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associação dos amigos do parque ecológico do funchal

A Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal (AAPEF) foi criada em 2002, sendo o seu fundador José Raimundo Gomes Quintal, licenciado em Geografia, assumindo desde então a presidência da Associação, cargo que mantém ainda em 2016. Trata-se da primeira associação madeirense reconhecida como Organização Não-Governamental de Ambiente (ONGA n.º 99) de âmbito local. Os objetivos da AAPEF inserem-se no âmbito da conservação da natureza e manutenção da biodiversidade insular, com especial incidência na flora endémica do arquipélago da Madeira, essencialmente a que se desenvolve nas maiores altitudes da ilha. O início da atividade desta Associação centrou-se no topo do pico do Areeiro, aos 1800 m de altitude e um dos mais altos da ilha da Madeira, onde foi desenvolvido um notável trabalho, contínuo, de plantação de espécies endémicas características daquela zona, como forma de suster o acelerado fenómeno erosivo aí patente, consequência do pastoreio desordenado de ovinos e caprinos que ao longo de séculos comprometeu o coberto vegetal, ao que se juntaram os episódicos e cíclicos incêndios devastadores. Paralelamente, as plantas lá instaladas funcionariam como espécies difusoras, de modo a favorecer a regeneração natural das áreas circunvizinhas. Os trabalhos de plantação foram, e continuam a ser, executados pelos associados e por um grande número de voluntários que aos fins de semana sobe ao alto da montanha. Paulatinamente, a zona intervencionada foi recuperando o seu coberto vegetal originário, constituindo-se como um verdadeiro “oásis na montanha”, de grande valor botânico e estético. As plantas utilizadas para o efeito pela Associação provieram essencialmente dos viveiros do Parque Ecológico do Funchal, propriedade da Câmara Municipal do Funchal (CMF), bem como dos viveiros da Direção Regional de Florestas. A sede oficial da AAPEF situa-se num pequeno imóvel localizado nos Jardins Públicos do Monte, cedido para o efeito pela CMF. Em 2005, a Associação adquiriu os terrenos do denominado Montado do Cabeço da Lenha, localizado entre o Poiso e o pico do Areeiro, contíguo ao Parque Ecológico do Funchal, onde veio a instalar o Campo de Educação Ambiental do Cabeço da Lenha. Como infraestrutura de apoio, utilizou um antigo abrigo de montanha aí existente, propriedade do médico madeirense Rui Gomes da Silva, grande desportista e alpinista abnegado nas montanhas da Madeira. Neste Campo de Educação Ambiental, os associados e simpatizantes procederam à remoção das espécies invasoras aí presentes, principalmente eucalipto e giesta, substituindo-as por espécies da flora indígena madeirense. Foi também instalado neste espaço um viveiro de reprodução de plantas indígenas, destinadas aos trabalhos de plantação levados a cabo pela AAPEF. O grande incêndio ocorrido na Madeira em agosto de 2010 afetou seriamente a área que vinha sendo intervencionada pela Associação na zona do pico do Areeiro, como também reduziu a cinzas as instalações do Campo Ambiental do Cabeço da Lenha e a área circundante. Tudo teve então de recomeçar praticamente do ponto de partida inicial. Paralelamente às ações de plantação e recuperação da biodiversidade, no terreno, a AAPEF desenvolve uma atividade regular de ações de divulgação e sensibilização junto das escolas e da comunidade insular, através da realização de conferências, palestras, concursos literários e de fotografia. São no entanto as atividades de caminhadas pela natureza, organizadas regularmente, através de levadas e de veredas, que levam os associados e simpatizantes ao contacto com a floresta Laurissilva madeirense, os ecossistemas de montanha e o mundo rural insular. Essas jornadas lúdico-pedagógicas assumem-se como veículo primordial do conhecimento e da divulgação da biodiversidade e da identidade cultural madeirense. Logotipo da AAPEF Do logotipo da Associação faz parte o poço da Neve, o único atualmente existente na Madeira, no topo do Parque Ecológico do Funchal, que em tempos servia para armazenar a neve caída no inverno, a qual era então transportada para a cidade do Funchal para servir como gelo nas unidades hoteleiras e nos hospitais. O outro elemento integrante do logotipo representa uma folha de árvore Laurácea, característica da floresta Laurissilva da Madeira. Henrique Miguel de Figueiredo da Silva da Costa Neves Ana Virgínia Arrôbe Valente da Silva (atualizado a 24.03.2016)

asilo

[caption id="attachment_8209" align="alignleft" width="300"] Vinheta do Asilo, 1 Centavo, c. 1920. Arqui. Rui Carita.[/caption] Palavra derivada do latim asylum, designa um lugar onde os que a ele se acolhiam ficavam isentos da execução de determinadas leis gerais, como eram as do foro judicial. Nesse quadro, os elementos com penas de degredo ou de desterro, v.g., recuperavam de certa forma os seus direitos em novos locais de residência. Definindo espaços reservados, o termo foi estendido a determinadas instituições de assistência social, fechadas ao exterior, assim como a locais de quarentena, igualmente fechados à comunidade envolvente, mas não foi termo que se tenha utilizado com este sentido na Madeira. O direito de procurar asilo em outro local, Estado, país ou ilha, garantido, desde meados do séc. XX, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, é algo mais antigo do que se imagina, uma vez que tal direito já era reconhecido nas civilizações egípcia, grega e hebraica, percorrendo depois a Idade Média e sendo várias vezes mencionado nas ordenações régias. Acresce que em Portugal continental e, da mesma forma, na Madeira, esta instituição conheceu, ao longo da história, grandes contestações, principalmente quando barrava aos agentes da justiça o cumprimento dos seus mandatos, nos casos, v.g., em que indiciados em determinados crimes procuravam asilo em igrejas ou conventos e os agentes da autoridade não os podiam ir ali buscar. [caption id="attachment_8212" align="alignright" width="300"] Vinha do Asilo, 2 Centavos, c. 1920. Arqui. Rui Carita.[/caption] No início do povoamento, e não só, a ilha da Madeira serviu de asilo e proteção a determinados elementos que se encontravam condenados e perseguidos no território continental, em princípio por simples delitos não especialmente graves, tal como, muito provavelmente, pelas suas convicções religiosas, como foi o judaísmo. Referem os iniciais cronistas, como Francisco Alcoforado e os seguintes, que determinou D. João I (1357-1433) que para o povoamento da Madeira se fizesse acompanhar Gonçalves Zarco (c. 1390-1471) de quem quisesse, colocando à disposição do futuro capitão do Funchal os homiziados, ou seja, procurados pela justiça, mas também condenados que então havia nas cadeias e no reino. No entanto, não quis Zarco nenhum dos homiziados ou condenados por culpas de fé, traição ou roubo. A formação de coutos de homiziados era comum no continente para atrair moradores a lugares mal povoados, dando aí, absoluta ou restritamente, segurança e impunidade a quem andasse fugido à ação da justiça. Este costume foi assim usado nos forais, desde os tempos mais remotos da monarquia. [caption id="attachment_8216" align="alignleft" width="225"] Vinheta do Asilo, 4 centavos, F.V., c. 1920. Arqui. Rui Carita.[/caption] Temos informações sobre alguns elementos asilados na Madeira, então denominados homiziados, como o caso de Lopo Gonçalves, natural de Mirandela, com pena de degredo para Ceuta, autorizado a residir na Madeira por carta do regente D. Pedro (1392-1449), datada de 21 de julho de 1445, assim como Nuno Esteves, condenado por homicídio em Garvão, igualmente autorizado a residir na Madeira por carta de D. Afonso V (1432-1481), datada de 22 de outubro de 1451. Nestes primeiros tempos também se deslocaram para a Madeira degredados, como Gonçalo Anes, que aliás interpõe recurso, preferindo as praças do Norte de África, ou o pequeno fidalgo Diogo Barradas, degredado e recolhido na casa de Tristão (c. 1395-c. 1470) em Machico, que deu origem ao incidente que levou o capitão de Machico à prisão. Este aspeto é ainda patente nos capítulos do infante D. Fernando (1433-1470) (Fernando, infante D.), 2.º donatário da Madeira (Donataria), enviados para o Funchal no início do seu mandato, em 1460, e em resposta às várias questões colocadas pelos procuradores da Ilha. Assim, queixaram-se alguns moradores de que se sentiam “muito agravados” “em lhes não darem cartas de segurança por alguns negócios e homizios” que lhes tinham acontecido e, por essa causa, andavam “amurados e com temor de serem presos” e perderem os seus haveres. O infante ordena, então, ao capitão que passe as citadas cartas de segurança “e a nenhuns as denegue, aos tempos e nos casos que el-Rei meu senhor manda em suas ordenações” (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, tombo 1, fl. 205v.), referindo-se então às Ordenações Afonsinas, divulgadas a partir da déc. de 50 do séc. XV. [caption id="attachment_8219" align="alignright" width="300"] Conjunto de Vinhetas do Aliso de Mendicidade, c. 1920. Arqui. Rui Carita.[/caption] Os problemas com as instituições religiosas que davam asilo a foragidos das várias justiças percorreu os primeiros séculos da história da Madeira, inclusivamente com casos muito documentados, como o do morgado Pedro Bettencourt de Atouguia (1622-c. 1680), o qual tinha assassinado, por problemas de coleta de impostos, o corregedor Gaspar Mouzinho de Barba, em 1642. O morgado chegara a ser preso, mas teria, entretanto, arrombado a prisão e passou a viver homiziado no convento de S. Bernardino de Câmara de Lobos até 1670, data em que comprou o terreno para o oratório de S. Sebastião da Calheta, onde viria a professar e a falecer. O problema só se viria a esbater a partir de meados do séc. XVIII, por um lado com a centralização régia, especialmente com o governo de João António de Sá Pereira (1731-1813) (Pereira, João António de Sá), altura em que são concentradas as justiças, e, por outro lado, com a extinção das antigas ouvidorias das capitanias (Ouvidorias). [caption id="attachment_8205" align="alignleft" width="300"] Abrigo de N. S. da Conceição, reforma, 1920. Arqui. Rui Carita.[/caption] O termo “asilo”, tendo assim o significado de refúgio e de abrigo, designa igualmente algumas instituições de assistência (Assistência) e de solidariedade social fechadas à comunidade envolvente, mas esta designação, com este significado, só aparece com as instituições liberais (Liberalismo), embora já antes essa necessidade tivesse sido sentida pela Câmara Municipal do Funchal. Data assim do governo do prefeito Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847) (Albuquerque, Luís da Silva Mouzinho de) a instituição de um asilo de infância que, pelo mês de setembro de 1834, chegou a funcionar no palácio de S. Lourenço, sob orientação da mulher do prefeito, Ana Mascarenhas de Ataíde, então destinado à “orfandade desvalida” (SILVA e MENESES, 1998, I, 91). Deve-se, depois, ao governador José Silvestre Ribeiro (1807-1891) (Ribeiro, José Silvestre) a criação do Asilo de Mendicidade do Funchal, sobre o qual, inclusivamente, mandou publicar a documentação emanada pelo seu gabinete a esse respeito. Esta instituição teve estatutos de 1866, vindo depois a fundir-se com o asilo dos órfãos. Havia, entretanto, outras instituições de assistência similares, mas o Asilo de Mendicidade e Órfãos do Funchal terá sido a mais notável instituição da sua época, tendo sido reformulada nas primeiras décs. do séc. XX, então com a edição de vinhetas para angariação de fundos, sob orientação do Alexandre da Cunha Teles (1891-1936), cujo busto em bronze foi depois colocado no Abrigo Infantil de N.ª Sr.ª da Conceição, que lhe sucedeu. [caption id="attachment_8223" align="alignleft" width="300"] Verso das Vinhetas do Asilo da Mendicidade, c. 1920. Arqui. Rui Carita.[/caption] Ao longo do séc. XX, e com a reformulação das instituições de assistência social, o termo “asilo” deixou de ser utilizado nessa área, passando a ter, inclusivamente, algum sentido depreciativo, por indiciar instituições já ultrapassadas, dado que designava instituições de alguma forma fechadas e que sepassou a privilegiar uma maior abertura. No entanto, o termo ganhou nova divulgação com o advento das democracias, sendo especialmente utilizado para os pedidos de asilo político. O antigo direito de asilo passou assim a ser quase que exclusivamente utilizado na área dos pedidos de asilo político por pessoas perseguidas, nos seus países de origem, pelas suas opiniões políticas, mas também por questões raciais e por convicções religiosas. [caption id="attachment_8226" align="alignright" width="300"] Fotografia de 95 órfãos do Asilo da Mendicidade, Madeira, Arqui. Rui Carita.[/caption] Convém diferenciar as situações de asilo e de exílio, ou seja de alguém que foi expulso da sua pátria ou residência, embora possa depois receber, a seu pedido, asilo político em outro sítio, como aconteceu com inúmeras personalidades na Madeira, quer nacionais, quer internacionais, especialmente ao longo do séc. XX. Essas situações, que ocorrem por períodos relativamente curtos, são de exílio e não de asilo, que pressupõe períodos de permanência mais longos, se não mesmo a fixação definitiva. Também não se deve confundir asilo político com refúgio, pois este último procedimento trata de fluxos maciços de populações deslocadas por causa de ameaças à vida ou à liberdade, enquanto, juridicamente, o asilo político é outorgado separadamente e caso a caso. As duas situações, no entanto, podem ocasionalmente coincidir, já que cada refugiado pode requerer asilo político individualmente. Bibliog.: manuscrita: ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, tombo 1; ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 73; ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Afonso V, livs. 12 e 25; impressa: ALCOFORADO, Francisco, “Relação”, in MELO, Francisco Manuel de, Descobrimento da Ilha da Madeira, Ano de 1420, Epanáfora Amorosa, texto crítico e notas informativas de José Manuel de Castro, Braga, s.n., 1975; CARITA, Rui, História da Madeira, vol. i, Funchal, SRE, 1999; Estatutos do Asylo de Mendicidade do Funchal, Funchal, Imprensa Nacional, 1866; MENEZES, Sérvulo Drummond de, Collecção de Documentos Relativos ao Asylo de Mendicidade do Funchal, Funchal, Typ. de Bernardo F. L. Machado, 1848; SILVA, António de Morais, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 10.ª ed., 12 vols., Lisboa e Rio de Janeiro, Confluência, 1949-1959; SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal, 1.º vol., Lisboa, Verbo, 1977; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos de Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, DRAC, 1998. Rui Carita (atualizado a 24.03.2016)

abreu, isabel de

D. Isabel de Abreu nasceu em data incerta entre o final do séc. XV e início do séc. XVI, provavelmente no Arco da Calheta. Os seus pais eram João Fernandes de Andrade, também conhecido como João Fernandes do Arco, e Beatriz ou Brites de Abreu, filha de Rui de Abreu, alcaide-mor de Elvas. Este casal de fidalgos foi efetivamente o primeiro povoador das terras designadas por Arco da Calheta. Entre os seus irmãos e irmã contam-se Águeda de Abreu, esposa do famoso João Esmeraldo, dono da Lombada da Ponta do Sol, Aleixo de Abreu e António de Abreu. Estes dois últimos ficaram conhecidos por participarem valorosamente nas aventuras portuguesas além-mar, nomeadamente nas praças africanas e na Índia. D. Isabel de Abreu esteve envolvida num episódio muito célebre da história do concelho da Calheta e da Ponta do Sol. Este acontecimento é relatado com entusiasmo por Gaspar Frutuoso no segundo livro da sua obra As Saudades da Terra, escrito entre os anos de 1586 e 1590. Frutuoso dá-nos a conhecer que D. Isabel de Abreu terá sido casada com João Rodrigues de Noronha, capitão-mor do mar da Índia e, capitão de Ormuz desde 1521, data possível do casamento entre ambos. Em virtude da morte do marido, em data indeterminada, e também do pai, Isabel de Abreu acaba por herdar muitas terras e fortuna. Esta é a circunstância em que tem lugar o episódio de 1531 relatado por Gaspar Frutuoso. António Gonçalves da Câmara, bisneto de João Gonçalves Zarco, desejava casar-se com D. Isabel a fim de alargar o seu domínio naquela terra. Desta forma, decide invadir-lhes as propriedades para a obrigar a contrair matrimónio; porém, D. Isabel consegue dissuadi-lo de o fazer e pede-lhe que retorne no dia seguinte. Quando António Gonçalves da Câmara regressa, com 50 cavaleiros da Ribeira Brava e Ponta do Sol, encontra Isabel barricada com as suas gentes. Este incidente causa-lhe desonra e António Gonçalves da Câmara parte para Lisboa. Anos depois volta à ilha da Madeira e, quando um dia D. Isabel de Abreu se encontra perto da sua propriedade a montar a cavalo, pega-lhe nas rédeas do cavalo e obriga-a a entrar em sua casa, onde a mantém prisioneira. O ouvidor do Funchal, ao inteirar-se do acontecido, comparece na Calheta com uma força armada. De forma a evitar um confronto, António Gonçalves da Câmara e D. Isabel de Abreu aparecem à varanda e declaram ter chegado a acordo. Seguidamente, a pedido da sua futura esposa, António Gonçalves da Câmara convida o ouvidor e demais presentes a entrar e comer antes de partirem novamente. D. Isabel de Abreu vê ali uma oportunidade de salvação e pede auxílio ao ouvidor, que parte com ela a caminho do Funchal. Por ser tarde D. Isabel vê-se obrigada a pernoitar numa das propriedades de seu cunhado, João Esmeraldo. Por sua vez, António Gonçalves da Câmara reúne uma grande força e monta um cerco a D. Isabel e seus parentes, que dura um total de oito dias. No final desses oito dias, os familiares de D. Isabel de Abreu decidem que a realização do casamento seria melhor do que um possível massacre resultante da luta entre os dois lados. Assim sendo, D. Isabel de Abreu e António Gonçalves da Câmara regressam juntos às suas fazendas, onde se dá a boda. Apesar da concretização do casamento, Águeda de Abreu não ficou de todo satisfeita com a maneira como todo este episódio decorreu e fez queixa ao monarca. Este enviou à Ilha o desembargador Gaspar Vaz, o que resultou na condenação e desterro de vários dos envolvidos no cerco. António Gonçalves da Câmara consegue, ainda assim, fugir para as Canárias e depois para África, onde presta serviços à Coroa. Na sua ausência, D. Isabel fica internada no convento de S.ta Clara, no Funchal. António Gonçalves da Câmara, devido à intervenção de sua mãe, Joana de Eça, camareira-mor da rainha, consegue, anos depois, um perdão real e retorna à Madeira, onde vive com a esposa, D. Isabel de Abreu, até à morte desta, que terá ocorrido antes de 1555, data do segundo casamento de António Gonçalves da Câmara. Bibliog.: manuscrita: ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 13, A Rui De Abreu, Fidalgo da Casa Del-Rei e Alcaide-Mor de Elvas, Mercê, do Primeiro de Janeiro de 1500 em Diante, da Tença de 100, 1500, fl. 2v.; impressa: FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra, 6 vols., Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2005; SILVA, Fernando Augusto da, A Lombada dos Esmeraldos na Ilha da Madeira, Funchal, Ed. do Autor, 1933; Id. e MENESES, Carlos de Azevedo de, Elucidário Madeirense, 4.ª ed., vol. i, Funchal, Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1978; SOUSA, João José Abreu de, “D. Isabel de Abreu e António Gonçalves da Câmara. Mito, poesia e história”, Islenha, n.º 21, jul.-dez. 1997, pp. 59-62. Amanda Coelho (atualizado a 09.09.2016)

cruzeiros

A cruz é um símbolo documentado desde a Antiguidade a que a morte de Cristo e a tradição, a partir dela elaborada, enriqueceram significativamente. Na primeira viagem de reconhecimento da ilha da Madeira, entre 1419 e 1420, levantaram-se cruzes em madeira, simbolizando uma futura ocupação cristã. Cruzes e cruzeiros assinalam ainda sepulturas e cemitérios desde os primeiros tempos do cristianismo. O seu uso simbólico foi revitalizado nos anos 40 do séc. XX, no período do Estado Novo, para a exaltação da fé e do império, sendo então colocadas em sítios especialmente visíveis. A obra escolhida para encerrar as comemorações dos 500 anos da diocese do Funchal (1514-2014) e que se encontra no antigo campo de D. Carlos ou Almirante Reis é também um cruzeiro. Palavras-chave: arquitetura religiosa; cemitérios; fé; império; monumentos. A cruz é um símbolo documentado desde a Antiguidade que a morte de Jesus Cristo e a tradição a partir dela elaborada enriqueceram significativamente. A tradição cristã fez da cruz a afirmação de uma sociedade crente no amor de Deus à humanidade, multiplicando indefinidamente essa imagem de redenção, que utilizou até, como atesta o caso português, como marca de posse territorial. Na primeira viagem de reconhecimento da ilha da Madeira, entre 1419 e 1420, refere Francisco Alcoforado na sua Relação, os enviados do infante D. Henrique (1394-1460) logo levantaram cruzes em madeira. Assim aconteceu depois de passarem a “fonte do seixo” e darem “num vale de formoso arvoredo e acharam ali uns cedros velhos derribados do tempo”, mandando Zarco (c. 1395-c. 1471) “fazer deles uma cruz e chamou ali Santa Cruz” (CASTRO, 1975, 91). Continuando, depois de passarem por um vale coberto de funcho, chegaram “a uma ponta”, onde colocaram igualmente uma cruz e Zarco chamou o local de “Ponta da Cruz” (Id., Ibid., 92) e assim sucessivamente. Estamos perante uma tomada de posse característica de povos cristãos, com a colocação de marcos, prática que se institucionalizou nas viagens seguintes, as de exploração da costa de África, então com marcos de pedra a exibir as armas reais, objetos esculpidos em Portugal e todos encimados por uma cruz. As cruzes assinalam também, desde os primeiros tempos do cristianismo, sepulturas e cemitérios querendo lembrar a vida para além da morte. Antes de Cristo, nas lendas orientais, eram já um ponto ou escada por onde os mortais ascendiam à divindade suprema, o que justifica, em parte, a sua enorme divulgação nos adros das igrejas indo-portuguesas. Os cruzeiros nos adros das igrejas portuguesas são muito comuns, mas revelam uma simplicidade que nada tem a ver com as complexas bases, profusamente esculpidas, dos cruzeiros indo-portugueses. As primeiras igrejas matrizes e, por certo, as inúmeras ermidas levantadas por toda a Ilha, teriam cruzeiros, mas estes, na maior parte e dadas as sucessivas reconstruções, não chegaram até aos nossos dias. O único exemplar dos inícios do séc. XVI que parece subsistir é o cruzeiro com as armas dos Freitas de Santa Cruz (Brasões) que deve datar do primeiro quartel desse século e foi mandado levantar por João de Freitas (c. 1475-c. 1533). Este fidalgo foi encarregado da construção da igreja matriz do Salvador de Santa Cruz, em 1500, tendo pedido para ser sepultado na capela-mor da mesma, o que foi deferido a 19 de setembro de 1533, atendendo ao dinheiro que gastara na igreja “e à qualidade da sua pessoa” (NORONHA, 1996, 199). O cruzeiro de Santa Cruz com as armas dos Freitas encontra-se litografado a partir de um desenho do Rev. James Bulwer (1794-1879), editado em Londres, em 1827, figurando a poente do adro da igreja e vindo a ocupar depois o local do antigo pelourinho (Pelourinho). Este cruzeiro foi restaurado em 1889, em resultado dos danos sofridos na intempérie do ano anterior, como regista um desenho de Max Römer (1878-1960), publicado em 1931 na Ilustração Madeirense. As armas dos Freitas não terão sido afetadas, mas sim o crucifixo superior, então reposto ao gosto revivalista dos finais desse século. Alguns cruzeiros dos adros de antigas igrejas substituíram até aos meados do séc. XIX, entre eles, o da antiga igreja matriz do Faial e o da matriz da Fajã do Mar, no Porto da Cruz, de que existem desenhos aguarelados de Andrew Picken (1815-1845), datáveis de 1842 e 1844. Estas igrejas, no entanto, foram posteriormente reconstruídas e os cruzeiros não subsistiram. O mesmo terá acontecido com os cruzeiros levantados em várias freguesias durante a missão evangélica dos sacerdotes vicentinos (Congregação da Missão), os padres J. Alásio e José dos Reis, que acompanharam o bispo D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1756-1784) nos primeiros 10 anos da sua estadia na Diocese e que foram incumbidos de usar os púlpitos da cidade e os de outras paróquias para fazer pregações evangélicas, e de visitar os conventos. Refere o Elucidário Madeirense, por certo, ainda à data da sua 1.ª edição (1922), que persistiam nos adros de algumas igrejas paroquiais cruzes levantadas “sobre modestos plintos, em memória da passagem daqueles religiosos por aquelas freguesias no exercício da pregação evangélica” (SILVA e MENESES, I, 1998, 170). Mas nenhuma parece ter chegado até nós. Subsistiu a alta cruz da cerca do convento de S. Francisco do Funchal, que se levantava no local onde veio a ser construída a Av. Arriaga, em frente ao antigo adro da sé e, depois, passeio público, representada num desenho da autoria de um viajante inglês dos meados do séc. XIX. Mais tarde, foi remontada no cemitério das Angústias e, em 1949, foi novamente montada, no cemitério de S. Martinho. Todos os cemitérios da Madeira estão dotados de cruzeiros em cantaria regional à entrada, demarcando o espaço sagrado, mas trata-se de trabalhos dos meados do séc. XIX e, alguns, talvez já do XX. Refira-se ainda as cruzes que foram erguidas para assinalar uma morte súbita ou violenta nos caminhos da Ilha, e a montagem de cruzes da via-sacra, lembrando a Paixão de Cristo, como na freguesia dos Canhas. Nos anos 40, em sítios especialmente visíveis, levantaram-se aparatosos cruzeiros comemorativos de um tempo em que a Igreja e o Estado trilharam caminhos comuns na exaltação da fé e do império. No contexto das comemorações do duplo centenário da fundação e da Restauração de Portugal, levados a efeito pelo Estado Novo, surgiu a iniciativa da construção destes monumentos em locais panorâmicos, tendo a proposta partido do P.e Francisco Moreira das Neves (1906-1992), destacada figura do jornalismo católico português. A campanha dos cruzeiros da Independência que então se realizou teve como palavra de ordem a frase daquele sacerdote: “Uma cruz basta para dizer ao mundo quem é Portugal” (SAINZ-TRUEVA e VERÍSSIMO, 1996, 246). A campanha dos cruzeiros da Independência foi amplamente festejada na ilha da Madeira, sob a égide da Juventude Antoniana, com sede na freguesia de Santo António do Funchal, e a liderança de William Clode (1900-1980), tendo o cruzeiro do Pico dos Barcelos, no Funchal, sido inaugurado a 24 de novembro de 1940, sob o lema “Seja a cruz o farol das novas gerações”, como podemos ver ainda inscrito na base do mesmo cruzeiro. No ano seguinte, foi levantado o do Pico da Torre, em Câmara de Lobos e que, embora datado de 1940, foi inaugurado em 14 de setembro de 1941, após missa campal celebrada pelo bispo do Funchal, D. António Manuel Pereira Ribeiro (1879-1957). Nas décadas seguintes, copiaram-se os antigos padrões dos Descobrimentos, também cruzeiros, como atesta o que foi levantado na Av. do Mar e das Comunidades Madeirenses, na déc. de 80 do séc. XX, e a réplica do padrão de Santo Agostinho, de 1482, trazido do cabo Lobo (depois, de Santa Maria), onde fora colocado por Diogo Cão, encontrando-se o original ao abrigo da Sociedade de Geografia de Lisboa e a réplica no jardim da Quinta Magnólia. Foi igualmente um cruzeiro o elemento utilizado como imagem comemorativa dos 500 anos da diocese do Funchal (1514-2014), sendo a obra realizada para o efeito um projeto do escultor Ricardo Velosa (1947-), associando-se à cruz a lembrança dos Descobrimentos; a inauguração ocorreu a 8 de dezembro de 2014, no antigo campo de D. Carlos ou campo Almirante Reis. Bibliog.: impressa: ALCOFORADO, Francisco, An Historical Account of the Discovery of the Island of Madeira, Abridged from the Portuguese Original: To Which is Added, An Account of the Present State of the Island in a Letter to a Friend, London, printed for J. Payne, and J. Bouquet, 1750; CASTRO, José Manuel (ed.), Descobrimento da Ilha da Madeira, Ano de 1420, Epanáfora Amorosa, Lisboa, Livraria Ler, 1975; BULWER, James, Views in the Madeiras [...], London, C. & J. Rivington, 1827; CARITA, Rui, História da Madeira, vol. i, Funchal, SRE, 1999; NORONHA, Henrique Henriques, Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira, Funchal, CEHA, 1996; SAINZ-TRUEVA, José de e VERÍSSIMO, Nelson, Esculturas na Região Autónoma da Madeira: Inventário, Funchal, SRTC/DRAC, 1996; SILVA, Fernando Augusto da, Subsídios para a História da Diocese do Funchal, Funchal, 1946; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, SRTC/DRAC, 1998. Rui Carita (atualizado a 08.09.2016)

costa, josé simões da

(Funchal, ?-Brasil, 1923) Escritor, autor de diversas obras, nomeadamente A Região Amazónica. Seu presente, passado e futuro. Publicou também em vários jornais. Foi sócio da Academia Latina das Ciências, Artes e Belas Letras de Paris. Palavras-chave: Brasil; agricultura; Amazónia; academia; Paris. Nasceu no Funchal em data que desconhecemos e faleceu na Baía, Brasil, no mês de junho de 1923. Concluiu um curso do ensino superior nos Estados Unidos. Foi sócio da Academia Latina das Ciências, Artes e Belas Letras de Paris. Tem várias publicações em jornais. É autor das obras A Região Amazónica. Seu Presente, Passado e Futuro, publicada no Rio de Janeiro sem editor, que se encontra no Catálogo Bibliográfico do Arquipélago da Madeira; Cultura Intensiva do Coqueiro (Coccus nucífera), Seu Valor Económico, publicada em 1913 pela Diretoria do Serviço de Estatística do Rio de Janeiro e dois anos depois pela Imprensa Nacional; escreveu, igualmente, Pomicultura Tropical, publicado no Rio de Janeiro pela editora O Norte. Obras de José Simões da Costa: A Região Amazónica. Seu Presente, Passado e Futuro (1913); Cultura Intensiva do Coqueiro (Coccus nucífera), Seu Valor Económico (1913); Pomicultura Tropical (1922). Bibliog.: CLODE, Luiz Peter, Registo Bio-bibliográfico de Madeirenses: Sécs. XIX e XX, Funchal, Caixa Económica do Funchal, 1983; VIEIRA, Gilda França e FREITAS, António Aragão de, Madeira – Investigação Bibliográfica (catálogo onomástico), vol. i, Funchal, Centro de Apoio de Ciências Históricas, 1981. António José Borges (atualizado a 02.03.2017)  

capitães do donatário

No início do povoamento, o infante D. Henrique trespassou parte da sua donataria aos seus delegados, que ficaram investidos das funções de capitães do donatário. Os capitães tinham direitos sobre os moinhos na área das suas capitanias, sobre os fornos de pão e sobre o sal, podiam criar um imposto sobre as rendas já taxadas para o infante, e era-lhes permitido distribuir as terras das suas capitanias. Com a incorporação da donataria na Coroa, os antigos capitães do donatário ficaram na mesma situação que os outros senhorios continentais e ultramarinos, passando a designar-se, por vezes, por capitães-donatários. Palavras-chave: administração da justiça; capitanias; capitão do donatário; capitão-donatário; defesa; distribuição de terras; donataria; povoamento; senhorio. Na sequência da delegação efetuada no início do povoamento do arquipélago da Madeira, com o envio de dois escudeiros de sua casa, e na posse da doação de D. Duarte (1391-1438), o infante D. Henrique (1394-1460) trespassou, oficialmente, parte da sua donataria aos seus delegados; “oficialmente”, pois que já desde o início do povoamento, entre 1421 e 1425, os mesmos estavam instituídos daquela delegação: a capitania de Machico a favor de Tristão (c. 1395-1480), em 8 de maio de 1440 ; a de Porto Santo a favor de Bartolomeu Perestrelo (c. 1400-1458), que fora da casa do infante D. João (1400-1442), passada em 1 de novembro de 1444; e a do Funchal a favor de João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471), em 1 de novembro de 1450. [caption id="attachment_8034" align="alignright" width="234"] Desenho da Sepultura do Segundo Capitão Donatário do Funchal João Gonçalves da Câmara, 1502. Arqui. Rui Carita.[/caption] [caption id="attachment_8029" align="alignleft" width="179"] João Gonçalves Zarco, Descobridor da Madeira, cópia do retrato que está no palácio de S. Lourenço no Funchal. Arqui. Rui Carita.[/caption] Na primeira carta de doação a Tristão, o infante começa por referir que lhe “apraz que ele possa dar por suas cartas, a terra desta parte, forra pelo foral da Ilha”, referindo-se, por certo, ao anterior foral de seu pai, D. João I (1357-1433). No entanto, também refere o seguinte: “e o que hei de haver na dita Ilha, é contido no foral que para ela mandei fazer” (BNP, IGRAJPRFF, fls. 1v e 119v-120v.), deduzindo-se daqui que já tinha feito, ou estava a fazer, ainda outro. Nestes documentos, sensivelmente iguais, o infante D. Henrique delimita, com o máximo rigor possível, as áreas das capitanias, indo então mais longe do que tinha ido o seu irmão D. Duarte, trespassando-lhes “a jurisdição [...] do cível e do crime, ressalvando a morte ou talhamento de membro” (Ibid., fl. 1v). Tristão não cumpriria devidamente o seu papel; porém, em tais casos, o infante estipulava que a apelação deveria ser mandada para ele – um abuso em relação ao que lhe tinha sido dado, pois estes assuntos deveriam subir ao rei. O infante não alienou todos os poderes, pois advertiu, de forma expressa, que os seus “mandados e correições sejam cumpridos como em coisa minha própria” (Ibid.). A ressalva da morte ou talhamento de membro, como atributo real, foi reposta nas posteriores doações de D. Afonso V (1432-1481), que obrigaram o infante D. Henrique a alterar, inclusivamente, as doações aos seus capitães. Ciente da ultrapassagem das prorrogativas reais do sobrinho, veio a alterar o seu testamento ao irmão do rei, o infante D. Fernando (1433-1470), que constituíra como seu herdeiro, e, inclusivamente, a doar ao rei algumas das ilhas dos Açores. [caption id="attachment_8038" align="alignleft" width="237"] Retrato de Tristão Vaz Teixeira. Arqui. Rui Carita.[/caption] Os capitães tinham direitos sobre os moinhos da área das suas capitanias, sobre os fornos de pão e sobre o sal, podiam criar um imposto sobre as rendas já taxadas para o infante – era o direito chamado de redízima –, e era-lhes permitido distribuir as terras das suas capitanias, podendo as distribuições ser consideradas prescritas ao fim de cinco anos, caso os beneficiários as não tivessem aproveitado devidamente durante esse período. Saliente-se que as disposições de 1425 ou 1426 eram um pouco diferentes, sendo os terrenos reconfirmados aos seus utentes ao fim de um período de ocupação de 10 anos: “E toda aquela [terra] que nos ditos dez anos aproveitarem lhes passará, e não a outra que não aproveitarem. E pedirão de novo autoridade minha [ou seja, ao rei D. João I] para o poderem aproveitar, e nas madeiras, paus, lenhas, matos, arvoredos, fontes, tornos e olhos de água, pastos, ramos e ervagens, bagas, bolotas, glandes das árvores, praias e costas do mar, rios e ribeiras, particular algum não terá [...]” (BNP, IGRAJPRFF, fls. 24-25v.). [caption id="attachment_8048" align="alignright" width="201"] Estátua de Tristão Vaz Teixeira, Anjos Teixeira, 1971. Arqui. Rui Carita.[/caption] Tratou-se aqui de um verdadeiro comunitarismo agrícola, na medida em que os produtos e os meios da Ilha eram de usufruto comum, uma forma de tentar evitar o acréscimo da riqueza privada, desenvolvendo as riquezas da terra em proveito geral. Aqui não se vislumbrava qualquer domínio ultramarino do tipo feudal, como foi a posterior doação do espiritual das ilhas à Ordem de Cristo, a requerimento do infante D. Henrique. No reinado de D. Duarte e, com a morte prematura deste, na regência do infante D. Pedro (1392-1449), as disposições vão alterar-se continuamente. O próprio Zarco foi senhor efetivo das suas terras, a partir de 14 de fevereiro de 1454, conforme a escritura que mandou lavrar no Funchal, de que conhecemos transcrições no cartório do convento de Santa Clara (Convento de Santa Clara). Nessa data, tomou para si, para a mulher e para os seus descendentes as terras de Santa Catarina e outras no Funchal, em Câmara de Lobos, na Ribeira Brava, etc. [caption id="attachment_8042" align="alignleft" width="197"] Capa do Livro, " As Saudades da Terra", pelo Doctor Gaspar Fructuoso e anotado por Álvaro Rodrigues de Azevedo, 1873. Arqui. Rui Carita.[/caption] Morto o infante D. Pedro na batalha de Alfarrobeira, em 1449, as capitanias foram confirmadas pelo jovem D. Afonso V, a pedido de seu tio D. Henrique, “por os anteriores alvarás se terem deteriorado com o tempo” (ARM, CMF, RG, t. 1, fls. 128-132), razão em que é difícil acreditar. Por outro lado, o infante estendeu progressivamente a sua influência mais direta sobre o arquipélago dos Açores, eliminando algumas das chefias flamengas ali colocadas por indicação de D. Pedro e deslocando depois, inclusivamente, gente da Madeira para aquele arquipélago. Por essa altura, o povoamento da Madeira sofreu um franco impulso, sendo as sedes das capitanias, a curto prazo, elevadas a vilas: por exemplo, o Funchal, por volta de 1452 (embora em 1454 ainda se refira como lugar), Machico, um pouco mais tarde, mas por certo ainda em vida de Tristão, 1.º capitão-donatário, falecido em Silves em 1470, e também, provavelmente, o Porto Santo. As suas funções de capitães eram igualmente de comando de homens em armas, o que à época era indissociável da função de chefia. Tendo o povoamento da Madeira ocorrido no quadro da conquista e da ocupação das praças do norte de África, em quase todas as principais operações ali ocorridas estiveram presentes os capitães da Madeira, a começar pela frustrada tentativa de conquista de Tânger, em 1437. A vida da Ilha era igualmente indissociável da manutenção daquele novo espaço português (Comando militar e Guarnição militar). [caption id="attachment_8045" align="alignright" width="177"] Capa do Livro de Dom Luiz da Câmara Leme, "Elementos da Arte Militar", 1862. Arqui. Rui Carita.[/caption] Até finais do séc. XV, a Ilha continuou a crescer em importância, sendo Zarco nobilitado por D. Afonso V, em 1460, com brasão de armas e apelido, então Câmara de Lobos. Já entre 1435 e 1445, o capitão do Funchal solicitara ao rei a vinda do reino de “homens da sua qualidade” (BNP, IGRAJPRFF, fls. 24-25v.), a fim de poder casar as suas filhas. O rei enviou-lhe quatro pequenos fidalgos do centro e do norte do país: Diogo Cabral, Diogo Afonso de Aguiar, Garcia Homem de Sousa, e Martim Mendes de Vasconcelos. Mas, com a incorporação da Madeira na coroa pelo rei D. Manuel (1469-1521), em 1497, deixaram de existir os capitães do donatário, como até então tinham existido, ficando os antigos capitães na mesma situação de outros senhorios continentais e ultramarinos: embora designados, por vezes, por capitães-donatários, eram essencialmente donatários de bens da coroa e senhores de jurisdição sobre esses territórios. Como membros da nobreza portuguesa, eram capitães e as suas terras designavam-se como capitanias; em todo o caso, não tinham funções militares nas mesmas, salvo na capitania do Porto Santo, onde a situação só muito mais tarde veio a ser definida (Capitanias). A situação, entretanto, não foi de forma alguma linear, tendo surgido fortes tensões, por exemplo, entre o 3.º capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530), e o rei D. Manuel I (Alçadas). No entanto, embora afastados das suas capitanias, os capitães manteriam importantes interesses económicos e institucionais na Ilha, interferindo na organização camarária e, muito especialmente, dirigindo a quase totalidade dos ofícios de justiça. Bibliog.: manuscrita: ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, tombo 1; BNP, Index Geral do Registo da Antiga Junta e Provedoria da Real Fazenda do Funchal, reservados, cód. 8391; ANTT, Convento de Santa Clara do Funchal, avulsos, mç. 1; Manuscritos da Livraria, n.º 516; impressa: ALBUQUERQUE, Luís de e VIEIRA, Alberto, O Arquipélago da Madeira no Século XV, Funchal, DRAC, 1987; CARITA, Rui, História da Madeira, vol. i, Funchal, SER, 1999; FERREIRA, Manuel Juvenal Pita, O Arquipélago da Madeira, Terra do Senhor Infante, de 1420 a 1460, Funchal, JGDAF, 1959; Id., O Infante D. Henrique e a Descoberta e Povoamento da Ilha da Madeira, Funchal, JGDAF, 1960; FRUTUOSO, Gaspar, As Saudades da Terra, comentado por Álvaro Rodrigues de Azevedo, Funchal, Empresa Municipal Funchal 500 Anos, 2007; MARQUES, João Martins Silva, Descobrimentos Portugueses, Documentos para a sua História, 3 vols., Lisboa, INIC, 1988; SALDANHA, António Vasconcelos de, As Capitanias. O Regime Senhorial na Expansão Ultramarina Portuguesa, Funchal, CEHA, 1992; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, DRAC, 1998; NORONHA, Henrique Henriques de, Nobiliário da Ilha da Madeira...1700, São Paulo, s.n., 1947; Id., Memórias Seculares e Eclesiásticas. 1722, Funchal, CEHA, 1997; SOUSA, João José de, “Capitães donatários do Funchal Sécs. XV a XIX”, Islenha, n.º 1, 1987, pp. 66-85; Id., “As propriedades de Zarco no Funchal”, Islenha, n.º 3, 1988, pp. 35-45; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, Funchal, DRAC, 2000. Rui Carita (atualizado a 21.03.2016)