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andrade, maria lucinda de sousa

Maria Lucinda de Sousa Andrade nasceu no sítio das Feiteiras de Cima, freguesia e concelho de São Vicente, na costa Norte da Ilha da Madeira a 10 de março de 1903. Filha de João Francisco de Andrade e de Dª. Amélia Carolina de Sousa, foi batizada na igreja matriz desta freguesia a 24 de março do mesmo ano sendo seus padrinhos seu tio materno Carlos João de Sousa e Nossa Senhora, (segundo prática habitual no seio da religião católica em que é possível consagrar uma criança a uma figura do culto católico no momento do batismo ou por falta de um dos padrinhos ou por vontade dos pais). O casal teve outras duas filhas, Maria Pia (n. 22.06.1900) e Teresa (n. 09.02.1908) sendo Lucinda a filha do meio e, segundo relatos, em São Vicente as três irmãs eram conhecidas quando solteiras como “as meninas Andrade”, sendo que Lucinda Andrade nunca viria a contrair matrimónio. Após terminar o ensino básico no ensino particular, rumou à capital madeirense onde completou o sétimo ano do Curso dos Liceus no Liceu Nacional do Funchal e na década de 30, com vista a prosseguir uma carreira no ensino, terá frequentado um curso de Pedagogia em Lisboa no Liceu de Pedro Nunes, segundo uma notícia publicada no Jornal da Madeira aquando da sua morte (Jornal da Madeira, 13.10.2000), embora no decurso desta investigação tenha surgido também a hipótese de haver frequentado a Escola Pedagógica João de Deus, não nos foi possível confirmar nenhuma das hipóteses sendo que certo é que ambas as instituições eram então estruturas vocacionadas para a formação de professores. Mais tarde, de volta ao Funchal, iniciou a sua carreira docente e em 1943 regressou à freguesia de São Vicente, de onde, exceto em viagem, não voltaria a sair, dedicando-se ao ensino – atividade que exerceria durante toda a sua vida. Considerada a “mãe” do ensino secundário no concelho de São Vicente, a vida de Lucinda Andrade está intimamente ligada à evolução do ensino nesta localidade, pois até meados da década de 60, em São Vicente, o ensino era ministrado em regime de ensino particular por professores em suas residências, sendo que Lucinda Andrade ensinava já matérias do nível secundário e chegou a preparar na sua residência uma divisão para o efeito, onde em “mesas estreitas e bancos corridos”, ensinava Inglês, Português, Matemática, Desenho e Físico-química sendo a sua área de eleição o Francês, em que era considerada “excelente”, preparando os alunos ditos “auto-propostos” para os exames de 2º e 5º ano do Liceu. Tendo em conta que os dados estatísticos revelam que na primeira metade do século XX o analfabetismo na RAM ascendia aos 70%, valor que só minguaria para os 33% a partir da década de 60 após a criação do Plano de Educação Popular e da Campanha Nacional de Educação de Adultos em 1952, pode-se associar a crescente alfabetização da população do Norte da ilha da Madeira, e em especial no concelho de São Vicente, à enérgica ação de Lucinda Andrade assumindo esta o papel de grande impulsionadora do ensino neste concelho, que a agraciou por seus méritos em 1983 com a sua Medalha Municipal (Id., Ibid ,.). Em 1964, aquando da criação do Externato São Vicente, no sítio das Casas Novas, fez parte do corpo docente inicial desta instituição de ensino vocacionada para o ensino do 1º e 2º ciclo do ensino Liceal, com capacidade para 80 alunos de ambos os sexos – algo pouco habitual na época – e que se manteria em regime de ensino particular até 1988, ano em que, por se considerar “ser necessário proceder à criação do Ensino preparatório e Secundário oficial nesta Vila [de São Vicente] (…), foi criada a Escola Preparatória e Secundária de São Vicente; que entrou em funcionamento no ano letivo de 1988-1989”. Ainda no ano de 1988, por deliberação do Conselho de Governo e assente no Ofício – Circular nº 189/4.0.1/88, atribuiu-se à nova entidade escolar a denominação de Escola Preparatória e Secundária Dona Lucinda Andrade, como forma de homenagear a professora que “dedicou toda a sua vida ao ensino, com espírito de abnegação invulgar e extraordinária competência e zelo.”, citando o documento supramencionado. As novas instalações da atual Escola Básica e Secundária Dona Lucinda Andrade foram inauguradas no sítio do Passo no dia 04 de outubro de 1993, em cerimónia que contou com a presença do então Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim, do Secretário Regional da Educação, Francisco Santos e Gabriel Drummond, Presidente da Câmara Municipal de São Vicente e em que Lucinda Andrade teve a honra de destapar a placa ostentando o seu nome (fig.2). De referir que a atual escola comemora anualmente o Dia da Escola a 10 de março, data de nascimento de Lucinda Andrade. Fig. 2– Inauguração da Escola Básica e Secundária Dona Lucinda Andrade. 04.10.1993. Foto do arquivo pessoal de Teresa Silva Atendendo ao falecimento recente de Lucinda Andrade, bem como à escassez de material consultável onde se pudesse apoiar este texto, ele acabou por ser produzido com recurso, sobretudo, a testemunhos obtidos de antigos alunos, colegas de profissão, amigos e familiares que nos traçaram o perfil de uma mulher de personalidade forte, vivaz e determinada, ainda que reservada e pouco dada a contactos sociais tendo recebido as homenagens que lhe foram prestadas com “aparente modéstia”. Pioneira e empreendedora, terá sido das primeiras mulheres a conduzir um automóvel em São Vicente, era “muito culta”, amante da moda, cultivando um extremo cuidado com a sua imagem, sendo senhora de postura altiva e grande beleza física, “a sua maior relação era com os alunos”, segundo relatos, dizendo-se mesmo que “dava a vida pelos alunos”, atribuindo-se à sua paixão pela Educação o facto de não haver constituído família. Contudo, ainda segundo relatos a própria Lucinda Andrade terá comentado certa vez sobre o tema: “não calhou” [casar]. Faleceu na cidade do Funchal no dia 12 de outubro de 2000, aos 97 anos, vítima de acidente doméstico em sua residência de São Vicente. Isilda Quintal Fernandes     artigos relacionados silva, ângelo augusto da liceu / escola secundária jaime moniz moniz, jaime a obra das mães pela educação nacional na madeira

História da Educação Educação História Económica e Social

arquitetura popular na madeira

O termo "vernacular" terá sido usado pela primeira vez por Bernard Rudofsky, em 1964, no âmbito da exposição “Arquitetura sem arquitetos” realizada no Museu de Arte Moderna, de Nova Iorque. Neste roteiro vamos ao encontro de exemplos constitutivos desta expressão “popular” na Madeira, bem como das construções que se enquadram na tipologia tradicional, cujas técnicas foram apropriadas nalguns casos pelos arquitetos.      Núcleo arquitetónico dos Salgados O Sítio dos Salgados é tido como a primeira área habitada desta zona, apontando-se a mesma como sendo o berço da freguesia da Camacha. No entanto, neste sítio encontramos um conjunto de habitações que remetem para diversas épocas. As casas com telha-marselha, por exemplo, remetem para o século XX, provavelmente relacionado com o regresso de emigrantes. As suas características, segundo o arquiteto e investigador português Vítor Mestre, são largamente influenciadas pelas técnicas tradicionais. Aqui encontramos vários exemplos caracterizadores da arquitetura popular madeirense. Na parte de menor altitude da localidade, junto ao acesso pela Levada da Camacha, proveniente do Caniço, que terá sido a primeira via de ligação ao litoral, encontramos habitações datadas de períodos anteriores. Casa Elementar de dois pisos Estas casas correspondem a um modelo evolutivo das casas de um piso, sendo que um dos principais objetivos consiste no aproveitamento do desnível do terreno. No andar superior situam-se os aposentos, enquanto que no inferior encontram-se as "lojas", normalmente duas, reservadas para armazenamento dos produtos agrícolas. Repare-se ainda que o balcão de acesso à casa fica situado no piso superior, sendo o espaço aproveitado para a lida da casa. Cachorros de pedra Este elemento desempenha a função de suporte das varas da latada, presença característica na arquitetura popular. As latadas funcionavam como um prolongamento do espaço habitado, desenrolando-se aí algumas actividades relacionadas com a lida da casa. Provavelmente um espaço eminentemente feminino sendo também por esse motivo um espaço de ligação entre a casa e a horta ou campo agrícola, no qual as mulheres tinham papel ativo. A relação entre este espaço e a feminilidade representativa da cultura madeirense é reforçada nos casos em que a latada se encontra na zona mais discreta da casa, isto é, afastada das áreas de ligação ao mundo exterior da habitação, cuja presença masculina é muito mais notada que a feminina. A rocha como espaço funcional A perfuração da rocha para construção de grutas, ou furnas, como localmente são mais conhecidas, foi uma das primeiras formas de habitar na ilha. Provavelmente, com influencias do habitar guanche, povo canário, que terá sido trazido para a Madeira na condição de escravo. Paulatinamente abandonadas, foram no entanto recuperadas em períodos de crise, desenvolvendo-se o conceito até ao ponto em que eram edificadas fachadas com os elementos caracterizadores das casas. A continuação da evolução remeteu as grutas para espaços de despejo ou de apoio à habitação. Mas foram-lhe dadas outros usos, como abrigo de animais ou armazéns. Neste caso concreto, aproveitava-se o frio deste espaço para guardar mantimentos que requerem frio para evitar a deterioração dos mantimentos. Forno e Chaminé Nesta casa de dois pisos encontramos dois elementos presentes na arquitetura popular. Referimo-nos à chaminé e ao forno. Sobre este último, estamos na presença de um forno exterior com boca para o interior, colocado a um nível relativamente superior ao piso térreo, situação encontrada com alguma regularidade. Quanto às chaminés, tornaram-se mais esbeltas e ligeiras ao longo da sua evolução, apresentando forma retângular na maior parte dos casos. Por último, referência para os elementos decorativos na extremidade dos beirais. Estes elementos expressam o caráter supersticioso e religioso, associando-se estas representações ao desejo de proteção e de fertilidade. Influenciado por exemplos existentes no continente português adquiriram especificidade na Madeira, atingido expressões exuberantes no século XX. As “pombinhas” estarão associados ao Espírito Santo. Outro exemplo de iconografia animalista neste âmbito é a cabeça de cão ou outros animais. Casa elementar com telhado de palha Este tipo de casa (a casa elementar) é um dos paradigmas da arquitetura popular na Madeira, cujos modelos incorporam caraterísticas dos modelos de Portugal continental mas que ganharam especificidade no contexto insular madeirense, fruto das condições geográficas, climáticas e dos materiais disponíveis no meio natural. Esta é a tipologia mais comum na ilha da Madeira, podendo o telhado ser de palha ou de cerâmica, e as paredes serem em pedra ou em madeira. Por outro lado, a cozinha pode aparecer integrada no corpo principal ou num corpo à parte por motivos de segurança. Casa elementar de dois pisos com balcão As casas elementar de dois pisos podem apresentar caraterísticas distintivas quanto à volumetria do corpo. Observou-se relativamente a este aspecto duas formas diferentes, uma de cariz mais modesto, de aspeto sóbrio, enquanto que outras têm um aspeto pretensioso, com um maior equilíbrio nas proporções. Ganham relevância precisamente pela sua volumetria inserida na paisagem rural.   textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho

Arquitetura Património Rotas

do ouro branco e pela vinha às quintas

Desde o Século XV, a Madeira recebeu comerciantes e turistas de diversas nacionalidades. Pela Madeira passaram, por exemplo, comerciantes venezianos e flamengos no contexto do afamado período do “ouro branco” deixando a sua marca na toponímia da cidade do Funchal e no sobrenome de famílias madeirenses, mas a partir do século XVII, com a paulatina substituição da cultura do açúcar pela da vinha, os comerciantes britânicos tornaram-se a comunidade estrangeira mais importante no arquipélago. A influência desta comunidade manifestou-se em alguns de setores económicos e na edificação, entre as quais se contam as tão conhecidas quintas da Camacha e do Santo da Serra.     Quinta do Jardim da Serra Esta Quinta, construída no século XIX pelo Cônsul Inglês Henry Veitch, tem importância fulcral na história da própria freguesia. Foi o nome desta propriedade que deu origem à denominação da freguesia: Jardim da Serra. Adaptada em 2010 numa excelente unidade hoteleira, preserva um edifício com arquitetura tradicional. É ainda possível contactar com as práticas de agricultura biológica e alguns exemplares de flores madeirenses nos amplos jardins da propriedade. Realce para o facto da quinta ter sido fonte de inspiração para Max Römer, e estar representada numa gravura do século XIX, patente na reitoria da Universidade da Madeira, no Funchal. Quinta das Romeiras Esta quinta foi desenhada pelo conhecido arquiteto português Raul Lino e foi mandada construir pelo Drº Alberto Araújo, como residência de férias. Foi construída no ano de 1933, ano em que a 14 de Abril o Diário da Madeira noticiava que se estava “trabalhando afanosamente na construção de uma opulenta vivenda de campo, no sítio das Romeiras, desta freguesia, donde se desfruta um largo e aprazível panorama. O povo já a baptizou de Quinta dos Penedos”. A escritora Maria Lamas em 1956 descrevia assim seus jardins: “Do branco de neve ao salmão, ao carmesim, ao amarelo-oiro e ao roxo, passando por todas as escalas de tons - quem poderá imaginar, sem a ter visto, aquela sinfonia de cores?” Quinta do Vale Paraíso Constituída por um edifício principal, construído em meados do século XIX, e por outros 9 de dimensões mais reduzidas, transformadas em pequenas residências de férias, as quais mantêm de um modo geral o nome da sua função original. Este espaço oferece ainda amplos jardins compostos por plantas endémicas e exóticas pertencentes a cerca de 220 espécies. A partir desta quinta acedemos, através de uma vereda, à Levada da Serra do Faial. fonte: ariscaropatrimonio.wordpress.com Quinta do Revoredo Esta propriedade foi mandada construir por John Blandy, em 1840, que depois de conhecer a Madeira como marinheiro de um navio inglês nas guerras napoleónicas viria a tornar-se no mais importante homem de negócios da ilha e cuja família ainda é uma das mais influentes na Região. Hoje a quinta é propriedade da edilidade e é nela que se encontra a sede da orquestra filarmónica de Santa Cruz, sendo utilizada também como Casa da Cultura do município. Quinta de São Cristóvão Esta quinta com caraterísticas da arquitetura portuguesa, foi mandada construir em 1692 pelo morgado Cristóvão Moniz de Menezes e manteve-se como propriedade da família até que recentemente Carlos Cristóvão da Câmara Leme Escórcio de Bettencourt, sem descendentes, o cedeu ao Governo Regional da Madeira. Chegou a albergar o Conservatório de Música e actualmente funciona como casa do artista. Este solar está ainda relacionado com a Paróquia do Piquinho, uma vez que foi aqui erigida a Capela de São Cristóvão, a qual recebe em Maio a festa religiosa de São Cristóvão. Também aqui funcionou uma escola fundada pela irmã Mary Jane Wilson, entre 1904 e 1910.   Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho

Arquitetura Património História Económica e Social Rotas

neto, júlia de atouguia de frança

Cantora, pianista, guitarrista; diletante benemérita; produtora agrícola e vinícola. Júlia de Atouguia de França Neto terá nascido no Funchal em 1825, filha primogénita de Jaime António de França Neto e de Carolina Engrácia da Cunha Telo – consorciados na paróquia da Sé, Funchal, a 13 de Maio de 1824 – e irmã de João de Atouguia de França Neto (n. na déc. de 1820) e de Carolina de Atouguia de França Neto (1835-1866). A família emigrou em 1832, tendo visitado diversos países europeus. Aos 11 anos, frequentava aulas de canto em Roma, muito possivelmente com Carolina de Santis, sócia agregada da Accademia Nazionale di Santa Cecilia. Após a mudança da sua família para Genebra, em 1840, Júlia de França Neto prosseguiu o ensino musical no Conservatório de música da cidade, estudando piano com Julie Raffard, canto com Francisco Bonoldi e harmonia com Nathan Bloc, diretor daquele estabelecimento de ensino entre 1835 e 1849. Após um percurso académico sucessivamente condecorado naquela instituição, terá obtido, em 1846, os primeiros prémios nas disciplinas de Piano e Canto. Júlia de França Neto participou na apresentação pública anual dos alunos do Conservatório de Música de Genebra, realizada a 8 de setembro de 1845, com a apresentação da “Chanson du Saule” da ópera Otelo, de Gioacchino Rossini, tendo sido reconhecida pelo seu excelente método de canto. A sua estreia pública – fora do âmbito dos exercícios públicos de alunos do conservatório – ocorreu no ano seguinte, aquando da sua eventual conclusão do curso, num concerto organizado por Bonoldi: Júlia de França Neto interpretou uma ária da ópera Lucia di Lammermoor, de Gaetano Donizetti. O seu nome não consta da documentação do Conservatório de Genebra referente a 1849, o que sugere que a biografada já não se encontrava ali inscrita nesse ano. Pouco mais se sabe da sua atividade na segunda metade da déc. de 1840 e primeiros anos da década seguinte. Anos mais tarde, em Paris, prosseguiu a sua formação musical, a título particular, com o baixo e compositor Jean-Antoine-Just Géraldy [Geraldis], com Fiocchi, um cantor e professor formado no método do castrato Girolamo Crescentini, e com Caçares, com quem terá aprendido repertório musical espanhol e, possivelmente, guitarra. Júlia continuou a sua atividade como intérprete nesta cidade em saraus privados realizados por senhoras da aristocracia parisiense, em solenidades sacras e em eventos de beneficência. Cantou em Pau (nos Altos Pirinéus) num concerto organizado pelo violinista Louis Eller, que naquela cidade se havia sediado. A cantora madeirense apresentou-se igualmente em diversas récitas da Société Philarmonique de Tarbes. O seu último concerto em França terá ocorrido a 10 de junho de 1854, em Saint-Germain-en-Laye, onde interpretou dois excertos de óperas de Rossini – a cavatina “Una voce poco fa” de Il Barbiere de Siviglia, e o rondó “Nacqui all alfano e al pianto” de La Cenerontela – bem como um dueto com o barítono Morelli. A família França Neto terá residido em Lisboa, no Palácio do Marquês de Sá da Bandeira, até regressar à Madeira, em 1854, e Júlia de França Neto ter-se-á apresentado frequentemente em iniciativas musicais privadas e semipúblicas do conde de Farrobo, nas quais terá privado com D. Fernando II; porém, não se identificam quaisquer menções à intérprete madeirense na documentação recolhida sobre os eventos musicais organizados por Joaquim Pedro Quintela, 1.º conde de Farrobo. É antes credível que tenha privado com Joaquim Pedro Quintela, 2.º conde de Farrobo – governador civil do Funchal entre 1860 e 1862 – e com sua cônjuge, co-organizadora de alguns concertos beneméritos na cidade madeirense, com quem se deslocou a Lisboa em 1864.   No dealbar da segunda metade do séc. XIX, o arquipélago madeirense foi profundamente assolado por uma crise agrícola e comercial, agravada pela devastação vinícola provocada pela mangra (oídio) a partir de 1851, por intempéries, tais como o aluvião de 1853, e ainda por epidemias de cólera, em 1856, e de febre-amarela, em 1858. Sensibilizada pela miséria que afetava as populações madeirenses (e nacionais) mais desfavorecidas, sobretudo os pobres, os órfãos e os enfermos, Júlia de França Neto encetou a realização de concertos de beneficência, tendo realizado 10 récitas entre 1854 e 1861 e participado noutros eventos criados com os mesmos fins. Foram identificados os seguintes concertos: 28 de dezembro de 1854, na Escola Lancasteriana; 2 de fevereiro de 1855, no salão da Escola Central; 2 de março de 1855; 2 de Fevereiro de 1858, na sala grande do Palácio de São Lourenço (destinado às vítimas da febre-amarela em Lisboa); 4 de abril de 1859; 16 de março de 1861; e 18 de março de 1861, organizado com a condessa de Farrobo e realizado numa das salas do Palácio de São Lourenço. Com exceção do concerto de fevereiro de 1858, para auxílio das vítimas da febre-amarela em Lisboa, os lucros destas récitas foram destinados às instituições de beneficência madeirenses, entre as quais o Asilo de Mendicidade do Funchal, a Misericórdia e o Convento das Capuchas. A cantora interpretou, nestes concertos, excertos de óperas de Gioacchino Rossini (o rondó da Cenerentola e o dueto “Dunque io son” de Il barbiere di Siviglia, com Vasconcelos), de Nicola Vaccai (a ária de Giovanna Grey), de Vincenzo Bellini (a cavatina, “Come per me sereno – Sovra il sen la man mi posa”, de La Sonnambula), de Gaetano Donizetti (a ária de Lucia de Lammermoor) e de Giuseppe Verdi (“D’amor sul’alli rosee”, “Scena, Aria e Miserere” de Il Trovatore, e “Ah Fors’è lui – Sempre libera” de La Traviata), a Ave Maria de Luigi Cherubini e boleros (peças espanholas), nestes últimos acompanhando-se à guitarra. Não há referência à sua prática pianística neste período. Vários músicos amadores e profissionais exibiram-se nas suas iniciativas beneméritas: Maria Paula Klinghöffer Rêgo (piano, harpa, machete), Carlota Cabral (piano), Maria Virgínia de Sousa (piano), Júlia Araújo de Ornelas (harpa, piano), Carolina Dias de Almeida (canto), a condessa de Farrobo (canto), a sra. Mascarenhas (harpa), a sra. [Amélia Augusta de?] Azevedo (machete), o sr. Schroter, o sr. Krohn (canto), o sr. Laplont/Laporte (piano), Cândido Drummond de Vasconcelos (machete), Duarte Joaquim dos Santos (piano, seu acompanhador em várias récitas), João Fradesso Belo (piano, diretor dos coros) e Jorge Titel (diretor da orquestra). A 20 de junho de 1864, Júlia de França Neto partiu para Lisboa na companhia de Carolina de França Neto (provavelmente sua mãe), de Mourão Pita e de Joaquim Pedro Quintela, 2.º conde de Farrobo; datarão destes anos as suas apresentações como cantora em Lisboa. Embora não seja feita qualquer referência específica às suas exibições privadas e semipúblicas no esboceto biográfico redigido por Platon de Vakcel quatro anos após aquela visita à capital portuguesa – que tomaria como fonte informações seguramente cedidas pela intérprete –, o autor do seu obituário no Diário de Notícias refere que Júlia de França Neto havia frequentado as soirées da sociedade lisbonense, entre as quais as organizadas pelo 7.º marquês da Fronteira, e convivido com os monarcas D. Fernando e D. Luís, tidos como grandes apreciadores do seu talento musical. Júlia de França Neto terá regressado à Madeira em 1866. A artista participou também em concertos organizados por outros músicos profissionais e amadores. Cantou com o virtuoso violinista Agostino Robbio os duetos “Per piacer alla signora” da ópera Il Turco in Italia, de Rossini e o “Grand Dueto” da ópera L’Elisire de Amore, de Gaetano Donizetti, no concerto de beneficência (destinado ao Asilo de Mendicidade e Órfãos) organizado por este a 27 de janeiro de 1866. Neste concerto, participaram também Cândido Drummond de Vasconcelos, Platon L'vovich Vakcel (canto) e Eduardo Maria Frutuoso da Silva (piano, canto). Embora tenha sido anunciada a sua colaboração nos três concertos em benefício do mesmo Asilo que ocorreram entre fevereiro e abril de 1866, resultantes da iniciativa benemérita de Maria Paula Klingelhöeffer Rêgo, acabou por não participar neles, em virtude do falecimento de sua irmã. Não há, aliás, qualquer referência na imprensa periódica da época à sua participação nos concertos organizados por esta pianista entre 1866 e 1871. Porém, as duas intérpretes colaboraram em vários eventos realizados neste período. Em janeiro de 1869, Júlia de França Neto tomou parte, com Platon de Vakcel, em dois concertos de benefício ao Asilo de Mendicidade e Órfãos, acedendo ao pedido que lhes havia sido efetuado pela comissão administrativa daquela instituição. Nestas récitas, organizadas pelo cantor amador C. A. Mourão Pita, também participaram Maria Paula Klinghöffer Rêgo, o sr. Sattler (piano), Cândido Drummond de Vasconcelos, Artur Sarmento (canto), José Sarmento (acompanhamento ao piano), Luís Ribeiro de Mendonça (declamação), entre outros; Isidoro Franco, regente da banda de caçadores, foi diretor da orquestra. Nestes concertos, a biografada interpretou a célebre “Valsa” de Luigi Venzano; “La Juanita”, de Sebastián Yradier, o grand duetto “Sulla tomba che rinserra – Verranno a te sull'aure” do 1.º ato da ópera Lucia di Lammermoor, de G. Donizetti, com Platon de Vakcel; e um terceto com Vakcel e Artur [Adolfo] Sarmento. Júlia de França Neto integrou o elenco que apresentou a comédia La Nièce no espetáculo, em benefício do Asilo de Mendicidade, realizado a 18 de maio de 1870 no Teatro Esperança. Não se identificam posteriores referências à sua atividade musical em eventos públicos; não obstante, terá realizado vários saraus artísticos na sua residência. A cantora foi muito elogiada na imprensa periódica parisiense e madeirense pela sua “capacidade vocal notável” e pelo seu “conhecimento da arte do canto, [que a colocava] entre os artistas da bela escola” (“Concerto a Benefício…”, O Clamor Público, 2 fev. 1855, 1). O redator de L’Industriel fazia notar que “dificilmente se encontraria uma cantora” como Júlia de França Neto, “apta a executar bem os domínios vocais da soprano mais ágil e da contralto mais grave” (L’Industriel, 17 jun. 1854). O repertório interpretado pela biografada – que compreendia ainda a valsa “Ah! Je Ris de me Voir si Belle en Ce Miroir” da ópera Faust de Charles Gounod – requer, nas suas versões originais, um âmbito vocal assaz extenso. Os excertos vocais das óperas Il Barbiere de Siviglia e La Cerenentola de G. Rossini requerem um âmbito de sol sustenido 2 a si 4, enquanto os das óperas La Sonnambula de V. Bellini e Il Trovatore e La Traviata de G. Verdi exigem um âmbito de mi bemol 3 a ré 5 e de dó 3 a ré 5; os demais excertos interpretados por Júlia de França Neto requisitam uma tessitura compreendida entre si 2 e si 4. O âmbito vocal extenso e a aptidão para a execução de obras musicais para soprano ou contralto de Júlia de França Neto pode ser explicado pelo uso de uma técnica de canto (ainda vigente no séc. XIX) assente no uso intensivo da “voz de cabeça” e da “voz de peito”, isto é, no recurso à alternância, respetivamente, entre os registos/timbres claro, para as tessituras média e aguda, e escuro, para as tessituras grave e média. Porém, o corpus de excertos musicais interpretado pela biografada requer uma tessitura de duas oitavas e uma quinta diminuta, superior ao âmbito vocal normativo dos cantores, compreendido em duas oitavas. Não obstante, a extensão vocal de duas oitavas e uma quinta diminuta era – ainda que privilegiada – possível para as vozes femininas. Não fosse ela dotada desta excecional extensão vocal, é crível que possa ter recorrido às habituais práticas de transposição dos números musicais que visavam a acomodação dos mesmos à tessitura dos cantores, procurando adaptar aqueles excertos com uso de notas sobre-agudas ou graves de que não dispunha para um âmbito vocal em que lhe fosse possível interpretá-los. Júlia de França Neto foi assim capaz de cantar nas tessituras de soprano e meio-soprano/contralto, possibilitando às audiências madeirenses a fruição de excertos célebres do repertório operático (que, face à inexistência, por largos anos, de companhias e teatros de ópera na região, seriam, seguramente, desconhecidos). Na fase final da sua carreira musical, ter-se-á notabilizado como contralto, fruto, por um lado, do abaixamento da tessitura vocal de cantoras com a idade, e, por outro, da introdução em Portugal das transformações na prática e pedagogia do canto lírico instituídas na centúria oitocentista (grosso modo, a ênfase em timbres escuros – voix sombrée – e o favorecimento dos registos mais robustos e dramáticos da voz). Júlia de França Neto foi também uma reconhecida produtora vinícola e agrícola. Júlia e João de Atouguia de França Neto, seu irmão, herdaram, por falecimento de seu pai em 24 de abril de 1874, várias propriedades agrícolas. As suas diversas propriedades agrícolas e vinícolas – situadas nas freguesias de Câmara de Lobos (sítios da Caldeira e das Fontainhas), Estreito de Câmara de Lobos (sítios do Salão, da Vargem, da Marinheira, do Marco e da Fonte), Quinta Grande (sítios da Câmara do Bispo, da Ladeira, de Pedregais, de Aviceiro, de Vera Cruz e Chiqueiros, de Igreja e Várzea, e do Lombo), Campanário (Fajã [dos Padres], Calhau da Lapa), São Martinho, Funchal (sítios da Ajuda, da Ponta da Cruz e dos Piornais) e Santo António, Funchal (sítio da Madalena) – foram, na sua maioria, colonizadas pela proprietária, pelos seus parceiros agrícolas e por herdeiros destes últimos. As suas propriedades mais reconhecidas eram a Fajã dos Padres e a Quinta do Salão. Júlia de França Neto terá engenhosamente incentivado o cultivo de cana-de-açúcar, de verduras e árvores de fruto, e a produção de vinho. Júlia de França Neto faleceu de hemorragia cerebral aos 77 anos, na sua residência à R. dos Netos, a 14 de maio de 1903, tendo sido sepultada no antigo cemitério de Nossa Senhora das Angústias. Foi reconhecida na historiografia regional e nacional como insigne cantora e pianista, sobretudo através do empréstimo das palavras de Vakcel, que a havia notabilizado, já em 1869, como “glória musical da Madeira e um dos talentos que mais [honravam] Portugal” (SILVA e MENESES, 1978, 797). Este louvor foi quase sempre acompanhado das menções à sua atividade benemérita; nos seus gestos de cuidado e solidariedade para com os desabonados, Júlia de França Neto encetou e muito contribuiu para a instituição, na Madeira, de iniciativas musicais beneméritas de “maternidade social” – empreendimentos femininos de índole cívica e benemérita para provisão das carências dos mais desfavorecidos – no domínio artístico da música. A consolidação dos concertos de beneficência foi realizada por senhoras que com ela colaboraram, como Maria Paula Klinghöffer Rego e Carolina Dias de Almeida, por adjuvantes destas últimas, como Matilde Sauvayre da Câmara, e por outras beneméritas, como Ester Leonor Ferraz, Palmira Lomelino Pereira e Eugénia Rêgo Pereira, que, com o seu préstimo, perpetuaram o modelo de benefício musical de caridade (e o legado de “maternidade social” de Júlia de França Neto) até à segunda metade do séc. XX.   Rui Magno Pinto (atualizado a 03.03.2018)

Personalidades

müller, carlos

Carlos Müller nasceu na freguesia de Santa Luzia a 18 de dezembro de 1896, sendo filho de Karl Müller, natural da Bavária (Alemanha), e de Guilhermina da Silva, também natural daquela freguesia. Na conjuntura da Primeira Guerra Mundial, partiu, a 21 de Julho de 1916, com 23 anos, para os Açores, onde cumpriu o exílio no forte de São João Baptista (Angra do Heroísmo) sob o n.º 384, conforme a lista de 1918. Na verdade, a 7 de fevereiro de 1916, fora aprovada uma lei que previa a requisição de matérias-primas e meios de transporte alemães que estivessem em território português. Em 9 de março de 1916, a Alemanha declarara guerra a Portugal, que reagira com vária legislação, nomeadamente a lei de 24 de abril de 1916, em consequência da qual os residentes alemães em Portugal foram banidos ou presos, especialmente os de idades compreendidas entre os 16 e 45 anos. Antes do referido exílio, Karl Müller não permitira a naturalização dos filhos mais velhos, Humberto e Carlos afirmando que “antes morrer que ser português” (WILHELM, 2000-2001). Sua mãe ficou viúva a 5 de setembro de 1916 e morreu a 25 de janeiro de 1922. Pouco depois, a 22 de Junho de 1922, Carlos Müller casou-se com Olga da Paixão de Castro em regime de comunhão de bens; tinham ambos 25 anos. Em 1934 residiam à rua do Conde Carvalhal e, a 14 de setembro de 1939, Carlos Müller naturalizou-se português. Carlos Müller interessou-se pelo bordado da Madeira e fez a sua aprendizagem desta indústria numa sociedade irregular – baseada num acordo verbal, sem recurso a ato notarial – com seus cunhados, Crispim Izidoro (irmão de sua mulher) e Maria Romana de Castro, em 1922. Posteriormente, Crispim constituiu uma sociedade com seu irmão, Alberto Castro, mas, em setembro de 1924, ficou único sócio da empresa, com sede à rua dos Ferreiros, no Funchal. Nesse ano, Crispim, que entretanto emigrara para a América, mandou de lá uma procuração conferindo a Carlos poderes de administrador e de gerente, com um ordenado que oscilava entre 800$00 e 2.400$00, conforme o seu desempenho, especialmente o volume e o montante de bordados exportados; estas funções foram ratificadas em 1932 por nova procuração. No entanto, com o regresso à Madeira de Crispim Izidoro de Castro, surgiram desentendimentos entre os dois, que fizeram com que Carlos iniciasse uma ação judicial no Tribunal da Comarca do Funchal; na versão de Crispim, a repetida e intolerante indisciplina do cunhado (nomeadamente o incumprimento das instruções recebidas) tinham-no obrigado a demitir Carlos, a 9 de Outubro de 1933. Pouco tempo volvido, Carlos retirou a referida queixa, desconhecendo-se a razão. A 9 de Novembro de 1933, Carlos Müller constituiu com seu cunhado Raul Ladislau da Câmara (casado com uma irmã de Olga) a firma Müller & Câmara, sedeada à rua Conde Carvalhal. A 11 de Abril de 1942, os dois sócios procederam à reformulação da mesma e, a 1 de Julho desse ano, ratificaram as escrituras anteriores, ficando como “primeiro outorgante Karl Müller, que também é conhecido e assina Carlos Müller e como segundo outorgante Raul Ladislau Câmara; ambos casados, comerciantes e moradores à rua Latino Coelho, desta cidade”, assim como o tipo de sociedade: “Müller & Câmara Limitada e Madeira Juvenile Export C.º Ltd” (ARM, 2.º Cartório Notarial do Funchal, escritura de 1 jul 1942), com nova sede e aumento de capital social. A 4 de abril de 1946, perante o notário Bacharel Frederico Augusto de Freitas, foi constituída a “sociedade comercial por cotas de responsabilidade limitada, Arte Fina, Limitada”, que teve a sua primeira sede e estabelecimento principal na calçada da Saúde, n.º 10 de polícia. A cláusula 3.ª da mesma escritura refere que o “seu objeto é a realização da indústria e do comércio de bordados da Madeira, e a de qualquer outro ramo de indústria ou de comércio que aos sócios convenha explorar, dentro dos limites da lei”. A cláusula seguinte refere que o capital social está integralmente realizado, que é no valor de 200.000$00 “e fica dividido em quatro cotas – sendo uma, com o valor nominal de noventa mil escudos, pertencente ao sócio Carlos Müller, outra com o valor nominal de dez mil escudos, pertencente ao sócio Humberto Müller, outra com o valor nominal de noventa mil escudos, pertencente ao sócio Raúl Ladislau Câmara, e outra com o valor nominal de dez mil escudos, pertencente ao sócio Avelino Leovigildo Nunes Vieira Aguiar Câmara” (Ibid., escritura de 4 abr 1946). No mesmo cartório, a 3 de agosto de 1957, Raul Ladislau da Câmara e Maria Romana cederam as suas quotas aos restantes outorgantes e, a 2 de outubro de 1957, entraram novos sócios para a firma Arte Fina, Limitada, com sede e principal estabelecimento no Funchal. Os novos sócios são os cônjuges de Avelino Aguiar Câmara e de Carlos Müller, assim como o seu filho, Humberto Müller, médico pediatra, que exercia a profissão em Lisboa. Carlos Müller faleceu na cidade de Lisboa, onde se achava em tratamento, a 15 de dezembro de 1963. No Termo de Apresentação da Relação de Bens constava que residira na Avenida do Infante, no Funchal e que fora casado com Olga de Castro Müller em primeiras e únicas núpcias de ambos e segundo o regime da comunhão geral de bens. No Termo de Declaração constava que o falecido não fizera testamento nem doação, sendo os herdeiros, por direito de sucessão legítima, seus filhos, o declarante e Dolores Elisabeth Müller Câmara, casada, de 39 anos de idade, moradora à dita Av.ª do Infante, e também a viúva, nomeada, por inerência, cabeça de casal. Em sucessivos pedidos de prorrogação de prazo para apresentação do Termo de Apresentação da Relação de Bens, entre vários documentos, estão o extracto do balanço em duplicado da firma Arte Fina, Limitada, e escrituras da mesma firma, de 4 de abril de 1946, 3 de agosto de 1957 e 2 de outubro de 1957. No mesmo processo, consta a Relação dos bens deixados por óbito de Carlos Müller, sendo os n.os 1 a 4 bens móveis e o n.º 5 as cotas sociais (duas) no capital da sociedade Arte Fina, Limitada, com o valor nominal de 110.000$00, tendo a firma capital no montante nominal de 200.000$00, que está realizado integralmente. Quanto aos bens imóveis, havia prédios urbanos à travessa do Lazareto (Sítio dos Louros), ao beco dos Frias (São Pedro), à estrada conde de Carvalhal (Santa Maria Maior) e à avenida do Infante (São Pedro), onde a família residia, e ainda à rua 31 de Janeiro. Nessa relação consta também a quarta parte de dois prédios rústicos, um na Quinta do Salvador e outro no Arrebentão (Terreiro da Luta), freguesia do Monte.   José Luís Ferreira de Sousa (atualizado a 01.02.2018)

Personalidades

monteiro, josé leite

José Leite Monteiro nasceu no Porto a 27 de setembro de 1841. Foi advogado, professor, escritor e político. Fez o curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em que ingressou em 1859, tendo concluído os estudos em 1864. Estabeleceu-se, em seguida, no Funchal, onde abriu um escritório de advocacia. Diz o Elucidário Madeirense que José Leire Monteiro nutria pela Madeira uma “carinhosa idolatria”, semelhante à que seria possível num filho natural da Ilha (SILVA e MENESES, II, 1998, 227); foi aí que desenvolveu a sua atividade profissional e intelectual. Foi professor no liceu do Funchal, depois de, em 1867, ter alcançado a nota mais elevada no concurso público para professor de Filosofia dos liceus. Passou a sua vida profissional na Ilha, a qual representaria um dos vértices das suas preocupações e dos seus interesses. Na vida pública, desempenhou funções em várias comissões de serviço, como governador civil substituto, como membro do Conselho do Distrito, como presidente da Junta Geral e como presidente da Câmara Municipal do Funchal. De salientar ainda que fez parte do Partido Fusionista e que entrou nas lutas políticas madeirenses de 1868, no âmbito das quais prestou serviços ao Partido Regenerador. José Leite Monteiro colaborou com vários jornais do Funchal, chegando a ser redator do jornal O Direito, órgão da política regeneradora. Também publicou vários livros, entre os quais se destacam O Ultramontanismo na Instrucção Publica de Portugal, de 1863, e Elementos de Direito Civil Portuguez, de 1895. Foi sócio efetivo da Associação de Direito Internacional. Em colaboração com o Cón. Alfredo César de Oliveira, coligiu diversos poemas dispersos de autores madeirenses, que acabariam por ser publicados num volume com o título Flores da Madeira. Morreu no Funchal, a 10 de março de 1920. Obras de José Leite Monteiro: O Ultramontanismo na Instrucção Publica de Portugal (1863); Elementos de Direito Civil Portuguez (1895).   Raquel Gonçalves (atualizado a 01.02.2018)

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