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alfenim

Tradicional em alguns países, a confeção de alfenim está documentada em Portugal desde os sécs. XV e XVI e sabe-se da sua presença em festas e romarias populares. Há uma longa tradição desta arte da doçaria, que acompanha o processo de expansão da cana-de-açúcar do Mediterrâneo para o Atlântico, tendo a ilha da Madeira sido um espaço-chave da sua divulgação para outras ilhas atlânticas, bem como para as Américas Central e do Sul. Durante os sécs. XV e XVI, o fabrico de alfenim ocupou muitos madeirenses e foi uma importante fonte de receita das famílias. Nos inícios do séc. XXI, não há qualquer referência ao fabrico habitual de alfenim na Madeira. Palavras-chave: açúcar; Brasil; doçaria; festas do Divino Espírito Santo; tradições populares.   “Alfenim” é um nome que provém do termo árabe “fanid”, com origem no persa “panid”, com o significado de branco. No latim, aparece como “alphanicum”, “alfenid”, “alpenid” ou “alfanix”; no italiano, como “penito”; no espanhol, como “alfeñique” (sendo, no México, “alfenique”); em francês, como “penides”, “épénide”, “penidon”, “penoin”; popularmente, é conhecido como “peningue”. O primeiro registo do termo na Madeira é de 1469, com a grafia “alfinij”. No séc. XVI, aparece referido em Gil Vicente e em Jorge Ferreira de Vasconcelos. Naidea Nunes refere que, na Madeira, “alfenim” aparece na documentação com as designações: “alfinij” (1469), “alffiny” (1488), “alfenjm” (1490, 1517), “alfenj” (1498), “alfeny” (1517), “alfynjm” (1523), “alfenij” (1579), e conclui que é “um termo muito antigo, do árabe fânid, que em catalão teria a forma affenic, adquirindo, em castelhano, a forma alfenique, que surge nas Canárias com a grafia alfinique (1540)” (NUNES, 2003, 159). O Nordeste do Brasil, uma das mais importantes regiões açucareiras do país, foi durante muito tempo terra de alfenim, tendo depois perdido a importância nesse domínio. Segundo Naidea Nunes, “no Brasil, o termo alfenim apenas existe no Nordeste, onde foi conservado, provavelmente por se tratar da primeira região açucareira brasileira. Nos restantes estados do Brasil, como podemos ver, apenas encontrámos as denominações rapadura mole, puxa e puxa-puxa ou rapadura puxa-puxa, para denominar o mesmo conceito” (NUNES, 2010, 56). Todavia, a arte do alfenim espalhou-se por todo o Brasil e, nos começos do séc. XXI, persiste nos estados da Paraíba, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de Minas Gerais, do Ceará, de Pernambuco, de Goiás e do Rio Grande do Norte. Esta tradição encontra-se em Pirenópolis, associada às festas do Divino, e na cidade de Montanhas, no estado do Rio Grande do Norte, ligada às festas do dia de Reis, bem como noutras localidades, como a cidade de Goiás, onde as doceiras realizam pequenas esculturas em forma de flores, pássaros, peixes e chapéus. Gilberto Freyre, em Açúcar. Uma Sociologia do Doce…, documenta a presença do alfenim no Nordeste do Brasil como um vestígio da doçaria portuguesa de influência árabe. À data da primeira publicação do livro, em 1932, a tradição do fabrico de grande parte desta doçaria estava em vias de desaparecer. No entanto, nos começos do séc. XXI, por força das tradições em torno das festas do Divino, o costume de fabrico do alfenim persiste em muitas localidades brasileiras. Na Sicília, conserva-se a tradição dos doces de alfenim e de maçapão, principalmente no dia de Todos os Santos, em que as crianças recebem, como alegado presente dos antepassados, várias figuras de açúcar. A tradição do alfenim encontra-se também no México, com a elaboração de caveiras para o Dia dos Mortos, a 1 de novembro, em que se combinam elementos indígenas com costumes europeus. Os nauatles faziam figuras, normalmente caveiras, como oferenda aos seus mortos. Com a chegada dos Espanhóis, surgiram as figuras de caveiras em alfenim. A esta figuração, as freiras juntaram as cenas relacionadas com a época natalícia. Assim, o alfenim assume várias formas: caveiras, ataúdes, anjos, cruzes, miniaturas de animais ou de fruta, pratos com comida, canastras com flores, etc. Esta tradição persiste no México, tanto na Cidade do México como nos estados de Puebla e Oaxaca. Além disso, na cidade de Toluca, v.g., celebra-se, a 2 de novembro, a festa do alfenim. A produção de alfenim está também documentada na Argentina, na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador. Em Portugal, a confeção de alfenim está documentada desde os sécs. XV e XVI e sabemos da sua presença em festas e romarias populares. Ganhou importância no quotidiano da sociedade portuguesa a partir da divulgação do açúcar, desde meados do séc. XV. A Madeira, como espaço de produção de açúcar, especializou-se na arte da doçaria, domínio em que transpôs o seu perímetro, chegando aos Açores, às Canárias e ao Brasil. A partir do séc. XV, tanto em Portugal como em importantes cidades europeias, o consumo e a divulgação do açúcar passarão pela confeção de manjares nobres, sob a forma de doces – como o alfenim, a alféola (um doce semelhante ao caramelo), conservas e cascas de fruta cristalizada. Na Madeira, ficou célebre a doçaria conventual que fez as delícias de Ingleses, de Franceses e de flamengos. A par disso, o fabrico das figuras de alfenim fez de muitas mulheres madeirenses autênticas escultoras da doçaria. O alfenim fazia parte da mesa da Coroa e das casas nobres, e era, no séc. XVI, servido à nobreza em salvas de prata por ocasião das festas do Divino em todo o espaço português, tradição que teve continuidade na Madeira, nos Açores, e que chegou ao Brasil. Das mesas do reino, o alfenim passou às das ilhas e delas ao Brasil, acompanhando o processo de expansão da cultura da cana sacarina e do fabrico do açúcar. No Atlântico, o alfenim foi primeiramente produzido na Madeira, afirmando-se como o doce mais nobre, servido na casa das famílias importantes, e usado como dádiva nas festas do Divino. A oferta de doces está relacionada com uma atitude de gratidão ou mesmo de empatia. É uma tradição muçulmana que os Portugueses assimilaram. Vasco da Gama ofereceu alfenim madeirense ao samorim de Calecute. As freiras do Convento de S.ta Clara presenteavam os visitantes com alfenim e com outros doces. Há uma longa tradição desta arte da doçaria, que acompanha o processo de expansão da cana-de-açúcar do Mediterrâneo para o Atlântico, tendo a ilha da Madeira sido, como já ficou dito, um espaço-chave da sua divulgação para outras ilhas atlânticas, bem como para as Américas Central e do Sul. São vários os testemunhos denunciadores da mestria dos madeirenses no fabrico destes doces. Já em 1455 Cadamosto menciona a feitura de “muitos doces brancos perfeitíssimos”, aludindo certamente ao alfenim (ARAGÃO, 1981, 37). A primeira referência documental a esta arte da doçaria data de 1469, quando se diz que esta atividade era indústria importante para a sobrevivência de muitas famílias, uma vez que ocupava “molheres de boas pesoas e muytos pobres que lavraram os açuquares bayxos em tamtas maneyras de conservas e alfeni e confeitos de que am grandes proveytos que dam remedio a suas vidas e dam grande nome a terra nas partes onde vam”. Durante os sécs. XV e XVI, o fabrico de alfenim ocupou efetivamente muitos madeirenses e foi uma importante fonte de receita das famílias. Esta era fundamentalmente uma indústria feminina e de fabrico caseiro, mas sabe-se que havia homens que exerciam o ofício de doceiro ou confeiteiro, pois a sua atividade estava regulamentada nos Regimentos dos Oficiais Mecânicos da Cidade de Lisboa. A atividade estava vedada a estrangeiros e mestres de açúcar – apenas os “vizinhos e naturaes da ilha” podiam fazer conservas, alfenim e confeitos. De acordo com um documento de 9 de março de 1490, “em toda essa ylha nom posa fazer nemguem conservas, alfenim, comfeytos nem outra nenhüa fruyta daçucaar soomente os vizinhos e naturais da dyta ylha” (MELO, 1973, 198-199, 241). Em 1494-1495, a Casa Real portuguesa recebeu 71 arrobas de confeitos; entre estes, havia 29 arráteis de alfenim. A crónica de Damião de Góis apresenta D. Manuel como um grande apreciador da doçaria madeirense: “Nas vesporas do Natal consoava publicamente em sala, com todo o Estado de porteiros de maçareis darmas trombetas, atabales, charamellas, e em quanto consoava davam de consoar a todolos senhores, fidalgos e cavalleiros, e escudeiros que estavam na salla, na qual se ajuntavam naquelle dia todos os que andavam na Corte por saberem o gosto que el-Rei levava em fazer este banquete, que todo era de frutas verdes e dasucar, e de conservas, que lhe traziam da ilha da madeira, depois desta consoada” (GÓIS, 1911, 92). Desde o séc. XVI, no Japão, aparecem referências ao fabrico de alfenim (aruheitou) e outras doçarias, como confeitos (komfeiton). A primeira referência ao alfenim é de 1569; no decurso das centúrias seguintes, há notícias do seu consumo, tendo sido sempre, ao longo dos séculos, um dos doces nanbam, de oferta em momentos especiais. Tenha-se em conta que ficou célebre o alfenim madeirense que Vasco da Gama levou para oferecer ao samorim de Calecute. Pela rota da Índia deverá ter chegado ao Japão a arte da confeitaria madeirense, onde persiste nos começos do séc. XXI. Os estudos de Miyo Arao reforçam a ideia da influência portuguesa na confeitaria de Tóquio e estabelecem uma ponte com a Madeira, tendo em conta que muitos dos doces produzidos na Madeira aparecem na culinária do Japão. Além disso, não se pode esquecer que, nos sécs. XVI e XVII, a Madeira era um dos principais centros produtores de alfenim e daí deverá ter partido a técnica de fabrico que, depois, se vulgarizaria noutros espaços, como o Japão. A fama alcançada pela arte da doçaria madeirense está testemunhada na embaixada enviada por Simão Gonçalves da Câmara ao Papa. O facto mais memorável é referido pelos cronistas. Jerónimo Dias Leite diz que “leuou muitos mimos e brincos da ilha, de conseruas, e ho sacro palacio todo feito de asucar e hos Cardeaes hião todos feitos de alfenij […] ho que foi tudo metido em caixas embrulhadas com algodão, que forão mui seguros e sem quebrar” (LEITE, 1947, 37). Escreve Gaspar Frutuoso: “E tão generoso foi, que, tendo seu filho Manuel de Noronha, Bispo que foi de Lamego, em Roma, que servia de secretário do Papa Leão, despachou da ilha um criado seu, por nome João de Leiria, homem muito honrado, prudente, e gentil-homem, o qual mandou a Roma visitar o Papa com um grande serviço, que, além de um cavalo pérsio, que lhe mandou de muito preço, que levava de cabresto um mourisco muito gentil, homem e alto de corpo, vestido em uma marlota de girões de seda; levou mais muitos mimos e brincos da ilha de conservas, e o sacro palácio, todo feito de açúcar, e os cardeais iam todos feitos de alfenim, dourados a partes, que lhe davam muita graça, e feitos de estatura de um homem, o que foi tudo metido  em caixas emborulhados [sic] com algodão, com que foram mui seguros e sem quebrar até, dentro, a Roma, coisa que, por ser a primeira desta sorte que se viu em Roma, estimou-a muito o Papa, e cada uma peça por si foi vista pelos cardeais e senhores de Roma, sendo presente o Papa, que louvava muito o artifício, por ser feito de açúcar, e muito mais louvava o Capitão que lhe tal mandava, largando muitas palavras perante todos em louvor deste ilustre Capitão” (FRUTUOSO, 1979, 248-250). Mas sobre esta embaixada, segundo Luciana Stegagno Picchio, não consta qualquer documento na Cúria Romana, ao contrário do que aconteceu com outras. Terá sido mera invenção dos cronistas, para exaltar a figura do capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara? Atente-se na situação, a ter acontecido. Seriam 72 os cardeais feitos em alfenim e em tamanho natural, o que poderia significar mais de 5000 kg de açúcar. Por outro lado, deve ter-se em conta o próprio processo de fabrico das figuras e a dificuldade em transportá-las intactas até Roma. Será que podemos afirmar que a dita embaixada madeirense nunca existiu e que os testemunhos de Jerónimo Dias Leite e de Gaspar Frutuoso são pura invenção? Em 1550, D. Isabel Mendonça, mulher do referido capitão-donatário, tinha a seu cargo o abastecimento da Casa Real, tendo enviado para Lisboa, em 1551, 105 arrobas de conserva, 24 arrobas de fruta seca e 8 arrobas de alfenim. Em 1567, Pompeo Arditi dá conta da “conserva de açúcar” que se fazia no Funchal, “de ótima qualidade e muita abundância” (ARAGÃO, 1981, 130). Em finais do séc. XVI, Gaspar Frutuoso dava conta de “ricos e esquisitos manjares de toda sorte, como os sabem muito bem fazer as delicadas mulheres da ilha da Madeira, que (além de serem comumente bem assombradas, muito formosas, discretas e virtuosas) são estremadas na perfeição deles e em todolas invenções de ricas coisas, que fazem, não tão somente em pano com polidos lavores, mas também em açúcar com delicadas frutas” (FRUTUOSO, 1979, 264). Esta tradição perpetuou-se na Ilha para além dos tempos áureos da produção açucareira local (segundo Hans Sloane, em 1687, o madeirense produzia o “açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil” (ARAGÃO, 1981, 158)). Outro testemunho a atestar a abundância deste doce na Madeira é o facto de, a 29 de julho de 1593, o chamado fogo do céu, que queimou parte da cidade do Funchal, dando origem às ruas da Queimada de Cima e Queimada de Baixo, ter queimado alfenim, que havia sido feito com 5000 pães de açúcar. Nos inícios do séc. XXI, não há qualquer referência ao fabrico habitual de alfenim na Madeira (embora ainda haja quem se lembre das pombas do Divino, por ocasião das festas do Espírito Santo). No entanto, em algumas ilhas dos Açores e em alguns estados do Brasil a tradição do alfenim continua viva, alimentada pela persistência das festas em honra do Divino Espírito Santo.    Alberto Vieira (atualizado a 28.09.2016)

Biologia Terrestre História Económica e Social

arquitetura popular

A designação “arquitetura popular”, reporta-se tradicionalmente às casas do povo. Contudo, esta não é uma designação consensual; no mundo anglo-saxónico, e.g., o termo correspondente utilizado é “vernacular”. Segundo Paul Oliver em Dwellings, o termo “vernacular” é relativo aos edifícios que são integrados numa comunidade e construídos pelo povo para seu próprio uso, pelo que, e tendo em conta o desdobramento da palavra “vernacular” (“vern” significa povo e “cular” significa linguagem), o mesmo autor considera que este termo pode traduzir-se por “linguagem do povo”. Em Shelter and Society, o mesmo autor destaca a posição que Bernard Rudofsky desenvolve na obra Architecture Without Architects: “Attempts to break down our narrow concepts of art of building by introducing the unfamiliar world of non-pedigreed architecture. It is so little known that we don't even have a name for it. For want of generic label we shall call it vernacular, anonymous, spontaneous, indigenous, rural, as the case may be [a tentativa de pôr em causa os nossos conceitos limitados a propósito da arte da construção introduzindo neles o estranho mundo da arquitetura sem pedigree. Trata-se de um estilo tão desconhecido, que nem sequer tem nome. À falta de uma designação genérica, chamar-lhe-emos vernacular, anónimo, espontâneo, indígena e rural, conforme os casos]” (RUDOFSKY, 1964, 1). Este autor teve dificuldade em aceitar uma única designação para as construções referidas, e, por isso, considerou a possibilidade de a ampla diversidade de designações revelar por si só que se está a tratar de uma matéria em permanente movimento.   Diário gráfico da investigação de campo, dia 1 Maio (revisão da 1ª campanha de 1984-1985) [1996]   Os arquitetos que realizaram os inquéritos sobre arquitetura no continente (1955-1961), nos Açores (1982-2000), e na Madeira (1983-2002) optaram pela designação “arquitetura popular portuguesa”, enquanto os antropólogos optaram pela designação “arquitetura tradicional portuguesa”, considerando que esta é “o produto de adaptação do homem ao meio, ele reflete não só o meio geográfico natural, mas também o meio humano, histórico e cultural” (OLIVEIRA e GALHANO, 1992, 361). Esta abrangência do conceito assenta na importância das atividades que são geradas no território em redor das construções e que formam com ele uma indissociável unidade sociocultural. A casa rural é “concebida não apenas como um abrigo, mas sobretudo como um verdadeiro instrumento agrícola, que é preciso adaptar às necessidades de exploração da terra, designadamente no que se refere ao seu dimensionamento e à importância e distribuição relativa dos alojamentos das pessoas, dos estábulos e das lojas de arrumação das alfaias e ferramentas da lavoura” (OLIVEIRA e GALHANO, 1969, 13).   Depreende-se desta abordagem que é das atividades geradas num contexto territorial específico e realizadas com o objetivo de assegurar a cadeia operativa inerente às produções agrícolas e ao artesanato que lhes está associado, que surgem necessidades de espaço e funcionais, também específicas. Pelo que, há uma forte correlação entre a organização da vida rural e a organização da casa, da qual se evidencia a antropologia da sociedade rural.   Pinha de maçarocas a secar. Espaço exterior fronteiro à casa. Referta, Porto da Cruz [1996]     Sob a latada, na vindima junto à casa. Ponta Delgada [1996]   A apropriação e transformação do território das ilhas da Madeira e do Porto Santo para produção agrícola, sem antecedentes históricos, e a produção artesanal de ferramentas e artefactos, incluindo engenhos, reflete-se nos edifícios e nos espaços gerados com o propósito de levar estas ações a cabo, e que são, por isso mesmo, o resultado de necessidades em permanente processo de apuramento. Neste contexto, desenvolveram-se diversos estudos sobre a materialidade associada às alfaias agrícolas e inerentes tecnologias em articulação com as construções, em particular com as construções da casa e dos espaços exteriores com ela conectados.   Casas elementares, espaço exterior de continuidade. Rochão, Camacha [1996]   As características geográficas e o perfil psicológico das populações sujeitas durante séculos ao regime de colonia trazem especificidade a este processo. Jorge Freitas Branco, no seu livro Camponeses da Madeira (1987), sem nunca aludir à arquitetura popular, e só raramente se referir à casa dos camponeses, deixa claro que esta é a base da pirâmide social, e que se encontra condicionada pelo contexto rural, que está amarrado a uma geografia agreste e, sobretudo, à condição de população que cultiva e vive numa terra que não é sua, tendo de pagar uma renda a um senhorio: “A ruralidade insular estava dividida em duas esferas sociais envolvendo toda a organização social. Uma delas integrava os grandes senhores, os quais os camponeses tratavam por senhorios; uma outra abarcava a maioria esmagadora da população, os colonos, que se iam sucedendo de geração em geração, pois o contrato era hereditário” (FREITAS BRANCO, 1987, 156). É neste contexto que terá surgido uma arquitetura elementar, que terá evoluído desde o primitivo abrigo, apropriado à própria geografia do lugar de instalação, até modelos que procuravam tornar a casa cada vez mais autónoma, embora esta continuasse igualmente precária quanto à materialidade e à escassez de espaço. O regime de colonia e as suas variantes ao longo dos séculos, relacionadas com os ciclos de novas culturas introduzidas pelos morgados, terão sido determinantes na cadeia e no processo evolutivo de alguns modelos de casas rurais madeirenses até ao séc. XX.   Povoamento disperso em lombos. Penha d’Águia, Porto da Cruz [1996]   Este regime de posse de terra era de tal modo restritivo em relação aos direitos dos colonos que o estabelecimento de pequenas hierarquias, dentro do próprio grupo, era regulado, com o objetivo de preservar os interesses dos senhorios, que, receando que as sucessivas benfeitorias feitas pelos colonos alcançassem valores de indemnização incomportáveis, condicionavam o seu poder discricionário para lhes retirar as terras, como refere o autor anteriormente referido: “Alguns deles que eram caseiros, porque, além das condições já conhecidas e inerentes ao contrato de colonia, desfrutavam de uma cláusula suplementar, segundo a qual o senhorio lhes concedia o direito de morar na terra tomada de arrendamento, ou ainda de nela construírem casa própria. Nestes casos, a situação torna-se crítica quando um dos filhos do caseiro queria também fazer a sua casa para contrair matrimónio” (FREITAS BRANCO, 1987, 158). O contexto societário rural madeirense revela-se paradigmático pela forma particular como surgiu, influenciando direta e indiretamente a identidade arquitetónica em alguns dos modelos deste território. Há suficientes razões para considerar que a arquitetura vernacular madeirense deve ser considerada numa perspetiva histórica, que avalie a data do início do povoamento e os ciclos socioeconómicos que se terão repercutido na casa rural e urbana, mediante o estudo do dimensionamento dos alojamentos para as pessoas, os animais e as alfaias, o estudo dos materiais e sistemas construtivos adotados, da volumétrica e dos aspetos artísticos.   Casa de morgado. São Vicente [1996]   Casa de morgado. Espaço de transição urbano-rural. Arco da Calheta [1996]   Os modelos das casas, principalmente rurais, terão viajado do continente, na memória dos primeiros povoadores, que se instalaram de forma dispersa à medida que se desbravava o território, formando os primeiros casais, pequenos aglomerados isolados, e os embriões de urbanidades, como as sedes de capitania. Outros grupos identitários, que teriam na sua moldura sociocultural estatuto intermédio em termos político-administrativos, ter-se-ão ajustado com distinção social, como é o caso dos terratenentes e dependentes da confiança do capitão donatário, que por sua vez também recrutavam colonos. Esta distinção constituiu a base em que assentou a exploração da terra e as assimetrias sociais. Terão sido estas as condições em que se fixaram os modelos mais primitivos, como as furnas, grutas, ou grotas (designação local para habitações em gruta natural ou resultantes da sua escavação), seguindo-se as casas elementares miniaturais.     Casa elementar (miniatural). Arco da Calheta [1996]   A par destas, embora já num outro patamar sociocultural, edificaram-se as casas que se designam de antigas, por corresponderem a modelos do princípio do povoamento que foram praticamente transpostos dos modelos continentais, de que destacamos as casas dos padres, construídas junto às respetivas igrejas e outras de famílias socialmente dominantes. Após a descoberta da Ilha, o tempo de reconhecimento, entre o mar e a terra, terá sido longo, considerando as dificuldades em presença: território densamente arborizado, orografia acentuada, ausência de plataformas agrícolas naturais, existência de vales aluvionares profundos e instáveis, águas de ribeiras abundantes e por vezes tempestuosas, principalmente na costa Norte, contrastando com a escassez de caudais regulares na costa Sul, ausência de rios e/ou ribeiras navegáveis, litoral rochoso e abrupto, sem desembarcadouros naturais, e apenas com algumas baías favoráveis e pequenas angras, nem sempre acessíveis. A configuração geográfica, associada a um clima subtropical, condicionado a uma orla abaixo dos 200 m de altitude, terá tido repercussões na escolha dos locais de instalação dos casais rurais. A ilha da Madeira contrasta com a ilha vizinha do Porto Santo, cujas características geológicas revelam uma formação distinta, apesar dos 50 km que as separam; a primeira ilha apresenta uma temperatura e humidade relativamente elevadas, associadas a uma maior pluviosidade. O desconhecimento dos territórios terá obrigado a um largo período de adaptação dos modelos a instalar, e, mesmo quando se instalava um dado modelo, ele mantinha um quotidiano moldado pela circulação, restrita ou alargada, de bens e de pessoas, em que a autossuficiência era mais imaginada que real. Em algumas regiões, inventaram-se modelos novos. No caso da ilha da Madeira, em virtude da inacessibilidade do terreno, alguns terão permanecido isolados durante séculos, enquanto outros, igualmente únicos na região, se foram difundindo, alguns com adaptações, outros adquirindo novas especificidades, tornando-se variantes dos originais, e outros como modelos de transição e/ou assimilação para/de novos modelos.   Povoamento em vale interior. São Vicente [1996]   As classificações elaboradas por investigadores como Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990), Benjamim Pereira (n. 1928), Fernando Galhano (1904-1995), A. Jorge Dias (1907-1973), Fernando Távora (1923-2005), Nuno Teotónio Pereira (1922-2016), entre outros, dão conta do tipo de alicerce que a fileira tipológica da casa madeirense segue. A arquitetura vernacular evoluiu a partir de modelos tipologicamente elementares, desde logo a casa-cozinha, ou seja, a casa com um único compartimento. A partir deste modelo, ter-se-á desenhado a base mínima do modelo padrão. A sua evolução resultou do somatório longitudinal de novos compartimentos comunicantes ou da criação de uma situação que corresponde a um primeiro nível de complexidade, a duplicação em paralelo do modelo, construindo apenas uma parede meã estrutural, embora duplicando a cobertura. Casa elementar com cozinha separada. Rochão de Cima, Camacha [1996]   A casa em esquadria, ou seja, a casa que forma um ângulo de 45 º num dos topos do volume elementar, poderá ser uma evolução ou inovação que resultou na construção da cozinha num lugar deslocado do centro da casa. As cozinhas integradas em casas com cobertura de palha causaram grandes danos, por propagarem fogo facilmente. Esta terá sido a razão do deslocamento da cozinha nas casas rurais: reduzir o risco de incêndio. Na cidade e nas vilas, as posturas municipais exigiram a substituição das coberturas de palha por outras de telha cerâmica – o que permite verificar que a classificação estabelecida e que aqui se segue, apesar de estar relacionada com processos construtivos, não está totalmente dependente deles. As casas com cozinha separada denotam a relevância que este compartimento tinha. A cozinha era o compartimento cerne da funcionalidade da habitação, e, por isso, caracteriza e define a estrutura matricial do modelo que a casa segue; logo, é a partir deste compartimento que se identifica a tipologia da casa.   Casas-cozinha Casa-cozinha com forno exterior. Carvalhal, Canhas, Ponta do Sol [1996] As casas-cozinha, elevadas em alvenaria de pedra aglomerada com barro, têm fachadas de pedra à vista (interior e exterior) ou fachadas rebocadas e caiadas. Interiormente têm um único compartimento, onde se destaca a boca do forno, complanar à face interna da parede. O desenvolvimento da casa ocorre no exterior, a partir da parede empena, onde se apoia o rincão da cobertura de palha de três águas. As únicas aberturas da casa são a porta, de altura reduzida, que está inserida na fachada longitudinal, e a janelinha mínima, que está inserida na parede oposta à do forno. Assinala-se um pormenor funcional relevante, a fresta triangular integrada sobre a boca do forno, que servia como fonte de luz e, principalmente, como respirador, através do qual o fumo saía quando era impulsionado pela corrente de ar que resultava da abertura da porta. Este respirador, tal como um toco de madeira carbonizado, revela através da cor preta adquirida, as sucessivas camadas de fumo aí depositado.   Casa de empena As casas de empena, circunscritas principalmente à zona dos Canhas, concelho da Ponta do Sol, têm uma área útil de aproximadamente 13,5 m² e integram o grupo das casas elementares. A sua elementaridade está associada à reduzida espacialidade e a um contexto construtivo e vivencial precário: pavimento de terra batida, lume de chão, uma quase ausência de mobiliário e de apetrechos, domésticos e de lavoura (os que haviam eram produzidos pelos próprios camponeses e arrumados sem diferenciação de uso dentro da própria casa), e espaço exterior envolvente exíguo, a ponto de a pequena horta se amanhar no patamar da própria casa, por não haver espaço de permeio, ou quaisquer construções de apoio envolvente. A fachada desta casa tem a configuração mais elementar conhecida. Por vezes a casa era aconchegada por uma árvore ou uma latada, que proporcionava um pouco de sombra e que formava um aparente lugar exterior que dava continuidade à casa. Este espaço exterior informal tinha como elementos de mobiliário um banco tripé de madeira e uma pedra baixa de basalto para apoio temporário dum moinho de mão. A empena, que integra o forno exterior, e que dará o nome a esta casa, terá resultado da necessidade de salvaguardar a cobertura de palha das fagulhas incandescentes que a queimavam. Estas casas evoluíram pouco e o seu modelo não se dispersou; regista-se apenas o surgimento de uma parede de tabique de pranchas de madeira ao alto, criando um minúsculo compartimento para dormir, e a presença ocasional de um sótão exíguo, que terá resultado do ligeiro aumento da largura, do comprimento e da altura, de forma a permitir que a cobertura acolhesse, através de um sobrado, o aproveitamento do sótão, cujo acesso se fazia por uma escada de encosto. Este modelo madeirense pode ser associado, devido à semelhança formal, a certos modelos do continente e dos Açores, provavelmente contemporâneos, razão pela qual, se estabelece um paralelismo entre estes modelos e o projeto de povoamento que se pretendeu para as ilhas. Apesar disso, verificam-se diferenças que distinguem os modelos de cada arquipélago; a existência de compartimentação e a exigência construtiva evidenciam caminhos de evolução distintos. Na ilha de São Miguel, as casas de empena com cobertura de palha, existentes nos Mosteiros e na Candelária, têm uma área útil de aproximadamente 15 m². A casa de empena açoriana integra inclusivamente, no modelo mais elementar, o conjunto lar, forno e chaminé na empena ou na parede tardoz, com a particularidade chaminé se afastar da parede, reduzindo a possibilidade de pegar fogo à cobertura. Também se observou, relativamente à casa açoriana, o modelo de três águas e empena com forno. O que distingue a casa madeirense de qualquer outro modelo, equivalente ou próximo, é a sua condição básica, relacionada com a escala e a proporção. A casa madeirense é elementar na espacialidade, mas também em toda a sua especificidade construtiva, destacando-se o aparelho de pedra e a respetiva aglomeração, que resulta numa volumetria baixa. A armação da cobertura era precária, feita de palha; desconhece-se se o remate da palha era feito através da cápea ou do lintel de sobreposição e/ou amarração. Tudo leva a concluir que este modelo terá sido criado integralmente de forma empírica na ilha da Madeira, em consequência da necessidade intransigente e imediata de se construir um abrigo básico. Casas de Santana Tal como este modelo, outros terão surgido neste contexto, de que se destacam, devido a um certo fascínio turístico pelo exotismo das formas, as casas de Santana, algumas construídas integralmente em madeira. Para se compreender este modelo tem de se seguir a evolução de modelos anteriores.   Casa elementar com forno interior. Rochão, Camacha [1996] As casas-cozinha, de cobertura de palha de quatro águas, com forno interior, localizadas com maior frequência na zona da Camacha, mantêm praticamente o mesmo dimensionamento das casas anteriormente descritas, embora se distingam delas pelo aprumo construtivo, do qual se destaca o processo construtivo da cobertura, ou seja, a armação, e a técnica de abafar a mesma. A cumeeira elevou-se como técnica de amarração devido à sua eficácia e à composição artística que permitia, conseguida por via da modelação de pequenos arranjos na palha, que em alguns exemplos se notam integrados com cuidada métrica e expressão, sendo denominados pelos mestres por bonecos de palha.   Casa elementar com forno interior, em actividade. Rochão, Camacha [1996] Este trabalho consiste em apanhar pequenos molhos da última carreira, que ficam pendentes para a base e sobrepô-los a uma cana de amarramento que contorna toda a cobertura. O pial alto para o fogo, situado nestas casas ao lado do forno, surge como uma inovação do fogo de chão, tal como o empedrado do pavimento em calhau rolado ou basalto miúdo substitui a terra batida que por vezes se cobria com urze ou fetos. Mais tarde, a cozinha passa a surgir encostada ao volume da casa, sem comunicação interna, ou afastada, gerando e mediando uma relação espácio-funcional entre distintos volumes. Esta associação da cozinha a um compartimento autónomo constituiu uma evolução tipológica e uma síntese que melhor se adaptou às necessidades e possibilidades dos colonos, o que fez com que este modelo tivesse tido grande difusão, principalmente na costa Sul da Ilha. Tal ocorrência determinou a separação entre a zona de confeção, a zona de refeição e a zona de dormir, originando, dentro da elementaridade do modelo, uma diferenciação funcional mais complexa. Relativamente ao corpo dos quartos também se inovou, com a autonomização de uma espécie de sótão térreo, que surgiu quando se retomou uma parte do espírito da fachada empena, agora liberta do forno e transformada em fachada do piso superior, já que o terreno oculta neste ângulo um piso inferior com fachada lateral. A porta surge protegida por um aparente alpendre, resultado do prolongamento da cobertura de palha de uma casa de quatro águas, que depois é interrompida pela introdução da empena fachada. Este piso, que é meio sótão, divide-se em dois compartimentos lineares através de um tabique com porta central, construído em pranchas de madeira ao alto, pregadas numa estrutura de barrotes. O compartimento de dentro destinava-se ao quarto do casal e o de fora ao quarto das crianças. Uma pequena janela, quase rasa ao pavimento, protegida pelo prolongamento da cobertura de palha, ventilava e iluminava o quarto de dentro, enquanto um pequeno postigo, na porta do quarto de fora, cumpria a mesma função relativamente ao quarto das crianças. Sob este piso ficam as lojas, onde se guardavam as alfaias e os produtos provenientes da agricultura. O vale de Machico e a zona interior da Camacha, como o Rochão de Cima e, mais raramente, a zona da Ribeira Brava, foram áreas de difusão e locais onde estas casas persistiram até à sua extinção, nos finais do séc. XX. O modelo da casa elementar térrea, com cobertura de palha e cozinha encostada, terá sido o mais divulgado na costa Sul, ainda que com zonas de maior predominância, de que destacamos o Caniço e Santa Cruz. Esta casa, ligeiramente maior do que as antecessoras, tem a particularidade de integrar de forma regular, portanto intencional, um terraço-alpendre, delimitado por um muro, onde se apoiam os esteios de madeira da latada e alguns bancos. Este espaço fronteiro à casa, que se distingue do espaço informal em idêntico posicionamento nos modelos anteriores, corresponde a um prolongamento da casa para o exterior, pois aí se efetuam diversas atividades da lide doméstica e de apoio à lavoura e, em dias de festa, se põe a mesa e se confraterniza. Um elevado número das casas observadas que seguiam este modelo tinha cobertura de palha no corpo dos quartos e de telha no corpo da cozinha, com a particularidade de a cozinha voltar a ser o modelo físico, e, portanto, não funcional da casa-cozinha, ou seja, da casa-empena, com o forno exterior a integrar a inovação do conjunto de lar, forno, chaminé. Gradualmente, as coberturas de palha deram lugar a coberturas de telha cerâmica, primeiro de canudo, depois de cerâmica marselha e, finalmente, antes do seu declínio, de marselha de cimento. O modelo terá evoluído de dois compartimentos e cozinha, para três compartimentos comunicantes com duas ou três portas, janela e cozinha, não comunicante. Estas casas instalavam-se, de um modo geral, em plataformas com alguma extensão, voltadas para Sul. Em muitos casos, parecem estar submersas num denso manto verde, efeito proporcionado pela latada de vinha, ficando apenas visível a zona superior da cumeeira. Esta realidade permitia reduzir significativamente a temperatura do estio e, quando a latada não era demasiadamente baixa, controlar a elevada humidade, proporcionando um ambiente mais favorável à faina agrícola e à lide doméstica, que se desenvolvia do lado de fora da casa. António Ribeiro Marques da Silva, João Adriano Ribeiro, António Aragão, João Sousa e Rui Cardim, entre outros investigadores e historiadores da região autónoma da Madeira, consideram as casas elementares de Santana o paradigma da arquitetura vernacular. Se abstrairmos das leituras simplicistas a que estas casas estão sujeitas, é legítima a sua valorização, pela originalidade construtiva e espacial e pela expressividade artística. As casas de Santana, pela sua área exígua, permanecem classificadas como elementares, mas distinguem-se, pela sua aparência, das que foram descritas até aqui. São construídas parcial ou totalmente em madeira, tendo uma fachada triangular, em resultado de a cobertura, que assenta num espesso lintel de madeira elevado do chão através de apoios pontuais de pedra, descer praticamente até ao nível do pavimento. A tradição local denominou este modelo, que resulta de um sistema primitivo e elementar de construção em madeira, de casas de fio (que a seguir se distinguirão das casas de meio-fio) ou de empena, em virtude da técnica de assemblagem, levada a cabo a partir de lintéis inferiores, prumos verticais e réguas horizontais de travamento. A este sistema apõe-se o ripado da cobertura, o tabuado do pavimento e os painéis de pranchas verticais de madeira da fachada e do tabique, na divisória do interior. As janelas e a porta são colocadas nos espaços livres previstos no engradado da fachada. Por fim, abafa-se a casa, ou seja, cobre-se com palha a armação da cobertura, que é antecipadamente preparada através de procedimentos exigentes na preparação e no manuseamento do material vegetal, o que obriga a que sejam outros mestres a desempenhar-se desta tarefa. A técnica de restolhar ou abafar a casa inicia-se com a escolha da palha e a sua respetiva compra, o que é feito quando a palha ainda está no campo a amadurecer. Esta deverá ter uma altura similar para que a secção de cada planta se assemelhe. Uma casa leva entre “24 a 26 maranhos de palha de trigo e 8 dúzias de varas por casa. O vime, com que se cose a palha à armação de madeira, é seco à sombra e posto ao fumeiro, sendo depois mergulhado em água durante 21 dias, seguindo-se mais uma semana para o enxugar” (MESTRE, 2002, 111). A colocação dos maranhos com as raízes das plantas viradas para cima permite uma amarração duplamente eficaz, ou seja, a altura diferenciada das raízes em relação aos caules permite que o vime as envolva de modo a garantir que as plantas não deslizem e assegurem uma zona de apoio da fieira seguinte. O trabalho desenvolve-se com um homem no exterior e outro no interior que vão passando alternadamente a agulha, denominada abafadoura, com o vime; o homem de dentro ajusta o vime à vara, o do exterior envolve os maranhos e assegura a sua horizontalidade. O fim de cada fieira é cuidadosamente cozido à dobra da aba balançada correspondente e, no seu conjunto, estas emolduram e protegem a fachada de madeira.   Casa de fio, frontal de madeira. Santana [1996] Estas casas, de cerca de 15 m², incluindo o esconso raso ao pavimento, abrigam no máximo dois compartimentos de dormir, que se situam em linha. A cozinha integra-se em outro volume de idêntico desenho e não raras vezes é disposta em frente, ainda que a implantação lateral seja a mais comum. Esta pequena construção de cerca de 6 m² tem pavimento de terra batida ou um irregular pavimento de pedra de basalto. Algumas destas cozinhas procuram adaptar-se ao declive do terreno, beneficiando de uma escavação em três faces, de que resulta uma economia de recursos. A rocha escavada, pela sua estabilidade e qualidade, assegura três paredes acabadas, e estas, uma vez que não havia condições autoportantes, são revestidas a pedra. A fachada, construída entre estas paredes escavadas, tem, de um modo geral, apenas uma porta. A cozinha instala-se no piso térreo, onde o forno interior está por vezes associado a um pequeno lar, embora nas situações mais elementares exista apenas o lugar do fogo de chão. Sobre este piso implanta-se um outro, uma espécie de sobrado, construído um pouco à semelhança do volume de dormir. Este processo ocorre do mesmo modo que na elevação das casas de meio-fio (que a seguir serão caracterizadas), mas é simultâneo aos dois volumes (casa de dormir e cozinha), o que, como se verá, não ocorre nas casas de meio-fio. Casas de fio e de meio-fio O modelo das casas de fio diferencia-se do modelo das casas de meio-fio pelas diferentes dimensões que apresenta e por ter mobilidade. As casas de fio foram construídas como uma padiola, permitindo que sob o volume se corressem toros, para que um grupo de homens o elevasse e o pudesse (re)nivelar ou deslocar quando os seus proprietários mudassem de lugar.   O regime de colonia está diretamente relacionado com as dimensões e com a mobilidade das casas de fio. Jorge Freitas Branco refere a evolução “deste regime que foi adquirindo ao longo dos séculos, complexidade e tensões sociais entre senhorios, arrendatários e colonos”. Num tempo em que os terrenos agrícolas eram “cada vez mais divididos, fenómeno acentuado pela prática de partilhas das benfeitorias edificadas em propriedade de outrem” (FREITAS BRANCO, 1987, 171), em que muitos colonos, por terem as benfeitorias hipotecadas, desistem delas e abandonam as terra respetivas, para emigrar ou mudar de senhorio, levando consigo os seus haveres e, em alguns casos, deslocando as próprias casas, precárias mas eficazes, surge a tentativa de procurar uma equidade justa. Segundo o mesmo autor, “após a grande fome de 1847, o governador José Silvestre Ribeiro, tenta propor um compromisso para resolver a situação. De acordo com a sua proposta, o problema poderia ser sanado se todos os contratos do colono existentes fossem transformados em contratos de arrendamento na base do Código Civil, implicando o pagamento da renda, somente em dinheiro, e a supressão definitiva da apresentação de géneros”. Esta proposta advém de um contexto político e social comprometido com o advento do liberalismo, com a alteração do antigo regime e, por consequência, com a união das partes desavindas: “cada senhorio teria de chegar a acordo com cada colono, para que de futuro a propriedade da terra já não pudesse ser separada das benfeitorias nela edificadas” (FREITAS BRANCO, 1987, 168).   Casa de meio fio. Santana [1996] Deve considerar-se que até aos anos 50 e 60 do séc. XX, na plataforma de Santana, em redor do pequeno núcleo urbano, existiam dezenas de casas de fio e de meio-fio em pequenas parcelas, que apenas garantiam uma precária e insuficiente dieta alimentar. Estas construções refletiam a ausência de conforto do alojamento, conforme relatou o romancista madeirense Horácio Bento de Gouveia: “O casebre do Miséria, coberto de palha de trigo, negreja, como triste anacoreta, nas cercanias brenhosas da Serra. Um só piso, com o soalho feito de tábuas carunchosas de pinho, arrimadas umas às outras, e uma porta com postigo, voltada para nascente. À ilharga, separada daquele por um chiqueiro sem porco, está a cozinha, que é telheiro desabrigado que nunca teve porta. No interior a lareira limita-se a umas pedras que servem de suporte às panelas de ferro de três pés. O tugúrio onde reside o João Miséria compõe-se de um quarto indiviso. Ali dormem ele, a mulher e cinco filhos. A cama é um maranho de palha de milho espalhado no canto do quarto que tem por ventilação as frestas das pedras das paredes” (GOUVEIA, 1949, 99-100). Estas casas miniaturais serão em parte o reflexo da própria dimensão exígua das parcelas onde se implantavam. As produções eram facilmente controláveis pelos feitores, quer na leira de terra, quer na eira. O que sobrava era guardado no pequeno sótão, ou apenas no desvão, onde algumas varas faziam de estrado improvisado para apoio dos produtos. Em casos raros este espaço constituía uma divisão, cujo acesso era feito pelo exterior, através de uma escada de encosto, acedendo-se a uma portinhola ou a uma janela de joelhos. Nas casas de meio-fio de maior dimensão este desvão permitia guardar uma maior produção de trigo, milho ou de outros produtos, como abóboras e frutos. No caso de famílias numerosas, servia de quarto para os filhos mais velhos, adquirindo o nome de quarto de empeno. As casas de meio-fio correspondem a uma inovação que permitiu elevar as paredes periféricas até aproximadamente 0,90 m a 1,10 m de altura, para assentamento do lintel de apoio de toda a armação. Num período inicial desta inovação as paredes terão sido de madeira e de troços de alvenaria. O módulo autónomo da cozinha beneficiou com esta mudança, talvez em resultado da experiência das cozinhas das casas de fio. As lojas no piso inferior e a elevação das paredes periféricas, feita a partir do nível do sobrado, permitiram um maior aproveitamento do decaimento do telhado, o que resultou na ampliação do espaço periférico e na integração de um sobrado superior. Este modelo, que sofreu uma acentuada decadência até aos anos 70 do séc. XX, teve deste modo um novo fôlego. Regista-se ainda, apesar de ter pouca relevância, a casa de meio-fio de dois pisos, com varanda ou balcão e escada de madeira. O piso inferior (loja) desta casa era construído em madeira, sem aproveitamento do declive do terreno. Esta última inovação e/ou evolução não terá tido oportunidade de se consolidar, porquanto o seu desaparecimento estará associado ao êxodo rural das décs. de 1960 e de 1970, rumo à cidade e ao exterior (Europa). Surgiram outras pequenas inovações pontuais, que também não tiveram continuidade e que se tornaram apenas singularidades, como a passagem lateral da casa de dormir para a cozinha destacada.   Casa elementar com cobertura de palha, piso térreo escavado e cozinha separada. Serra d’Água, Machico [1996]   As casas de fio e as casas de meio-fio mantiveram a sua área de implantação restrita ao concelho de Santana, ainda que o modelo que proliferou no vale de Machico, com particularidades diferentes (sendo a mais relevante a elevação das paredes em alvenaria, o que libertava a casa da necessidade de uma armação de madeira), possa constituir um seu parente.     Casa redonda Casa redonda (antiga). Achada do Marques, Santana [1996]   A casa redonda representa outro modelo de casa em madeira, este circunscrito à zona de São Jorge, paredes meias com o concelho de Santana. Esta designação estará relacionada com o aspeto da cobertura de quatro águas, tendencialmente uniforme em virtude de a planta se aproximar do quadrado. A forma arredondada da mudança de água da cobertura destas casas e o seu prolongamento para além dos planos da fachada, como que adoça a geometria no seu conjunto, contudo, “uma das características fundamentais destas casas será a sua excecional carpintaria, expressa na elevação das paredes e respetivas assemblagens, e nas janelas de correr exteriores e nas portadas de correr” (MESTRE, 2002, 115). A sua classificação indica que está entre o grupo de casas elementares e o grupo de casas complexas, sendo o modelo mais evoluído do primeiro grupo e o modelo mais básico do segundo. Este modelo, tal como os outros com cobertura de palha, apresenta o corpo dos quartos separado da cozinha. Face à planta quadrangular, os compartimentos não são dispostos sucessivamente, mas subdividem-se internamente, através de uma cruzeta central. O compartimento que está mais próximo da porta principal faz de sala, e é a partir desta que se acede aos outros dois compartimentos, os quartos, e de cada um deles a um quarto espaço, igualmente utilizado como quarto. A cozinha é autónoma, ampla e tem um forno interior encostado a um canto e associado a um lar ou pial alto para atear o fogo, o que se fazia por vezes com uma pequena fornalha para cozinhar o bolo do caco. Tal como nas cozinhas das casas de Santana, não existe chaminé, o fumo concentrava-se no desvão da cobertura, enegrecendo a armação e a palha, embora por vezes encontrasse uma fuga, ocasional ou forçada temporariamente, escapando para o exterior em novelos densos, provocados pela abertura da porta da rua, o que daria a sensação de a casa estar a arder. Estas casas perduraram, integralmente em madeira, na Achada do Marques, que se situa numa espécie de fajã interior, até ao início dos anos 80 do séc. XX, altura em que se abriu um túnel para melhorar a acessibilidade desta localidade, até então, isolada. A introdução de paredes de alvenaria, ocorrida na Feiteira de Cima, concelho de Santana, resultou numa evolução do modelo, que deste modo permitia uma inusitada elevação das coberturas, que chegavam a albergar dois níveis de sobrado, quando a dimensão e altura eram maiores. O acesso a estes níveis realizava-se por escada interior, de pôr e tirar, a partir do piso térreo, e através de uma escada exterior idêntica, fixa ao nível superior. Neste modelo, a cozinha também era autónoma do corpo dos quartos. Ao ser construída em alvenaria, seguia o propósito de maior cubicagem, como o módulo dos quartos, permitindo elevar a cobertura. O forno integrado, o pial alto para o lume e o espaço resultante da altura da armação da cobertura, caracterizam esta unidade funcional, por vezes mista, como zona de preparação e confeção dos alimentos, também associada a atividades artesanais, como a fabricação e/ou reparação de alfaias agrícolas e outro equipamento. Casa redonda (moderna). São Jorge [1996] A casa redonda de médias e grandes dimensões, construída integralmente em madeira (estrutura, paredes exteriores e interiores e armação da cobertura), constitui o apuramento e/ou a evolução máxima deste modelo. Em termos tipológicos, esta casa evoluiu para um nível de complexidade que podemos classificar como de transição, ao introduzir a unidade do corredor, evitando-se a passagem pelos compartimentos a que a planta em cruzeta obrigava. Nesta solução, entra-se para uma sala e desta para um pequeno corredor com várias portas laterais, que dão para os quartos, e uma outra, no extremo final, que abre para a sala de jantar com porta no mesmo enfiamento. A cozinha é autónoma e fica a poucos metros deste volume. A qualidade de execução e de acabamento das carpintarias, nomeadamente das janelas e portas de correr, revela uma técnica e uma expressão artística apurada. A casa demonstra rigor pela distribuição das pranchas dispostas ao alto, articuladas com as réguas mata-juntas e as travessas horizontais, que percorrem todos os alçados da edificação e apoiam as calhas de correr das janelas e das portadas. Este modelo atingiu níveis de conforto significativo, se o compararmos, por exemplo, com o modelo das casas de fio.     Casa elementar e casa complexa Ainda no âmbito das casas elementares, registamos a casa elementar corrente de um piso, de alvenaria de pedra e cobertura de telha cerâmica, generalizada em toda a Ilha. Esta distingue-se pelo volume alongado e baixo, com telhado abatido de quatro águas. Na fachada, abrem-se duas ou três portas, ou uma porta e duas janelas, emolduradas por cantaria ou por caiação pigmentada, que as destaca da austeridade do conjunto. A chaminé é prismática, com grelha lacrimal e capelo pontiagudo, associada ao forno exterior. Nela revela-se a cozinha integrada no volume único da casa, com acesso autonomizado ou interior. As casas mais austeras têm uma bancada construída em pedra sobre a qual se integra o fogo entre pedras para pousar uma grelha. Esta casa tem apenas um pequeno sanitário, quando existe, que se localiza autonomizado no tardoz da casa. Trata-se de um pequeno volume onde se implanta uma retrete construída artesanalmente, com tampo quadrado e um círculo aberto a meio. Casa elementar de alvenaria. Sítio das casas, Rochão, Porto da Cruz [1996] Reconhecem-se como mais recentes as casas em que todos os compartimentos comunicam interiormente, através de um percurso alinhado junto aos vãos da fachada principal, ou através de uma zona central. Nesta última situação, observam-se exemplos em que o compartimento do meio se subdivide no sentido transversal, permitindo uma saleta de passagem entre a cozinha e o quarto autonomizado, ou seja, um quarto compartimento ainda dentro da linearidade do volume. A esta continuidade é comum chamar-se o meio da casa e o quarto de fora. Este modelo revela uma transição tipológica do modelo linear para um mais complexo, em que o espaço referido introduz sofisticação à casa, que se complementa com um pequeno terraço, coberto por uma latada de vinha e rodeado por um murete com bancos de alvenaria e alegretes, onde é possível realizar atividades do âmbito doméstico e de apoio aos trabalhos agrícolas.   Casa elementar de duas águas. Curral das Freiras [1996]   Ainda no âmbito das casas elementares de alvenaria de pedra, encontra-se um modelo exclusivo do Curral das Freiras, constituído por volumes autónomos (quartos e cozinha) com cobertura de duas águas. O volume dos quartos, com dois pisos, resulta do aproveitamento do encaixe no terreno, o que permite autonomizar as entradas (a inferior, no plano da fachada longitudinal, e a superior, que se integra na fachada empena, como nas casas de Santana). Estas casas raramente têm mais do que um compartimento por piso, sendo o primeiro a loja, que tem o mesmo volume que os quartos. Na cozinha, que se articula com a loja, onde se guardam diversos produtos de consumo, confecionavam-se e tomavam-se as refeições. A loja, além das alfaias, raramente servia para realizar as refeições, embora também se utilizasse com esse fim em ocasiões de festa, por ter maior dimensão. Além do Curral das Freiras, localizou-se entre a freguesia dos Prazeres e o sítio dos Lombos um modelo com semelhanças arquitetónicas. Este modelo apresenta compartimentação sequencial, no máximo com dois compartimentos sobre uma loja, comunicação entre pisos feita por uma escada interior em madeira, estreita e empinada, resguardada por um alçapão, cozinha sem forno, e uma implantação que resultou da escavação parcial de uma ladeira, o que também ajudaria a libertar um terraço fronteiro e quando possível lateral, que dava continuidade à casa. Casa elementar de dois pisos. Sítio da Ingriota, Lombo das Terças, Ponta do Sol [1996] A casa elementar de dois pisos, na sua identidade mais simples, resulta da sobreposição de um piso com a área de uma casa de piso térreo, que não tem comunicação interior, acedendo-se ao piso superior pelo conjunto escada e balcão, geralmente integrada num topo. Esta escada permitia entrar para uma sala e aceder aos restantes compartimentos através de um meio corredor que está junto à parede tardoz e integra a porta lateral, que dá para o compartimento central, e a porta fronteira, que dá para a cozinha que comunica com o terreno que está ao mesmo nível. O piso inferior destina-se mais uma vez a lojas. A casa linear de dois pisos que mais se terá generalizado aparenta um aspeto mais compacto, portanto, menos longitudinal, tendo-se desenvolvido uma compartimentação no piso superior em cruzeta, ou seja, com quatro divisões sem corredor. O acesso aos compartimentos interiores é feito a partir dos compartimentos da entrada e segue uma hierarquia que distingue as pessoas de fora, que permanecem no espaço da entrada, e os residentes, que avançam pelo compartimento da cozinha ou de transição até ao quarto do casal, isto quando a cozinha é autónoma ou implantada por encosto. Alguns destes exemplos transitam depois para uma casa em esquadria por via da posição da cozinha, formando um L. Curiosamente alguns deles integram um pequeno corredor que autonomiza os quartos, a sala e a cozinha, e introduz maior complexidade. O piso inferior destina-se a lojas ou a um lagar de pedra com o equipamento e o vasilhame. A casa elementar de dois pisos na sua dimensão reduzida e compacta transmite uma expressão da casa antiga. O telhado de quatro águas muito abatido, um contrafeito muito prolongado e a implantação a meia encosta, resultado da escavação para integrar o volume com duas cotas altimétricas acessíveis, sugere uma métrica e uma maneira de construir antiga, relacionada com um longo processo e uma tradição de fazer casas, que vem desde os modelos continentais. Algumas quase parecem pequenas casas torre, pela densidade, pela quase ausência de vãos no piso térreo e pela implantação vigilante na paisagem. O modelo da casa-torre é um dos modelos que diríamos decalcado do modelo da região de Lisboa e que foi registado com idêntica métrica, proporção e espacialidade nos Açores e nas Canárias. Casa torre. Sítio do Jogo da Bola, Lombo Canhas, Ponta do Sol [1996]   Contudo, o caso madeirense apresenta ainda uma variante rara: a cozinha é integrada no piso inferior do torreão e não no volume lateral encostado. Este nem sempre tem três águas como se vê nos modelos continentais, mas isso talvez de deva à adaptação a uma realidade física e sociocultural diferente.   Casa duplicada O modelo da casa duplicada, com dois pisos, está relacionado com o modelo da casa em esquadria, e resulta da associação em paralelo de duas unidades lineares com uma única parede estrutural por permeio, com a cozinha a integrar um dos compartimentos de topo ou a manter-se encostada fora desta associação, mas com ligação interior. Tanto no modelo da casa em esquadria como no modelo da casa duplicada, cada compartimento tem um teto tipo masseira, autonomizado relativamente à armação corrida de quatro águas em madeira. Nas casas de maior capacidade económica, a armação é coberta por um teto único de gesso que tem elementos decorativos, ou então é exibida uma armação e forro de tabuado, com junta de meia cana nas junções das tábuas e com um tapa-pó junto ao frechal, revelando o aprumo da carpintaria, como se fazia na casa em esquadria. A casa duplicada, pela dimensão e o número de compartimentos que apresenta, terá permitido experimentar novas soluções tipológicas, constituindo um modelo de transição para a casa complexa. Esta possibilidade ganha força se se atender ao facto de algumas casas duplicadas se aproximarem, nas dimensões e na volumetria, de outras, mais antigas, que foram designadas anteriormente por complexas, de cobertura de quatro águas, com corredor no primeiro piso e acesso por escada exterior. Contudo, o que distingue o modelo da casa duplicada não é apenas a existência de um corredor que gere as espacialidades, mas a escada interior de que está capacitada. As casas complexas mais antigas são mais compactas, têm uma forma quadrangular e mantêm as dimensões tradicionais do pé-direito. As mais recentes são alongadas, o seu desenvolvimento espácio-funcional é retangular, a altura exterior é maior e o pé-direito é mais amplo nos dois pisos, com especial incidência no superior, onde se destaca uma maior elevação do paramento a partir da linha de padieira da cantaria dos vãos. O conjunto denota outra escala e proporção, um processo construtivo dependente de alinhamentos estruturais, associados aos vãos ordenados a partir de um eixo de simetria. A todo este aprumo não será alheia a exigência estrutural das secções dos madeiramentos para vencerem maiores dimensões. Todos os alçados, mesmo aqueles em que os vãos não integram cantarias, denotam essa rigidez, essa métrica construtiva impositiva, onde está implícita a regularidade das secções e dos comprimentos dos estrados de piso e armação de cobertura, ambos em madeira. Este é um modelo que não foi pensado e construído para poder receber adições, “ou seja, trata-se de uma tipologia acabada, que foi pensada como um todo finito, individual e sem associações possíveis, uma tipologia que talvez nos revele o fim da arquitetura popular em termos de uma potencial cadeia tipológica evolutiva e construída em moldes construtivos artesanais” (MESTRE, 2002, 147).     Casa demerarista A casa demerarista, que resultou do retorno de emigrantes bem-sucedidos da Demerara (posterior Guiana britânica e depois República da Guiana), em finais do séc. XIX, é o corolário do processo de aperfeiçoamento do modelo da casa complexa. A tipologia e a técnica que desenvolve seguem os princípios descritos relativamente às casas complexas, mas com assimilações diversas que as aproximam, na identidade e expressão artística, das casas urbanas que têm múltiplas influências. São um misto de casa de morgado e de casa burguesa, onde sobressaem alguns estereótipos, como os alpendres, as grelhagens e os guardas de balcões de gosto neoclássico, bem como os desenhos de pavimento de seixo rolado abertos a branco em fundo preto. No interior, um amaneiramento e/ou aparato nas zonas de receber e/ou estar, como a saleta de entrada, que antecede o corredor e a sala de jantar; as madeiras de rodapés e lambrins dos compartimentos interiores, alisares, roda-tetos, e a dimensão das portas, que integram grandes bandeiras de vidro, bem como almofadas, expõem alguma exuberância decorativa ou exaltação de cor. As janelas de guilhotina atingem maior dimensão e a quadrícula composta por esbeltos membros é quase uma filigrana. Esta integra ainda um sistema de contrapesos que se oculta num elaborado conjunto, construído à medida da espessura da parede que absorve portadas desdobradas em duas folhas rebatíveis e ocultáveis atrás dos alisares. As almofadas destas portadas estão em continuidade com idêntico trabalho de carpintaria que cobre as paredes frontal e laterais e o fecho superior do interior de cada vão. Este modelo de casa é uma obra completa, previamente planeada; pode mesmo admitir-se que tenha partido de um desenho-projeto ou de esquemas simplificados. O detalhe da carpintaria revela por outro lado a importância das ferramentas utilizadas, não apenas pela tecnologia de que se compõem, mas por incorporarem o desenho da arquitetura nos pormenores construtivos. Na carpintaria, é notória a utilização de um conjunto de ferros instalados em plainas, garlopas, guilhermes e tacos que definem frisos salientes, com diversos geometrismos e incisões de linhas abertas propositadamente, de modo a evidenciar uma determinada expressão artística. Algumas destas obras terão beneficiado das primeiras carpintarias mecânicas com propulsão a vapor, transmitida por correias tensionadas em tambores dispostos num eixo em linha ou terão sido trabalhadas em pequenas carpintarias manuais, depois de receberem as pranchas e os prumos das serras de água ou dos serradores da serra. Trabalhar a madeira em carpintarias para a construção de casas e edifícios urbanos foi uma longa tradição nesta região, que perdurou até meados do séc. XX, primeiro em moldes tradicionais e mecânicos primitivos, depois com a primeira geração da carpintaria mecânica. Para além das casas de Santana e São Jorge, são observadas no centro histórico do Funchal e em alguns núcleos de vilas muitas ampliações de casas, especialmente torres avista-navios, ou o tardoz e as fachadas laterais das mesmas. Esta tradição está ainda presente em aspetos de otimização e composição arquitetónica de que destacamos os rendilhados e lambrequins, que ocultam os estores de lâminas horizontais de madeira, ou os tapa-sóis com a bilhardeira para espreitar o exterior sem ser visto. Mas a construção em madeira porventura mais representativa da região é a casa de fresco, localmente denominada casa de prazer, que se implanta num local fresco, com boas brisas e com boas vistas, sobre os muros dos jardins, em contexto urbano, ou em quintas madeirenses. Estes templetos de jardim, que por vezes revelam detalhes construtivos e uma composição artística de elevado rigor e requinte, são de certo modo o reflexo da identidade dos seus proprietários. O romantismo, com especial relevo para o de influência inglesa, e os estilos mais ou menos evidentemente ecléticos, rivalizam com a expressão da arquitetura tradicional da Região que, sem arrebiques estilísticos, reduz a forma e a composição a um caramanchão com cobertura de telha, onde plantas, flores de suaves odores e tapa-sóis disputam harmoniosamente o seu lugar.   Casas de salão A ilha do Porto Santo e a ilha da Madeira, apesar de terem a mesma origem vulcânica, distinguem-se, geológica e geomorfologicamente. O solo claro da ilha do Porto Santo deve-se ao calcário e respetiva desagregação em arenitos ou pedra de areia, como são conhecidos localmente. A zona central da ilha é tendencialmente plana, interrompida por alguns valados que, devido à fraca pluviosidade, apenas conduzem as águas das enxurradas sazonais, agravando a erosão dos solos. A permanente falta de chuvas, devido a um clima seco influenciado pelos ventos predominantes do Norte de África (de Nordeste e de Norte), e a falta de vegetação nas zonas altas, têm dado lugar a solos pobres em espessura e em matéria orgânica, dificultando a agricultura. Casa elementar de salão. Achada, Serra de Fora, Porto Santo [1996] A casa vernacular que representa o Porto Santo expressa e é consequência do contexto físico da ilha, ainda que outros fatores também influenciem o modelo. Seguindo o mesmo critério de classificação aplicado à ilha da Madeira, trata-se de uma casa elementar, da qual sobressai a cobertura de barro, localmente denominada salão. É uma casa térrea com dois ou, no máximo, três compartimentos. Por vezes, quando se trata de uma casa de lavoura de média dimensão, desenvolve-se linearmente, associando compartimentos com acesso interior ou exclusivamente exterior, como são os casos estudados na Serra de Dentro e no Farrobo de Cima. Um dado curioso, que poderá ter resultado de uma evolução planeada em virtude do número de exemplos conhecidos, é a incorporação de um volume perpendicular num dos topos, formando uma configuração espácio-funcional em esquadria, como os exemplos de Pedregal de Dentro e em Farrobo de Cima. Alguns destes compartimentos, resultantes de adições, destinavam-se a novos quartos e/ou salas, em virtude do aumento da família, em consequência de casamentos e da formação de novos agregados familiares. Contudo, algumas destas configurações arquitetónicas estavam estabelecidas desde a origem da casa e destinavam-se a apoiar a lavoura com estábulos e adegas. Nos casos referidos aproveitou-se um declive do terreno, construindo este volume em cota inferior de modo a prolongar a água da cobertura da casa. Esta solução favorecia a limpeza destes compartimentos: ao manterem uma suave inclinação do piso, os fluidos e os resíduos produzidos escoavam naturalmente para o exterior. A cobertura de salão é constituída por uma armação de toros ou barrotes de madeira formando pendentes de duas ou quatro águas. Sobre esta armação, nos casos mais básicos, dispõem-se feixes de arbustos locais muito bem cruzados e apertados, de modo a formarem uma densa teia, sobre a qual é espalhado o salão, com 7 a 10 cm de espessura. No caso de uma construção feita por alguém com mais capacidade económica, as fibras vegetais são substituídas por um tabuado. A técnica de salão requer cuidados especiais. Desde logo na extração e na limpeza, retirando impurezas e pedras, seguindo-se um período de descanso a céu aberto, antes de ser colocado. Uma vez distribuído uniformemente, é batido ou calcado com uma pá de madeira, sendo borrifado com água, de modo a reagregar uniformemente. As qualidades deste material que incorpora argila, que é o seu elemento agregante mais notável, a par da arte de o utilizar, devem-se a uma longa prática, posta à prova com as primeiras chuvas do ano. Estas, em contacto com a superfície gretada, repleta de linhas de micro e macro fendilhação, agregam os elementos, que rapidamente, e dada a plasticidade destes agregantes, tornam a cobertura impermeável. Ao invés, com o tempo seco, a cobertura retoma a fendilhação e permite a circulação de ar entre o interior e o exterior, favorecendo a ventilação. Estas coberturas proliferaram por todo o Mediterrâneo, desde as ilhas mediterrâneas a toda a costa africana e ilhas das Canárias. A casa complexa de dois pisos e telhados múltiplos é outro modelo singular da ilha do Porto Santo. Localiza-se no único núcleo urbano que lá existe, distinguindo-se pela dimensão e pelos dois telhados dispostos paralelamente. Casa complexa de telhados múltiplos. Vila Baleira, Porto Santo [1996]   O corredor central no piso superior individualiza todos os compartimentos e a escada é exterior. A cozinha é integrada e associa o lar à boca do forno, que se integra pelo exterior. O piso térreo destina-se a lojas e por vezes ao lagar, em alguns casos feito de um tronco de árvore escavado. Na ilha do Porto Santo, predominava uma agricultura de sequeiro, os moinhos de vento testemunham a cerealicultura prevalecente, assim como a técnica do seu armazenamento em silos subterrâneos, que consistiam em covas feitas junto às casas, conforme ocorria também no continente, no Mediterrâneo e nos Açores, silos que, no princípio do séc. XXI, ainda existiam na Serra de Dentro, na Serra de Fora e na Lapeira. Havia ainda um de grandes dimensões, para uso comum, no largo central, que se tornou posteriormente alvo de interesse museográfico.   Casas modernas, o popular e o regional Casa moderna. Sítio do Pico de António FernandesSantana [1996]   O período pós-Segunda Guerra Mundial terá dado início a novo ciclo da arquitetura vernacular madeirense através de uma revisitação organizada aos modelos mais comuns. O ou os protagonistas deste movimento estão por identificar, assim como qualquer documentação que lhe diga respeito. É possível que este esteja relacionado com duas levas de regresso de migrantes: uma que ocorreu entre as guerras, outra que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. A construção de uma rede viária para circulação automóvel, assim como a reorganização urbanística das sedes de concelho, terão propiciado novos bairros e a transformação de terreno agrícola em solo urbano, onde se ergueram novas casas. A investigação feita no terreno comprova a existência de um ciclo construtivo, cujos modelos, denominados casas modernas e datados pelos seus proprietários, mostram um processo repetitivo e organizado. Nos anos 30 do séc. XX, ocorreram significativas alterações no contexto urbanístico e arquitetónico em Portugal. A denominada casa portuguesa, muito propagada e defendida no meio cultural do regime político que se instalara, ressurge no final do séc. XIX, apesar de não ter sido uma ideia consensual. Alguns intelectuais apontaram erros de leitura e o efeito negativo da sua aplicação, por corresponder a um retrocesso e inviabilizar os princípios da arquitetura moderna. Contudo, os defensores da corrente conservadora terão tomado à letra escritos e projetos do arquiteto Raúl Lino (1879-1974) e procuraram nacionalizar a paisagem arquitetónica das cidades, vilas e aldeias de Portugal continental, das ilhas adjacentes e das colónias. A casa de quatro águas, beirais prolongados, alpendre, e aberturas contidas, com integração de arrebiques decorativos nas fachadas, rodeada por jardim, horta e árvores de fruto, de modo a expressar uma pseudorruralidade, ou uma urbanidade rural, adquire estatuto de casa portuguesa, ou de casa em sintonia com uma ideia de portugalidade; pretendia-se, por isso, que este modelo se instalasse desde o Minho a Timor. A ilha da Madeira acolheu este movimento e elegeu os seus protagonistas, que se limitaram a implementar no terreno as diretivas e/ou os projetos que lhes chegaram por via administrativa, embora uns estivessem mais envolvidos ideológica e culturalmente com a causa que outros, que seriam indiferentes à mesma. O arquiteto Edmundo Tavares (1892-1983), adepto das convicções de Raúl Lino, viveu no Funchal entre 1932 e 1939, período durante o qual concebeu projetos para edifícios públicos e para casas que procuravam expressar um enquadramento regional madeirense. Alguns destes exemplos foram publicados no livro Casas Madeirenses de J. Reis Gomes (1869-1950), um intelectual influente na região e partidário da corrente supra mencionada, cuja opinião influenciou diversos autores e vários projetos realizados no Funchal. Também não lhe terão ficado indiferentes as autoridades do setor da administração do território e das obras públicas, assim como os projetistas, de diversa formação; os seus projetos ter-se-ão vestido de novas roupagens arquitetónicas, algumas resultantes da consulta de jornais e revistas que circulavam em repartições públicas, em livrarias e em pequenos ateliês. As obras de Raúl Lino e de Fernando Perfeito de Magalhães (1880-1958), a par do livro de Edmundo Tavares, Vivendas Portuguesas: Projetos, Pormenores, e de ilustrações de sua autoria, escolhidas para a publicação de J. Reis Gomes, exerceram grande influência e terão tido um forte papel no surgimento de um pseudorregionalismo da casa madeirense. Edmundo Tavares, nas palavras prévias à obra Vivendas Portuguesas afirma: “Perversão do gosto das pessoas sem cultura estética, nem consciência nacional” (TAVARES, 1952, 11). O que faz acreditar que a intenção da sua ação seria a de nacionalizar a arquitetura que se deveria construir. Em Casas Madeirenses, publicado em 1937, Reis Gomes refere que num novo bairro do Funchal, levado a efeito pela Junta Geral “as casas seriam recolhidas, tendo um espaço sempre ajardinado à frente da via pública”. Sobre outros prédios previstos para a mesma zona, diz que seriam construídos “em obediência a condições de perspetiva e tipo regional que, tendo a casa portuguesa por base, conta com elementos construtivos e de decoração interna e externa, mais particularmente madeirenses” (GOMES, 1968, 89). No mesmo livro, deixa ainda bem claras as suas convicções sobre a casa madeirense e os seus objetivos: “A casa regional poderia ter nesse bairro, como nos arredores, condições de liberdade para pôr em evidência todo o seu grande pitoresco, superior, ainda ao da casa original, pelas ornamentações do frontispício, onde as notas de forma e cor, e as ligações das cantarias, bem como o emprego de azulejos policromados portugueses e moçárabes vieram juntar-se às características do estilo originário” (GOMES, 1968, 89). E, numa vertente mais específica, continua, para melhor vincar esse caráter distintivo: “E se a tudo isto acrescentarmos o efeito decorativo dos nossos mirantes, balcões e ‘casinhas de prazer’, cobertos de trepadeiras e ornatos de flores, [...] faria deste Funchal moderno um dos mais belos e pitorescos espécimes de bairros novos construídos em qualquer parte do mundo” (GOMES, 1968, 89).   Casa moderna: interior da venda. Santo António, Santana [1996]     Casa moderna e venda. Santo António, Santana [1996] As construções em espaço rural, que surgiram no período entre guerras e principalmente a seguir ao confronto mundial são surpreendentes. Trata-se de réplicas construídas com novos materiais, como o tijolo de cimento e a telha marselha ou em xadrez, igualmente de cimento. São muito discretas as inovações tipológicas registadas; destacam-se as escadas interiores com alçapão de pavimento para uso pontual e os sótãos com acesso intermitente ou com acesso exterior. As paredes construídas com uma fiada de tijolo tornaram-se mais esbeltas e libertaram alguma área. As paredes de alvenaria de pedra continuaram a ser utilizadas em virtude do elevado custo do bloco de cimento. Os pavimentos, os tetos e as armações da cobertura continuaram a ser em madeira, de um modo geral, em pinho da terra. Os sanitários continuaram a não existir ou a estar integrados no interior das casas e as cozinhas mantiveram as configurações anteriores, não dispondo de água, nem de saneamento. Algumas delas integravam chaminés pré-fabricadas com um novo desenho, mas a saia e o lar no seu interior permaneceram arcaicos relativamente ao local do fogo e aos revestimentos. Os desejos de Edmundo Tavares sobre as “exigências da vida atual no que respeita à habitação” (TAVARES, 1952, 12) não foram cumpridos nestas casas, que se ficaram pelas aparências. Casa moderna. Sítio do Jogo da Bola, Lombo - CanhasPonta do Sol [1996]   Estes modelos inscrevem-se no último ciclo da arquitetura madeirense, que culmina e/ou coincide com a atribuição do estatuto de região autónoma à ilha da Madeira (1976). Segue-se um período de transição, onde alguns modelos, instalados no terreno nos anos 1970 e 1980, associados mas não de forma exclusiva à imigração sul-africana e venezuelana, se impõem. Estes substituem centenas de casas rurais, elevando-se em muitos casos em múltiplos andares a partir da cota da estrada até às cotas inferiores das escarpas. Nos começos do séc. XXI, a arquitetura vernacular suscitou algum interesse por parte dos seus proprietários antigos ou de novos, que começaram a procurar o caminho da reabilitação, alguns investindo em arquitetos reconhecidos pela sua atividade na conservação e readaptação das casas de tradição, por manter o uso antigo ou por adaptar as casas a pequenas unidades hoteleiras, contribuindo, com a indicação de materialidades que ajudam a sustentar um discurso votado à identidade insular e ao património local, para o processo de reinvenção e reinterpretação de valores culturais que ocorreram nas ilhas da Madeira e do Porto Santo.   Victor Mestre fotos: Arquivo Rui Carita (atualizado a 05.01.2017)

Arquitetura

darwin, charles robert

Charles Darwin nasceu a 12 de fevereiro de 1809 em Shrewsbury no condado de Shropshire a uns 35 km de Birmingham como quinto filho de Robert Darwin e Susannah Wedgwood (Desmond & Moore, 1992). Ambos os pais advinham de famílias com tradições académicas e comerciantes. O seu pai era um médico abastado, o seu avô paterno Erasmus Darwin foi filósofo e abolicionista, e o avô materno Josiah Wedgwood industrial e também abolicionista. A partir dos 8 anos de idade Darwin atendeu a escola de Shrewsbury (Darwin & Barlow, 1958; Desmond & Moore, 1992) como aluno interno. Em 1825 com 16 anos ingressou na Escola Médica da Universidade de Edimburgo embora não se tenha aplicado muito nas matérias centrais, preferindo a história natural e o museu da Universidade. Isso motivou o pai a mandá-lo para a Universidade Cambridge ao “Christ’s College” em 1827 (Van Wyhe, 2014, p. 20) para prosseguir uma carreira de religioso anglicano. Darwin chegou a Cambridge em janeiro de 1828 aos 18 anos de idade (Van Wyhe, 2014, p. 27). Mas mesmo aqui dedicou grande parte à história natural e caça, embora tenha obtido boas notas nos exames finais. Incitado pelo seu primo mais velho William Darwin Fox (1813-1881) começou a colecionar sistematicamente escaravelhos (Van Wyhe, 2014, p. 42). Foi em Cambridge que Darwin conheceu o então já distinguido mas jovem professor revd. John Stevens Henslow (1796-1861) padre, botânico e geólogo (Barlow, 1967; Walters & Stow, 2001). No seu segundo ano universitário Darwin começou por ser um visitante regular dos serões científicos em casa de Henslow (Van Wyhe, 2014, p. 76) tornando-se seu seguidor e depois amigo. De 1829 a 1831 assistiu à cadeira de botânica por ele lecionada "Botanical Lectures” (Henslow, 1829, p. 77; Van Wyhe, 2014) e ajudou na preparação das aulas práticas e na recolha e herborização de plantas britânicas sendo considerado favorito de Henslow (Van Wyhe, 2014, p. 89). Henslow prestava atenção à variação intraespecífica das plantas, ao contrário do costume praticado na época, identificando cada espécimen com data, local e nome do recolector, prática que influenciou os seus alunos, entre eles Darwin (Kohn et al. 2005). Em janeiro de 1831 Darwin completou o seu Bachelor of Arts (BA) como décimo de 178 candidatos (Hodge & Radick, 2009, p. 27; Van Wyhe, 2014, p. 93). Para obter o título faltava-lhe atingir o número de trimestres residentes obrigatórios, tempo que, sem a pressão das aulas, teve a oportunidade de se aproximar mais ainda de Henslow, jantando com ele regularmente e acompanhando-o em saídas de campo (Van Wyhe, 2014, p. 96). Foi nesta fase que, inspirado pelo relato de viagem de Humboldt (Von Humboldt, 1865), começou a planear com Henslow uma excursão a Tenerife nas ilhas Canárias com a finalidade de ver um ambiente mais tropical (Hodge & Radick, 2009, p. 27; Van Wyhe, 2014, p. 96). Muito embora tenha mesmo iniciado aulas de espanhol a excursão acabou por nunca se realizar. Em meados de agosto de 1831, no regresso de uma excursão geológica ao norte do País de Gales com o famoso professor geólogo Adam Sedgwick, Darwin recebeu uma carta de Henslow oferecendo-lhe o lugar de naturalista a bordo da brigue HMS Beagle numa viagem de levantamento hidrográfico à volta do mundo. De fato Darwin não foi a primeira escolha para essa posição. O convite inicial tinha sido formulado pelo comandante da expedição cap. Robert FitzRoy (1805-1865) ao seu superior hierárquico na marinha Francis Beaufort (1774-1857) o qual o enviou a Cambridge ao professor de matemática e astronomia George Peacock (1791-1858) a fim deste sugerir uma pessoa indicada com experiência nas ciências naturais. Peacock pensou primeiro no próprio Henslow o qual não pôde aceitar, sugerindo o entomólogo pastor Leonard Jenyns (1800-1893) e depois deste também não aceitar, sugerindo Darwin (Van Wyhe, 2013; Van Wyhe, 2014, p. 104). Depois de convencer o seu pai, Darwin aceitou ser o naturalista oficial da expedição, partilhando a cabina com o comandante (Van Wyhe, 2013). A única condição que Darwin impôs para aceitar a nomeação foi a de que possa desistir da expedição a qualquer momento e de que custearia a sua cota parte da alimentação (Fitzroy, 1839, v. 1, p. 19; Van Wyhe, 2013). Darwin manteve assim a sua independência da hierarquia naval, não recebendo salário e custeando também o material de trabalho e envio de espécimes para o Reino Unido. Várias cartas de Darwin (Burkhardt & Et Al., 1985-2014, cartas [117, 118, 120, 121,122, 147, 158]) documentam a intenção de que a primeira paragem programada do Beagle com duração de uma semana seria no Funchal na Madeira. No seu relato da viagem FitzRoy (Fitzroy, 1839, p. 22) enumera as ordens de itinerário que diziam explicitamente que o navio deve aportar “(…) sucessivamente na Madeira ou Tenerife; Cabo Verde; Fernão de Noronha; Estação na América do Sul (…)”. A justificação para que isso não tenha acontecido é também dada por FitzRoy (Fitzroy, 1839, pp. 46-47). Os ventos mudaram subitamente para sudeste acompanhados de vagas grandes e dificultando a passagem do Beagle a sul do Porto Santo e a sua entrada na travessa entre a Madeira e as Desertas. Tinham avistado o Porto Santo no dia 04 de janeiro de 1832, e passaram a poucas léguas da Madeira (1 légua inglesa corresponde a cerca de 3 milhas náuticas). O comandante optou por tomar rumo a Tenerife tendo avistado as Selvagens na manhã seguinte e chegando a Tenerife nesse mesmo dia. Numa carta datada de 6 de setembro de 1831 à sua irmã Susan Elizabeth (1803-1866) (Burkhardt & Et Al., 1985-2014, carta [119]), Darwin reforça a ideia de que ele está livre de abandonar a expedição quando bem entender, mas que se desengane a irmã se pensar que ele irá regressar já a partir da Madeira, pois desde que lhe subsista um pedaço de estômago, ele não irá desistir. De fato Darwin passou muito tempo enjoado a bordo do Beagle, não sendo claro se chegou a ver alguma ilha do Arquipélago da Madeira. Mas mesmo em Tenerife não puderam desembarcar devido a uma quarentena de 12 dias imposta aos navios oriundos do Reino Unido onde havia uma epidemia de cólera (Fitzroy, 1839, p. 48). Nem ancoraram e zarparam imediatamente em direção a Cabo Verde, pisando terra firme pela primeira vez em Santiago/Cabo Verde no Porto da Praia a 16 de janeiro. A restante viagem do Beagle está descrita em muitas obras sendo os relatos originais os de Darwin e FitzRoy (Darwin, 1839; Fitzroy, 1839, v.2). A circunavegação levou o navio a Fernando de Noronha, Baia, Abrolhos, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Montevideo, Ilhas Malvinas, Cabo Horn e Estreito de Magalhães, costa pacífica da América do Sul, Galápagos e outras ilhas no Pacífico, Nova Zelândia e Austrália, Ilhas Cocos e Maurícias e regressando pelo Cabo da Boa Esperança, as ilhas de Santa Helena e Ascensão, e de novo Brasil, Cabo Verde e Açores. Chegaram aos Açores a Angra do Heroísmo na ilha Terceira, permanecendo de 19 a 25 de setembro, pararam em S. Miguel para a recolha de correspondência e seguiram em ruma à Inglaterra (Darwin, 1839, pp. 594-598). A 2 de outubro de 1836 o Beagle ancorou em Falmouth após uma ausência de 4 anos e nove meses, chegando pouco depois a Plymouth e Londres (Fitzroy, 1839, p. 638). Darwin desembarcou em Falmouth (Darwin, 1839, p. 598). Regressou a Cambridge e depois Londres para trabalhar em colaboração com outros naturalistas na publicação do vasto espólio que recolheu durante a viagem. A 29 de janeiro de 1839 Darwin casou com a sua prima Emma Wedgwood (Darwin & Barlow, 1958, p. 82; Van Wyhe, 2014, p. 111) e em 1842 tomou residência no meio rural do sudeste de Londres em Down House (Darwin & Barlow, 1958, p. 114). Nunca mais viajou ao estrangeiro. Ao todo Darwin escreveu 16 livros sem contar com reedições (Freeman, 1977, p. 9). A primeira obra em que Darwin se empenhou depois da viagem do Beagle foi a Zoologia da Viagem do Beagle publicada em vários volumes entre 1838 e 1843 (Freeman, 1977, p. 26). Em paralelo trabalhou na narrativa da viagem publicada em 1839 (Darwin, 1839), revista posteriormente (Darwin & Barlow, 1958, p. 116) e publicada como Diário das Investigações (Darwin, 1845). Nesta obra, de índole mais genérica e popular, a Madeira praticamente não é mencionada. Este é o livro mais lido de Darwin e o qual estabeleceu a reputação internacional de Galápagos como arquipélago de Darwin. Darwin depois concentrou-se na geologia com obras ainda hoje importantes sobre a formação dos recifes de corais (Darwin, 1842) ou as ilhas vulcânicas (Darwin, 1844). Nesta última obra a Madeira não é também mencionada, pese o fato de Darwin ter lido e se inspirado nos trabalhos de Charles Lyell (Lyell, 1840) o qual esteve na Madeira e escreveu sobre a sua geologia (Lyell, 1854). Outras obras emblemáticas de Darwin não relacionadas diretamente com evolução são os seus trabalhos sobre cirrípedes (Darwin, 1851; Darwin, 1854), trabalhos sobre botânica como o sobre a fertilização de orquídeas (Darwin, 1862), e uma biografia do seu avô Erasmus (Krause & Darwin, 1879). No entanto, são as obras relacionadas com a teoria da evolução que ficaram mais conhecidas. O livro sobre a variação sobre domesticação (Darwin, 1868) é já um prenúncio da sua teoria. Segundo as palavras de Darwin a viagem do Beagle foi o mais importante evento da sua vida e determinante para toda a sua carreira (Darwin & Barlow, 1958, p. 76). As ilhas Galápagos forneceram das primeiras ideias para a teoria que viria a publicar. O vice-governador da Ilhas Nicholas Lawson tinha-o informado de que as tartarugas diferem de ilha para ilha, e de que ele seria capaz de identificar a ilha da qual cada uma é originária (Darwin, 1845, p. 394). Devido a isso Darwin prestou mais atenção à recolha de espécimes, admiravelmente não aos famosos tentilhões-de-Darwin, mas sim aos mockingbirds, os sabiás de Galápagos (Sulloway, 1982). A ideia de que as espécies não são estáveis tinha emergido (Darwin, 1963, p. 262). Cada ilha do arquipélago alberga um conjunto diferente de espécies. A obra mais importante de Darwin A origem das espécies (Darwin, 1859; Darwin, 2009) foi publicada em 1859, um ano depois da publicação conjunta com Alfred Russel Wallace de um esboço da teoria (Darwin, 1858; Darwin & Wallace, 1858; Wallace, 1858). Darwin tinha passado cerca de 20 anos a recolher sistematicamente informação para fundamentar a sua teoria. É esta recolha sistemática de informação que coloca a Madeira numa posição de vanguarda como fonte de suporte para a teoria. Em dois ensaios inéditos escritos muito antes da publicação da A origem das Espécies (Darwin, 1909 [1842-44]), Darwin esboçou a sua teoria da Seleção Natural pela primeira vez. Aí Darwin somente menciona a Madeira duas vezes: uma para suportar a afirmação de que espécies usualmente migradoras como a galinhola o deixam de ser quando vivem em ilhas oceânicas (Darwin 1909[1842-44], p.120), e a outra para afirmar a dificuldade que mamíferos têm em colonizar ilhas distantes muito embora essas ilhas proporcionem ambientes favoráveis ao seu desenvolvimento como o provam os coelhos introduzidos na Madeira (Darwin, 1909[1842-44], p. 172). A primeira edição da Origem (Darwin, 1859) menciona Galápagos 17 vezes mas a Madeira 20 vezes, os Açores 4, e as Canárias também 4 vezes. A 6 edição que representa o texto final da obra (Darwin, 1876) menciona Galápagos 22 vezes mas a Madeira 32 vezes, os Açores 8, e as Canárias 6 vezes. Esta simples métrica demonstra bem a importância que a natureza da Madeira deteve para aquilo que é a mais importante teoria da biologia com repercussões enormes mundiais, e especialmente sobre a nossa visão da natureza do ser humano. Porque é que a Madeira se destaca como fonte de exemplos insulares? A razão reside em Cambridge e no núcleo de estudantes e académicos em torno do prof. revd. John Stevens Henslow. Henslow. Henslow, um brilhante aluno, educou-se no colégio de St.John em Cambridge e graduou-se em 1818. Em 1822, com apenas 26 anos de idade, foi nomeado professor de mineralogia e em 1822 de botânica, resignando da cátedra de mineralogia 1827 e mantendo a de botânica. Um dos seus alunos foi Richard Thomas Lowe (1802-1874) (Nash, 1990), o qual se tinha matriculado em Cambridge em 1821 graduando-se em 1825. Lowe visitou a Madeira pela primeira vez em 1826 por pouco tempo (Nash, 1990, p. 6), e a segunda vez de 1828-1830 (Nash, 1990, pp. 12, 23). Tomou residência permanente na Madeira, com interrupções entre 1831-1852 sendo capelão anglicano no Funchal entre 1832-1852, mas regressando posteriormente várias vezes. Lowe foi provavelmente aquele naturalista que mais contribui para o conhecimento da flora e fauna da Madeira, tanto marinha como terrestre, tendo publicado inúmeros tratados e estudos sobre a mesma, todos publicados na Inglaterra. Enquanto estudante em Cambridge, ao que parece, não chegou a conhecer Darwin pessoalmente. O segundo aluno de Henslow foi Thomas Vernon Wollaston (Machado Carrillo, 2006) o qual se matriculou em 1841 e se graduou 1845, obtendo ainda o MA em 1845. Foi amigo pessoal de Darwin e de Lowe. Também ele trabalhou na Madeira tendo sido introduzido à ilha por Lowe. Foi um dos grandes entomólogos e malacologistas e os estudos mais detalhados da época sobre a fauna dos coleópteros e dos caracóis terrestres foram produzidos por ele (Wollaston, 1854; Wollaston, 1878). As obras destes dois destacados naturalistas representavam, na altura, o que de melhor se fazia sobre fauna e flora de ilhas, e Wollaston, viajando entre Cambridge e Funchal, levava notícias atualizadas à Inglaterra (Nash, 1990, p. 111). Darwin tinha pois conhecimento detalhado dos estudos sobre fauna e flora da Madeira e não é de admirar que tenha usado esse conhecimento para fundamentar a sua Origem da Espécies. Um levantamento da correspondência de Darwin em que os intervenientes abarcam temas relacionados com a Madeira mostra que o pico das referências se situa entre os anos de 1855-1862 (Dellinger, 2009a). Os exemplos da Madeira citados por Darwin (Dellinger, 2009b) foram variados. Em primeiro lugar realçou a semelhança entre a fauna de insetos da Madeira e da Europa continental (Darwin, 1876, p. 38). Em segundo lugar argumentou que variedades podem sobreviver por muito tempo, usando como exemplo os caracóis subfossilizados das Dunas da Piedade e do Porto Santo (Darwin, 1876, p. 42). Citou também Oswald Heer e a similitude da laurissilva da Madeira com a vegetação da Europa Terciária (Heer, 1857; Darwin, 1876, p. 83). O exemplo de suporte à seleção natural, a parte central da sua teoria da evolução, vem de novo do mundo dos insetos em que cita Wollaston para mostrar que, em ilhas, as formas aladas são em número inferior do que em faunas continentais, e que, quanto mais pequena a área da ilha, a probabilidade de sobrevivência de formas aladas se reduz por serem transportados pelo vento para o mar onde acabam por morrer (Darwin, 1876, p. 109). Darwin argumenta também que o isolamento aumenta a probabilidade das espécies diferirem, dando como exemplo a Madeira em que os escaravelhos e caracóis terrestres diferem bastantes das continentais, enquanto que os caracóis marinhos e as aves do mesmo arquipélago o não fazem (Darwin, 1876, pp. 291, 349). A razão desta diferença é que o meio marinho ou a capacidade de voar grandes distâncias reduzem o isolamento relativo. Para sublinhar isso cita o enxame de gafanhotos que assolou a Madeira em 1844 (Darwin, 1876, p. 327), ou o número de aves terrestres ocasionais avistadas na Madeira (Darwin, 1876, p. 348), justificando que devem ser os ventos que os transportam. Darwin realça também o fato de que ilhas oceânicas albergam menos espécies do que áreas continentais, mas que têm uma maior taxa de endemismos. É aqui que Darwin faz a única comparação direta entre a Madeira e Galápagos, equiparando a proporção de espécies endémicas de caracóis terrestres na Madeira com as aves terrestes em Galápagos (Darwin, 1876, p. 348). No entanto existem diferenças taxonómicas: anfíbios não são encontrados normalmente em ilhas oceânicas muito embora, quando são introduzidos, consigam sobreviver bem nelas com se observa na Madeira (Darwin, 1876, p. 350). O último exemplo da Madeira serve para reforçar o isolamento relativo das espécies de caracóis terrestres do Porto Santo em relação à Madeira. Muito embora grandes quantidades de pedras de cal são transportadas do Porto Santo à Madeira, e muito embora caracóis vivam debaixo de pedras e nas suas fissuras, as faunas de caracóis existentes nas das duas ilhas são distintas (Darwin, 1876, p. 357). A lógica da argumentação na Origem da Espécies, que Darwin chamou de “um longo argumento”, em especial quanto à importância dos exemplos insulares, está bem delineada e analisada em Gould (Gould, 2002, p. 59). Das obras subsequentes de Darwin, a mais destacada foi aquela que, de forma explícita, alargou a sua teoria ao ser humano (Darwin, 1871). Darwin faleceu na sua casa em Down House, condado de Kent, a 26 de abril de 1882, estando enterrado em Londres na Abadia de Westminster (Van Wyhe 2014, p. 118). Embora revolucionária para a época, a teoria de Darwin foi relativamente bem aceite a nível mundial nas duas décadas subsequentes à sua publicação. Em Portugal “(…) a teoria Darwiniana conheceu (…) dificuldades de implantação” (Pereira, 2001, p. 66) recentemente superada com o bicentenário do seu nascimento. Quanto à Madeira ainda falta um estudo historiográfico do impacto de Darwin que inclua toda a sociedade madeirense e não somente os naturalistas estrangeiros radicados na Madeira. No entanto o papel da Madeira como fonte de exemplos para a teoria da evolução está bem estabelecido.   Thomas Dellinger (atualizado a 25.07.2016)

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