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raddi, guiseppe

Giuseppe Raddi, um dos maiores botânicos italianos, nasceu em Florença, a 9 de julho de 1770. Devido à precária situação económica da sua família, começou a trabalhar muito jovem como empregado numa farmácia. Ottaviano Targioni Tozzetti, médico, botânico e mineralogista, foi seu protetor, proporcionando-lhe as primeiras lições de botânica, disciplina na qual Raddi se destacou rapidamente. Em 1785, começou a trabalhar no Orto Botanico em Florença, onde permaneceu até 1795, como assistente de outro ilustre médico e botânico, Attilio Zuccagni. Em seguida, foi diretor e cossecretário do Museu de História Natural em Florença. Os primeiros escritos de Raddi foram publicados em 1806. Em 1817, fez uma expedição exploratória ao Brasil, organizada conjuntamente pelo Grão-Ducado da Toscana e por França. O material recolhido durante a viagem foi catalogado e colocado em herbários que tornaram famoso o seu nome. A sua última viagem, em 1827, foi ao Egito, onde contraiu disenteria; ao tentar voltar para a Itália, morreu em Rhodes, a 6 de setembro de 1829. Raddi esteve na Madeira de 11 a 13 de setembro de 1817. Tendo partido a 13 de agosto de Livorno, “a bordo do navio português S. Sebastião”, passou brevemente pela Ilha, e prosseguiu depois para o Brasil. Aí teve origem a memória Breve osservazione sull’isola di Madera fatta nel tragitto da Livorno a Rio-Janeiro [Breve Observação da Ilha da Madeira Feita no Trajeto de Livorno para o Rio de Janeiro], inicialmente publicada em Florença, no n.º 5, de maio de 1821, da revista Antologia. “Uma visita tão curta e passageira àquela Ilha não pode, como é da natureza das coisas, permitir dar informações completas da mesma, especialmente no que diz respeito aos seus produtos, ao solo e ao clima, ou à indústria dos seus habitantes […]” (RADDI, 1821, 4) – declara com toda a honestidade; no entanto, as notícias que dá na sua obra são diversas e precisas, acabando por revelar mais do que o típico relatório objetivo de um botânico. O seu estilo é rápido, direto, literário, de uma forma moderna, e aproxima-se da escrita apropriada às reportagens. Através dele, Raddi relata as particularidades históricas (“diz-se que a Madeira foi descoberta pelos Portugueses em 1420 e por eles mesmos assim chamada Madeira por a terem encontrado inteiramente coberta de árvores” (Id., Ibid., 5)), geográficas e económicas, descrevendo a Ilha como um lugar fértil, mas não muito habitado. À semelhança de outros visitantes, admira-se com o facto de as árvores “quase” formarem “uma única e mesma floresta” – daí o nome do lugar – e de as águas, caindo das montanhas, causarem “inundações, as quais deitam abaixo e transportam pontes, e casas”. Apesar de a estadia na Madeira ter durado apenas dois dias, Raddi concluiu, com base na análise do solo, que este era “inteiramente vulcânico” e rico em rochas basálticas derivadas de uma “verdadeira erupção de lama vulcânica-subaquática”. Admirou-se, em particular, com o seguinte facto: “As montanhas próximas são tão férteis como parece pela visão que se consegue ter, sendo cultivadas como as planícies” (Id., Ibid., 5). Depois de descrever o território, trata do vinho, produto em que se baseava uma grande parte da economia local, descrevendo as pérgulas de videiras, os tempos de poda e os métodos de cultivo e de colheita das uvas: “A vindima geralmente é feita por aqueles ilhéus na primeira quinzena de setembro, a altura em que as uvas estão bem maduras” (Id., Ibid., 8). Seguidamente, concentra-se noutros produtos cultivados como, por exemplo, a batata e o inhame egípcio, e procede à minuciosa, e mais técnica, descrição botânica das flores e plantas da Madeira.   Obras de Giuseppe Raddi: Breve osservazione sull’isola di Madera fatta nel tragitto da Livorno a Rio de Janeiro (1821).     Chiara Tommasi (atualizado a 17.12.2017)

Biologia Terrestre

ogilvie-grant, william robert

William Robert Ogilvie-Grant, ornitólogo britânico, trabalhou no Museu de História Natural de Londres desde 1882 até a sua aposentação em 1918. Realizou numerosas expedições, nomeadamente aos arquipélagos de Socotorá, da Madeira (incluindo as ilhas Selvagens), das Canárias e dos Açores, com a finalidade de melhorar a coleção de aves do Museu e ajudou a organizar e financiar muitas outras viagens. A sua produção científica na área da ornitologia é vasta. Ogilvie-Grant nasceu na Escócia a 25 de março de 1863, estudou no Fettes College em Edimburgo e começou a trabalhar no Museu de História Natural de Londres em 1882. No Museu, incorporou-se como assistente no departamento de zoologia, primeiro na secção de ictiologia e, a partir de 1885, na sala de aves, da qual se tornou responsável em 1909. Em 1913, foi nomeado curador assistente de zoologia, cargo que manteve até à sua aposentação, por motivos de saúde. Entre as várias expedições que efetuou com o objetivo de aumentar a coleção de aves, destacam-se as realizadas aos territórios portugueses, onde visitou as ilhas da Madeira, do Porto Santo e a Deserta Grande em 1890, as ilhas Selvagens em 1895 e os Açores em 1903. Destas explorações resultou a publicação dos seguintes artigos: “Notes on some birds obtained in Madeira, Deserta Grande and Porto Santo” (1890) e “On the birds observed at the Salvage Islands near Madeira” (1896), na revista Ibis; “Expedition to the Salvage Islands” (1895), publicado em conjunto com Cecil Baring, na revista Zoologist; e “On the birds of the Azores” (1905), publicado em coautoria com Ernst Hartert, na revista Novitates Zoologicae, contribuindo significativamente para o conhecimento das aves daqueles locais Ogilvie-Grant também viajou até às ilhas Canárias e a Socotorá, e foi o responsável pela organização e o financiamento das explorações ao monte Ruwenzori (Uganda-Congo) e à Nova Guiné Holandesa. Da sua vasta produção científica são especialmente conhecidos os volumes que escreveu para os Catalogue of the Birds in the British Museum e Catalogue of the Eggs in the British Museum, e a sua importante contribuição para o conhecimento das aves de caça. Foi membro do Conselho da Zoological Society e dos comités da British Ornithologists’ Union, da Avicultural Society, British Ornitologists’ Club e da Royal Society for the Protection of Birds, além de ser um dos fundadores da Society for the Promotion of Nature Reserves. Casou-se, em 1890, com Maud Louisa Pechel e teve um filho e três filhas. Morreu em sua casa, perto de Reading, a 26 de julho de 1924. Obras de William Robert Ogilvie-Grant: “Notes on some birds obtained in Madeira, Deserta Grande and Porto Santo” (1890); Catalogue of the Picariae in the Collection of the British Museum (1892); Catalogue of the Game Birds in the Collection of the British Museum (1893); “Expedition to the Salvage Islands” (1895); “On the birds observed at the Salvage Islands near Madeira” (1896); Catalogue of the Steganopodes (1898); “On the birds of the Azores” (1905); Catalogue of the Eggs in the British Museum (1912).   Pamela Puppo (atualizado a 15.12.2017)

Biologia Terrestre

joeiras

Os jogos tradicionais e as brincadeiras constituem formas de estar, formas de sociabilizar e, embora possuam características universais, identificam uma cultura, na medida em que entre os seres humanos é a cultura que determina a forma de jogar. Um dos mais populares jogos ou brincadeiras tradicionais é o lançamento de papagaios de papel. Na Madeira estes artefactos voadores são conhecidos por joeiras. A origem da designação “joeira” pode dever-se ao facto de o desenho da sua estrutura ser semelhante à estrutura de um utensílio, com o mesmo nome, utilizado nas eiras para separar o trigo do joio e utilizado também pelos pescadores. Palavras chave: papagaios de papel, joeiras, brincadeiras tradicionais, barbante, canas-vieiras, cola. No começo do séc. XXI, é normal ver uma criança que, ao mesmo tempo, navega na Internet, folheia uma revista, fala ao telefone e ainda vê televisão. Em períodos anteriores, porém, as crianças disponibilizavam uma parte do seu dia para brincar com carrinhos, jogar ao pião e lançar papagaios. Duas realidades que estão cada vez mais distantes. As brincadeiras infantis mudaram muito. Houve períodos em que a maioria das crianças tinha poucos brinquedos e, por isso, tinha de usar mais a criatividade para os criar. Os brinquedos tradicionais, construídos pelas crianças com os materiais disponíveis no meio envolvente, utilizando a sua imaginação, fazem parte do património lúdico de uma cultura. Assim, os jogos tradicionais e as brincadeiras constituem formas de estar, formas de sociabilizar e, embora possuam características universais, identificam uma cultura, na medida em que, entre os seres humanos, é a cultura que determina a forma de jogar. Um dos mais populares jogos ou brincadeiras é tradicionalmente o lançamento de papagaios de papel. Existem teorias, lendas e suposições que dizem que o primeiro voo de um papagaio de papel ocorreu em tempos diferentes e em várias civilizações. Na versão mais antiga, os papagaios de papel nasceram na China no ano 200 a.C.. Por sua vez, no Egito, existem hieróglifos sobre objetos que voavam controlados por fios, e os fenícios também já conheciam o seu segredo, assim como os africanos, indianos e polinésios. Nos países orientais, sempre foi grande a utilização de papagaios com motivos religiosos e míticos, como atrativos de felicidade, sorte, nascimento, fertilidade e vitória. Por volta de 1250, o Inglês Roger Bacon escreveu um estudo sobre asas acionadas por pedais, tendo como base experiências realizadas com papagaios de papel. Pensa-se que os papagaios de papel foram introduzidos em Portugal durante o séc. XVII, a partir do Oriente. Salvo a utilização militar estes objetos mágicos sempre tiveram o poder de alegrar, ajudar e dar esperança à humanidade. Posteriormente, em 1901, Marconi utiliza papagaios de papel para fazer experiências com transmissão de rádio, que mais tarde Bell utilizaria como testes do seu invento, o telefone. Durante a Segunda Guerra Mundial, os papagaios de papel eram utilizados pelos alemães para observar as movimentações das tropas aliadas ou como alvo móvel para exercícios de tiro. Nos começos do séc XXI, tanto em Portugal como no Brasil (onde os papagaios de papel têm a designação de “pipa”, e uma forma diferente dos papagaios construídos em Portugal) não estão totalmente esquecidos. Podemos ver em algumas cidades destes dois países crianças e adultos a brincar com papagaios, objetos que ocorrem também como material publicitário e em obras de ficção televisiva. É oportuno ainda referir que um artigo publicado pela revista Visão de 30 de julho de 2015, intitulado “Ideias para sobreviver às férias grandes dos miúdos”, sugere a construção destas brincadeiras: “Lançar um papagaio de papel. E façam-no, primeiro. Pode reciclar o que tiver por perto: um saco de lixo ou uma toalha de papel, estacas em bambu ou pauzinhos chineses para o papagaio ficar direito e uma corda de nylon. O essencial é que a estrutura se mantenha leve, de forma ir pelo ar com um pouco de vento. A ver quem consegue mantê-lo a voar mais tempo”. (“Ideias…”, Visão, 9 ago. 2015). Na Madeira, estes artefactos voadores são conhecidos por joeiras. Trata-se de objetos mais pesados que o ar, mas que, uma vez impelidos pelo vento, são manobrados a partir do solo com um barbante (fio de dois ou mais cabos torcidos, possivelmente oriundo da província de Brabante – Holanda), que serve de ligação entre o objeto e o alteador (pessoa que manobra a joeira). A origem da designação (joeira) pode estar no facto de o desenho da sua estrutura ser semelhante à estrutura de um utensílio com o mesmo nome, utilizado nas eiras para separar o trigo do joio e utilizado também pelos pescadores. Como se referiu atrás, os artefactos voadores recebem na Madeira, em geral, a designação de joeiras; contudo, segundo Agostinho Vasconcelos, os objetos de voo à vela podem ser classificados quanto à estrutura (feitos de cana vieira, inteira ou rachada) e quanto ao desenho (executados com linha de coser, no interior da carcaça, ou recortados no papel colorido dos forros). Quanto à sua estrutura, podem ser papagaios, bacalhaus, joeiras, rodas e aviões. De referir que os papagaios não têm qualquer estrutura de suporte preliminar; contudo, excecionalmente poderão ter uma estila (lasca de cana ou de outra planta), que será usada como reforço para lhe dar estabilidade. O bacalhau tem estrutura inicial ou de suporte ao forro (papel de seda ou outro material, como plástico, celofane, tecido fino, entre outros), com duas ou mais canas, dispostas em cruz, parecendo um bacalhau salgado seco. Por sua vez a joeira tem uma armação feita com três canas, as quais são fixadas com um alfinete, ou arame fino, no seu ponto médio; ao passarmos uma linha equidistante nos seus extremos, aparecerá um polígono hexagonal. Semelhante à joeira, temos a roda, construída com quatro ou mais canas, dispostas como no caso anterior, radialmente (ligando todos os extremos ou mais, conforme as canas utilizadas). Por fim temos o avião, estrutura de cinco ou mais canas, dispostas de modo a parecer a forma daquela nave. Quanto ao desenho, a forma de estrela pode ser encontrado em vários artefactos voadores; mas este desenho é mais comum e facilmente reconhecível nas joeiras e nas rodas. Para se construir uma joeira, as crianças usavam o material que tinham ao seu dispor, nomeadamente: pincel (para espalhar cola); alicate (para cortar e torcer os alfinetes); plaina (para preparar as canas rachadas); régua (guia, para cortar em linha reta o papel); agulha (para armar o desenho, com linha); alfinetes (que servem de eixo às canas); lápis (para marcar o papel antes de colar); teco (para auxiliar na colagem); tesoura (para cortar o papel e a linha); afiador (para afiar os instrumentos cortantes); passador (para puxar a linha, para fazer o nó); pinça (para repuxar o papel); canivete (para preparar as canas); faca (para cortar o papel). As matérias-primas eram constituídas essencialmente pelo que a natureza disponibilizava e por alguns materiais reutilizados; são elas: folhas de papel de seda (para o forro das joeiras); papa de milho/semilha (utilizadas como cola); novelos (barbante de joeira ou linho); tubo de linhas (fibra artificial e para fazer a configuração dos desenhos, no interior); fio torcido (algodão) e canas (inteiras ou rachadas) para a estrutura. Contudo, outros materiais poderão ser utilizados, dependendo essencialmente da criatividade do construtor das joeiras. As joeiras estiveram e estão bastante presentes no quotidiano madeirense. Podemos encontrar referência a estas brincadeiras na literatura, e.g. no conto “A beleza das joeiras”, de Graciela Dias da Silva, inserido na obra Rasgos da Minha Infância: – Não foram compradas as joeiras. […] Mas… pergunta o miúdo: – Como as fizeram?!... Pacientemente, elucida-o o professor com palavras tão radiantes de frescura, que o deixam atento ao seu discorrer!... E fala-lhe das diversas fases da elaboração de uma joeira, a saber: – Depois de cortado devidamente o papel de seda e ajustadas as ripas de cana, inventariam o conjunto, segundo o modelo previamente escolhido. – Em segundo plano, é só colar o papel, geralmente com uma massa feita de farinha e água. – Finalmente, após a secagem e, para que seja mantido um certo equilíbrio, apõem ao papagaio um rabo, feto de pano esfrangalhado, a capricho (SILVA, 2011, 49-50). Encontramos também referência às joeiras na obra de Manuel Pita Ferreira, Natal na Madeira – Estudo Folclórico: “Fecham o cortejo, o músico do bombo, o dos pratos e o da caixa, marcando o ritmo da marcha e numeroso bando de rapazitos com as mãos cheias de canas de foguetes e as algibeiras abarrotadas de canudos. Vêm contentíssimos, porque encontraram um tesouro, – canas e barbante para as joeiras” (FERREIRA, 2010, 15) Também na tradição oral é frequente encontrar referências à construção e utilização de joeiras, e.g. numa quadra popular dedicada a S. João: “São João / São João da Ribeira / dá-me vento, / para altear esta joeira”. Por fim, é oportuno ainda verificar que em várias freguesias da ilha da Madeira são feitos concursos de joeiras, com destaque para os concursos organizados pela Junta de Freguesia de S. Roque, pela junta de Freguesia de Machico, pelos Cursos de Educação e Formação de Adultos da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos da Torre, em conjunto com a Casa do Povo de Câmara de Lobos; também nos concelhos da Calheta e da Ponta do Sol há concursos deste género. De uma maneira geral, os objetivos destes diferentes concursos são: reavivar a tradição da construção e do lançamento de joeiras; incentivar o gosto pelos jogos tradicionais; estimular a criatividade e a imaginação dos participantes; incentivar o convívio intergeracional; promover atividades ao ar livre; e realizar atividades educativas e culturais que envolvam toda a comunidade. Os critérios de seleção dos vencedores são, em geral: criatividade e inovação; utilização de materiais recicláveis e tempo de voo.  Todos estes concursos têm grande recetividade por parte do público, tanto dos jovens como dos menos jovens, e contribuem para a persistência desta tradição madeirense.     José Xavier Dias (atualizado a 18.12.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

hartwig, waldemar

Professor e ornitólogo, Waldemar Hartwig nasceu em Oderbruch, na Alemanha, em 1851, e faleceu em Berlim a 15 de junho de 1901. Filho de um pequeno agricultor, casou-se com Bertha Goodier, falecida em 1902. Em 1876, ingressa nos quadros da Sophienschule, de Berlim, uma escola fundada a 24 de abril daquele ano, como professor do 5.º ano, das disciplinas de Matemática, Alemão, Ciências Naturais e História Natural. Mais tarde, em 1898, é promovido ao cargo de professor superior. Em 1901, acaba por abandonar a carreira docente, devido a problemas de saúde. No ano de 1885, sofreu um acidente, ao cair de um carro elétrico, que lhe causou um traumatismo cerebral que o deixou com disfasia parcial. Em 1886, procura a Madeira, onde passa uma temporada, com o intuito de recuperar do acidente. Chega à Ilha no dia 12 de janeiro e permanece até 11 de fevereiro. Entretanto, desloca-se até às ilhas Canárias, para explorar a vida das aves, regressando pouco tempo depois à Madeira, onde permanece de 14 de março a 20 de abril, voltando a seguir para o continente europeu. Durante as duas estadias na Madeira, no ano de 1886, dedica-se também ao estudo das aves. Ainda nesse ano, e nos anos seguintes, o ornitólogo divulga pela comunidade científica alemã, em publicações periódicas dedicadas à biodiversidade, uma série de artigos acerca das suas investigações em terras madeirenses. Em 1893, desiste da ornitologia e envolve-se no estudo dos cladóceros (pequenos crustáceos, geralmente designados pelo nome comum de pulgas-de-água). Das suas publicações acerca das espécies de aves madeirenses, destacam-se diversos estudos em jornais e revistas da especialidade, nomeadamente, “Die Vögel Madeiras”, no Journal für Ornithologie: Deutsches Centalorgan für die gesammte Ornithologie; “Die Vögel der Madeira-Inselgruppe”, na Ornis. Internationale Zeitschrift für die gesammte Ornithologie; “Von der Madeira-Inselgruppe”, na Zeitschrift für Oologie; “Die Brutvögel Madeiras”, na Zeitschrift für Oologie; “Die Brillengrasmücke (Sylvia conspicillata): Brutvögel auf Madeira”, na Zeitschrift für Oologie; “Etwas über das Brutgeschaft einiger Madeira-Vögel”, na Zeitschrift für Oologie; “Nachtrag zu meinen beiden Arbeiten über die Vögel Madeiras”, no Journal für Ornithologie: Deutsches Centalorgan für die gesammte Ornithologie; “Die Puffinen Madeiras”, no Ornithologische Monatsberichte; “Zwei für Madeira neue Vögel”, no Ornithologische Monatsberichte; “Notiz über Charadrius alexandrinus von Porto Santo”, no Ornithologische Monatsberichte; e “Madeira Vögel”, no Ornithologische Monatsberichte. Obras de Waldemar Hartwig: “Die Vögel Madeiras” (1886); “Die Vögel der Madeira-Inselgruppe” (1891); “Von der Madeira-Inselgruppe” (1891); “Die Brutvögel Madeiras” (1891); “Die Brillengrasmücke (Sylvia conspicillata): Brutvögel auf Madeira” (1892); “Etwas über das Brutgeschaft einiger Madeira-Vögel” (1892); “Nachtrag zu meinen beiden Arbeiten über die Vögel Madeiras” (1893); “Die Puffinen Madeiras” (1893); “Zwei für Madeira neue Vögel” (1893); “Notiz über Charadrius alexandrinus von Porto Santo” (1894); e “Madeira Vögel” (1894).   Sílvia Gomes (atualizado a 30.12.2017)

Biologia Terrestre

remates de telhado

Uma das originalidades da arquitetura popular madeirense são os remates de telhado, colocados nos extremos dos beirais, que aparecem, por exemplo, com cabeças de menino e de senhora, pombas, bem como outros animais, folhas de acanto, naturalistas e estilizadas, numa diversidade francamente interessante e quase única no contexto nacional. Não temos referências sobre a sua origem, sendo sempre evasivas as respostas dadas pelos mais antigos proprietários, que se refugiam no costume e pouco mais. Nenhum deles conseguiu, pois, explicar por que se optou por este ou aquele modelo e não por outro, não tendo, em princípio, a mínima ideia de qualquer significado que possam ter estes elementos. Cabeça de menino. Foto: BF As construções urbanas e mais abastadas apresentam remates congéneres da arquitetura portuguesa e internacional divulgada nos finais do séc. XIX, com recurso a platibandas rematadas com urnas, algumas de faiança das fábricas do norte de Portugal, provavelmente de Vila Nova de Gaia. Já muito raras são as figuras alegóricas, igualmente em faiança, que proliferaram também a partir dos finais desse século como remates de fachada, sendo quase todas entretanto apeadas, tal como as decorações de algumas fachadas com azulejos arte nova, que vão igualmente rareando. Se alguns remates centrais de telhado em forma de agulha são semelhantes aos vigentes no continente, os figurativos que rematam os beirais na arquitetura popular madeirense afastam-se, no entanto, totalmente dos congéneres continentais, constituindo uma marca e uma presença profundamente originais que teima em sobreviver. A configuração destes remates de telhado que conhecemos na Madeira não é, em princípio, muito antiga, pois que a cobertura por telha com beiral não deve ser anterior aos meados do séc. XVIII. Na pouca iconografia que conhecemos, quase toda de caráter senhorial ou militar, as coberturas de telha são interiores às empenas, fazendo convergir as águas sempre para caleiras igualmente interiores e saindo as mesmas por gárgulas na divisão dos telhados, quase sempre múltiplos. Acresce que, até meados e finais do séc. XIX, a arquitetura popular e tradicional madeirense manteve-se com coberturas de colmo, sendo raras as coberturas de telha. Nas descrições dos muitos viajantes estrangeiros que passaram pela Madeira, em princípio mais sensíveis às especificidades locais que os naturais, não lhes é feita qualquer referência aos remates, pelo que, a existirem, não teriam, por certo, a exuberância que lhes conhecemos hoje. A atenta inglesa Isabella de França (1795-1880), no Journal da sua visita à Madeira, em 1853, dedica duas linhas à arquitetura popular, dizendo apenas que, nas habitações mais modestas, “as telhas estão seguras com pedras, de forma que o vento as não leve, e rematam-se no topo com uma panela de barro invertido” (FRANÇA, 1970, 65). A utilização destas marcas ou sinais, no entanto, tem de ser muito antiga e de se encontrar profundamente enraizada no sentir e viver populares para ter tido, nos inícios do séc. XX, a espantosa e invulgar popularidade com que chegou até nós. Sendo já pontual nos Açores – em alguns casos, por recente importação da Madeira, como na Caloura, na ilha de S. Miguel –, reduz-se, no território continental, a uma outra estilização mais erudita e cosmopolita do que a existente nas áreas periurbanas e rurais madeirenses. Aliás, também na área periurbana do Funchal e nas habitações mais abastadas, a opção vai para a aplicação de elementos mais estilizados e menos figurativos, como folhas de acanto e concheados. Este costume perdeu-se quase por completo nos Açores, sendo, no entanto, referido por vários investigadores, como Luís Bernardo Leite de Ataíde, Alfredo Bensaúde e Ernesto Ferreira, que associam essas antigas representações às festividades do Espírito Santo, embora admitindo o seu cariz arcaico e fálico. Efetivamente, até o termo “pomba” ou mesmo “pombinha” têm em ambos os arquipélagos fortes ressonâncias sexuais, sendo, tanto nos Açores como na Madeira, fortemente inibitórios. De resto, a pombinha do Espírito Santo, tão celebrada pelos foliões, representa sempre a proteção e é celebrada como símbolo da abundância e da fecundidade, não espantando o seu aparecimento emblemático nas habitações, como elemento zelador da família no campo da saúde, bem-estar e alegria do lar. Pombo. Foto: BF A grande diferença dos remates madeirenses é a sua associação às cabeças de menino, mas também a cabeças femininas, mais requintadas e com elementos específicos de abastança, como brincos e colares. Parece, assim, estar-se na presença, não só de símbolos de virilidade, fertilidade e abundância, como seriam as pombas evocativas do Espírito Santo, que a Igreja Católica reservou como instrumento divino de Encarnação da Virgem, como da felicidade imediata do casal, como seriam as cabeças de menino, alusivas aos filhos que geraram. A generalização do costume dos remates de telhado em forma de pomba levou, no entanto, à sua utilização em outras habitações, como na residência paroquial de S. Pedro do Funchal, um dos poucos exemplares verdadeiramente artesanais localizados em plena cidade e obtidos pela modelação de argamassa e telha recortada. A enorme divulgação dos remates de teto figurativos na Madeira parece estar associada ao surto de construção ocorrido entre os finais do séc. XIX e os inícios do XX, que surgiu na sequência da divulgação da telha Marselha e adveio do poder económico dos emigrantes de “torna-viagem” (Emigração), especialmente de Demerara, daí a designação “demeraristas” dada às suas habitações (Arquitetura). Deve datar dessa época a encomenda massiva às antigas olarias madeirenses dos remates e a sua execução em barro então cozido por moldes, embora também apareçam exemplares em fibrocimento. Existem cerca de meia dúzia de variantes das pombinhas, em repouso ou com asas levantadas, sendo inclusivamente utilizadas como remates e decoração das asnas superiores dos tetos, que parecem já apontar, por vezes, para um gosto orientalizante ou orientalista, dito “chinoiserie”. A utilização destes remates é, aliás, muito comum na arquitetura chinesa, tendo influenciado decidamente alguns exemplares madeirenses mais eruditos, como os dragões chineses que ainda subsistem numa habitação abastada do sítio do Trapiche, na freguesia de Santo António do Funchal, onde as telhas de divisão das águas se apresentam decoradas no dorso com elementos lanceolados, e que também existiram numa outra habitação da freguesia do Monte, junto do cemitério, que foi já demolida. A imaginação popular, entretanto, foi criando outras variantes, como papagaios, muito divulgados, alguns tipos de cabeças de cão, gatos em meia figura – que surgem no centro de Machico ligadas às datas de 1924 e 1932 – e galos, sendo estas duas últimas figuras algo raras. Relativamente às figuras de cão, deve registar-se alguma influência inglesa, uma das matrizes de referência da cultura madeirense dos finais do séc. XIX, pois que o modelo que se tipificou foi o do buldogue, e não o dos normais cães de guarda portugueses. As variantes das folhas de acanto também são várias, podendo aparecer colocadas na vertical ou inclinadas e simplificadas para pequenos elementos lanceolados ou pela aplicação de simples pontas obtidas pelo recorte de telhas. Divulgaram-se igualmente elementos inspirados em concheados, conhecidos como “patas de leão”, que, dada a extinção das olarias na RAM, passaram a ser comercializados por olarias continentais. Os novos modelos da arquitetura e da construção civil já não contemplam a aplicação destas antigas marcas ancestrais e o encerramento das olarias madeirenses, na última década do séc. XX, decretou o fim desta ancestral tradição.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

Antropologia e Cultura Material Arquitetura Cultura e Tradições Populares

palácios

O termo “palácio” parece não ter sido utilizado na Madeira durante os primeiros séculos de povoamento, sendo geralmente empregados os vocábulos “aposento”, “casas” ou “paços”, palavra a que recorreu o doutor Gaspar Frutuoso (c. 1522-c. 1591) nos finais do séc. XVI. O termo “paço”, com a mesma raiz latina que “palácio”, apresenta variantes nos séculos seguintes, nomeadamente “solar” ou “moradia”, como era denominada a residência dos Carvalhal, passando a designação para a rua e sendo depois corrompida para “mouraria”. Na planta do brigadeiro Reinaldo Oudinot (1747-1807), de outubro de 1804, aquela ainda aparece registada como “Rua da Moradia” (IGP, cota 539). Planta da cidade do Funchal. Agostinho José Marques Rosa. Arquivo Rui Carita. Em rigor, o solar é a casa onde nasceu uma determinada linhagem nobre, passando assim de geração em geração, o que em relação aos novos domínios da expansão portuguesa tem aplicação difícil, pois os elementos fundadores vieram de fora, tornando-se complicado concretizar se, p. ex., os Esmeraldo nasceram na importante residência da rua que ainda hoje tem o seu nome ou no chamado Solar dos Esmeraldos, na Lombada da Ponta do Sol (Arquitetura senhorial). Acresce que as principais famílias terratenentes começaram a fixar-se na cidade logo entre os sécs. XVI e XVII, pelo que a utilização do termo “solar” apresenta limitações, sobretudo quando como que se duplica, como acontece no caso do Solar do Aposento, em Ponta Delgada, ligado à família de Horácio Bento de Gouveia (1901-1983) e cuja última proprietária foi D. Maria Hilária Dinis Abreu de Freitas (m. 2003). Solar do Aposento. Ponta Delgada. Arquivo Rui Carita. Uma das primeiras utilizações do termo “palácio” deve ter sido a que fez o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598), em referência à fortaleza do Funchal, que disse ser um “bom palácio residencial”, apesar de entender que pouco valia como obra de defesa (AGS, Guerra y Marina, leg. 127, docs. 42 e 46) (Palácio e fortaleza de S. Lourenço). Os cronistas insulares, como Jerónimo Dias Leite (c. 1537-c. 1593) ou o mencionado Gaspar Frutuoso, não utilizaram o termo “palácio”. Este cronista açoriano, embora com base no texto que Dias Leite lhe enviara do Funchal, acrescenta inúmeras informações recolhidas por pessoas que conheciam a Madeira, dado que o próprio nunca terá estado na Ilha. Faz assim menção ao “aposento antigo, muito rico, com casa de dois sobrados e pilares de mármores nas janelas e em cima seus eirados” de João Esmeraldo (c. 1460-1536); às “ricas casas e aposentos” onde morava Pedro de Valdavesso e Francisco de Salamanca; às “ricas casas de dois sobrados, com poço dentro e portas de serventia”, na “chamada Rua do Sabão”, onde morava o escritor Tristão Gomes de Castro (1539-1611), “que chamam o Perú”, nome que passou a ser o das rua de cima dessas casas, hoje o troço mais baixo da R. dos Ferreiros; bem como aos “ricos aposentos” de uma mulher nobre que não nomeia e às “casas, como paços muito grandes”, onde Martim Vaz de Cairos tinha “uma comprida sala, em que jogam a péla” (FRUTUOSO, 1968, 112-113). As casas mais importantes eram designadas “paços”, palavra utilizada por Frutuoso para se referir à Quinta das Cruzes, onde vivia o governador da capitania, Francisco Gonçalves da Câmara (c. 1510-c. 1586), nos finais do séc. XVI: “uns paços grandes e sumptuosos” (Id., Ibid., 115). As casas dos capitães do Funchal, na fortaleza da cidade, no entanto, são mencionadas somente como “ricos aposentos, onde o capitão pousa, adornados com seu jardim e frescura” (Id., Ibid., 111). Cerca de 100 anos depois, em 1698, tendo o novo governador da Madeira, D. António Jorge de Melo (c. 1640-1704), solicitado “instruções” em Lisboa “de como se deve portar o governador dela para fazer bem a sua obrigação”, S. Lourenço não era de forma alguma um palácio. O informador daquele, que tudo leva a crer ter sido o madeirense doutor António de Freitas Branco (1639-c. 1700), alto funcionário do Conselho de Estado, “no que toca à casa que deve levar” o governador, descrimina não só os funcionários administrativos como também “um secretário e de muito segredo e confiança” (BNP, reservados, Col. Pombalina, cód. 526, fls. 275-282). Adita que o governador deveria levar igualmente “um homem que lhe governe a casa, dois pajens acrescentados”, “um copeiro, um cozinheiro e dois lacaios, que logo lá se fazem fidalgos, e um negro que leve a alcatifa e a cadeira” (Id.., Ibid.). Indica também a necessidade de levar “móveis de casa, duas dúzias de cadeiras e tamboretes, três bufetes, um grande com gavetas para escrever, outro para a casa do secretário e outro para vestidos na casa de dormir”, tal como uma “mesa grande para comer, porque às vezes pode convidar alguns fidalgos ou capitães, achando-se na sua casa em horas de comer” (Id., Ibid.). António de Freitas Branco, o provável informador, fora criado no Funchal e depois fixara-se em Lisboa, mas estava permanentemente a par do que se passava na Ilha, nomeadamente que as “casas” da fortaleza não possuíam qualquer recheio, tendo o governador de levar quase tudo consigo. O termo “palácio” tinha assim um significado algo diferente daquele que veio a ter depois, indicando especificamente uma residência de aparato exterior e com recheio de certa qualidade. O vocábulo, de início, dizia também respeito à alta personagem residente nesse grande imóvel ou à sua família, passando depois a alargar-se, abarcando determinadas instituições administrativas, camarárias ou de justiça. O termo só deve ter aparecido na Madeira nos finais do séc. XVII ou nos inícios do XVIII, em relação à residência dos governadores e capitães-generais da Ilha e, depois, ao longo desse séc. XVIII, a propósito do paço episcopal; somente nos finais de Setecentos terá sido aplicado às residências tradicionais das principais famílias madeirenses. O uso de “palácio” em menção ao paço episcopal do Funchal surgiu em 1725, numa queixa apresentada pela Câmara contra o prelado diocesano D. frei Manuel Coutinho (1673-1742), referenciando “os pretos e pretas cativos, que andam pelas ruas e as amas dos expostos, que por causa da sua pobreza, se entregam ao seu vício”, ou seja, a prostituição, e que tinham “declarado no palácio episcopal ao escrivão da câmara” eclesiástica, que, face a terem sido condenados “pelo seu trato” a pagarem as respetivas penas, “era-lhes forçoso fazerem mais ofensas a Deus” (ABM, Câmara..., liv. 1436, fls. 62-65v.). A mesma expressão surge novamente a 15 de janeiro do ano seguinte, quando as freiras da Encarnação “romperam” a “clausura desesperadamente” para serem recebidas pelo prelado, explicando-se que foram detidas junto ao largo do colégio dos padres da Companhia, “em distância de um tiro de escopeta do palácio” episcopal, pelo desembargador José de Siqueira, que veio a servir de interlocutor entre as mesmas e o bispo (Id., Ibid.). A designação “palácio episcopal” mantém-se ao longo desses anos, como permite verificar o pedido de aumento do edifício, muito afetado pelo terramoto de 1748, alegando-se aí que ele “já antes era muito pequeno, pelo que se tinha ocupado o colégio de S. Luís, [até então] seminário da diocese” (ANTT, Provedoria..., liv. 973, fl. 57). A ampliação foi solicitada logo no mesmo ano de 1748, havendo diligências em 1749, altura em que efetuou o projeto o mestre das obras reais, Domingos Rodrigues Martins e se orçamentaram as obras. Vestígios do palácio dos Acciauoli. Arquivo Rui Carita Na planta de Agostinho José Marques Rosa, datável de cerca de 1800 e que foi oferecida ao 2.º visconde de Balsemão, aparecem mencionados vários palácios, nomeadamente o palácio de Nuno de Freitas, ou seja, a quinta das Cruzes, então propriedade de Nuno Martiniano de Freitas e depois do seu filho, o morgado Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880); o de João de Carvalhal (1778-1837), isto é, o então palácio de S. Pedro (Carvalhal, 1.º conde de); o de D. Guiomar (1705-1789), já falecida, mas cuja importante construção na R. do Castanheiro ainda se impunha e impõe (Vilhena, D. Guiomar de); o de Francisco António da Câmara, na R. dos Ferreiros, que passou depois aos condes de Torre Bela e veio a ser demolido em 1942 para a construção do tribunal; o do Senhor Fernando José Correia (1768-1821), assim tratado por ter casado em 1792 com D. Emília Henriqueta Pinto de Sousa (1775-l850), filha do secretário de Estado visconde de Balsemão (1735-1804), a quem é dedicada a planta; e o dos Acciauoli, conjunto edificado que já se encontra registado na planta de Mateus Fernandes (c.1520-1597), de 1567/1570, ocupando então essas “casas de Zenóbio Acciauoli” (c. 1530-1598) (BNB, cartografia, 1090203) um quarteirão inteiro, até à Trav. do Forno, mas cuja família já não residia no local no final de Setecentos, vindo-se a levantar depois na área sul o Bazar do Povo, podendo alguns dos elementos edificados que se encontram sobre a atual Farmácia Nacional remeter aos inícios do séc. XVIII. Os palácios dos Carvalhal e dos Correia foram reconstruídos nos finais do séc. XVIII, encontrando-se em obras por volta de 1790. Existe algum paralelismo entre uma e outra edificação, marcadamente neoclássicas, podendo ambas as reconstruções ter decorrido sob a direção de António Vila Vicêncio (c. 1730-1796). As obras das casas do futuro visconde de Torre Bela não devem ter tido o seu acompanhamento muito direto, pois embora se encontrasse no Funchal por volta 1790, quando assumiu o posto de coronel do regimento de milícias da Calheta e quando terão tido início os trabalhos de construção em causa, já estava em Lisboa a 22 de outubro de 1792, vindo a contrair aí matrimónio com a filha do secretário de Estado Luís Pinto de Sousa, visconde Balsemão. Só se deslocou novamente ao Funchal para ver as obras nos inícios de 1803, tendo saído da Madeira em fevereiro de 1804, na fragata “Andorinha”, com o futuro conde de Carvalhal (1778-1837), seguindo depois para Berlim e não regressando à Ilha. O palácio Torre Bela levantou-se em terrenos desta família, na sua posse, pelo menos, desde os finais do séc. XVI, tendo chegado a residir aí os bispos do Funchal. As primeiras casas foram destruídas por um incêndio, a 26 de julho de 1594, que se propagou ao quarteirão poente, ainda hoje delimitado pelas ruas da Queimada de Baixo e da Queimada de Cima (Urbanismo). Reconstruídas após o fogo, foram residência, nos inícios do séc. XVIII, do genealogista Henrique Henriques de Noronha (1667-1730). Nos finais de Setecentos, deram lugar ao palácio, cuja construção não reaproveitou quase nada das edificações anteriores. Na fachada voltada para a R. dos Ferreiros, o palácio apresenta um piso nobre de excecional altura, com oito janelas de sacada que se articulam com as do piso inferior, de serviços; tem ainda um segundo piso, também destinado a serviços, na área sul, dado o desnível do terreno. A fachada sobre a Trav. do Forno permite uma leitura idêntica; exibe um fortíssimo cunhal de bases relevadas a marcar especialmente o piso térreo, e apresenta mais dois corpos de serviços, ao nível da mesma fachada, sendo o intermédio torreado e com cinco pisos. Solar dos Leais. Arquivo Rui Carita A fachada à R. dos Ferreiros é rematada por um filete relevado de cantaria aparente e cornija, na qual existem cinco gárgulas de cantaria, indicativas de ter existido um conjunto correspondente de telhados de tesoura, entretanto uniformizados. Esta fachada ostenta um portal de pilastras relevadas, sendo o entablamento encimado pelas armas dos Torre Bela, partidas de Correia e Henriques, assentes em cartela rococó e rematadas por coroa de visconde, logo, posterior a 1812, data da atribuição do título. Interiormente, o palácio apresenta um átrio, reformado nos finais do séc. xix, do qual terão sido retiradas as armas do 3.º visconde de Torre Bela, o diplomata Russel Manners Gordon (1829-1906) (Quinta do Monte), peça talvez de 1857, posteriormente colocada num dos salões do piso nobre. O palácio terá passado por grandes obras interiores nos meados do séc. XIX, época em que foram executados os estuques rococó do piso nobre. Em 1879, o palácio passou a servir de sede ao Clube Funchalense, que aí permaneceu até 1901. Logo nesse ano, o palácio foi solicitado pelo Grémio dos Industriais de Bordado da Madeira, sendo depois ocupado por diversas firmas, nomeadamente a Casa Americana, de que subsistem fotografias. Nessa sequência, acabaram por se instalar ali, pelo menos até à déc. de 70 do séc. XX, outras empresas de bordado. O edifício foi classificado como Imóvel de Interesse Público, a 26 de setembro de 1940, mas o decreto foi suspenso a 1 de novembro seguinte, no quadro das classificações de imóveis de propriedade particular. Mais complexa foi a vida do palácio dos Carvalhal, reformulado por volta de 1790, igualmente com enorme impacto volumétrico no tecido urbano. A campanha de obras, no entanto, abordou essencialmente o corpo principal, quase quadrado, reintegrando a torre central, bastante alterada nos meados do séc. XX, a que se justapõe um corpo longitudinal, a norte e a avançar para oeste, que mantém inúmeras preexistências, p. ex., os arcos, pavimentos e fornos dos sécs. XVII e XVIII. O conjunto integra, para oeste, uma área calcetada e exibe a data de 1929 sob a sua entrada; posteriormente, veio a incluir também um pequeno parque, hoje ocupado por um jardim de plantas aromáticas, onde teria sido o jardim interior do palácio. Portal do palácio de S. Pedro   Palácio de S. Pedro A fachada principal, à R. da Mouraria, apresenta três pisos, tendo nos cunhais importantes pilastras de cantaria aparente com bases relevadas e embasamento de cantaria rematado por friso relevado onde assentam as janelas gradeadas do piso térreo. Ao centro, a fachada é rasgada centro por um imponente portal com pilastras triplas, entablamento, lintel de balanço e frontão curvo, interrompido pelas armas dos Carvalhal, esculpidas em mármore, com escudo ondulado e ladeado por palmas, com coronel de nobreza e timbre – tratam-se já das armas do 2.º conde, logo, o elemento remonta aos meados do séc. XIX. O andar de serviços apresenta janelas de guilhotina com molduras boleadas, de cantaria, filete exterior relevado, entablamento e a articularem-se com o piso superior pelo prolongamento das ilhargas. O piso nobre é separado do inferior por um friso relevado, onde assentam as janelas de sacada, com grades elaboradas que pensamos serem mais recentes, prolongadas e corridas sobre os cunhais, tendo essas janelas molduras de cantaria idênticas às do andar inferior, mas com lintel de balanço. O conjunto é rematado por uma cornija de balanço, assente sobre um friso de cantaria que possui três gárgulas em forma de canhão e nascendo de enrolamentos vegetalistas, no ritmo dos telhados de tesoura, de águas múltiplas, pelos vários corpos. Na Calç. de Santa Clara, aparece recuada a fachada do corpo posterior e mais antigo, com a porta da primitiva capela encimada por largo arco de cantaria gradeado e janelão superior, igualmente gradeado. A capela encontra-se ainda dotada de um retábulo dos finais do séc. XVIII ou inícios do XIX, embora já sem qualquer imaginária ou outro equipamento religioso. Estuque Palácio de S. Pedro. Arquivo Rui Carita Sala do palácio de S. Pedro. 1900. Arquivo Rui Carita O 1.º conde de Carvalhal da Lombada pouco usufruiu do palácio, pois privilegiou a quinta do Palheiro Ferreiro como residência após a turbulenta “ocupação” absolutista, vindo a falecer nela, a 11 de novembro de 1837. O mesmo não se passou com o 2.º conde, o seu sobrinho António Leandro (1831-1888), que ali ofereceu uma receção ao infante D. Luís de Portugal, em 1858, e à futura imperatriz do México, Carlota da Bélgica, em dezembro de 1859, entre outras, conseguindo esbanjar totalmente a sua importante fortuna, num curto espaço de tempo. Embora ainda vivesse no palácio, em 1882, viu-se obrigado a arrendar parte do edifício para a instalação do Hotel Sheffield, dirigido por Varolina Sheffield; um ano depois, arrendou outra parte ao colégio de S. Jorge, dirigido pela futura madre Mary Jane Wilson (1840-1916). António Leandro Carvalhal Esmeraldo, 2.º conde de Carvalhal, veio a falecer no palácio a 4 de fevereiro de 1888 e, em 1897, foi ali instalado o Clube Internacional. Uma das filhas do falecido conde, D. Teresa Câmara, viscondessa do Ribeiro Real (1836-c. 1925), em 1921, deu início ao processo de venda do palácio, então por 535 contos, tendo a Câmara do Funchal oferecido 400 contos através do seu advogado, Dr. Nuno Ferreira Jardim (1850-1941). A venda, entretanto, foi contestada pelos coproprietários, condes de Resende e família de Eça de Queiroz, herdeiros da outra irmã, D. Maria das Dores. A viscondessa do Ribeiro Real, a 20 de janeiro de 1923, mandou proceder à venda em leilão do que restava do recheio do palácio e, a 19 de setembro de 1929, a Câmara conseguiu a confirmação da expropriação do imóvel, passando o palácio à sua posse e sendo o pagamento efetuado mediante um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos. Por essa data, que figura na entrada para o pátio, procedeu-se à instalação das coleções do Museu de História Natural no andar nobre; no ano seguinte, a Biblioteca Municipal acomodou-se também no primeiro piso do palácio. Em 1933, o Arquivo Regional da Madeira alojou-se provisoriamente no piso térreo do edifício, onde permaneceu até à déc. de 90. Ainda em 1935, o Dr. Fernão de Ornelas Gonçalves (1908-1978), presidente da Câmara Municipal do Funchal, fixou residência no palácio, continuando a habitá-lo até à sua saída da presidência, em 1946. No ano seguinte, em janeiro, deflagrou um incêndio na torre do palácio, levando à destruição da coleção de pintura doada por Alfredo Miguéis (1883-1943). Nos meados de 1947, efetuou-se o restauro do imóvel, tendo o pintor Max Römer (1878-1960) procedido ao retoque do teto armoriado. A 9 de setembro de 1964, inaugurou-se o busto do naturalista Adolfo César de Noronha (1873-1963), um dos principais impulsionadores do museu municipal ali instalado, uma peça da autoria do mestre Pedro Anjos Teixeira (1908-1997). Ao longo do séc. XX, outros edifícios passaram a ser designados como palácios, nomeadamente as casas senhoriais dos Ornelas, na R. do Bispo; as casas do morgado Nicolau de Freitas Barreto, na R. João Esmeraldo e hoje Pç. Colombo, onde se encontra o Tribunal de Contas; e as antigas casas dos cônsules, na R. da Conceição, hoje em parte no Lg. do Carmo, onde se encontra o Tribunal de Menores. Idêntica designação recebeu o novo edifício da Junta Geral, refeito sobre o anterior seminário diocesano da Encarnação e notavelmente ampliado e decorado ao longo da Primeira República, sendo então designado Palácio da Junta Geral; o novo edifício deste órgão administrativo, que se transferiu para as antigas instalações da Misericórdia do Funchal, adaptadas segundo o projeto do arquiteto Januário Godinho de Almeida (1910-1990), de 1952, voltou a ter essa denominação. Pontualmente, a designação de palácio foi também atribuída ao edifício reformulado da Câmara Municipal do Funchal e, depois, ao novo tribunal do Funchal, igualmente da autoria de Januário Godinho, e conhecido como Palácio da Justiça (Cidade modernista). Palácio da Justiça. Foto BF   Rui Carita (atualizado a 19.12.2017)

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