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freitas, joaquim josé ferreira de

Joaquim José Ferreira de Freitas terá nascido no Funchal por volta de 1781. Pouco se conhece dos primeiros anos da sua vida; porém, sabe-se que a sua saída da Madeira ficou a dever-se à necessidade de realizar estudos que, naquela época, não poderia fazer no Funchal. Tendo frequentado um convento de Franciscanos, seguiu aVV e chegou a tomar ordens, mas logo abandonou esta opção de vida. As ideias revolucionárias levaram-no a partir para França, que adotou como sua pátria, onde se colocou ao serviço de Napoleão Bonaparte. Conquistou a confiança de José Bonaparte, a ponto de se ter tornado o confidente predileto deste irmão do Imperador. Mais tarde, como comerciante, tornou-se no grande fornecedor de géneros para abastecimento dos exércitos franceses. Em 1810, entrou em Portugal com o exército francês de Massena e com ele regressou a França, empregando-se na administração militar. A queda de Napoleão obrigou-o a enveredar por outro rumo. Após dirigir um gabinete de leitura em Paris, rapidamente caiu na miséria. Viveu depois em Inglaterra, onde, em 1820, incitado pelo convívio com os emigrados portugueses, começou a dirigir o célebre semanário O Padre Amaro – que suspendeu, com 12 volumes, em 1826, iniciando então a publicação do Appendice ao Padre Amaro, o qual se editou até 1830, formando 6 volumes (esta publicação atravessou parte do período das fortes perturbações políticas dos anos de 1820 a 1834). Estas duas coleções constituem um repositório de interesse para a história política portuguesa da época. Data de então a sua celebridade no mundo político; colaborou com os melhores escritores emigrados e tornou-se, em pouco tempo, muito conhecido em Portugal e no Brasil. A defesa que fez da independência desta colónia valeu-lhe uma pensão de 600 libras anuais, concedida pelo Imperador D. Pedro. Na mesma época, escreveu várias obras, entre as quais Memória sobre a Conspiração de 1817, Vulgarmente Chamada a Conspiração de Gomes Freire, que lhe foi encomendada, a troco de 500 libras, pelo Mar. Beresford, que queria defender-se da acusação de ter sido o causador da execução daquele general; a obra foi impressa em Londres e em Lisboa, no ano de 1822. Ainda neste ano, fundou O Cruzeiro, de que saíram poucos números. Redigiu também um jornal intitulado The American Monitor, com dois volumes editados. Suspensa a pensão que lhe fora dada por D. Pedro, Ferreira de Freitas foi atacado por grave doença, caiu em profunda miséria; o seu funeral viria a ser feito por subscrição, tendo sido o primeiro contribuinte o próprio D. Pedro IV e o 1.º conde de Carvalhal, seu amigo. Este escritor e jornalista, curiosa figura da emigração portuguesa – e polémica, tendo publicado panfletos inflamados nos quais defendia acerrimamente o regime constitucional –, usou também os nomes de Joaquim José Ferreira de Freitas e Joaquim Sebastiano Ferreira de Freitas. No entanto, ficou mais conhecido por “padre Amaro”, tendo sido por meio desta alcunha que se afirmou como escritor. Da sua obra, destacam-se: o texto Bibliotheca Historica, Política e Diplomatica da Nação Portuguesa, publicado em Londres pela Sustenance and Strecht, de que saiu apenas um volume; e Coup D’Oeil sur l’Etat Politique du Brésil, em resposta ao livro Histoire do Brésil, de Alphonse de Beauchamp. O Elucidário Madeirense atribui-lhe a autoria da comédia O Bota Fora do Catavento ou A Cabeça de Bacalhao Fresco, referindo que este texto foi atribuído a Garrett; a obra – uma representação de comédia ligeira em dois atos, destinada a ridicularizar Ferreira Borges – é, de facto, de autoria incerta. Morreu em Londres, a 20 de julho de 1831. Obras de Joaquim José Ferreira de Freitas: Memória sobre a Conspiração de 1817, Vulgarmente Chamada a Conspiração de Gomes Freire, por um Portuguez (1822); Coup d’Oeil sur l’Etat Politique du Brésil (1823); O Bota Fora do Catavento ou A Cabeça de Bacalhao Fresco, Burletta em Dous Actos (1828) [autoria incerta]; Bibliotheca Historica, Politica e Diplomatica da Nação Portugueza (1830). Bibliog.: SILVA, Fernando Augusto e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, vol. II, Funchal, DRAC, 1998. António José Borges (atualizado a 10.04.2016)

fim do ano, festa do

A predileção dos madeirenses pelo ribombar de foguetes, e não só, está relacionada com as manifestações de alegria e de boas vindas próprias dos ilhéus e habitantes de uma cidade cosmopolita. Com a sua simpatia e habituados a bem receber, os madeirenses inventaram formas de dinamizar a urbe, o comércio, as exportações e, desde finais do séc. XVIII, o turismo. Não estaremos a errar se dissermos que a primeira comemoração na Madeira com fogo-de-artifício aconteceu em 1622, quando se festejou, em diversas cidades da Europa e do mundo evangelizado, a canonização de Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, e de Francisco Xavier, o Apóstolo das Índias ao serviço da mesma. No Funchal, houve festejos durante um mês, com solenidade nas igrejas, cortejos, entre outras manifestações, e no dia 7 de julho de 1622 prepararam-se, para serem lançados, “foguetes e rodas de fogo” (CARITA, 2013, 73). Segundo o Elucidário Madeirense, a 10 de junho de 1777, quando o Cap.-Gen. João António de Sá Pereira (9/12/1767-10/06/1777) partiu, festejaram “os seus inimigos com iluminações e fogos-de-artifício a sua saída da ilha […] após a queda do marquês de Pombal, de quem era parente” (SILVA e MENEZES, 1978, III, 212). Será oportuno recordar que os primeiros três candeeiros de iluminação pública foram mandados colocar na Ilha apenas em outubro de 1846, pelo Gov. José Silvestre Ribeiro, logo que este tomou posse. Em janeiro do ano seguinte, havia 31 lampiões de azeite, e, em agosto de 1849, o Funchal já era iluminado por 70 candeeiros, mandados colocar por entidades públicas e particulares. Por outro lado, era tradição salvar, como forma de saudação, os navios que entravam no porto do Funchal com sucessivos tiros de canhão dos fortes funchalenses. À iniciativa dos visitantes correspondiam, antigamente, o forte de Nossa Senhora da Conceição e, mais recentemente, o forte de Santiago. Assim habituados, alguns detentores de cargos públicos, ou com poder financeiro, salvavam com os pedreiros (pequenas peças de artilharia de 40 a 50 cm), atafulhados pelo cano com pedras e areão, que troavam por fricção do nitrato de sódio. Este manuseamento era perigoso, pelo que na imprensa funchalense se defendia a regulamentação por lei, assim como para algumas peças pirotécnicas. Pelos anos de 1852 e seguintes, houve regulamentação para obstar a sua utilização abusiva e os incómodos causados a transeuntes, em especial os que saíam das Missas do Parto e da Missa do Galo. Nas últimas décadas do séc. XIX, as reclamações e indignação que apareciam nos jornais, no dia seguinte, eram deste teor: “[…] era a influência das lapinhas, que obriga ao tiro, ao tripe-trape, ao busca-pés, tudo coisa bruta” (DN, 31 dez. 1880, 2). São também frequentes, nesta altura, os relatos de acidentes fatais com pedreiros ou com as populares bombas de garrafa, que, com alguma frequência, decepavam a mão esquerda, no caso dos destros, e originavam um maneta ou, na gíria madeirense, um “couto”. De um modo geral, o povo português tem muito apreço pela natividade, mas para a população madeirense a Festa é uma época muito especial, que começa no princípio de dezembro, com a matança do porco, a confeção meticulosa da carne de vinho-e-alhos, dos bolos e broas de mel, de licores, de bolos e broas de vários sabores e com as Missas do Parto, e se prolonga, seguramente, até ao Dia de Reis e, para alguns, ao varrer dos armários, no dia de Santo Amaro. É imemorável que, depois da Missa do Galo, se tomavam a canja da galinha engordada a preceito e o cacau e que, no dia de Natal (o dia da Festa), a mesa era farta, aparecendo o queijo e a manteiga, azeitonas, licores e outras iguarias proibitivas durante o ano, dados os parcos recursos das famílias madeirenses. Nos arraiais, assinalavam-se as ocasiões solenes (início, celebração da Eucaristia, saída da procissão da igreja) com rebentamento de foguetes, e no momento alto, pela meia-noite de sábado ou de domingo, havia lançamento do fogo-de-artifício. Como tal, nos livros do Governo Civil do Funchal de meados do séc. XIX surgem requerimentos a pedir a autorização para esse tipo de espetáculo, sendo necessária a presença de um fiador, ou responsável civil, que cobriria os eventuais danos em propriedade alheia e outros. As manifestações culturais adensavam-se na Festa, pelo que se contratavam artistas estrangeiros, de Lisboa ou do Porto, para o teatro Maria Pia, Funchalense, Dr. Manuel de Arriaga ou Municipal (sucessivas denominações conforme as épocas, hoje, Baltazar Dias), e os casinos ganharam adeptos, depois de aprovada a sua atividade por legislação demoradamente repensada. Os defensores destes espaços pensavam nas receitas, com a afluência dos passageiros dos navios, no lazer de algumas famílias funchalenses e estrangeiras residentes ou sazonais e no aumento da clientela em época de inverno, em especial na Festa, que integrava a passagem do ano velho para o ano novo. Assim o atesta este relato de finais do séc. XIX: “[...] foi muito estrondosa a despedida do já morto 1885. Ao dar a meia-noite, de todos os lados da cidade subiram foguetes que denunciavam entusiasmo e alegria. Um balão muito bem organizado pelos srs. Wilbhram fez as delícias dos que apreciaram em posição de gargarejo [...]” (DN, 3 jan. 1886, 2). No objeto científico que é a História, a oralidade é tida como fonte a partir da qual se pode descrever os acontecimentos, contudo, carece, sempre que possível, de ser confirmada nas fontes escritas. Na Madeira, felizmente, há registos da imprensa desde 1821, o que facilita a reposição da verdade histórica a partir desta data. Nesse âmbito, circula uma versão segundo a qual foi na Qt. do Til que se iniciou a tradição pirotécnica como uma das formas de dar as boas-vindas ao ano novo, porém, não foram encontradas provas disso. A alternativa, que nos parece mais plausível, seria esta ter-se iniciado na Qt. Mãe dos Homens, residência do visconde do Cacongo, contudo, não podemos igualmente afiançar tal hipótese. No entanto, a garantia vem na primeira página do Diário de Notícias (DN) de 3 de janeiro de 1917: “Pela primeira vez, há meio século, deixaram de ser solenizadas, no dia 31 de dezembro, a despedida do ano velho e a entrada do ano novo, com milhares de fogos pirotécnicos, músicas e outras manifestações de delirante entusiasmo [...]”. É o redator principal que o afirma perentoriamente e isso remete-nos para o 31 de dezembro de 1866 como o início desta tradição da queima do fogo-de-artifício na despedida do ano velho, em que a cidade do Funchal é pioneira. Como facilmente se depreende, a interrupção dos festejos ficou a dever-se a um dos três episódios em que os residentes no Funchal se viram envolvidos no contexto da Grande Guerra. Isso aconteceu por questões de segurança, uma vez que ainda estavam na memória, bem recente, as quatro dezenas de vítimas do torpedeamento que o submarino alemão U-38 perpetrara na madrugada e manhã de 3 de dezembro de 1916. Já no final de 1888 não houvera grande entusiasmo para as comemorações, devido aos tumultos populares contra as “parrecas” (denominação popular para as juntas de paróquia), tendo as situações mais graves ocorrido no Caniço, em São Vivente e no concelho de Santana, no início de janeiro. Posteriormente, houve outros motivos, justificados, para que o “feérico espetáculo” (vulgo epíteto da imprensa funchalense) não se concretizasse, como quando se deu a perda de Goa, Damão e Diu (o Estado da Índia portuguesa), a 19 de dezembro de 1961. Volvidos sete anos, em 1968, um violento vendaval impediu igualmente o mesmo, sendo o fogo exibido pelas 22 h do segundo dia do ano novo. Nesse final de ano, dos 12 navios, só três conseguiram atracar e dois partiram mais cedo. O cortejo folclórico saiu pelas 15.30 h do primeiro dia do ano. Contudo, nas salas dos hotéis (Reids, Savoy, Casino e outros), os convivas não se inibiram e aproveitaram a oportunidade para dançar divertidamente. No que respeita à publicidade, o Bazar do Povo foi o primeiro estabelecimento comercial a anunciar, no período da Festa de 1890, a variedade de fogo que tinha à disposição, acautelando os receios da clientela e cumprindo a lei vigente, pois não era perigoso nem para as senhoras, nem para as crianças. Nesse final de ano, “[...] O Funchal saudou briosamente, como do costume, o ano de 1891, com músicas, lindos fogos d’artifício, milhares de foguetes e bombardas, salvas de 21 tiros, uma artilharia cerrada, que durou mais d’uma hora, estrugindo os ares – um verdadeiro delírio [...]” (DN, 1 jan. 1891, 2). A progressiva continuidade do fogo-de-artifício virou tradição, também, pelas motivantes notícias da imprensa, quando esta publicava, com realce, os locais onde se dera o fogo mais bonito, nomeando os sítios e os proprietários, como a Vila Alice, residência do Sr. Silvestre Quintino de Freitas, e a Qt. Mãe dos Homens, do visconde do Cacongo. Foi assim que se gerou, gradativamente e ao longo dos anos, uma espécie de competição entre os sítios no anfiteatro funchalense, apesar dos parcos recursos financeiros das famílias. Em iniciativas espontâneas, nas casas, os moradores organizavam-se de modo a apresentar resultados cada vez mais espetaculares. Por seu lado, a imprensa apelava aos funchalenses para que aguardassem pelas 12 badaladas da meia-noite. Assim, que “Bom seria que este ano, para que os fogos produzissem melhor efeito, não fossem queimados senão exatamente àquela hora, pelo menos a maior parte deles” (DN, 31 dez. 1911, 2). O resto, fá-lo a harmoniosa natureza, com a disposição do anfiteatro funchalense, espaço inigualável, razão por que o espetáculo é único e inesquecível. Mas não é só este o segredo do sucesso, pois tudo se conjuga numa naturalidade genuína que só a criatividade dos ilhéus e a cultura madeirense podem proporcionar. Aliás, há mais fatores e elementos que protagonizam este peculiar evento. Outros destinos turísticos passaram a imitar, tardiamente, e a impor como atração turística, mas jamais terão a legitimidade que só a História e a tradição garantem: “[...] À meia-noite subirão inumeráveis girândolas de foguetes de cores, granadas, etc, e queimando-se fogos de bengala de cores variadas e brilhantes. Nos pontos mais altos da cidade costumam reunir-se bastantes famílias para gozarem esse espetáculo encantador da passagem do ano velho para o ano novo” (Diário Popular, 31 dez. 1897, 1). Na verdade, como porto de escalas e de emigração, os navios das mais importantes companhias de navegação eram assíduos na baía do Funchal e, gradualmente, foram conciliando as suas escalas com o dia do cada vez mais famoso Fim do Ano. As notícias mais uma vez o testemunham pelas entusiásticas considerações sobre o seu envolvimento, e, no fim de 1904, concretamente, “[…] todos os vapores surtos no porto, puseram-se a apitar com verdadeiro furor, parecendo mais um coro de chacota e sarcasmos cruéis para o ano velho […]” (DN, 3 jan. 1904, 3). No ano seguinte, “[…] Todos os navios surtos no nosso porto apitaram furiosamente ao bater das 12 horas, parecendo uma surriada ao ano velho […]” (DN, 3 jan. 1905, 1). Na última noite do ano de 1907, estiveram seis navios de transporte de passageiros (Antony, Armadale Castle, Zaria, Amisia, Mimi Horn e Mazagan) e um carvoeiro (Silverdale). No ano seguinte, estavam anunciados cinco vapores, mas só três estiveram presentes para assistir à exibição pirotécnica. Mais uma vez, “[…] Os vapores surtos no nosso porto, associando-se à grandiosa função, acenderam fogos e apitaram à farta […]” (DN, 1 jan. 1909, 2). De facto, o “dia de São Vapor” era crucial para a dinamização da cidade (ainda hoje é), aliando o cosmopolitismo à vertente comercial, que, no princípio do séc. XX, tinha no artesanato um eixo fundamental pelo recurso ao imaginário e à criatividade dos madeirenses. Pensemos nos embutidos de madeira, nas tartarugas embalsamadas e envernizadas, nos bordados, nos vimes e no vinho Madeira, que originaram atividades peculiares, como os bomboteiros (de Bumboat) e a “mergulhança”. Em 1925, na última noite do ano, estavam surtos no porto do Funchal os vapores Saint Michel, Commewijne, Kenilworth Castle, Havfru e Oregon, todos de grande tonelagem para a época. Dois anos volvidos, era a vez de Eugenia (carvoeiro), Formose, Attika e Sierra Ventana (estes dois da Norddeutscher Lloyd), cujos nomes e características não deixam dúvidas quanto ao propósito de lazer nessas viagens. Depois, com assiduidade nessa noite, foram o Venus, da Bergen Line, Batory, da Polish Ocean Lines, Ancerville, da Compagnie de Navigation Paquet, Camberra, da P&O Cruises, e Black Watch e Black Prince, da Fred Olsen Line, entre outros. Entretanto, em 1921 chegara à cidade do Funchal um profissional italiano, Luigi Gandolfo, que fora contratado para diretor do Reid’s Palace Hotel, onde se manteve até 1939. Profissional competente e dinâmico, estava habilitado para e era profundo conhecedor da atividade que escolhera como meio de ganhar a vida. Logo de início, dinamizou uma série de organizações, com especial atenção para o que já era cartaz turístico da Madeira. Ficaram famosos os jantares no court de ténis do Hotel, preparados com esmero e sem descurar o mais ínfimo pormenor. A decoração era inspirada nas festas de famosas salas parisienses, com serpentinas, confetes e menus distintos, e os empregados de mesa tinham trajes de aldeões madeirenses (“vilhões”). A Festa e a tradicional pirotecnia da noite do Fim do Ano ganharam fulgor e notoriedade pela contratação dos pirotécnicos da Silva & Filhos, de Viana do Castelo. O posto de fogo era próximo do Hotel, nos ilhéus, ponto bastante alto e voltado para a cidade. Só em 1924 diversificaram no anfiteatro: ilhéus, Alto do Bom Sucesso, Pedra Sina e Montanha. No ano seguinte, o local predileto foi fronteiriço e próximo do Hotel, no forte de Nossa Senhora da Conceição ou, simplesmente, no ilhéu da Pontinha, onde se manteve durante mais de uma década. Em 1928, confirmava-se a grande qualidade do fogo da Silva & Filhos, e foi este aspecto que se entranhou na memória popular, através da oralidade, quando os ainda vivos ouviram contar dos seus avós. Na verdade, a espetacular qualidade pirotécnica da Silva & Filhos interrompeu, parcial e temporariamente, a tradição. Os funchalenses, em vez de amealharem dinheiro para a compra de fogo, como era hábito, optavam por instalar-se atempadamente nos miradouros e pontos estratégicos para assistirem ao fogo exibido pelo Reid’s Hotel. Assim relata o DN do Funchal, na primeira página de 4 de janeiro de 1927: “[…] De há anos a esta parte todo esse encanto desapareceu, acorrendo toda a gente a ocupar posições para desfrutar o fogo que se queima no Ilhéu. O anfiteatro fica assim abandonado, deixando de apresentar o panorama que tanta sedução causava […]”. Eis quando, em 1932, se formou a Comissão Executiva das Festas da Cidade, onde se juntaram dinâmicos cidadãos que, com a colaboração da imprensa, conseguiram motivar e mobilizar novamente os funchalenses. O contributo dos pequenos grupos em cada sítio voltou a dar o brilhantismo anterior dos vários fogachos na periferia da cidade, que tornou famoso o anfiteatro funchalense, pois isso é que é espetacular, genuíno, autêntico e a imagem de marca do Fim do Ano na Madeira. Um decreto de 5 de setembro de 1936 criou a Delegação de Turismo da Madeira e respetivos estatutos, destacando-se, de entre um grupo de madeirenses empenhados, os nomes do Prof. José Rafael Basto Machado e, depois, do Eng. Ribeiro de Andrade e de João Borges, tendo sido este último o que ajudou a internacionalizar o principal cartaz turístico da Madeira, com pequenos filmes promocionais em Barcelona e reuniões nalgumas capitais europeias para divulgação do evento. Apesar de na déc. de 1930 ter havido graves acontecimentos – a Revolução da Farinha (4-10 fev. 1931), o Pronunciamento Militar da Madeira (4 abr. a 2 maio 1931) e, depois, A Revolta do Leite (1936) –, esse período foi marcante para o cartaz do Fim do Ano na Madeira, uma vez que se consolidou a diversidade através de atividades culturais e desportivas até onde chegam a imaginação e a criatividade. Os exemplos são vários, começando pela multiplicidade de eventos desportivos, jogos de futebol com equipas convidadas de Lisboa ou estrangeiras, a Rampa dos Barreiros, em automóvel, ou A Volta à Cidade, atualmente a São Silvestre do Funchal, cada vez com nomes mais sonantes do atletismo. Durante alguns anos, houve atrações, como touradas, circo, feira popular ou o poço da morte, no campo do Almirante Reis. Torna-se mais difícil identificar a origem de outro tipo de organizações, mas a famosa Noite do Mercado remonta já ao Natal de 1890, pelo menos, quando os funchalenses apareceram em grande número no mercado D. Pedro V (hoje, Alfândega do Funchal), onde havia “grande variedade de frutos e hortaliças”, e no Lg. de São Sebastião (Lg. do Chafariz) se venderam “verduras e flores para a decoração dos presépios” (DN, 25 dez. 1890, 1). Na déc. de 1930, havia cortejos etnográficos, organizados pelo Sr. Travassos Lopes, exposições e concertos das diversas filarmónicas, incluindo a militar. Assim, as praças e jardins animavam-se, e o teatro e o vaudeville estavam consagrados no Teatro Municipal do Funchal. Por tudo isto, podemos afiançar que o cartaz do Fim do Ano, integrando a Festa madeirense, envolve aspetos culturais amplos e foi a matriz dos eventos culturais que turisticamente estão hoje a ser bem aproveitados. Mais recentemente, diversificaram-se as organizações temáticas, muito atrativas, para que a Madeira seja visitada em qualquer época do ano. Desde meados do séc. XX, quando a navegação aérea açambarcou o mercado de transporte de passageiros, que o porto do Funchal deixou de ser a única porta de entrada na Ilha. Contudo, a navegação marítima soube adaptar-se aos novos tempos e serão sempre bem-vindos os navios de cruzeiro, uma vez que complementam brilhantemente, com a sua entusiástica participação, o frenesim da cidade e o “feérico espetáculo”, como se escrevia na imprensa funchalense. Entre as duas grandes guerras mundiais, a sua presença passou a ser mais frequente, quer com excursões organizadas a partir de Lisboa, em navios portugueses, quer a partir de vários portos da Europa, por companhias de navegação inglesas, francesas e alemãs, principalmente. Depois da Revolução dos Cravos, em 1974, verificaram-se algumas alterações também na marinha mercante portuguesa, com a unificação das tradicionais companhias de transporte para a África portuguesa e países de emigração (Venezuela e Brasil) numa única, a Companhia dos Transportes Marítimos, restando ainda, curiosamente, um navio de cruzeiros português, o Funchal. De certo modo, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, alteraram-se também as presenças no porto do Funchal, onde, gradualmente e na entrada do último quartel do séc. XX, a predominância eram os navios com o símbolo da URSS em faixa vermelha na chaminé, da Baltic Shipping Company (Rússia). A partir desse ano, o símbolo passou a tridente em faixa azul noutra companhia de um dos países da Confederação dos Estados Independentes, a Black Sea Shipping Company, da Ucrânia. Já no séc. XXI, o Fim do Ano na Madeira é cada vez mais frequentado. O alojamento no parque hoteleiro, em permanente crescimento nas últimas décadas, é de elevada qualidade e oferece conforto aos milhares de clientes que chegam à Madeira em transporte aéreo. A navegação marítima, com navios de recreio de enorme lotação, alguns com capacidade para 4000 passageiros e cerca de 1500 tripulantes, contrasta com a de outrora e movimenta a cidade e o seu comércio, pois o porto fica a abarrotar, normalmente com 10 a 14 navios. Imagine-se a trepidação desordenada, ou em concerto (ver os jornais de dez. 2012), associando-se ao já referido “feérico espetáculo”. Na noite de 31 de dezembro de 2014, por exemplo, foram 10 os navios atracados no porto do Funchal. Entretanto, com o novo porto de mercadorias na ponta leste da Ilha, o do Funchal foi reconvertido para receber navios de recreio. Presentemente, há um novo cais para acostagem e, a nascente do antigo cais da Cidade, um complemento à marina, esta construída no final do séc XX. Com o anexo criado na marginal (a Pç. do Povo), os funchalenses poderão abraçar o mar e este novo espaço será um local de privilégio para admirar o fogo lançado ao céu do Funchal, mas os locais tradicionais, os miradouros e sítios estratégicos, só serão suplantados, para um melhor disfrutar, ao largo da baía. Hoje, as embarcações que oferecem esse serviço são o Lobo Marinho, o Ventura do Mar, cinco catamarãs e outros pequenos veleiros particulares. Outrora, no princípio do séc. XX, eram o Falcão e o Gavião, e nos meados do mesmo o Milano, algumas das lanchas de serviço aos transatlânticos e, por fim, o Pirata Azul. Em suma, o maior cartaz turístico da Madeira oferece cultura, lazer e esplendor, consolidados em criativa evolução, ao longo de século e meio. Aos ingredientes iniciais, juntam-se a Festa e o hábito do ribombar como expressão do agrado popular para os dias assinalados. Neste contexto, associaram-se, gradativamente, novos protagonistas: os vapores. Na cidade iluminada e engalanada para os receber, organizavam-se atividades desportivas e culturais. Na última noite do ano, iluminava-se o céu e criavam-se contrastes nas silhuetas do incomparável anfiteatro funchalense. Pelas razões apontadas, serão vãs as tentativas da concorrência de outros destinos turísticos, mesmo queimando o fogo-de-artifício mais sofisticado e espetacular, uma vez que a legitimidade vem da longevidade, comprovada pelos argumentos da História, razão por que a Madeira é pioneira. Bibliog.: manuscrita: ARM, Governo Civil, Livro de Licenças e Termos, 1885-1859; impressa: Diário de Notícias, Funchal, 31 dez. 1880, p. 2; Diário de Notícias, Funchal, 3 jan. 1886, p. 2; Diário de Notícias, Funchal, 25 dez. 1890, p. 1; Diário de Notícias, Funchal, 1 jan. 1891, p. 2; Diário de Notícias, Funchal, 3 jan. 1904, p. 3; Diário de Notícias, Funchal, 3 jan. 1905, p. 1; Diário de Notícias, Funchal, 1 jan. 1909, p. 2; Diário de Notícias, Funchal, 31 dez. 1911, p. 2; “Desde Há Meio Século que no Funchal…”, Diário de Notícias, Funchal, 3 jan. 1917, p. 1; Diário de Notícias, Funchal, 4 jan. 1927, p. 1; Diário de Notícias, Funchal, 3 jan. 1969, p. 1; Diário Popular, Funchal, 31 dez. 1897, p. 1; CARITA, Rui, O Colégio dos Jesuítas do Funchal: Memória Histórica, Funchal, Associação Académica da Universidade da Madeira, 2013; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, vol. iii, Funchal, Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1978; SOUSA, José Luís Ferreira de, O Fim do Ano na Madeira: Fantástico Esplendor e Navios na Baía do Funchal, Funchal, ed. de Tiago Filipe de Freitas Sousa, 2014. José Luís Ferreira de Sousa (atualizado a 10.04.2016)

feiticeiro do norte (manuel gonçalves)

[caption id="attachment_8517" align="alignleft" width="296"] Manuel Gonçalves (Feiticeiro do Norte). Versos 1994. Arquiv. Rui Carita[/caption] Manuel Gonçalves, mais conhecido pela alcunha de “feiticeiro do Norte”, foi um poeta popular madeirense, cujos versos eram apreciados por toda a Ilha. Apesar de analfabeto, deixou uma obra poética singular no panorama literário insular de inícios do séc. XX. Do seu percurso de vida fazem parte as profissões de agricultor e de pedreiro. É recordado como um homem do povo, simples e humilde. Nasceu no norte da ilha da Madeira, na freguesia do Arco de São Jorge, a 14 de outubro de 1858, onde veio a falecer, a 19 de março de 1927. Era filho de João Gonçalves de Freitas e de Maria Júlia. Casou-se com Maria de Jesus, de quem teve um filho, que morreu ainda jovem. Tendo ficado viúvo, casou-se em segundas núpcias com Maria de Jesus Pestana. Do segundo casamento nasceram oito filhos, quatro dos quais acabaram por falecer ainda jovens. Apesar de uma vida de pobreza, marcada por dificuldades e dramas familiares, Manuel Gonçalves tinha uma personalidade alegre, era divertido e estimado por todos. Entre os seus amigos estava o pároco da freguesia, P.e Casimiro Augusto de Freitas, que tentou, inclusivamente, ensinar-lhe as primeiras letras sem conseguir obter resultados, pois o “feiticeiro” não era dado ao estudo. Vivia com entusiasmo as festividades populares e revelou possuir uma grande imaginação, surgindo sempre com algumas cantigas ou algo de novo para contar. Segundo apurou Alberto F. Gomes, nas noites de S. Martinho, o “feiticeiro do Norte” costumava organizar uma procissão que percorria as ruas da aldeia. Seguia ao comando do cortejo com um garrafão cheio e voltava à adega para reabastecimento quando este se esvaziava; na adega, acendia uma vela sobre cada pipa e não faltavam os instrumentos regionais (uma viola ou um rajão). Pelo Natal, armava sempre um presépio, que era muito popular no local e visitado por gentes das redondezas. Na noite de Natal, na igreja da paróquia, o “Feiticeiro” organizava uma romagem, aguardada com expetativa pelos fiéis que iam à Missa do Galo. Esta era constituída pelos seus filhos e por rapazes da vizinhança e representava a chegada dos pastores e dos reis magos a Belém. Ainda na quadra natalícia, visitava a família e amigos e cantava “os reis” ao som de instrumentos regionais. Na verdade, era acompanhado pelo som de uma viola ou de um rajão que o “feiticeiro do Norte” gostava de entoar as suas criações poéticas. Manuel Gonçalves tinha o hábito de percorrer os caminhos da Ilha para participar nos arraiais onde se reuniam romeiros de diferentes localidades, que se divertiam com cantigas e despiques, ao ritmo dos instrumentos regionais. Começou a evidenciar o seu dom para as rimas quando tinha cerca de 40 anos, e revelou, então, a sua vocação poética para a composição e o improviso de trovas e cantigas, criando versos que eram apreciados pelos populares. Depressa ganhou fama e conquistou adeptos. Tornou-se uma figura estimada em todos os recantos da Ilha. Nas terras por onde passava não era raro ser acolhido como hóspede pelas famílias. Numa época em que as deslocações entre as diferentes localidades eram feitas a pé, percorrendo grandes distâncias, por caminhos e acessos difíceis, conhecia todas as freguesias da Madeira, quando muitos madeirenses apenas conheciam as localidades mais próximas da sua. As suas composições originais e pitorescas despertavam grande interesse e constituíam um dos atrativos nas festividades da Madeira, de tal modo que a presença de Manuel Gonçalves num arraial motivava a deslocação de muito povo para o ouvir, mesmo de locais distantes. O poeta tirou proveito da sua reputação mandando imprimir os seus versos, que depois vendia ao público que o escutava. Os poemas eram impressos nas tipografias do Funchal, sob a forma de folhetos, com edições de cerca de 2000 exemplares. Foi desta forma, vendendo os folhetos aos romeiros enquanto declamava poesia, que a voz do “feiticeiro do Norte” se fez perdurar por gerações consecutivas. Sendo um homem do povo, identificava-se com as queixas e os anseios dos seus conterrâneos. A feição crítica e reivindicativa dos seus cantos, bem como a forma como tratava temas do interesse do povo, dando-lhes um caráter humorístico, tornava-o merecedor da estima dos camponeses. Era através da voz do trovador popular, que expressava aquilo que os outros pensavam, mas não tinham coragem de repetir, que as gentes mais desfavorecidas faziam chegar aos governantes as denúncias da condição miserável em quem viviam. Segundo Alberto F. Gomes, a poesia de Manuel Gonçalves é uma reminiscência do jogral medieval, que simultaneamente divertia e censurava, ganhando popularidade essencialmente pela sua sinceridade, espontaneidade, limpidez e originalidade, sendo a sua principal característica criar e não imitar, como tantos outros vates populares. Manuel Gonçalves tinha por motivos de inspiração acontecimentos que ia aprendendo e observando nas suas vivências quotidianas, ora denunciando e criticando o abuso e a exploração dos ricos, dos senhores, dos morgados e dos políticos, ora relatando as lutas de sobrevivência dos lavradores. Os versos assentam na sua experiência pessoal de vida, nas suas emoções, aspirações ou frustrações individuais, também partilhadas pela sua gente. Este feiticeiro da Palavra falava sobre vários assuntos do seu tempo e também de cariz autobiográfico, como em A Vida do Feiticeiro do Norte, onde traça o seu retrato físico. Manuel Gonçalves evidenciava-se pela sua farta barba e apresentava-se vestido com um fato de seriguilha e calçado com “botas de capado”. Conforme revela pelas suas palavras, tinha uma deformidade física, “era cambado das pernas” e tinha um “corpo malfeitaço”. Afirma, entre versos divertidos, que foi alvo de troça das “bilhardeiras” em vésperas do seu casamento. Noutro poema, refere-se à morte de uma filha que o acompanhava nas suas jornadas pela Ilha, a cantar nos arraiais. O poema é constituído por duas falas, a da filha, que se despede da vida, e a do pai, que lhe roga que ela seja sua advogada no reino de Deus. É um poema que assume um tom de natureza lírica e de pendor religioso, ao contrário do habitual estilo satírico que o caracteriza. Pelos seus versos conhece-se a vida da terra, a pobreza e as histórias da existência do camponês. Em A Antiguidade de Meu Pae, menciona o trabalho árduo do pai, que é um retrato do camponês madeirense, na sua luta diária para ganhar o pão, desafiando as intempéries e estando à mercê do senhorio e do feitor. Trata-se ainda de uma crítica às condições miseráveis em que viviam muitos lavradores naquele tempo. Invoca novamente o seu pai em O Lavrador, onde enaltece os agricultores, cujo trabalho considera não ser devidamente valorizado, apesar da sua importância para o sustento de todos. Critica todos aqueles que exploram os lavradores, desde juízes, reverendos e inspetores até funcionários públicos. Faz ainda um reparo aos homens que deixaram a agricultura para se dedicarem ao “emprego do governo” e a todos os letrados que não querem trabalhar nos campos. Os comentários e ataques feitos ao fisco e à administração pública são nada mais que o reflexo do descontentamento geral da sua comunidade, como expõe nos versos intitulados A Imigração da Madeira, a propósito do êxodo e das razões que levam a população a procurar outros destinos. O “feiticeiro” aproveita o ensejo para criticar as falsas promessas partidárias por altura das eleições: reprova as obras inacabadas e os melhoramentos por cumprir, como a falta de levadas ou os caminhos deteriorados e intransitáveis. Insurge-se contra os pesados impostos que oprimem e empobrecem ainda mais os trabalhadores e alerta os governantes para a situação precária em que vivem os camponeses. Nos versos intitulados “A Cana-de-Açúcar” discorre sobre a economia da Ilha, a propósito da cana-de-açúcar e da vinha, as principais culturas e fontes de rendimento da Madeira. Refere as diferentes castas e qualidades de ambas as culturas e menciona os diversos intermediários no setor, que lucram com a sua produção, desde o lavrador, o regador, o senhorio, o feitor, o carreteiro, o fabricante e o “levadeiro”, até ao vendeiro, e à própria Câmara. A indústria dos bordados da Madeira veio facilitar a vida de muitas mulheres de baixo extrato social, porque passaram a receber um salário, o que lhes permitiu ter uma vida mais independente, adquirir roupas e apresentar-se bem. Esta realidade não passou despercebida ao olhar atento do “feiticeiro do Norte”. Ao cantar As Raparigas dos Bordados, retrata a vaidade e o estilo destas moças que arranjam noivo com facilidade mas depois de casadas enfrentam alguns problemas. Compôs ainda versos de cariz religioso, para cantar em ocasiões festivas, como “Os Reis Magos”, entoados na igreja na noite de Natal, para representar a chegada dos reis magos que prestam homenagem ao Menino Jesus. E “O São Martinho”, improviso destinado ao dia de São Martinho, dia de cumprir a tradição de provar o vinho. Invocou igualmente os santos populares, nomeadamente o “Santo António”, aludindo aos pedidos das solteironas, que ambicionavam casar e recorriam ao santo para conseguirem um companheiro. Relatava tudo o que via e descobria à sua volta e descrevia a paisagem da Ilha. Nos versos sobre a Madeira intitulados A Madeira, dedica uma quadra a cada freguesia, apontando pormenores que as caracterizam: os pescadores de Câmara de Lobos, as castanhas da Quinta Grande, as festas da Ribeira Brava, a comarca da Ponta do Sol, o cultivo da bananeira na Madalena do Mar, as lapas nas praias de Ponta Delgada, a produção de milho em São Jorge, o gaiado no Caniçal, a cebola do Caniço, entre outros detalhes curiosos das diferentes localidades madeirenses. Relativamente à cidade, cria o poema A cidade do Funchal, que constitui um roteiro em verso da cidade do Funchal da época. Refere vários elementos e locais emblemáticos: o Pilar de Banger, o palácio da Fortaleza, a Sé, o Bazar do Povo, o teatro, o largo do Chafariz ou, até, a rede de eletricidade, elogiando simultaneamente a boa gestão camarária. Descreve também a paisagem que descobre, sobretudo no verão, na poesia “A Fruta do Verão”, na qual destaca as frutas que surgem nesta estação do ano. Vai contando histórias que divertem e fazem rir o público, como “O Boi”, uma sátira a um caso ocorrido na Calheta com um proprietário ilustre da localidade, que foi enganado com a venda de um boi, quando julgava ter comprado um touro; e “O meu galo preto”, uma narrativa em que conta as peripécias do referido galináceo. O “feiticeiro do Norte” tem o mérito de relatar, em verso, alguns acontecimentos de interesse para a história da Madeira ocorridos em finais do séc. XIX e inícios do século seguinte. São ilustrativos os textos: As Inundações de 1895, que relata os acontecimentos e as consequências da aluvião de 1895, verificado na Madeira nos dias 2 e 3 de outubro daquele ano; A Chegada de Suas Majestades, em 1901, em que descreve as festividades da cidade e manifestações de regozijo, tanto as de caráter oficial, como as populares, quando da visita do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia; e “A Peste do Lazareto”, no qual conta um período da vida na cidade, em novembro de 1905, relacionado com o surgimento de alguns casos de cólera, que deram origem a internamentos no Lazareto. Ali foram mantidas algumas pessoas em isolamento, mas entretanto surgiram boatos em torno da possibilidade de se tratar de uma falsa epidemia, o que deu azo a um motim popular. Foi um caso muito comentado na época e é também um dos seus poemas mais procurados. Em 1910, esteve no Brasil, chegando a editar folhetos naquele país. Na cidade de Santos, publicou alguns versos, intitulados Oferta de Manoel Gonçalves Natural da Ilha da Madeira aos Pobres da Santa Casa da Misericórdia desta Cidade. Estes foram criados com o intuito de serem vendidos, para que o produto da venda revertesse a favor da Misericórdia local. No outro poema, Pedro Alvares Cabral e Portugal e Brasil, editado naquele país, procura focar alguns períodos da história, mas enquadrando aspetos da realidade que conhece, sempre enaltecendo o trabalhador, reprovando o funcionalismo público e criticando as lutas políticas. Decorrido pouco tempo, regressou à Madeira, retomando o costume de percorrer os caminhos da Ilha e participar nos arraiais que se iam realizando. No Funchal, era também solicitado para cantar em casas particulares e no Hotel Monte Palace, onde era apreciado por um público mais restrito. A sua carreira artística não terá sido muito longa. Foi por volta de 1920, aos 62 anos, que deixou de cantar e, a partir de então, era visto junto de um moledo, ou sentado à porta da sua residência, no Arco de S. Jorge, a repetir em voz baixa os seus versos. Para homenagear o filho da terra, foi denominada do Feiticeiro do Norte uma Biblioteca e Centro Multimédia inaugurada a 17 de março de 2009, na freguesia do Arco de São Jorge, com o intuito de promover a literatura popular madeirense. O trovador, uma das personalidades mais representativas da cultura popular e tradicional daquela localidade ao norte da Ilha, inspirou também o nome de uma associação cultural, criada em 2013, designada de Teatro Feiticeiro do Norte. [caption id="attachment_8520" align="alignright" width="433"] Foto - BF[/caption] [caption id="attachment_8523" align="alignnone" width="200"] Foto: BF[/caption] A maior parte dos seus versos está impressa em folhetos avulsos. Em 1959, foi editada, em separata do semanário Voz da Madeira, com prefácio e notas de Alberto F. Gomes, a coletânea póstuma Versos de Manuel Gonçalves (Feiticeiro do Norte), que inclui “O Meu Galo Preto”; “A Cana-de-Açúcar”; “A Fruta do Verão”; “O São Martinho”; “O Santo António”; “Os Reis Magos”; “O Boi”; “Na Morte da Filha” e “A Peste do Lazareto”. Obras de Manuel Gonçalves: A Ressurreição do Feiticeiro do Norte (s.d.); O Lavrador (1901); A Chegada de Suas Majestades (1901); As Raparigas dos Bordados (1902); A Imigração da Madeira (1902); A Cidade do Funchal (1902); As Inundações de 1895 (1902); A Antiguidade de Meu Pae (1908); A Madeira (1908); A Vida do Feiticeiro do Norte (Manoel Gonçalves) Descrita Por Ele Mesmo (1908 e 1910); Oferta de Manoel Gonçalves Natural da Ilha da Madeira aos Pobres da Santa Casa da Misericórdia desta Cidade (1910); Pedro Alvares Cabral e Portugal e Brasil (1910); Versos de Manuel Gonçalves (Feiticeiro do Norte) (1959). Bibliog.: FLORENÇA, Teresa, “Estudo dá a Conhecer ‘Feiticeiro do Norte’”, Diário de Notícias, Funchal, 21 fev. 2009, p. 27; GOMES, Alberto F., “Prefácio”, in GONÇALVES, Manuel, Versos de Manuel Gonçalves (Feiticeiro do Norte), Funchal, separata de Voz da Madeira, 1959; HENRIQUES, Paula, “Teatro Feiticeiro do Norte entra na cultura madeirense”, Diário de Notícias, Funchal, 3 jul. 2013, p. 25; HUGO, Vítor, “Feiticeiro do Norte foi o sentir e a alma do povo”, Diário de Notícias, Funchal, 18 mar. 2009, p. 31; MARINO, Luís, Musa Insular (Poetas da Madeira), Funchal, Editorial Eco do Funchal, 1959; MENESES, Maria Bela de Sousa, Facto e Ficção em Versos de Manuel Gonçalves, o “Feiticeiro do Norte”, dissertação de Mestrado em Literatura Comparada apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, Texto policopiado, 1999; PORTO DA CRUZ, Visconde do, Notas e Comentários para a História Literária da Madeira, volume III, 3.º período: 1910-1952, Funchal, Câmara Municipal do Funchal, 1953; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, vol. II, 4.ª ed., Funchal, SREC, 1978. Sílvia Gomes (atualizado a 10.04.2016)

europa

Pelo facto de ter sido o primeiro espaço de ocupação atlântica com sucesso, pela sua posição estratégica e pelo valor comercial das suas produções, a Madeira despertou, desde muito cedo, o interesse dos europeus, que aparecem sob a forma de aventureiros, navegadores, mercadores, cientistas, doentes ou turistas. De entre estes últimos grupos, ficaram registados testemunhos e estudos sobre a botânica, a geologia e a biologia do arquipélago, assim como imagens e registos das vivências e do quotidianos dos madeirenses, assinados na sua maioria por ingleses. A estrutura socioeconómica do mundo insular articula-se, assim, de modo direto com as solicitações da economia europeia-atlântica. Como região periférica dos negócios europeus, as ilhas ajustam o seu desenvolvimento económico às necessidades do mercado europeu e às carências alimentares europeias. Depois, esta vinculação aperta-se, mercê da situação de mercado consumidor das manufaturas, acrescendo a tudo isto, por vezes, a função de intermediário nas ligações entre o Novo e o Velho Mundos. Note-se que, a partir de princípios do séc. XVI, o Mediterrâneo atlântico se define como centro de contacto e apoio aos comércios africano, índico e americano. Este sistema de trocas que se constrói na Ilha é definido por três grandes áreas europeias: Inglaterra e Irlanda: fazendas de lã, ferragens, trigo, farinhas, manteiga, carne de vaca e porco, e velas de sebo, estando muitos destes produtos em trânsito para a América espanhola; Europa do Norte (Noruega, Dinamarca, Suécia e portos franceses do Norte): farinha, manteiga, peixe de salmoura, material de construção naval, e aguardente francesa; e Portugal continental: sal, sabão, tabaco, géneros comestíveis, como gorduras (azeite, óleo), frutas algarvias, cereais (milho), produtos manufaturados diversos ligados à construção (tijolo, telhas), e vestuário. Partindo desta situação subalternizadora do mercado insular, é comum definir a economia das ilhas pelo caráter periférico da função estratégica onde se jogaram os interesses hegemónicos europeus além-Atlântico. A função de apoio à navegação resulta apenas do posicionamento geográfico. O elo europeu é mais forte que o americano ou o asiático, sendo responsável pelo seu desenvolvimento económico. A estrutura comercial esboça-se de modo complicado, definindo-se de forma heterogénea. Não existe uma linearidade na sua definição, mas sim uma variedade de áreas e circuitos comerciais, e a intervenção de agentes nacionais e estrangeiros. O comércio insular com a Europa definia-se por uma multiplicidade de produtos, agentes, rotas e mercados. Neste aspeto, a Península Ibérica apresentar-se-á como o principal mercado consumidor ou redistribuidor para as mais importantes praças europeias. Não obstante persistir uma tendência centralizadora nos portos de Lisboa e Sevilha, o certo é que a sua expressão real, nomeadamente no caso português, foi muito mais ampla, abrangendo os principais portos de comércio a sul (Lagos e Silves) e a norte do país (Caminha, Viana, Porto e Vila do Conde). Nos primeiros decénios, a presença de mercadores estrangeiros, empenhados no comércio dos produtos insulares portugueses, estava limitada à cidade de Lisboa, mercê das dificuldades impostas no início do séc. XV à intervenção direta nos mercados produtores. Mas isto não poderia manter-se por muito mais tempo, e cedo apareceram os primeiros estrangeiros avizinhados ou com licença para fazer comércio e fixar residência. Depois, abriram-se-lhes as portas, como forma de promover o comércio excedentário do açúcar. Mesmo assim, a troca esteve, por muito tempo, sujeita a inúmeros impedimentos da livre circulação dos agentes e da mercadoria. No início do povoamento da Madeira, o produto que de imediato cativou a atenção dos portugueses foi aquele que deu nome à Ilha, isto é, as madeiras. Estas eram de alta qualidade, tendo usos múltiplos dentro e fora da Ilha. Muitas foram exportadas para o reino e também para as praças africanas (Mogador e Safim) e os portos europeus (Ruão). Tal como nos elucidam os cronistas, estas madeiras revolucionaram o sistema de construção civil e naval no reino. A trama de relações com o velho continente não se resumia apenas aos portos reinóis, uma vez que as culturas locais cativaram o interesse dos mercados mediterrânicos e nórdicos: primeiro, a urzela e outras plantas tintureiras, como o sangue-de-drago e o pastel, e, depois, o açúcar e o vinho foram produtos que estiveram na mira dos mercadores estrangeiros. A par disso, o reino não dispunha de todos os artefactos solicitados pelas gentes insulares, cada vez mais exigentes quanto à sua qualidade. As riquezas acumuladas com este comércio apelavam para um luxo ostensório no ornamento da casa, desiderato que só poderia ser satisfeito nas praças de Ypres, Ruão e Londres. Nos sécs. XV e XVI o madeirense, ao contrário do açoriano, estava orientado para o tradicional mercado do Mediterrâneo, tendo como principal aposta o açúcar. Neste caso, surgem três áreas: as praças espanholas de Sevilha, Valência e Barcelona, as cidades italianas (Génova, Veneza e Livorno) e os portos do Mediterrâneo Oriental (Chios e Constantinopla). As primeiras foram imprescindíveis para este comércio, funcionando como praças de redistribuição para o mercado levantino. O comércio do açúcar surge no mercado madeirense como o principal animador das trocas, no decurso dos sécs. XV e XVI, com o mercado europeu. Durante mais de um século, o açúcar foi a riqueza das gentes e a contrapartida para o suprimento de bens alimentares e artefactos. O seu regime de comércio é assim definido por Vitorino Magalhães Godinho: “entre a liberdade fortemente restringida pela intervenção quer da coroa quer dos poderosos capitalistas, de um lado, e o monopólio” (VIEIRA, 1987, 129). Deste modo, o comércio do açúcar só se manteve em regime livre até 1469, altura em que a quebra do preço condicionou a ação do senhorio, que estipula o exclusivo aos mercadores de Lisboa. Esta política de controlo e monopólio do comércio não contou com o apoio dos madeirenses, que sempre manifestaram opinião contrária. Todavia, havia de persistir até 1508, altura em que foi revogada toda a legislação comercial, restritiva da livre intervenção de madeirenses e estrangeiros. Em 1498, no sentido de controlar esse comércio, estabeleceu-se como limite de exportação as 120.000 arrobas, divididas pelos principais mercados do Mediterrâneo e Norte da Europa. Este estabelecimento das escapulas (valores determinados de saída de açúcar) deveria definir com precisão o mercado consumidor do açúcar madeirense, que se circunscrevia a três áreas distintas: o reino, a Europa nórdica e a Europa mediterrânica. As praças do Norte dominavam esse movimento, recebendo mais de metade do açúcar. Aí evidenciam-se as praças da Flandres, enquanto no Mediterrâneo a posição cimeira é atribuída a Veneza, conjuntamente com as praças levantinas de Chios e Constantinopla. A partir de meados do séc. XV, a Madeira atraiu uma vaga de forasteiros, mercê da prioridade da ocupação e da exploração do açúcar, que só não foi maior dadas as dificuldades colocadas pelos madeirenses à sua residência na Ilha. Mesmo assim, a Coroa continuava a facultar a entrada e a fixação de italianos, flamengos, franceses e bretões por meio de privilégios especiais, como forma de assegurar um mercado europeu para o açúcar. A elevada demanda do pastel e do açúcar nos mercados europeu, do Mediterrâneo e do Norte da Europa conduz a esta aposta. As ilhas desempenharam um papel fundamental não só enquanto terras acolhedoras e geradoras de riqueza para os primeiros colonos, mas também como bases de apoio ao processo de expansão europeia-atlântica em curso, à navegação e ao suprimento das carências alimentares, e à disponibilização de produtos para troca vantajosa com os africanos. Primeiro madeirense e depois açoriano, o cereal desempenha aqui um papel fundamental. O provimento das praças africanas, mas, acima de tudo, o comércio com a Guiné, entra na rede de relações comerciais que fazem chegar à Europa o ouro e os escravos. Papel idêntico assumiram o sal de Cabo Verde e os cavalos marroquinos. A conquista de novos mercados para o domínio da rota transaariana obriga necessariamente à criação desta lógica de interdependência, que não pode, de modo algum, ser ignorada. Aqui, o papel das ilhas é fundamental. Por volta de 1530, Giulio Landi traça-nos o retrato do burgo funchalense: “Aqui chegam frequentemente mercadores de países muito distantes: de Itália, França, Flandres, Inglaterra e da Península Ibérica, que para lá levam aquelas coisas que fabricam panos da ilha e dela transportam aquelas de que a ilha é produtora, tais como açúcar e vinho, por lá haver em grande abundância” (ARAGÃO, 1981, 83). O mesmo autor refere que a Madeira se abastecia de cereais nas ilhas vizinhas e que o vinho era vendido “a mercadores que o levam à Península Ibérica e para outros países setentrionais” (Id., Ibid., 86). O momento de esplendor de finais do século, conforme descrições de Frutuoso e Torriani, resulta certamente do comércio do vinho, que, desde a déc. de 70, vinha conquistando mercados na Europa e na América. O primeiro exalta a opulência madeirense: “A ilha da Madeira [...] tão afamada e guerreira com seus ilustres e cavaleiros capitães, e tão magnânimos, e com generosos e grandiosos moradores; rica com seus frutos; celebrada com seu comércio que Deus põe no mar oceano ocidental por escala, refúgio, colheita e remédio dos navegantes que de Portugal e de outros reinos vão, e de outros portos e navegações vêm para que diversas partes, além dos que de força ela somente navegam, levando-lhe mercadorias estrangeiras e muito dinheiro para se aproveitar do retorno que dela lutam para suas terras, [...] com seu licor e doçura, como um néctar e ambrósio provê as Índias ambas, a Oriental aromática e a Ocidental dourada, chegando e adoçando seus frutos de extremo a extremo quase o mundo todo” (FRUTUOSO, 1968, 99-100). O segundo salienta a intensa atividade comercial do porto funchalense com a África e a Europa: “El comercio es muy importante, y se hace navios que vienen a esta ciudad de Funchal de todas las partes del África Cristiana, de Italia, España, França, Alemaña y Escocia, de modo que se ha apodado de ‘pequeña Lisboa’” [O comércio é muito importante e faz-se com navios que chegam a esta cidade do Funchal provenientes de todas as zonas da África cristã, de Itália, Espanha, França, Alemanha e Escócia, de tal maneira que se lhe chamou ‘pequena Lisboa’”] (TORRIANI, 1978, 266). Lisboa inseria-se de modo evidente na economia europeia atlântica, participando do trato com o Velho e o Novo Mundos e servindo de entreposto de comércio para as suas riquezas e das áreas vizinhas. A oferta madeirense baseava-se, essencialmente, na produção agrícola. Vimos em muitos autores a afirmação desta apetência da Ilha para satisfazer as expectativas dos primeiros povoadores. Assim o enuncia Gaspar Frutuoso: “[…] a terra foi mostrando seus frutos e dando a fama deles no Reino, e enobrecendo-se com moradores ricos” (FRUTUOSO, 1968, 96). Esta riqueza foi o motor do sucesso do povoamento da Ilha, tal como nos elucida o mesmo autor: “[…] crescendo e multiplicando seus frutos, assim iam crescendo as povoações e moradores com a fama de sua fertilidade” (Id., Ibid., 97). Primeiro, ergueram-se os socalcos (poios), depois adaptaram-se as técnicas e as alfaias agrícolas aos condicionalismos do novo espaço cultivado. Rapidamente o cereal cedeu lugar aos canaviais, que, em pouco tempo, dominaram todo o espaço agrícola. A indústria que se promoveu na retaguarda para o fabrico do açúcar exigiu muito do quadro natural, lançando a Ilha para um processo de desflorestação de consequências imprevisíveis. Esta situação arrastou o solo agrícola da Madeira para a quase total exaustão. Em 1689, John Ovington testemunha, de forma lapidar, a realidade: “A fertilidade da ilha decaiu muito relativamente ao período das primeiras culturas. A cultura sem descanso dos terrenos tornou os fracos espaços em muitos lugares e de tal modo que os abandonam periodicamente, tendo de ficar de poisio três ou quatro anos. Depois desse tempo, se não crescer nenhuma giesta como sinal de fertilidade futura, abandonam-nos, com estéreis. A atual aridez de muitas das suas terras, atribuem-na simploriamente ao aumento dos seus pecados” (ARAGÃO, 1981, 201). A política de isenção da dízima no movimento de exportações e importações entre o arquipélago e o continente português, para além de favorecer as ligações aos portos do reino e o consumo dos produtos nacionais, contribuiu para estabelecer vínculos de dependência com a metrópole em termos do comércio externo da Ilha, situação que se tornará desfavorável em muitos casos. Por outro lado, fará com que uma importante e significativa receita local, nomeadamente da exportação do açúcar, fique nas alfândegas de Lisboa, Porto e Viana do Castelo, por onde se exportava muito deste para os principais mercados europeus. No séc. XV, havia em Lisboa a ideia de entregar o comércio do açúcar da Ilha, sob a forma de contrato, a sociedade comerciais residentes em Lisboa, tendo os madeirenses recusado esta forma de monopólio. Todavia, não puderam impedir os contratos que a Coroa estabeleceu para a administração da mercadoria resultante dos direitos que onerava, por exemplo o açúcar, cujo circuito seguia muitas vezes por Lisboa, retirando à Ilha a possibilidade de cobrar a dízima da exportação do vinho, do açúcar, dos cereais, da urzela e do pastel. Tudo isto porque os circuitos da navegação oceânica se estabelecem por redes internacionais que fogem à lógica local, acabando muitas vezes por dar origem a esta situação. Acresce que uma análise de alguns valores da economia local relacionados com a produção de vinho e açúcar evidencia disparidades nas receitas tributárias cobradas na Ilha à saída da alfândega, por força desta circunstância. Na época senhorial, o donatário considerava-se o proprietário do espaço da Ilha e, portanto, tudo o que recebia dos povoadores que haviam aceitado dadas de terras era um tributo que resultava de um direito de posse, que os povoadores retribuíam com estes encargos; daí a ideia de direitos e não tributos senhoriais. A ideia de “horta do senhor infante” (ANTT, Corpo Cronológico, pt. I, mç. 27, n.º 52), como é referido num documento do capitão do Funchal, no séc. XVI, implica, precisamente, esta subordinação do espaço da Ilha aos interesses do seu proprietário. O próprio infante não hesita, em 1460, em afirmar esta forma privada de posse, ao declarar que “comecei a povoar a minha ilha da Madeira haverá ora XXXV anos [...]” (MARQUES, I, 1944, 549). A Madeira foi, na verdade, uma terra que se transformou num espaço de fruição, por força da humanização portuguesa, funcionando como um dos principais suportes económicos da casa senhorial, bem como de expansão no espaço atlântico. Poucos assentaram aqui morada e passaram a usufruir dos produtos e das condições oferecidas pelo novo espaço, mas muitos foram os beneficiários de fora para esta riqueza. As ilhas são, assim, espaços de apropriação da riqueza para fruição no reino, sendo para este uma solução mais eficaz e rentável, tal como expressa o cronista João de Barros, quando se refere à costa da Guiné: “[...] eu não sei neste Reino jugada, portagem dízima, sisa ou algum outro direito real e mais certo em que regularmente cada ano assim responda sem rendeiros alegarem esterilidade ou perda, do que é o rendimento do comércio de Guiné. E tal que se o soubermos agricultar e granjear com pouca semente nos responderá com mais novidade que os reguengos do Reino e lezírias do campo de Santarém” (BARROS, 1932, 119). Se compararmos as escapulas com o açúcar consignado às diversas praças europeias no período de 1490 a 1550, verificamos que o mercado daqui emergente não estava muito aquém da realidade. As únicas diferenças relevantes surgem com a Turquia, a França e a Itália, sendo de salientar na última um reforço da posição. Todavia, esta diferença (quase 22 %) poderá resultar da atuação das cidades italianas como centros de redistribuição no mercado mediterrânico. Os dados disponíveis para o comércio do açúcar na Madeira, neste período, evidenciam a constância dos mercados flamengo e italiano. O reino, circunscrito aos portos de Lisboa e de Viana do Castelo, surge em terceiro lugar, apenas com 10 %. No período de 1581 a 1587, Viana é mesmo o único porto do reino mencionado nas exportações de açúcar, mantendo uma posição inferior a 1490-1550. Nas transações com o mundo mediterrânico, existiam igualmente alguns entrepostos, como são os casos de Cádis e Barcelona. No período de 1493 a 1537, estas cidades surgem com os portos de apoio ao comércio com Génova, Constantinopla, Chios e Águas Mortas. A partir do séc. XVII, a criação de consulados de países europeus no Funchal – primeiro, o consulado dos flamengos (1608), depois o de França (1626) e o de Espanha (1667) – revela a necessidade de institucionalizar estas relações europeias da Ilha. O consulado inglês, comummente referenciado como tendo aparecido em 1656, parece ser anterior, pois, a 2 de março de 1647, há referência a Jorge Pasmer como “mercador inglês e nesta Ilha cônsul da dita nação” (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 980, fl. 157). No séc. XVIII, temos os de Malta (1748), Génova (1749), Nápoles (1766), Toscana (1768), República de Veneza (1796), Estados Unidos da América (EUA) (1791) e Suécia (1796) e, no seguinte, os da Dinamarca (1804), Rússia (1812), Sardenha (1826), Áustria (1855), Havai (1855), Uruguai (1888), Argentina (1888) e os vice-consulados do Brasil (1827) e das duas Sicílias (1828). A conjuntura política decorrente das ambições imperiais de Napoleão Bonaparte repercutiu-se, de forma evidente, no espaço atlântico, provocando uma alteração no movimento comercial. O mútuo bloqueio continental entre a França e a Inglaterra lançou as bases para uma nova era na economia atlântica. Os tradicionais circuitos comerciais que se iniciavam e finalizavam nos portos europeus pararam. O bloqueio não foi assumido e fiscalizado na totalidade, significando, apenas, a alteração de algumas rotas comerciais. A Madeira perdeu os portos do reino e do norte da Europa, mas, em contrapartida, ganhou nos contactos com os Açores e com as colónias inglesas do Índico. A Europa era o principal mercado do vinho, sendo os britânicos os seus mais destacados apreciadores. Shakespeare insiste na presença do Madeira nas tabernas e à mesa da aristocracia. A referência mais antiga à exportação europeia é para Rouen e Orleans, em 1532. Contudo, segundo Paulo Perestrelo da Câmara, já em 1478 o vinho Madeira era conhecido em Inglaterra e terá sido a corte de Francisco I, rei de França (1495-1547), a receber os primeiros vinhos. Rebelo da Silva diz que, a partir da segunda metade do séc. XVI, o vinho Madeira era apreciado no mercado europeu. Lopes, nas suas memórias de viagens (1588), publicadas no Purchas Pilgrinages, refere que o vinho assumia em finais do séc. XVI um peso significativo nas exportações. Para Álvaro Rodrigues de Azevedo, o surgimento dos estabelecimentos consulares da Bélgica (1608), de França (1626), de Inglaterra (1658), da Holanda (1667) e de Espanha (1668) não só mostra com que nações comerciava a Madeira os seus vinhos, mas indica também a gradação do desenvolvimento deste comércio: Flandres, França, Inglaterra, Holanda, Espanha. Só mais tarde o vinho Madeira foi diretamente levado para a Alemanha, a Rússia e, por último, para os Estados Unidos da América, sendo as relações comerciais da Madeira com a metrópole talvez as menos importantes. A primeira metade do séc. XIX foi marcada por mudanças no mercado consumidor, representando o período de rutura do Velho com o Novo Mundo. O mercado colonial cedeu lugar ao europeu. As colónias, agora em processo rápido de quebra dos vínculos europeus, afastavam-se dos circuitos de distribuição do vinho Madeira. A Ilha acompanhou o processo indo ao encontro dos apreciadores, de regresso ao velho continente. Os portos da Índia, das Antilhas dos Estados Unidos da América deram lugar aos europeus, como Londres, Hamburgo, São Petersburgo e Amesterdão, como testemunha Álvaro Rodrigues de Azevedo em 1873, ao afirmar que estes vinhos, entre 1830 e 1840, foram ganhando importância nos mercados das cidades hanseáticas, da Rússia e da Holanda, noutros portos da Europa e nos Estados Unidos. Os dados de exportação confirmam a viragem do mercado a partir de 1831. Londres surge, entre 1831 e 1834, com um número significativo de pipas importadas. Idêntica foi a situação de São Petersburgo em 1832, e entre 1833 e 1839 esta cidade suplantou o mercado londrino. O mercado de Hamburgo apresenta-se igualmente com valor significativo. O facto mais saliente resulta da quebra momentânea das exportações para o mercado colonial das Índias Orientais e da América do Norte. Na déc. de 60 do séc. XX, o bordado da Madeira chegava a novos e tradicionais mercados, como os Estados Unidos, a Suíça, a Suécia, a Dinamarca, a Alemanha, a França, Inglaterra, Espanha, a Austrália e a África do Sul. Bibliog.: manuscrita: ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, liv. 980, fl. 157; Corpo Cronológico, pt. i, mç. 27, n.º 52; impressa: ARAGÃO, António, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, DRAC, 1981; BARROS, João de, Ásia: dos Feitos que os Portugueses Fizeram no Descobrimento e Conquista dos Mares e Terras do Oriente – Primeira Década, vol. i, Coimbra, Impr. da Universidade de Coimbra, 1932; CÂMARA, Benedita, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2002; FRUTUOSO, Gaspar, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1968; GOMES, José Luís de Brito, “A Madeira e a Rússia”, Atlântico, n.º 4, 1985, pp. 298-305; KELLENBENZ, Hermann, “Relações Comerciais da Madeira e dos Açores com Alemanha e Escandinávia”, in CEHA (org.), Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1990, pp. 99-113; MARQUES, João Martins da Silva, Os Descobrimentos Portugueses, vol. i, Lisboa, Instituto para a Alta Cultura, 1944; PEREIRA, Fernando Jasmins, Estudos sobre a História da Madeira, Funchal, CEHA, 1991; RIBEIRO, J. Adriano, “O Tratado de Utrecht e a sua Projecção Económica”, Atlântico, n.º 20, 1989, pp. 289-294; SOUSA, João José Abreu de, O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727 a 1810: Alguns Aspectos, Funchal, DRAC, 1989; TELO, António José, “A Europa e as Ilhas – Uma Dinâmica Milenar”, in As Ilhas e a Europa, a Europa das Ilhas, Funchal, CEHA, 2011, pp. 10-33; TORRIANI, Leonardo, Descripción e Historia del Reino de las Islas Canárias antes Afortunadas, con el Parecer de sus Fortificaciones, Santa Cruz de Tenerife, Goya Ed., 1978; VIEIRA, Alberto, O Comércio Inter-Insular nos Séculos XV e XVI, Madeira, Açores e Canárias, Funchal, CEHA, 1987; Id., “A Propósito das Ilhas Atlânticas e da Europa: um Percurso Histórico a partir da Madeira”, in As Ilhas e a Europa, a Europa das Ilhas, Funchal, CEHA, 2011, pp. 34-70. Alberto Vieira (atualizado a 19.08.2016)

estimos

Como forma de controlar e de prever a receita, o Senhorio determinou o estimo da produção de açúcar dos diversos proprietários de canaviais. O estimo era feito duas vezes no ano: primeiro, em finais de março e, depois, a partir de 15 de maio, antecedendo a colheita. Para isso, a vereação estabelecia um rol dos estimadores, aqueles que deveriam fazer a estimativa da produção de todos os canaviais, do qual eram tirados três. Palavras-chave: Açúcar; Estimos. Entende-se por estimo a estimativa antecipada da produção dos canaviais, que é feita aquando do crescimento dos mesmos; era uma forma de controlar e de prever a receita. Era o senhorio da Ilha que determinava o estimo da produção de açúcar dos diversos proprietários de canaviais. O estimo era feito duas vezes no ano: primeiro, em finais de março e, depois, a partir de 15 de maio, antecedendo a colheita. Para isso, a vereação estabelecia um rol dos estimadores – aqueles que deveriam fazer a estimativa da produção de todos os canaviais –, do qual eram tirados três para exercer a função. Para o efeito, existia uma comissão encarregada dos estimos, composta pelo almoxarife e o seu escrivão, dois homens-bons, eleitos pela vereação, e um terceiro que teria o selo e interviria no caso de ser necessário um voto de desempate. De acordo com um documento de 1467, os estimadores eram eleitos trienalmente pelo povo e pelos vereadores, a partir do rol proposto pela vereação. No ato da eleição, estabelecia-se uma lista de seis, de onde o duque escolhia dois, que seriam os estimadores. A Coroa depositava uma especial atenção na sua atividade. Assim, em 1493, Nuno Gonçalves e João de Canha são feitos estimadores porque “são homens que são tais nos estimos e têm tal bondade e consciência eu creio que mui inteiramente o fazer [...]” (MELO, 1973, 289). Em 1506, a João Saraiva, sendo oficial novo, provido estimador, recomenda-se que ande três anos a aprender. O estimo era feito, pelo escrivão do almoxarife, num livro, onde deveria ficar indicado cada canavial com a indicação do proprietário e as confrontações, sendo necessário indicar o dia e os oficiais que tinham estado presentes. Determinava-se também que toda a cana, mesmo a que ficaria para plantar, entrava no estimo, para evitar qualquer conluio. Apenas no momento da colheita o lavrador dava conta da mesma e dos sítios onde plantara, sendo nessa altura descontado o quarto do valor da produção. Qualquer anormalidade que provasse danos aos canaviais deveria ser comunicada, pelo lavrador, fazendo-se assentar num rol, que ficaria em posse do almoxarife, que apresentaria um traslado aos rendeiros. O mesmo direito poderia ser cobrado sobre as canas, quando os agricultores as vendessem a outros. O almoxarife deveria acompanhar os estimadores e a estima deveria ser feita através de uma vistoria exaustiva ao interior dos canaviais. Com esta medida, pretendia-se facilitar o processo de controlo da cobrança, bem como todo o processo de adjudicação do arrendamento. Desta forma, o estimo dos canaviais era feito apenas sobre aqueles que estavam sujeitos ao imposto, não sendo referenciados os pertencentes a entidades eclesiásticas, mosteiros, igrejas, capelas ou clérigos, que estavam isentos. Daí, por vezes, a disparidade notada entre os valores do estimo e o global total da produção ou exportação. De acordo com ordem do senhorio de 1466, deveriam existir dois livros, ficando um em poder dos homens bons, eleitos pela vereação para fazer os estimos, e outro em poder do escrivão do almoxarifado. Em 1485, informou-se que o açúcar seria lançado no livro, dando o escrivão disso uma certidão ao lavrador. Os três homens bons, que eram eleitos trienalmente em vereação, percorriam os canaviais da Ilha conjuntamente com o escrivão da Alfândega, fazendo o estimo num livro próprio. A partir de 1477, a função de escrivão passa a estar a cargo de um dos estimadores. A partir de 1485, D. Manuel acabou com os estimos e estabeleceu uma nova operação de vistoria dos açúcares para apurar da sua qualidade: os alealdamentos. Com isto, pretendia confrontar o quantitativo produzido com o estimo e verificar a qualidade do produto final. Os alealdadores eram eleitos anualmente pelo Senado da Câmara. Em 1498, D. Manuel estabeleceu uma diferente forma de avaliação do açúcar dos quartos, que seria determinada a partir da quota atribuída a cada produtor. No caso de se verificar qualquer situação anormal que pudesse pôr em causa a produção, o lavrador poderia solicitar ao almoxarife uma avaliação da produção que, depois, seria conferida no ato da lavra do açúcar, no engenho. Mas porque esta medida foi considerada gravosa, determinou-se que, no ano subsequente, se retornasse ao sistema dos estimos. O único livro conhecido é de 1497 (publicado por Virgínia Rau em 1962). Este sistema, porém, gerou inúmeras críticas dos produtores. Desta forma, em 1505, o Rei determina um maior cuidado neste processo, apela ao estabelecimento de um sistema de estimativa dos canaviais e do açúcar mais adequado e menos incerto, e estabelece que os canaviais dos estimadores sejam avaliados pelos antecessores no cargo. Determina-se, então, que a arrecadação dos quartos se faça nas pilheiras dos engenhos, deixando em aberto outra solução aprovada pelas partes. Ainda em 1507, continuou a fazer-se estudos sobre a melhor forma de lançar e arrecadar o referido direito. De acordo com o regimento dos quintos de 8 de setembro de 1508, deixaram de existir os estimos. Deste modo, o controlo do açúcar passa a ser feito nas casas da Alfândega, que foram criadas na Calheta, na Ponta de Sol, na Ribeira Brava, em Santa Cruz e no Machico. Todos os oficiais envolvidos no processo deveriam prestar juramento com o contador, sendo o açúcar conferido pelo lealdador e recebedor após a purga. Como corolário desse processo, sobreveio uma nova estrutura fiscal com a criação da Provedoria da Fazenda (1508) e um novo imposto com vigência prevista a partir de 1516. No início do séc. XVI, a Coroa volta a intervir, de forma clara, na regulamentação dos estimos e da ação dos estimadores. É o momento mais fulgurante da produção açucareira e o Rei não queria perder nada da sua quota-parte daquela. Esta insistência nas diversas formas de estimação e de controlo da produção também poderá ser um indício de fuga aos elevados tributos que incidiam sobre o açúcar. Bibliog.: COSTA, José Pereira da, Livros de Contas da Ilha da Madeira, Funchal, CEHA, 1989; PEREIRA, Fernando Jasmins, O açúcar Madeirense de 1500 a 1537. Produção e preços, Lisboa, Instituto Superior de Ciências sociais e Politica Ultramarina, 1969; I.d., Estudos Sobre História da Madeira, Funchal, CEHA, 1991; I.d. e COSTA, José Pereira da, Livros de Contas da Ilha da Madeira, 1504-1537, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985; MELO, Luís Francisco de Sousa e, Tombo 1.º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal, 1.ª parte, Funchal, Arquivo Histórico da Madeira, 1973; RAU, Virgínia e MACEDO, Jorge, O Açúcar na Madeira no Século XV, Funchal, s.n., 1962; RODRIGUES, Maria do Carmo Jasmins Pereira, O Açúcar na Ilha da Madeira. Século XVI, Dissertação de licenciatura apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa, texto policopiado, 1964; VERÍSSIMO, Nelson, “A Extinção dos Ofícios de Quintadores do Açúcar e Seus Escrivães – Uma Petição dos Moradores e Beneficiados de Câmara de Lobos”, Girão, n.º 8, 1992, pp. 379-382; VIEIRA, Alberto, O Comércio Inter-Insular nos Séculos XV e XVI, Funchal, CEHA, 1987; Id., “Consequências do Povoamento e o Ciclo do Açúcar na Madeira nos Séculos XV e XVI”, in ALBUQUERQUE, Luís de (dir.), Portugal no Mundo, vol. I, Lisboa, Alfa, 1989, pp. 162-175; Id., “O Açúcar na Madeira. Produção e Comércio nos Séculos XV a XVII”, in Producción y Comercio del Azúcar de Caña en Época Reindustrial. Actas del Tercer Seminario Internacional, Motril, s.n., 1993, pp. 29-70; Id., “O Açúcar na Madeira. Séculos XVII e XVIII”, in Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, CEHA, 1993, pp. 325-344; Id. e CLODE, Francisco, A Rota do Açúcar na Madeira, Funchal, CEHA, 1996; Id., O açúcar, Funchal, Edicarte, 1998; Id., Canaviais, Açúcar e Aguardente na Madeira: Séculos XV a XX, Funchal, CEHA, 2004; Id., “Administração e Direitos Fiscais no Sector Açucareiro. Madeira. Séculos XV a XX”, in História do Açúcar – Fiscalidade, Metrologia, Vida Material e Património, Funchal, CEHA, 2006, pp. 47-76. Alberto Vieira (atualizado a 20.05.2016)

dramaturgos

A literatura dramática é entendida como aquela que implica uma comunicação direta das personagens entre si e destas com os recetores do texto. Para que essa função se cumpra, o texto dramático tenta representar as ações e reações humanas, privilegiando a dinâmica do conflito e possibilitando alguma forma de interação entre o texto e o seu público. Este serve, com frequência, o teatro, que tem como objetivo específico a representação e o espetáculo. Além disso, a literatura dramática, porque apoiada na realidade, acaba por retratar os quotidianos e, dessa forma, guardar, no reservatório da memória, a identidade do povo e o modo como sente a vida e o mundo. Desde a Antiguidade que o teatro é detentor de uma importância fundamental na construção do homem, explicada pela função pedagógica que os textos podem cumprir: experimentando emoções, o homem é levado a refletir sobre as suas paixões e, dessa forma, a alterar os seus comportamentos. Em Portugal, é a História que fornece, em grande parte, a matéria da literatura dramática. O teatro acaba por ser considerado um retrato do homem no tempo, evocando, no palco, os momentos fulcrais da História e mantendo, deste modo, na opinião de Luís Francisco Rebello, o esquema formal da tragédia antiga. O mesmo autor considera que as origens do teatro moderno aparecem, em Portugal também, já entre as brumas da Idade Média, confundidas com os ritos cristãos, apesar de não se esgotarem neles. Refere-se, por exemplo, aos jograis, na linha da tradição dos antigos mimos e histriões, ou aos autos apresentados durante as cerimónias do casamento da Infanta D. Leonor com Frederico III, Imperador da Alemanha, em 1451, evocados por um dos poetas do Cancioneiro Geral, Duarte de Brito, um autor da Ilha. Na Madeira, há notícia de que, nas Igrejas e nos locutórios dos conventos se representavam autos e poemas de caráter religioso. Em finais do séc. XV, nasce, na Madeira, aquele que pode ser considerado o primeiro autor dramático na senda de Gil Vicente, Baltazar Dias, o poeta cego. Escreveu lendas de santos, feitos de heróis portugueses, casos de amores desventurados, exílios, visões de peregrinos. De acordo com alguns estudiosos, nomeadamente o Visconde do Porto da Cruz, os temas dos seus autos religiosos teriam sido sugeridos por elementos do clero, para comemorar datas litúrgicas. A sua obra está ainda imbuída dos valores medievais: o espírito da fé, do heroísmo e da renúncia. Por ela, passa ainda a ideia de criticar comportamentos e vícios, para que, uma vez conhecidos, possam ser alterados. Note-se, por exemplo, uma crítica muito marcada à luxúria, aos costumes, à administração da justiça, à violência, ao despotismo. Escreveu: Auto de Santo Aleixo, Auto de El-Rei Salomão, Auto da Paixão de Cristo, Auto da Feira da Ladra, Auto de Santa Catarina, Virgem Mártir, Auto do Nascimento de Cristo, Conselhos para Bem Casar e Tragédia do Marquez de Mantua. O Funchal havia sido elevado à categoria de cidade, em 1508, e tudo acontecia, na azáfama de construções, de novidades que vinham do lado de lá do mar, no movimento do porto, por entre trocas comerciais e gente que se encontrava, a pretexto do comércio e das trocas que, ali, na babugem do mar, se operavam. Neste ambiente novo, a poesia dramática é muito bem aceite. Talvez por esse motivo, Baltazar Dias foi tão admirado, quer pelo povo, quer pela nobreza, até porque as suas obras são herdeiras do humor de Gil Vicente e isso agradava a todos, não obstante alguns dos seus textos só terem sido publicadas no séc. XVII: Auto da Malícia das Mulheres, História da Imperatriz Porcina, Mulher do Imperador Lodonio de Roma e Trovas sobre a Morte de D. João de Castro. Cidade do açúcar e do vinho, o Funchal altera-se. Os ingleses influenciam os ambientes luxuosos que acolhem as manifestações artísticas e a literatura. Sente-se, então, na ilha, a influência continental do academismo e do arcadismo. Considerado como um dos poetas mais representativos do período barroco português, Francisco de Vasconcelos (1655-1723), madeirense, escreveu uma pequena peça, Residência do Governador e Capitão General da Ilha da Madeira, que prima pela simplicidade do argumento e que pretende demonstrar que o verdadeiro governador é aquele que é humilde, justo, correto e verdadeiro. Este texto foi publicado e representado, em 1718, pelas freiras de Santa Clara, no momento da despedida de João Saldanha da Gama, que foi Governador da Ilha da Madeira entre 1715 e 1718. Trata-se de um texto de temática local que testemunha a sociedade madeirense da época, uma sociedade marcada pela fé e pela justiça, num mundo barroco, cheio de contrastes e de imprecisões. Para este autor, o teatro assume uma função muito importante na construção da sociedade, quer como diversão, quer como espaço de reflexão, assumindo a sua função de espetáculo, enquanto música, canto, dança, mas também a sua função pedagógica. O teatro apresenta-se como um meio privilegiado para a transmissão de princípios que deveriam nortear o comportamento dos homens, face a um mundo cheio de contradições e de excessos, evidenciando o sentido da justiça e da razão. Numa listagem de nomes que Cabral do Nascimento apresenta como pedreiros livres, Manuel Caetano Pimenta de Aguiar (1765-1832) aparece como “dramaturgo”. Na verdade, o autor é considerado por alguns como o verdadeiro percursor de Almeida Garrett. Seguindo a orientação dos trágicos franceses, escreveu algumas tragédias que, à época, tiveram algum sucesso. Em 1816, publicou Virgínia, seguindo-se, até 1820, data da sua última peça, as seguintes obras: Os Dois Irmãos Inimigos, D. João I, Arria, Destruição de Jerusalém, D. Sebastião em Africa, Conquista do Peru, Eudoxia Liciana, Morte de Socrates e Carácter dos Lusitanos. Tal como é próprio da tragédia, escreveu as suas composições em verso, imitando, desta forma, os trágicos gregos e franceses. Há ainda que referir Francisco Manuel de Oliveira (1741-1819), poeta, tradutor e professor que nos deixou alguns dramas líricos, com destaque para aquele que escreveu para a reabertura do Teatro Público da Cidade do Funchal. No séc. XIX, os autores dimensionavam o texto dramático e a sua representação como uma forma de espelhar o quotidiano, aproximando o espectador da cena, na medida em que este se revia naquilo que se passava no palco. Apesar de envolvida numa certa atmosfera romântica, a escola francesa exerce grande influência nos autores dramáticos portugueses: a realidade toma conta do palco e o dramaturgo reflete acerca dela, dos problemas políticos, sociais e culturais. Neste século, na Madeira, é também no texto dramático que se escreve a própria vida, que autores como João Nóbrega Soares, João de Andrade Corvo e Álvaro de Azevedo trazem para cena. Além disso, o teatro é uma das formas mais eficazes de comunicação e os dramaturgos recorrem a alusões históricas e à metáfora para exprimir os seus sentimentos liberais, mesmo que muitas das peças escritas no princípio do século, apesar de impressas, não tivessem acesso aos palcos. Será a Revolução de setembro de 1836 e a restauração da Carta Constitucional que farão a restauração do teatro português (e em português). No terceiro quartel daquela centúria, a literatura dramática muda de direção: a par do romance da atualidade, surge o drama da atualidade, que se caracteriza pela reprodução dos costumes contemporâneos da vida e da sociedade da época. A literatura dramática apresenta-se, deste modo, como uma forma de intervenção sobre o espectador, sobre a sociedade e sobre o mundo. Na Madeira, o teatro passou pelas mesmas fases por que passou o teatro nacional. Há casas de espetáculo referenciadas no Funchal antes do séc. XIX, o que demonstra a importância desta atividade. É, porém, neste século de novecentos que a literatura dramática ganha um maior protagonismo, ou que, pelo menos, é mais conhecida. Influenciado pela escrita de Almeida Garrett – que é considerado um precursor do drama romântico, abrindo caminho para o teatro da atualidade –, surge, na Madeira, João Nóbrega Soares (1831-1890), com um texto de sucesso, A Virtude Premiada. Este autor, que tocou, ao longo da sua vida, vários géneros literários, entendia que a literatura dramática tinha de ser um espaço de reflexão e transformação social da ilha. Álvaro de Azevedo (1824-1898) é um outro autor desta centúria que, apesar de não ter nascido na ilha – sendo natural de Vila Franca de Xira –, a ela dedicou o seu tempo e o seu trabalho. Escreveu o drama A Família do Demerarista (1959), no qual demonstrou a sua sensibilidade aos problemas madeirenses desse tempo, nomeadamente ao tema da emigração e a todos os dramas daí provenientes. Outros autores madeirenses fizeram da literatura dramática madeirense uma página importante da dramaturgia nacional, por entre o séc. XIX e o séc. XX. Luís da Costa Pereira (1818-1893) dedicou-se às coisas do teatro, tendo traduzido e adaptado à cena portuguesa algumas peças de teatro estrangeiro. Foi ator, autor, ensaiador, diretor técnico, professor de declamação e da arte de representar. Está referenciado no capítulo XXXIII do livro de Ferdinand Denis, Resumé de l’Histoire Littéraire du Portugal. Manuel Luís Viana de Freitas (1820-1861) era considerado uma autoridade em assuntos teatrais. Escreveu a peça D. Luis d’Atayde. Carolina Dias de Almeida (?-1895), atriz e autora, publicou a peça Henriette, Cena Cómica (Funchal, 1887). Matilde Sauvayre da Câmara (1871-1951), detentora de uma cultura humanística fora do vulgar para a sua época, levou à cena algumas operetas da sua autoria, no Teatro D. Maria Pia, e, aquando da visita do rei D. Carlos I e da rainha D. Amélia, em 1901, organizou uma festa de gala, apresentando duas peças da sua autoria – Morte à Força e Arraial Madeirense. De Major João dos Reis Gomes (1869-1970), destaque para a sua obra dramática Guiomar Teixeira, uma peça histórica em que, no fundo da tela presente no palco, se desenrola, pela primeira vez, uma cena do cinema. É ainda considerado por alguns autores o primeiro crítico de teatro do país. Eugénia Rego Pereira (1875-1947), professora de coreografia e escritora teatral, escreveu algumas peças levadas a cena no Teatro Municipal: Gente do Mar, Sol e Gelo, De Norte a Sul, Asas Misteriosas, Feitiço Quebrado, Espuma de Champanhe, Ana Maria (com Teodoro Silva) e No Hotel do Descanso. João Maximiliano d’Abreu Noronha (1875-?) escreveu dois dramas alusivos à guerra de 1914-1918: Coração de Criança e Alma de Portugal. Alberto Artur Sarmento (1878-1953), oficial do exército, professor e naturalista, escreveu, entre muitas obras, a letra da opereta regional, Primeiros Aspetos, levada à cena no Teatro Funchalense, em 1917. José Jorge Rodrigues dos Santos (1879-1958) dedicou-se à poesia e ao teatro, tendo escrito duas peças que foram representadas no Teatro Nacional, em Lisboa: Festa de Actriz e Crime de Amor. Álvaro Manso de Sousa (1896-1953) deixou algumas peças de teatro para amadores e publicou, numa edição da Câmara Municipal do Funchal, Auto do Voto e Auto de São Tiago Menor. De Augusto Elmano Vieira (1892-1962), foram apresentadas as peças A Madeira, por Dentro (revista), A Menina dos Bordados (opereta) e A Última Bênção (drama). João França (1908-1996) escreveu várias peças em um ato, os dramas Mimi, O Regenerado e Amor Sem Deus. A 7 de julho de 1944, foi estreada, no Teatro Avenida, a opereta da sua autoria O Zé do Telhado, que teve um grande sucesso em Lisboa e no Porto, cidades onde esteve em cartaz mais de quatro meses. Na primeira metade do séc. XX, outros nomes aparecem no panorama da literatura dramática madeirense: Ernesto Leal, com Afonso III, um texto de 1970, António Aragão, com a peça Desastre Nu (1980), e Carlos Cristóvão, que assinou, entre outros textos, O Senhor dos Milagres (peça em dois atos), de 1971, e, do mesmo ano, A Morgadinha que o Amor Levou. À semelhança do que acontece no país, também na Madeira surge um grupo de autores a escrever para operetas, teatro de variedades e teatro de revista a partir do princípio do séc. XX, no âmbito do teatro musicado. Os textos que lhe estão subjacentes pretendem apresentar factos e situações da atualidade, críticas sociais e políticas, através de uma linguagem muitas vezes eivada de comentários picantes e de trocadilhos. Em termos gerais, é composto de várias cenas de cariz cómico, satírico, entremeadas com números musicais. Caracteriza-se por um guarda-roupa exuberante – muitas plumas e lantejoulas – e por um tom especial na forma de declamar o texto. Consta que teria sido Festejo dum Noivado, de Braz Martins, a primeira revista a subir à cena, em Portugal, no ano de 1852, no Teatro Gymnasio. Entre 1854 e 1870, outras se lhe sucederam, em vários teatros de Lisboa. De realçar Fossilismo e Progresso (1856), de Manuel Roussado, A Revista de 1858, de Joaquim António de Oliveira, e Os Melhoramentos Materiais (1860), de Andrade Ferreira. A literatura dramática madeirense tem, aqui também, alguns representantes: João Maximiliano d’Abreu Noronha (Tito Lívio) escreveu as revistas Basta que Sim!, levada à cena no Teatro Municipal, Teatro Circo e Pavilhão Paris, nos Açores, Ora Bolas! e De Pernas para o Ar; Adão de Abreu (1885-1958) escreveu algumas revistas que foram representadas no Teatro Municipal do Funchal, o posterior Teatro Baltazar Dias: Semilha e Alface (1917), Água Vai (1921), Golpe de Vista (1929), A Novela (1934) e Lá Vai Fogo (1935); Pedro Gonçalves Preto (1907-1973) escreveu uma revista levada à cena a 24 de agosto de 1933, intitulada O Fim do Mundo; Teodoro Clemente da Silva (1900-1976), nome indissociável da literatura dramática funchalense, sobretudo a do teatro de revista. Entre outras, assinou À Pressa, A Madeira é Isto, Cá e Lá, Viva a Loucura, Bolas de Sabão, Ana Maria (em colaboração com Eugénia Rego Pereira), Tudo Louco (com Adão Nunes), Amor sem Deus (com João França) e Rosário de Cantigas. Algumas revistas marcaram épocas. A censura sempre espreitou estes textos que aproveitavam a linguagem – muitas vezes metafórica e cheia de trocadilhos – para passar mensagens de crítica aos regimes vigentes ou às autoridades desportivas, civis ou religiosas do país e da ilha. A literatura dramática parece ter passado a ter poucos adeptos na ilha da Madeira, por razões de ordem vária. Apenas um registo: João Francisco de Sousa Pestana nasceu na Ribeira Brava, em 1969. É ator profissional desde 1972, sendo um dos fundadores da Comuna. Iniciou-se na escrita teatral em 1992. Em 1994, a peça A Ilha de Argüim valeu-lhe o prémio do concurso Inatel/Novos textos. O Funchal parece, deste modo, seguir os modelos do continente, as modas culturais e literárias do país. A sociedade funchalense tenta, sobretudo até ao séc. XIX, copiar o que se passa na corte. A literatura dramática madeirense percorre, então, os mesmos caminhos da que se produz em Lisboa. Assim, de um modo geral, os escritores do arquipélago nunca se desligaram da tradição literária portuguesa, o que se pode explicar, em larga medida, pelo facto de muitos deles terem estudado no continente, nomeadamente em Coimbra, onde a cultura e a literatura se desenhava, ou desempenharem funções em Lisboa. Não nos podemos também esquecer que o Funchal é um lugar de chegadas. À ilha chegavam escritores que, naturalmente, influenciavam os que nela viviam. Há, ainda, que acrescentar que os visitantes, sobretudo ao longo dos sécs. XVIII e XIX, buscavam, na Madeira, remédio para os seus males do corpo – nomeadamente a cura da tísica pulmonar – e da alma e procuravam distrações para o tempo que passavam na cidade. A literatura dramática cumpre, dessa forma, a sua função no limiar da modernidade, do mesmo modo que já o tinha feito no princípio: tendo sido uma arma doutrinal, pedagógica, servia agora para fruição do público. O séc. XX traz a revista que, para além de divertir e de inserir no palco outras formas de arte, nomeadamente a música, o canto e a dança, revela novas temáticas, sendo portadora de marcas regionais. É a história do arquipélago e dos seus mais importantes representantes; é a vida da cidade e do campo; são referências humanas, sociais, históricas, culturais e políticas. Bibliog.: impressa: BAPTISTA, Elina Maria Correia, Emigração e Teatro em Portugal, no Século XIX. Retratos da Madeira e de Madeirenses, Funchal, Funchal 500 anos, 2008; CLODE, Luiz Peter, Registo Bibliográfico de Madeirenses, Séculos XIX e XX, Funchal, Caixa Económica do Funchal, 1983; NASCIMENTO, João Cabral do, Os Pedreiros Livres na Inquisição e Corografia Insulana, Funchal, Arquivo Histórico da Madeira, 1949; REBELLO, Luís Francisco, O Teatro Romântico (1838-1869), Lisboa, ICALP/MEC, 1980; Id., O Primitivo Teatro Português, ICALP/MEC, Lisboa, 1984; RODRIGUES, José Joaquim, Catálogo Bibliográfico do Arquipélago da Madeira, Funchal, CMF, 1950; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo, Elucidário Madeirense, 4.ª ed., Funchal, SREC, 1978; VISCONDE DO PORTO DA CRUZ, Notas & Comentários para a História Literária da Madeira, vols. 1, 2 e 3, Funchal, CMF, 1949, 1951, 1953; digital: DINIS, Cidália, “Francisco de Vasconcelos Coutinho: A Magia do Teatro Barroco”, Revista Pandora Brasil: http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/teatro/cidalia.pdf (acedido a 9 out. 2015). Graça Maria Nóbrega Alves (atualizado a 05.04.2016)