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A 21 de setembro de 1684, nasceu dentro do castelo de Lisboa João Marques de Afonseca, que viria a ser o 16.º bispo do Funchal, com o nome de D. Fr. João do Nascimento. Foram seus pais Inácio de Mira Solteiro, capitão de cavalos do terço do duque de Cadaval, e D. Garcia Ferreira de Afonseca, membros de uma pequena nobreza rural e morgados da Torre da Giesteira, Montemor-o-Novo. Sendo os progenitores gente piedosa, o jovem João cresceu e foi educado na observância de estritos princípios religiosos e habituado à frequência da comunhão e confissão, bem como à prática da oração mental, cumprindo, desde o nascimento, um programa que em muito se aproximava do da corrente jacobeia, na qual militou depois de adulto. Terminados os seus estudos em Humanidades na corte, transferiu-se para Coimbra, em cuja Universidade concluiu, com louvor, o doutoramento em Cânones. O seu desempenho enquanto aluno fê-lo sobressair de entre os companheiros, pelo que, dentro de pouco tempo, já se encontrava a lecionar na Universidade, tendo-lhe posteriormente sido oferecido o lugar de mestre-escola na Sé de Évora. Apesar das boas perspetivas de carreira eclesiástica que tão cedo se lhe depararam, João Marques de Afonseca, seu nome no século, sentiu o apelo da vida monástica e, renunciando aos cargos que se encontravam à sua disposição, decidiu ingressar no Convento franciscano do Varatojo, onde se fez noviço, em 1713, e frade, em maio de 1714, passando a chamar-se Fr. João do Nascimento. No convento, continuou a dar provas de um talento especial no púlpito e no confessionário e, por isso, em breve se transformou em confessor e missionário. Durante anos, percorreu o interior do país, lutando por uma reforma de costumes e pelo estabelecimento da prática da oração mental em público, isto é, trilhando o caminho proposto pelos ideais da jacobeia. Quando Fr. Gaspar da Encarnação, figura emérita da jacobeia e futuro conselheiro de D. João V em matéria de provimentos episcopais, abandonou o lugar de guardião do Varatojo para, por ordem régia, ir para Coimbra reformar um convento agostinho, passou Fr. João do Nascimento à qualidade de presidente do Seminário varatojano, e o modo como se desincumbiu da função levou a que ascendesse ao lugar de guardião do Convento em 1734. Nessa situação se encontrava quando, em 1740, D. João V se lembrou dele para a mitra do Funchal, então vaga por promoção de D. Fr. Manuel Coutinho para Lamego. Informado da decisão real, procurou Fr. João do Nascimento livrar-se daquele peso, rogando ao monarca que o aliviasse de “uma Dignidade para a qual não tinha ombros” (SANTÍSSIMA, 1804, 247). Não tendo a escusa sido aceite, viu-se o frade nomeado bispo do Funchal a 5 de janeiro de 1741, vindo a ser confirmado a 5 de março, na Patriarcal de Lisboa, na presença, entre outros, do Cardeal e do também jacobeu e bispo de Angra, D. Fr. Valério do Sacramento. Chegado à Madeira a 4 de setembro, recolheu-se provisoriamente ao Convento dos seus confrades no Funchal, de onde saiu para, a 17 do mesmo mês, solenemente assumir na Sé a condução dos destinos da Diocese. Depois de instalado no paço episcopal, pôde D. Fr. João do Nascimento começar a pôr em prática as ideias que trazia para governo do bispado, as quais se começaram a descortinar a partir da sua primeira pastoral, publicada a 5 de janeiro de 1741. Nesse documento, tornam-se visíveis aquelas que eram as preocupações do novo prelado e que respeitavam, em primeiro lugar, ao exemplo que se esperava provir dos eclesiásticos, nomeadamente no tocante à responsabilidade que lhes estava cometida do ensino da doutrina, ainda que partilhada com os pais de família e os mestres de estudantes, como o bispo também referia. Em paralelo com a doutrinação religiosa, chamava-se, ainda, a atenção para a transmissão da importância dos bons costumes, do respeito aos superiores e da devoção a Nosso Senhor e mais santos, reforçando, assim, a mensagem do devocionário tridentino. Como para o cabal cumprimento deste desígnio eram precisos clérigos instruídos e capazes, o prelado apelava, depois, ao estudo da teologia moral, condição necessária à continuação do exercício da função de confessor cometida aos párocos e curas de almas, dando a todos um prazo para se apresentarem a exame. Para os clérigos de ordens menores e outros estudantes que esperassem promoção a ordens maiores, era exigida a frequência da lição de moral no Colégio da Companhia de Jesus. Outro assunto que avultava desta primeira pastoral tinha a ver com a obrigação de residência, impondo-se as devidas penalizações a todo aquele que a não respeitasse. Logo de seguida, eram abordadas as questões da intervenção dos párocos na correção dos pecados públicos, na satisfação das obrigações testamentárias, assunto que muito preocupou o bispo durante todo o episcopado, e no cumprimento das determinações relativas ao modo de trajar dos eclesiásticos. A 6 de Maio de 1742, D. Fr. João do Nascimento fazia publicar a sua segunda pastoral, desta vez mais destinada a chamar a atenção para a necessidade de ouvir missa nos dias de preceito, a lembrar a obrigação de os clérigos participarem nas procissões e os cuidados espirituais a prodigalizar aos doentes. Numa terceira pastoral, de 1743, o prelado voltava a insistir em pormenores do vestuário eclesiástico, sublinhando a proibição do uso de anéis e outros atributos de luxo a todos os que não os pudessem exibir como marca de estatuto, num apontamento consistente com o ideário jacobeu que repudiava o luxo, a ostentação e a vaidade. Em 1744, os cuidados pastorais de D. Fr. João do Nascimento voltaram-se, claramente, para o cabal cumprimento dos legados pios, uma das vertentes da sua ação em que melhor se demonstrou que, apesar de procurar agir com brandura em todas as circunstâncias em que tal fosse possível, o bispo poderia ser duro, se fosse caso disso. O problema do incumprimento dos encargos pios na Madeira vinha de longe, e já tinha custado ao bispo anterior, D. Fr. Manuel Coutinho, bastantes dissabores, estando, no entanto, muito longe de se achar resolvido. O problema radicava sempre nos testamenteiros que, ou por falta de meios, ou por negligência pura e simples, não acudiam às almas do purgatório com os devidos ofícios divinos. A responsabilidade de assegurar que essa obrigação era satisfeita cabia, em meses alternados, à Igreja e ao juiz do resíduo secular, o qual, era, porém, particularmente remisso neste particular. Com esta pastoral, dava D. Fr. João do Nascimento sinal de que este assunto lhe era caro e de que estaria vigilante em relação ao cumprimento do estipulado. O juiz dos resíduos, porém, parece não ter levado em linha de conta as advertências episcopais e a situação manteve-se inalterada até 1747, altura em o bispo decidiu ordenar aos seus visitadores que averiguassem o que se passava também nos meses em que, de acordo com a regra da alternativa, o cumprimento competia ao juiz dos resíduos. Este, ofendido, instou junto do prelado para que suspendesse a medida, comprometendo-se a tratar da questão. Como tal não se chegasse a verificar, o bispo acabou por assumir a responsabilidade integral da satisfação dos encargos, atitude que lhe valeu a apresentação de uma queixa contra si nos tribunais da Coroa, cuja resolução, tendo-lhe sido favorável, não impediu a continuidade de uma relação conflituosa com as entidades envolvidas no processo. Em 1746, D. Fr. João do Nascimento publicou nova pastoral, desta vez dedicada ao problema do sigilismo. O sigilismo foi uma questão que surgiu como decorrência da atuação de alguns bispos jacobeus que, por perseguirem e condenarem desmandos, foram acusados de pressionar os clérigos para obterem dados sobre os cúmplices dos confitentes. Desta situação foi apresentada queixa ao patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida, e ao inquisidor geral, D. Nuno da Cunha, os quais, por sua vez, a fizeram chegar ao Papa, Bento XIV. O pontífice reagiu à denúncia com um breve em que liminarmente proibia tal prática e foi na sequência desta proibição que D. Fr. João promulgou a sua pastoral, na qual, apesar de declarar não ter conhecimento de que na Diocese se praticassem tais infrações, não deixava de exortar os seus confessores a que nunca caíssem no erro apontado, sob pena de afastarem os fiéis da frequência do sacramento da confissão. Em 1753, o bispo mostrava-se preocupado com o devido cumprimento do ritual a ser observado pelo corpo de eclesiásticos ao serviço da Sé, pelo que publicou uma última pastoral que continha o novo regimento a observar na Catedral, onde se encontravam bem evidenciados os cuidados postos na observação dos comportamentos e no respeito pela hierarquia e pela formalidade, honrando assim um outro princípio da jacobeia, que era o de dar “às práticas da vida espiritual notável dose de exterioridade”, com vista a fazer “contagiosa a virtude” (SILVA, 1963, 266). No que diz respeito às visitações, D. Fr. João do Nascimento também as executou, pessoalmente ou por delegação, revelando, quer o louvor que lhe mereciam os párocos comprometidos com obras e cuidados com as suas igrejas, como aconteceu em São Jorge, quer a atenção que dedicava à prática do ensino da doutrina, à satisfação dos encargos pios, à criteriosa contabilidade das confrarias, ao adequado comportamento dos fiéis, ou ainda, e mais uma vez, às formalidades a observar nas procissões e nos ofícios religiosos, como aconteceu em São Pedro, em 1743. Nunca esquecendo a sua anterior prática missionária e conhecedor dos frutos que as missões de interior poderiam prodigalizar aos fiéis, levou consigo do reino, quando da sua ida para o Funchal, dois pregadores franciscanos, Fr. Lourenço de Santa Maria, futuro arcebispo de Goa e Fr. João do Sacramento, que, durante 20 meses, percorreram todo o arquipélago, tendo operado, com o seu labor, “conversões inumeráveis” (SANTÍSSIMA, 1804, 248). Regressados os dois pregadores ao Varatojo, em 1743, o bispo manteve o interesse na prossecução de um trabalho deste teor, continuando a promover a deslocação de missionários para as paróquias tanto da Madeira como do Porto Santo, embora agora tivesse de se socorrer dos meios que o Convento local de S. Francisco podia disponibilizar. Em relação aos dois conventos sobre os quais exercia tutela direta, a saber, o Convento de N.ª Sr.ª da Encarnação e o de N.ª Sr.ª das Mercês, mostrou-se o bispo empenhado na observação criteriosa das normas da vida conventual, visitando-os com regularidade e zelando para que fossem garantidos os rendimentos necessários à subsistência das freiras. No tocante ao Convento de N.ª Sr.ª da Encarnação, e talvez para dissipar a crispação que se estabelecera entre esta casa monástica e o seu antecessor, D. Fr. Manuel Coutinho mandou D. Fr. João que se instituísse uma capelania perpétua, a qual dotou com a quantia de três contos de reis anuais, a fim de que nela se rezasse missa diária por sua alma e a de seus familiares, tendo até estipulado que o sacerdote encarregado dessa celebração não poderia ser o capelão e confessor do Convento, o que daria às religiosas o privilégio do contacto com uma forma renovada de ouvir a palavra divina. Na gestão do corpo eclesiástico da sua Diocese, os cuidados de D. Fr. João do Nascimento dirigiram-se, por um lado, ao melhoramento das condições materiais para o exercício das funções, tendo conseguido a anuência real para o aumento dos ordenados do provisor e vigário geral, para o reforço das côngruas dos beneficiados de algumas das colegiadas, e para o sustento dos colegiais do seminário, instituição que protegeu e dotou de novo regimento. Apesar desta preocupação com o bem-estar do seu clero, o bispo não deixou de intervir com rigor quando o procedimento de alguns dos seus subordinados não se revelava correto. Foi o que aconteceu quando, estando o prelado já doente, em 1753, se registou um diferendo entre o cabido e o provedor da Fazenda a propósito de um embargo por este movido contra uma nomeação capitular. A queixa que o provedor apresentou a Lisboa foi prontamente atendida e, na sequência de uma recomendação régia para que o prelado mandasse averiguar responsabilidades, D. Fr. João do Nascimento não hesitou em mandar prender um cónego e o prioste na torre da Sé e um padre no Aljube. Por outro lado, esforçou-se por fazer os provimentos dos benefícios nos sujeitos mais capazes, não tendo tido, neste processo, os problemas que afetaram o episcopado do seu antecessor. Sensível à escassez de recursos humanos de que enfermavam algumas paróquias, o bispo também lutou pela criação de cinco novos curatos, apesar de alguns não terem chegado a ser ocupados em tempo da sua vida. Durante os 13 anos que durou o seu episcopado, foi D. Fr. João do Nascimento ainda convocado para desempenhar as funções de governador militar do arquipélago, cargo que ocupou, durante 4 anos, a partir de 1747. Enquanto responsável militar, foi solicitado a resolver a questão do envio de 200 soldados para acudir a Angola, a facilitar a ida para o Brasil de um conjunto de casais madeirenses, em resposta a um pedido do reino, e a gerir as prepotências perpetradas por alguns juízes ordinários que, nas relações com as partes que tinham de arbitrar, trocavam a justiça pela opressão. Em tais casos, não lhe tremeu a mão e mandou, inclusivamente, prender os prevaricadores, encarcerando-os em “Cadeias e Torres conforme a qualidade das pessoas” (SILVA, 1964, 254). Em 1748, durante o seu exercício do cargo de governador, foi o território da Madeira abalado por um tremor de terra que destruiu parte da cidade e não só, tendo-o obrigado à pronta adoção de um conjunto de medidas. Entre estas, contam-se a reconstrução do paço episcopal, tão severamente danificado que o prelado procurou reedificá-lo, desta vez nas imediações da Sé. As dificuldades na aquisição de um terreno para o efeito decidiram-no, porém, a recuperar o edifício primitivo, aí levantando a construção que sobreviveu. A destruição provocada pelo terramoto atingiu, igualmente, a igreja de N.ª Sr.ª do Monte, com cuja recuperação também o prelado se comprometeu, designadamente através da criação da Confraria dos Escravos de Nossa Senhora do Monte, estabelecida em todas as paróquias, a partir das quais se recolheram esmolas que muito ajudaram à recuperação do edifício. No lugar do Estreito de Câmara de Lobos também se fizeram sentir os efeitos do sismo e a igreja paroquial, que já se encontrava em processo de reconstrução, teve igualmente de ser intervencionada, embora a documentação existente remeta o protagonismo da campanha de obras mais para o pároco, Manuel Borges Alemanha, do que para a figura do prelado. A responsabilidade episcopal está, contudo, mais evidenciada na reparação de algumas fortalezas, bem como na edificação, de raiz, de um novo reduto militar – a Fortaleza de S. Francisco, em Santa Cruz. O desempenho de D. Fr. João do Nascimento como governador militar, tanto nas atitudes já referidas, como nas que assumiu em termos dos critérios utilizados para prover lugares de chefia militar, ou até, de subalternos, e que, à semelhança do que fizera em relação aos benefícios eclesiásticos, se pautaram pelo mérito, levou a que o exercício do cargo se prolongasse até agosto de 1751, altura em que foi substituído por D. Álvaro Xavier Botelho de Távora. Em dezembro desse mesmo ano, adoeceu gravemente com uma paralisia que lhe deixou comprometido o lado esquerdo do corpo, ainda que intacto o entendimento. Por conselho médico, procurou obter licença para se ausentar para o reino, na demanda de alívio para o mal que o afligia, mas a progressiva deterioração do seu estado de saúde, agravada por repetições dos ataques, acabou por inviabilizar a deslocação e por conduzir à sua morte, ocorrida a 5 de novembro de 1753. Depois de um episcopado pautado por um espírito rigoroso, mas não autoritário, por uma vida pessoal austera e regrada, por uma preocupação com os pobres, pelos quais fazia, frequentemente, distribuir esmolas, e por uma capaz chefia militar do arquipélago, foi D. Fr. João do Nascimento a sepultar na capela-mor da Catedral do Funchal, no findar do ano de 1753.   Ana Cristina Machado Trindade (atualizado a 03.03.2018)

Religiões

sebastianismo

Tal como acontecia no Reino, também na Madeira, no rescaldo da derrota de D. Sebastião em Alcácer-Quibir, surgiram lendas que evocavam a possibilidade do regresso do Rei para resgatar Portugal do domínio castelhano. Essas lendas, que, na Madeira, se misturam com o imaginário do ciclo arturiano, começaram por se manifestar logo nos inícios do século XVI, mas mantiveram-se presentes na imaginação popular de forma tão duradoura que ainda no século XX são objeto de referência por parte de autores madeirenses. Palavras-chave: D. Sebastião, a Ilha Encoberta, a Espada, Arguim, Rei Artur. O sebastianismo foi um sentimento de cariz messiânico que se divulgou em Portugal na sequência do desaparecimento do Rei D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir (1578), espalhando-se por todo o território nacional nos fins do séc. XVI e princípios do século seguinte. As razões da sua rápida propagação no todo nacional terão de ser procuradas na própria história de um país que se formou na luta contra os mouros e os Castelhanos, a quem habitualmente levou de vencida, ainda que com um ou outro contratempo traduzido em derrotas momentâneas, suplantadas, depois, por vitórias que permitiram não só a sua autonomia, mas até a sua dilatação sob a forma de grande império ultramarino. Lutadores convictos da sua independência, habituados a porfiar contra os inimigos, os Portugueses não conseguiam aceitar a ideia de que a sua pátria, forjada com tanto sacrifício, tivesse sido, de um só golpe, vencida pelos inimigos tradicionais – os mouros, que desfizeram o seu exército, e os Castelhanos, para quem sobrou o trono – e, para melhor enfrentar o infortúnio, socorreram-se da ideia de um inevitável regresso de D. Sebastião, estratégia messiânica que se inscreve numa tradição que, vinda do judaísmo, não deixara completamente de circular por entre os povos cristãos. Assim, ainda que se questionasse a impreparação e a irresponsabilidade do Monarca desaparecido, a nação ansiava pelo seu regresso, visto como condição sine qua non para a libertação do domínio castelhano; e o Rei, que já nascera com o cognome de “o Desejado”, tornava-se ainda mais desejado depois do seu desaparecimento no Norte de África. A força desse desejo nacional será, pois, o suporte do messiânico desígnio do sebastianismo. Esta crença é, em si mesma, indicativa da força da comunidade judaica em Portugal, no seio da qual nasceu Gonçalo Anes Bandarra, autor de umas trovas proféticas e dedicadas às dificuldades, mas também ao destino imperial de Portugal, nas quais se vem a inspirar o movimento sebástico. A comunidade cristã-nova, perseguida pela recém-criada Inquisição, encontrou na Madeira, num primeiro momento, um porto de abrigo onde se refugiou, julgando-se protegida pela inexistência local de uma delegação permanente do Santo Ofício, e seria ela, talvez, o veículo de divulgação regional das trovas de Bandarra. O acolhimento que, na Madeira, se dispensará à divulgação da mítica sebastianista radica, por sua vez, numa propensão para acolher o mito como elemento fundador da identidade insular, uma vez que algumas explicações para a origem da Ilha repousam em lendas que povoam o imaginário popular. Com efeito, a ilha da Madeira constituía, aos olhos dos seus habitantes, um espaço encantado que teria tido origem num momento em que, estando Nossa Senhora a chorar pelos pecados do mundo, deixara cair uma lágrima sobre o oceano. Dessa gota sagrada nascera uma pérola que se transformara em ilha – a da Madeira, que assim se assumia como território afortunado, bafejado por um clima ideal, águas abundantes, vegetação luxuriante, terra fértil e acolhedora. Esta lenda está, por sua vez, associada a uma outra – a da desaparecida Atlântida, continente afundado pela ira divina e do qual a Madeira teria ficado como memória (Lendas e mitos fundadores). Esta ideia de ilha encantada é, precisamente, recuperada por uma das lendas do sebastianismo insular, que reporta a existência de uma terra mítica que, em determinados dias, aparece no horizonte e onde se conta que vive um Rei que, um dia, de lá há de sair para vir libertar o seu povo, muito à semelhança do que aconteceu com o Rei Artur, que se refugiou na ilha de Avalon, de onde regressará para libertar os Bretões. As semelhanças entre o sebastianismo madeirense e o ciclo arturiano não se ficam por aqui, pois outras lendas madeirenses falam de uma espada – a versão insular de Excalibur –, enterrada pelo Rei desaparecido em vários locais da costa: uma fala da Penha de Águia, outra do cabo Girão, outra, ainda, da ponta da Galéria ou Galé, na Calheta, admitindo-se aí ter sido colocada por D. Sebastião, quando, a caminho de Arguim, teria passado pela Madeira. Esta suposta passagem do Monarca derrotado pela Ilha não tem, de facto, nenhum suporte efetivo, mas como o território da lenda não atende a estas circunstâncias, não é estranho que se afirme, a respeito da referida espada: “braço de rei a meteu e só braço de rei a pode tirar” (FREITAS, 1984, 69). Tornou-se, ainda, voz corrente que, em momentos especiais, com tempo claro, os pescadores a conseguem ver. A ilha de Arguim, local do exílio temporário do Rei, é um território que se situa no golfo da Guiné e pertenceu, inclusivamente, à Diocese do Funchal, tendo sido, para efeitos do mito, transformada também numa espécie de terra encantada, que tanto emerge como submerge, e onde a imaginação popular entrevê um Rei, ora novo e garboso, ora velho e desalentado, que recebe no seu pequeno reino missionários a quem promete regressar para ocupar o trono português, o que acontecerá depois de resgatar a espada que enterrou em solo madeirense. Segundo uma versão desta lenda, a retirada da espada implicará o afundamento total da Madeira; segundo outra, apenas se verificará uma submersão parcial, devendo o futuro cais ficar pela altura da igreja de N.ª Sr.ª do Monte. A sobreposição, um tanto surpreendente, entre os romances de cavalaria onde se inscreve a lenda do Rei Artur, e as versões insulares das lendas de D. Sebastião, tem, ainda, validação na capitania de Machico, entregue a um muito medieval Tristão Teixeira, que aí organizava justas e torneios, e onde se fundou uma povoação de nome Gaula, habitada por Lancelotes, Grismundas, Isoas e Galaazes. Na tradição oral madeirense encontram-se, também, narrativas de histórias multisseculares, onde se cruzam personagens oriundas de um universo medieval – reis, condes, princesas e donzelas –, que não poderão deixar de ter sido bebidas na tradição dos romances de cavalaria tão bem ilustrada pelas histórias arturianas. A retoma da independência nacional operada por D. João IV continua a inscrever-se no universo do messianismo sebástico que, confrontado com o não retorno de D. Sebastião, transfere para a figura do novo Monarca todo o capital de esperança que era património da lenda. Na Madeira, o anseio pela devolução de Portugal à qualidade de estado independente manifestou-se na figura do cónego Henrique Calaça que prometera edificar um mosteiro feminino caso esse desígnio se cumprisse. Este é, pois, o quadro em que se regista a fundação do Convento de N.ª Sr.ª da Encarnação nos anos imediatos à Restauração, cumprindo-se, assim, a materialização do sonho sebástico. Outro indicador da identificação da figura de D. João IV como novo messias surgido para resgatar Portugal do domínio castelhano surge com a publicação, em 1643, de uma obra da autoria do padre madeirense António Veloso de Lira, intitulada Espelho de Lusitanos em o Cristal do Psalmo Quarenta e Três, Cuja Vista Representa este Reino em Três Estados. O Primeiro, desde os Seus Princípios, com todas as Felicidades e Grandezas até D. João o Terceiro. O Segundo, as Calamidades e Infortúnios Começados com El Rey D. Sebastião, e Continuados por todo o Governo Castelhano. O Terceiro Estado, as Maravilhas Obradas por Deus em a Feliz Aclamação e Restauração de El Rey Nosso Senhor D. João o Quarto, com os mais Raros Casos nella sucedidos, assim neste Reino como no de Castela. Nesta obra, o sacerdote, nascido na Calheta em 1516, considera os Portugueses como povo escolhido por Deus que, depois de um passado glorioso, se vira ignominiosamente sujeito a um domínio estrangeiro terminado em 1640, o que justifica, então, a exaltação nacionalista que subjaz à narrativa. A apresentação da figura do restaurador como responsável pelo concretizar da aspiração nacional latente desde o desaparecimento de D. Sebastião é, pois, um elemento mais a juntar ao processo que coroa a eclosão do movimento messiânico inaugurado com Alcácer Quibir, cujas repercussões ecoaram no país e também na Madeira, traduzidas tanto em narrativas do foro da lenda como em ações concretas de congratulação pelo seu ansiado fim. O anseio permanente que acompanha os Portugueses em geral, e os madeirenses em particular, de ver resgatada a antiga fortuna nacional, e de que a lenda sebástica é tradução, não desapareceu com o tempo, manifestando-se ainda no decorrer do séc. XX. A prová-lo pode citar-se uma obra vinda a público em 1954 e da autoria de Amadeu Mimozo, na qual o autor intercala capítulos de índole autobiográfica com outros em que aflora aspetos da vida e da história da Madeira. Incluídos nesta narrativa intermitente que mistura a história pessoal, por um lado, e a história do descobrimento da Ilha, por outro, com episódios ligados a Cristóvão Colombo, surgem, ainda, espaços narrativos consagrados à ilha encoberta e às lendas que a sustentam. De acordo com Mimozo, radica em Platão a ideia de que a Atlântida “pegava com a Península Ibérica”, tendo sido em parte submersa por um grande terramoto que isolou a Europa da América (MIMOZO, 1954, 113). Dessa catástrofe sobreviveu uma ilha na qual se refugiou Rodrigo, o último Rei godo, em fuga da invasão moura da península. Prosseguindo a fundamentação autoral em que ancora a descrição, Mimozo evoca D. Francisco Manuel de Melo, segundo o qual, em 1444, uma embarcação genovesa abordou a referida ilha, onde encontrou falantes de português. A ilha tinha sete cidades, cada uma com seu bispo, e mais de 300 vilas cujos habitantes teriam tido origem na cidade do Porto, que abandonaram quando o Rei Rodrigo foi derrotado pelos mouros. O mesmo território encantado teria sido visitado por dois religiosos que se dirigiam do Brasil para Lisboa, numa nau capitaneada por António de Sousa, em viagem interrompida por uma enorme tempestade. Quando os ventos amainaram, a tripulação vislumbrou, a sul, uma terra misteriosa que supôs ser a Madeira. Inseguros em relação ao que viam, pediram os tripulantes licença para desembarcar, e ao fazê-lo depararam com um palácio de onde saíram sete homens que falavam um vago português e trajavam à moda da Nazaré, que os conduziram ao interior do palácio onde lhes apresentaram um Rei idoso que lhes perguntou se eram portugueses. Certificado da origem dos visitantes, levou-os a uma sala onde se encontrava um quadro representando uma cena de batalha na qual figurava um exército quase derrotado ao lado de um outro, vitorioso, cujas tropas vestiam trajes mouros. Terminada a visita, os tripulantes regressaram a bordo e relataram vividamente a experiência. Atemorizado, o mestre da embarcação não arriscou viajar nessa noite, só o fazendo na manhã seguinte. Depois de quatro dias de navegação, os homens encontraram, então, de facto, a ilha da Madeira, na qual se demoraram quatro dias, contando o autor que “alguns habitantes madeirenses garantiam que esta ilha aparecia de tempos a tempos, o que juraram” (Id., Ibid., 126). Não chegando a afirmar que o Rei misterioso era D. Sebastião, Amadeu Mimozo atribui, no entanto, essa convicção ao povo madeirense, que, segundo ele “dá como encantado El-Rei D. Sebastião na Ilha Encantada”, embora acrescente que este facto se não pode afirmar historicamente. Segundo o autor, o destino do Monarca seria mais credivelmente rastreado em batalhas na Europa, onde teria defrontado infiéis, acabando por ser martirizado em Itália e Espanha, às ordens de um Filipe II de Espanha atemorizado pela perspetiva de perder o trono de Portugal caso se demonstrasse que D. Sebastião vivia ainda. Em abono desta tese, aponta as opiniões do P.e António Vieira que atestavam o martírio do soberano, confirmado pelo corpo diplomático espanhol, nomeadamente pelo duque de Medina Sidónia e sua mulher, que conseguiram identificar o Rei português pela descrição que este fizera de uma espada e de um anel que anteriormente lhes oferecera (Id., Ibid., 137-139). Os dados que enformam a parte mitificada desta narrativa, e as fontes nas quais se inspira, já tinham sido abordados por outro escritor madeirense, Abel Tiago de Sousa Vasconcelos, que em 1924, e sob o pseudónimo de “Lusitanus”, fizera publicar uma obra intitulada Sinais dos Tempos, onde consagrava vários capítulos à Ilha Encantada e ao possível destino de D. Sebastião, também aqui considerado como desenrolado na Europa. A obra em questão, integralmente consagrada ao Quinto Império e ao papel central que Portugal nele desempenha, não poderia deixar de abordar a figura do Rei como encarnação do renascer do reino, objetivo pelo qual teria dado a vida, sacrificado à vontade e às manobras políticas do Rei de Espanha. Ainda que, no caso presente, a narrativa seja muito mais pormenorizada, as semelhanças com o texto de Amadeu Mimozo podem autorizar a suposição de que Mimozo teria lido a prosa de Vasconcelos, nela se inspirando para a recolha da informação que depois utilizou em Ilha dos Sonhos. O facto de estas duas obras terem sido publicadas na primeira metade do séc. XX e de consagrarem uma parte dos seus textos à evocação de territórios misteriosos e à provação sebástica é, pois, demonstrativo de que a crença no mito perdurou, mantendo-se parte do imaginário insular quase 400 anos depois da suposta ocorrência dos factos.   Cristina Trindade

História Económica e Social História Política e Institucional

lemos, jorge de

Em 1556, logo após a promoção de D. Fr. Gaspar de Casal para a mitra de Leiria, D. João III procedeu à indigitação do novo prelado para a Diocese do Funchal, tendo, desta vez, a escolha recaído em D. Fr. Jorge de Lemos, Dominicano, licenciado em teologia, nascido em Lisboa e filho de D. Francisco Velho e de D. Brites de Lemos. A opção por esta figura insere-se num contexto em que se operaram algumas alterações nos critérios de provimento episcopal, que começaram a verificar-se na segunda metade do reinado do Piedoso, patentes, e.g., na preferência de que passaram a ser alvo os religiosos filiados em congregações regulares, particularmente os Dominicanos e os Jesuítas. Com a indigitação de frades militantes naquelas congregações, pretendia-se dotar as Dioceses, sobretudo as ultramarinas, de prelados que acedessem a deslocar-se para as partes mais ou menos remotas do império, a fim de promoverem uma ação evangelizadora e atenta à defesa dos interesses da monarquia nessas paragens. Falhada a tentativa de prover o Funchal com o também Dominicano Fr. Gaspar dos Reis, o Rei escolheu, então, D. Fr. Jorge de Lemos, figura em que se começavam a evidenciar algumas das qualidades que o concílio tridentino, na altura em curso, elegia como curiais para o desempenho do múnus episcopal, a saber, a disponibilidade para a residência e a vivência de uma espiritualidade intensa, a par de necessárias competências administrativas. Confirmado pelo Papa Paulo IV a 9 de março de 1556, o novo bispo tornou-se o primeiro prelado a assumir pessoalmente a condução dos destinos da Diocese. Desembarcado na Ilha em 1558, foi D. Fr. Jorge, naturalmente, bem recebido pelos seus fiéis e logo deu início a um conjunto de reformas de que entendia estar o bispado carecido. Após analisar a composição e as remunerações do cabido, decidiu o bispo proceder a algumas alterações, as quais vieram a resultar na criação de lugares para mais dois moços de coro e no aumento dos vencimentos dos cónegos e capelães. Amante da música, da qual era tão “ciente […] como se professasse”, tinha o bispo trazido de Lisboa um músico a quem encarregou de proceder à reforma do coro da Catedral, tendo desta intervenção resultado a criação do cargo de mestre de capela e do lugar de subchantre, o que, em conjunto com outras modificações que introduziu no regimento interno da Sé, muito contribuiu para que os ofícios religiosos, a que assiduamente assistia, ganhassem nova dignidade (NORONHA, 1993, 90). Outra das situações a que o bispo acudiu logo no próprio ano em que chegou à Ilha dizia respeito à necessidade de se proceder a ordenações, pois os intervalos, relativamente largos, que tinham mediado entre as anteriores visitas episcopais haviam deixado a Ilha carente de clérigos devidamente habilitados. Para suprir essa falta, D. Fr. Jorge de Lemos rapidamente procedeu a um conjunto de ordenações que ficaram registadas em dois livros, um para ordens de epístola e outro para ordens de missa, com data de 10 de dezembro de 1558 e assinaturas de António Costa e do próprio bispo; os livros pertencem ao espólio do cabido da Sé do Funchal. Consciente de que a prolongada ausência de prelado tinha permitido a instalação de um clima de pouca observância dos preceitos religiosos, D. Fr. Jorge de Lemos empreendeu uma campanha de correção dos abusos com recurso a um programa visitacional de que ficaram, porém, muito poucos registos. Da veemência desta intervenção, sobrou para o bispo a fama de ser rigoroso e severo nas punições, mas resultou, também, a promulgação de uma série de medidas que refletiam o empenho episcopal na correção dos desmandos e se traduziram numa produção legislativa que acentuava a necessidade de as justiças seculares auxiliarem as religiosas, tendo em vista o cabal cumprimento das determinações destas últimas. Assim, a 18 de fevereiro de 1588, D. Sebastião fazia publicar alvará onde se ordenava que o corregedor da capitania do Funchal, o provedor dos resíduos e o juiz de fora se disponibilizassem para acudir ao bispo sempre que as pessoas condenadas em visitação a penas até 2000 réis se recusassem a cumprir o castigo. Logo de seguida, a 12 de março, o monarca promulgava nova determinação, que constrangia o corregedor e outros oficiais de justiça na Madeira a prestarem ao prelado toda a ajuda e o auxílio requeridos. Apesar da clareza da mensagem, nem tudo terá corrido da melhor forma na articulação entre os dois braços da justiça, porque, em 1564, o Rei voltava a publicar um alvará em que deixava claro que incumbia aos oficiais judiciais seculares a punição de qualquer pessoa que afrontasse a justiça eclesiástica com más palavras, injúrias ou de qualquer outro modo. A produção de toda esta legislação demonstra bem a vontade de o Rei colocar as justiças mais diretamente dependentes da Coroa ao serviço da administração eclesiástica, à qual, em contrapartida, também era solicitado auxílio para intervir, e.g., quando se detetassem devedores à Fazenda Real nas visitações, e mostra igualmente bem que a monarquia tinha perfeita consciência da importância da Igreja, localmente representada pelos bispos, enquanto instrumento a utilizar no reforço da autoridade dos poderes do centro. D. Fr. Jorge de Lemos, por seu lado, também se esforçava por dar o devido andamento aos processos decorrentes das visitações, e é nesse sentido que devem ser entendidas as diligências que efetuou para comprar, a 5 de março de 1565, umas casas para servirem de aljube, ou seja, de prisão eclesiástica para encarcerar todos aqueles que não tivesse sido possível condicionar de outro modo. Outra área em que foi sensível, e deixou marcas, a intervenção de D. Fr. Jorge de Lemos foi a da reorganização eclesiástica do território urbano do Funchal. Até àquele momento, a cidade não tinha tido mais que uma freguesia, primeiro sedeada junto a Nossa Senhora do Calhau, depois mudada para ocidente da ribeira de João Gomes, quando da elevação do Funchal a cidade e da transferência dos principais serviços religiosos de Santa Maria do Calhau para a igreja grande, e futura Sé, em 1508. O crescimento populacional que entretanto se verificara não se compadecia mais com a estrutura vigente, pelo que o bispo decidiu voltar a autonomizar a paróquia de Santa Maria, a qual se viu transformada em colegiada e dotada de três beneficiados e um pároco, aos quais se veio juntar um cura em 1589. Por alvará de D. Sebastião, com data de 1 de agosto de 1566, foi igualmente criada a freguesia de S. Pedro, que mais tarde se veria também elevada à categoria de colegiada. Em 1561, D. Fr. Jorge de Lemos acedeu a ser provedor da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, mas em 1563 já estava a caminho do reino, pondo fim a um período de residência de apenas 5 anos e a um episcopado que durou, na totalidade, 13. Na corte, onde ia tratar de assuntos relativos à sua Diocese, conseguiu obter de D. Sebastião a carta régia que fundava o Seminário do Funchal. No referido documento, com data de 20 de setembro de 1566, o Rei encomendava a D. Fr. Jorge que “assim o faça fazer e ponha logo em efeito”, mas a celeridade manifestada pela vontade real acabou por ser gorada pela decisão do bispo de não regressar à Diocese, ficando assim o projeto do seminário adiado para um pouco mais tarde (SILVA, 1964, 2). Um dos fatores que, porventura, mais terão contribuído para a recusa do prelado foi o saque de corsários franceses que a Madeira sofreu nesse mesmo ano de 1566, e durante o qual, por um período de vários dias, o Funchal e as zonas vizinhas se viram violentamente atacados e pilhados. Este acontecimento, aliado aos dissabores que a sua intervenção corretiva lhe acarretara, à idade e ao seu precário estado de saúde, foram certamente motivos bastantes para D. Jorge de Lemos ter desistido de retornar à Ilha, ainda que não tenha abandonado as preocupações com ela, como se vê, e.g., pelo facto de a criação da freguesia de S. Pedro ocorrer já no período em que o prelado se encontrava no reino. Como resultado do ataque dos corsários, o capitão donatário da Madeira, João Gonçalves da Câmara, organizou rapidamente no reino uma pequena armada para ir em socorro dos madeirenses e, em conjunto com a tripulação, levou dois Jesuítas com o objetivo de prestar apoio religioso e moral à população. Tão bem se desincumbiram eles da tarefa, que os moradores do Funchal, agradados das prédicas e dos sermões que lhes tinham sido prodigalizados, logo começaram a fazer pressão no sentido de ser a cidade dotada de um colégio daquela ordem, de fundação ainda recente. O Rei, sensibilizado, anuiu às pretensões insulares e, por alvará de 20 de agosto de 1569, autorizou a fundação de um colégio da Companhia de Jesus no Funchal, tendo este sido o último ato digno de registo que ocorreu no período da vigência do episcopado de D. Fr. Jorge de Lemos. Com efeito, a 11 de novembro de 1569, o bispo alcançou, finalmente, a resignação das funções episcopais, que há muito pedia. Depois da renúncia, ficou D. Fr. Jorge de Lemos ocupado no cargo de esmoler-mor de D. Sebastião, o que, segundo Noronha, muito se adequava à personalidade do antigo prelado, cuja disposição para distribuir largas esmolas se tornara patente ainda enquanto bispo, como prova o facto de ter aceitado ser provedor da Misericórdia. Em 1573, faleceu, em Lisboa, o quarto prelado do Funchal, tendo sido sepultado no convento da ordem em que professara. Foi um bom representante da novo perfil episcopal preconizado por Trento, na medida em que não se furtou à residência e, durante o tempo em que, pessoalmente, assumiu a condução dos destinos da Diocese, se manteve atento à correção dos desvios morais dos seus diocesanos, visitando ou fazendo visitar o território, à gestão do território eclesiástico, e aos mais desfavorecidos, a quem distribuía esmola sempre que se lhe deparava ocasião. A sua devoção pessoal traduzia-se na frequência com que assistia aos ofícios divinos na Sé e nos esforços que envidou para que aquelas celebrações decorressem com a maior dignidade. Por tudo isto, seria, com certeza merecedor do elogio que saiu da pena do grande cronista da Ordem de S. Domingos, Fr. Luís de Sousa, que declarou ter o seu priorado sido abençoado pela presença de duas personalidades que muito o honravam: Fr. Bartolomeu dos Mártires, e “frei Jorge de Lemos, Bispo do Funchal, na ilha da Madeira”, acrescentando que, se outras coisas se não pudessem dizer de frei Jorge Vogado, prior da ordem, “senão esta última, assaz merecedor ficava com ela deste lugar” (NORONHA, 1993, 89).     Ana Cristina Machado Trindade (atualizado a 14.12.2017)

Religiões

seminário

Uma determinação do concílio de Trento apontava para a necessidade de criação de seminários como instrumento de formação de um clero mais preparado e capaz de contrariar a Reforma Protestante. Pouco depois desse decreto, no século XVI, e ainda que a sua concretização tardasse alguns anos, a Ilha da Madeira viu ser formalmente criado o seminário. Esta escola caracterizou-se, desde a sua fundação, por uma longa itinerância por diversos espaços da cidade e por um esforço continuado de renovação curricular que pudesse ir acompanhando os tempos. Palavras-chave: Concílio de Trento, seminário, currículo, edifício. A preocupação da Igreja com a formação do clero é muito anterior à existência de seminários, que só foram formalmente instituídos com o Concílio de Trento. Assim, nos períodos anteriores ao Concílio, os futuros eclesiásticos recebiam a sua educação em escolas conventuais ou paroquiais, ministrada por frades para isso deputados ou por párocos que acumulavam as funções de assistência espiritual da sua comunidade de fiéis com as da docência possível. Sendo a falta de uma instrução capaz uma das insuficiências mais sentidas no momento em que a dissidência protestante cindiu a cristandade, a ela se atribuiu grande responsabilidade na facilidade com que se disseminaram os ideais reformistas, sendo essa a razão que levou o Concílio tridentino a determinar a abertura de escolas consagradas à educação dos jovens que pretendiam seguir a carreira eclesiástica. De acordo com Pallavicino, historiador do Concílio, a instituição destas escolas foi mesmo a mais importante obra de Trento, “pois é sabido que em todas as repúblicas, os cidadãos não são mais do que o produto da educação recebida” (SILVA, 1964, 1). Neste sentido, a criação dos seminários representava a intenção de travar o progresso da Reforma Protestante, disponibilizando aos fiéis um corpo de sacerdotes doravante bem mais preparado. No caso do bispado do Funchal, a primeira tentativa de fundar um seminário foi prosseguida pelo bispo D. Fr. Jorge de Lemos (1556-1569), que foi também o primeiro que pessoalmente assumiu a condução dos destinos da Diocese criada em 1514. Nomeado ainda antes do fim do Concílio (1563), o prelado, que após cinco anos de governo presencial se retirou para o reino, instou junto do Rei, D. Sebastião, no sentido de se instaurar no bispado um seminário, isto apenas três anos volvidos sobre o decreto que instituía aquela escola. O Rei deliberou, em carta régia com data de 20 de setembro de 1566, a fundação do seminário, o qual, todavia, apenas seria realmente criado no decurso do episcopado de D. Jerónimo Barreto (1574-1585), que foi indigitado bispo do Funchal em 1573 e foi para a Ilha no ano seguinte. Ainda antes de abandonar o reino, D. Jerónimo Barreto voltou a abordar o Soberano para lhe solicitar cópia da carta que instituía o Seminário, dado ter-se perdido o primeiro exemplar do documento, ao que o Rei prontamente acedeu. Chegado à Ilha – e em data indeterminada, que Fernando A. Silva situa entre 1575 e 1585 e que Abel Silva propõe ter sido num momento mais próximo de 1575-1576, com o argumento de que o interesse manifestado pelo prelado não se compadeceria com grandes delongas –, o Seminário do Funchal é finalmente instituído. A urgência da instalação não permitia as necessárias demoras com a construção de um edifício de raiz para abrigar os seminaristas, até porque, na altura, nem o próprio bispo gozava, ainda, do privilégio de habitação construída para paço episcopal, o que só viria a acontecer no virar do século XVI, com D. Luís de Figueiredo Lemos (1586-1608). Assim, o Seminário ficou inicialmente alojado na morada do prelado, situada perto da que foi depois chamada ponte do Torreão, nas cercanias, portanto, do Colégio dos Jesuítas, que, por esse tempo, começava a lecionação de algumas das disciplinas que integravam o currículo dos seminaristas: Teologia, Moral, Latim e Retórica. A cargo do Seminário propriamente dito ficariam o ensino da Gramática e do canto, conforme se pode depreender do documento de fundação da escola, no qual mandava o Rei atribuir à instituição os 45.000 reis que até ao momento se pagavam aos mestres de gramática e de canto que havia na cidade. Em 1590, um relatório de visita ad sacra limina, da autoria de D. Luís Figueiredo de Lemos, dava conta do funcionamento da escola, da renda de que dispunha (850 ducados concedidos pelo Rei) e de um número indeterminado de seminaristas que frequentavam as aulas do colégio, onde eram “instruídos em letras e virtudes, para depois, com honestidade, se desempenharem do cuidado das almas” (SILVA, 1964, 5). Este mesmo prelado deliberou a construção do paço episcopal, que igualmente se situava nas imediações dos Jesuítas, ao qual anexou o Seminário, passando então os jovens alunos a residir numa rua que, a partir do paço, tomou o nome de R. do Bispo. A determinação do número de colegiais que poderiam frequentar o Seminário foi tarefa atribuída pelo Rei ao prelado, que o deveria fazer tendo em conta as rendas disponíveis; e foi assim que D. Jerónimo Barreto se decidiu por 10 estudantes, quantitativo que se manteve até 1789, quando passou a 12, tendo posteriormente sido alargado a 18. Cerca de 100 anos depois da sua instalação no paço episcopal, o Seminário viu-se transferido para umas casas inicialmente destinadas a um convento que nunca se chegou a concretizar. A razão da mudança prende-se com a vontade do bispo de então, D. José de Sousa de Castelo Branco (1698-1721), de alargar os aposentos episcopais, pelo que os seminaristas foram ocupar as instalações devolutas situadas na rua que, a partir daí, ganhou a designação “do Seminário”. Ali se mantiveram os jovens candidatos ao sacerdócio até que, em 1748, um sismo de magnitude considerável abalou a cidade, provocando danos em muitas habitações, nas quais se incluía o prédio do Seminário. Governava, então, a diocese D. Fr. João do Nascimento (1741-1753), que muito se empenhou na reconstrução do edifício, tal como já antes se comprometera com a reforma da instituição, para o que fizera publicar, a 12 de dezembro de 1746, uns estatutos que deveriam regular toda a vida do Seminário. Assim, logo no capítulo I, dispunha o bispo as condições de admissão de colegiais ou porcionistas (que se distinguiam dos primeiros por pagarem parte do seu sustento, enquanto alunos), indicando que deveriam ter no mínimo 12 anos, ser filhos de legítimo matrimónio, não ser suspeitos de raça moura, negra ou judaica ou de “outra nação infeta”, e saber ler e escrever. Acrescentava, o bispo que, apesar de o texto do Concílio dispor que não seria necessária mais ciência para além destes conhecimentos iniciais, lhe parecia conveniente virem já instruídos de alguns princípios de gramática e solfa, pois a ignorância destas bases dilatava excessivamente o tempo de permanência dos alunos na instituição. Nos mesmos estatutos, mas agora no capítulo V, preconizava-se o programa total de estudos que, de uma duração total de sete anos, dedicava os primeiros quatro ao Latim e à Solfa, e os últimos três à Moral e à Filosofia. Ao arruinar o edifício do Mosteiro Novo, o já referido terramoto de 1748 vai obrigar os alunos a abandonarem o prédio e a andarem itinerantes por um período de 12 anos, sendo possível que se tivessem abrigado nas instalações do antigo convento seráfico, nas margens da Ribeira de S. João. Na sequência do abalo, pretendeu o prelado mudar a localização da escola para mais perto da Sé, no local correspondente ao que foi depois o Lg. da Restauração, mas não logrou obter do Rei a necessária autorização, pelo que o estabelecimento se manteve onde estava, sujeito a um processo de deterioração que já tinha obrigado D. José de Sousa Castelo-Branco a agir. A intervenção do prelado não se revestiu, contudo, da profundidade suficiente, o que explica que o bispo seguinte, D. Fr. Manuel Coutinho (1725-1741), constatasse a emergência de obras que orçaram em 300.000 réis, os quais, segundo ele informava em relatório de visita ad sacra limina de 1735, se supririam em parte pelos rendimentos de alguns benefícios vagos, e em parte a expensas do próprio prelado. Apesar da boa vontade de D. João do Nascimento e dos novos estatutos da escola, o prelado seguinte, D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1757-1785), chegou ao Funchal acompanhado por dois missionários lazaristas que, entre as tarefas de pregação e visitações, também vinham incumbidos de proceder às de reorganização do seminário. Contudo, o estado de degradação do edifício continuou a configurar-se como um impedimento que obstou à pretendida intervenção dos lazaristas, conforme afirma Luís Machado de Abreu. Na narrativa da sua estadia na Madeira, os dois missionários referem que trabalharam com os ordinandos, propondo-lhes exercícios espirituais “num hospício fora da cidade com capela dedicada a S. João Batista”, o que permite conjeturar que durante algum tempo o referido hospício pudesse ter alojado os seminaristas (SILVA, 1964, 11-12). A expulsão dos Jesuítas, em 1759, tornou devolutas as instalações do seu colégio, o que levou D. Gaspar Afonso da Costa Brandão a reivindicar aquele espaço para aí alojar o Seminário. Este desiderato, porém, só veio a materializar-se no episcopado seguinte, de D. José da Costa Torres (1786-1796), que obtém de D. Maria I a ansiada autorização, por provisão de 22 de setembro de 1787, onde também se faz eco das queixas do bispo em relação à falta de mestres para ensinar os seminaristas, função que era dos Jesuítas, e ficara a descoberto, por força da sua expulsão. Para suprir esta carência, adianta Fernando Augusto da Silva a possibilidade de os Franciscanos terem assegurado a lecionação, mas a falta de suporte documental inviabiliza a confirmação desta hipótese. Poderá, porém, supor-se que o facto de os seminaristas receberem formação no antigo convento seráfico de S. João da Ribeira possa ter deixado instalar a ideia de que as aulas seriam ministradas por Franciscanos, e não por Lazaristas, como efetivamente aconteceu. A disponibilidade de D. Maria I para ajudar a melhorar a situação do Seminário traduziu-se ainda no aumento de rendas para a instituição, às quais anexou os rendimentos de algumas capelas que, por estarem vagas, tinham passado a integrar o património do Fisco da Real Coroa e que, no seu conjunto, disponibilizaram mais 936.400 réis, que assim se vinham juntar aos anteriores 663.000 réis com que a Alfândega do Funchal já financiava a instituição. O facto de o edifício do Colégio já estar desabitado há cerca de 30 anos obrigava a que também nele houvesse que fazer obras, tarefa que D. José da Costa Torres abraçou, em paralelo com outra intervenção que visava a reorganização do plano de estudos. Essa reorganização encontra-se espelhada num edital, com data de novembro de 1787, que o bispo fez afixar na porta da Sé, onde se determinava que os candidatos à primeira ordem sacra teriam de mostrar suficientes conhecimentos de Latim, Retórica e Filosofia Racional e Moral, o que seria certificado por um exame prévio. A instrução em Ciências Eclesiásticas era também requisito para a prossecução de estudos, sendo, porém, adequada ao grau a que se apresentavam os candidatos. Para o acesso ao sacerdócio exigia-se ainda algum domínio de Direito Canónico, Direito Público Eclesiástico, Dogmática e Teologia Moral, assuntos sobre os quais deveriam ser instruídos “pelo tempo que nos parecer necessário” (SILVA, 1965, 15). O número de seminaristas estava agora fixado em 12, embora o prelado manifestasse vontade de aumentar esse quantitativo logo que a disponibilidade financeira o permitisse. Concluídas as obras de reparação do Colégio, a mudança do Seminário para o novo edifício operou-se a 31 de março de 1788. Mas o facto de a doação das capelas operada pela Rainha não ter sido um processo linear, uma vez que algumas delas já tinham sido atribuídas a pessoas que agora delas não queriam prescindir, levou a que o bispo tivesse de empreender novas diligências no sentido de vir efetivamente a desfrutar dos rendimentos prometidos, sem os quais não seria possível manter o ambicioso projeto de reforma do Seminário. Ultrapassada essa questão, poderia supor-se que a escola eclesiástica pudesse, finalmente, estar disponível para o crescimento que se desejava; mas algumas circunstâncias da política internacional encarregar-se-iam de trazer novos dissabores à instituição. Assim, em 1801, e já em tempo do novo antístite, D. Luís Rodrigues Vilares (1797-1810), a conjuntura política internacional, marcada pela ação de Napoleão Bonaparte, determinou que os Ingleses fossem para a Madeira, a fim de defender a Ilha, e os seus interesses em particular, da cobiça dos Franceses. O desembarque de um contingente de alguns milhares de homens trouxe consigo o problema das acomodações dessa tropa, e, depois de várias reclamações britânicas, entre as quais a de estarem mal instalados os seus homens, o comandante inglês forçou o então governador da Madeira, D. José Manuel da Câmara, a desocupar o edifício do Colégio para aí se aboletarem os soldados britânicos, que viriam a permanecer nesse local até abandonarem a Ilha, em 1802. De novo sem acomodações, o Seminário viu-se, uma vez mais, transferido para o paço episcopal; mas a saída dos Ingleses veio permitir ao prelado a reclamação da cedência do Colégio, agora vago, a fim de aí se reinstalar a escola. Esta pretensão episcopal não encontrou, contudo, eco no governador, que a ignorou, optando por entregar o Colégio a militares portugueses, que o transformaram em quartel. A atitude do governador veio agravar as já tensas relações entre ele e o prelado; a inflexibilidade demonstrada pelas duas partes naquilo que cada uma considerava ser seu direito tornou-se um fator determinante no exílio a que o governador sujeitou o bispo, obrigando-o a um desterro de alguns meses na freguesia de Santo António da Serra. O facto de o governador ter sido posteriormente sancionado pelo reino com a destituição do cargo não veio, contudo, trazer melhorias dignas de registo à situação do Seminário, que continuou abrigado no paço do bispo até 1810, altura em que novamente foi transferido para as antigas instalações no Mosteiro Novo, onde haveria de permanecer até à construção de edifício de raiz, em 1909. Neste período de aproximadamente 100 anos, o plano curricular da escola foi sendo objeto de sucessivas alterações, que procuravam pô-lo a par das transformações que o mundo à sua volta sofria. Assim, se em 1812 apenas se conseguiam ministrar as aulas de Teologia Moral, já no ano seguinte vinham-se juntar a esta disciplina as de Teologia Dogmática e Filosofia Racional, o que era obviamente escasso mas era o possível nos tempos conturbados que então se experimentavam. Em 1814, o vigário capitular, D. Joaquim de Meneses e Ataíde (1811-1819), pretendeu implementar um programa formativo bem mais ambicioso, do qual constavam cadeiras novas como Francês, Inglês, Geografia e Desenho, que surgiam a par das já habituais Teologia Dogmática e Moral, História Eclesiástica, Música, Cantochão e Latim, mas não se conseguiu determinar se este projeto chegou, de facto, a ser experimentado. As notícias do currículo do seminário que se reportam ao ano de 1822 dão conta de um curso onde apenas figuram aulas de Gramática Latina, Latinidade, Francês, Retórica, Filosofia e Teologia. As dificuldades políticas que então sofria a Madeira, que se ressentia de nova ocupação inglesa (entre 1807 e 1714), e a posterior implantação do liberalismo (em 1820) foram trazendo dificuldades acrescidas à vida do seminário. Apesar de uma lei de 1845 determinar que nas escolas eclesiásticas funcionasse “um curso de estudos teológicos e canónicos” que englobasse as matérias de “instrução prática do catecismo, de explicação do evangelho, da forma de administração dos sacramentos, da prática dos ritos e das cerimónias da Igreja, do canto e de todos os mais exercícios espirituais e eclesiásticos”, a verdade é que, dois anos depois, apenas se conseguia assegurar a lecionação de Teologia Moral, estando suspensa a Dogmática, que só veio a ser reintroduzida por ação do bispo D. Manuel Martins Manso (1850-1858), que conseguiu ainda restabelecer o ensino de Escritura Sagrada, em 1858. Esta formação deficitária procurava completar-se com alguns cursos esporádicos sobre assuntos teológicos e morais (SILVA, 1946, 264). Entretanto, a nível nacional, foi promulgada legislação que obrigava à organização de cursos teológicos trienais, compostos por, no mínimo, oito cadeiras. Na Madeira, a implementação desta determinação foi levada a cabo por D. Patrício Xavier de Moura (1859-1872), que a 1 de outubro de 1865 fez publicar um edital do qual constavam as novas regras a aplicar ao ensino religioso. O desenho curricular proposto compreendia a lecionação de História Eclesiástica e Sagrada, Filosofia do Direito e Teologia Dogmática no 1.º ano, a que se seguiam, no 2.º, Teologia Dogmática Especial, Direito Canónico e Teologia Moral. Para o 3.º ano estavam reservadas as disciplinas de Teologia Pastoral, Eloquência Sagrada, Hermenêutica e a prossecução de Teologia Moral, excedendo-se, assim, em uma disciplina, o mínimo preceituado (ACDF, cx. 32-A, doc. 10). A partir da criação do Liceu do Funchal, em 1837, a preparação dos alunos anterior ao ingresso no Seminário era assegurada por aquela instituição, situação que se manteve até 1877 – ano em que a ida para o Funchal do bispo D. Manuel Agostinho Barreto (1877-1911) determinou, mais uma vez, uma profunda alteração na vivência educativa do Seminário. Com efeito, D. Manuel Agostinho Barreto, chegado à Ilha em fevereiro, dedicou-se de imediato ao problema da reforma da escola, onde interveio não só para a dotar de um currículo novo, mas também com o propósito de melhorar o clima interno de convivência dos alunos, segundo ele demasiado desacompanhados, por terem a liderar a instituição um reitor e um prefeito ocupados em diversas tarefas para além das de supervisão do Seminário. Dispondo, no momento, apenas das velhas e degradadas instalações do Mosteiro Novo, o prelado não se deixou amedrontar pelas circunstâncias; e, mesmo nesse edifício decrépito, deu início ao processo de transformação da escola, que passava por recriar os serviços religiosos e disciplinares, bem como pela introdução de um curso preparatório de ensino secundário, anterior à frequência dos três anos finais da formação. Com a transferência do ensino secundário para o interior do Seminário, o prelado pretendia evitar as perturbações que a saída diária para o Liceu provocava nos alunos, que a partir de então se poderiam concentrar de forma mais consistente no programa de estudos que lhes estava destinado. Ignorando o coro de críticas que lhe foi dirigido, quer pela sociedade em geral, quer mesmo por alguns elementos do clero que consideravam o plano de reforma demasiado radical e ambicioso, D. Manuel Agostinho Barreto conseguiu abrir as aulas em outubro do ano em que chegou. Para levar a bom termo este arrojado projeto de inovação, o bispo fez-se rodear de auxiliares preciosos, que o ajudaram a concretizar os seus objetivos. Foi um deles o P.e Ernesto Schmitz, membro da Congregação da Missão que, em 1878, fora para o Funchal para desempenhar a função de capelão do Hospício. Logo no ano seguinte, foi-lhe confiada a tarefa da direção espiritual do Seminário, que acumulava com a de capelão. A partir de 1881, contudo, passou a dedicar-se em exclusivo às atividades escolares, vindo depois a alcançar a posição de vice-reitor do Seminário. Foi sob a direção do P.e Schmitz que a reforma de D. Manuel Agostinho Barreto começou a concretizar-se, quer na vertente da alteração do comportamento dos seminaristas, doravante submetidos a este “disciplinador inflexível”, quer no tocante ao corpo curricular, que passou a integrar o estudo de matérias como a Zoologia, a Física, a Química e até a Sociologia (SILVA, 1946, 273). Foi, sobretudo, na área da Zoologia que o P.e Schmitz se notabilizou, investindo numa investigação que tornou a Madeira parte do mundo culto daquela época, nomeadamente através da produção de importantes coleções de exemplares de fauna terrestre e marinha do arquipélago, que mais tarde deram origem a um Museu de História Natural. Por pertencer a uma congregação religiosa, o P.e Schmitz estava obrigado a uma obediência que o forçou a abandonar a Madeira em 1899, a fim de ir dirigir um colégio na Bélgica. Regressado ao Funchal e ao Seminário em 1902, deixou definitivamente a Ilha em 1908, desta vez rumo a Jerusalém, onde veio a falecer em 1922. A transformação que o prelado pretendia fazer no Seminário contemplava a construção de raiz de um edifício para a instalação da escola que, até então, não desfrutara de tal privilégio. A ocasião veio a proporcionar-se em 1902, altura em que o bispo, por ter recebido vultuosa herança, se achou capaz de meter ombros à tarefa. Na busca de terreno apropriado para erguer o Seminário, o prelado deparou-se com as ruínas do antigo Convento de N.ª Sr.ª da Encarnação, cujas instalações se tinham vindo a degradar consideravelmente depois da morte da última freira, ocorrida em 1890, e que acabou por ser cedido à Diocese pelo Governo do reino em decreto de 11 de julho de 1905. Logo no ano seguinte começaram as obras, que deitaram abaixo tudo o que restava do velho mosteiro, exceto o coro e a capela. Em 1909 estava pronta metade da construção, e D. Manuel Barreto entendeu haver condições para operar a transferência dos alunos, o que se processou em outubro do mesmo ano. Mas, quando esperava poder concluir o empreendimento, foi surpreendido pela Implantação da República, a 5 de outubro de 1910, e pela obrigatoriedade da extinção do Seminário, decretada pela lei da separação da Igreja e do Estado, datada de 20 de abril de 1911. Este conjunto de circunstâncias poderá ter contribuído para apressar a morte deste bispo (que se encontrava com mais de 70 anos), ocorrida apenas dois meses mais tarde. Iniciava-se então novo período no já acidentado percurso daquela escola, que nunca fora possível fixar num espaço. Os antigos seminaristas voltaram ao velho edifício do Mosteiro Novo, onde permaneceram até 1916; no ano letivo seguinte, instalaram-se no paço episcopal e dali passaram, em 1918, para uma quinta no Trapiche, nos arredores do Funchal, rumando em 1919, e mais uma vez, para o Mosteiro Novo. Em 1913, o abandonado edifício da Encarnação foi destinado ao funcionamento de uma escola exclusivamente feminina de Utilidades e Belas Artes, projeto que acabaria por se extinguir em 1919. Nesse mesmo ano, a Junta Geral solicitava ao Governo central licença para instalar no prédio diversas repartições suas, o que lhe foi concedido mediante o pagamento de uma renda. A Igreja madeirense, e designadamente o novo bispo, D. António Manuel Ribeiro (1914-1947), considerou injusta a apropriação do edifício da Encarnação por parte dos poderes civis e foi repetidamente tentando fazer regressar o prédio à sua tutela. Desta insistência, da promulgação de nova legislação que autorizava a existência dos seminários suprimidos e de um estudo que mostrava a ilegalidade cometida pelo Estado na apropriação do edifício da Encarnação acabou por resultar, em 1927, um decreto que previa a restituição do prédio à Igreja. Esta decisão desagradou à Junta Geral, que a ela se opôs, negando-se à devolução e interpondo variados recursos, com que conseguiu protelar a decisão final por mais seis anos. Resolvido, finalmente, o contencioso, em outubro de 1933 os seminaristas regressaram ao edifício, nele se mantendo até 1975. Entre 1933 e 1958, o Seminário da Encarnação era o único que existia na Madeira. Mas como, a partir daquele último ano, as normas de Roma passaram a exigir a presença de dois seminários, um maior e um menor, o bispo que então dirigia a Diocese, D. David de Sousa (1957-1965), diligenciou, com auxílios quer da Igreja quer da sociedade civil, a aquisição do antigo Hotel Bela Vista, situado na R. do Jasmineiro, depois transformado em seminário maior. Quando, em 1974, D. Francisco Santana (1974-1982) se tornou bispo do Funchal, decidiu transformar o edifício da Encarnação em centro pastoral diocesano, para o que o libertou da presença dos alunos a fim de se realizarem algumas obras. Os tempos conturbados que então se viviam, ainda muito próximos da Revolução de 25 de abril, a convicção de que o prédio estaria devoluto e o enorme acréscimo de alunos que então assoberbava a escola pública levaram a que, em outubro desse mesmo ano de 1974, o edifício fosse ocupado por alunos e professores. Perante a consumação daquele facto, a Diocese optou por cobrar uma renda e autorizar a instalação da Escola Básica de 2.º e 3.º Ciclos Bartolomeu Perestrelo, que ali se manteve até ser ela própria dotada de um edifício de raiz, o que veio a acontecer em 2005. Os seminaristas que estudavam no 2.º e 3.º ciclos do ensino básico passaram então a ter aulas numa escola apostólica criada para o efeito, antes de prosseguirem a sua carreira académica fazendo o secundário na R. do Jasmineiro. Com vista a resolver o problema dos jovens que não dispunham de recursos económicos, decidiu-se que eles pernoitariam no seminário e frequentariam o ensino público. Após a morte do prelado, a escola apostólica passou a funcionar no Seminário Menor. A partir dos anos 60 do séc. XX, as funções do Seminário Maior transitaram para Lisboa, passando os jovens a formar-se em variados seminários e na Universidade Católica. Isto deu-se depois de se ter tentado acomodar o Seminário Maior do Funchal nas instalações dos Dehonianos em Alfragide, experiência que não deu os resultados pretendidos, passando os seminaristas a ficar alojados nos seminários maiores de Braga, Porto e Lisboa. No Funchal, no início do séc. XXI, os candidatos à vida sacerdotal mantinham-se na R. do Jasmineiro, fazendo a sua formação escolar até ao 9.º ano em escolas públicas e transitando depois para a Associação Promotora do Ensino Livre, fundada em 1978, onde concluíam o ensino secundário.   Cristina Trindade (atualizado a 30.12.2017)

Religiões

islamismo

A relação da Madeira com o mundo islâmico é tão antiga quanto o próprio reconhecimento e povoamento do arquipélago, pois dois dos três futuros capitães do donatário – Zarco e Teixeira – evidenciaram-se aos olhos do infante D. Henrique na tomada de Ceuta e, posteriormente, no descerco da mesma cidade. A expansão portuguesa, começada, precisamente, no norte de África, deu origem à formação de um contingente de cativos que, feitos escravos, iriam, mais tarde, para o arquipélago, onde, aparentemente, foram usados, mais do que no cultivo da cana-de-açúcar, como elementos representativos do patamar social elevado dos seus possuidores. Apesar de irmanados no estatuto, os escravos não eram todos tratados da mesma maneira, conforme cedo se evidencia e foi captado por Júlio Landi, um conde italiano que escreveu, em 1530, sobre as impressões que lhe ficaram da Madeira. Diz, então, Landi, que os escravos que se encontravam na Ilha o eram por uma de três causas: “ou pela religião, como são os que eles chamam mouros, pois observam a religião de Maomé; ou pela cor, como os etíopes, por eles chamados negros; ou ainda pela procriação, como os que nascem de um negro ou de uma branca, ambos escravos, ou então de uma negra e de um homem livre, ou vice-versa, e estes são chamados mulatos”. Um pouco adiante, registava o Italiano que eram muitos os mouros criminosos que fugiam dos patrões, o que se explicava pela dificuldade que tinham em suportar a escravatura, “pois primeiramente foram livres; mas quando são feitos prisioneiros de guerra logo são reduzidos à escravidão e mantêm-nos agrilhoados”. O mesmo se não passava com os negros, tidos como, “na maior parte, bons e fiéis, embora de engenho rude”, caraterísticas que, apesar de os não isentarem de uma vida dura, faziam com que não andassem “agrilhoados como os mouros, a não ser por qualquer crime” (ARAGÃO, 1981, 92). Segundo Eduardo Pereira, a população madeirense devotava mesmo um ódio particular à comunidade mourisca, o que o autor ilustra com a existência, no alto da serra do Porto Moniz, de um sítio chamado Cova do Mouro, onde se encontra um monte de pedras que assinalaria o local onde teria sido morto um escravo mouro. A persistência da desconfiança que os ilhéus nutriam pelos muçulmanos atesta-se pelo facto de, ainda séculos depois, a população que por ali passava atirar pedras ao mouro, ato que se fazia acompanhar da imprecação “aquele cão” (PEREIRA, 1968, 192). A maior aversão que os madeirenses nutriam pelos escravos de religião islâmica, se comparada, por exemplo, com alguma tolerância que demonstravam aos negros ou mulatos, pode encontrar justificação também no permanente estado de guerra que opunha Portugal e a Berbéria, particularmente nos sécs. XV e XVI, conflito que mantinha aceso o espírito de cruzada e que implicava penosos contributos da Madeira, em gentes e bens. Os elevados custos que essas campanhas representavam para o arquipélago aguçavam a animosidade contra o mouro que, privado de liberdade, acorrentado e ainda negativamente discriminado, reagia, procurando praticar o seu culto, de acordo com uma tradição que atribui a estes escravos a escavação de um tufo de pedra mole, na freguesia do Faial, onde funcionaria uma improvisada mesquita, depois descoberta e destruída por Irvão Teixeira. Um descendente deste último, António Teixeira Dória, mandou edificar, nesse mesmo local, quase à laia de exorcismo, a capela de N.ª Sr.ª da Penha de França, que se instituiu em 1680. As guerras do norte de África, porém, não geravam apenas mouros cativos. O reverso desta medalha era, precisamente, o aprisionamento de cristãos em terras muçulmanas, contingente que se acrescentava com as razias que as embarcações muçulmanas periodicamente faziam às costas do arquipélago da Madeira, onde se visava, sobretudo, o Porto Santo, que era muito mais difícil de defender. Assim, esta ilha era presa fácil de piratas berberes e, por essa razão, com alguma frequência arrasada, sendo a grande maioria da sua população aprisionada e levada para o norte de África, onde a aguardava a servidão, e, em casos assinalados, o resgate, quase sempre muito bem-vindo. Há, no entanto, que registar alguns casos em que, ao contrário do que seria expectável, os cativos não apreciavam a libertação, como aconteceu com um cativo que foi resgatado por Tristão das Damas, filho de Tristão Vaz Teixeira, e segundo capitão de Machico. Tristão filho, também chamado “das damas”, por atos da sua vida privada que implicaram acusações de trato ilícito com mulheres, inclusivamente da sua família próxima, acabou por ser preso e condenado a um exílio que fez com que, passados 10 anos, viesse solicitar ao Rei D. Manuel I um perdão que o obrigou a diversas penalizações, entre as quais se contava a obrigação de resgatar dois cativos do norte de África. O capitão assim fez, tendo contribuído para a libertação de “um João, criado de Bartolomeu Sampaio” e de “Diogo Peres, morador em Palmela”. Se Diogo Peres aceitou o fim do cativeiro, o mesmo não aconteceu com João, o “qual tornara a fugir para terra de moiros com uma moira” (FERREIRA, 1959, 168-169), o que demonstra que, por vezes, os cativos acabavam por reconstruir a sua vida em terras de infiéis, preferindo voltar a essa existência a trocá-la pela anterior permanência entre cristãos. A maioria das situações de cativeiro, porém, resultava na conversão forçada de cristãos à fé muçulmana, com obrigação de cumprirem os rituais islâmicos, de adotarem traje e nome “de turco” e de se sujeitarem aos variados trabalhos impostos pelos seus amos, conforme se pode confirmar pelos processos da Inquisição que se reportam a antigos cativos que, depois de alcançarem a liberdade, se entregavam ao Santo Ofício para se penitenciarem do desvio da ortodoxia católica. O modo como estes madeirenses tinham sido feitos reféns variava entre estarem embarcados e a nau em que seguiam ser aprisionada e serem moradores no Porto Santo e apanhados pelas razias muçulmanas. Depois de levados a Argel, eram comprados como escravos, e os amos, ao mesmo tempo que lhes forneciam aptidões profissionais – jardineiros, tecelões, alfaiates –, pressionavam-nos a adotar a fé islâmica. Os interrogatórios a que, mais tarde, depois de se entregarem ao Santo Ofício, eram sujeitos insistiam na averiguação do grau de compromisso dos “renegados” com a nova religião, sendo inquiridos sobre se tinham ou não sido circuncidados (a maioria fora-o), se alguma vez tinham entrado em mesquitas, se sabiam as orações muçulmanas, se praticavam o jejum dos mouros (o Ramadão), e se se tinham abstido do consumo de carne de porco e de vinho. As respostas eram normalmente afirmativas, mas a justificação para esse comportamento vinha sob a forma do medo das represálias e dos maus tratos a que se poderiam sujeitar caso o não fizessem. Declaravam, porém, os cativos que a sua fé era apenas aparente, proferida com a boca, mas mantendo o coração fiel à doutrina da Santa Madre Igreja. A forma como se tinham conseguido libertar do jugo muçulmano passava, geralmente, por, a dado momento, os seus senhores os terem resolvido empregar em atividades de corso. A bordo, por vezes, a tripulação era maioritariamente constituída por cristãos “renegados” que aproveitavam a disparidade de forças para se revoltarem contra os muçulmanos e forçarem o desembarque em terras cristãs. Também acontecia alcançarem a liberdade através de um naufrágio ou da captura por barcos franceses ou espanhóis, o que lhes proporcionava o regresso a Portugal, onde se entregavam, então, às mãos da Inquisição. Apesar de serem incontestáveis as razias mouras ao Porto Santo, o inverso também acontecia, como se pode constatar a partir de uma descrição que consta de um manuscrito, Lembranças de Algumas Coisas Antigas que Estão Esquecidas de Algumas Gerações da Ilha do Porto Santo com transcrição de Maria Favila Paredes. Nesse documento, dá-se conta de que no tempo em que o “Marquês de Lançarote ia fazer saques aos mouros de Safim e Sal […] vinha ao Porto Santo” buscar pessoas que o acompanhassem, levando-as para fazer assaltos de que resultavam apreensões de “gados, e bestas e gente”. Destes saques obteve o Porto Santo a receção de uma casta de gado preto e branco e “das carnaduras borquilhas”, mas também de escravos, entre os quais de uma escrava moura, que morreu afogada num poço que se passou a chamar o “poço da moira” (PAREDES, 2005, 68). O contacto de alguns séculos entre madeirenses e muçulmanos acabou por deixar marcas na cultura insular, que fazem, mesmo, parte da identidade madeirense. Desta forma, temos, em termos gastronómicos, o cuscuz e o bolo do caco; no campo do vestuário, a carapuça tradicional; enquanto na toponímia as alusões aos mouriscos são encontradas no Lombo do Mouro, no Paul da Serra, na Cova do Mouro (Porto Moniz), na Cova do Moirão (Arco da Calheta e Serra de Água), e na Eira da Moura. A tolerância religiosa viria a tornar-se uma realidade no seio das sociedades ocidentais, nas quais se integra o arquipélago da Madeira, que viu abrir a primeira mesquita no Funchal a 14 de dezembro de 2009, passando a pequena comunidade muçulmana a dispor de local adequado às suas reuniões que, até então, se faziam numa habitação particular.   Cristina Trindade (atualizado a 03.02.2017)  

Religiões

clarissas

A presença de Franciscanos e do seu ramo feminino, as Clarissas, desde muito cedo se fez sentir no arquipélago da Madeira. Os frades de S. Francisco acompanharam Zarco e Teixeira na sua jornada de (re)descobrimento das ilhas e foram os primeiros arrimos espirituais dos povoadores. As irmãs de S.ta Clara foram a Ordem escolhida por João Gonçalves da Câmara, segundo capitão do donatário, para ocupar, na Madeira, o primeiro convento feminino. A intenção de dotar a Ilha de uma casa conventual começou a materializar-se a 4 de maio de 1476, quando a bula Eximiæ Devocionis Affectus foi publicada pelo Papa Sisto IV, em resposta a um pedido que lhe fora endereçado pelo capitão, o qual sentia a necessidade de prover a Ilha de um mosteiro onde se pudessem recolher duas das suas filhas, que então se encontravam no Convento de N.a S.ra da Conceição, em Beja, mas também outras jovens que decidissem seguir a vida religiosa. A mesma bula concedia, ainda, a João Gonçalves da Câmara e mulher, D. Maria de Noronha, o padroado do convento, o qual era extensível aos seus descendentes. Para este empreendimento pode, ainda, ter contribuído o empenho de D. Manuel, enquanto duque de Beja e mestre da Ordem de Cristo, que, a 17 de julho de 1488, enviava para a Madeira uma carta onde dizia que o próprio Pontífice se lhe dirigira a solicitar diligências para a fundação de uma casa de religiosas na igreja da Conceição de Cima, comprometendo-se o futuro Rei a doar esmolas para a manutenção das freiras. A localização escolhida foi, como se viu, a zona que circundava a igreja de N.a S.ra da Conceição de Cima, a qual, por sua vez, se situava muito perto da moradia do capitão, nas Cruzes. Determinado o local e em posse da autorização pontifícia, o início das obras foi, no entanto, adiado por razões que se desconhecem, e a edificação só teve lugar a partir da concessão de nova autorização, que o Papa Inocêncio III expediu a 1 de fevereiro de 1491, datando o princípio da construção desse mesmo ano, ou, o mais tardar, dos primeiros meses de 1492. Dadas as frequentes ausências do capitão para a corte, onde era conselheiro do Rei, o acompanhamento das obras ficou entregue a uma das suas filhas, D. Constança, o que talvez explique a demora na conclusão do edifício, que só se verificou em 1497. Uma nova bula, agora a Ex Injunto Nobis, de Alexandre VI, com data de 30 de março de 1495, concedia a licença definitiva e estipulava que o mosteiro fosse de clausura perpétua, subordinado ao guardião franciscano do Funchal, e obedecesse à Regra de Urbano IV, também chamada Segunda Regra de Santa Clara. Esta Regra, fundada em 18 de outubro de 1263, distinguia-se da Primeira pela concessão de benefícios às freiras, que incluíam o direito de receber e ter em comum “rendas e possessões”, o que contrariava o espírito muito mais restritivo e humilde que estava na mente de S.ta Clara, aquando da instituição da sua Ordem (FONTOURA, 2000, 27). Assim, e dentro do quadro da Segunda Regra ou Regra Urbaniana, às irmãs de S.ta Clara do Funchal era ainda autorizado o consumo de laticínios e ovos em todos os dias em que a Igreja permitisse esse tipo de alimentação aos seculares, bem como terem criadas para o seu serviço dentro dos muros do Convento. A inauguração das instalações deu-se com a entrada de quatro ou cinco freiras originárias do Convento de N.a S.ra da Conceição de Beja, entre as quais figuravam uma filha de João Gonçalves da Câmara, D. Isabel, que se tornaria a primeira abadessa do Convento. O facto de as primeiras irmãs terem vindo do Mosteiro de Beja prende-se com a ligação que esta casa monástica tinha à família de D. Fernando, grão-mestre da Ordem de Cristo, a que presidia na qualidade de sobrinho e filho adotivo do infante D. Henrique, sendo casado com D. Beatriz e pai de três senhores da Madeira, D. João, D. Diogo e D. Manuel. Fora, com efeito, por determinação conjunta de D. Afonso V, do irmão, D. Fernando, e da cunhada, D. Beatriz, que se obtivera, do Papa Pio II, autorização para a fundação de um mosteiro da Segunda Regra de Santa Clara, o qual veio a ser precisamente o já referido Mosteiro de Beja. Assim, sem sobressaltos de adaptação a novas condições de profissão, saíram de Beja para o Funchal a filha do capitão e outras quatro companheiras, que iniciaram a vida conventual em S.ta Clara, no Funchal. Uma vez que a Regra Urbaniana permitia a existência de propriedades entregues ao Convento, o património das freiras cedo se começou a consolidar, para o que muito contribuiu a anexação do dote das filhas de João Gonçalves da Câmara, sendo que o plural “filhas” se reporta não só à abadessa, D. Isabel, como a D. Constança, que ingressou também no Convento, embora não chegasse a professar, por ser doente, e a D. Elvira, que igualmente entrou na altura da fundação. Estas irmãs receberam de seu pai uma vasta extensão de terreno que o mesmo tinha adquirido para aquele fim a Rui Teixeira e mulher, D. Branca, a 11 de setembro de 1840, e que até então se chamava Curral Grande. A partir do momento em que passou a pertencer ao Convento, a propriedade mudou de nome e ficou conhecida pela designação de Curral das Freiras, tendo sido nela que, em 1566, aquando do saque dos corsários franceses, as religiosas se refugiaram, tirando partido do carácter recôndito da sua localização. Na senda desta primeira doação, outras muitas se lhe juntaram, tanto mais que D. Manuel, por carta de 17 de julho de 1488, determinara que as freiras que se haveriam de recolher no Mosteiro fossem recrutadas entre “as filhas e as parentes dos principais da terra” (Arquivo Histórico da Madeira, XVI, 1973, 212-213), o que, naturalmente, favorecia a acumulação de bens patrimoniais para a instituição. Do acervo de propriedades que foram entregues ao Convento, contam-se prédios rurais e urbanos, situados, nos sécs. XVI e XVII, no Funchal, em Câmara de Lobos e em Ponta do Sol; no séc. XVIII, foi enriquecido com doações em Santa Cruz, na Calheta e no Porto Santo. Destas terras, cultivadas por colonos ou arrendatários, provinham não só produtos que se exportavam – o açúcar e o vinho – como também bens alimentares fundamentais para a subsistência das freiras e de outro pessoal ao serviço do Convento, pois a pequena cerca situada no interior do Mosteiro não conseguia suprir todas as necessidades dos residentes. Outro recurso financeiro que ajudava a equilibrar a contabilidade conventual era o empréstimo de dinheiro a uns módicos 5 % de juros, montante que a Igreja consentia e que fazia de S.ta Clara uma espécie de casa bancária, permitia às irmãs uma vida desafogada e ainda autorizava as diversas campanhas de obras e melhoramentos que o edifício foi sofrendo ao longo dos tempos (Convento de S.ta Clara). O montante do dote necessário para o ingresso no Mosteiro é um dos critérios que sublinha o carácter elitista da casa religiosa. O montante em questão era, na altura da fundação do Convento, de 200.000 réis, mas, no princípio do séc. XVIII, já alcançava os 600.000, atingindo, mais tarde, o valor de um conto de réis, o que, como facilmente se depreende, não estava ao alcance de famílias com poucos recursos. A idade mínima de entrada no Convento era de sete anos, embora se tenham registado casos em que ingressaram meninas mais novas, e o destino das jovens que o demandavam podia seguir uma de duas vias: ou a educação esmerada, dispensada a quem se destinava, mais tarde, a ser mãe de família e senhora de sociedade, ou o prosseguimento da vida religiosa, alcançando o noviciado e, um ano depois, a profissão. Independentemente do percurso, as educandas do Mosteiro eram instruídas nas artes de ler, escrever e contar, seguidas da aprendizagem da música, do latim e da caligrafia, sendo as freiras famosas, ainda, pelos seus atributos nas artes decorativas, nos bordados e nos cozinhados. No âmbito das suas competências culinárias incluem-se os famosos doces do Convento, o mais célebre dos quais, e segundo Eduardo C. N. Pereira, seria o famoso bolo de mel, de reputação internacional. Confirmações dos atributos das religiosas nestas áreas são ainda obtidas por testemunhos, que foram ficando, de visitantes do Convento, um dos quais do médico inglês Hans Sloane, que, em 1707, se deslocou ao Convento a pedido da abadessa, a fim de observar o estado de saúde das irmãs. Pelo relato que deixou dessa incursão se fica a saber que achou que as freiras sofriam de tuberculose e “clorose” (anemia), motivada esta última por uma “vida melancólica, solitária, sedentária”, à qual faltava exercício. Mas constatou o médico, igualmente, que se tinha deliciado com uma refeição de frutas e compotas, consumida numa divisão cuja mobília tinha tido o contributo das irmãs, crê-se que na decoração, concluindo que “até agora, quer nas compotas, quer no mobiliário nunca vi coisas tão boas” (SILVA, 2008, 27). Um século depois, eram as flores, umas de cera, outras de penas pintadas, que, em conjunto com as compotas, eram compradas no locutório do Convento por visitantes, alguns dos quais Ingleses que passaram a incluir uma visita a S.ta Clara no seu itinerário insular, atraídos pela beleza singular, e muito nórdica, de uma freira em particular – a irmã Clementina. Para além desta irmã, cujo encanto ficou famoso, outras havia, donas também de grande formosura – de que são exemplo Genoveva e Cândida Luísa, cuja presença justificava o afluxo, às vezes enorme, junto do parlatório do Convento. No conjunto dos visitantes encontravam-se cavalheiros que, embora contentando-se com “um olhar do coro, uma palavra na grade, um suspiro no ralo”, não deixaram de ser apodados de freiráticos e seguidores de um movimento que já nascera no século anterior (SILVA, 1987, 178). Com efeito, encontram-se sinais destas práticas logo em 1734, quando uma visita ao cabido da Sé do Funchal, ordenada por D. Fr. Manuel Coutinho, identificou dois cónegos que mantinham “correspondência ilícita” com as freiras de S.ta Clara, tendo um deles sido visto a receber “uma cestinha… que parecia ser presentinho de freira” (ACDF, cx. 47-A, doc. 15, fls. 5-6v.). Esta interação entre o exterior e o interior do Convento vinha de longe e tinha muitos protagonistas. Por um lado, ao abrigo da Regra que professavam, estavam as freiras autorizadas a ter criadas e escravos para o seu serviço no Mosteiro, os quais, não estando limitados por votos de nenhuma espécie, saíam e entravam livremente na cerca, trazendo e levando notícias. Por outro, era também tradição que senhoras da sociedade, familiares ou não das professas, solicitassem autorização para permanecer alguns dias, anos, ou para sempre no Convento, aumentando assim o número de pessoas que passavam a residir no interior, situação que se agravava pelo facto de elas também se fazerem acompanhar de servidores. Assim, não admira que as instalações, que, nos finais do séc. XVI, registavam cerca de 60 residentes, passassem a contar, em 1722, com 170, das quais 100 supranumerárias, decrescendo depois o número para perto das 150, em 1764, embora, depois, as vicissitudes económicas e políticas que trouxe o séc. XIX acabassem por o reduzir para perto de 50. Com efeito, a conjuntura adversa para as congregações religiosas, que se registou com o advento do liberalismo, afetou profundamente a vida no Convento, que não conseguiu manter-se imune às circunstâncias que se alteravam fora dele, antes repercutindo o comportamento das freiras os reflexos das mudanças. A própria Ir. Clementina, já antes referida, admitia, perante os seus admiradores, ser apreciadora das obras de Madame de Staël, figura importante do Iluminismo francês, e a imprensa regional fazia-se palco dos desabafos de uma “Freira Constitucional” que, em 1821, utilizava as páginas de O Heraldo da Madeira para criticar a governação do Convento e a sua excessiva sujeição ao custódio de S. Francisco. Numa tentativa desajeitada para contrariar as denúncias, “Uma Freira Zeladora da Verdade” e um “Donato Constitucional da Portaria”, que se pensa ser o leigo que controlava os ingressos no Mosteiro, publicavam uma resposta que mais não fazia que confirmar as queixas da “Freira Constitucional”, quando repudiavam ser responsabilidade da abadessa o que se via no parlatório e que incluía “funções de comer, beber, tocar e cantar” (SILVA, 1987, 179). Para agravar este mal-estar contribuía, também, o descalabro das contas do Mosteiro, o qual, desde os finais do séc. XVIII, vinha a acumular uma série de anos de saldo negativo, que, em 1871, já atingia os dois contos de réis. Outra manifestação da conjuntura adversa encontra-se no aumento do número de pedidos para interromper a clausura por parte de freiras que alegavam motivos de saúde e necessidade de tratamento, reclamando igualmente para si os benefícios da liberdade conferida por D. Pedro IV na sua Carta Constitucional. A vitória definitiva do liberalismo produziu legislação muito lesiva da vida monástica, como se atesta pela publicação do decreto de 5 de agosto de 1833, que impedia os conventos de aceitarem candidatos ao noviciado, seguido, pouco depois, a 30 de maio de 1834, do decreto de Joaquim António de Aguiar, o “mata-frades”, que implicava o encerramento imediato das congregações masculinas. As femininas não foram atingidas por esta última determinação, tendo, porém, de seguir o estipulado no decreto de 1833, que as condenava a um lento agonizar. Desta longa caminhada para o fim, atingido em 1890, com a morte da derradeira freira, ficou um testemunho na visitação que o bispo fez ao Convento em junho de 1860, pela qual se constata que as freiras, idosas e doentes, apenas se queixavam de serem maltratadas pelas criadas, ao mesmo tempo que afirmavam nada haver a declarar como transgressão à regra e confirmavam a observância dos “atos corais” (ABM, Arquivo do Paço Episcopal do Funchal, doc. 103, fls. 111v.-115). Apesar de falecida a última irmã, ainda havia no Convento um grupo de pessoas, no qual se contavam 31 senhoras, entre pupilas, servas e recolhidas, que pediram licença para que se pudessem conservar no edifício, a qual, depois de concedida, acabou por transformar o antigo Convento em recolhimento. Quando, em 1896, o prédio foi entregue à Associação Auxiliar das Missões Ultramarinas, elas continuaram a poder viver em algumas dependências, e ali se mantiveram até pelo menos 1940. Em 1898, a Associação conseguiu instalar em S.ta Clara a Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, que ali se entregaram à preparação de irmãs destinadas a prestar serviço nas colónias, bem como às outras finalidades contempladas na concessão do prédio: colégio, refúgio para retemperar as forças das freiras regressadas do ultramar e asilo para raparigas pobres. A implantação da república veio, no entanto, obrigar ao abandono do edifício por parte da Congregação, tendo o edifício passado sucessivamente para as mãos da Câmara Municipal, da Santa Casa da Misericórdia e do Auxílio Maternal. O reacender da necessidade de investimento em África determinou, em 1926, a passagem da construção para a tutela do Ministério das Colónias, que o devolveu à Associação Auxiliar das Missões Ultramarinas e às Franciscanas Missionárias de Maria. A partir de 1928, no antigo Convento de S.ta Clara esteve um lar para estudantes, uma escola primária, e finalmente um infantário. Convento de N.a S.ra da Encarnação O Convento de N.a S.ra da Encarnação nasceu do cumprimento de uma promessa que o Cón. Henrique Calaça Viveiros fizera, no sentido de instituir uma casa religiosa, caso conseguisse ver, de novo, um Rei português no trono de Portugal. Alcançado esse desígnio com o golpe de 1640, que devolveu o governo do reino a um representante da Casa de Bragança, D. João IV, o cónego deu, de imediato, andamento à concretização do seu projeto. Proprietário de uma quinta, “no melhor sítio da cidade”, em terreno anexo à capela de N.a S.ra da Encarnação e sobranceiro ao Funchal, o cónego logo tratou de nela fazer construir um recolhimento para donzelas, cujas obras se iniciaram em novembro de 1645 (FONTOURA, 2000, 152-153). Em 1652, já nele se encontravam as primeiras recolhidas, a quem o fundador dotou da Regra Terceira da Ordem do Carmo, e cujo número foi crescendo, pois, quando, em 1658, o cónego solicitou à Rainha autorização para que o recolhimento passasse a mosteiro, já se contabilizavam 20 entre as que lá residiam (GOMES, 1995, 18). Antes disso, porém, já Calaça Viveiros impetrara ao Papa Inocêncio X licença para que o recolhimento passasse a convento, a qual lhe foi concedida por breve de 16 de novembro de 1651, que autorizava, ainda, a saída de uma freira de S.ta Clara que pudesse desempenhar no novo estabelecimento as funções de abadessa, desde que houvesse o compromisso de que a Regra a professar fosse uma das existentes. A Ordem Terceira do Carmo cumpria esse critério, mas o facto de impedir o consumo de carne às suas seguidoras foi o fator que pesou na sua não adoção, pois, naquela altura, a falta de pescado existente na Ilha não permitia assumir um compromisso desse tipo. O Convento, devidamente autorizado pelo Pontífice e pela Rainha, e dotado dos rendimentos necessários ao funcionamento, cedidos pelo fundador, pôde receber as primeiras professas, por alvará de 15 de novembro de 1659, ainda que a Regra a que obedeceria tivesse deixado de ser a do Carmo, substituída pela Segunda Regra de Santa Clara, em razão das restrições alimentares já referidas. Uma outra razão que também contribuiu para a pronta aceitação da fundação de um mosteiro de freiras no Funchal prendia-se com a necessidade que a Ilha sentia de mais uma casa conventual feminina, pois a única existente, o Convento de S.ta Clara, era manifestamente incapaz de acolher todas as candidatas, cujo número aumentava na proporção do crescimento populacional que o arquipélago vinha registando. A demora no surgimento do segundo convento feminino não deixou, no entanto, de ser estranha, particularmente se se contrastar o que se passava na Madeira com o que sucedia nos Açores, onde, entre o séc. XVI e o séc. XVIII, surgiram pelo menos 16 casas de Clarissas, conforme registado em estudo de Margarida Lalanda, mas a intervenção do Cón. Calaça veio permitir o colmatar da lacuna. Outras condições subjacentes à fundação da casa monástica eram o número de professas, que deveria ser de 30, alterável com autorização régia, e a sujeição ao prelado da Diocese, ao contrário do que acontecia com S.ta Clara, que obedecia ao custódio franciscano. O padroado do Convento ficou para o cónego fundador, ainda que este se tivesse esforçado por prescindir dele, na medida em que tentou transferi-lo para a Coroa, a qual, contudo, pelo mesmo alvará de 15 de novembro de 1659, já atrás mencionado, lho voltou a atribuir. O cónego até renunciava a ser sepultado no Mosteiro, argumentando que, como membro do cabido, teria túmulo na Sé, mas as freiras nisso não consentiram, jazendo o seu corpo na capela da Encarnação. Por escritura mencionada no seu testamento se estipulou, ainda, que a família Andrada, possuidora do lugar da Provedoria da Fazenda régia na Madeira, se tornasse protetora do Mosteiro, o que explica que os provedores se tornassem amparos do Convento e nele se fizessem enterrar. O ingresso no Mosteiro podia fazer-se a partir de idade muito jovem, encontrando-se nos registos conventuais casos de meninas que ali entraram com idades que variavam entre os 5 e os 12 anos, de origem social diversa. Tanto podiam provir, e muitas eram essas situações, de meios familiares abastados e favorecidos, destinando-se a serem educadas para a sociedade, ou a professar, se essa viesse a ser a sua vontade, ou a da família, como se encontram jovens pobres, cuja estadia era subsidiada pela própria casa conventual ou pelo bispo. A organização interna do Mosteiro passava pela obediência à abadessa, eleita de três em três anos e impedida de permanecer dois períodos consecutivos à frente dos destinos da comunidade, sendo escolhido, para assessorar a superiora, um número variável de freiras, que podia oscilar entre três a oito, conforme o número de professas que o Convento ia tendo. Esse conjunto de auxiliares diretas intitulava-se “discretório”, e, para além deste conselho restrito, o normal funcionamento do Convento exigia, ainda, reuniões semanais do capítulo provincial, às quais compareciam todas as professas, que tinham de ser informadas sobre os atos maiores da administração, quer fossem de ordem material, quer espiritual. As jovens admitidas à vivência conventual eram, depois, sujeitas a um percurso educativo que as levava da aprendizagem do básico (ler, escrever e contar) até ao domínio de conhecimentos mais sofisticados, do latim e da música, e.g., necessários tanto às que saíam e se queriam superiormente instruídas, como às que permaneciam e tinham de colaborar em celebrações litúrgicas, lendo os textos em latim ou cantando para acompanhar os ofícios sagrados. Outras artes eram também ministradas no Convento: as decorativas (o desenho, a pintura, o bordado) e as da culinária, nas quais, mais uma vez, se celebrizou a produção conventual. Testemunhos dos consumos na área dos cozinhados ficaram exarados em documentos recuperados por Cabral do Nascimento, que os publicou e a partir dos quais se pode constatar a fartura e a variedade que ia à mesa das freiras. Os recursos materiais para manter aquele nível de vida vinham, como seria de esperar, da pertença do Convento à Segunda Regra de Santa Clara, o que implicava, como se viu, a posse de dotes vultosos para ingresso na comunidade, sendo esta casa monástica, à semelhança do que acontecia com S.ta Clara, beneficiada pela acumulação de propriedades rústicas. Estas situavam-se, sobretudo, na Calheta, em São Vicente, em Santana e em Câmara de Lobos, enquanto na cidade se localizavam alguns prédios urbanos, havendo outros no Porto Santo, terra de origem do Cón. Calaça. Das propriedades lhes vinham os legumes necessários ao quotidiano, mas também trigo, e outros cereais, açúcar e vinho, que se comercializavam. Outro produto que também figura nos bens transacionados pelo Mosteiro é o tabaco, que chegava ao Convento como forma de pagamento usada pelos Ingleses, que se serviam dele para pagar encomendas de vinho. Inicialmente considerado medicinal, uma vez que tinha propriedades relacionadas com o alívio da dor e adjuvantes da cicatrização, o seu uso, sobretudo inalado, vulgarizou-se, não só dentro, como fora do Convento, sendo também utilizado para presentear colaboradores da instituição. A vivência religiosa desta casa conventual registou momentos de grande elevação, compendiados por Noronha, que já fizera o mesmo em relação às freiras de S.ta Clara, e que elencou os casos mais assinalados de freiras que levaram vidas exemplares, mas também situações que não podem deixar de ser reprovadas e que resultavam, sobretudo, da forte contaminação que a vida intramuros sofria do exterior. Assim, em tempos de D. Fr. Manuel Coutinho (D. Fr. Manuel Coutinho), um bispo jacobeu que fora para a Madeira com intenções de “plantar nova cristandade” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, l. 1346, fl. 65), e que rapidamente se envolvera em conflitos, que, entre outras entidades, implicavam a Câmara Municipal, à frente da qual se encontravam parentes das freiras, registou-se um enfrentamento entre prelado e professas nunca dantes visto. Sendo a abadessa parente próxima de importantes homens da governança, as más relações entre o bispo e o senado ultrapassaram os muros do Convento e estiveram na origem de um rompimento de clausura que muito escandalizou a população da cidade. Os acontecimentos precipitaram-se quando o prelado, usando de uma prerrogativa sua que condicionava a nomeação de titulares de ofícios conventuais, decidiu mudar a porteira, numa tentativa de impedir o acesso indiscriminado às freiras por parte de elementos da sociedade civil. Entendendo que esta atitude violava privilégios que tinham como adquiridos, as freiras alvoroçaram-se e decidiram sair do Convento, descendo a Calç. da Encarnação em direção ao paço episcopal, sendo travadas já muito perto de atingirem o seu objetivo, e, depois de convencidas pelo desembargador José de Sequeira, acabaram por recolher a casa. Em tempos de D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1756-1784) o bispo incumbiu dois sacerdotes vicentinos que o acompanhavam desde o reino, os padres José Alásio e José dos Reis, de visitar conventos, entre os quais o da Encarnação, e o relato que os sacerdotes deixaram das suas averiguações é muito pouco abonatório das práticas que lá encontraram. Segundo o que ficou registado, o P.e Alásio dava conta de que, no Convento da Encarnação, as freiras “traziam véus de seda, veiados de pano fino, e ornavam a testa (pouco juízo havia nela!) com um bico mui comprido. Andavam vestidas de azul (linda cor) e para afetar a sua gravidade, arrastavam uma grande cauda” (PEREIRA, 1993, 48). Se se tiver em conta que a cor dos hábitos das Clarissas é o castanho, com véu branco ou preto, conforme forem noviças ou professas, não é de estranhar o espanto do P.e Alásio, agravado, ainda, pela tomada de consciência de quanto os valores do mundo exterior se refletiam num universo que se desejava despojado, centrado na oração e no abandono das práticas mundanas. Talvez influenciado pelas notícias que recebera das formas de vida daquele Convento, o bispo seguinte, D. José da Costa Torres (1874-1796) em carta que endereçou ao ministro Martinho de Melo e Castro, com data de 10 de agosto de 1788, na qual abordava várias questões da Diocese, referia-se ao Convento da Encarnação, começando por afirmar que subscrevia a posição já tomada por D. Fr. Manuel Coutinho, que há mais de 50 anos deixara escrito que “melhor fora que não o houvesse” (AHU, Madeira, pasta 5, capilha 842). As razões em que apoiava a sua opinião prendiam-se com diversas irregularidades, nomeadamente a de o Convento ter sido fundado para 30 freiras, mas já ter atingido as 140, e de as freiras serem servidas por 30 criadas que lá ainda se mantinham, apesar de, à época, aquelas serem apenas 69. Como o número ainda era excessivo, o prelado fazia por se manter “surdo” aos apelos da abadessa, que queria deixar entrar mais noviças, acrescentando que se não fossem alguns condicionalismos que o embaraçavam, já teria mandado pôr na rua “uma grande parte delas”. Em termos económicos, o Mosteiro também deixava muito a desejar, pois as rendas eram muito escassas, ou por má gestão ou por roubo dos administradores, pelo que as freiras se encontravam sem o “necessário para viver”, padecendo muitas “necessidades”. Com alguma candura, o prelado confessava “estar tremendo” de ir visitar o Convento, pois temia que qualquer providência que pretendesse aplicar tropeçasse na falta do “necessário comum, que é a primeira causa de toda a relaxação”. A proposta do bispo para resolver esta situação aflitiva era a da fusão deste Mosteiro com o de S.ta Clara, que tinha “melhor governo”, o que permitiria utilizar o prédio da Encarnação para nele se instalarem Salésias, vocacionadas para o ensino de meninas, o que o bispo considerava de “suma utilidade”. Assim, pedia ao ministro que intercedesse junto da Rainha para que se autorizasse a vinda de quatro Ursulinas, cujo sustento o bispo providenciaria pelo menos por 10 anos (Ibid.). A opção episcopal quer por Salésias, quer por Ursulinas, duas Ordens vocacionadas para a educação de jovens raparigas, umas mais nobres (Salésias), outras mais pobres (Ursulinas), mostra bem onde se localizava parte das preocupações do bispo, para as quais ele considerava não haver resposta possível por parte das freiras da Encarnação, nem também das de S.ta Clara. A pretendida união dos Conventos da Segunda Regra de Santa Clara então existentes na Madeira não se operou com a proposta de D. José da Costa Torres, mas acabou por se verificar quando, fruto da ocupação inglesa, as tropas britânicas necessitaram das instalações da Encarnação para alojamento militar, pelo que, em janeiro de 1810, aquilo por que as autoridades eclesiásticas tanto tinham ansiado acabou por se concretizar, fruto de circunstâncias muito diversas. As duas comunidades viveram juntas até que, depois da saída dos britânicos, em 1814, as religiosas da Encarnação puderam regressar às suas antigas instalações e, assim, cumprir uma vontade que desde há muito as animava. Aquilo que as esperava não era, porém, o que haviam deixado. A presença inglesa e as obras de adaptação do Convento a hospital das tropas britânicas tinham modificado profundamente a estrutura do edifício e a sua requalificação para Convento foi feita a expensas das próprias religiosas. Esta circunstância, acrescida da mudança dos tempos, com a vitória do liberalismo, e a constante integração na comunidade de recolhidas e servas vindas do século, não fizeram senão agravar a já muito débil economia da comunidade, pelo que o conjunto cada vez mais diminuto de freiras residentes acabou por se extinguir com o falecimento da última religiosa, em 1890. Passado o edifício, que, de resto, estava “velho e desmantelado”, para a posse do Estado, encaminhadas as derradeiras recolhidas, umas para S.ta Clara, outras para a família, e ainda algumas para o labor de funcionárias públicas, era preciso decidir sobre o futuro do prédio. Depois de ponderada a sua passagem para a misericórdia e para as Oficinas de S. José, que ainda lá chegaram a instalar-se, ainda que por pouco tempo, em 1904, o bispo D. Manuel Agostinho Barreto intercedeu junto do Ministério da Fazenda para que lhe cedessem a posse do velho edifício, pois lhe parecia ideal para lá fazer edificar o Seminário Diocesano, que desde a sua fundação cumpria uma longa itinerância por vários locais do Funchal. Obtida a autorização, o bispo meteu ombros à tarefa e, com fundos seus, da Diocese e provenientes de dádivas de particulares, o novo edifício, uma vez que o velho fora demolido, foi crescendo a bom ritmo, de modo que, em 1909, embora ainda não estivesse pronto, pôde já recolher os primeiros estudantes. Escasso foi, porém, o tempo de funcionamento do Seminário, pois, logo em 1910, a implantação da república ditaria o seu fim, no imediato. A construção foi cedida para que nela se instalasse uma escola de Belas Artes, que principiou a funcionar em 1914, à qual se seguiu a utilização do prédio para a Junta Geral do Distrito, que o comprara ao Estado. Uma nova alteração das circunstâncias políticas da nação, proporcionada pelo golpe de Estado de 28 de maio de 1926, fez com que o edifício retornasse à posse da Diocese, o que não se concretizou sem que a Junta Geral apresentasse veemente protesto. Ultrapassados os entraves levantados, foi então possível que, em 1933, o Seminário lá voltasse a instalar-se. Aquela construção, sempre muito atingida pelas vicissitudes políticas de épocas diversas, voltaria a ser perturbada no pós-25 de Abril de 1974, quando um grupo de estudantes decidiu ocupar as instalações do Seminário, que pouco antes fora encerrado por decisão do bispo D. Francisco Santana. A partir de então, e até 2004, funcionou ali a Escola Básica de 2.º e 3.º Ciclos Bartolomeu Perestrelo, a qual, nessa data, e por ter sido dotada de edifício novo, se transferiu para novas instalações. Em 2015, o velho edifício da Encarnação estava na posse da Diocese, ainda que, à data, sem utilização. Convento de N.a S.ra das Mercês O Convento de N.a S.ra das Mercês foi, tal como o recolhimento que o antecedeu, fundado por Gaspar Berenguer, um descendente de Pedro Berenguer de Lemilhana, médico natural de Valência que, em finais do séc. XVI, se estabeleceu na Calheta, em lugar que se chama Lombo do Doutor. Vários membros desta família foram para o Brasil combater, quando os territórios portugueses se acharam ameaçados pela presença holandesa, e entre eles contava-se, precisamente, Gaspar Berenguer, o qual, pela bravura demonstrada em combate, foi agraciado com o título de fidalgo d’El-Rei e com o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo. Regressado à Madeira, tornou-se senhor do morgadio do Lombo do Doutor e casou-se com D. Isabel de França, mulher com quem se irmanava no fervor religioso. Juntos, determinaram fundar a capela de N.a S.ra das Mercês, a qual seria, posteriormente, acrescentada de um recolhimento, primeiro, e de um Convento, depois. A capela acabaria por ser erguida num terreno “ainda selva”, situado nas proximidades quer do Convento de S.ta Clara, quer da igreja de S. Pedro, e foi consagrada a N.a S.ra das Mercês, por estar esta invocação muito ligada ao resgate de cativos, e Gaspar Berenguer, dada a sua vida aventurosa de combatente, se sentir particularmente ligado a quem intercedia pela libertação dos prisioneiros. Pode, inclusivamente, e em abono desta tese, registar-se um episódio em que um parente de Gaspar Berenguer, António Berenguer de Andrade, tendo ficado prisioneiro no Arraial do Bom Jesus, conseguiu depois ser resgatado por uma quantia elevada, graças à intercessão de Nossa Senhora. A escolha da localização da capela está ligada à primeira lenda das várias que se entrelaçam com a história desta casa monástica. Segundo se contava, na altura, alguém, de “reconhecida virtude”, viu aparecer, durante algumas noites consecutivas, no local onde depois nasceria o Convento, a Virgem, rodeada de luz, a combater uma legião de demónios, que assim manifestavam a vontade de que ali se não construísse uma torre que abrigasse “uma milícia de virgens”. Esta convicção ficou tão enraizada na população que nem o liberal Álvaro de Azevedo ousou questioná-la, tanto mais que na primitiva igreja do Convento se encontrava uma figuração do episódio, representando a Virgem na mira de flechas disparadas pelos seres malignos, que o anotador de Saudades da Terra considerava não ser de “moderna data”, sendo, pois, respeitável pela antiguidade (FRUTUOSO, 2008, 591). Azevedo, contudo, e um tanto paradoxalmente, uma vez que reproduz muitas das lendas que rodeiam a fundação deste Convento, não se exime de reprovar que as Constituições do bispado não contenham qualquer alínea que impeça a proliferação de relatos fantasiosos que povoam a história eclesiástica da Madeira. Ainda que se desconheça a data da construção da capela, sabe-se que o Jesuíta João Ribeiro, amigo íntimo do casal Berenguer, logo incentivou Berenguer a que prosseguisse a obra, juntando-lhe um recolhimento para “donzelas nobres e virtuosas” (NORONHA, 1996, 283), tendo o projeto arrancado com dinheiro de família, a que se acrescentou mais algum, proveniente de contribuições de diversos particulares. De acordo com nova lenda, outros fundos teriam surgido por intervenção da própria Senhora das Mercês, que, numa noite, aparecera em sonhos a D. Isabel de França, na altura muito preocupada com o depauperado estado das suas finanças, o que ameaçava impedir a continuação da obra. A Virgem ordenou-lhe, então, que se desfizesse de todos os bens que pudessem ajudar à construção, inclusive da “camisa” (FRUTUOSO, 2008, 592), e, ao assim proceder, conseguiu D. Isabel o essencial para dar início à construção. A 12 de outubro de 1655, lançou-se a primeira pedra do edifício, e a obra foi progredindo, apesar de um variado número de obstáculos que se apresentavam, entre os quais estavam a oposição movida quer pelo governador, D. Francisco de Mascarenhas, quer pelo deão, Pedro Moreira. Para obviar à perseguição do governador, que ameaçava prender os trabalhadores da obra, aparece de novo uma outra lenda, que diz que D. Isabel de França recolhia, durante o dia, os homens envolvidos na construção em sua casa, os quais só de noite prosseguiam os trabalhos, ajudados pela própria patrona. Esta, que continuava com problemas de dinheiro, mais uma vez os viu resolvidos pela intervenção de Nossa Senhora das Mercês, que em sonhos lhe apareceu, informando-a de que, junto a uma pedra de moinho que havia no jardim, se encontrava o montante suficiente para a conclusão das obras. Depois de acordar, D. Isabel de França deslocou-se ao local indicado e lá encontrou um brinco de ouro e mais dinheiro, com os quais confortavelmente se pôde terminar a obra. Outras circunstâncias providenciais se encarregaram, no entanto, de prosseguir com a remoção das animosidades manifestadas à progressão do projeto. Do lado do governador, a sedição de 1668, encabeçada precisamente pelo deão, acabou por conduzir à sua prisão e deportação. No tocante ao deão, surge, mais uma vez, uma lenda que explica que, tendo o capitular ido ao Porto Santo, no desempenho das suas obrigações, sofreu um naufrágio na viagem. Vendo-se em grande aflição, atribuiu o sucedido à má vontade que manifestava em relação ao recolhimento das Mercês e logo ali se encomendou àquela Senhora, jurando mudar de atitude para com as recolhidas. Esta é, portanto, uma explicação para a futura disponibilidade que Pedro Moreira mostrará para com o recolhimento e o Convento das Mercês. Com o avanço das obras, foi possível que, a 15 de junho de 1656, nele entrassem as primeiras sete recolhidas, entre as quais se contava a irmã mais nova do fundador. A 12 de fevereiro de 1658, o deão, Pedro Moreira, visitou as instalações e, por as achar conformes, autorizou que o recolhimento assumisse um cariz religioso, com sacrário e outras graças concedidas a “lugares pios” (FONTOURA, 2000, 253). Cresceu a instituição em número de recolhidas e de práticas devocionais, manifestando as senhoras residentes uma vontade cada vez maior de se tornarem professas. Nesse sentido, o vigário geral prometeu tomá-las à sua responsabilidade, que se estendia também a futuros bispos da Diocese, e foi esta a conjuntura que levou Gaspar Berenguer a encetar diligências para transformar o recolhimento em Convento, para o que endereçou uma petição ao Rei, secundada pela Câmara Municipal, pelo governador e pelo provedor da Fazenda. Perante uma tal coincidência de vontades insulares, o Rei não demorou a conceder a mercê solicitada, estipulando que o Convento se fundasse com lugar para 21 professas, sob a Primeira Regra de Santa Clara, e tendo como padroeiros Gaspar Berenguer e a mulher, que beneficiavam de dois lugares para jovens da sua família, e vinculavam à manutenção da casa o rendimento de 130.000 réis por ano. O novo Convento ficava também, e à semelhança do da Encarnação, sujeito à jurisdição episcopal. Concedida a licença régia por alvará de 15 de agosto de 1661, posteriormente reafirmada a 19 de maio de 1662, só a 20 de dezembro de 1663 saiu de Lisboa o documento, o que explica a demora no pedido de autorização endereçado às autoridades eclesiásticas, as quais só a 5 de julho de 1664 receberam a petição do Cap. Berenguer. Depois de auscultados o comissário do Convento de S. Francisco e o vigário de S. Pedro que oficiava no recolhimento, o deão e vigário geral, Pedro Moreira, deu, então, a última das autorizações, i.e., aquela que finalmente possibilitava a ereção canónica do Convento. Como uma das condições para o seu funcionamento era a de estar dotado dos bens suficientes à sustentação das freiras, que, por serem da Primeira Regra de Santa Clara, a de mais rigorosa pobreza, não podiam ter propriedades, o fundador complementou a renda anual já anteriormente estipulada com mais 11 moios de trigo por ano, os quais, acrescentados aos 3 que já abasteciam o recolhimento, passaram, então, a ser 14. Seguiu-se o breve pontifício que legitimava todos os passos anteriormente dados, o qual foi dado em Roma a 17 de agosto de 1665, e chegou ao Funchal em finais de 1666. A 13 de junho de 1667, recebeu o Convento a sua primeira abadessa, novamente uma freira de S.ta Clara que para ali se mudou, a fim de dotar o Mosteiro das regras necessárias ao seu bom funcionamento. Com efeito, e de acordo com outra das várias lendas que se encontram associadas a esta casa monástica, as freiras, que começaram por professar a restritiva Regra de Santa Clara, cedo se interrogaram se nela deviam continuar, ou antes mudar para a Regra Urbaniana, bem mais generosa para com o quotidiano conventual. A fim de tomarem uma decisão sobre o assunto, reuniram-se em capítulo, mas então desencadeou-se uma tal tempestade que “de repente começaram a abalar os alicerces e a abanar o pavimento”, pelo que as freiras, “com sumo temor caíram na conta de que a vontade de Deus era que se fizesse de pobreza, como o fizeram, e se conserva”, ficando, pois, definitivamente estabelecida a obediência à Primeira Regra de Santa Clara (FRUTUOSO, 2008, 593). Dentro do espírito dos estatutos, o Convento acolhia não só jovens provenientes dos mais altos escalões da sociedade local, mas também meninas pobres, nas quais se verificasse uma forte vocação religiosa. Este estado de alma era, de resto, muito considerado pelas abadessas que se esforçavam para que este desígnio estivesse sempre presente aquando da admissão das candidatas e, quando tal não acontecia, muito se empenhavam em que as jovens fossem devolvidas ao seio da família. Uma gritante exceção a esta regra encontra-se, porém, no processo da M.e Isabel Filipa de Santo António, que, em inícios da déc. de 1740, foi obrigada, por familiares, a ingressar em N.a S.ra das Mercês, e cujo comportamento acabou por ser objeto de processo na Inquisição. Passou-se o caso no seio da família Câmara Leme, uma das principais da sociedade madeirense, quando uma jovem adolescente, órfã de pais e dependente do irmão mais velho, Jacinto Câmara Leme, se apaixonou por homem abaixo da sua condição. Determinado a proibir a união, o irmão tudo fez para que a jovem ingressasse no Convento, contra a sua expressa e reiterada vontade. Em profundo desespero, Isabel Filipa, conforme por diversas vezes afirmou ao comissário do Santo Ofício, fez um pacto com o demónio, ainda antes de entrar na casa religiosa, e, uma vez lá dentro, procurou, por todos os meios possíveis, forçar a libertação. Com esse fim em vista, confessou ao comissário ter tido relações carnais com o diabo, ter contribuído para a morte de dois dos seus irmãos, usando uns pós que o demónio lhe fornecera, ter cuspido no cruxifixo e pisado no chão partículas consagradas, até, finalmente, ter tentado matar toda a comunidade, fazendo uma sopa com vidro moído. O ruído produzido no processo de moer o vidro traiu-a e conduziu-a à prisão, onde se encontrava enquanto decorriam as diligências judiciais, processo em que conseguiu acesso a um advogado que tentou obter, junto do Papa, a anulação dos votos. Gorado este propósito, nada mais se sabe da dita freira, a não ser que deveria ser transferida de Convento, mas não libertada para voltar à condição de secular. Este episódio pungente mostra que, apesar de toda a boa vontade posta pela comunidade no sentido de só aceitar as verdadeiras vocações, o peso das circunstâncias familiares era, por vezes, excessivamente grande para ser evitado, acabando por condenar muitas jovens a uma vida de clausura que lhes repugnava e para a qual não sentiam a menor inclinação. Apesar de ser inegável que nem todas as mulheres que professavam o faziam por verdadeiro chamamento, a verdade é que, de um modo geral neste Convento, a Regra se observava sem sobressaltos, até porque o facto de ser de menores dimensões que os seus congéneres insulares, de receber muito menos educandas e senhoras do exterior, acrescido da impossibilidade de terem criadas, por exigência estatutária, proporcionava às professas um maior recolhimento e isolamento do mundo secular. Apesar disso, o Mosteiro acabou por se ver envolvido, sem que isso fosse por sua direta responsabilidade, em questões que se arrastaram pelos tribunais e que se prendiam com a posse do padroado. Com efeito, por morte de Gaspar Berenguer, ficara instituído que aquele título passaria para o filho mais velho, o P.e Bartolomeu César Berenguer, tendo transitado depois para o seu irmão José de França Berenguer, que o conservou até 1720. Fora este José Berenguer, pai de vários filhos, o mais velho dos quais falecera ainda em vida do pai, que, por testamento, entregara o padroado do Mosteiro ao seu filho segundo, Agostinho César Berenguer. Esta situação acabou por causar um grave conflito na família, quando os herdeiros do falecido primogénito, de seu nome João de Andrade Berenguer, sentindo-se preteridos na herança, levaram o caso a tribunal, por onde se arrastou cerca de 100 anos. Quando, em 1725, D. Fr. Manuel Coutinho se torna bispo do Funchal, é informado do diferendo, ainda agravado pela suspeita de que o protetor do Convento em funções, Agostinho César Berenguer, se estaria a aproveitar da situação para desviar verbas da sacristia do Convento em proveito próprio, prejudicando, assim, as condições de vida das freiras. O prelado logo impôs um inquérito à contabilidade conventual e, pouco depois, suspendeu o protetor, substituindo-o por um clérigo da sua confiança e seu familiar, o P.e António Mendes de Almeida. À situação da disputa do padroado se refere, ainda, D. José da Costa Torres quando, em 1788, se corresponde com o ministro Martinho Melo e Castro e menciona que “ainda corre litígio” por não se terem verificado as promessas dos instituidores no sentido da doação de certas rendas para “a sustentação das freiras” (AHU, Madeira, pasta 5, capilha 842). Apesar disso, o bispo não deixa de opinar que “floresce neste convento disciplina regular e religiosa […] com grande edificação desta cidade”, não necessitando as freiras dos familiares para sobreviver, porque “o convento lhe[s] subministra o necessário”, para além de que ainda recebem esmolas que de muito boa vontade lhes dão “muitos dos mesmos parentes e estranhos”. Em relação às finanças do Convento, os problemas criados por Agostinho César Berenguer parecem ultrapassados, pois o prelado declara que “além de dois legados perpétuos por cujos rendimentos têm todas as freiras túnicas e hábitos de dois em dois anos, tem o convento seiscentos mil reis cada ano […], juros dos dotes com que entram, que são de quatrocentos mil reis aplicados à sacristia e dos quais […] se sustentam; estes juros são bem pagos, o que é de admirar, se o síndico é zeloso, como o atual, e se não descuida”. E, a terminar, deixa o bispo escapar um desejo: “Assim fora o convento da Encarnação, que também me é sujeito” (Ibid.). A administração interna do Mosteiro fazia-se de acordo com a Regra de Santa Clara e era constituída por uma abadessa eleita por períodos de três anos, não imediatamente renováveis, coadjuvada por uma vigária, um discretório e a habitual reunião semanal do capítulo. O sistema eleitoral que vigorava não só para a abadessa, mas também para os outros cargos, procurava atribuir as funções a pessoas com o perfil certo para as cumprir, e isto, a juntar a um isolamento bem maior do exterior, fazia com que a vida corresse nesta casa monástica sem os sobressaltos que perturbavam a existência das suas congéneres madeirenses. A legislação pombalina de 1764 atingiu, de certo modo, a vida conventual, ao proibir o ingresso de noviças, mas a subida ao trono, pouco depois, de D. Maria I fez reverter o processo, pelo que, a 20 de agosto de 1777, já era autorizada a entrada de seis candidatas. Em 1786, porém, fruto do falecimento de quatro freiras, o número das professas tinha-se tornado demasiado pequeno, o que levou a abadessa a solicitar à Rainha a possibilidade de se admitirem mais algumas, pois nesta comunidade, como o trabalho era executado pelas próprias freiras, a necessidade de braços fazia-se sentir de forma mais aguda. Nesse sentido, argumentava a abadessa que as freiras estavam, de um modo geral, velhas, “seis se acham na enfermaria, e as demais não podem acudir às obrigações do convento, pelas suplicantes não terem servas e serem elas que fazem todo o serviço […] de cozinhar e servir as enfermas, por cuja razão só cinco das suplicantes vão ao coro e às vezes menos” (FONTOURA, 2000, 296). Consultado o bispo, ainda D. José da Costa Torres, este mostrou-se favorável à conservação do Mosteiro, “porque ele é observantíssimo e de singular exemplo de virtudes no meu Bispado” (Id., Ibid., 297). Deste modo, obtiveram as freiras autorização para irem repondo os lugares que fossem vagando, desde que se não ultrapassasse o limite de 24, o máximo autorizado. Apesar dos excelentes indicadores que se foram registando da vivência deste Convento de N.a S.ra das Mercês, ele também foi apanhado nas malhas do liberalismo e sujeito, como os outros, ao encerramento preconizado para aquando da morte da última freira. Acontece, porém, que, talvez graças ao respeito que esta comunidade merecia da população e das autoridades locais, esta casa monástica não sofreu o destino das restantes e continuou a receber candidatas, designadas “pupilas” para não desobedecer à proibição de aceitação de noviças, mas, no resto da vida conventual, a situação manteve-se como sempre fora, embora o ingresso no Convento fosse lentamente decaindo, até que, em 1910, data da implantação da república, já lá se encontravam apenas 15 religiosas. Em 1901, aquando da legalização dos institutos religiosos sob a forma de associações, o Convento de N.a S.ra das Mercês transformou-se em associação, permanecendo as religiosas, então designadas “sócias ativas”, na sede da associação, ou seja, no Convento, sendo responsáveis pela sua administração. A república veio, porém, pôr um ponto final a esta situação que se prolongava, de resto, para além do expectável, e, a 13 de outubro de 1910, as últimas freiras foram levadas do Convento para o palácio de S. Lourenço, onde aguardaram que as famílias as resgatassem. O edifício do Mosteiro foi, a pedido da Câmara Municipal do Funchal, destinado a cadeia, desígnio que se gorou quando se constatou o elevado montante que seria preciso despender até lhe dar a configuração exigida pelas novas funções. Assim, destinou-se, depois, a “Escola Modelo, Biblioteca Popular ou Museu Municipal”, mas também estas ambições não foram adiante, preferindo-se antes atender a um pedido da edilidade para que se demolisse uma parte do prédio para alargamento das vias circundantes. A outra parte, abandonada durante algum tempo, acabou igualmente por ser demolida, construindo-se de raiz, naquele espaço, um edifício destinado ao Auxílio Maternal do Funchal (FONTOURA, 2000, 384-385).   O Convento de N.a S.ra da Piedade, na Caldeira O destino das freiras provisoriamente acolhidas em S. Lourenço foi o regresso a contextos mais ou menos familiares, i.e., enquanto algumas, entre as quais se contava a M.e Virgínia Brites da Paixão, superiora do Convento, regressaram de facto a casa dos pais, outras conseguiram retomar a vida em comunidade, partilhando habitações particulares da posse de parentes seus. Assim aconteceu em Câmara de Lobos, onde, no sítio da Palmeira, um grupo de sete freiras se juntou em casa que havia pertencido aos pais da Ir. M.a Matilde da Circuncisão, enquanto um outro núcleo, desta vez com três professas e uma candidata, fixou residência no lugar da Caldeira, em casa dos pais da Ir. M.a Francisca da Anunciação. Aí se mantiveram juntas, usando hábito – risco que corriam apesar da legislação anticongreganista da Primeira República –, rezando e trabalhando como sempre haviam feito. A M.e Virgínia, apesar de se manter instalada em casa de família, era visita assídua quer de uma quer de outra das comunidades, ajudando a manter vivo o espírito da Primeira Regra de Santa Clara. A propriedade da Caldeira ficava junto de uma capela consagrada a N.a S.ra da Piedade, fundada em finais do séc. XVIII pelo P.e Manuel Gonçalves Henriques, que a dotara de todos os requisitos para nela se celebrarem os ofícios divinos. Por altura da expulsão das freiras do seu Convento das Mercês, pertencia a referida capela ao P.e António Rodrigues Dinis Henriques, o qual, quando deixou a paróquia de que estava encarregado, se devotou ao acompanhamento espiritual das freiras suas vizinhas e igualmente se comprometeu com o desígnio de dotar as madres de novo convento. Com esse fim em vista, deixou, em testamento, a propriedade onde se encontrava a capela à paróquia de Câmara de Lobos, estratégia encontrada para salvaguardar a posse dos terrenos que, se entregues à Diocese, poderiam ser retomados pelo Estado. O tempo político não era, porém, favorável a projetos congreganistas, pelo que foi preciso esperar por nova mudança de regime, operada com o golpe de 28 de maio de 1926, para que o desejo do P.e Dinis e das freiras egressas pudesse começar a tomar forma, o que veio a suceder logo em 1927-1928, altura em que começaram as obras da nova casa conventual, as quais sempre contaram com o apoio do bispo da Diocese, D. António Manuel Pereira Ribeiro. O Mosteiro foi, assim, nascendo, fruto da colaboração de muitas vontades, entre as quais a da própria população da zona, que contribuía com o que podia, quer doando materiais, quer oferecendo dias de trabalho. A 16 abril de 1931, as oito freiras que ainda viviam, do pequeno grupo que saíra do Convento das Mercês, puderam finalmente voltar a reunir-se entre muros conventuais, conseguindo assim o feito único em Portugal de uma comunidade que ultrapassou as adversidades, reorganizando-se, uma vez mais, sob a Primeira Regra de Santa Clara. Com o aumento das solicitações para ingressar no Convento, houve necessidade de proceder a um redimensionamento das instalações, o que veio a acontecer em 1954, embora, pouco tempo depois, um incêndio, ocorrido em 1959, viesse, uma vez mais, obrigar a comunidade a ultrapassar outra dificuldade. Recebidas pelas Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, então instaladas no Convento de S.ta Clara, as freiras aguardaram pela reconstrução, e, uma vez mais ou menos terminada, regressaram à Caldeira e às suas costumeiras ocupações de fabrico de hóstias, tratamento de roupa para a Sé e outras paróquias, bordados, jardinagem e lavoura. Por ter o bispo D. David de Sousa, Franciscano como elas, constatado que a população vizinha do Convento vivia muito isolada, com dificuldades de acesso à catequese e até ao ensino primário, solicitou às freiras a prestação desse serviço social, ao que elas prontamente acederam, tendo ficado responsáveis por aquelas missões durante 19 anos. Nos inícios do séc. xxi, a comunidade permanece instalada no sítio da Caldeira, mas o crescimento do número de candidatas à profissão determinou que se expandisse, dando origem a novas casas de religiosas, uma das quais em Santo António, nos arredores do Funchal.   O Mosteiro de S.to António A M.e Virgínia Brites da Paixão foi viver, conforme se disse, para casa de seus pais, no Lombo dos Aguiares em Santo António, onde continuou a levar uma vida muito próxima da de clausura, dedicada à oração e pontuada das experiências místicas com visões de Nossa Senhora que a acompanhavam desde muito nova. O seu modo de viver despertava a admiração não só das suas correligionárias de Câmara de Lobos, como da população em geral, e, anos depois da sua morte, ocorrida a 17 de janeiro de 1929, começou a germinar a ideia da fundação de um Convento junto da casa onde habitara e que se encontrava na posse de umas sobrinhas. Apresentado o projeto ao bispo do Funchal, D. João Saraiva, este logo se entusiasmou e envidou esforços no sentido de se concretizar o desígnio, para o qual igualmente contribuiu a doação da propriedade por parte das sobrinhas. Em março de 1967, transferiram-se para instalações ainda provisórias as primeiras três irmãs oriundas do Convento de N.a S.ra da Piedade, e, em 1971, o prelado funchalense começou a equacionar a possibilidade de aquela casa passar a mosteiro autónomo. Com este fim em vista, diligenciou a obtenção de licença junto da Congregação dos Religiosos e Institutos Seculares, em Roma, que respondeu a 21 de julho, confirmando a aceitação do pedido. Em posse do documento, D. João Saraiva tudo fez para tornar realidade o novo Convento e, a 2 de outubro do mesmo ano, em reunião da comunidade, o bispo procedeu à nomeação da madre abadessa. A ereção canónica tardou ainda quatro anos, mas, em 1975, por ação do bispo D. Francisco Santana foi alcançada, passando, desde então, a Madeira a contar com mais uma casa conventual de Clarissas.     Ana Cristina Trindade (atualizado a 25.02.2017)

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