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devassas

As devassas constituíam uma das partes em que se dividiam as visitações, as quais, no seu todo, configuravam um dos mecanismos mais frequentes de controlo, por parte da Igreja, do cumprimento ou incumprimento dos preceitos religiosos, por parte de párocos e fiéis (Visitações). As visitações, ou visitas, como também se designavam, realizavam-se com frequência, desejavelmente anual, mas, mais correntemente, bianual, às freguesias, sendo conduzidas pelo bispo ou, no seu impedimento, por um visitador, e tinham como objetivo avaliar a conformidade quer dos equipamentos de culto, desde o templo aos paramentos, quer dos comportamentos dos fregueses e dos seus párocos. A devassa era, precisamente, a segunda parte da visita e aquela que se debruçava sobre a saúde moral das populações que, lideradas por um pároco a quem competia o dever máximo do exemplo, tinham de demonstrar um modo de estar e agir em tudo compatível com o que a Igreja propunha como caminho para a salvação. O processo seguido para a deteção da ocorrência dos pecados públicos – conceito que dizia respeito àquelas faltas cometidas aos olhos de todos, cuja gravidade se via aumentada precisamente pela visibilidade, possível indutora de seguidores – começava com a leitura do chamado edital de visita, documento que continha cerca de trinta quesitos relacionados com o que se pretendia averiguar. De entre as questões levantadas no documento, contavam-se, e.g., as que procuravam determinar se naquela freguesia havia hereges, ou bruxos, ou amancebados, ou praticantes de usura, etc. O comportamento do pároco era também parte importante do questionário, pois da sua conduta dependia, em muito, a salvação dos fiéis, pelo que sobre ele se inquiria o modo como procedia à doutrinação dos fiéis, a regularidade com que celebrava os ofícios divinos, se cumpria o dever de residência, se administrava corretamente os sacramentos, entre outros assuntos igualmente perscrutados. Após a leitura do edital, convocavam-se as testemunhas, escolhidas com critérios que, privilegiando os homens – chefes de família, e membros mais responsáveis e respeitados da comunidade –, procuravam cobrir territorialmente toda a freguesia, de modo a garantir a ausência de zonas de sombra que pudessem abrigar prevaricadores nunca denunciados. Convocadas as testemunhas, tinham elas que indicar se chegara ao seu conhecimento, pelo “ser público”, pelo ver ou pelo ouvir dizer, que naquela paróquia houvesse alguém que tivesse incorrido nas faltas mencionadas no edital. Perante o interrogatório, a testemunha revelava o que sabia, ou, se nada soubesse, nada dizia. Havendo muitos depoimentos concordantes sobre determinado infratores, o visitador assumia a veracidade das culpas e condenava-os, consoante a gravidade e a recorrência do caso, a pagamento de multas pecuniárias de primeiro, segundo ou terceiro lapsos, cujo montante ia aumentando com a repetição da infração. Em casos muito graves, a pena podia mesmo ir até à prisão – para o que havia instalações próprias no aljube –, ou à excomunhão, recurso que, no entanto, se procurava não banalizar. Se uma falta era reportada por apenas uma ou duas pessoas, o visitador sentia que precisava de mais informação para poder produzir um juízo e, nessas circunstâncias, chamava novas testemunhas que podiam, agora, ser mulheres. De acordo com a confirmação ou infirmação dos depoimentos anteriormente prestados, passava-se, então, à condenação ou não, do infrator. Os testemunhos prestados durante as audiências eram cuidadosamente anotados pelo escrivão da visita em livros que se designavam “da devassa”, de que sobreviveram alguns exemplares para a Diocese do Funchal. O estudo dos livros que respeitam ao séc. XVIII revelou um panorama de comportamentos desviantes em que os pecados da carne – as mancebias, os adultérios, o concubinato, a prostituição – são aqueles em que mais frequentemente se incorria no arquipélago da Madeira. Para além deles, há também a registar faltas nos domínios do recurso às curas supersticiosas, da usura, da embriaguez, dos conflitos interpessoais, das faltas à missa e à confissão, da quebra do jejum, da violência, sobretudo doméstica, para falar dos mais comuns. Trata-se de um espólio documental que fornece um abundante manancial de informação para o estudo do quotidiano, dos amores, dos ódios, dos divertimentos e das ocupações das camadas mais populares do arquipélago da Madeira. Bibliog.: Arquivo Histórico da Madeira, vol. xxii, 1999; PAIVA, José Pedro, “Visitações”, in AZEVEDO, Carlos (coord.), Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001; TRINDADE, Ana Cristina Machado, A Mortal e o Pecado Público no Arquipélago da Madeira, na Segunda Metade do Século XVIII, Funchal, CEHA, 1999. Cristina Trindade (atualizado a 19.08.2016)

correia, josé teodoro

Poeta, jornalista e funcionário público. Colaborou, como redator, no extinto Diário da Madeira, durante cerca de 30 anos e também em outros periódicos, nomeadamente, no Diário de Notícias, no Primeiro de Dezembro, no Heraldo da Madeira, no Comércio do Funchal, no Eco do Funchal, no Almanaque Bertrande na Ilustração Madeirense. Foi premiado em vários jogos florais na Madeira e no continente. Palavras-chave: poesia; jornalismo; administração pública; imprensa periódica. José Teodoro Correia nasceu na freguesia da Sé, no Funchal, a 20 de janeiro de 1890 e faleceu a 8 de junho de 1955, também no Funchal. Era filho de José António Correia e de D. Augusta Baptista de Freitas Correia. Casou com D. Hermengarda Vieira Pinto Correia, de quem teve três filhos: Carlos Alberto Correia, funcionário do Banco Blandy Brothers, que casou com D. Maria da Graça Sales Fernandes Correia, António Virgílio de Abreu Correia e Fernando José Vieira Pinto Correia, casado com D. Lígia Brazão Rodrigues Correia. Frequentou o Liceu do Funchal, onde se formou, e depois tornou-se funcionário das Finanças, mais concretamente segundo-oficial, chefe da secção na Direção de Finanças do Funchal. Foi funcionário público, poeta e jornalista, sendo mais conhecido por Teodoro Correia. Como jornalista, escreveu sobre assuntos de caráter social e literário. Colaborou, como redator, no extinto Diário da Madeira durante cerca de 30 anos. Cooperou também com outros jornais e revistas, tais como: Diário de Notícias, Primeiro de Dezembro, Heraldo da Madeira, Comércio do Funchal, Eco do Funchal, Almanaque Bertrand ou Ilustração Madeirense. Foi novelista reconhecido pela sua excelência e poeta lírico admirado. As suas poesias, de sabor clássico e de que são exemplos os poemas “Terra Mater” e “Em Louvor das Coisas Pequeninas”, possuem harmonia, inspiração e sentimento. É autor de Nimbos: Versos de Teodoro Correia, publicado na Madeira pela Typografia Diário da Madeira em 1932, encontrando-se um exemplar na Biblioteca Municipal do Funchal (BMF); Miragens, sem editor, obra publicada no Funchal em 1938 e que se encontra igualmente na BMF; Rosas do Meu Canteiro: Versos, publicada pela Tipographia do Comércio do Funchal em 1942, podendo igualmente ser encontrada na BMF; Ciclo das Caravelas: Poemeto, saída em edição do autor, no Funchal, em 1966, e que está guardada no Arquivo Histórico da Madeira; e de uma obra ainda inédita: Arroio. Usou ainda o pseudónimo de João Mistério. Segundo citação de um biógrafo seu, referido no Registo Bio-Bibliográfico de Madeirenses: Sécs. XIX e XX, de Luiz Peter Clode (que não identifica o autor), “Teodoro Correia foi um poeta de finíssima inspiração. Desde os bancos do liceu que se dedicava às musas, espalhando os seus poemas pelos jornais literários de então” (CLODE, 1983, 131-132). Foi premiado em vários jogos florais na Madeira e no continente. Obras de José Teodoro Correia: Nimbos: Versos de Teodoro Correia (1932); Miragens (1938); Rosas do Meu Canteiro: Versos (1942); Ciclo das Caravelas: Poemeto (1966). Bibliog.: ANDRADE, Adriano da Guerra, Dicionário de Pseudónimos e Iniciais de Escritores Portugueses, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1999; CLODE, Luís Peter, Registo Bio-Bibliográfico de Madeirenses: Sécs. XIX e XX, Funchal, Caixa Económica do Funchal, 1983; MARINO, Luís, Musa Insular: Poetas da Madeira, Funchal, Editorial Eco do Funchal, 1959; VIEIRA, Gilda França e FREITAS, António Aragão de, Madeira – Investigação Bibliográfica (Catálogo Onomástico), vol. I, Funchal, DRAC e Centro de Apoio de Ciências Históricas, 1981. António José Borges (atualizado a 20.05.2016)

condes de vimioso

Título nobiliárquico criado por D. Manuel I por carta de 2 de fevereiro de 1515, sendo primeiro titular D. Francisco de Portugal – filho legitimado de D. Afonso, bispo de Évora, e de D. Filipa de Macedo –, que foi vedor da Fazenda e do conselho dos reis D. Manuel I e D. João III, e camareiro-mor do príncipe D. João. Em 1534, era senhor da vila transmontana de Vimioso (distrito de Bragança) e seus termos, bem como do padroado de suas igrejas, senhor de Aguiar da Beira, alcaide-mor de Tomar, Vimioso e Aguiar da Beira, e comendador de Tomar e Calvedo na Ordem de Cristo, entre outras honrarias. A D. Francisco, sucedeu no condado o seu filho D. Afonso de Portugal, 2.º conde de Vimioso por carta de 12 de outubro de 1560 e senhor das vilas de Aguiar e Vimioso. Em 1549, recebeu como dote a capitania de Machico e a jurisdição das vilas de Machico e Santa Cruz, pelo seu casamento com D. Luísa de Gusmão, filha de Francisco de Gusmão, mordomo-mor da infanta D. Maria, irmã de D. João III, que a comprara’ a António da Silveira por 35.000 cruzados a 17 de setembro de 1548. A capitania de Machico havia sido doada pelo rei a António Silveira em 1541, após esta ter revertido para a Coroa aquando da morte do 4.º capitão, Diogo Teixeira, falecido em 1540, incapacitado e sem descendente varão. A D. Afonso sucedeu o seu filho D. Francisco de Portugal, geralmente considerado 3.º conde, por ter tido mercê do título em 1572, sem dele receber confirmação. Ficaram ambos cativos no Norte de África no decurso da batalha de Alcácer-Quibir. D. Afonso era ainda dado como vivo em 1584, morrendo no cativeiro. D. Francisco foi libertado, sendo um dos que abonaram a morte de D. Sebastião nessa batalha, e juntou-se às forças de D. António, prior do Crato, na luta contra os direitos ao trono português de D. Filipe II de Espanha. Morreu nos Açores a 29 de julho de 1582, prisioneiro dos espanhóis, três dias depois de ter sido ferido em combate naval contra as forças de Filipe II. Após a morte de D. Francisco, passou o condado para o seu irmão, D. Luís de Portugal, 4.º conde de Vimioso, então preso em Espanha com a sua mãe e os seus irmãos no castelo de São Torcaz, onde padeceram as maiores misérias, sendo mal alimentados e bem vigiados. Os bens da casa de Vimioso foram confiscados pela Coroa, entre eles a capitania de Machico, logo doada por Filipe II a Tristão Vaz da Veiga em 1582, pelo serviço que lhe fez ao render a fortaleza de São Julião da Barra sem combate às forças do duque de Alba. Só após a morte do irmão, nesse mesmo ano, foi a família libertada, encetando D. Luís uma longa luta nos tribunais pelos bens e direitos da sua casa, que haviam sido confiscados pela Coroa. Em 1590, parte desses bens entrou em posse dos senhorios de Vimioso e Aguiar da Beira, que não obtiveram, no entanto, a alcaidaria-mor de Tomar nem a capitania de Machico. Após a morte de Tristão Vaz da Veiga em 1604, entrou novamente a capitania de Machico em posse dos condes de Vimioso a 6 de março do mesmo ano, assim permanecendo até à sua extinção na déc. de 70 do séc. XVIII. Entre as obrigações de D. Luís de Portugal, 4.º conde de Vimioso, com respeito à capitania de Machico, contava-se a de construir e manter, a expensas suas, três engenhos de açúcar na capitania de Machico, assim como consertar e tirar levadas para rega dos canaviais. Para além disso, comprometeu-se a financiar os lavradores pobres que quisessem plantar cana sacarina, por forma a que, 15 anos depois, funcionassem os três engenhos, abundasse a água nas levadas e florescessem plantações de cana-de-açúcar em muitos terrenos por toda a capitania, fazendo lucrar a Fazenda régia. D. Filipe II fez mercê ao conde dos direitos reais do açúcar lavrado nos três engenhos, por um prazo de 10 anos, contados a partir da altura em que o conde quisesse receber a primeira novidade. Caso o conde ou os seus sucessores solicitassem ou admitissem a prorrogação do referido prazo de 15 anos, não só perderiam os engenhos, como também a própria capitania de Machico. Esta condição, com pena de reversão da capitania à Coroa, é um caso insólito na história das capitanias madeirenses, podendo ser entendida num contexto de franca decadência da produção açucareira, com graves repercussões na economia da Ilha e na sua recuperação, e com o consequente prejuízo da Fazenda Real. Foi 5.º conde de Vimioso D. Afonso de Portugal, filho de D. Luís, por carta de 9 de dezembro de 1629, senhor das vilas de Vimioso e Aguiar da Beira, da capitania de Machico e dos restantes bens da casa. Sucedeu-lhe como 6.º conde de Vimioso D. Luís de Portugal, filho de D. Afonso, por carta de 15 de janeiro de 1644, senhor das vilas de Vimioso e Aguiar da Beira, da capitania-mor de Machico, comendador de São Martinho de Sande, Santiago de Andrões e São Miguel do Souto na Ordem de Cristo, almirante de Portugal e cavaleiro da Ordem de Avis. Foi 7.º conde de Vimioso o seu irmão, D. Miguel de Portugal, por carta de 18 de junho de 1655, senhor dos bens da casa, entre os quais a capitania de Machico, sucedendo-lhe como 8.º conde o seu filho legitimado D. Francisco de Paula de Portugal e Castro, por carta de 13 de dezembro de 1681, o qual veio a ser 2.º marquês de Valença. Foi 9.º conde de Vimioso o seu filho, D. Miguel João de Portugal, 3.º marquês de Valença e último capitão do donatário de Machico, após o qual as donatarias foram transformadas em alcaidarias-mores, durante o governo do marquês de Pombal, sendo depois extintas por decreto de 13 de agosto de 1832. Muita documentação referente à administração da capitania de Machico pela casa de Vimioso ter-se-á seguramente perdido, tanto no violento incêndio de 25 de novembro de 1726 que destruiu o palácio dos condes de Vimioso e marqueses de Valença, na R. do Alecrim, no espaço onde posteriormente teve lugar o palácio Quintela (Araújo, 1950), como nos incêndios que se seguiram ao grande sismo de 1755, que consumiram o cartório da casa de Vimioso. Foi último conde de Vimioso, quarto deste título, D. José Luís de Sousa Coutinho, com as honras de conde-parente que competiam a esta casa, título que acumulou com o de conde de Redondo, do qual era o décimo sétimo titular, até ao fim da monarquia em 1910. Bibliog.: ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1950; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. xxxvi, Lisboa, Editorial Enciclopédia, s.d.; SALDANHA, António de Sousa e V. S. de, As Capitanias do Brasil: Antecedentes, Desenvolvimento e Extinção de um Fenômeno Atlântico, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001; SOUSA, António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portugueza, t. x, Lisboa, Oficina Sylviana, 1743; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, Funchal, DRAC, 2000. Paulo Perneta (atualizado a 29.03.2016)

câmara, josé manuel da

A escolha de um novo governador e capitão-general para a Madeira, em 1800, recaiu sobre um elemento da corte com relações na Madeira, em princípio, neto do 4.º conde da Ribeira Grande (1712-1757): D. José Manuel da Câmara (c. 1760-c. 1825), que em 21 de março desse ano recebeu “aviso de nomeação”, patente a 8 de maio desse ano e de que prestou juramento a 26 do mesmo mês (ARM, Governo Civil, liv. 197, fl. 1). Com a necessidade de elaboração de novas instruções para o governador, que devem ter tido várias versões, embora acabando por não se afastar muito das anteriores (Governo geral), enviadas a D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (1726-1799) (Coutinho, D. Diogo Pereira Forjaz), as mesmas só foram assinadas a 17 de julho desse ano, pelo que o governador só veio a prestar menagem a 15 de outubro e tomar posse do governo da Ilha quase no final do ano, a 4 de dezembro. As honras de receção no Funchal ficaram a cargo do bispo D. Luís Rodrigues de Vilares (c. 1740-1810), que o foi receber “em um muito decente escaler”, passando depois à fortaleza do ilhéu e daí à cidade, visitando primeiro a Sé do Funchal e só então se deslocando a S. Lourenço (Palácio e fortaleza de S. Lourenço) “palácio que lhe pareceu decentissimamente arranjado”. Aí, na sala do dossel, tomou posse, recebendo do bispo a “bengala de capitão-general”, como no dia seguinte escreveu para Lisboa (ARM, Ibid., liv. 198, fls. 1-1v.). O governador ficou muito bem impressionado com o bispo, antigo professor da Universidade de Coimbra, achando muito agradável o seu discurso e corteses as suas maneiras, opinião que ao longo da sua estadia iria desaparecer por completo. O governador José Manuel da Câmara optou por uma certa encenação de pompa e circunstância na sua estadia no Funchal, a que não teria estranha, por certo, a opinião do prelado que o recebeu, e que deverá tê-lo orientado na tomada de posse; contudo, tal encenação não lhe granjeou muitas simpatias. Ter tomado posse em S. Lourenço e não na Câmara, como era costume, foi a primeira afronta que fez no início do seu governo; e quando, mais tarde, voltou a ultrapassar a Câmara na procissão de Corpus Christi, o Senado juntou as duas. Nos finais de março de 1802 e perante o “despotismo do governador”, que no ano anterior se tinha colocado “indevidamente” atrás do pálio “e adiante da Câmara”, “iludindo os privilégios do Senado e alvarás régios”, os membros do Senado acordaram que o procurador do concelho informasse o governador que deveria “abster-se daquele procedimento para o futuro”. Nessa altura, também deveria o procurador solicitar ao governador que enviasse à Câmara “o aviso por que Sua Alteza mandara que este Senado fosse dar-lhe posse de seu cargo ao palácio de sua residência”, a fim de ser registado na documentação camarária (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações, liv. 1356, fls. 47-48v.). O governador não enviou o aviso, até porque não o tinha, e no ano seguinte mandou o juiz de fora informar que voltaria a pegar no pálio. D. José Manuel da Câmara não assumiu regalias que os seus antecessores não tivessem pontualmente usufruído, pois ao longo do século anterior também temos indicações de as posses terem ocorrido em S. Lourenço, mas o tê-las institucionalizado de forma tão rígida e pomposa não poderia ter sido bem aceite. Quando, no início do verão, se deslocou para a Qt. do Descanso, v.g., determinou o seguinte detalhe de serviço de guarnição: “A guarda do Quartel da Quinta, vulgarmente chamada de Diogo Aires, estará pronta para fazer as continências à chegada de Sua Ex.ª o Il.mo e Ex.mo Sr. General deste Estado e arvorará a bandeira logo que o avistarem; Esta bandeira será permanente e se retirará quando S. Ex.ª se recolha de todo para o seu palácio (S. Lourenço); Saindo S. Ex.ª em palanquim ou qualquer outra comodidade que não seja de cavalo, o sargento com uma guarda de 4 homens o acompanharão como indo de cadeirinha; A casa de campo que vai servir de quartel-general se denomina daqui em diante, dos Reais Próprios” (SARMENTO, 1952, 155-156). Esta tomada de posição não deve ter agradado à antiga nobreza insular e deve ter sido nesse confronto que ocorreu o incidente com Henrique Correia de Vilhena Henriques (1769-c. 1830), irmão do futuro visconde de Torre Bela (1768-1821). O morgado não se teria apeado do cavalo, quando passara perante o palanquim do governador no final do verão de 1803 e perto da Qt. do Descanso, pelo que José Manuel da Câmara o mandou prender de imediato na fortaleza do ilhéu, a pior prisão do Funchal. A corte de Lisboa também não aprovou a posição do governador e, logo que se soube da prisão, o visconde da Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo (1755-1809), mandou libertar Henrique Correia de Vilhena. Nos dias seguintes à sua tomada de posse, o governador assumiu a presidência da Junta da Fazenda; logo a 9 de dezembro, visitou a contadoria, um dos assuntos que lhe tinha sido especificamente encomendado em Lisboa, passou revista às tropas e visitou as principais obras fortificadas do Funchal, mostrando interesse em fazer o mesmo aos restantes trabalhos dessa área num curto espaço de tempo. A situação das forças armadas insulares deixou-o bem impressionado, parecendo-lhe não se encontrarem no “pior pé”, mostrando mesmo “firmeza nas suas marchas” e até alguma “regularidade decente nos fogos”, como comunicou para Lisboa (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 1170). As obras de fortificação entretanto levadas a cabo infelizmente mereceram-lhe as maiores reservas, achando terem sido feitas “exorbitantes despesas” e ter sido “imprópria e mal lograda”, quase toda a obra “que ultimamente se fez” (Ibid.). Esta opinião colocou-o contra os membros do anterior Governo interino assim como contra os oficiais que mais diretamente tinham acompanhado as obras em causas. Nesse quadro, logo a 12 de dezembro, não tinha dúvida em solicitar a vinda de um oficial do Real Corpo de Engenheiros com a patente de tenente-coronel. Alvitrou que este fosse o então Cap. Pedro José Botelho, o que até ao final do seu mandato não conseguiria. Todo o governo de José Manuel da Câmara veio a ser pontuado por longos braços-de-ferro, que não conseguiu ultrapassar por razões várias. Mesmo assim, a situação que melhor resolveu foi a da ocupação inglesa, dadas as razoáveis relações que conseguiu estabelecer com o Brig. William Henry Clinton (1769-1846) e com o Cor. Thomas William Gordon (Ocupações inglesas). Num curto espaço de tempo, na sequência da chamada Guerra das Laranjas e do acordo celebrado entre Portugal, a Espanha e França, que colocava em causa os interesses ingleses nas costas portugueses, ocorreria a primeira ocupação inglesa da Madeira. Esta ocupação encontrou a Ilha sem qualquer possibilidade de resposta. Na hipótese de Inglaterra perder o acesso aos portos do continente português e à passagem estratégica de Gibraltar, não lhe restava outra alternativa, senão a de recuar essa linha de defesa, ocupando a ilha da Madeira para manter no mínimo a segurança das suas rotas no Atlântico. No dia 23 de julho de 1801, uma esquadra inglesa de cinco navios de guerra apresentava-se à vista do Funchal e, a 24, formava “em linha de batalha, fundeando ao longo desta capital, em distância de tiro de espingarda, amarrando-se por todos os lados”, como mais tarde o governador D. José Manuel da Câmara informou para Lisboa (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 1293). O Cor. Clinton e o Cap. James Bowen desembarcaram e dirigiram-se ao palácio de S. Lourenço, informando o governador de que “em consequência da estreita aliança e íntima amizade que há anos tem unido as cortes de Lisboa e Londres, desejando na presente e perigosa crise prestar todo socorro e auxílio” mandava ocupar a Ilha por “uma esquadra de suas naus de guerra”, pelo que o governador dispunha de duas horas para aceitar, de forma incondicional, a presença britânica. Estas forças abandonariam a Ilha assim que as ameaças internacionais se desvanecessem (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações, liv. 198, fls. 23-24). Perante a chegada das forças britânicas, José Manuel da Câmara reuniu de imediato um conselho militar com as principais figuras insulares, salvo o bispo, o corregedor e juiz de fora, que não se encontravam na cidade. Perante o isolamento da Ilha e a formação de combate da força naval britânica, não restava outra alternativa senão aceitar as condições inglesas e esperar que se cumprissem as promessas de abandono da Madeira logo que as condições internacionais o permitissem, o que aliás se cumpriu. As forças ficaram instaladas num acampamento militar na área dos ilhéus, mas, com a chegada do inverno, haveriam de transitar para o futuro quartel do colégio. O comando britânico ocupou a fortaleza de S. Lourenço de onde o governador foi obrigado a sair, recolhendo-se à Qt. do Descanso na R. de Santa Luzia, propriedade de Diogo Aires, onde habitualmente os governadores da Madeira passavam o verão. Em outubro de 1801, eram assinados os Preliminares de Londres, com vista à celebração de uma paz geral entre os interesses ingleses e franceses, pelo que já não havia justificação para a manutenção das chamadas tropas auxiliares inglesas na Madeira. Acrescia que se somavam uma série de pequenos incidentes entre aquelas e a população local, especialmente alguns rapazes “que pelas ruas da cidade arremedavam os oficiais auxiliares britânicos” (RODRIGUES, 1999, 155-156), o que, somado também aos elevados custos que a campanha estava a representar para o Tesouro britânico, levou à ordem de retirada das forças inglesas, dada a 13 de novembro. No entanto as forças britânicas só viriam a sair do Funchal em janeiro do ano seguinte, mas ainda saíram antes da celebração do Tratado de Amiens, assinado dois meses depois, em março de 1802. A estadia das tropas britânicas mereceu os maiores elogios das autoridades locais, pelo menos oficialmente e salvaguardando o bispo da Diocese do Funchal, que se absteve nesse aspeto. Na preparação do embarque, o patrão da ribeira, António da Silva Carvalho, recebeu ordem, a 13 de janeiro, para mandar preparar “todos os barcos do cabrestante prontos para conduzirem a bordo dos transportes toda a bagagem” da tropa britânica e avisado o vice-cônsul inglês para fazer transportar a mesma bagagem para o calhau da praia, e que, se não bastassem os barcos do cabrestante, “mandará apressar os barcos das vilas que vir suficientes (para que) não sofra demora” o embarque (SARMENTO, 1952, 162-163). O Brig. William Clinton entregou as chaves da fortaleza de S. Lourenço a 17 de janeiro e a 19 as tropas começaram a embarcar, tendo o brigadeiro-general apresentado as despedidas finais a 27 do mesmo mês de janeiro. O Brig. Gen. graduado William Clinton seguiu para Londres no Arcthusa, comandado pelo Cap. Wooley, e o 1.º batalhão do 85.º regimento, a bordo da nau Ruyter e no navio de transporte Calcutá, seguiu para a Jamaica, nas Índias ocidentais inglesas, onde viria a servir sob as ordens do Maj.-Gen. Nugent. William Clinton viria a servir na Suécia, depois do que foi promovido a major-general, em 1808, e nas campanhas da Catalunha, então com tropas portuguesas, onde foi promovido a tenente-general, em 1823. Em janeiro de 1827 desembarcaria em Lisboa à frente das tropas inglesas que vieram apoiar a regência da infanta D. Isabel Maria. Os primeiros meses de governo de José Manuel da Câmara tinham sido ocupados, entre outros assuntos, com o problema da baldeação do vinho na Pç. do Funchal e uma série de denúncias relacionadas com essa área, assuntos que lhe haviam sido entregues em Lisboa. Teria comunicado o assunto à Câmara, pelo que a 23 de maio de 1801 recebia uma representação do Senado e dos “homens bons da Casa dos 24” protestando novamente contra a pretensão de Domingos de Oliveira e acusando-o de no porto do Funchal, “ou fora dele, misturar aqueles com estes vinhos e fazê-los passar por vinhos da Madeira, com que estes se desacreditarão, perdendo o seu grande preço” (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 1203-1204). Para além da representação camarária, foi também enviada uma representação do cônsul inglês Carlos Murray, em nome dos comerciantes estrangeiros e nacionais radicados na Ilha. José Manuel da Câmara responderia ao gabinete real em 25 de maio exclusivamente sobre o problema da “baldeação” do vinho do Faial, depreendendo-se que tudo o resto de que fora incumbido por D. João VI teriam sido vagas acusações. José Manuel da Câmara mandara o presidente e juiz de fora da Câmara do Funchal ouvir novamente a “nobreza e povo” sobre a entrada do vinho do Faial e entendia que o assunto era “sem dúvida um dos problemas de maior consideração e peso dos que me foram incumbidos antes da minha chegada a esta Ilha”. Enviava assim nova informação, “cujos sentimentos” lhe pareciam “muito bem fundados e igualmente semelhantes aos anteriores procedimentos” dos seus “predecessores neste lugar”. O governador José Manuel da Câmara não duvidava assim da mesma, “por estar dignamente persuadido de que sendo os vinhos da Madeira a sua principal moeda, que tudo o que tenda a falsificá-los ou confundi-los é preparar a sua ruína, e nesta a dos reais direitos de V. A. R. que tanta consideração se prova serem pelas avultadas remessas que tão frequentemente se dirigem ao Erário Régio dessa capital do Reino” (ARM, Governo Civil, liv. 198, fls. 11v.-12). As grandes dificuldades que no entanto imediatamente se lhe depararam foram as da corte de Lisboa, que não compreenderia a situação da Madeira e nem sequer o que tinha mandado o governador executar, preocupando-se, em primeiro lugar, em assegurar os seus rendimentos na Ilha. Por outro lado, localmente, deparou com uma burocracia governamental instituída, principalmente por parte da Junta da Fazenda, mas também por um certo status quo, inclusivamente com possibilidades de relações paralelas com a capital, o que não só lhe boicotava determinadas iniciativas, como lhe reservava um espaço de manobra excecionalmente limitado. Os problemas surgiram logo na implantação do novo sistema militar que lhe fora determinado em Lisboa. Depois de avaliar a situação ao longo de cinco meses, o governador propôs para a corte a nomeação dos principais quadros para os vários distritos e para o corpo de artilharia, tendo o cuidado de evitar que as propostas aumentassem as despesas da Fazenda Real, e cumprir o que lhe fora determinado, de prover as faltas com elementos residentes. Teve mesmo o cuidado de escolher a data do aniversário real para a proposta e de informar que os oficiais em causa, para além de serem os mais aptos, se destinavam à “formatura do Batalhão” que, “conforme as Reais Ordens”, se estava a montar (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 1194-1196). Mesmo depois da primeira ocupação inglesa e da constatação na corte de que a organização militar da Ilha não correspondia minimamente às necessidades, nenhuma das propostas de nomeação feitas pelo governador José Manuel da Câmara foi aprovada. Acresce que se tratava de um plano que, em geral, já havia sido sancionado e que fazia inclusivamente parte das instruções que lhe tinham sido entregues ainda em Lisboa. À época, a situação da corte era de tal forma inoperante – tendo-se mantido assim mesmo com os governadores seguintes – que, em 1805, se pedia nova proposta sobre o assunto, quando já muito antes se tinham despachado as diretivas gerais da organização militar. Perante a inoperância de Lisboa, o governador limitou-se a gerir a situação de crise vigente, provendo as fortalezas de reparos de artilharia, mesmo de forma limitada, e mandou preparar a plataforma para montar o guindaste do forte de S. José da Pontinha. Com a saída das forças inglesas, tentou-se de alguma forma implantar os principais elementos estudados em colaboração com os comandos ingleses, tanto na área do Funchal, como em Machico e no Porto Santo, mas sempre muito aquém do inicialmente previsto, por dificuldades económicas e de articulação com os elementos da Junta da Fazenda. O governador presidia à Junta da Fazenda e logo de início tentou ter algum controlo sobre essa instituição, mas os elementos da Junta correspondiam-se diretamente com o Erário Régio e facilmente encontravam cobertura por parte do novo presidente desta instituição, D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1745-1812), conde de Linhares e secretário de Estado da Fazenda. Com a saída das forças britânicas e a assinatura da Paz de Amiens, o Erário Régio passou a limitar as verbas para os aspetos imediatos de defesa, afastado que estava, em princípio, o espectro da guerra. Assim, embora por vezes implicitamente, o presidente do Erário Régio acabou por dar cobertura a todas as resistências da Junta da Fazenda em relação às despesas com obras militares. Nesse quadro, entendem-se as contínuas reservas às ordens do governador, mormente pelo contador geral interino, Inácio da Silva Carvalho Ferreira, que o governador chegou a mandar prender na fortaleza de Santiago, em abril de 1802, e que o secretário de Estado mandou libertar em setembro. A situação também não era melhor com o escrivão deputado interino, Manuel Gonçalves de Abreu. O governador chegou mesmo a escrever que, quanto menor fosse a sua capacidade de intervenção, menor seria a sua “responsabilidade” na ação da Junta (ARM, Governo Civil, liv. 198, fl. 26v.), assim como que só com um “golpe de autoridade suprema” se poderia repor o funcionamento da mesma, pois em sua opinião os rendimentos reais estavam a ser gravemente prejudicados. O ministério ainda tentou suavizar as atitudes impulsivas do governador, através de um “brinde real” de um conto de réis, em agosto de 1802, tecendo-lhe elogios à atuação e, especificamente, premiando-o pelo “aumento das rendas reais” apresentado na conta de 20 de fevereiro desse ano (RODRIGUES, 1999, 185-186). Os rendimentos da ilha da Madeira apresentavam, com efeito, um aumento regular, que se manteria até 1815, e, face ao brinde real, o governador passou a insistir em várias obras do domínio das fortificações, sem consulta ao Erário Régio, como estava obrigado, o que lhe valeu novas repreensões. O visconde de Anadia repreendeu-o, v.g., em setembro de 1802, por mandar executar obras sem autorização e o “conselho de experientes”, arriscando-se a torná-las mais dispendiosas e, futuramente, “desnecessárias e demolíveis”, como já tinha acontecido. A Junta da Fazenda era um órgão colegial, pelo que o governador não podia atuar de forma unilateral, até porque “seria estranho exemplo instituir uma nova jurisdição sobre a Junta” (ARM, Governo Civil, liv. 197, fl. 49). O próprio presidente do Erário Régio repreendeu o governador no mês seguinte, pedindo-lhe a “atenção para as enormes despesas da fortificação”, assim como “o respeito que lhe deveriam merecer os oficiais da Fazenda”. Acrescentava ainda, que “cairia no real desagrado se o não fizesse, agravando o seu procedimento, por ser praticado por um militar com palavras insultantes e excessivas ameaças, sem admitir resposta ou escusa” (ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, liv. 778, fls. 23v.-24). Em maio de 1803, a situação internacional voltou a ensombrar-se com o rompimento da Paz de Amiens, pelo que o visconde de Anadia não teve outra alternativa senão recomendar as “medidas e preocupações de defesa” que a situação aconselhava. Acrescentava no entanto que, de momento e mais uma vez, a posição portuguesa era de neutralidade, “enquanto for possível” (ARM, Governo Civil, liv. 197, fl. 59), o que para a Madeira, isolada no meio do Atlântico, era a pior hipótese. Nos meses seguintes, o governador voltou a incentivar as obras de fortificação e até a pensar na construção de um novo edifício para quartel, mas uma terrível aluvião, ocorrida a 9 de outubro desse ano, fez suspender todos os trabalhos de fortificação militar. As maiores dificuldades ocorreram com o bispo do Funchal, D. Luís Rodrigues de Vilares. O bispo assumira o governo interino da Madeira e afastara-se inclusivamente dos restantes membros do triunvirato, ou seja, o governo interino constituído após a morte do governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (1726-1798) (Coutinho, D. Diogo Pereira Forjaz). A posição do bispo é patente, v.g., no livro das eleições da Confraria da Soledade do Convento de S. Francisco do Funchal, para onde os governadores, após a tomada de posse, tradicionalmente entravam. O bispo entrou para a confraria a 12 de abril de 1779, mandando exarar “bispo e governador deste estado”, com uma cartela semelhante aos restantes. No entanto, a 21 de abril de 1800, mandava pintar na folha de rosto desse livro uma aparatosa cartela com as suas armas de fé encimadas por coroa de conde, intitulando-se presidente da Confraria e, de novo, “bispo de governador deste estado” (ARM, Governo Civil, liv. 235, fl. 1) (Brasões). Quando da chegada do novo governador e aos primeiros contactos, depois de o ter recebido em dezembro, aparentemente muito bem, a 8 de fevereiro o bispo solicitava diretamente a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, depois de o felicitar pela sua nomeação para presidente do Real Erário, para se deslocar a Lisboa, “para tratar da sua saúde” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 1173). No dia seguinte ainda escrevia sobre “a falta de ilustração do clero” da Madeira, numa alusão muito provável à situação do colégio dos jesuítas e das dificuldades que tinha em prover as diversas paróquias e benefícios eclesiásticos, enumerando as vagas que possuía (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 1174). Ora tudo leva a crer que estas cartas teriam surgido após a troca de impressões ocorrida com o governador, onde este, com certeza, trocou informações sobre a situação da Ilha, pois o bispo do Funchal era o número dois da hierarquia insular. Também terá dado conta, em princípio, das instruções de que vinha incumbido. Mesmo que D. José Manuel da Câmara não o tivesse feito diretamente, na Ilha não é fácil guardar segredo. Acontece que pelo menos dois aspectos destas instruções não podiam agradar ao prelado. Primeiro, a alusão de que “debaixo do pretexto de religião” se poderiam violar os direitos reais e que era ao governador que competia a inspeção das escolas públicas (ARM, Governo Civil, liv. 197, fls. 32-38); este aspeto parece ser o que levava o bispo a querer ir a Lisboa. Segundo, a ordem entregue ao governador em Lisboa, que concedia o Colégio dos Jesuítas para “celeiro público” (Ibid., fl. 4v.). O bispo não se deslocou a Lisboa, mas o afastamento entre as duas entidades começou a definir-se aquando da chegada das forças inglesas, quando o D. Luís Rodrigues de Vilares se recusou a regressar ao Funchal e a participar nas reuniões, arvorando-se em defensor dos interesses da Coroa portuguesa. O afastamento piorou com a proposta do governador de cedência do Colégio para aquartelamento das forças britânicas e continuou quando o bispo, adiantando-se ao governador, assim que houve conhecimento da assinatura dos Preliminares de Londres, a 26 de novembro de 1821, mandou celebrar três dias de luminárias e um Te Deum na Sé do Funchal, ao qual, por ordem do governador, nenhum militar compareceu. Com a saída das forças inglesas, o governador, que já tinha manifestado a sua vontade de ficar com o Colégio para aquartelamento, protelou a entrega das chaves deste edifício, alegando a ordem que tinha para a sua utilização para celeiro público e o facto de ali terem ficado provisões inglesas, que não haviam sido embarcadas. Como entretanto a corte também não tomou posição sobre o destino do edifício, a 13 de maio de 1803 mandou oficialmente aquartelar no Colégio o batalhão de artilharia. O bispo D. Luís Rodrigues de Vilares já se havia queixado para Lisboa de que não lhe queriam entregar o Colégio, enviando cópias das doações anteriores; e, embora ainda tenham mandado devolver-lhe as chaves do edifício, este acabaria por não voltar para a posse da Diocese. Nos finais de 1801, o governador oficiava para Lisboa que, conforme instruções que tinha, o Colégio estava destinado para aquartelamento militar e celeiro público. Tinham estado lá uns 15 ou 20 seminaristas, mas que “aliás estavam bem no lugar em que estão, que é muito perto”. Em fevereiro seguinte, ainda acusava o prelado de não lhe ter dado as chaves a ele, “mas sim ao brigadeiro Clinton”, pelo que não se sentia no dever de lhas entregar e que a “renda do Seminário pelo dinheiro régio supria a do edifício” (ARM, Governo Civil, liv. 198, fls. 19v.-20). Em junho de 1802, voltava a insistir, perante as reclamações do bispo, que “as provisões inglesas tinham ficado no Colégio” e com isso se “poupava à Fazenda Real duzentos mil cruzados”. Sobre a necessidade do edifício para a educação do clero, alegada pelo prelado, respondia que não sabia se prejudicava a “educação do clero da Ilha, que provera ao Céu fosse presentemente mais regular” (Ibid., fls. 26v. e 31-32). Teria sido na sequência desta questão que o governador resolveu assumir um dos encargos até essa época da responsabilidade da Igreja. Com base na situação de muitas raparigas expostas, “que vagueavam sem destino”, propõe em março de 1802 a criação, também na Ilha, de uma Real Casa Pia, onde essas raparigas pudessem ser recolhidas e educadas (Ibid., fl. 29). D. José Manuel da Câmara retorna o assunto em junho desse ano, propondo que a sede da Real Casa Pia seja na capela de São João da Ribeira, e volta a escrever a este respeito em outubro. Esta capela tinha sido sede do primeiro núcleo franciscano da Madeira e tinha sido quase totalmente reconstruída pelo conde de S. Miguel, D. Álvaro Xavier Botelho de Távora (1708-1789) (Távora, D. Álvaro Xavier Botelho de), quando este ocupara o cargo de governador da Madeira, entre 1751 e 1754, e oferecera inclusivamente os painéis de azulejos da capela-mor. A capela estava entregue à paróquia de S. Pedro e com os anexos ocupados por recolhidas franciscanas leigas. Como a Casa Pia era uma organização de caráter régio, à semelhança da de Lisboa, era mais uma tentativa de intromissão na área até então do prelado do Funchal. Com um certo afastamento entre as cortes de Lisboa e de Londres, e a consequente aproximação à esfera de influência francesa, os comerciantes ingleses da Madeira começaram a movimentar-se, criando dificuldades à ação do governador. Entre as ações desenvolvidas, contam-se uma série de reuniões efectuadas “à porta fechada” entre o bispo e o cônsul José Pringle, assim como uma série de “faltas de consideração e respeito” à pessoa do governador e ao Governo central (RODRIGUES, 1999, 191). O bispo não compareceu à festa comemorativa do aniversário real, a 13 de maio, em S. Lourenço, o chamado “brinde real”, mas compareceu à festa com baile em casa do cônsul britânico, por ocasião do aniversário de Jorge III de Inglaterra. Como o governador comunicou para Lisboa, “para grande males, grandes e eficazes remédios” (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 1355-1358), e em junho de 1803 fixou-lhe residência no Santo da Serra, proibindo-o de entrar no Funchal, decisão revogada a 22 de agosto pelo Governo de Lisboa. Em causa estariam não só as várias faltas de cortesia entre as duas individualidades, mas também as reuniões secretas realizadas entre o bispo, o cônsul José Pringle e outros elementos, que os informadores do governador indicavam como maçons da Madeira, informação que não se devia afastar da verdade, pois funcionavam então no Funchal várias e ativas lojas maçónicas, e tanto o cônsul como o vice-cônsul eram membros das mesmas, tal como os membros das principais famílias madeirenses. Entre estes encontrava-se Henrique Correia de Vilhena Henriques, irmão do futuro visconde de Torre Bela, que o governador mandara prender no verão de 1803 e que, já em dezembro de 1791, em Lisboa, fora ouvido pelo Tribunal do Santo Ofício por frequentar lojas maçónicas no Funchal. O governador acusa também o bispo de pedreiro-livre, levanta-lhe um processo e alvitra mesmo para Lisboa se, como lhe fora determinado nas instruções que recebera, não o deveria mandar prender e enviar para Lisboa. O bispo, no entanto, também possuía contactos em Lisboa, pelo que, em julho desse ano, o governador da Madeira queixava-se ao visconde da Anadia de que o andariam a denegrir na corte. Assim, só um novo “barão de Alverca” poderia “decepar” o mal, mas mesmo assim necessitaria de apoio no ministério (Ibid., doc. 1293). A referência ao antigo governador da Madeira, João António de Sá Pereira (1719-1804) (Pereira, João António de Sá), que tomara atitudes verdadeiramente ímpares no Funchal e para as quais sempre tivera o apoio do marquês de Pombal, era quase perfeita, pois o barão de Alverca era tio do visconde da Anadia. No entanto, o tempo não era o mesmo e, principalmente, Sá Pereira nunca tivera o mais pequeno desentendimento com o então bispo do Funchal. As questões entre a comunidade inglesa e o governador chegaram a levar à prisão de um influente membro da praça comercial britânica, William Penfold (1776-1835), que D. José Manuel da Câmara mandou inclusivamente prender no consulado britânico, em outubro de 1803, por alegado desrespeito à sua autoridade. A decisão era tão inusitada que foi contestada por todo o corpo consular acreditado na Ilha e, inclusivamente, não teve o apoio do corregedor, José Pedro de Lemos. A ação do governador D. José Manuel da Câmara teve assim alguns aspetos difíceis, que extravasaram muito as suas competências. Logo que chegara ao Funchal, v.g., o governador planeara uma série de obras mais ou menos megalómanas, entre as quais uma grande praça para levantar uma estátua em bronze de D. João, príncipe regente, a cavalo e sobre um pedestal, em reconhecimento “pelos incomparáveis benefícios geralmente recebidos” (ARM, Governo Civil, liv. 198, fls. 30-32v.). Claro que Lisboa não se opôs à ideia, mas lembrou que naquela altura “não convém diminuir a sobra das rendas reais, que se remetem para o Erário”, pelo que a obra se deveria “depois executar com mais vagar” (Ibid., liv. 197, 28 maio 1802). Também se encontrou muitas vezes em confronto com a Câmara. Um dos problemas mais graves nestes anos era a importação de “vinhos de fora”, que não poucas vezes serviam para “baldear” com o vinho local, prática a que o Senado camarário se opunha terminantemente. Sobre este assunto o governador já trouxera de Lisboa, para averiguar, queixas chegadas à capital. O governador, no entanto, em breve também pretendia desembarcar 50 pipas de vinho de Málaga, atitude a que o Senado se opôs por unanimidade, demonstrando uma posição muito firme nesse âmbito. Dentro desses conflitos e perante queixa apresentada em Lisboa pela Câmara, na sessão de vereação de 18 de outubro, v.g., era mostrada a resposta régia. Estranhava o príncipe D. João que o governador “andasse a afixar editais e ordens suas”, leia-se a mandar afixá-las, com certeza, “nas portas das igrejas do campo”, segundo se queixara a Câmara. Acrescentava-se ainda que o governador não tinha direito a “lugar e cadeira nos presbitérios das igrejas” durante as celebrações eucarísticas e religiosas, assim como deveria devolver as chaves e permitir livre acesso ao edifício do Colégio, o que como sabemos não cumpriu, até porque Lisboa veio a alterar essa posição (ARM, Câmara Municipal do Funchal, liv. 1365, fls. 92-92v.). Em relação à Câmara, desde a sua chegada, que o governador insistia na necessidade de abrir um mercado de frescos no meio da cidade, não se conseguindo chegar a acordo sobre o local. Como era seu hábito, o governador oficiou à edilidade, a 15 de janeiro de 1803, que deveria demolir a capela de S. Sebastião e duas casas anexas, tudo propriedade camarária. A velha capela encontrava-se em avançado estado de ruína, mas o Senado ter-se-ia escusado a cumprir a ordem, limitando-se a fazer transferir as imagens para a capela de Santiago, igualmente propriedade camarária. Na sessão de 22 de janeiro, perante novo ofício do governador, os vereadores acabaram por aceitar a demolição, se é que o assunto não fora anteriormente acordado entre alguns dos vereadores e o governador, alegando-se na vereação que o prelado já havia “transferido as imagens” (Ibid., fls. 82-82v.). Na manhã seguinte a capela apareceu arrasada, acabando por ser o bispo do Funchal a única entidade a protestar contra o sucedido, pois não havia sido consultado. Em 27 de janeiro, o governador comunicava para Lisboa o início dos trabalhos da praça pública, que “frívolos e cansados protestos” tentavam protelar, nesta “falta de polícia, de que aliás não carece mesmo aldeia alguma do reino”. Os trabalhos de nivelamento do solo e de construção das barracas duraram pouco tempo, já se vendendo “na nova praça hortaliças e algumas frutas” desde 21 de maio (ARM, Governo Civil, liv. 198, fls. 46-46v.), realizando-se a inauguração do mercado no dia 18 de junho. Em janeiro de 1821, quase 20 anos depois e perante a aclamação na Madeira da revolução constitucional de agosto do ano anterior, em reação à situação, tentou-se a reconstrução da velha capela, mas sem qualquer sucesso. A cidade habituara-se à nova praça e a Câmara delimitara mesmo aquela zona para venda de comestíveis, pressionando, em 1823, os vendedores de pão das redondezas a transferirem-se para ali. Não poderemos deixar de salientar que se ficaram a dever a D. José Manuel da Câmara os primeiros projetos para o alargamento da cidade do Funchal para poente, a chamada nova cidade das Angústias, assunto de que já se falava desde os finais do século anterior e que com o desastre da aluvião de 9 de outubro de 1803 se tornou urgente. O assunto foi logo presente à vereação de 11 de novembro desse ano, sob a forma de um “plano simétrico” projetado para se levantar de Santa Catarina até ao Ribeiro Seco (ARM, Câmara Municipal do Funchal, liv. 1365, fl. 97v.-98). Por essa altura surgiu outro projeto menos ambicioso, envolvendo um loteamento na área da Torrinha. O projeto das Angústias seria depois desenhado pelo Brig. Reinaldo Oudinot (c. 1747-1807) e arrastar-se-ia por todo o séc. XIX e inícios do séc. XX. Em causa estavam inúmeras e complexas expropriações, que levaram à Câmara, em sucessivas sessões, “a nobreza e o povo”, por vezes sob a presidência do governador ou do corregedor (Cemitério das Angústias e Urbanismo). Perante as dificuldades sentidas na Ilha já a 15 de setembro de 1802, D. José Manuel da Câmara pedia para regressar ao reino. No entanto, o gabinete de Lisboa optara por lhe exigir que cumprisse escrupulosamente os três anos de governo, como era hábito, não dando assim azo para que, quer o governador, quer o bispo saíssem beneficiados nas suas quezílias. O governador era informado da sua substituição a 21 de novembro, com a indicação de que deveria regressar na mesma fragata, a Carlota Joaquina, onde ia o seu sucessor. O novo governador, Ascenso de Sequeira Freire (c. 1760-c. 1825), foi acompanhado do juiz desembargador Joaquim António de Araújo, para proceder a uma “sindicância” sobre as atitudes do governador e do bispo, com carta régia datada de 15 de outubro (ARM, Governo Civil, liv. 199, fl. 5), tendo o bispo e o governador regressado ao continente quase em simultâneo, nos dias 10 e 11 do mesmo mês, em navios diferentes, para que na Ilha não interferissem no trabalho do desembargador. A acusação do bispo e do governador veio a ser feita pelo desembargo do paço, em meados de 1805, altura em que “foi tomada em madura consideração” todo o material recolhido. Concluiu-se que o governador não se portara bem com o bispo, mas que este também não tivera um comportamento exemplar com o governador, tendo-o injuriado “com palavras impróprias” de um prelado, que deveria apresentar “mansidão e paciência evangélica do seu pastoral carácter”. No entanto, o príncipe regente veio a perdoar a ambos, autorizando o bispo a regressar à sua Diocese, o que só viria a acontecer mais tarde, e concedendo ao governador a honra e mercê de ir “beijar a minha real mão”. Futuramente sobre este assunto deveria ser “guardado perpétuo silêncio” (ARM, Governo Civil, liv. 199, fls. 24v.-25v.). O bispo só regressaria ao Funchal alguns anos depois e já bastante debilitado, falecendo em 1810. Em 1811, D. José Manuel da Câmara ainda haveria de ser indigitado para representar os interesses portugueses em Washington, mas a situação política não seria muito clara e o antigo governador da Madeira teria feito tudo para se esquivar ao lugar, vindo a ocupá-lo, no ano seguinte, o célebre abade Correia da Serra (1750-1723). Bibliog.: manuscrita: AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 1170, 1173-1174, 1191, 1194-1196, 1203-1204, 1218-1222, 1273-1279, 1285-1308, 1355-1358, 1383-1389, 1390-1398, 1406-1408 e 1708; ARM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações, livs. 1356 e 1365-1368; ARM, Governo Civil, livs. 197-199 e 235; BNP, reservados, cód. 8022, Coleção de Ordens e Providências; ANTT, Ministério do Reino, avulsos, mç. 498; ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, liv. 778; ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, cx. 28, proc. 85797; impressa: CARITA, Rui, História da Madeira, vol. VI, Funchal, SRE, 2003; MARQUES, A. H. de Oliveira, História da Maçonaria em Portugal, 3 vols., Lisboa, Presença, 1990-1997; RODRIGUES, Paulo Miguel, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das Campanhas Napoleónicas, Funchal, CEHA, 1999; Id., Estudos sobre o Século XIX na Madeira, Política, Economia e Migração, Funchal, Imprensa Académica, 2015; SARMENTO, Alberto Artur, Ensaios Históricos da Minha Terra: Ilha da Madeira, 3 vols., Funchal, JGDAF, 1952; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, DRAC, 1998. Rui Carita (atualizado a 16.09.2016)

câmara, joão agostinho pereira de agrela e

Investigador no âmbito da Literatura e da História, dedicou-se, com especial ênfase, às pesquisas genealógicas. Nesse sentido, escreveu uma coleção de memórias genealógicas, manuscrita e em 6 volumes, que intitulou Genealogias da Ilha da Madeira. Palavras-chave: Genealogia; Literatura; História. Nasceu no Funchal, em março de 1777 e faleceu na mesma cidade em 28 de fevereiro de 1835. Seus pais eram João Agostinho Teles de Meneses e Ana Francisca de Castelo Branco e Câmara, casados em 26 de junho de 1776. Não chegou a contrair matrimónio com Vicência Teles de Meneses Esmeraldo, filha de Cristóvão Esmeraldo Teles e de Maria de Mendonça, uma vez que aquela faleceu na véspera do casamento. Dela teve dois filhos. Casou-se por procuração com Quitéria Francisca Esmeraldo da Câmara, falecida a 25 de Agosto de 1856 em Santa Cruz. Tiveram três filhos: Pedro Agostinho de Agrela e Câmara, Gaspar Agostinho Pereira de Meneses e Maria Antónia, que casou com José Cupertino da Câmara. Simpatizava com as ideias liberais, tendo sido, por este motivo, preso em 1825 e enviado para Lisboa, onde permaneceu um ano na fragata D. Pedro e outro ano na cadeia do Limoeiro. Regressou à Madeira somente em 1834. Exerceu a função de escrivão na Câmara do Funchal e foi sócio efetivo da Sociedade Funchalense dos Amigos das Ciências e das Artes. Possuía, com efeito, a mais importante livraria que no seu tempo houve na ilha da Madeira. Ao longo da vida, dedicou-se aos estudos literários e históricos e muito em especial às investigações genealógicas, tendo sido um escritor muito estimado. Teve a iniciativa de, no princípio do séc. XIX, mandar extrair a cópia de Saudades da Terra que veio a servir de texto à publicação que desta obra fez Álvaro Rodrigues de Azevedo em 1873. É da sua autoria uma coleção de memórias genealógicas, manuscrita em 6 volumes com 2276 folhas, que intitulou Genealogias da Ilha da Madeira e que abrange quase todas as famílias nobres madeirenses, encontrando-se, segundo afirmava Rui Bettencourt da Câmara, na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, uma vez que integra o importante fundo de manuscritos que Ernesto do Couto doou à mesma. Em 1873, esse manuscrito encontrava-se na posse do seu filho Pedro Agostinho Pereira de Agrela e Câmara. Supõe-se, todavia, que o trabalho que ali está é composto somente por apontamentos que serviram à preparação da obra, cujo paradeiro se desconhece. Bibliog.: “Agrela e Câmara, João Pereira de”, in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia Lda., s.d., p. 587; CLODE, Luiz Peter, Registo Bio-Bibliográfico de Madeirenses: Sécs. XIX e XX, Funchal, Caixa Económica do Funchal, 1983. António José Borges (atualizado a 14.12.2016)

câmara, fernando augusto

Poeta, artista decorador e cenógrafo. Foi um dos mais antigos dirigentes do movimento desportivo da Madeira. Colaborou no Diário de Notícias, no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro, no Almanaque de Lembranças Madeirenses, no Almanaque da Madeira, no Almanaque Ilustrado do Diário da Madeira, no Diário Popular, no Eco do Funchal e em outros jornais do Funchal. Palavras-chave: poesia; imprensa periódica; decoração; cenografia; desporto. Fernando Augusto Câmara nasceu na freguesia de Santa Luzia, em 11 de junho de 1880. Seus pais eram João Urbano Câmara e Luzia Augusta da Piedade Câmara, que fixaram residência nos Açores. Foram seus irmãos João Urbano Câmara Júnior e Luís Câmara, que também se estabeleceram nos Açores. Era tio-avô do caricaturista açoriano Vítor Câmara, que passou pela Madeira por alturas do Natal de 1947. Augusto Câmara exerceu funções de alta responsabilidade na Direção das Obras Públicas da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, demostrando uma elevada aptidão para o desenho. Era, com efeito, um exímio artista decorador e cenógrafo, tendo executado vários trabalhos para o Teatro Municipal e deixado, embora dispersa, uma obra que atesta os seus talentos como desenhador. Entusiasta da educação física, foi um dos mais antigos dirigentes do movimento desportivo da Madeira. Entre 1932 e 1933, Fernando Augusto Câmara foi presidente do Club Sport Marítimo, que, em 2015, contava com cerca de 24.000 sócios inscritos. Fundado em 20 de setembro de 1910, a sua principal modalidade é o futebol, apresentando igualmente as práticas do andebol, do automobilismo, do atletismo, do basquetebol, do futsal, do hóquei em patins, da patinagem, do karatê, da natação, da pesca desportiva, do tiro e do voleibol. Augusto Câmara foi também um grande impulsionador do charadismo na Madeira e colaborou em diversas revistas da especialidade, quer em Portugal quer no estrangeiro. Atentando na imprensa jornalística e em outras publicações da Madeira e do continente, verifica-se que escreveu no Diário de Notícias, no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro, no Almanaque de Lembranças Madeirenses, no Almanaque da Madeira, no Almanaque Ilustrado do Diário da Madeira, no Diário Popular, no Eco do Funchal e noutros jornais do Funchal. Mais tarde, dedicou a maior parte do seu tempo à leitura, isolando-se entre os seus livros, consagrando-lhes a sua melhor atenção. Entusiasmou-se com os primeiros Jogos Florais da Madeira e enviou para o concurso uma composição dedicada a António Gomes, que também se dedicava às letras; publicou outros poemas em jornais e revistas. Luís Marino, na obra Musa Insular, destaca os poemas “Ilha dos Amores”, um soneto acróstico, no qual sobressai, lendo a primeira letra de cada verso ao longo do poema, a expressão “perolado oceano”, e “Balada”, composta por três sugestivas e expressivas estrofes (sextilhas), ambas com data de 1904 e publicadas no Funchal. Importa referir ainda que se dedicava ao estudo da Filologia. Na verdade, na altura em que faleceu no Funchal, a 30 de junho de 1949, tinha em mãos a preparação de um dicionário de mitologia. Bibliog.: CLODE, Luiz Peter, Registo Bio-Bibliográfico de Madeirenses: Sécs. XIX e XX, Funchal, Caixa Económica do Funchal, 1983; MARINO, Luís, Musa Insular – Poetas da Madeira, Funchal, Editorial Eco do Funchal, 1959; PORTO DA CRUZ, Visconde do, Notas e Comentários para a História Literária da Madeira, vol. III, Funchal, Câmara Municipal do Funchal, 1949; VIEIRA, Gilda França e FREITAS, António Aragão de, Madeira – Investigação Bibliográfica (Catálogo Onomástico), vol. I, Funchal, Centro de Apoio de Ciências Históricas, 1981. António José Borges (atualizado a 20.05.2016)