da casa portuguesa (casa regional), não no sentido da casa tipologicamente reproduzível e mimética, mas procurando incorporar na sua moderna arquitetura lições construtivas regionais. Observando e estudando atentamente a arquitetura local, popular vernácula e erudita, atenta às técnicas construtivas locais, aos materiais regionais, à ligação à natureza que a casa madeirense revela e à sua forma de implantação no terreno, bem como à sua relação com o clima e com a vegetação. Absorve, de uma forma expressiva e funcional, materiais locais como a cantaria, o calhau rolado, os tapa-sóis ou a cobertura em “salão” e faz reinterpretações de socalcos, de casinhas de prazer e de pérgulas. Atende à memória, à tradição local, sem nunca deixar de fazer uma arquitetura de linguagem moderna do seu tempo. A sua inovadora arquitetura denuncia respeito pela cultura local e evidencia uma clara dialética entre tradição e futuro, modernidade e história. Das suas inúmeras obras construídas no arquipélago da Madeira, são de destacar: a notável capela-ossário do cemitério de N.ª Sr.ª das Angústias, no Funchal; quase todo o quarteirão do conjunto da antiga Caixa de Previdência do Funchal, hoje Segurança Social da Madeira; a escola primária de Vila Baleira, no Porto Santo; a Casa Bianchi, no Funchal; a Casa Homem da Costa, no Caniçal; o hotel da Quinta do Sol; a igreja do Imaculado Coração de Maria, efetivamente a primeira igreja moderna da Ilha; quase todas as obras para a Comissão de Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, hoje Empresa de Eletricidade da Madeira; o lar da Bela Vista, com uma admirável adaptação às curvas de nível do terreno declivoso; o Edifício João de Freitas Martins (agora denominado Edifício Chorão Ramalho), pela sua excelente inserção na Av. do Mar e a sua última grande obra, que demonstra um elevado sentido ético na reabilitação, que foi a adaptação da antiga Alfândega do Funchal a Assembleia Legislativa Regional da Madeira. De notar, ainda, uma obra que infelizmente não veio a ser construída, porque o arquiteto se recusou a aumentar a volumetria, que foi o bem desenhado Conjunto do Infante para o local onde hoje se ergue o Edifício Infante e Centro Comercial Marina Shopping. Ao analisarmos os seus projetos para a Ilha, verificamos que num primeiro momento a sua obra na Madeira se filia no estilo internacional. Nos anos 60, a sua produção contextualiza-se, sendo mais orgânica, e torna-se, a partir dos anos 70, mais brutalista, tirando partido da expressividade do betão armado aparente. Como grande parte dos seus edifícios são públicos, Chorão Ramalho preocupou-se em projetar obras que durassem, que resistissem à passagem do tempo e que fossem moldáveis e adaptáveis a uma provável expansão dos serviços. Nas diversas obras, constatamos uma clara intenção de pluridisciplinaridade das várias expressões artísticas que Chorão Ramalho pode enfatizar graças à sua relação privilegiada com a elite artística da época, fruto das suas participações nas diversas exposições gerais de artes plásticas. Entendidas como obras de arte integradas na arquitetura, fazendo parte de um todo, estas expressões plásticas ajudam a animar a austeridade dos espaços, para os quais convida artistas de renome nacionais como Lagoa Henriques, Jorge Vieira, Guilherme Camarinha, Querubim Lapa, entre outros. Chorão Ramalho marcou uma época e uma região, funcional e eticamente, sem alinhar em estilos, gostos ou modas. A sua obra no arquipélago da Madeira constitui património arquitetónico de grande relevância pela mestria, subtileza, elegância, erudição e aproximação ao meio envolvente que revela. Este profissional é uma referência na arquitetura da segunda metade do séc. XX na Madeira e em Portugal pela qualidade da sua moderna arquitetura, pela coerência entre forma, função e construção e pelo respeito que sempre manifestou pelas memórias e tradições arquitetónicas locais. Em 1997, Chorão Ramalho foi distinguido com o prémio de Arquitetura AICA-Ministério da Cultura pela qualidade e coerência, bem como pela permanência no tempo, da sua obra e pelo modo sereno como ela se soube construir em diversas regiões do mundo (Portugal continental, Madeira, Macau e Brasil). Bibliog.: ALMEIDA, Pedro Vieira de e MENDES, Manuel, Arquitectura Portuguesa Contemporânea: Anos Sessenta-Anos Oitenta, Porto, Fundação de Serralves, 1991; CARITA, Rui, A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, Funchal, Assembleia Legislativa Regional, 1994; FERNANDES, José Manuel, “Anos 60 – Anos de ‘Consequência’?”, in DIAS, Pedro Silva et al. (org.), Anos 60 – Anos de Ruptura: Arquitectura Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa, Sociedade Lisboa 94 e Livros Horizonte, 1994; Id., Arquitectos do Século xx: Da Tradição à Modernidade, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2006; FREITAS, Emanuel Gaspar de, A Obra de Raul Chorão Ramalho no Arquipélago da Madeira, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2010; MESTRE, Victor et al., Raul Chorão Ramalho, Arquitecto: Exposição, Almada, Câmara Municipal de Almada e Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, 1997; Id., “Arquitectura Popular no Arquipélago da Madeira, Património Atlântico”, Islenha, n.º 23, 1998, pp. 89-112; Id., Arquitectura Popular na Madeira, Lisboa, Argumentum, 2002; MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS, O Aproveitamento da Água na Ilha da Madeira: 1944-1969, Funchal, Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, 1969; TOSTÕES, Ana Cristina, Arquitectura Portuguesa do Século xx, in Paulo Pereira (dir.), História da Arte Portuguesa, vol. iii, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pp. 507-547; Id., Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa dos Anos 50, Porto, FAUP, 1997; TOSTÕES, Ana et al., Arquitectura Moderna Portuguesa: 1920-1970, Lisboa, IPPAR, 2003; TOUSSAINT, Michel, “Raúl Chorão Ramalho: Um Percurso Possível no Pós-Guerra”, Jornal Arquitectos, n.º 170, 1997, pp. 16-31. Emanuel Gaspar de Freitas (atualizado a 14.06.2016)

prefeito

[caption id="attachment_8095" align="alignleft" width="300"] Cautela da Comissão, 1836. Arqui. Rui Carita.[/caption] A primeira denominação que o chefe de distrito utilizou na organização liberal foi a de prefeito, dada uma certa influência francesa dos legisladores liberais, para não dizer napoleónica. Esta designação teve origem no império romano, estabelecendo-se em França como chefe de departamento e em alguns cantões da Suíça como equivalente a magistrado. Isto explica-se pela presença em França de muitos quadros liberais, assim como pela força que a mítica Revolução Francesa e as diretivas do tempo de Napoleão exerceram sobre os mesmos. [caption id="attachment_8107" align="alignright" width="186"] Parecer escrito por Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, 1835. Arqui. Rui Carita.[/caption] O decreto-lei de 30 de junho de 1834 mandava que provisoriamente se reunisse no prefeito a autoridade militar geral do distrito, assim como o “poder de fiscalizar as repartições públicas”, tendo o detentor deste cargo também a autoridade para tomar as “medidas que lhe parecessem mais acertadas”, não só em respeito “das coisas, como das pessoas”, devendo sujeitá-las à confirmação do governo em Lisboa (ARM, GC, liv. 654). Esta determinação dava-lhe, assim, o poder de implementar medidas e afastar pessoas e só posteriormente sujeitar essas resoluções ao governo central, como refere o ofício do ministro Pereira do Carmo, de 9 julho de 1834, que acompanhava o decreto citado (RODRIGUES, 2006, 700). [caption id="attachment_8098" align="alignleft" width="211"] Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque. Arqui. Rui Carita.[/caption] [caption id="attachment_8101" align="alignleft" width="212"] Litografia de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque. Arqui. Rui Carita.[/caption] A denominação de prefeito, com que se apresentou no Funchal o coronel de engenharia Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847), avô do célebre herói colonial dos finais do século XIX, no entanto, não resistiria ao tempo e o segundo chefe do distrito do Funchal já veio com a nova designação de administrador-geral, nome utilizado na segunda reforma administrativa liberal, de acordo com a lei de 25 de abril de 1835 e, depois, com o código administrativo de Passos Manuel, de 31 de dezembro de 1836. Este código manteve-se até à reforma de Costa Cabral, desenhada em 1842 (embora implantada só posteriormente, em 1845 e 1846), que criou então a denominação de governador civil. [caption id="attachment_8104" align="alignright" width="217"] Retrato de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque. Arqui. Rui Carita.[/caption] [caption id="attachment_8088" align="alignleft" width="249"] Pormenor das Armas de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque. Arqui. Rui Carita.[/caption] [caption id="attachment_8092" align="aligncenter" width="173"] Armas de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque. Arqui. Rui Carita.[/caption] Bibliog. manuscrita: AHM, Processos Individuais, cx. 924, Processo individual de Luis da Silva Mousinho de Albuquerque; ARM, Governo Civil, liv. 654; impressa: CARITA, Rui, História da Madeira, vol. VII: O longo Século XIX: do Liberalismo à República. A Monarquia Constitucional, Funchal, SER/Universidade da Madeira, 2008; CRUZ, Mário Pinho da (coord.), Dos Secretários de Estado dos Negócios da Fazenda aos Ministros das Finanças (1788-2006): Uma iconografia, Lisboa, Ministério das Finanças e da Administração Pública, 2006; RODRIGUES, Paulo Miguel, A Madeira entre 1820 e 1842: Relações de Poder e Influência Britânica, dissertação de doutoramento em história contemporânea pela Universidade da Madeira, Funchal, texto policopiado, 2006; SILVA, Fernando Augusto da. e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, 1940-46. Rui Carita (atualizado a 29.02.2016)