Mais Recentes

junta de planeamento 1975

A transição da Madeira para o processo democrático foi de certa forma calma, se comparada com a agitação vivida no continente ou nas antigas colónias portuguesas de África. As forças militares e militarizadas não colocaram especiais problemas ao Movimento das Forças Armadas (MFA), e a primeira agitação, aliás vaga, decorreu na manifestação do 1.º de Maio, quando apareceu um cartaz a colocar em causa a presença no Funchal dos ex-governantes Américo Thomaz (1894-1987) e Marcello Caetano (1906-1980), com os dizeres “A Madeira não é caixote de lixo”. A notícia chegou a António de Spínola (1910-1996), que presidia à Junta de Salvação Nacional e se comprometera com Marcello Caetano, no quartel do Carmo, a fornecer-lhe proteção pessoal, pelo que poucos dias depois se encontrava na Madeira um delegado do Movimento, o Ten.-Cor. Carlos de Azeredo Pinto Melo e Leme (1930-) (Azeredo, Carlos de). A função do delegado do Movimento era a segurança das altas figuras do final do Estado Novo, mas, embarcadas as mesmas para o Brasil, a 20 de maio, teve de aguardar a nomeação do governador civil do Funchal (Governo civil), Fernando Rebelo (1919-2002) (Rebelo, Fernando Pereira), somente exarada a 7 de agosto. O novo governador tomou posse em S. Lourenço a 8 de agosto e, nesse mesmo dia, Carlos de Azeredo regressou ao continente, fixando-se no Porto. A 13 de setembro de 1974, o novo governador civil do Funchal – em consequência do pedido de exoneração de Rui Vieira (1926-2012), pedido que nunca fora aceite por Carlos de Azeredo – nomeava nova presidência para a Junta Geral. A 10 de outubro, a Junta Geral é dissolvido e é nomeada uma comissão administrativa, que também não resistiu muito tempo. As nomeações que se seguiram, essencialmente de elementos sem impacto político e social nas restantes estruturas locais, que não haviam sofrido especiais alterações, tornariam a situação geral insustentável a curto prazo. A instabilidade que se viria a desenvolver depois na Ilha levou a que, por solicitação dos elementos do Movimento na Madeira, o Ten.-Cor. Carlos de Azeredo, então graduado em brigadeiro, regressasse no final desse ano de 1974 ao Funchal. A 11 março de 1975, em Lisboa, entretanto, registava-se novo pronunciamento militar. O grupo mais moderado de forças políticas e militares ligadas ao Gen. António de Spínola, que não tinha aceitado o seu afastamento, a 30 de setembro, na sequência do falhanço da manifestação da “maioria silenciosa” de dois dias antes, nem, essencialmente, o acelerado processo de descolonização e de politização progressiva da sociedade portuguesa, movimentou-se. Os grupos mais politizados e a Comissão Coordenadora estavam, no entanto, atentos à movimentação, pelo que a mesma se saldou por um novo fracasso, sendo o Gen. Spínola definitivamente afastado, e tendo tido, inclusivamente, de abandonar o país. As notícias chegadas ao Funchal levaram à realização de manifestações de rua em apoio ao MFA. O processo foi acompanhado pelos comandos militares madeirenses, não tomando o Brig. Carlos de Azeredo qualquer posição, dependente, até certo ponto, que estava ainda do governador civil, Fernando Rebelo. Carlos de Azeredo encontrava-se nessa manhã numa cerimónia de distribuição de diplomas e condecorações na sede da Polícia de Segurança Pública do Funchal, à R. dos Netos, e, tendo sido informado pelo Maj. José Manuel Santos de Faria Leal (1936-2015) do que se passava em Lisboa, não interrompeu a distribuição. Escreveria mais tarde que continuou “calmamente na cerimónia” (AZEREDO, 2004, 205), mas, regressado ao palácio de S. Lourenço, acompanhou a situação, como os vários oficiais do seu gabinete, com a máxima apreensão. Com o pronunciamento de 11 de março, as forças mais à esquerda desenvolveram o que ficou conhecido por Processo Revolucionário em Curso e popularizado como PREC. No dia seguinte, a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado eram extintos e substituídos pelo Conselho da Revolução, a que se seguiria um plano de nacionalização da Banca, dos Seguros, dos Transportes, etc. Este período constituiu a fase mais marcante da tentativa de revolução portuguesa, durante o qual as tensões políticas e sociais atingiram uma virulência nunca experimentada. Principalmente o verão desse ano de 1975, o chamado “verão quente”, prestou-se a todo o tipo de violências numa sociedade considerada até então de brandos costumes e que nesse período parecia ter querido deixar de o ser. As forças madeirenses ligadas ao velho Movimento Democrático mostraram-se completamente incapazes de fazer face à situação e, a 20 março, Fernando Rebelo deixava o cargo de governador civil. Nesse mesmo dia, em Lisboa, onde fora chamado, desconhecendo o motivo e tendo tido então as mais sérias reservas e apreensões, Carlos de Azeredo tomava posse desse cargo, por despacho do ministro da Administração Interna. A nomeação de um elemento dado como próximo do Gen. António de Spínola não foi bem aceite nos sectores militares e civis continentais ligados ao PREC, que preferiam a nomeação do Maj. José Manuel Santos de Faria Leal (1936-2015), mas representou uma vitória para os sectores mais moderados e marcaria, na Madeira, o início da progressiva demarcação em relação ao processo continental. O Brig. Carlos de Azeredo, como governador civil – mas sempre fardado –, quase de imediato, a 25 de março, dava posse no Funchal à Junta de Planeamento para a Madeira, criada pelo dec.-lei n.º 139/75, promulgado no polémico dia 11 de março, pelo Presidente da República, Gen. Francisco da Costa Gomes (1914-2001), e publicado a 18 seguinte. O dec.-lei já considerava este órgão com um cariz transitório, mas com forte poder de decisão, sendo composto pelo governador civil, que presidia, com voto de qualidade, e por três vogais. Este órgão vinha um pouco na sequência do grupo criado alguns anos antes no âmbito da Junta Geral, a comissão regional de planeamento, mas já com funções deliberativas mais amplas, superintendendo, inclusivamente, sobre a mesma Junta Geral que, embora dissolvida, continuava em exercício. Foram então empossados como vogais João Abel de Freitas (n. 1942), Virgílio Higino Pereira (n. 1941) e José Manuel Paquete de Oliveira (1936-2016), que dirigia o Diário de Notícias. A presença de João Abel de Freitas, ligado à comissão do salário mínimo, e mesmo dos restantes elementos, pois que a sua nomeação fora acordada em Lisboa, não reunia o consenso alargado que alguns sectores locais requeriam, pelo que a Junta de Planeamento foi alvo de críticas no Jornal da Madeira, o que levou Carlos de Azeredo a convocar a S. Lourenço Alberto João Jardim (1943-), recentemente colocado à frente daquele jornal pelo bispo do Funchal, D. Francisco Antunes Santana (1924-1982), embora tal não tenha refreado os ataques daquele periódico à nova estrutura governativa regional. As críticas ainda aumentaram com o dec.-lei de 2 de julho de 1975, que alargava os poderes da Junta de Planeamento para proceder ao saneamento dos serviços do Estado e dos corpos administrativos, podendo suspender por 90 dias os funcionários desses organismos e nomear comissões para efetuarem reclassificações dos mesmos. Foi por esse diploma que se acrescentou um quarto elemento à Junta de Planeamento, dado como representante do comando militar, Faria Leal, que desde o início participava já em todas as reuniões. A Junta de Planeamento sofreria uma contínua contestação, não só local, dado que, como o governador Carlos de Azeredo anunciara na sua formação, tinha sido escolhida de cúpula, por decisão autocrática, logo sem a consulta das forças políticas já sumariamente colocadas no terreno, como igualmente dos círculos mais à esquerda do MFA nacional, que a consideravam não revolucionária. Poucos dias depois, comemorando-se o segundo 1.º de Maio em liberdade, deslocar-se-iam à Madeira dois conselheiros da revolução, o Com. Carlos de Almada Contreiras e o Maj. José Manuel Costa Neves, que participariam na manifestação, mas que quase não contactaram os elementos das forças armadas de S. Lourenço, limitando-se o Brig. Carlos de Azeredo a depois os acompanhar ao aeroporto. Ao contrário do ano anterior, também nenhum dos elementos militares da Madeira participou na mesma manifestação que, inclusivamente, levou a alguns incidentes na baixa da cidade, o que não acontecera no ano precedente. A Junta de Planeamento começou a conhecer dificuldades de articulação interna a partir das eleições de 25 de abril de 1975 (Eleições Autonomia), que elegeram a Assembleia Constituinte (sendo a organização dessas eleições a mais importante missão de que a referida Junta estava incumbida). Assim, se até então a sua nomeação de cúpula, como havia sido referido por Carlos de Azeredo na sua apresentação pública, era defensável por não ter havido eleições na Região, a partir daquela data, tal já não era sustentável. Acrescia a isto o desgaste do “verão quente” de 1975, que começara a 11 de março, e logo a 4 de abril registara uma tentativa de assalto ao palácio de S. Lourenço por uma manifestação de produtores de cana-de-açúcar – situação geral à qual Carlos de Azeredo deu uma resposta que não foi entendida como correta, nem pela esquerda, nem pela direita, tentando limitar a sua atuação a uma gestão negociada de crise, que nunca fora bem aceite por alguns elementos da Junta de Planeamento. A cisão foi iniciada pelo pedido de demissão de João Abel de Freitas, a 5 de agosto de 1975, pois que o mesmo não poderia ter sido feito pelo Maj. Faria Leal, dada a sua condição militar, pretendendo ambos a detenção de alguns empresários madeirenses por sabotagem económica. A demissão de João Abel Freitas foi imediatamente aceite pelo Brig. Carlos de Azeredo, e seguiu-se-lhe a demissão dos restantes membros. Estava assim aberto o caminho para a constituição de um novo órgão de gestão governativa da futura Região Autónoma da Madeira, que, embora ainda não democrático nem verdadeiramente representativo das forças políticas com representação no terreno, caminhava já nesse sentido: a Junta Governativa e de Desenvolvimento de 1976. Levaria, no entanto, mais de seis meses para ser negociada e tomar posse.     Rui Carita (atualizado a 09.06.2017)

Direito e Política História Militar História Política e Institucional

crenças e superstições

A comunidade madeirense, como qualquer outra, caracteriza-se por ter fé, crer em entidades superiores, adoptar modos de manifestar essa atitude de em relação àquilo em que acredita. Mas, por um lado, temos de distinguir as crenças, de acordo com uma fé considerada verdadeira ou aceitável, assente em princípios bem definidos e tidos por inabaláveis certezas, que também podem comportar conjuntos de devoções complementares de grau menos importante, e das superstições que sobrestimam aspectos de pormenor ou de fantasia que se insinuaram e se consolidaram nas convicções individuais ou colectivas, ou podem ter tido origem numa experiência de vida que tenha marcado profundamente o grau de persuasão pessoal numa direcção completamente inesperada. Ao contrário do que possamos pensar, as crenças, as crendices e as superstições foram em grande parte herdadas de patrimónios muito antigos, transmitidas ao longo de gerações, saltando fronteiras, adaptando-se às várias maneiras de aceitar e interpretar a vida e o mundo que constituem as religiões, e também os mitos e as lendas. Na Madeira, a religião comporta uma muito vasta quantidade de crenças e devoções, de “crendices” (na expressão do Visconde do Porto da Cruz) e superstições. No final, não foi esquecida a muito intensa afirmação do “sebastianismo” na Madeira, com a crença no regresso de D. Sebastião e na Ilha de Arguim. Palavras-chave: superstições; crenças; romarias; festividades religiosas; tradição popular.   Os conceitos de crenças e superstições são muitas vezes tomados como iguais ou confundem-se um com o outro. A palavra “crendices” tem uma conotação mais próxima de “superstições”, enquanto “crenças” se apresenta como mais adequada e próxima das exigências de disciplinas como a etnologia e antropologia, e diz respeito às interações dos indivíduos ou das comunidades com as muitas entidades e as várias modalidades religiosas, sobrenaturais ou consideradas mágicas, numa relação de aceitável legitimidade ou paralegitimidade quanto à doutrina e às práticas por parte de uma coletividade. É perfeitamente aceitável empregar os três termos nesta breve exposição, desde que bem explicados: crenças, crendices e superstições. Na Madeira, nos começos do terceiro milénio, as pessoas são, na sua grande maioria, crentes, i.e., dizem acreditar nos preceitos da religião, predominantemente católica, que, por tradição familiar ou sociocultural ou por opção pessoal, lhes são transmitidos ou que cada um descobre por sua própria iniciativa. Se os fundamentos doutrinais assentam em canónicas certezas e, portanto, constituem verdades tidas por irrefutáveis, a fé conduz a conceções, atitudes, sentimentos básicos e correlatos que impregnam ou ditam os comportamentos. Cada um crê e age segundo uma doutrina, seja ele católico praticante ou não, protestante ou adventista. Também haverá os agnósticos e ateus, mas em minoria. A fé é vivida por cada um, mas pode também manifestar-se coletivamente em sessões de culto, devoções, festividades. Interessa acrescentar que é certo que cada um desses indivíduos pode intimamente ser sensível a modalidades mais particulares e de pormenor que não constituem o todo principal da doutrina e que, portanto, não vão prejudicar ou diminuir a solidez da adesão à fé ou doutrina nos seus pilares ortodoxos. Podem, pelo contrário, contribuir até para uma maior robustez e afirmação dessa religião ou dessa doutrina. Neste caso, podemos falar de crenças. Todavia também pode haver desvios que consistem em sobrevalorizar aspetos de menor importância ou falsa representatividade, que levam a acreditar e atuar de modo mais discordante com uma fé esclarecida (aqui podemos falar de crendices). Também pode acontecer que o indivíduo ou mesmo a comunidade se apegue voluntária ou involuntariamente a conceitos irracionais ou mesmo a um não explicável preconceito, a um pormenor, a uma atitude ou a um aspeto da realidade, aos quais atribui exagerado significado e especial interpretação. Então, estamos a falar de superstições. De acordo com o que fica dito, adiantamos que a fé, e falamos principalmente da católica, se afirma para os madeirenses fundada nos principais instrumentos e ensinamentos transmitidos pela família, pela Igreja, pela sociedade: os mandamentos, as orações principais e, entre elas, o Credo, que quase todos vão aprender na catequese. Neste cômputo breve, saliente-se a importância da celebração do Natal como a celebração e festividade por excelência da devoção madeirense. Durante esta época do ano, que inclui desde o Advento até aos Reis e mesmo ao dia de S.to Amaro, são muitas as manifestações religiosas, mas também as da devoção que penetram as casas das famílias, sem esquecer as de natureza mais profana. No calendário litúrgico, a Madeira valoriza o Natal muito mais do que a Páscoa, o que tem sido explicado pela influência importante que a espiritualidade franciscana exerceu no início do povoamento e ao longo dos séculos. A sensibilidade à família, à natureza e à fraternidade marcou muito o sentimento religioso dos madeirenses, que valorizam mais o período natalício, conduzindo a uma atmosfera de emoção e de festejo da simplicidade, dos valores da família e da solidariedade social. As entidades de devoção são o Jesus Menino, a Sagrada Família, os pastores e os Reis Magos. A lapinha ou o presépio, com a rochinha, perfazem uma natureza acolhedora e afetiva, que motiva os afetos do encontro entre gerações, entre vizinhos e entre todas as camadas sociais. Ao mesmo tempo, ergue-se Jesus no trono na escadinha onde as laranjas, os peros, as searinhas, as cabrinhas e o alegra-campo contextualizam o ambiente festivo. Também a morte do porco com todo o seu ritual proporciona momentos de festejo e de convivência da família e dos vizinhos. Neste período, limpam-se a fundo as moradias, enfeitam-se as lojas, as pessoas e as famílias criam uma atmosfera de saudação e de prendas. O Natal, com os bolos de mel, os licores, os enfeites dos interiores das casas e varandas, as rituais visitas aos avós e outros familiares com que não se conviveu durante o resto do ano, reveste-se do significado mais comovente e mais feliz da existência do ilhéu. É, de facto, um tempo de festa, não só no campo, mas também na cidade. Na devoção, ficam como marcos a Missa do Galo, ainda nalgumas paróquias as missas do parto e, nas festividades de carácter profano, a consoada, a abertura das prendas e a continuação da atmosfera festiva pelos restantes dias do ano, sobretudo a noite de S. Silvestre, até ao dia de S.to Amaro, em que se varrem os armários. A sensibilidade dos fiéis madeirenses também se manifesta no período da Quaresma e Páscoa. As famílias passaram a preocupar-se menos com a aquisição das bulas que isentam da proibição comer carne durante o período da Quaresma. No entanto, há sempre o cuidado de, nas sextas-feiras, a culinária privilegiar o peixe e o bacalhau em nome do espírito da época. Na Semana Santa, principalmente na quinta-feira, as montras das lojas do Funchal ficam tradicionalmente decoradas com grande preocupação estética, mediante arranjos realizados com os artigos nelas vendidos e com muita quantidade de flores. Na devoção durante esse período, a população acorre às manifestações religiosas, não só aos principais atos litúrgicos, mas sobretudo à procissão do Senhor dos Passos. As procissões e as romagens também constituem de modo mais espetacular a afirmação exteriorizada e adesão forte dos crentes. Há que considerar as crenças no âmbito da religião, mas que dizem respeito a devoções, a festividades, a conceções do sobrenatural. Entre elas, salientam-se os cultos às entidades principais, com celebrações, devoções e romarias, como a devoção a Jesus Cristo (Senhor Bom Jesus, na Ponta Delgada; Senhor dos Milagres, em Machico) e, em todas as paróquias, a tão aguardada Festa do Senhor. Destacam-se ainda as festas à Virgem Maria (Nossa Senhora do Monte, no Monte, Nossa Senhora do Livramento, no Caniço) e ao Espírito Santo (com um conjunto de festividades e rituais, incluindo a visita ao domicílio dos fiéis). Também são importantes as devoções a santos, como S. João, S.to António, S. Pedro, S. Roque, e S.to Amaro, aos patronos das paróquias. A devoção das primeiras sextas-feiras, o uso do escapulário de N.a S.a do Carmo e a prática de rezar o terço têm também muitos seguidores. Outro ritual frequente é o indispensável sinal da cruz pelo qual se protege religiosamente o começo de muitas atividades ou se abençoam pessoas, animais e alguns produtos (o pão, e.g.), se assinala o respeito pelo espaço sagrado (ao entrar na igreja, ao passar em frente dela ou do sacrário, ou diante de um cemitério) e se assegura a proteção dos incautos dos assaltos do diabo, dos maus espíritos e das feiticeiras. Passando a considerar as “crendices”, está muito enraizado na população o medo do diabo (o grima, o demónio, o papão), das almas penadas, dos espíritos maléficos, das feiticeiras.“Embora a civilização tenha destruído muitas crenças populares outrora vulgares na Madeira, ainda hoje existem algumas entre nós, que nos parecem dignas de menção por estarem bastante arreigadas no ânimo do nosso povo” (SILVA e MENESES, 1998, I, 331-332), dizem os autores do Elucidário Madeirense, e passam a enumerar algumas dessas que julgam continuarem mais persistentes: “A crença nas feiticeiras, nas bruxas, no mau olhado, no ar mau e no poder que têm certos indivíduos de curar com palavras ou de adivinhar o futuro por meio de cartas, encontra-se não só nos campos, mas também na cidade, sendo de notar que há pessoas consideradas cultas, que não abandonaram ainda inteiramente certas alusões que nos transmitiu o passado” No final, têm, contudo, o cuidado de contrariar a opinião de todos quantos pensam que a Madeira “continua a ser muito atreita a crendices e a superstições, reconhecendo mesmo que na Europa, mesmo nos países mais adiantados, há maior número de superstições e de crendices do que na Madeira”. Mais adiante, prosseguem os dois estudiosos com mais pormenores sobre o que foi discriminado: “As feiticeiras no entender do povo, têm por mister fazer toda a casta de malefícios, e aparecerem algumas vezes sob a forma de uma botija a rolar nos caminhos, a qual se transforma numa mulher, que obriga a pessoa que provocou a transformação a conduzi-la às costas até casa; as bruxas têm por principal encargo chupar de noite o sangue das crianças, malefício este que pode no entanto ser evitado, colocando-se uma tesoura aberta sob o travesseiro da cama da pessoa que se quer proteger” (Id., Ibid., 332). Para afastar as feiticeiras e os espíritos maus, não há como exclamar em voz alta: “Tosca marrosca, olhos na cara e freio na boca”. A seguir, os autores do Elucidário referem que o Campo Grande, no Paul da Serra, é o local das reuniões das feiticeiras presididas pelo demónio que toma a forma de bode, sendo os fogos-fátuos interpretados como presença ou mesmo baile das feiticeiras. No Elucidário Madeirense, são ainda referidas as crendices sobre o poder de algumas pessoas adivinharem o futuro com cartas de jogar e lançando sortes. E aludem às artes de curar com palavras (ar mau, mau olhado e bucho encostado), aos cuidados a ter quando, no campo, se ouvem os cães a uivar, o que denota a presença de maus espíritos, de feiticeiras ou do diabo nas redondezas. A maneira de os fazer calar é muito simples e eficaz, afirma a população: colocar no chão um sapato ou uma bota de sola para cima. Há três épocas em que as crendices e as superstições são ainda em maior número pelo S. João, pelo S. Pedro e pelo S.to António: “É na véspera de S. João e de S. Pedro que qualquer pessoa pode conhecer uma parte do destino que lhe está reservada. O rapaz ou rapariga solteiros, que à beira das ave-marias encher a boca de água e se puser à escuta, conhecerá pelo primeiro nome de homem ou de mulher que ouvir qual o nome da pessoa a quem há-de ligar um dia os seus destinos, sendo possível chegar ao mesmo resultado por meio de sortes lançadas em água, se alguma delas se abrir durante a noite. Um ovo lançado num copo também pode dizer muito, se o deixarmos exposto ao ar na noite de S. João, e se nesta noite a água refletir a imagem de uma pessoa ao baterem as 12 horas, é porque uma pessoa tem a vida garantida até à festa do mesmo santo no ano imediato” (Id., Ibid.). O Visconde do Porto da Cruz também regista uma das sortes, na noite de S.to António, e igualmente para saber como se chama o futuro namorado: “Quando uma rapariga quer saber o nome daquele que virá a ser seu marido, salta três vezes e em três direções diferentes a tradicional fogueira de Santo António, deixando cair no braseiro uma moeda. Ao outro dia, antes de romper o sol, procurará a moeda entre as cinzas para a entregar ao primeiro pobre que encontrar e a quem perguntará o nome” (PORTO DA CRUZ, 1954, 9) E prossegue: “As sortes não se limitam às questões de amores. Deitam-se sortes para tudo! […] Colocando debaixo da cama um prato com terra, outra com água e um terceiro com ouro e indo ao acaso tatear, logo se sabe o destino: – se tocar na terra é a morte, se for na água é viagem e no ouro a fortuna. […] Colocar debaixo do travesseiro, três favas – uma inteira, outra meia descascada e a terceira descascada. Ao bater a última badalada da meia-noite apanha-se uma das favas ao acaso; se for a inteira é que a vida seguirá na opulência; se for a meia descascada é a mediania e aquela que não tem casca significa a pobreza.” (Id., Ibid., 17). As três conclusões mais habituais nas sortes nos dias de S.to António e sobretudo de S. João, depois da interpretação feita pelo entendido ou entendida no que respeita às formas que assume o ovo que se quebra e deita para dentro do copo com suficiente água (copo e água, têm de ser bem transparentes, para que tais formas/figuras surjam bem definidas) ligam-se às três principais formas possíveis que a clara assume dentro da água – uma igreja, um caixão ou um barco. As bentas também merecem referência desenvolvida no Elucidário: “As bentas são ramos de árvores e arbustos colhidos na manhã de S. João, quando, diz o povo, todas as plantas têm virtude, à exceção da malfurada. Colocados à porta ou dentro das habitações, anulam os efeitos do mau-olhado e evitam muitos sortilégios a que está sujeita a humanidade. O alecrim é de entre as plantas existentes na Madeira, a que mais usada é para combater os artifícios diabólicos” (SILVA e MENESES, 1998, I, 332). Muitas pessoas fazem-se acompanhar de uma cruz feita com dois pequenos ramos de alecrim, que põem no bolso ou dentro da carteira, para proteção. Segundo a tradição, além do alecrim, a arruda também pode ser usada para afastar os maus espíritos ou o ar mau, plantada em vaso ou no jardim. Voltando à época festiva de S.to António e de S. João, um costume da predileção dos madeirenses, como aliás doutras gentes de Portugal, é saltar à fogueira, num simpático gesto de saudação de todos, sobretudo dos jovens, ao novo período do ano, com a chegada do solstício, no ensejo do aperfeiçoamento dos indivíduos e do universo. Aliás, nesse período solsticial, os dois elementos de eleição são a água e o fogo, ambos bem significativos da purificação e renovação da natureza. Muitos madeirenses acreditam que “os espíritos voltam ao mundo quando por cá lhes ficou qualquer coisa para cumprir. Para libertar as almas de promessa por cumprir e que as faz penar diz-se – ‘se é sinal de morto venha outro’ – e no caso de vir outro sinal então logo vem ao pensamento o modo como se procederá” (PORTO DA CRUZ, 1954, 18). Grande estima é dedicada aos animais, sobretudo os de criação, que merecem os cuidados no dia a dia, mas também os que, acompanhando a população na vigilância, podem proteger, auxiliar ou simplesmente acompanhar. Nos de criação, são muitos os cuidados para tratar das aves de capoeira, das cabras e principalmente do porco, cuidar da vaca que, na Ilha, fica resguardada no palheiro, o que é claramente devido às características orográficas da paisagem, mas também devido ao receio dos olhares dos estranhos que poderão exercer má influência no gado. Todo o cuidado é pouco para os proteger do mau-olhado, principalmente no que toca ao porco que vai ser um trunfo para a economia da família ao longo do ano seguinte. E os animais são objeto de outras atenções se se verificar moléstia ou estado débil que faça o dono suspeitar de qualquer mau espírito, mau ar ou olhar pérfido, recorre-se a processos ao alcance de todos com utensílios adequados, e.g.: colocam-se chifres de boi ou de carneiro, garrafas vazias e ramos de alecrim amarrados aos paus do chiqueiro e um carvão escondido num buraco do muro ou do barranco; para quebrar as invejas dos que cobiçam um suíno, esconde-se com o carvão um prego torcido e um pedaço de alecrim. Mas os cuidados com outros animais são levados muito à risca: os ovos das galinhas não podem ser chocados de modo que os pintos nasçam na fraqueza da lua. Também os cães são muito apreciados, porque podem constituir preciosa ajuda na defesa dos humanos e dos seus pertences, mas também como exteriorizada indicação de momentos de revelação do mundo dos maus espíritos, da presença do diabo e das feiticeiras, que denunciam com o seu uivar. A convivência com animais, alguns bem pequenos, pode fornecer sinais a serem interpretados de maneira que o homem esteja mais consciente do que se passa ou vai passar-se ao seu redor e sugerir soluções para os problemas e dificuldades quotidianas. Assim, abelha que entra em casa é boa nova, uma mosca varejeira é visita, um besoiro é mau agoiro, borboleta preta é má notícia, borboleta branca anuncia felicidade, uma aranha de manhã é agoiro; ao meio-dia preocupações e à noite esperanças, uma pomba branca que entra em casa traz paz e ventura, casa onde haja baratas terá dinheiro, se um rato atravessa o caminho à nossa frente prevê mau resultado no que se vai fazer, se um morcego bate nos vidros da janela, por cada pancada é um ano de vida que resta a quem ouvir, um fio de teia de aranha que atravessa um caminho é um resto de linhas da Virgem, animal que nasce em noite de S. João traz varinha de condão. E outras, não menos insólitas: quando as abelhas ferram, curam o reumatismo, o sangue da crista de galinha preta, espalhada na pele, chama os vermes intestinais, ingerir formigas faz apurar a vista, friccionar o casco da cabeça com moscas frita em azeite de baga de louro faz nascer o cabelo, beber chá de esterco de pombos faz bem à asma, a sopa de caracóis faz bem às forças perdidas e dá abundância de leite às amas, comer o coração cru das andorinhas dá bom fôlego, matar um gato faz atrasar a boa sorte sete anos, e matar um bisbis é pecado. Interpretam-se os voos das aves, principalmente da cagarra e da coruja; o aparecimento de uma aranha preta, se é de manhã ou à noite; o cantar do grilo que pode ser benfazejo para uns, maléfico para outros; um gato preto que aparece a atravessar a estrada ou a rua é sinal de mau prenúncio. No que toca ao convívio das crianças com alguns destes animais, o poisar de uma joaninha constituirá motivo de júbilo, e motivo para tentar agarrá-la, não para lhe fazer mal, mas para a guardar quase como talismã (“poisa, poisa, Maria Loisa …”); e os piolhos preocupam pais e familiares que, para alertar os miúdos a que tenham cuidado, dizem-lhes que, se não colaborarem em catá-los, os bicharocos podem arrastá-los a eles e às criancinhas até ao mar. Para os vegetais também há usos e interpretações. Como se disse anteriormente, o alecrim é considerado a planta por excelência do uso no ritual, dotada de poderes especiais. A arruda, assim como o alho, também ocupam um lugar importante entre as plantas protetoras; e o mesmo se diga do louro, preferido nas decorações festivas e nas preparações de culinária. Nas lapinhas, privilegia-se o alegra-campo, mas não podem ser esquecidas as searinhas (de trigo ou lentilhas) e as cabrinhas (daválias), ao lado das laranjas e dos peros. A significação das flores, na Madeira como no resto do território português, constitui um conjunto de códigos, que guardam uma linguagem variada e muito específica: o amor-perfeito significa pensamento; a camélia branca, pensamentos puros; a camélia vermelha, grandeza de alma; a camélia singela, arrependimento; o cravo simples vermelho, amor vivo e puro; o cravo seco, desprezo; a dália vermelha, teus olhos abrasam-me; a hera, amizade firme; o junquilho, desejo ardente; a laranjeira, castidade; o lírio branco, inocência; o lírio roxo, fogo de amor; a madressilva, laços de amor; a magnólia, simpatia; a margarida branca, sociedade; a margarida vermelha, responde-me; a papoila vermelha, alívio; a petúnia branca, convicção; a petúnia roxa, pouca confiança; a rosa amarela, infidelidade; a rosa branca, segredo; a rosa magenta, teus olhos perderam-me; a tulipa, declaração de amor; a urze, amor eterno; a violeta branca, promessa; a violeta dobrada, amizade; a violeta roxa, modéstia. Esta lista baseia-se em convenções da tradição que foram sobejamente divulgadas por folhetos de cordel e inspira mensagens trocadas entre namorados apaixonados ou desiludidos, assim como pode servir para a composição dos ramos em casamentos, aniversários e funerais. A figa que consiste em colocar o dedo polegar da mão entre o indicador e o médio faz parte dos gestos de proteção e suposta eficácia em momentos difíceis, sobretudo de arriscada decisão, para evitar alguma ameaça ou atrair alguma coisa boa. O Visconde do Porto da Cruz anota: “Quando se encontra um corcunda e para que ele traga a felicidade nesse dia, levanta-se a mão direita ao mesmo tempo que se faz uma figa dizendo: ‘– Ai Giba, ai Giba/Que entorta prá frente/Vai, vai diligente/E deixa-m’em paz/Golfinho Gibinha/Não mais me persiga/Aí vai uma figa/Nam olhes p’ra trás/Vai em nome de Maria Pandilha/E de toda la sua famila/Que nam enguices rico nem prove/Nem ninguém que o cáu covre – Amen”. E acrescenta: “A figa feita a um ‘Giba’ só se desfaz quando aparece uma farda e também não se deve ficar querendo mal ao Giba, que é para que a figa não perca o seu valor.” (PORTO DA CRUZ, 1954, 19-20). Um gesto que no passado era muito comum na Madeira, pelo menos entre os jovens, era o beliscão: quando se encontrava uma pessoa de cor e se estava acompanhado, dava-se um beliscão ao companheiro ou companheira, e pedia-se a realização de um desejo se a pessoa de cor fosse homem, e, pelo contrário, que se afastasse um mau sucesso se fosse mulher. Em Portugal, dar um passo com o pé direito é necessário quando se comemora o aniversário ou se entra no Ano Novo, na noite de S. Silvestre. E pedir a bênção ao pai, à mãe e a outros membros da família mais velhos, incluindo os padrinhos também e o sacerdote, era quase obrigatório: consistia em chegar a criança ou o jovem e mesmo o adulto ao pé da outra pessoa-autoridade e dizer: “Pai, a sua bênção”, sendo a resposta: “Deus te abençoe!” Os sonhos também ocupam um lugar especial nas crendices e superstições dos madeirenses. As interpretações seguem as da tradição, que constam das publicações pseudopedagógicas e didáticas da literatura de cordel (almanaques e livros de sonhos); e.g., sonhar com flores prevê morte de pessoa de família ou conhecida, sonhar com excrementos, dinheiro, ter sorte. No caso da Madeira, saliente-se a sua utilização para a previsão do resultado de alguns jogos, sobretudo a lotaria ou o jogo do bicho. A terminar, registe-se ainda um aspeto paralelo, o mito de D. Sebastião, e os que se encontram relacionados com ele, como o da ilha de Arguim ou ilha da esperança, situada numa concreta ilha submersa que alguns afirmam ter avistado de alguns sítios da Ilha (do norte e mesmo do sul, e.g. Câmara de Lobos e na Ponta do Sol), e que será um cenário idílico de ordem social, harmonia entre os seus habitantes, trabalho produtivo, grande abundância, beleza, saúde e paz, essa ilha que um dia se crê vir a emergir, substituindo a Madeira, que, assim, poderá desaparecer nas águas do oceano. Estes testemunhos manifestam a permanência de uma narrativa, abrangente ou fracionada em vários episódios, todos eles bem reconhecidos como estando ligados à crença sebástica, i.e., derivados da importação do mito do sebastianismo. Registamos, seguidamente, alguns testemunhos sobre esta matéria, recolhidos por universitários madeirenses junto de informantes para o Arquivo Digital de Literatura Oral Tradicional (ADLOT). O primeiro é uma pequena narração em que se encontram, como acontece frequentemente, algumas contaminações (no princípio, “São” por “Dom” ou “Rei”, o que resulta em curiosa variação): “São Sebastião veio de África durante a guerra para a Madeira onde se instalou. Foi avisado por um anjo que ia ser atacado. Então com um só golpe de espada formou o Curral das Freiras, onde se foi esconder dos inimigos. Quando estes chegaram viram que não conseguiam atacá-lo e desistiram, pois não havia maneira de lá entrar. A quantidade de rocha tirada pela espada foi posta onde é hoje a Penha de Águia. Dom Sebastião há de voltar um dia, e no dia que este voltar o ponto da Madeira vai ser as escadas da Igreja do Monte. Tem-se de andar sempre para a frente, pois se olharmos para trás ficamos em estátuas – ah/lembrei-me – Uma das ilhas vai afundar, ou a Madeira ou o Porto Santo, para se erguer a ilha onde está o rei Dom Sebastião” (ADOLT – Madeira; informante: Maria Estela Nunes Mota, 58 anos, Santa Cruz, 1993; coletores: Jordão C. R. Freitas e João Dário). Mais duas pequenas histórias narradas por uma mesma informante. A primeira: “Umas pessoas que vinham de Câmara de Lobos encontraram dois cavaleiros que lamentavam a dureza da sua vida. Aquelas acompanharam os viajantes. Chegados à Penha os cavaleiros desceram-na. Curiosos, os chavelhos seguiram-nos e viram eles [sic] entrar pelo mar adentro”. E a outra, semelhante numa circunstância, mas importante por introduzir a ilha de Arguim no cenário, ainda por cima situada em pleno Funchal: “Na manhã de São João umas pessoas que vinham de Câmara de Lobos para o Funchal com carga para o mercado, descansaram junto da Penha de França, ali na descida para a Pontinha. Viram uma terra, a terra de Arguim. Baixaram-se para atirar um punhado de terra, mas quando se levantaram a terra já tinha desaparecido” (ADLOT – Madeira; informante: Maria do Carmo Freitas, 60 anos, Eiras, Santa Cruz, 1993; coletor: Jordão C. R. Freitas). Outras narrativas consideradas lendas poderão ascender ao estatuto de mitos: o Cavalum nas furnas de Machico (autêntico Adamastor madeirense) e o Bicho do Cidrão.   João David Pinto Correia (atualizado a 01.03.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

conselho do distrito

O Conselho do Distrito foi o mais importante órgão do governo da Ilha no Liberalismo, funcionando sob a presidência do governador civil. Dadas as constantes alterações políticas deste século, saindo o governador da Ilha, um dos seus membros ocupou esse lugar como governador interino. A primeira forma deste conselho foi o de Concelho da Prefeitura, criado pelo decreto de 6 de maio de 1832, passando, com o código administrativo de 31 de dezembro de 1836, a Conselho do Distrito. Era presidido pelo governo do distrito e composto por quatro vogais, o secretário-geral do distrito e três procuradores da Ilha, eleitos pela Junta Geral. Foi extinto pelo código administrativo de 17 de julho de 1886, que privilegiou as funções da Junta Geral. Palavras-chave: Administração-Geral; Governo Civil; Junta Geral; partidos políticos; Prefeitura; Liberalismo O Conselho do Distrito foi o mais importante órgão do governo da Ilha no Liberalismo, funcionando sob a presidência do governador civil. (Governo civil) Dadas as constantes alterações políticas deste século, saindo o governador da Ilha, foi um dos seus membros a ocupar esse lugar, como governador interino. A primeira forma deste conselho foi a de Conselho da Prefeitura, pois que a designação de governador civil fora, inicialmente, a de prefeito, tendo sido criado pelo decreto de 6 de maio de 1832; mas não há informação de ter sido montado com o prefeito e coronel de engenharia Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847). O código administrativo de Passos Manuel, do ministro Manuel da Silva Passos (1801-1862), de 31 de dezembro de 1836, criou o Conselho de Distrito, fazendo desaparecer o anterior Conselho da Prefeitura. Este Conselho, também designado por Junta de Governo do Distrito, era composto por quatro vogais, três dos quais procuradores da Ilha, eleitos pela Junta Geral (Junta Geral), sendo presidido pelo governador civil e secretariado pelo secretário-geral do distrito; este assumia, inicialmente, a função de governador interino na ausência do efetivo, função que foi desempenhada, ao longo da segunda metade do século, pelo vogal mais antigo, principalmente quando os chefes dos partidos políticos locais começaram a conhecer uma certa importância e representatividade. A Junta de Governo do Distrito ou Conselho do Distrito reuniu, pela primeira vez, ainda no palácio de S. Pedro, do conde de Carvalhal (1778-1837), a 18 de janeiro de 1836. Os seus primeiros membros foram, assim, Carvalhal, na presidência, e, na capacidade de vogal, João Agostinho Jervis de Atouguia, secretário-geral do distrito, Filipe Joaquim Acciauoli e Domingos Olavo Correia de Azevedo (1799-1855). O secretário foi, então, João Nepomuceno de Oliveira (1783-1846), oficial maior da secretaria do governo civil. Em maio, na primeira reunião em que participou o administrador-geral  António Gambôa e Liz (1778-1870), depois barão de Arruda (Liz, António Gamboa de), estiveram presentes Filipe Acciauoli, Olavo Correia de Azevedo, José Joaquim de Freitas e Abreu e Jervis de Atouguia, que aqui já aparece como secretário desse conselho. Com a institucionalização da Junta Geral, seriam eleitos três membros efetivos, que na reunião de 29 de julho desse ano foram Jerónimo Pinheiro, António Joaquim Jardim e Aires de Ornelas e Vasconcelos (1779-1852), tendo sido eleitos, como substitutos, Manuel Joaquim Moniz e Valentim de Freitas Leal. Nos meados do século, os vogais do conselho venciam de gratificação anual 240$000 réis, pagos pelo cofre do distrito. O Conselho do Distrito passou a funcionar no Palácio de S. Lourenço, onde ocupava duas salas. Alguns governadores, como José Silvestre Ribeiro (1807-1891), apoiaram-se neste Conselho, entre outras ações, e.g., na tentativa de levar avante a construção de um teatro no Funchal; o mesmo fez o governador D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878) (Leme, D. João Frederico da Câmara), quando o vogal mais antigo era o visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875). No entanto, a partir do momento em que neste Conselho passaram a ter assento os principais líderes partidários, o mesmo funcionou como palco de disputa de poder, como ocorreu, especialmente, com o visconde do Canavial (1829-1902). Tal levou, inclusivamente à nomeação, pelo Governo de Lisboa, de governadores civis substitutos e, mais tarde, com o aumento das competências da Junta Geral, à extinção deste Conselho, pelo código administrativo de 17 de julho de 1886.   Rui Carita (atualizado a 28.02.2017)

Direito e Política História Política e Institucional

forte novo de são pedro

Entre 1704 e 1712, o novo governador Duarte Sodré Pereira, fidalgo e mercador, aumentou a defesa da ilha da Madeira, tendo mandado construir o forte novo de São Pedro, então datado de 1707 em lápide sobre o portal da entrada. O forte tinha planta pentagonal, incorporando-se no pano da muralha sobre a chamada R. dos Balcões, quase em frente da R. dos Barreiros, posterior Campo Almirante Reis, e apoiando as restantes fortalezas da orla marítima. Em 1797, foi ainda este forte dotado de um forno de balas ardentes, vindo a ser demolido entre 1897 e 1898. Palavras-chave: fortes; arquitetura militar; defesa; praça académica; urbanismo.   Nos finais do séc. XVII foram enviados à Madeira alguns fortificadores, habilitados nas novas escolas continentais, que completaram as muralhas (Muralhas do Funchal) e terão deixado algumas propostas de obras, face ao aumento da navegação e do comércio marítimo no Funchal. Assim, com a vigência do Gov. Duarte Sodré Pereira, fidalgo e mercador, a defesa da Ilha foi bastante aumentada, executando-se uma série de fortes, desde Machico (Fortes de Machico) até ao Porto do Moniz (Fortes do norte da Ilha). Duarte Sodré Pereira era morgado de Águas Belas e notabilizara-se como capitão na armada da corte; terá sido nessa altura que estabeleceu contactos comerciais vários, que, durante a sua vigência na Madeira, entre 1704 e 1712, utilizou, tornando-se num fidalgo-mercador. Nos meados do séc. XVII o porto tinha sido melhorado com a construção do baluarte da Alfândega (Reduto da Alfândega), que protegia a entrada das fazendas e com a fortaleza do Ilhéu, que oferecia proteção geral aos navios surtos no local. Com o incremento do porto do Funchal, nos inícios do séc. XVIII, sentiu-se de imediato a necessidade de erigir mais uma fortaleza que apoiasse, concretamente, as de São Filipe e de São Tiago, assim como a longa muralha entre as duas. Nesta sequência, construiu-se o forte Novo de São Pedro, integrado no meio da longa muralha do bairro de Santa Maria do Calhau. O forte tinha planta pentagonal, incorporando-se no pano da muralha sobre a chamada rua dos Balcões, quase em frente da rua dos Barreiros. Possuía seis canhoneiras abertas para artilharia grossa e uma importante porta de cantaria regional, encimada por uma inscrição sob o brasão das armas reais: “No último ano de governo d’el rei D. Pedro II, nosso senhor, mandou levantar este forte de S. Pedro, o governador e capitão general Duarte Sodré Pereira e juntamente os de Machico, Santa Cruz e Ribeira Brava, que se guarneceram de artilharia que meteu nesta Ilha, que foram 54 peças, além de munições, armas e outros reparos que fez fazer em todas as fortificações dela. E tudo se acabou no ano de 1707” (ARAGÃO, 1987, p. 307). Foi primeiro comandante do forte Novo de São Pedro o capitão Zenóbio Acciauoli de Vasconcelos, em 1707 e, no ano seguinte, dado o seu falecimento, foi provido como comandante desta fortaleza, a 8 de setembro, o antigo capitão do Campanário, Jorge Correia de Vasconcelos. O primeiro condestável da fortificação foi Domingos Carvalho e, por provimento de agosto de 1709, Manuel Fernandes Vieira ocupou depois o lugar, passando o anterior condestável para a bateria da Alfândega. Manuel Fernandes Vieira prestara serviço como bombardeiro da Alfândega, com 50 réis por dia e fora aí provido, a 9 de junho de 1704, pelo Gov. Duarte Sodré Pereira, numa “praça paga”, passando a receber 36$000 por ano (ARM, Governo Civil, cód. 418, fls. 1-1v.). Esta “praça” era a que cumpria ao capitão António Nunes e se “achava vaga por impedimento crime e ausência” do mesmo (Id., Ibid.), dado ter-se envolvido numa sedição contra o anterior governador. Em 1724, Manuel Fernandes Vieira era ainda condestável de São Pedro, recebendo a carga de 15 peças de artilharia de ferro, montadas, de calibres de 4 até 24 libras. Havia também uma peça ligeira, de calibre de 4 libras, montada no revelim da “porta grande do cabo do calhau”, igualmente à carga daquela fortificação (Id., Ibid., fls. 9-9v.). Em 1729, dada a idade avançada de Manuel Fernandes Vieira, tomou posse um novo condestável, Francisco Dinis, recebendo a mesma carga. Depois, em 1771 e de acordo com os encargos financeiros do pessoal militar, era condestável do forte, José Gonçalves, com um ordenado 36$000 réis. Nos finais do séc. XVIII, o forte foi ainda dotado de um artifício tecnológico: um forno de balas ardentes. Tratava-se de uma inovação de combate naval, mais tarde vulgarizada a bordo, mas com graves problemas e sem a potência e o alcance da artilharia de costa, assente em terra firme. A alteração baseava-se no disparo, ou seja, enquanto nas bocas-de-fogo tradicionais desta época se colocava a carga de pólvora, a bala e depois se acionava o disparo por um morrão, aqui era a bala incandescente que acionava o disparo. Este dispositivo obrigava ao isolamento da pólvora, que era feito através de um pano humedecido sobre o qual ia atuar a bala previamente colocada ao rubro num forno e depois para ali transportada por tenazes. O disparo da bala e dos pedaços incandescentes do pano que tinham servido de “atraso”, indispensável para pôr a peça em bateria após a colocação da bala ardente, incendiavam as velas, cordame e madeiras dos navios. Na parede exterior do forte, onde se fez o dito forno, havia uma inscrição: “Forno de balas ardentes feito com o conserto neste forte no ano de 1797” (SARMENTO, 1951, 58). Embora fosse dos fortes mais modernos do Funchal, com o decurso do séc. XIX e verificadas as alterações das estratégias de combate, por se encontrar então demasiado exposto, perdeu o interesse militar. Assim, na descrição de Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), de 1817, o forte Novo era considerado em boa posição, “porém, o ângulo saliente que oferece ao mar não foi boa lembrança de quem o construiu, porque o navio que fundear na direção do ângulo não sofrerá o menor dano, só o fogo dos lados serve para proteger S. Tiago e as praças do Pelourinho e Ilhéu” (CARITA, 1982, 92). Nessa data já só tinha duas peças de calibre 12 e cinco de calibre 24. Paulo Dias de Almeida eliminou então a guarita avançada ao mar, colocando nesse espaço uma das novas peças de longo alcance, como fizera em São Tiago, queixando-se de que o forte tinha “um sofrível quartel” e não tinha cisterna (Id., Ibid.). Este engenheiro levantou a planta e o alçado do forte em apreço, como também o fez António Pedro de Azevedo (1812-1889), em 1855 e em 1862. Mesmo assim, nos finais do séc. XIX era considerado inútil e foi demolido em 1898, durante a vigência do Dr. José António de Almada (1843-1905) como chefe do distrito. Esta demolição permitiu o alargamento do “campo das pipas”, como era alcunhado o espaço em frente, dada a localização na área de vários armazéns de vinho, passando então a designar-se “Praça Académica”. Este campo seria depois chamado “das Loucas”, dado ser o local onde passeavam, a horas mortas, algumas mulheres “da miséria social a que a pobreza arrasta”, como se dizia (SARMENTO, 1951, 60). Foi, ainda nesta época, também chamado “dos Chalons” e “de São Tiago”, dados os exercícios militares que ali decorriam. Com a visita do rei D. Carlos e com a exposição comercial e industrial que se realizou, passou a ser “D. Carlos”; com a República, “Almirante Reis”, tal como o conhecemos hoje. O projeto de “melhoramentos” urbanísticos começou a ser equacionado em 1886 e consumou-se em 1897, com a demolição do velho forte, de que só resta um desenho do portal publicado no Diário Popular do Funchal, de 10 de outubro de 1897, as plantas militares entretanto feitas e algumas fotografias daquela área urbana da cidade, onde o mesmo aparece timidamente.   Rui Carita (atualizado a 31.01.2017)

Arquitetura História Militar Património

fortes da ribeira brava

O escarpado das encostas nesta área da Ilha não oferece grandes possibilidades para qualquer desembarque de forças, tendo o sistema de defesa, implantado nos sécs. XVI e XVII, privilegiado a instalação de vigias. No entanto, dada a importância e riqueza do lugar, houve logo a construção de um forte, São Sebastião, designação que parece apontar para a década de 70 do séc. XVI. Mais tarde, em 1708, foi edificado o forte de São Bento, por ocasião da campanha desenvolvida ao tempo do governador Duarte Sodré Pereira, quando se erigiram também as fortificações de Machico (Fortes de Machico), Santa Cruz e o forte Novo de São Pedro, no Funchal; tal como, muito provavelmente, se reforçaram algumas das posições das vigias da costa norte. A aluvião de 9 de outubro de 1803 destruiu ambos, tendo ficado do forte de S. Bento somente a torre de gola, que foi aproveitada para posto de turismo. Palavras-chave: aluviões; artilharia; arquitetura militar; defesa; turismo.   De acordo com a inscrição ainda existente na torre da gola, o forte de São Bento, orago do lugar, foi levantado sob a direção do capitão Henrique Manuel João e “a artilharia dele foi a primeira que entrou neste lugar sem despesa para a fazenda real”. O governador empenhara-se em envolver nesta campanha de fortificação os elementos da governação local, pois eram quem mais beneficiava da defesa, assegurando a proteção das suas propriedades. O forte encontrava-se ativado e guarnecido pouco depois, tendo o governador D. Pedro Álvares da Cunha nomeado para capitão do mesmo, a 14 de janeiro de 1713, João de Vasconcelos Uzel. Em 1742, forneceu-se “papel pardo para cartuchos” ao condestável da Ribeira Brava, provavelmente Tomé Ferreira da Silveira, que custaram $200 réis (ANTT, Provedoria..., liv. 840, 1742, fls. 17-22). O primeiro forte de São Sebastião é referido por Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832) como tendo sido destruído na aluvião de outubro de 1803. O autor comenta que sequer tinham restado vestígios dele, acrescentando que o mesmo acontecera com o de São Bento. Do forte de São Sebastião tinham ficado seis peças de diferentes calibres, reprovadas e do forte de São Bento, oito, também de diferentes calibres, igualmente reprovadas, além de 307 balas. A defesa do lugar reduzia-se a um pequeno plano em cima da ponta de rocha a nascente, a que então chamavam Reduto, onde se instalou uma posição fortificada, entre as duas grandes guerras mundiais e onde existiam três peças no chão, sem palamenta alguma. No entanto, no livro de carga da artilharia de 1724 já não se menciona o forte de São Sebastião, mas sim o forte de São Bento, de que era condestável Ferreira da Silva e ao qual foram entregues, com data de 4 de outubro desse ano, seis peças de artilharia de ferro montadas de calibre de 2 até 9 libras, três colheres de cobre com as suas hastes, cinco soquetes elanados, um riscador, um saca-trapo, duas pranchas de chumbo para os fogões, dois caixões para recolher pólvora e cartuchos, e “um cano de mosquete com seu reparo que serve para exercício de barreira aos artilheiros” (ARM, Governo Civil, liv. 418, fl. 24). A 30 de setembro de 1730 foi carregado ao mesmo condestável outros quatro soquetes, dois polvorinhos e duas agulhas. Em 1733, entretanto, servia de condestável Tomé Ferreira da Silveira, que recebeu ordem de entregar as armas de pedreneira que tinha para guarda no forte, e que recolheram ao Funchal. O engenheiro António Pedro de Azevedo (1812-1889) levantou a planta do lugar em 1841, na sua primeira descrição da ilha da Madeira e, de novo, em 1860, para o “tombo militar” (DSIE, Gabinete..., n.os 5584 e 5540, 1A-12A-16; ARM, Arquivos Particulares), onde o forte surge já reduzido à torre de gola, com um pano adjacente para nascente e dois lanços de escadas no mesmo, o que também aparece registado nas fotografias do final do séc. xix. Tudo parece indicar que o forte inicial era triangular, com torre de gola na entrada e semelhante aos do Amparo de Machico (embora este sem torre) e de São João Batista do Porto do Moniz (Fortes do Norte da Ilha). Na descrição do tombo militar refere-se que, não havendo quem se encarregasse da conservação da pequena parte que restava da fortificação, tinha a mesma sido arrendada para habitação a José Felício de Aguiar. A aluvião de 1842 parece não ter afetado especialmente o que restava do antigo forte de São Bento, embora na planta levantada não haja menção à construção. O forte ou, mais corretamente, o que dele sobejava, veio a ser entregue à nova câmara municipal, criada a 6 de maio de 1914, por interferência do ex-visconde da Ribeira Brava (1852-1918), havendo referências a obras realizadas por volta de 1916, altura em que, por certo, os merlões foram rematados com vivos relevados, de pequena guarita superior de proteção à escada que dá acesso ao terraço e foram executadas as frestas e o oratório do lado do mar, elementos que não se configuravam assim nas fotografias que conhecemos dos finais do séc. XIX e inícios do XX. Nos desenhos de António Pedro de Azevedo e nas fotografias mais antigas, a face, hoje do lado do mar, era dotada de larga porta de acesso à parada do forte inicial e provida superiormente de ampla janela, componentes que foram depois entaipados. Segundo a tradição local, terá servido de prisão camarária, mas não existe qualquer confirmação documental de tal serventia durante o séc. XX. Na década de 90, foi remodelado para servir de posto de turismo, situação que, de forma algo intermitente, se mantém até hoje. Nos alvores da Segunda Guerra Mundial foi levado a efeito um largo plano de defesa para a ilha da Madeira, altura em que algumas das principais baías foram dotadas de novas estruturas defensivas, onde, para além das novas baterias de costa e antiaéreas do Funchal, foram construídos abrigos enterrados, para seções de metralhadoras pesadas, como aconteceu na Ribeira Brava e na praia Formosa (Fortes da Praia Formosa). O trabalho foi entregue à Companhia de Sapadores Mineiros, pertencente à rede das unidades de engenharia, conhecendo-se uma planta para o “abrigo para uma secção de metralhadora pesada” da Ribeira Brava, da autoria do alferes miliciano de engenharia Rogério Afonso, que deve datar de meados de 1942, pois que a aprovação do subsecretário de Estado da Guerra foi de 12 de agosto de 1942 (BOTELHO, 2006, p. 3). Por esse ano ou no seguinte, escavou-se o abrigo enterrado para a secção de metralhadora pesada, que subsiste na arriba do pequeno porto da Ribeira Brava, inclusivamente com um baixo-relevo numa das antigas portas de alvenaria, com o emblema da Companhia de Sapadores Mineiros, ainda com vestígios de pintura.   Rui Carita (atualizado  a 31.01.2017)

Arquitetura História Militar Património

fortes do norte da ilha

O povoamento do norte da Ilha, da responsabilidade da capitania de Machico, foi mais tardio e o alcantilado da costa também contribuiu para não haver especial e urgente necessidade de construções defensivas, que por esta razão foram prorrogadas. Nos inícios do séc. XVIII deve ter sido construído o forte do Porto da Cruz, de que somente resta a casa da guarda. Datado da mesma altura, o arruinado forte do Porto do Moniz foi, entre 1998 e 2000, reconstruído para acolher o aquário. No calhau de São Jorge também veio a ser levantado um pequeno forte, em 1785, que as cheias de novembro de 1848 destruíram, restando somente o antigo portal de entrada. No início do séc. XX, uma das famílias do Faial levantou um miradouro romântico, o chamado forte do Faial, que equipou com velhas bocas-de-fogo abandonadas nas praias. Palavras-chave: aluviões; aquário da Madeira; artilharia; arquitetura militar; Romantismo.   Porto da Cruz Não houve necessidade urgente ou especial de edificar construções defensivas no norte da Ilha, pois o povoamento da área, da responsabilidade da capitania de Machico, foi mais tardio e o perfil da sua costa é alcantilado. A freguesia do Porto da Cruz era a que mais contactos estabelecia com a sede da capitania de Machico, embora por caminhos de difícil acesso, nos sécs. XVI e XVII. Assim, em princípio, terá sido uma das primeiras localidades do norte onde foi erigida uma fortificação, determinada nos primeiros anos do séc. XVIII pelo governador Duarte Sodré Pereira. Estaria em construção em 1708 e para ela foi nomeado capitão João de Vasconcelos Uzel, em 1713. No entanto, no livro de carga da fortificação de 1724 não consta que a mesma estivesse artilhada, ao contrário do Porto do Moniz, que já teria um reduto artilhado. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), em 1817, não considerou que o vago arranjo executado no quase ilhéu do porto fosse uma verdadeira fortificação. Assim, escreveu: “tem um pequeno plano, em que se pode formar uma bateria pelo menos de quatro peças, de que bem necessita” (CARITA, 1982, 73). Conta também que existia no sítio um barbuzano e duas oliveiras, das quais se recolhia o fruto, não havendo memória de terem sido aí plantadas. Acrescenta ainda que a povoação estava dispersa pelos diversos lombos, cobertos de balseiras e que os caminhos até à Portela eram todos feitos através de despenhadeiros. O local em apreço tinha sido objeto de trabalhos de fortificação alguns anos antes, tendo sido efetuada, pelo menos, a reconstrução da casa da guarda, que ainda ostenta a data de 1793 num lintel. Quando Paulo Dias de Almeida elaborou a referida descrição, a obra estaria já levantada, porém, o autor não lhe faz referência, talvez pela sua insignificância e porque, segundo o Elucidário Madeirense, o forte teria sido desmantelado em 1804, sendo a guarnição existente mandada trabalhar na desobstrução da ribeira de Machico. Esta situação, no entanto, terá sido pontual, motivada pela aluvião de 9 de outubro de 1803, não se tratando da guarnição efetiva do forte, que nunca a terá tido em permanência, mas sim do pessoal das companhias de ordenança da freguesia que montavam a guarnição do mesmo. Mais tarde, em 1819, depois da visita geral efetuada à Ilha pelo governador Sebastião Xavier Botelho (1768-1840), o tenente-coronel Paulo Dias de Almeida, na planta da Madeira onde indicou os pontos que necessitavam de ser fortificados, registou que se devia ativar de novo a bateria do Porto da Cruz, bem como montar uma outra bateria na ribeira do Lava-pés, hoje ribeira da Maiata, na encosta nascente, efetivamente um local com um muito bom comandamento sobre toda a baía e de onde nos finais desse século vários viajantes tiraram fotografias. Não cremos que se tenha feito coisa alguma na baía do Porto da Cruz durante as décadas de 20 e 30 do séc. XIX, pois o tombo militar desse forte é de 1870, não foi escriturado por António Pedro de Azevedo (1812-1889) na década anterior, quando este considerou a grande maioria das restantes fortificações da Ilha. O forte encontrava-se na “origem setentrional da Ponta de São Lourenço”, segundo a descrição de 1870 e constava então de uma casa da guarda para depósito de munições, arruinada, e de um terrapleno de parapeito de terra, estando tudo totalmente abandonado (ARM, Arquivos Particulares, tombo militar). Não tinha, assim, qualquer interesse militar, pelo que deveria ser arrendado, segundo opinião do engenheiro Domingos Alberto da Cunha (1826-1892), que assinou a descrição a 31 de dezembro de 1870. A descrição seguinte, de António Leite Monteiro, datada de 3 de novembro de 1893, mantém a mesma opinião e propõe um valor global de 20$000 réis. É tradição local que este forte esteve artilhado até aos inícios ou meados do séc. XX. As peças terão então sido lançadas ao mar, sendo uma delas recuperada depois pela firma Soares Branco e entregue ao Museu da Quinta das Cruzes, nos finais da década de 60, mas entretanto depositada no museu de artilharia do Grupo de Artilharia de Guarnição n.º 2, onde ainda se encontra. A área do forte foi ocupada nos anos 30 por um posto da Guarda Fiscal, que deixou várias inscrições esgrafitadas nas paredes e, em 1960, por uma senhora de nome Raquel, segundo informação local, para exploração agropecuária. Voltou a ficar vago poucos anos depois, sendo ocupado somente como ponto de lançamento de fogo-de-artifício das festas regionais locais. A povoação de São Jorge desenvolveu-se na parte de cima da alta escarpa sobre o calhau da praia, tendo essa área de ocupação inicial sido mais ou menos abandonada entre os finais do séc. XVI e os inícios do XVII, justificando, inclusivamente a desmontagem da igreja matriz inicial da freguesia e a sua reconstrução na achada superior. Paulo Dias de Almeida, na sua descrição de 1817, afirma que por tal era “muito saudável e livre de humidades” (CARITA, 1982, 72-73). Menciona igualmente que “a paróquia é a melhor de toda a Ilha” (Id., Ibid.), referindo-se à igreja paroquial, reformulada nos meados do séc. XVIII, sendo que o templo compreende, de facto, um dos melhores exemplares de talha barroca da Madeira. Explica também que, sendo o porto de rocha, os barcos que ali iam receber os vinhos não se chegavam a terra, recolhendo as pipas em vaivém, pelo que muitas se perdiam. Junto ao porto onde se encontravam os armazéns desta freguesia e da de Santana, havia um pequeno reduto com duas peças de calibre 6 deitadas no chão. Acrescenta ainda Paulo Dias de Almeida que, no porto, só ficava um morador “efetivo” e os restantes recolhiam-se diariamente para o alto da população (Id., Ibid.). São Jorge O forte de São Jorge tinha sido construído a expensas de Francisco Manuel Jardim de Mendonça (Tello de Meneses), em razão do que foi nomeado, em 1785, primeiro capitão do dito forte; por sua morte, o cargo passou ao filho, Honorato Francisco Tello de Meneses. Segundo o tombo deste forte, “tudo” constava de uma “declaração passada por Agostinho Luiz Homem de El-rei, engenheiro e mestre das obras reais, e que só a bandeira, duas peças e dois reparos haviam sido pagos pela fazenda real” (ARM, Arquivos Particulares, tombo militar). Acrescente-se, entretanto, que este Agostinho Luiz Homem de El-rei não era engenheiro nem mestre das obras reais, mas sim apontador. Escreveu António Pedro de Azevedo que uma cheia, ocorrida entre 17 e 20 de novembro de 1848, destruiu totalmente a casa da guarda, que podia alojar cerca de oito homens, assim como parte da muralha do lado da ribeira, ficando o parapeito do forte “totalmente escalavrado e o terrapleno coberto de grossos calhaus” (Id., Ibid.). O forte era triangular, correndo o parapeito paralelo à praia, com 26,5 m e 9 de profundidade. O tombo foi assinado a 19 de fevereiro de 1864, por António Pedro de Azevedo, que calculava que o conjunto valeria então cerca de 350$000 réis. Em nota a esta descrição, António Pedro de Azevedo escreveu que, em toda a costa do norte da Ilha, se não podia tentar um desembarque em força sem grande perigo; embora não tirasse conclusões, tudo parece indicar que este militar não se inclinava para a reconstrução do pequeno reduto de São Jorge. A planta levantada por si, em 1868, apresenta uma “Vista do forte de S. Jorge antes da cheia de 17 de novembro de 1848”, que o mesmo teria efetuado pouco depois da sua chegada à Madeira, em 1841 (DSIE, Gabinete..., n.º 5534, 1A-12A-16). O tombo militar apresenta ainda um apontamento de cerca de 1890, dizendo estar o forte então desocupado e ter um valor de 200$000 réis. Parece ter ido entretanto a hasta pública, dado o terrapleno ser hoje propriedade privada. Faial No remate da propriedade do Faial da família do Dr. João Catanho de Meneses (1854-1942) existe um pequeno e alcantilado “forte” redondo, decorado com uma importante coleção de velhas bocas-de-fogo de ferro, quase todas inglesas e parecendo provenientes de navios desmantelados. O chamado forte do Faial foi construído como mirante de quinta madeirense, ao gosto romântico do séc. XIX, encontrando-se a uma grande altura e distância do mar, o que não lhe permitiria fazer eficazmente qualquer tipo de tiro. Deve datar dos inícios do séc. XX, ter sido executado para puro recreio dos utilizadores da propriedade, tendo a sua decoração sido feita com objetos provenientes dos vários fortes abandonados na costa norte. Num desenho do forte do Porto do Moniz, de cerca de 1850, as três bocas-de-fogo sumariamente traçadas, parecem ser “caronadas” inglesas dos inícios do séc. XIX, como as deste forte. Três destas bocas-de-fogo estiveram a decorar a esplanada do reconstruído forte do Gorgulho, no complexo balnear do Lido, no Funchal, por solicitação da Câmara do Funchal e com o acordo dos proprietários, assim como uma outra, a mais pequena de todas (98 cm de comprimento e 6,8 de calibre), integrou a exposição sobre arquitetura militar da Madeira dos sécs. XVI a XIX, realizada a 10 de junho de 1981 no teatro municipal do Funchal. Ao longo da década de 90, este conjunto de bocas-de-fogo, que tradicionalmente salvavam nas festas de N.ª S.ª do Faial, por razões de segurança, deixaram de ser usados nas ocasiões festivas. Em 1998, entretanto, utilizando-se cargas de pólvora mais fracas e depois de terem sido testadas as suas condições pela equipa militar de salvas de artilharia, os antigos canhões voltaram a disparar. O velho forte foi entretanto classificado, reconhecendo-se o seu valor local, e foi alvo de uma recuperação geral, levada a cabo pela Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC), refazendo-se então as carretas de artilharia, dentro do modelo de marinha e sítio, das várias bocas-de-fogo. Todo o empedrado em calhau rolado madeirense foi refeito, as paredes e a muralha foram consolidadas e a casa de apoio central foi reparada, sendo dotada com uma pequena exposição de fotografias de gravuras antigas da área, acompanhadas por um pequeno historial da família Catanho de Meneses, tudo sob direção e execução de técnicos da DRAC. Porto do Moniz As primeiras informações que temos das defesas do Porto do Moniz são de 1642. Assim, em julho desse ano, o capitão Manuel de Castro da Câmara recebeu 1$970 réis pelo arranjo da vigia local, sinal de ser a esta anterior e decorrente das ordens emanadas no regimento de vigias de 1567. Com a vigência do governador Duarte Sodré Pereira e com os contactos comerciais internacionais que este estabeleceu, foi sentida a necessidade da revisão geral da fortificação da Ilha. Nesse sentido, foi determinada a fortificação do norte e, especificamente, do Porto do Moniz e do Porto da Cruz, ambos sob a invocação de S. João Batista. A construção deve ter sido, assim, iniciada antes de 1711, data em que sabemos ter tido então novas obras. Foram levadas a cabo pelo capitão Manuel Rodrigues Ferreira Ferro (1685-1756), a cuja família foi dado o encargo do respetivo forte. As obras foram orçamentadas pelo mestre das obras reais Domingos Rodrigues Martins (c. 1710-1781), mas só terminadas na vigência do conde de S. Miguel como governador, em 1758. O capitão do Porto Moniz tivera patente assinada no Funchal, a 30 de abril de 1709 e registada em Machico, a 22 de junho, sendo depois provido como sargento-mor de Machico, por patente assinada em Lisboa, a 12 de setembro de 1753 e que tomou posse no Funchal, perante o governador conde de São Miguel, a 25 de março do seguinte ano de 1754. Atendiam-se aos serviços feitos ao “longo de mais de 62 anos de soldado, à sua conta, sem soldo, em toda a costa de mar e no tempo de guerra”, assim como a edificação da “fortaleza daquele lugar”, dotada com “duas bocas-de-fogo, casa de vigia, de soldados e prisão” (ARM, Câmara..., liv. 85, fls. 86-87; ANTT, Provedoria..., liv. 973, fls. 203-204). A dotação de artilharia para este forte foi estabelecida em 1730, como se pode ler no livro de carga iniciado em 1724. Foi então transferida uma boca-de-fogo do forte de São Filipe do Funchal para o do Porto do Moniz, juntando-se-lhe mais duas, ficando o forte com uma carga de três peças de artilharia montadas, de calibre de 3 a 7 libras, três soquetes elanados com as suas hastes, um riscador, um saca-trapo e uma agulha para exercícios de pontaria. Assinou o termo o artilheiro com encargo de condestável, Manuel Lopes da Silva e o tabelião do judicial, António Cotrim, em 11 de novembro de 1730. Nos meados do séc. XVIII e com a vigência na Ilha do governador D. Álvaro José Xavier Botelho de Távora (1708-1789), 4.º conde de S. Miguel, e também com a tomada de posse do capitão do Porto Moniz como sargento-mor de Machico, deram-se andamento a algumas obras já planeadas, que aguardavam fundos e empenho político. Entre elas, a do forte do Porto Moniz, tendo corrido com a obra o filho homónimo daquele último, Francisco Ferreira Ferro (1715-1794). Como se podia ler na entrada do forte, “Este forte se fez por ordem de el rei nosso senhor, o Sr. D. João 5.°, sendo governador desta Ilha o exmo. conde de S. Miguel e provedor da fazenda real e superintendente das fortificações, Manuel Teixeira de Castro e de cuja obra foi inspetor pelo dito senhor, o capitão cabo dele, Francisco Ferreira Ferro, filho do sargento-mor do mesmo nome no ano de 1758”, lápide transcrita por António Pedro de Azevedo em 1848 (ARM, Arquivos..., Planta dos Ancoradouros, 1848). Nos inícios do séc. XIX, quando Paulo Dias de Almeida fez uma volta de inspeção à Ilha o panorama da costa norte era desolador. Toda a costa estava profundamente isolada, só mantendo contactos com a costa sul pelo mar no verão. As ligações por terra com essa costa eram feitas pelo Paul da Serra e pela garganta da Encumeada, descendo depois até à serra de Água e à Ribeira Brava, mas tratava-se de uma verdadeira aventura. A ligação com a Calheta, feita pelo Paul da Serra, era ainda mais perigosa. Segundo Paulo Dias de Almeida, na sua já citada descrição de 1817, o Porto Moniz era o melhor porto que se encontrava no norte da Ilha e onde qualquer barco da costa “corrido do tempo” encontrava abrigo. A povoação estava espalhada pelo alto, nos bons terrenos da Madalena e os habitantes mais ricos tinham as suas propriedades em baixo, no porto, onde estavam igualmente os seus armazéns de vinho. Perante este quadro, alertava Paulo Dias de Almeida, se algum corsário mais esperto quisesse, poderia aproximar-se, fundear e saquear os armazéns, pois que nenhuma defesa havia para se lhe opor. Observa ainda que “um pequeno forte triangular que ali tinham, de nada servia por se encontrar arruinado” (CARITA, 1982, pp. 67-68). Tinha então uma peça de 4 libras em bom estado, e seis de calibre 6, mas reprovadas, no chão e sem reparos. A casa de armas tinha abatido e as 29 espingardas que havia estavam umas sem fechos, outras com as coronhas podres e o correame no mesmo estado. Alguns anos mais tarde, por volta de 1850, temos um desenho do forte feito por um turista inglês: Ruin of a Fort. Porto Moniz. Madeira (Casa-Museu Frederico de Freitas) e do qual, muito provavelmente, foi depois feito um óleo, hoje numa coleção privada do Funchal. Por esse desenho vemos que o forte teria um esquema muito semelhante ao da Ribeira Brava: triangular, fechado a terra por um torreão, com porta encimada por inscrição e brasão das armas reais. No forte do Porto do Moniz havia uma passagem alta, indicativa, em princípio, de ter havido ponte levadiça. No meio do forte, em ruínas, são reconhecíveis três peças de artilharia, duas sobre possíveis reparos navais, que parecem caronadas. Muito provavelmente, estas peças foram depois recolhidas no forte do Faial. A única coisa que parece intacta neste desenho é um mastro alto, mas sem bandeira. Alguns anos depois, escrevendo sobre este forte, o tenente-coronel Alberto Artur Sarmento refere que a inscrição veio nos inícios do séc. XX para a fortaleza de S. Lourenço, no Funchal mas infelizmente, já ali não se encontra. Aliás, algumas peças de ferro igualmente recolhidas ao longo dos anos 30 e 40 desse séc. XX e que chegaram a estar na parada baixa de São Lourenço foram entregues, nos anos 50, à Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. A junta entregou-as ao Museu Quinta das Cruzes que, por seu lado, as entregou à Câmara Municipal de Machico. Encontram-se hoje a decorar o forte de Nossa Senhora do Amparo. Pelas informações do forte de São João Baptista nos tombos militares, com sequência a partir de 1870, podemos reconstruir um pouco da sua vida mais recente. Assim, “o forte referido fica a 55 quilómetros do Funchal, na costa norte da Ilha, onde se não pode tentar desembarque sem grande perigo e trabalho, em razão das escarpas serem muito mais elevadas e aprumadas que na costa sul e por serem raras as praias e enseadas, além da circunstância importantíssima dos ventos do quadrante norte, que na maior parte do ano sopram com violência naquelas paragens”. O forte consistia então numa pequena luneta bastante arruinada, com uma casa para depósito de materiais de guerra, totalmente destruída. Havia ainda uma outra, em estado sofrível, mas sem porta nem janela e que poderia alojar quatro praças. Nesta sequência, havia mais a prisão e o paiol, mas ainda em pior estado. O forte apresentava 12 m na gola onde estavam as casas referidas, ou seus vestígios, como se acrescentava em 1870. Havia também, a 70 m do forte, sobre a escarpa e a leste, uma casa de vigia que podia alojar três praças. O tombo militar descreve ainda o ilhéu Mole em frente do forte, a uma distância de 110 m, que “mascarava” o forte pelo norte e oeste, embora o mesmo continuasse a cobrir bem a praia do lado leste. A fortificação teria sido arruinada pelo mar havia muito tempo, dado se encontrar bastante exposta e situada na praia do porto, pelo qual confrontava por todos os lados. O valor total calculado do forte e vigia nesta época era de 100$000. Mais tarde, por volta de 1890, estimava-se que o valor das ruínas seria de 88$860 réis. Com a promulgação da carta de lei de 13 de setembro de 1897, permitiu-se proceder à alienação das fortificações sem interesse militar, vindo diversos fortes a serem arrematados em hasta pública. Foi o caso deste, em abril de 1926, arrematado pelo Dr. Jaime César de Abreu (1899-1976), médico no Funchal, ao Ministério da Guerra. O imóvel era então constituído pela pequena luneta, as ruínas do pequeno quartel, do paiol e o campo de exercícios anexo, tendo a respetiva posse sido tomada em maio 1927, pelo Dr. Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939), natural da freguesia do Porto Moniz e sogro do novo proprietário. Nos finais do séc. XIX, entretanto, tinha sido editada uma fotografia pelo Bazar do Povo, em princípio da autoria de João Anacleto Rodrigues (1869-1948) e que tem sido dada como tirada no Porto Moniz. No entanto, dada a configuração do forte, tudo parece apontar tratar-se de um fotografia tirada nos Açores e não na Madeira, embora existam referências à baleação no Porto Moniz. Pela configuração do forte e a rampa anexa ao mesmo, somos levados a crer que se trata do forte do Negrito, em São Mateus, na ilha Terceira. Em 1998, a Câmara Municipal do Porto Moniz adquiriu a propriedade e, dois anos depois, iniciaram-se as obras de reconstrução do antigo forte de São João Batista, instalando-se no seu interior um aquário constituído por 12 tanques, nos quais se propôs representar os vários habitats do mundo marinho madeirense.   Rui Carita (atualizado a 31.01.2017)

Arquitetura História Militar Património