Mais Recentes

archais, associação de arqueologia e defesa do património da madeira

A ARCHAIS nasceu a 15 de abril de 1998. A sua atuação engloba a área da arqueologia e luta pela defesa do património cultural. Como obra fundamental de arranque, realizou o projeto cultural do Solar do Ribeirinho, em Machico, distinguido com o prémio APOM, da Associação Portuguesa de Museologia. Realizou inúmeros encontros, seminários e publicações diversas. Palavras-chave: arqueologia; associações culturais; defesa do património; inventários; recriações históricas.   A ARCHAIS, acrónimo da Associação de Arqueologia e Defesa do Património da Madeira, inspirado na palavra grega Arkhais que significa “antigo”, nasceu a 15 de abril de 1998, data em que formalmente registou os seus estatutos, então com sede no Sítio do Povo, em Gaula, Santa Cruz. A ARCHAIS surgiu na sequência de uma série de associações deste âmbito que proliferaram em Portugal continental e na ilha da Madeira durante as décs. de 80 e de 90, mas quase sempre, por razões de ordem vária, quer políticas quer sociais, de duração efémera. Os sócios fundadores foram Arlindo Quintal Rodrigues, Richard da Mata e Élvio Sousa. A associação assumiu-se desde logo como sociedade sem fins lucrativos, apartidária e não religiosa, visando desenvolver na RAM uma série de atividades de forma a defender os valores relacionados com a arqueologia e com o património, e a enriquecer o espírito de grupo e a cidadania. Os elementos fundadores já se encontravam a trabalhar desde 1997 pelo menos, procurando fazer um diagnóstico da situação do património cultural a nível regional. Foi com base nesse diagnóstico que vieram a assumir intervenções em várias frentes, especialmente na promoção de campanhas e de trabalhos na área da arqueologia, criando, inclusivamente, não só uma escola de arqueologia para o ensino, a formação e a promoção das campanhas a efetuar, e a promoção de cursos técnicos de introdução e de iniciação à arqueologia, à conservação e ao restauro, mas também visitas de alerta para a preservação geral do património cultural material do passado. No final da primeira década do séc. XXI, foi lançado o Portal do Arqueólogo, dedicado a todos os profissionais da área da arqueologia. Este serviço pretendia facilitar e agilizar os procedimentos decorrentes da prática profissional da arqueologia no território continental e promover a dinâmica entre a tutela do património arqueológico e o trabalhador/investigador. A obra fundamental de arranque do projeto cultural da ARCHAIS foi o trabalho de arqueologia desenvolvido a partir do Solar do Ribeirinho, em Machico, coordenado pelo Prof. Arlindo Rodrigues, que se estendeu a outros locais da cidade, tendo depois o solar sido transformado em museu, com projeto do arquiteto Vítor Mestre, que, em 2016, foi distinguido com o prémio APOM, da Associação Portuguesa de Museologia. Solar do Ribeirinho. Tapete.     Escavação Junta de Freguesia de Machico   Foi no projeto de escavação da área do solar que se alicerçaram, de imediato, outras iniciativas, tal como a realização do I Encontro Regional de Arqueologia e Património, no Funchal, a 26 e 27 de abril de 2000, cujos conteúdos foram depois publicados no Livro Branco do Património (2003). Outros encontros seguiram-se, e.g.: Legislação e Património, Arqueologia e História e Mesa-Redonda sobre a Nova-Lei de Bases do Património. Partindo da premissa de que publicar seria a melhor forma de defender e de valorizar o património e o trabalho desenvolvido, foram sendo dados à estampa não só vários estudos temáticos, tais como A Propósito do Solar do Ribeirinho (2000) e Iluminação Pública em Machico (2001), mas também inventários gerais de património de cidades e de freguesias da Região, com o apoio fundamental das Câmaras Municipais e de outras instituições.   As atividades de defesa do património da ARCHAIS estenderam-se ainda ao património cultural e ao imaterial, tendo-se tais ações integrado especialmente nos chamados mercados quinhentistas (recriações históricas muito divulgadas por toda a Europa desde os finais do séc. XX, de que o mercado de Machico se tornou paradigmático na Região). Estes eventos começaram com vários elementos ligados à Associação, com o apoio da Câmara de Machico e da Escola Básica e Secundária de Machico, quer na orientação dos professores quer na participação dos alunos, tendo-se alargado progressivamente. Naqueles mercados quinhentistas organizaram-se também colóquios sobre o património cultural imaterial que, embora não surgissem com a chancela da ARCHAIS, tinham a sua marca de origem. A atividade da ARCHAIS é indissociável da revista Ilharq, cujo n.º 0 apareceu em 2000 e o n.º 1, em 2001,e que abarca um amplo leque de temas, especialmente na área do património arqueológico. A partir do seu n.º 8, a revista começou a apresentar uma periodicidade bianual com o apoio da Câmara Municipal de Machico, e a ARCHAIS começou a ter a sua sede na antiga escola do Sítio dos Maroços, em Machico. O n.º 11 foi apresentado no Solar do Ribeirinho, a 11 de dezembro de 2015, reunindo um conjunto de artigos sobre o concelho de Machico, e revelando temáticas tais como a história regional e local, o património arquitetónico, a arte, a azulejaria, a etnografia, as tradições e as vivências quotidianas. Desde o nascimento da ARCHAIS, em 1998, foram sendo publicados também boletins informativos, acompanhados de imagens das atividades da Associação, tendo os primeiros boletins começado com uma periodicidade quadrimestral, evoluindo para uma periocidade semestral, e acabando, finalmente por se tornar anuais. A atividade da Associação, embora gozando do apoio de inúmeras personalidades nacionais ligadas à arqueologia, pretendendo intervir em toda a Ilha e arvorando-se de valores da cidadania participativa, encontrou alguma dificuldade no Funchal, devido a também existirem naquele local outras estruturas regionais e concelhias relacionadas com a área da arqueologia. Acresce que, embora assumindo-se como não partidária pelos seus estatutos, teria sido no seio desta associação, ou pelo menos com elementos ligados à mesma, que surgiu a formação partidária Juntos pelo Povo (Partidos políticos), que conquistou rapidamente representação autárquica e regional. Nesse sentido e torneando essas dificuldades, a ARCHAIS e os elementos ligados à mesma apostaram na diversificação de polos de desenvolvimento, fundando, por exemplo, o Centro de Estudos em Arqueologia Moderna e Contemporânea (CEAM), que, em união com outras entidades, desenvolveram projetos alternativos e apostaram em interessantes iniciativas vocacionadas para as camadas mais jovens (e.g., os chamados Giro de Património e os roteiros juvenis), com bastante sucesso. Estas ações, que pretendiam divulgar a realidade patrimonial local numa perspetiva de sensibilização para a necessidade de proteger, de preservar e de valorizar a mesma, conseguiram assim estender-se a quase toda a Ilha, inclusivamente às várias freguesias do Funchal, com o apoio das respetivas juntas de freguesia. O primeiro Giro, intitulado Património Histórico de Machico, editado com o apoio da Câmara Municipal de Machico, com textos de Isabel Gouveia e de Virgínia Nóia, e com design de Ricardo Caldeira, teve edição em abril de 2000; seguiu-se-lhe o Giro pelo Património Edificado de Santa Cruz, em 2001, com o mesmo design, texto de João Lino Pereira Moreira e fotografias de Élvio Duarte Martins Sousa. O sucesso da iniciativa levou a que ambos estes giros tivessem nova edição, seguindo-se, ainda em 2001, o Giro pelo Património Edificado da Ponta do Sol, com texto de Emanuel Gaspar e com o apoio da respetiva Câmara. Seguiram-se o Giro pelo Património Cultural de Santana, em 2002, e o Património Edificado da Ribeira Brava e Histórico-Arquitetónico da Calheta, em 2004, tendo sido depois promovidos, nas freguesias do Funchal, o Histórico de Santa Maria Maior, em 2005, o Histórico da Sé, em 2006, o Histórico de São Pedro, também em 2006, e o Histórico do Monte, em 2007. A ARCHAIS lançou ainda, em formato de livros de bolso, facilmente consultáveis em caminhadas, vários roteiros culturais das freguesias da zona leste da Madeira: o do Caniçal, o do Santo da Serra, o da Água de Pena, o do Porto da Cruz, o de São Jorge, e o de Gaula e de Caniço, entre outras.   Rui Carita (atualizado a 03.01.2017)

Arquitetura Património Madeira Cultural

zona franca ou centro internacional de negócios da madeira

A criação da Zona Franca da Madeira (ZFM), que veio também a ser designada por Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), resultou de um conjunto de circunstâncias e causas de natureza diversa, sendo umas remotas e outras próximas: por um lado, as aspirações ancestrais dos madeirenses, fundadas na existência de um porto franco de consumo existente nas ilhas Canárias, e, por outro, o movimento que, sob a égide da Associação Comercial e Industrial do Funchal (ACIF), conduziu, face à situação da economia da Madeira na década de 70 do séc. XX, à reflexão do modelo de zona franca mais adequado e consentâneo com as características geográficas, geológicas, morfológicas, económicas e sociais da Madeira. Este desiderato havia já sido ensaiado através da lei n.º 265, de 24 de julho de 1914, que autorizou o Governo a adjudicar a construção e a exploração duma zona franca na Madeira que seria instalada no local julgado mais conveniente por uma comissão técnica, durante 60 anos. Na zona franca, seriam permitidas todas as operações de beneficiação, empacotamento e transformação dos géneros do arquipélago da Madeira em outros produtos comerciáveis, com a exceção do vinho, beneficiando de isenção de direitos para embarcar, desembarcar e depositar aqueles géneros, isenção que não abrangia o cacau e o azeite não destinado a conservas. A zona franca ficava sujeita ao regime fiscal dos armazéns gerais francos, aprovado pelo dec. de 27 de maio de 1911, e a sociedade adjudicatária garantia as suas obrigações legais e contratuais nos termos previstos pela lei de 13 de junho de 1913, que havia autorizado a construção e a exploração de um porto franco em Lisboa. Esta iniciativa legislativa não foi prosseguida e, na déc. de 1970, a ACIF levou a cabo as providências necessárias ao apuramento e à definição do modelo da zona franca mais adequado à Madeira com base nesta dicotomia: uma zona franca comercial ou de consumo, como a das Canárias, ou uma zona franca empresarial, como na Irlanda e nas ilhas do Canal. Para esse efeito, a ACIF promoveu, em 1974, a realização de um estudo da viabilidade e oportunidade da criação de uma zona franca, sustentado em inquérito destinado a recolher a opinião de largos sectores da população sobre o projeto, tendo sido consultados todos os organismos oficiais, os representantes dos vários sectores da vida económica da Região, bem como outros profissionais de diversas atividades. Neste inquérito, a área abrangida pela zona franca admitia três hipóteses: um porto franco, uma zona franca extensiva a toda a ilha da Madeira, ou uma zona abrangendo todo o arquipélago da Madeira. Assente em participação ativa e relevante das entidades consultadas e nos resultados desse inquérito, a ACIF assegurou a elaboração de um estudo prévio, cujo texto provisório foi colocado à apreciação e discussão em 1975, através da consulta às entidades e aos profissionais já auscultados no inquérito anteriormente realizado. O texto preliminar e provisório desse estudo foi publicado na íntegra na imprensa diária, tendo, assim, o debate sido alargado a toda a população. O texto definitivo do estudo prévio resultou da inserção dos contributos obtidos através das diligências efetuadas, contendo uma análise das vantagens advenientes da criação da zona franca – então referenciada como regime de franquia aduaneira –, bem como um projeto de diploma legal e respetivo regulamento atinentes ao correlato regime. Este estudo foi apresentado, em 1975, à então Junta de Planeamento da Madeira, a qual entendeu que, dada a natureza e a importância de que o projeto se revestia, devia o mesmo ser objeto de aprofundamento através de uma entidade internacional especializada na matéria. A ACIF, tendo em consideração que o estudo em causa devia abranger uma perspetiva global, integrada e de longo prazo da economia regional, obteve propostas de três empresas especializadas: a americana International Finance Consultants, a britânica M. L. H. Consultants Ltd e a alemã Agrar und Hydrotechnik, cujos representantes se deslocaram à Madeira para a prestação de esclarecimentos sobre as propostas apresentadas, em reuniões em que também participaram os vogais para o Planeamento e Finanças e para a Indústria, Agricultura e Pescas da então Junta Regional da Madeira. Em 1976, a realização do estudo foi adjudicada à sociedade International Finance Consultants, a qual apresentou o estudo em 1977, tendo o mesmo sido objeto de ajustamentos face ao pedido formulado em 1978 pelo Governo da República de adesão do país à então Comunidade Económica Europeia. Com base neste estudo e nas diligências efetuadas junto do Governo da República, foi, em 1980, criada a Zona Franca da Madeira visando satisfazer uma velha aspiração dos Madeirenses e tendo como pressupostos a especial situação geoestratégica da Madeira, onde se conjugam as características específicas da economia regional com a sua peculiar configuração sócio-política, de molde a facultar o aparecimento de novos sectores voltados para o desenvolvimento económico e social da Região. Na iminência da criação da zona franca, o conselho do Governo regional procedeu à definição da localização e demarcação da área onde a mesma seria instalada, tendo a escolha recaído na freguesia do Caniçal, em território que se delimitava, devido aos princípios e orientações do ordenamento territorial da zona litoral, entre o Garajau e a Ponta de São Lourenço, pela pertença de imóveis afetáveis da Região na referida freguesia, pela localização do aeroporto, pela melhoria do eixo rodoviário que o liga ao Funchal, e pela previsível construção de viadutos previstos sobre as ribeiras em Santa Cruz e no Porto Novo. Em 1988, o Governo regional voltou a pronunciar-se sobre os critérios de implementação da Zona Franca Industrial, tendo em consideração os interesses legítimos do agregado populacional do Caniçal, a localização definitiva das instalações escolares e desportivas, a existência de um porto de pesca e os campos agrícolas experimentais do Governo. Nessa primeira data, ficou assente que seriam definidos posteriormente o regime jurídico-fiscal aplicável, a natureza, o âmbito territorial e as características da zona franca, bem como a regulamentação da atividade nela desenvolvida, tendo em consideração os condicionalismos resultantes das negociações encetadas para a adesão de Portugal à então CEE. Essa definição foi efetuada em 1982, ficando determinado que poderiam ser autorizadas, na zona franca, todas as atividades de natureza industrial, comercial ou financeira, sendo os pedidos de instalação das empresas apreciados e decididos com base em dois parâmetros fundamentais: a idoneidade da firma impetrante e o interesse económico da atividade a desenvolver. Nessa mesma data, ficou a zona franca industrial definida como um enclave territorial onde as mercadorias que nele se encontram são consideradas como não estando no território aduaneiro para efeito de aplicação de direitos aduaneiros, de restrições quantitativas e de mais imposições ou medidas de efeito equivalente. A zona franca deveria ser exteriormente resguardada por uma vedação, de harmonia com o disposto no Código da Reforma Aduaneira, e disporia de uma estância aduaneira e de um posto fiscal próprios, que vieram a ser criados em 1990. A regulamentação operada teve em atenção as normas comunitárias concernentes ao funcionamento de zonas francas e ao denominado regime de aperfeiçoamento ativo, em subordinação ao princípio de conformação das disposições legais aplicáveis à zona franca ao ordenamento jurídico comunitário. Nesse mesmo ano, foi constituída a comissão instaladora da ZFM, composta por dois representantes do Governo regional da Madeira e dois representantes – um efetivo e um suplente – da ACIF. O período compreendido entre 1982 e 1985 foi dedicado à conceção e definição do regime fiscal da zona franca e da sua administração e exploração em regime de concessão. Assim, em 1985, foi aprovado um regime fiscal que se traduziria num sistema contratual de usufruição dos benefícios fiscais, fortemente inspirado pelo regime constante do Código de Investimento Estrangeiro então vigente, mas, que, por não corresponder à proposta apresentada pelo Governo regional ao Governo da República, foi substituído, seis meses depois, por novo decreto-lei, que consagrou o princípio da usufruição automática dos benefícios e incentivos fiscais e financeiros pelas empresas, logo após o seu licenciamento no âmbito da zona franca. Na conceção do regime de incentivos foi tido em consideração o disposto no Tratado de Roma relativamente ao desenvolvimento regional e as regras de salvaguarda da distorção da concorrência no seio da Comunidade Económica Europeia. Paralelamente, a Assembleia Regional da Madeira aprovou o regime de administração e exploração da ZFM, autorizando o Governo a adjudicar, em regime de concessão e com dispensa da realização de concurso, a sua gestão a uma entidade privada nacional ou estrangeira, na qual a Região Autónoma da Madeira (RAM) viesse a participar ou à qual viesse a associar-se. A previsão da existência de uma comissão para assegurar uma simplificação dos procedimentos administrativos, bem como um desburocratizado acompanhamento e fiscalização das atividades licenciadas, foi uma antevisão do gabinete da Zona Franca criado no ano seguinte com esse escopo e essa missão funcional, com a concomitante extinção da comissão instaladora da Zona Franca. O prazo da concessão foi estabelecido em 30 anos, sem prejuízo da sua eventual renovação ou prorrogação, ficando o Governo regional autorizado a regular as condições de exercício das atividades, quer da concessionária quer dos utentes da zona franca. Nesse mesmo ano de 1986, foi regulado o exercício de atividades financeiras através das denominadas sucursais financeiras exteriores, tendo o Governo regional procedido, em 1987, à regulamentação das condições de instalação e funcionamento daquelas sucursais. O exercício destas atividades foi alargado, em 1994, quer às instituições constituídas de raiz quer às sucursais financeiras internacionais, as quais podiam realizar operações com residentes, faculdade que se encontrava vedada às sucursais financeiras exteriores. Em 1987, o Governo regional da Madeira adjudicou a administração e a exploração da zona franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A., e aprovou o Regulamento das Atividades Industriais, Comerciais e de Serviços Internacionais no âmbito institucional da ZFM. No reconhecimento da proeminência económica e social, contributiva do desenvolvimento da Região, e da concomitante necessidade de uma gestão célere, proficiente e atempada, considerada como pressuposto e condição essencial para uma maior simplicidade e eficiência do processo decisório, o Governo regional não só rejeitava e removia os processos de antanho, os quais recorriam a desnecessárias complexidades e delongas processuais, desencorajadoras do investimento prosseguido por entidades caldeadas em regimes mais simplificados, como também fundamentava a opção por uma gestão empresarial em termos privados da zona franca. O diploma em causa estabeleceu o regime de licenciamento das atividades em consideração, as competências da concessionária nesse licenciamento, na aprovação dos projetos de instalação e funcionamento das empresas industriais e na fiscalização das obras com base em licença emitida pela concessionária, assim como o regime de uso dos imóveis por via da subconcessão do domínio público em autoconstrução ou de direito de uso em pavilhões construídos pela concessionária, os quais, finda a concessão, revertem gratuitamente para a RAM. Em 1988, os princípios de simplificação, desburocratização e de celeridade fundamentaram a criação da Conservatória do Registo Comercial Privativa da Zona Franca da Madeira e do Cartório Notarial também privativo da zona franca, cujo início de funcionamento foi fixado para o dia 1 de abril de 1989, tendo sido estabelecido que os atos praticados por aqueles serviços privativos se encontravam isentos de qualquer taxa ou emolumento. Os mesmos princípios determinaram, em 1989, a criação da IV Série do Jornal Oficial, destinada exclusivamente às empresas licenciadas na zona franca – cujas publicações, não exigidas em regimes europeus congéneres, foram também isentas de pagamento de taxas –, a autorização da constituição, em 1994, das sociedades comerciais por quotas e anónimas unipessoais e, em 1995, o reconhecimento da faculdade de as sociedades licenciadas usarem palavras ou parte de palavras estrangeiras ou de feição estrangeira na composição das suas firmas ou denominações. Estes princípios, pioneiros no país quer em relação à autorização das sociedades unipessoais, mais tarde autorizadas só para o tipo por quotas, quer em relação à simplificação administrativa e à prática e objetivos empresariais, permitiram que, na sua conceção, a ZFM constituísse o primeiro exercício unitário, integrado e coerente de internacionalização da economia portuguesa. Nesse mesmo sentido, em 1988, tendo em consideração que muitos dos investidores seriam oriundos de países com ordenamentos jurídicos diversos do sistema português, designadamente dos países da common law, e reconhecendo a necessidade de dotar a ZFM de instrumentos mais eficazes na captação do investimento direto estrangeiro, foi autorizada a instituição de instrumentos de trust, instituto jurídico até à data inexistente no ordenamento jurídico português. Este regime de propriedade fiduciária, envolvendo uma relação tripartida entre o settlor ou instituidor, o trustee e os beneficiários ou a causa específica por eles prosseguida, que nos regimes romano-germânicos encontram fronteiras com as fundações, o usufruto, o mandato sem representação e o fideicomisso ou a fidúcia, permitiu à zona franca disponibilizar aos seus utentes um meio jurídico que lhes era facultado noutros regimes e jurisdições congéneres. Em 1989, foi criado o quarto sector de atividades, acrescentando-se à Zona Franca Industrial, aos serviços financeiros e aos serviços internacionais o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), o qual foi criado visando a prossecução de dois fins: em primeiro lugar, estancar os processos de saída de navios do registo convencional português para registos de conveniência (flagging-out) e, em segundo lugar, atrair novos armadores e navios, oferecendo condições de custos semelhantes às apresentadas pelos registos mais competitivos. Nesse sentido, o MAR foi dotado de uma somissão técnica, composta por um representante do membro do Governo responsável pelo sector dos transportes, um representante da RAM e um representante da Inspeção Geral de Navios. Adentro das condições indispensáveis à atratividade do MAR, a Lei do Orçamento do Estado para 1989 procedeu à consagração da isenção do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) para os tripulantes embarcados nos navios matriculados no MAR e o próprio diploma que procedeu à sua criação não só aplicou aos navios o regime fiscal da zona franca, como também permitiu às partes que designassem a lei que regula a constituição das hipotecas, tendo o aprofundamento do regime de graduação dos privilégios creditórios determinado o recesso da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos, assinada em Bruxelas em 10 de abril de 1926, que se havia tornado um impedimento à adesão dos armadores devido às objeções colocadas pelos credores hipotecários em relação à graduação dos seus créditos. Paralelamente, foi facultado aos tripulantes dos navios o acesso ao regime do seguro social voluntário. A reforma fiscal operada em 1989, com a extinção da contribuição predial e industrial, da sisa e do imposto profissional, e a concomitante criação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (IMT), determinou que o regime fiscal da ZFM ficasse, em grande parte, plasmado no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), então aprovado. Nesse sentido, o primeiro regime fiscal (regime i) da zona franca, que vigorava desde 1986, passou a constar do EBF e permitiu o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2000, usufruindo as empresas que as desenvolvessem da isenção de IRC até 31 de dezembro de 2011. O regime ii, com uma taxa de tributação em IRC de 1 %, 2 % e 3 %, respetivamente nos anos de 2003-2004, 2005-2006 e de 2007 a 2011, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2003, permitindo o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2006, com o usufruto desse benefício pelas entidades que as prosseguissem até 31 de dezembro de 2011. O regime iii, com uma taxa de tributação em IRC de 3 %, 4 % e 5 %, respetivamente nos anos de 2007-2009, 2010-2012 e de 2013 a 2020, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2007, permitindo o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2013, prazo que, de acordo com a legislação comunitária adrede posta em vigor, foi prorrogado, por duas vezes, até 31 de dezembro de 2014, com usufruição dos benefícios fiscais até 31 de dezembro de 2020. As empresas licenciadas no CINM são contribuintes fiscais portugueses para todos os efeitos, pendendo sobre elas as obrigações gerais a que se encontram adstritos os contribuintes em geral, e pagam uma taxa de instalação aquando do licenciamento, e uma taxa anual de funcionamento, através de depósito nos cofres da concessionária nos termos previstos na lei e no contrato de concessão. Os resultados obtidos pela aplicação destes regimes são de natureza qualitativa e quantitativa. Os primeiros, já referidos, permitiram que o CINM constituísse o primeiro exercício político-económico de internacionalização da economia portuguesa, rasgando novos rumos para o ordenamento jurídico português, introduzindo princípios e regras de simplificação administrativa e desburocratização do processo decisório e de licenciamento e exercício de atividades no âmbito do CINM. Do ponto de vista quantitativo, pela aplicação do regime i, constata-se que, em 2000, se encontravam licenciadas cerca de 5900 entidades, congregando 2900 empregos diretos e indiretos, e com o registo de 264 embarcações no MAR. A remuneração média dos quadros qualificados que trabalhavam no CINM era superior em cerca de 60 % à média da Região. Os capitais sociais agregados das sociedades ascendiam ao equivalente a 8600 milhões de euros e os investimentos efetuados pela concessionária na construção e manutenção das infraestruturas internas da ZFI eram de cerca de 18,7 milhões de euros, tendo os utentes investido mais de 143 milhões de euros nas suas unidades industriais. Nesta data, o CINM erigia-se já como um dos pilares fundamentais da economia da Região com um contributo de cerca de 20 % para a formação do respetivo PIB. Em 2000, com o procedimento formal de investigação instaurado pela Comissão Europeia, por força da entrada em vigor das Orientações sobre os Auxílios de Fiscalidade Regional, cujo início de prazo não coincidia com o fim da vigência do regime i, e com a aprovação do regime ii, que só entrou em vigor a 1 de janeiro de 2003 e que introduziu limites máximos (plafonds) ao benefício fiscal usufruído em IRC pelas entidades licenciadas no CINM, verificou-se não só um hiato de dois anos sem licenciamento de atividades, como um retrocesso na atratividade do regime e na adesão dos investidores. Esse retrocesso foi acelerado pela interrupção, em 2010, do processo negocial para revisão e aumento dos plafonds, que havia sido iniciado em 2009, junto da Comissão Europeia, o qual veio a ser retomado em 2011, com conclusão favorável em 2013. Também contribuiu para o agravamento desse retrocesso a revogação do benefício da isenção de dividendos aos sócios e acionistas das empresas licenciadas, benefício que, de acordo com a Comissão Europeia, não se encontrava sujeito a limitação temporal. O referido retrocesso foi reconhecido em 2012 pela Assembleia Legislativa da Madeira que, tomando as suas questões como causas e fundamentos, solicitou ao Governo da República a reabertura do processo negocial dos plafonds, no cumprimento dos deveres para-constitucionais que impendem sobre os órgãos de soberania para assegurarem a rentabilidade e competitividade internacional do CINM. Desse modo, em finais de 2014, encontravam-se licenciadas 1868 entidades, com a criação de cerca de 3000 empregos diretos, estando matriculadas 323 embarcações no MAR. Os capitais sociais agregados das entidades licenciadas ascendiam a 6,4 mil milhões de euros e os investimentos em infraestruturas e equipamentos na ZFI eram de 24 milhões de euros pela concessionária e de 200 milhões pelos utentes. José António Câmara (atualizado a 11.10.2016)

Direito e Política Economia e Finanças História Económica e Social

arquitetura militar

A consciência da necessidade de fortificação das ilhas atlânticas com vista às alterações do quadro estratégico do Atlântico Norte foi tardia, ao contrário do que sucedeu no Norte de África, onde uma população islamizada nunca aceitou de bom grado a presença portuguesa, obrigando à rápida construção de estruturas defensivas. No entanto, o termo arquitetura militar envolve outros pressupostos, inclusivamente teóricos, pelo que a sua incipiente instalação na Ilha, ao longo do séc. XV e perante a inexistência de um inimigo imediato, dificulta a escrita sobre o tema. Claro que se construíram estruturas defensivas, como a torre do Capitão, em Santo Amaro, no Funchal ou a torre dos Esmeraldos, na Lombada da Ponta do Sol, mas foi principalmente por questões de prestígio (Arquitetura senhorial). Mesmo o pedido de construção de uma fortaleza feito à infanta D. Beatriz, em 1475 e a construção do chamado baluarte do Funchal (a fortaleza e palácio de São Lourenço), em 1540, resultaram mais em edificações senhoriais do que militares, numa época em que já se começava a equacionar outro tipo de construções, mas não a entendê-las totalmente. Nos meados do séc. XV, começou a ser introduzido em Portugal armamento de fogo, o que, a par das novas bestas com tração mecânica, por exemplo, alterou os pressupostos das construções defensivas. A utilização de armamento de fogo pesado obrigou ao reforço das antigas muralhas com sapatas e, progressivamente, foram desaparecendo as altas torres de menagem, alvos facilmente reconhecíveis à distância e também facilmente derrubáveis. A primeira fortificação construída na Madeira, pedida em 1528, determinada em 1529, mas só levantada entre 1540 e 1541, dirigindo a obra o pedreiro Estêvão Gomes, era uma fortificação de transição, não sendo ainda aquilo que se denominaria posteriormente “fortificação moderna”, “regular”, divulgada pelos novos tratados internacionais. O baluarte do Funchal implicou a construção de uma torre semioval, assente nos afloramentos rochosos da praia, ostentando os emblemas e as armas reais, articulada com uma muralha a correr sobre o chamado altinho das fontes de João Dinis, que envolvia as casas do capitão. Ao lado das fontes, o baluarte ou fortaleza tinha um torreão-cisterna que, flanqueando a muralha, protegia a aguada dos navios e a população na praia do Funchal. A fortaleza do Funchal e a organização geral defensiva militar mostrou-se assim totalmente incapaz perante o ataque corsário francês de outubro de 1566. A fortaleza foi atacada por terra, onde não possuía qualquer proteção e, não sendo possível movimentar as pesadas bocas de fogo em direção ao mar, não resistiu ao ataque, sofrendo a cidade um pesado saque de cerca de 15 dias a que quase nada escapou. A partir de então, a atenção da corte de Lisboa virou-se para as ilhas atlânticas e, logo na armada de socorro enviada à Madeira, terá viajado um arquiteto militar altamente habilitado, o mestre das obras reais Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), ligado à família dos arquitetos do mosteiro da Batalha, alguns militares continentais para reverem a organização das companhias de ordenanças e das vigias, ainda vindo alguns meses depois, dois técnicos militares italianos para o apoiarem. Data desta época a instalação em Lisboa de uma provedoria das obras reais, que passou a controlar a documentação expedida para o vasto império ultramarino português e à qual ficaria depois ligado o arquiteto mor do reino. O novo mestre das obras reais da Madeira, Mateus Fernandes, recebeu, nos primeiros dias de 1567, ordens várias, enviadas pela provedoria das obras, em Lisboa, entre as quais o Regimento das Vigias, datado de 22 de abril de 1567. Este documento serviu de ensaio ao regimento geral promulgado em todo o reino a 10 de dezembro de 1570. O Regimento das Vigias de 1567, dirigido ao capitão do Funchal, mandava montar vigias em todos os portos, “calhetas, praias ou pedras, em que parecesse que os inimigos poderiam desembarcar” (ARM, Câmara Municipal..., Registo Geral, tomo 2, fl. 142v.). Este regimento avança ainda com outras diretivas respeitante à artilharia, tendo sido a base de muitos dos pequenos fortes ou fortins depois levantados pela Ilha. Assim, no reconhecimento que o capitão e os restantes elementos deveriam fazer dos lugares para “guarda do mar”, “surgidouros e desembarcadouros”, também deveriam ser contemplados os lugares “para guarda da terra” (Id., Ibid., fls. 109-112v.). Nesses lugares, deveriam ser levantadas estâncias para colocar artilharia, cuja praça deveria ser “chã e calçada como convém”, para que o pessoal depois ali em serviço se pudesse movimentar bem e as “rodas dos reparos estarem sempre enxutas, sem humidade de água ou lama” (Id., Ibid.). Deveria ainda ser montada uma casa sobradada para a pólvora, tal como uma guarita para observação e vigia. Em março de 1567, Mateus Fernandes recebeu a visita e o apoio de dois arquitetos italianos, Pompeo Arditi (c. 1520-1571) e Tomás Benedito (c. 1520-1567), ambos de Pézaro, que lhe entregaram um primeiro regimento de fortificação para o Funchal, datado de 14 de março desse ano. Estes italianos, com quem o mestre das obras reais já teria contactado no Norte de África, ficaram na Ilha cerca de um mês e seguiram depois para os Açores, onde aquele último reformulou e dirigiu a nova fortaleza de S. Brás, em Ponta Delgada. Com esta colaboração, o mestre das obras do Funchal levantou uma planta da cidade, algo que poderá também ter feito antes, hoje na Biblioteca Nacional do Brasil e imaginou uma enorme fortaleza para o morro da Pena, a descer até à praia do Funchal, ocupando toda a zona velha, conforme a entendemos no começo do séc. XXI, ou bairro de Santa Maria Maior. Fortaleza da Pena-1567. Arquivo Rui Carita.   A fortaleza do morro da Pena previa a construção de um importante complexo fortificado sobre esse morro, descendo parcialmente sobre o bairro de Santa Maria com dois núcleos defensivos abaluartados, sendo a fortaleza parcialmente rodeada por fosso e tendo o total do conjunto uma dimensão que só veio a ter paralelo em Portugal durante o séc. XVII e com as guerras da aclamação de D. João IV. Mateus Fernandes ultrapassou francamente a sua época com um planeamento desta envergadura, o mais antigo que conhecemos em Portugal e que poderia recolher no seu interior toda a população da cidade do Funchal em caso de perigo. A existirem algumas semelhanças, somente com a fortaleza de S. Filipe, planeada dez anos depois para Setúbal pelo italiano Jacomo Palearo, el Fratin (c. 1520-1586) e levantada sob a direção de Filipe Terzi (1520-1597), ou com a congénere da Ribeira Grande, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, em princípio, projetada pelo mesmo Filipe Terzi, sendo que nenhuma delas tinha a dimensão da delineada para a do Funchal. O planeamento compreendia dois núcleos abaluartados: um sobre o morro da Pena e outro na baixa do bairro de Santa Maria, que desapareceu totalmente com a construção da monumental fortaleza. O núcleo mais alto, sobre o morro, era dotado com dois terraplenos, tendo o de cima quatro baluartes pentagonais e o de baixo dois baluartes retangulares, com canhoneiras a flanquearem as muralhas de união dos dois terraplenos. Indicam-se no projeto as diferenças de altura das várias áreas para o leito da ribeira de João Gomes, que chegavam aos 140 palmos, ou seja, quase 30 m. Um corredor murado sobre a ribeira ligava os dois núcleos, com canhoneiras a flanquearem os muros a norte e a sul, utilizando-se a ribeira ainda como fosso. O núcleo inferior possuía uma enorme esplanada, delimitada por um baluarte pentagonal e dois meios baluartes. Mas o planeamento não foi aceite em Lisboa, optando-se por um esquema mais tradicional e reduzido para a futura fortaleza de S. Lourenço, articulado com panos de muralhas (Muralhas do Funchal). D. Sebastião enviou, assim, um novo regimento de fortificação, em 1572, no qual a cidade era envolvida, na frente mar e ao longo das ribeiras de João Gomes e de São João, por panos de muralhas que fechariam nos morros da Pena e de São João com pequenas posições fortificadas. A fortaleza central da cidade foi ampliada com o planeamento feito por Mateus Fernandes para o núcleo superior do morro da Pena, mas reduzida a menos de um terço das dimensões iniciais. Ficou com dois baluartes pentagonais gémeos virados a norte e um quadrangular, a proteger a zona ocidental, mantendo a nascente o baluarte joanino de 1541. Mais tarde, por volta de 1600, veio a ser dotada de um novo baluarte pentagonal, projeto de Jerónimo Jorge (c. 1570-1617), para proteger a porta. Como apoio da fortaleza principal, foi executada uma pequena estância fortificada, a ocupar a foz das ribeiras de Santa Luzia e de João Gomes, a futura fortaleza de S. Filipe da Pç. do Pelourinho, havendo um pano de muralha a unir ambas, mas do qual quase nada ficou. A cidade considerada por D. Sebastião era já um pouco maior do que a de D. Manuel, isto é, o limite oriental passou da ribeira de Santa Luzia para a de João Gomes. No entanto, o primitivo bairro de Santa Maria do Calhau continuou a não ser considerado cidade, só vindo a possuir o seu troço amuralhado alguns anos depois e num outro enquadramento histórico. No verão de 1582, face à ameaça das armadas de D. António, prior do Crato, com base no arquipélago dos Açores, Filipe II mandou avançar, das Canárias, o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598). As primeiras preocupações do conde de Lançarote foram para a segurança interna e externa da Ilha, começando por visitar as duas fortalezas com o mestre das obras reais Mateus Fernandes, inteirando-se do seu estado e das suas necessidades. Conforme informa a 18 e 26 de junho, a fortaleza velha era essencialmente um bom palácio residencial, mas encontrava-se cercada de edificações muito próximas e mais altas, pouco valendo, assim, como defesa. A nova ainda se encontrava em piores circunstâncias, pouco havendo a fazer para melhorar as suas condições, pois não só estava mal localizada como também se encontrava mal construída. Perante o conflito que opunha as forças de Filipe II às de D. António, prior do Crato, com franceses e ingleses, envolvendo muitas centenas de homens de parte a parte, a pequena estância “nova” da Pç. do Pelourinho do Funchal era mínima para as necessidades e a de S. Lourenço também oferecia muitas reservas face ao seu envolvimento. As fortalezas e o seu autor, o mestre das obras reais Mateus Fernandes, receberam as mais duras críticas dos governadores e técnicos desses finais de século, dado não estarem previstas para fazer frente a um conflito como o que se desenrolava. O problema de ampliação da muralha do Funchal à frente mar foi resolvido por Tristão Vaz da Veiga (1537-1604), quando, em 1585, tomou posse da capitania do Funchal, determinando o prolongamento da muralha para nascente. Este troço de muralha ao longo do calhau chegou parcialmente ao séc. XXI, confrontando com o que é, no começo do segundo milénio, a entrada do hotel levantado no antigo arsenal de Santiago ou de S.ta Maria Maior. As obras do novo troço de muralha confinavam com os arrifes por de baixo da antiga igreja de Santiago Menor, justificando a construção de uma fortaleza nessa baixa. A fortaleza de Santiago deve ter tido projeto de Mateus Fernandes, mas terá sido reformulado depois por Jerónimo Jorge, enviado de Lisboa em 1595, até então a trabalhar nas obras de S. Julião da Barra e do forte do Bugio.   Penha de França. Arquivo Rui Carita.   Desde a união das duas coroas que se discutia no Funchal a muralha poente e a edificação de uma fortaleza no Pico dos Frias, “padrasto”, ou seja, mais alto que toda a cidade e, inclusivamente, com comandamento sobre a fortaleza de S. Lourenço, tendo sido elaborado, de imediato, um projeto da autoria de Mateus Fernandes (Fortaleza do Pico). A situação foi ultrapassada pelo governador Cristóvão Falcão de Sousa, que após tomar consciência das necessidades da defesa do Funchal, em finais de 1601, enviou a Lisboa o sargento-mor da cidade, Roque Borges de Sousa, com uma planta da nova fortificação, por certo, a que fora executada por Mateus Fernandes, pois só nessa altura voltou à Ilha o fortificador Jerónimo Jorge. Regressado o sargento-mor ao Funchal, logo a fortaleza foi levantada, mas somente em madeira, encontrando-se já guarnecida nos inícios de 1602 e sendo passada a pedra e cal ao longo do século. Durante a mesma centúria, ainda seria levantada a bateria da Alfândega (Reduto da Alfândega), constituída por um baluarte triangular avançado ao mar, construído sobre a cortina da cidade e a fortaleza do Ilhéu, no meio do porto do Funchal, ambas com projeto e direção do mestre das obras reais Bartolomeu João, (João, Bartolomeu). Consolidava-se, assim, uma rede de fortalezas modernas, constituídas por conjuntos de baluartes pentagonais, de paredes inclinadas e reforçados nos cunhais, como a fortaleza do Pico, quase de traçado regular, sendo a artilharia colocada nas esplanadas dos mesmos. As novas fortificações adaptavam-se ao terreno e às restantes estruturas defensivas, como os muros da cidade, podendo ser apenas quase estâncias de tiro e formando um conjunto articulado, cruzando fogos obrigatoriamente entre si. O centro de comando era a fortaleza de S. Lourenço e, dada a sua localização, a do Pico funcionava como cidadela ou seja, de recurso e refúgio para o caso de invasão da baixa da cidade. A defesa e a fortificação da Madeira foram revistas várias vezes no séc. XVII, mas os elementos produzidos não chegaram até nós. Nos finais da centúria, por exemplo, deslocaram-se à Madeira o capitão de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e o engenheiro Manuel Gomes Ferreira, mas apenas sabemos que teria sido então executado o portão dos Varadouros, datado de 1689. Mais tarde, em 1705, Manuel Gomes Ferreira, citaria que haviam feito um levantamento quase total das costas da Ilha, mas do qual nada conhecemos. Tudo leva a crer que estes trabalhos tivessem ido com os seus autores para Lisboa e aguardassem aí despacho favorável, perdendo-se no curso do tempo. A primeira grande campanha de obras de fortificação do séc. XVIII decorreu no governo de Duarte Sodré Pereira, um fidalgo mercador que tomou posse a 29 de abril de 1704. Como ficou exarado no demolido forte novo de S. Pedro (Forte novo de S. Pedro), na praia do Funchal e onde se construiu mais tarde o campo do Almirante Reis, o governador mandou levantar esse forte, juntamente com os de Machico (Fortes de Machico), Santa Cruz (Fortes de Santa Cruz) e Ribeira Brava (Fortes da Ribeira Brava), que se guarneceram de artilharia, tendo-se concluído todos os trabalhos em 1707. A data é referente ao forte novo de S. Pedro, pois a campanha geral de obras só foi terminada entre 1708, data limite das lápides e 1711, ano das últimas nomeações para os mesmos fortes. As estruturas levantadas não se afastam especialmente das do século anterior, embora tenham definido um novo modelo de fortificação triangular de uma só bateria, em que o lado virado a terra, em algumas, aparece dotado de torreão de gola, como no de S. Bento da Ribeira Brava, datado de 1708, ou no de S. João Batista do Porto Moniz, mais tardio, datado de 1758 (Forte do Porto Moniz). Nos finais do séc. XVIII procedeu-se a novo estudo de defesa da Ilha, determinado por D. Maria I, com data de 11 de junho de 1797, como vem referido na cartografia então levantada, pois não conhecemos registos no governo local. Para cumprir o plano determinado por D. Maria I, deslocou-se no ano seguinte para a Ilha o major do regimento de artilharia da corte, Inácio Joaquim de Castro, nomeado cavaleiro da Ordem de Cristo a 4 de dezembro de 1778, depois governador da ilha de São Miguel, nos Açores e da torre de S. Julião da Barra, em Lisboa. A instabilidade política dos anos seguintes não permitiu qualquer obra de fortificação e o que fora proposto em nada alterava o que estava feito. Os acontecimentos dos inícios do século seguinte, com a saída da corte para o Brasil, as ocupações inglesas do Funchal e mesmo a terrível aluvião de 1803, não só alteraram profundamente estes estudos como os levaram a outras resoluções, onde houve que equacionar não apenas a defesa imediata contra um ataque exterior. Com a referida aluvião, ocorrida a 9 de outubro, foi destacada para o Funchal uma equipa de engenheiros militares chefiada pelo brigadeiro, de origem francesa, Reinaldo Oudinot (1747-1807) e da qual fazia parte o então tenente Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), cujo primeiro trabalho foi o levantamento da planta do Funchal e dos estragos causados pela aluvião, porventura a melhor peça cartográfica efetuada na Madeira até essa data. A equipa foi para a Madeira, essencialmente, para colmatar os estragos da aluvião de 1803, mas num curto espaço de tempo alargou o trabalho à reforma da carta topográfica da Ilha e à defesa do Funchal, não só das intempéries, mas também numa perspetiva militar propriamente dita. Ao longo do ano de 1805, em abril, por exemplo, o brigadeiro Oudinot e Paulo Dias de Almeida ainda executaram as plantas da nova bateria das Fontes, que representa toda uma outra forma de entender a defesa e a arquitetura militares. A ideia já não era construir fortificações adaptadas ao terreno, mas grandes esplanadas capazes de receber as novas bocas de fogo, muito maiores do que as anteriores, necessitando assim de todo um outro campo de manobra. A bateria das Fontes veio a receber grande parte da guarnição da fortaleza e palácio de S. Lourenço, que a partir dos últimos anos do século anterior passara, essencialmente a palácio. Mais tarde, em 1824, sob a direção do brigadeiro engenheiro Raposo, o então tenente-coronel Paulo Dias de Almeida planeou uma estrutura idêntica de bateria rasante para a frente da velha fortaleza de Santiago, integrada então no novo molhe do cais do Funchal e que o mar rapidamente destruiu. Nos anos seguintes, Paulo Dias de Almeida dirigiu uma ampla campanha de obras militares nos pequenos fortes e vigias, desde o Funchal até Machico, motivada pela possibilidade de desembarque dos absolutistas, o que veio a acontecer a 22 de agosto de 1828, na baía daquela vila. A mais importante estrutura defensiva desta área era o forte novo do Porto Novo (Fortes do Porto Novo e Caniço), reforçado com forças mercenárias inglesas, porém, a explosão do paiol do mesmo levou à debandada das forças liberais, entrando os absolutistas no Funchal sem qualquer resistência. Os meados do séc. XIX assistiram à emergência dos engenheiros militares, aliás, e ao longo de décadas, à frente do governo português, verificando-se o mesmo, embora apenas pontualmente, na Madeira. Mas o seu domínio revelou-se essencialmente nas obras públicas, sendo necessário esperar pelos alvores da Primeira Grande Guerra para se fazerem obras especificamente militares no Funchal, de certa forma improvisadas, com as novas baterias de costa da antiga Q.ta Vigia e a bateria da Cancela, que dotadas com material do século anterior, pouco efeito tiveram nos dois bombardeamentos alemães sofridos pela cidade. Os trabalhos levados a efeito, tal como os seguintes, de 1940, com o deflagrar da Segunda Grande Guerra, no entanto, não se enquadram já bem na área da arquitetura militar, mas sim na da defesa. Nos finais do séc. XX houve um especial interesse pela arquitetura militar na ilha da Madeira, dadas as caraterísticas, de certa forma inovadoras, que a mesma possuía. Assim, foi objeto de uma exposição, efetuada nas comemorações nacionais do Dia de Portugal no Funchal, em 1981 e, no ano seguinte, remontada na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa e, ainda depois, na Casa do Infante, no Porto e em Vila Viçosa. Em sequência e dentro do processo autonómico, muitas dessas edificações, já então sem específico interesse militar, vieram a transitar para a tutela da RAM.       Rui Carita (atualizado a 10.10.2016)

Arquitetura História Militar Património

arte na educação

Em matéria de arte na educação, a RAM aproveitou a descontinuidade territorial, que a separa do continente português e a privou de usufruir de muitas valências, invertendo a seu favor o sabor da insularidade. Usufruiu do mar e do que, em matéria social, este podia oferecer, proporcionando uma estreita relação com outros povos que ali paravam. Falamos, e.g., de uma forte relação com a comunidade inglesa, que por lá se estabeleceu no séc. XIX e com individualidades de outras nacionalidades, como a alemã, a espanhola e a russa, que ao longo dos séculos se distinguiram na relação com os autóctones. Pelos registos apurados, podemos afirmar que, desde o início do séc. XIX, as artes fizeram regularmente parte da educação. Existem referências à aprendizagem da música, à prática do canto, às danças de salão, às récitas teatrais e às artes e ofícios, a par de outras atividades de cariz artístico, como os lavores e a aprendizagem das línguas. Fazendo um périplo pelos periódicos entre 1821 e 2015, é possível observar-se o lugar que as artes ocuparam em instituições de ensino regular, bem como confirmar a existência de aulas artísticas de cariz doméstico e até em instituições mais regulamentadas. Na Madeira, as escolas com opção de disciplinas de âmbito artístico fizeram parte da educação ao longo do séc. XIX. Quando, em 1835, se assistiu à implementação do ensino primário obrigatório, uma das consequências foi a criação de múltiplas escolas e colégios. Na Madeira, a rede pública de escolas deveria ser notoriamente insuficiente, visto que encontramos, ao longo de Oitocentos, diversas escolas em espaços domésticos ou sem designação oficial onde era possível as famílias optarem por uma ou mais atividades artísticas, como o ensino do canto, da guitarra, do piano ou da dança, a par do desenho. Além destas atividades, as escolas e os pequenos colégios permitiam igualmente a opção pelo ensino das línguas, nomeadamente a francesa e a italiana, justificando-se esta última, sobretudo, quando do bel canto se tratava. Estas disciplinas (artísticas e línguas) tinham normalmente um custo acrescido. Apesar do ensino feminino já existir no reinado de D. Maria I, foi com a reforma do ensino primário, em 1836, que foram implementadas as “escolas de meninas”. Na Madeira, também encontramos referências ao ensino feminino na imprensa, registando-se que as escolas ou colégios para meninas eram dirigidas por senhoras, como atesta o seguinte anúncio: “Colégio para educação de meninas, direção de Felisberta Augusta Teixeira” (com opção de lições de piano, dança e desenho com pagamento extra) (A Flor do Oceano, 12 set. 1839, 4). Neste contexto, é interessante constatar a presença contínua do ensino da dança, a par de disciplinas ligadas às línguas, à música e ao desenho. As aulas de artes não aconteciam apenas em escolas ou colégios de ensino primário. Ao longo de todo o séc. XIX, há registos de aulas particulares, organizadas nas casas dos professores ou mesmo dos alunos. Entre outros, recolhemos anúncios na imprensa local de aulas de dança ministradas por Eduardo Soares e Paulo Valentino d’Ornelas Costa; lições de música, rabeca, piano, violoncelo e violino dadas por Nuno Graceliano Lino; e de piano e canto pelo P.e João Aleixo de Freitas. Até ao último quartel do séc. XIX, os docentes eram essencialmente masculinos, começando as mulheres, nessa altura, a predominar no ensino das artes. Importante, já então, era a presença de professores de naturalidades diferentes da portuguesa, proprietários, e.g., da Eschola Collegial Inglesa, que tinha lições de música e do Collegio de Jane H. Manly Tello. Estes factos revelam bem, ao nível da educação, a influência da comunidade inglesa na Madeira oitocentista. Além do ensino artístico em contexto doméstico, também era possível desenvolver-se uma prática artística em contexto institucional, principalmente nas sociedades e clubes que proliferaram no séc. XIX, depois da revolução liberal. Neste âmbito, salienta-se o coro da Sociedade Philarmonica; a Academia Marcos Portugal, que proporcionava lições de solfejo para violino, violeta, violoncelo, rabecão grande e instrumentos de metal e palheta; e a Sociedade Recreio Musical, com aulas de dança dadas por Eduardo Soares, que acumulava com aulas que lecionava no Theatro D. Maria Pia. Como se depreende do anteriormente enunciado, a maior parte das instituições e aulas artísticas desenvolvia-se fora do domínio público, embora houvesse algumas exceções. O Liceu, e.g., apresenta-se como uma escola oficial genérica que incluía atividades de educação artística. Outro caso de atividades artísticas promovidas por uma instituição pública é o da escola municipal de D. Francisco Vila y Dalmau, onde era possível estudar canto e dança. Por fim, uma categoria que não deve ser esquecida: as aulas proporcionadas por professores e companhias que passavam pelo Funchal, como, e.g., as aulas de dança do Circo Equestre, em 1865. Era comum que os artistas que passavam pela Madeira para realizar concertos e espetáculos se disponibilizassem também para dar aulas particulares a quem estivesse interessado, situação que se manteve na primeira metade do séc. XX, como mostram os seguintes casos divulgados pela imprensa periódica: maestro Ricardo Nicosia Cortesi (piano); professor Cleto Zavala (lições de piano); cavalheiro inglês, muito competente para ensinar violino; professor D. Domingo Bosch (lições de piano). Na transição do séc. XIX para o XX, qualquer novo estabelecimento de ensino vocacionado para mulheres que fosse criado no Funchal teria mesmo de incluir, quase obrigatoriamente, a disciplina de piano, embora de forma opcional, pois era lecionada em regime de aulas individuais. No colégio para meninas de D. Christina Adelaide Gomes, e.g., o currículo era constituído pelas disciplinas de inglês, francês, português, piano, machete, canto, viola e dança, em 1895. Em 1909, o colégio para raparigas João de Deus informava que as suas alunas podiam ter “aulas especiais de canto, piano e dança” com a professora Cora Cunha, discípula de Maria Capitolina Crawford do Nascimento Figueira (Almanach de Lembranças Madeirense, 1909, 288-289). Poucos anos mais tarde, por volta de 1912, foi criada, no convento de S.ta Clara, a Escola de Utilidades e Belas Artes, que se destinava a raparigas e que incluía no seu currículo também as áreas de música e de dança, assim como o ensino de piano em aulas individuais, de forma opcional.   Mª Adelaide Meneses e alunas. Photographia Vicentes. Fonte: Arquivo Sílvio Fernandes   Este aumento do papel da mulher na educação artística contribuiu, provavelmente, para a sua emancipação profissional através da música. Enquanto noutras áreas era considerado pouco apropriado que a mulher de classe média assumisse uma profissão, no caso da música, a mulher começou regularmente a aparecer como professora, sobretudo nas áreas do canto, do piano e da dança. No período entre 1812 e 1880 surgem poucas mulheres a lecionar, mas a partir de 1870 inverte-se esta tendência, aparecendo frequentemente mulheres a lecionar música como atividade profissional remunerada, desaparecendo, e.g., quase por completo, os professores de piano masculinos. No séc. XX, a par das reformas a no ensino oficial das artes, continuaram a ser criadas diversas escolas particulares de cariz doméstico que ofereciam no seu currículo a opção de atividades artísticas. Temos, assim, o Collegio de Santa Clara (piano e canto); o Collegio Maria José Ferreira (classe de dança, francês, inglês e música); o Colégio do Lisbonense (classes de instrução primária, português, francês, inglês, piano, dança e lavores); e o Colégio Madeira (classes de dança por Eugénia Rêgo). É igualmente relevante encontrarem-se anúncios com a redação que se segue, sem nomear as professoras: “Uma senhora devidamente habilitada dá lições de piano e francês em sua casa ou na das alunas, por preços moderados” (DNM, 9 out. 1911, 1); “Senhora competentemente habilitada dá lições de piano e bandolim” (DNM, 26 mar. 1915, 1); ou ainda, o pormenor, “Classe de dança – Para principiantes e praticantes” (DNM, 6 out. 1911, 2); “Chamamos a atenção para o anúncio que hoje publicamos sob a epígrafe, ‘Classes de piano’, recomendando a professora, que tem toda a competência requerida” (DNM, 19 ago. 1917, 1). No ensino específico e particular, nomeadamente em contexto doméstico, encontramos referências a lições de música dadas por Eduardo Antonino Pestana; Isabel Pamplona Spínola; Nuno Graceliano Lino; Artur Maria Lopes; Alfredo A. Graça, com o pormenor de se referenciar o método (piano e rabeca pelo curso do Real Conservatório de Lisboa, e bandolim pelo método de Christofaro y Gautiero); Angelique de Beer Lomelino; Gabriella Campos (lições de piano e solfejo pelo método do Conservatório de Lisboa); Maria Eugénia de Afonseca Acciaiolly Rêgo Pereira (ensinava coreografia erudita e folclórica a membros das classes alta e média madeirense num salão de dança); M. Graça Rego (ex-aluna dos professores Cleto Zavala, em piano e Beer Lomelino, em canto, dava lições de piano e canto); Maria Izabel Ferraz (aulas de dança). Denota-se uma preocupação com a metodologia aplicada e os fins a que se destinava. Leia-se “Lições de música. Curso geral completo pelos métodos mais modernos adotados no Conservatório de Lisboa” (DNM, 16 maio 1917, 1); “Professor Vasco de Oliveira (curso de violino seguindo todo o programa do conservatório (escola de Leonard)” (DNM, 4 abr. 1919, 1). Mantêm-se as escolas dirigidas por estrangeiros com atividades artísticas e as sociedades e clubes com atividades de educação artística: o artigo “Academia Dançante” referencia já o Atheneu Commercial com a professora Mathilde Xavier Ferraz, que dá lições de dança; o Grupo Recreativo da Mocidade Portuguesa proporciona aulas de música e classes de dança acompanhadas pelo pianista Leandro S. C. de Freitas. No contexto das escolas oficiais de ensino genérico, existem igualmente diversas menções ao ensino de disciplinas artísticas: no Instituto de Ensino Secundário e Comercial, referem-se aulas de música, em que os métodos adotados são os mesmos do Conservatório de Lisboa e um curso de canto regido por uma distinta professora, que dava lições individuais e em classe; no Liceu Jaime Moniz, o professor de canto coral era Júlio Câmara, contanto a tuna académica e o orfeão com a direção de Gustavo Coelho; na Escola de Utilidades e Belas Artes (estabelecimento de ensino feminino), era possível aprender dança, piano e canto. Em 1943 ocorreu um dos principais acontecimentos no campo da educação artística na Madeira, uma iniciativa que, em 2015, continua a dar frutos. Nesse ano, Luiz Peter Clode e seu irmão William Clode fundaram a Sociedade de Concertos da Madeira, que reunia um escola de intelectuais e artistas portugueses e estrangeiros, naturais ou residentes na Ilha, com a finalidade de contribuir para o crescimento de artistas e público especializado. No seguimento da criação dessa instituição, a prática das expressões artísticas cresceu substancialmente e, a partir de 1946, altura em que foi fundada, no âmbito da mesma, a Academia de Música da Madeira, que mais tarde conseguiu o paralelismo pedagógico com o Conservatório de Música de Lisboa, contribuiu para a creditação de professores e alunos madeirenses. Este estabelecimento foi sucessivamente restruturado após o 25 de Abril, vindo a integrar o ensino profissional das artes na viragem do século, alterando a sua designação, em 2000, para Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira e, em 2006, para Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira Eng. Luiz Peter Clode, em homenagem ao seu mentor. Os cenários dos sécs. XX e XXI são completamente distintos e acompanham o natural desenvolvimento do ensino artístico na Região, tendo contribuído fortemente para o efeito o trabalho realizado, ao longo de 35 anos (1980-2015), pela Direção de Serviços do Ensino Artístico e Multimédia (antigo Gabinete Coordenador de Educação Artística). A par do trabalho de campo desenvolvido em toda a Região, motivou o surgimento de associações, filarmónicas e grupos de iniciativa privada que, em conjunto, contribuíram para os resultados atingidos: o ensino artístico integra, em 2015, a quase totalidade da rede do pré-escolar como atividade obrigatória e o ensino técnico profissional e especializado abrange já todas as áreas da expressão artística: a dança, a música, o teatro e variantes.   Paulo Esteireiro Teresa Norton Dias (atualizado a 26.09.2016)

Artes e Design Educação História da Educação

andrade júnior, francisco de

Francisco de Andrade Júnior nasceu em 1806, no dia 6 de junho, no Funchal, cidade onde recebeu a sua instrução inicial, cursando os estudos que então aí existiam, e onde morreria a 23 de fevereiro de 1881. Após a criação, em 1836, do ensino liceal, por decreto de 17 de novembro desse ano, que determinava a existência de um liceu na capital de cada distrito do continente e das ilhas, terminando assim a dispersão da lecionação das aulas pelo país, Francisco de Andrade Júnior foi nomeado, por decreto de 4 de setembro de 1838, professor de Gramática Portuguesa e Latina e de Clássicos Portugueses e Latinos no Liceu Nacional do Funchal (fundado em setembro de 1837 no edifício das antigas Aulas do Pátio), cargo que exercia já interinamente, por carta do Conselho Provincial de Instrução Pública de 23 de março do mesmo ano. Professor respeitado, considerado um dos mais distintos do Liceu do Funchal (posteriormente, a Escola Secundária Jaime Moniz), aí desempenhou também a função de reitor, de 1866 – sucedendo a Marceliano Ribeiro de Mendonça, autor da obra Principios da Grammatica Applicada á Lingua Latina (1835) – até ao ano da sua morte, sendo também, e por inerência do cargo de reitor que exercia, comissário dos estudos do distrito do Funchal, com responsabilidades de vigilância e direção das escolas do ensino primário e secundário com subordinação ao Conselho Superior de Instrução Pública. Neste âmbito, é da sua autoria o Relatorio sôbre as Escholas Municipaes de Instrucção Primaria do Concelho do Funchal, Seguido de um Projecto de Lei ácerca da Creação e Frequência das Escholas (1849). Além de desempenhar estes cargos, Francisco de Andrade Júnior, que foi também vereador na Câmara Municipal do Funchal, dedicou-se ao estudo da gramática da língua portuguesa, sendo autor das obras Principios de Grammatica Portuguesa, editada em 1844, Grammatica Portuguesa das Escholas Primarias, cuja primeira edição data de 1849, sendo reeditada cinco vezes até 1879, e Grammatica das Grammaticas da Lingua Portuguesa…, publicada em 1850.   Aida Sampaio Lemos (atualizado a 22.09.2016)

Educação História da Educação Personalidades

autonomia e finanças

A autonomia é um conceito muito amplo em termos políticos e jurisdicionais. Para entender a sua ligação às finanças, deve-se acompanhar a sua evolução, tendo em consideração as implicações que apresenta em termos da estrutura e da gestão dos recursos financeiros. Neste quadro, torna-se necessário diferenciar alguns momentos: o período inicial de ocupação do território da Ilha, de 1433 a 1497, com a definição do sistema de senhorio, e o período de autonomia limitada das juntas gerais, a partir de 1901, que deu lugar ao Governo regional da Madeira e a um novo sistema político administrativo em 1976. Palavras-chave: autonomia; conflitos; contas; finanças; orçamento. A autonomia é um conceito amplo em termos políticos e jurisdicionais. Para se entender a sua ligação às finanças, deve-se acompanhar a sua evolução, tendo em conta as implicações que apresenta em termos da estrutura e gestão dos recursos financeiros. Neste quadro, torna-se necessário diferenciar dois momentos. O período inicial de ocupação do território da Ilha, que ocorreu entre 1433 e 1497, tendo-se definido o sistema de senhorio que sucedeu à plena afirmação das instituições régias, e, depois, o período a partir de 1901, com a autonomia limitada das juntas gerais, que deu lugar, em 1976, ao Governo regional da Madeira e a um novo sistema político e administrativo.  Por lei de 20 de março de 1907, existiam dois tipos de contas do Estado para a receita e a despesa: a conta do ano económico, que ficava aberta por cinco anos, e a conta de gerência, encerrada anualmente, que seria o registo das operações contabilísticas e financeiras do ano económico. Pelo dec. n.º 3519, de 8 de maio de 1919, estes prazos foram alterados, tendo a conta da receita e da despesa do ano de 1918 ficado aberta apenas durante dois anos. Posteriormente, o dec. n.º 18.381, de 24 de maio de 1930, determinou com força de lei que estas deveriam ser encerradas 45 dias após o fim do ano económico. Esta situação conduziu a que os valores apresentados em distintos documentos fossem diferenciados, estando a informação organizada com base em diferentes critérios, impedindo uma adequada valorização a partir das regras contabilísticas posteriores. Mesmo assim, não é justificável a existência de algumas disparidades (aliás muito frequentes) que podem ser encontradas na apresentação dos dados contabilísticos. O facto foi devidamente referenciado, nomeadamente na imprensa, sem se compreender a razão de tão evidentes diferenças numéricas. Uma deficiente informação contabilística deu origem a incorreções na apresentação de certos dados da receita e da despesa da Madeira, divulgados na imprensa e em algumas publicações, durante os sécs. XIX e XX. De acordo com a receita e a despesa do Tesouro na Madeira, entre os anos económicos de 1874-1875 e 1913-1914, a Ilha apresentaria um saldo negativo nos anos económicos de 1888-1889 a 1891-1892. Esta situação, porém, não corresponde à realidade dos dados apurados em informação paralela. Na verdade, a Madeira nunca apresentou qualquer saldo negativo. A riqueza gerada pelas pesadas e inúmeras tributações sempre suplantou a magra despesa ou o investimento do senhorio, da Coroa ou do Estado. Em muitas situações, aparecem dados de acordo com o ano civil, impedindo a sua contabilização por ano económico. A isto, junta-se a dificuldade, comum na documentação oficial do continente, em diferenciar os dois arquipélagos na escrituração contabilística de receitas e de despesas, o que impede, em muitas situações, de saber qual a importância atribuída à Madeira. É típica a ideia de que a informação contabilística disponível é muito dispersa, impossibilitando, muitas vezes, o estabelecimento de séries e uma avaliação real das contas. Por conseguinte, a tarefa de reconstituir e de conhecer o movimento das finanças da Região não é fácil. As informações estatísticas oficiais e a organização contabilística do orçamento e das contas surgem apenas a partir da década de 30 do séc. XIX, mas, mesmo nesta centúria, os dados são, muitas vezes, escassos. Relativamente aos séculos anteriores, os dados são avulsos e não permitem, em algumas situações, as necessárias seriações. Faltam os livros dos contadores da Provedoria da Fazenda, os registos completos da Alfândega, assim como os dos diversos tributos e impostos. Mesmo assim, foi possível recolher, em diversas publicação, dados que apontam para uma realidade diferente da que é geralmente aceite. Nem sempre os números apresentados revelam devidamente o retrato da realidade, nomeadamente da despesa. Há várias situações que determinam o recurso a variáveis e a realidade, que permitem descobrir que a despesa foi superior ao normal e que o arquipélago teve de assumir encargos que não lhe pertenciam. Assim, e.g., instabilidade política do séc. XIX transformou a Madeira num espaço de desterro para os militares opositores, servindo como uma forma de desafogar os quartéis do continente. Entre 1823 e 1919, estiveram estacionados na Ilha diversos batalhões de Caçadores e de Infantaria, alguns deles com mais de 400 praças, cuja manutenção seria assegurada e paga pelos cofres do Tesouro da Ilha; e.g., o Batalhão de Infantaria n.º 12 esteve no Funchal entre os anos de 1837 e 1847, período durante o qual a despesa efetiva da Madeira foi superior, pois necessitava de assegurar a manutenção deste gasto. A despesa do Ministério da Guerra na Madeira, a partir do orçamento de 1833, foi a mais elevada de todas as rubricas ministeriais na Ilha, chegando a representar mais de metade do dispêndio total da Ilha. Em março de 1824, e apenas neste mês, existe uma referência ao desembolso de 10.183$381, que representou, então, 55 % da despesa da Madeira. A isto, deve-se juntar a consideração referente a outra realidade muito comum nos espaços insulares, que se prende com o contrabando de mercadorias proibidas e o descaminho dos direitos. A informação sobre estas atividades ilícitas é proveniente do séc. XV e é contínua. Tais atividades seriam os meios habituais dos insulares para se furtarem aos direitos, em sua opinião excessivos, que penalizavam alguns produtos de importação e de exportação; eram também modos de combate ao regime de monopólio de produção e de venda de alguns produtos, como o sal, o tabaco, a urzela e o sabão. Para alguns produtos com peso especial nas exportações, é possível estabelecer uma estimativa das situações de descaminho aos direitos, através de análises comparadas dos valores da produção e de consumo com os da exportação. Assim, para as ilhas, algumas mercadorias, como o sal, o sabão e a urzela, que estavam sujeitas ao regime de monopólio de produção e de comércio, foram alvo de múltiplas situações de contrabando, que em muitas situações é considerado como superior a um quarto do total das transações. A autonomia, concedida, em 1895, a alguns dos distritos dos Açores e, em 1901, à Madeira, poderá muitas vezes ser entendida como uma possibilidade de avanço e de afirmação dos espaços insulares, dando-lhe os meios para o seu autodesenvolvimento. No entanto, tudo isso teve parca expressão nos diplomas oficiais. Recorde-se o debate e a intervenção de diversos políticos insulares, entre os finais do séc. XIX e o findar do primeiro quartel da centúria seguinte, em que se reivindicaram e apresentaram propostas de autonomia política e financeira que tardaram a concretizar-se. Insulares e continentais enfrentaram-se, frequentemente, sobre estas questões, tendo, talvez, existido medo dos primeiros em cortar este laço umbilical e, dos outros, em perder o domínio e o controlo político e financeiro. Estas condições nunca satisfizeram os madeirenses e os açorianos e, ao longo do tempo, foram surgindo sugestões de alargamento da autonomia financeira. Com efeito, desde o séc. XIX que a principal questão no debate e na reivindicação da autonomia se prende com as finanças. A cobrança dos impostos e a aplicação do produto líquido não revertia em benefício da Região. Esta ideia persistia e dominava o debate. Em 1882, lia-se no Distrito do Funchal que o governo “só se lembra desta terra para levantar do seu cofre central o produto de tanto sacrifício” (VIEIRA, 2014g, 51). Esta reclamação chegou à Assembleia pela voz de Manuel José Vieira, numa intervenção de 7 de maio de 1883: “sabemos que fazemos parte do reino de Portugal única e exclusivamente para quinhoarmos nos encargos que se renovam ou batizam com nomes diferentes mas que sempre se acrescentam” (Id., Ibid., 45). Em 1887, no Diário de Notícias, surge o apelo à união e à luta “por todos os meios e incessantemente a fim de se conseguir dos poderes públicos a reparação que nos é devida por meio de obras e providências legislativas que nos assegurem um futuro, não diremos brilhante, mas de modesta prosperidade” (VIEIRA, 2014, 37). No mesmo jornal, surge em 1924, uma acusação semelhante, de forma clara: “é preciso que os madeirenses unidos pelo mesmo pensamento façam ver de um modo irrecusável aos governos de Lisboa, que são mais alguma coisa do que matéria coletável [...] o povo da Madeira é um povo livre [...] não é escravo nem burro de carga” (Id., Ibid.). Em 1931, em plena euforia da revolta da Madeira, o discurso dos cabecilhas ia ao encontro desta aspiração dos madeirenses de administrarem as suas receitas para benefício próprio. Num manifesto aos madeirenses, datado de 21 de abril, apelava-se à sua adesão à revolta, pois o seu triunfo “permitirá falar com liberdade e firmeza, para pedir, para exigir do governo que as suas receitas próprias cá fiquem durante largos anos, a fim de com elas serem executadas obras importantes e de grande necessidade, há largos anos, reclamadas, mas sempre postas de parte, para satisfação de caprichos pessoais e de ódios políticos” (VIEIRA, 2014g, 69).   No diferendo entre a metrópole e as ilhas sobre as questões financeiras e tributárias, há dois momentos de grande debate: com o Estado Novo e, a partir de 1974, com o Estado democrático. A intervenção de Oliveira Salazar, no sentido do saneamento das finanças públicas, aconteceu num momento de grande efervescência nos espaços insulares, onde surgiram, em 1931 e 1936, duas convulsões populares que geraram neste governante alguma antipatia em relação à Madeira e aos madeirenses. A Revolução de 25 de abril de 1974 abriu o caminho para uma nova realidade nas relações entre a Ilha e o continente, que culminaria, em 1976, com a criação da região autónoma, com Parlamento e Governo regionais. Surgiu uma realidade política diferente, mas nem por isso as questões financeiras deixariam de revelar o desacordo entre a Região e a metrópole. Por parte desta, estava sempre latente a pretensa ingratidão das ilhas e a ideia de que as mesmas não se mostravam disponíveis para o esforço nacional de recuperação financeira, estando, permanentemente, a reivindicar apoios financeiros.  Expressões da autonomia financeira  O infante D. Henrique, por carta da doação de D. Duarte, de 26 de setembro de 1433, tornou-se o senhorio das ilhas, tendo recebido, por isso, o pleno direito à sua posse, usufruto e administração, que passava pela distribuição das terras, pelo estabelecimento de regimentos para o governo das capitanias, em termos de administração económica, fiscal e judicial, e pela definição das culturas mais adequadas aos seus objetivos e com maior rentabilidade, tais como os cereais, a vinha, o pastel e os canaviais. Desde muito cedo, estabeleceram-se mecanismos de controlo e de arrecadação dos chamados direitos senhoriais, com a criação de estruturas adequadas. Surgiu assim a figura do almoxarife, que já está testemunhada em 1452, e em 1477 foi criada a Alfândega. A quantificação deste contributo financeiro da Madeira e do Porto Santo é impossível, por falta de registos documentais, mas a informação avulsa permite afirmar que estas ilhas foram, desde o início, contribuintes ativos. Nas finanças da Ordem de Cristo e da Casa do Infante, o tributo madeirense era de 1.500.000 reais, correspondendo a 40,54 % do total dos rendimentos da sua casa senhorial. João de Barros refere ainda que o mestrado da Ordem de Cristo auferia anualmente mais de 60.000 arrobas de açúcar da Ilha, confirmando-se que esta tinha um peso significativo nas finanças das referidas instituições. Uma das primeiras medidas alcançadas pelo senhorio foi a isenção, por parte da Coroa, da dízima das exportações que se fizessem para o reino. Era um incentivo à fixação de colonos na Ilha, que se manteve durante muito tempo e de que os madeirenses nunca abdicaram, considerando-a, certamente, como um privilégio perpétuo para a sociedade. Tenha-se em conta que esta política de isenção da dízima, no movimento de exportações e de importações entre o arquipélago e o continente português, para além de favorecer as ligações aos portos do reino e o consumo dos produtos nacionais, contribuiu para estabelecer vínculos de dependência com a metrópole em termos do comércio externo da Ilha, situação que se tornaria desfavorável em muitos casos. Por outro lado, levaria a que uma importante e significativa receita local, nomeadamente a da exportação do açúcar, ficasse nas Alfândegas de Lisboa, do Porto e de Viana do Castelo, a partir de onde se exportava uma grande quantidade daquele produto para os principais mercados europeus.  Não temos conhecimento de que o Senhorio tenha feito qualquer investimento produtivo, por exemplo, em infraestruturas, à exceção das muito rudimentares alçapremas do infante, nos primórdios da exploração açucareira. Pelo contrário, temos de referir as insistentes queixas relativas à falta de investimento para a modernização e a adequação das infraestruturas aos serviços que prestavam. Aos moradores, ficou reservada a tarefa de preparar os terrenos para o arroteamento imediato, com a construção de muros de sustentação das terras e da abertura de levadas para o regadio, pelo que, inicialmente, a concessão de terras só seria possível àqueles que tivessem posses para tamanho investimento.   A Madeira encontrava-se ocupada desde há pouco mais de 50 anos e a cultura dos canaviais entrava no seu momento de apogeu. Daqui resulta a importância e a valorização em que era tida no património financeiro do reino. A construção dos paços do concelho foi feita com o financiamento próprio do concelho através dos rendimentos da imposição do vinho. O projeto de construção de cerca e de muros, concretizado mais tarde, partiu, também, de fontes de financiamento próprias que oneravam, de novo, as populações. Os apoios substanciais que se esperariam por parte do senhorio não existiram. Depois desta fase, surgiu a plena afirmação das estruturas de poder régio, com particular incidência nas que se encontravam ligadas às finanças. A Coroa apostou ainda na regulamentação rigorosa das estruturas fiscais, através dos forais do almoxarifado das Alfândegas (1499) do Funchal, de Machico e de Santa Cruz (1515). Esta medida foi antecedida, em 1497, da abolição do senhorio, fazendo reverter para a Coroa todo o património madeirense de forma durável e reservando-se esta o direito de reforma dos arcaicos forais que regulamentavam a fiscalidade, pela necessidade de adequar os regimentos à nova realidade socioeconómica. A presença da Coroa e das instituições que a representam ao nível da justiça e da fiscalidade consolidaram-se nos anos seguintes, pois esta Ilha era uma das suas primeiras e principais fontes de riqueza.  A partir de então, a Fazenda Real nunca prescindiu do contributo madeirense e continuou a usar todos os meios para usufruir da riqueza gerada no arquipélago através dos tributos existentes, sendo alguns deles específicos da Ilha, assim como por meio do apelo a permanentes empréstimos e fintas. Esta política de constante solicitação do esforço tributário dos madeirenses foi prejudicial à Madeira, gerando laços de cada vez maior dependência e um atraso secular, manifesto aos mais diversos níveis, mas acima de tudo no estado de degradação dos edifícios das instituições da Coroa, das igrejas e das capelas. O direito de padroado era um compromisso e um encargo assumidos pelo Rei, que raras vezes o honrou. A Coroa atuou de todas as formas, no sentido de evitar o chamado açúcar cativo, i.e., o açúcar subtraído ao pagamento dos tributos régios, nomeadamente aos quintos e às dízimas de saída. Para isso, foi estabelecido um apertado sistema de controlo que começava nos canaviais, continuava no engenho e terminava à saída do porto. Assim, como forma de controlar e de prever a receita, determinou-se a regra do estimo da produção de açúcar dos diversos proprietários de canaviais.   A pressão fiscal sobre os produtos de alta rentabilidade poderá ter muitas vezes efeitos negativos, em situação de livre concorrência com outros mercados e com outros produtos. Em princípios do séc. XVI, a concorrência dos açúcares dos mercados da Madeira e das Canárias esteve sujeita a esta situação, criando circunstâncias desfavoráveis para a Ilha. Na época senhorial, o donatário considerava-se o proprietário do espaço da Ilha e, portanto, tudo o que recebia dos povoadores que haviam aceitado dádivas de terras era um tributo, fruto do direito de posse. Nestas circunstâncias, estabelece-se a ideia dos direitos senhoriais, que está longe da ideia do imposto ou tributo que se impõe com uma determinada função social, económica e cultural, ou em troca de serviços. Mas esta ideia medieval dos direitos senhoriais continuará presente até à época liberal. Esta forma de encarar a situação tributária não implicava uma atitude retributiva que, quando acontecia, era apenas a título de dádiva ou de esmola. Existem inúmeros testemunhos destas situações no reinado de D. Manuel, que foi certamente, de entre todos os monarcas, o que mais lucro obteve com a economia madeirense, mas também aquele que se mostrou mais magnânimo para com os habitantes da Ilha. A contrapartida a este contributo dos madeirenses estará quase só na política de ofertas estabelecida pelo mesmo Rei, que aumentou, em muito, o património artístico da Madeira. Em diversas circunstâncias, é manifesta uma tradição não retributiva por parte da Coroa, mesmo nas suas obrigações. As grandes obras de construção da praça, dos paços do concelho, da cadeia e da igreja fazem-se, em princípio, à custa dos moradores, através de taxas, do seu trabalho braçal e de algumas das chamadas esmolas da Coroa. Assim sucedeu com as obras do Hospital da Misericórdia do Funchal, com as da Sé do Funchal e com as das cadeias. O mesmo aconteceu com as obras de fortificação, tão importantes para segurança dos moradores e para a salvaguarda da soberania e dos interesses financeiros da Coroa. Até, na verdade, a imposição do vinho, criada em 1485 para acudir às principais despesas do município, acabou por ser usada pela Coroa com outras finalidades. Portanto, como já se disse, a Madeira foi um contribuinte ativo para os cofres da Coroa, mas poucas vezes sentiu o retorno útil da sua riqueza. As ocasiões em que o saldo das contas foi negativo foram raras: quando foi necessário um apoio da Coroa, este foi feito através de um empréstimo com retorno. Os encargos definidos pela despesa fixa da Coroa na Ilha eram, por norma, muito reduzidos. Considere-se, e.g., os dados disponíveis para o período de 1501 a 1537, durante o qual a despesa de funcionamento com o almoxarifado começou por ser apenas de 20$000, para subir, na década de 30, para cerca de 90$000 réis. Depois, para os anos de 1581 e entre 1602 e 1618, existiu, de novo, uma situação semelhante; pois, de uma despesa global com os ordenados do clero e dos funcionários, superior a 7 contos, apenas 2 contos se referem aos funcionários da justiça e da Fazenda Real, sendo o demais para o clero e o funcionamento das igrejas. O projeto de expansão e de afirmação colonial portuguesa teve custos elevados, que foram sendo suportados com financiamentos estrangeiros e com a riqueza gerada nos novos espaços de ocupação, como foi o caso da Madeira. Assim, na primeira metade do séc. XVI, as despesas relacionadas com o socorro e a manutenção das praças africanas são mais um encargo que os madeirenses assumem em razão da proximidade. Algumas destas praças, como Mogador e Safim, estavam na dependência quase direta da Madeira, de forma que, em 1506, o Monarca ordena aos almoxarifes e aos recebedores na Ilha que satisfaçam todos os pedidos de Diogo de Azambuja para as obras da fortaleza de Mogador. E a participação e o investimento dos madeirenses nas campanhas africanas não se ficaram apenas pelo séc. XV; nos séculos seguintes, a Ilha participou de forma assídua, com mantimentos e com homens, na defesa das praças, face às investidas muçulmanas. Mais tarde, haverá uma intervenção de vulto dos madeirenses no Brasil, tendo vários homens e meios financeiros acudido ao resgate dessa colónia e ajudado à luta contra a ocupação holandesa. A Coroa, a exemplo do que havia sucedido com o senhorio, tinha o direito ao usufruto da riqueza gerada pelos madeirenses. Desde os primórdios, estabeleceu-se uma espécie de contrato de colónia entre o senhor (mais tarde, a Coroa) e os madeirenses, obrigando-os a realizar todo o tipo de benfeitorias e ao pagamento ao dito proprietário da Madeira de muito mais que a demidia (metade) das suas produções e da sua riqueza. Os primeiros colonos fizeram um esforço enorme para adaptar a orografia da Ilha às condições das distintas práticas agrícolas, um trabalho raras vezes devidamente compensado com a parte que sobrava das suas colheitas. Os madeirenses, ao longo desta época, sentiam que estavam a ser saqueados pela Coroa, um sentimento manifestado em distintas situações e momentos, a exemplo do que sucedera, em 1566, com o assalto dos corsários franceses – em que a Fazenda Real foi a menos prejudicada, pois os cofres foram postos a salvo no Caniço a tempo. As rendas da Madeira não atuavam apenas como fator de relevo nas finanças dos cofres nacionais: foram também usadas como moeda de troca no quadro das relações diplomáticas internacionais, durante as primeiras décadas do séc. XIX. A Madeira foi entregue a forças ocupantes, serviu de garantia a empréstimos, e foi apontada como solução para a dívida nacional através da sua venda. Isto prova e reforça o papel da Madeira, no quadro das finanças nacionais. E.g., em 1801, foi realizado um empréstimo de 9.000.000 de cruzados, feito com a garantia dos dízimos e demais rendas reais da Madeira. Depois, em 1809, relativamente a um empréstimo de 600.000 libras, os Ingleses receberam como garantia os rendimentos das Alfândegas da Madeira e dos Açores, e, em 1832, a concretização de um empréstimo de 300.000 libras esterlinas designou, de novo, os rendimentos da Madeira como uma forma de hipoteca. É problemático o estabelecimento de impostos e de adicionais com finalidades específicas que, por serem gerais do país, nunca chegam à Madeira. Nesta época, houve momentos de esplendor, mas também de grandes dificuldades, como as aluviões de 1803 e de 1842, em que o Estado não se mostrou tão magnânimo quanto deveria ser na sua intervenção e no seu apoio, como provam os orçamentos e as contas do Estado a partir de 1833. Os 30 contos enviados em 1842, para acudir as despesas associadas à aluvião, de pouco serviram. Por lei de 1761, a Madeira uniformizou o seu sistema tributário com o do continente, deixando de existir situações específicas relativamente a este aspeto. Isto gerou dificuldades de administração financeira devido às diferentes realidades do continente e das ilhas que, no caso das Pautas Aduaneiras, tornaram mais real a expressão dos problemas de uma lei definida com o desconhecimento da realidade das distintas e diferenciadas regiões. A ideia de associar as ilhas e os arquipélagos à metrópole através da designação de adjacentes foi uma medida fatal, com consequências inevitáveis na economia e no sistema tributário. A possibilidade de intervenção dos insulares na Câmara dos Deputados, através de deputados eleitos, foi uma oportunidade de afirmação desta diferença e da identidade, mas não um reconhecimento, de facto, das divergências que a lei procurava a todo o custo combater. Em 1895, surgiu a autonomia, primeiro para alguns distritos dos Açores, sob a forma de restauração das antigas juntas gerais, com intervenção específica em termos administrativos e financeiros. Depois, em 1901, a Madeira acompanhou o processo. Mas tudo ainda estava em aberto em termos de uma plena valorização dos espaços insulares, tendo em vista a capacidade de autogoverno. Após a reforma tributária da década de 40 do séc. XIX, surgiram outras em 1911 e em 1922, porém, as alterações mais significativas no sistema só aconteceriam a partir de 1928, com a intervenção de Oliveira Salazar. Mais uma vez, o compasso do tempo político não se coaduna com o do sistema tributário. A República, em 1910, não representou uma rutura com as finanças e a contabilidade vigentes, a exemplo do que havia sucedido com a Revolução Liberal de 1820. A viragem no sistema acontece, a partir da década de 30, com as reformas de Mouzinho da Silveira, que tiveram apenas uma expressão prática e constitucional, com a reforma da Fazenda de 1843. Entretanto, na década de 30, na sequência das reformas realizadas pelo Governo provisório da ilha Terceira, houve, em 1832, a substituição do Tribunal do Erário Régio pelo Tribunal do Tesouro, e, em 1833, algumas reformas da Fazenda Pública e das Alfândegas (em todo o caso, foi a partir de 1843 que aconteceu a viragem do sistema, que teve continuidade nas reformas da contabilidade e da Fazenda Pública de 1854, 1869, 1870, 1881, 1891 e 1907). A partir de 1901, a Madeira passou a gozar, a exemplo dos Açores, de autonomia administrativa com o restabelecimento da Junta Geral. Todavia, as condições de instabilidade política do primeiro quartel do séc. XX, associadas às limitadas competências e capacidades financeiras da Junta, não permitiram que surgissem intervenções deste novo regime administrativo tão favoráveis quanto eram as esperanças dos autonomistas madeirenses. Tanto mais que a década de 30, aproveitando a evocação do quinto centenário do descobrimento da Madeira, foi um momento de debate por mais e melhor autonomia, revelando a insatisfação da elite política da Ilha. Com a República, não se estabeleceram alterações significativas ao sistema vigente. A lei n.º 88, de 7 de agosto de 1913, quanto aos distritos da Madeira e dos Açores, confirma o que está estabelecido no decreto de 2 de março de 1895, nomeadamente nos artigos n.os 28, 29, 30, 31 e 32. Apenas se acrescenta, no parágrafo n.º 6, que: “As juntas pagarão ao Estado, como compensação pela cobrança das contribuições, 5 por cento das quantias arrecadas, cuja dedução será feita em cada ordem de entrega de receitas, assinada pelo inspetor de finanças” (Id., Ibid,, 485). Em 1922, a situação da Ilha não era distinta dos anos anteriores; no entanto, foi o ano escolhido para a comemoração do quinto centenário do descobrimento da Madeira. Este foi o argumento para fazer despertar o espírito autonomista e regional dos madeirenses. Em outubro e novembro de 1920, Eduardo Antonino Pestana, entusiasmado com os resultados positivos da realização de congressos regionais em várias localidades do continente (uma iniciativa que partira de Augusto de Castro, então diretor do Diário de Notícias de Lisboa), reclamava insistentemente, no Diário de Notícias do Funchal, a necessidade de uma iniciativa idêntica na Madeira. O objetivo do congresso a realizar na Ilha era produzir um levantamento dos principais problemas com que esta se debatia e criar uma comissão para reclamar as soluções necessárias junto dos parlamentares madeirenses e dos ministérios do Terreiro do Paço, em Lisboa. Isto é, criar um grupo de pressão madeirense na capital. Entre os finais de 1922 e os princípios de 1923, gerou-se no Funchal um clima eufórico de debate em torno do alargamento da autonomia. Porém, realizado o debate, algumas ideias haviam demonstrado que, sem a colaboração da classe política da Madeira e do continente, não era possível fazer avançar o parco regime autonómico de 1901. A classe política da Madeira, dependente das estruturas e dos favores da continental, estava dividida. Por outro lado, as forças vivas madeirenses não só não sabiam bem o que queriam como estavam também acomodadas. A ideia de autonomia era agora distinta daquela que tinha existido em finais do séc. XIX. A influência inglesa conduziu à reivindicação de uma ampla autonomia que, segundo se dizia em 9 de novembro de 1921, deveria ter na bandeira “a única ligação com a Mãe Pátria” (Id., Ibid., 71). Para o movimento autonomista madeirense dos anos 20, muito contribuiu a atitude do então presidente da Comissão Executiva da Junta Geral, Fernando Tolentino Costa, que, aproveitando a passagem pela Ilha do Presidente da República, António José de Almeida, a 9 de outubro de 1922, quando regressava do Brasil, lançou o desafio no sentido do alargamento da autonomia. O facto teve eco na imprensa local e fez com que o movimento autonomista ganhasse novo alento. A Junta Geral, tomando a liderança do processo, enviou um ofício para as juntas gerais dos Açores (Ponta Delgada e Angra do Heroísmo), propondo uma congregação de esforços e uma concertação de ações com este objetivo, convocando uma assembleia de madeirenses, donde saiu uma comissão autonomista, que se reuniu pela primeira vez a 21 de dezembro de 1922, na sede da Associação Comercial do Funchal. Foi aqui que Manuel Pestana Reis apresentou o texto das bases da autonomia, que foi depois publicado na brochura das comemorações do quinto centenário da descoberta da Madeira. Com a proposta de estatuto em debate, pretendia-se estabelecer, pela primeira vez, a coexistência dos poderes legislativos e executivos. Surgia, assim, um conselho legislativo eleito entre as câmaras e as associações de classe, que poderia legislar no domínio regional. Apenas lhe estariam vedadas as questões referentes ao exército, às relações com o estrangeiro, à formação do Governo, à justiça e ao ensino. O quadro institucional completava-se com o conselho executivo, eleito pelo legislativo, com a função de superintender as finanças, de fiscalizar o orçamento e de superintender os serviços e as obras públicas. A representação do governo no distrito continuaria a ser feita pelo governador civil, nomeado mediante consulta ao conselho executivo. Ao mesmo, seriam acometidas funções de fiscalização e de assistência aos diversos órgãos da administração. Uma das reivindicações mais destacadas foi o direito à fruição em benefício próprio das receitas arrecadadas. A Madeira deveria deter a sua total administração, ficando ao Estado apenas o direito a uma quantia fixa para cobrir os custos da cobrança. Esta autonomia era entendida pelo próprio Manuel Pestana Reis como uma forma de “desconcentração política e administrativa” (Id., Ibid., 76) e ia ao encontro de anteriores propostas surgidas nos Açores, da autoria de Aristides da Mota (1892) e de Francisco de Ataíde Manuel de Faria e Maia (1921). Durante este momento, o intercâmbio dos projetos autonomistas de ambos os arquipélagos foi um facto, tendo sido, de novo, promovido pelo presidente da Junta. Em dezembro de 1922, uma representação de Ponta Delgada, chefiada por Luís de Bettencourt e Câmara e por José Bruno Carreiro, chegou à Madeira, seguindo-se, em janeiro do ano seguinte, a presença de Frederico Augusto Lopes da Silva, de Angra. No ano imediato, na Madeira, também foi discutida a temática da autonomia. Evocou-se o quinto centenário da descoberta da Madeira e todos, ou quase todos, clamaram por uma nova descoberta, materializada em mais e melhor autonomia. Um dos pontos assentes do projeto autonomista apresentado por Manuel Pestana Reis (1894-1966) era a questão financeira. A Revolução de 28 de maio de 1926 foi saudada por muitos sectores da sociedade madeirense que depositaram nela as suas esperanças de mudança. A primeira alteração ocorreu com o dec. n.º 15.035, de 16 de fevereiro de 1928, que ia ao encontro de algumas das reivindicações no campo financeiro. A receita da cobrança da contribuição predial rústica e urbana, da contribuição industrial, do imposto de aplicação de capitais e do imposto de transações era da Junta seria usada em benefício da Região, ficando o Estado com apenas 1 % desta para despesas de cobrança. A 31 de julho, com o dec. n.º 35.805, a situação alterou-se novamente. Este decreto, assinado pelo então ministro das Finanças, Oliveira Salazar, marcou o princípio do fim do combate autonomista das ilhas. Antes, aumentara-se a receita dos distritos, agora, impunham-se novos encargos, com o alargamento da descentralização a serviços dependentes dos ministérios do Comércio, Agricultura e Instrução, do Governo Civil, da polícia cívica, da saúde, da assistência, e da previdência. Sem capacidade para acabar com a autonomia, Salazar acedeu às aspirações autonomistas transferindo alguns serviços, que conduziram à asfixia financeira das Juntas. As reformas do Governo do Estado Novo não satisfizeram a ambição dos regionalistas. O madeirense Quirino de Jesus, ainda que muito próximo de Salazar na definição da política económica e financeira, não conseguiu demovê-lo quanto à sua visão da autonomia. Ele defendera que a autonomia insular era definida pelo carácter financeiro e económico, só se podendo afirmar com reformas financeiras. De acordo com a sua ideia de divisão administrativa, o distrito cederia lugar à província, que passaria a ter ao comando um governador-geral residente, de nomeação governamental. A ele juntava-se a Junta Geral de Província e o Conselho de Governo. A primeira era composta por procuradores eleitos pelas Câmaras Municipais, pelas associações, pelos professores e pelos chefes de serviço das repartições públicas, enquanto o segundo seria presidido pelo governador, integrando vogais eleitos de entre os procuradores e os chefes dos serviços. A Constituição, aprovada em 11 de abril de 1933, estabelecia para as ilhas uma administração especial (artº. 124 § 2.º), que só foi regulamentada pela lei n.º 1967, de 30 de abril de 1938, que estava muito distante destes propósitos. No preâmbulo da lei, refere-se que a geografia obrigou a esta descentralização e desconcentração “em benefício dos povos e com vantagem para a boa administração”. As reclamações dos insulares levaram a que o Governo as atendesse, em 1928, com alterações significativas, através da descentralização de muitos serviços; mas surgiram novamente imensas reclamações, porque as receitas eram insuficientes, continuando o legislador a negar a possibilidade do usufruto total das receitas fiscais: “Formam as ilhas adjacentes um todo com o continente, é o mesmo o seu sistema de administração e governo, como o mesmo é o grau de civilização dos habitantes e de progresso social: seria, pois, contrário ao bem comum consagrar uma forma egoísta de plena autonomia financeira que parecesse realizar a desintegração do Estado de uma parte do seu território metropolitano”. Sobre as anteriores medidas dizia-se “que foi excessiva a liberdade conferida às juntas em 1928” (Id., Ibid., 78), pois a descentralização sem a tutela governamental podia ser um princípio para uma má gestão. Deste modo, manteve-se a descentralização existente, passando, todavia, a ser fiscalizada pelo governo civil e tutelada pelo Governo central. Nesta reforma do estatuto, surge, como uma novidade, a função de coordenação económica da Junta, que tinha uma expressão ao nível do planeamento apenas nos planos trienais. Esta problemática motivou um debate público no Funchal, em janeiro de 1968, sob a epígrafe I Semana de Estudos sobre problemas sociais económicos do desenvolvimento. Como corolário desta reivindicação, foi publicado, em 11 de março de 1969, o dec.-lei n.º 48.905 que estabeleceu e regulamentou o planeamento regional, função que ficou a cargo da Junta Geral, merecendo a contestação de todos os sectores. Quando Marcelo Caetano substituiu Salazar, a 27 de outubro de 1968, era evidente a expectativa dos insulares quanto às reivindicadas alterações do estatuto. Esta possibilidade havia sido admitida pelo próprio presidente do Conselho de Ministros quando, em dezembro de 1969, visitara a Madeira. Na verdade, a década de 60 foi, de novo, uma altura de debate da autonomia, sendo o Comércio do Funchal o porta-voz destes anseios. Então, para além da visível asfixia financeira das juntas, insistia-se na necessidade de um plano de desenvolvimento regional, que chegou à Assembleia Nacional a 5 de abril de 1963, pela voz do deputado madeirense Agostinho Cardoso. As eleições para a Assembleia Nacional de 26 de outubro de 1969 acontecem no decurso do debate do processo autonómico, sendo este ideário assumido pelos candidatos da oposição democrática. Durante muito tempo, as reivindicações dos madeirenses assentaram no retorno do dinheiro dos seus impostos para a realização de obras necessárias ao desenvolvimento da Ilha, que, em muitas situações, acabariam por trazer retorno ao Estado. Com um programa de regadio, ampliar-se-ia a área agrícola e também os tributos; com a construção de portos, de cais e de embarcadouros, seriam garantidas as condições de circulação de pessoas e de produtos, animando eficazmente a agricultura e o mercado; por fim, o porto principal no Funchal, com condições de apoio à navegação livre de taxas tributárias, era uma esperança para os madeirenses, que viram nele a possibilidade de uma grande escala oceânica e de desembarque de turistas. Tudo isto era conhecido e sabido, mas continuavam a tardar as soluções. As populações continuavam isoladas nos seus locais de nascimento, frequentemente alheias a tudo. A ida ao Funchal era um acontecimento ocasional e de grande comemoração. Desde o primeiro quartel do séc. XIX, as reclamações dos madeirenses manifestaram-se no sentido de o Estado intervir na Madeira através de obras públicas para a abertura de caminhos, de levadas e de canalização das ribeiras. A crise agrícola e comercial fez despertar o olhar crítico de muitos madeirenses e ampliou a imagem de uma terra abandonada à sua sorte, sem ninguém que lhe acuda. A partir de maio de 1974, alterou-se o espectro político da Região, tendo-se manifestado à luz do dia vários grupos políticos de cariz regional e promotores da autonomia, que deram vigor ao movimento autonomista, que ganhou forma com o Estatuto Provisório da Madeira, de 29 de abril de 1976. Depois, o ato eleitoral para a Assembleia Regional, a 27 de junho, abriu o caminho para a afirmação do processo constitucional, com a atribuição da autonomia político-administrativa consagrada na Constituição que foi aprovada a 2 de abril de 1976. Tenha-se em consideração que, a partir de 1986, a realização dos empreendimentos que permitiram a total mudança do arquipélago só foi possível com o apoio financeiro da então Comunidade Económica Europeia, a que Portugal entretanto aderira. O estatuto provisório, aprovado pelo dec.-lei n.º 318-D/76, de 30 de abril, estabeleceu a possibilidade de a Região legislar e regulamentar sobre os impostos regionais (art.º 136), assim como de criar adicionais aos impostos (art.º 137) e de adaptar o sistema fiscal nacional vigente às características da RAM (art.º 138). O alargamento desta faculdade irá permitir que a Região use esta capacidade legislativa para criar condições de competitividade fiscal que permitam captar novos investimentos, nomeadamente para o Centro de Negócios da Madeira. Ao nível das autarquias, a Constituição de 1976 determinou, de forma clara, a independência orçamental e patrimonial. Pela lei n.º 1/79, de 2 de janeiro, lei das finanças locais, foram aumentados os recursos e os poderes financeiros dos municípios e das freguesias. Nela se estabeleceu um regime distinto para as finanças locais. Seguiram-se alterações, pelo dec.-lei n.º 98/84, de 29 de março, mas que vigoraram durante pouco tempo, uma vez que, pelo dec.-lei n.º 1/87, se procedeu a uma nova regulamentação das finanças locais que lhes atribuiu uma participação nas receitas do IVA e do imposto de sisa. As receitas fiscais dos municípios são resultantes de impostos autónomos (contribuição autárquica, sisa, imposto sobre veículos e imposto de mais-valia), de algumas participações (definidas pelo Orçamento do Estado, pelas taxas e pelos impostos), de taxas e de derramas. A contribuição autárquica surgiu por lei n.º 106/88, de 17 de setembro. Quanto às transferências das verbas para a Região, refere-se que o Estado estabelecer, no Orçamento (na rubrica “Encargos Gerais da Nação”), os valores a transferir para a Região de acordo “com o princípio da solidariedade nacional” (art.º 56). A partir de 1981 (resolução n.º 310/80, DR 200/80 série I de 1980/08/30), ficou estabelecida uma fórmula de financiamento do orçamento regional, assente na capitação da despesa pública. A partir da revisão constitucional de 1982, foram reforçados os poderes tributários das regiões, permitindo-lhes dispor das receitas cobradas. Pelo dec.-lei n.º 500/80, a RAM encontra-se numa situação especial em termos fiscais, devido à criação da Zona Franca da Madeira que, a partir de 1987, se encontrou na dependência da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira S.A., que contava com os seguintes serviços: zona franca industrial, serviços internacionais, registo internacional de navios e serviços financeiros/centro offshore. A entrada de Portugal na CEE, em 1986, tinha imposto limitações ao funcionamento das zonas francas comerciais dentro do espaço comunitário. Em 1990, o governo aprovou o projeto do terminal marítimo da zona franca do Caniçal. A zona franca foi um fator significativo do desenvolvimento da Região, capaz de captar receitas que permitiram o seu financiamento. Todavia, as limitações impostas fizeram com que a mesma perdesse a sua importância, fazendo dela, nos começos do séc. XXI, um dos principais pontos do diferendo entre a RAM e o Governo central. A partir da revisão constitucional de 1982, foram reforçados os poderes tributários das regiões, permitindo dispor das receitas cobradas. A lei n.º 9/87 de 26 de março institucionalizou o poder tributário próprio das duas regiões autónomas. Os anos de 1985 e 1986 foram de um significado particular para esta conjuntura de difícil execução orçamental, levando à negociação de um programa de reequilíbrio financeiro com o Governo da República. Pela resolução n.º 9/86, de 16 de janeiro, o Governo mandatou o ministro da República e o ministro das Finanças para estabelecerem com o Governo regional um programa de reequilíbrio financeiro da RAM, assinado a 26 de fevereiro de 1986. A 22 de setembro de 1989, houve um novo programa de recuperação financeira até 31 de dezembro de 1997, que se repercutiu no orçamento regional do ano de 1990. O impacto mais significativo do período democrático decorreu de uma intervenção resultante da integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia e não da obrigação, que ao Estado era devida pela lei e pela Constituição, de colmatar as assimetrias de desenvolvimento económico da Região. A 5 de junho de 1985, a Assembleia regional da Madeira aprovou a integração da RAM no processo de adesão de Portugal à CEE, o que veio a acontecer, em pleno, a partir de 1 de janeiro de 1986. A resolução do Parlamento regional reconheceu as vantagens da adesão para o progresso económico, para o reforço do contributo insular e para a formação da Comunidade. Em 1988, na sequência de um memorando apresentado pelas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, a Comunidade aprovou um programa de medidas específicas, no sentido da sua plena integração no Mercado Único. Foi o princípio do reconhecimento do Estatuto Especial das Regiões Ultraperiféricas, consagrado no tratado de Maastricht, com a declaração comum sobre as regiões ultraperiféricas. A aposta comunitária na política regional favoreceu o aparecimento de programas financeiros, dos quais a Madeira, a partir de 1986, passou a poder usufruir. Neste sentido, surgiu em 1985, o Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional (FEDER). Entretanto, em 1991, o Tratado da União Europeia estabeleceu a política regional e de coesão, criando o Comité das Regiões e o Fundo de Coesão. A Madeira recebeu, no primeiro e no segundo Quadro Comunitário de Apoio (QCA) (entre 1986 e 1999) 176,7 milhões de contos e, no terceiro (2000-2006), 140 milhões de contos. As medidas de correção dos desequilíbrios internos de desenvolvimento e a política de coesão comunitária, asseguradas pelos diversos QCA (I QCA 1989-1993; II QCA 1994-1999) e pelo fundo de coesão, para além de outros apoios no âmbito dos diversos programas comunitários, asseguraram à Madeira os meios financeiros necessários para vencer as dificuldades ancestrais de desenvolvimento económico. Um dos principais problemas da política governativa estava relacionado com a disponibilidade de verbas, por parte do Orçamento do Estado, para cobrir as carências resultantes da transferência dos serviços e das políticas de investimento que se estabeleciam necessariamente para acatar o atraso secular a que a Ilha tinha ficado votada. A conta de 1978 apontava um crescimento da despesa em 124,75 %, enquanto o da receita se limitava a apenas 57,4 %. Esta situação de rutura financeira situava-se, muitas vezes, fora do alcance da Região, ou porque o Estado não procedia à definição do valor das transferências, ou porque a Madeira não dispunha de quaisquer mecanismos fiscais que permitissem resolver os seus problemas. No decurso das décadas de 70 e 80, os orçamentos da Região foram apresentados de forma tardia, porque se aguardava pela aprovação do Orçamento Geral do Estado, em que ficaria estabelecido o valor das transferências, uma vez que a receita dos impostos e das taxas – proveniente dos tempos da Junta Geral, reforçada com o estatuto provisório de 1976 – era claramente insuficiente para cobrir os encargos associados à transferência dos serviços, nomeadamente nos âmbitos do ensino e da saúde. É certo que o estatuto (art.º 56) definiu o princípio da solidariedade nacional quanto ao apoio financeiro do Estado para cobrir as despesas, mas as contingências da conjuntura de crise política implicavam que esta garantia tardasse ou não surgisse. Neste quadro, restava à Região o recurso ao endividamento interno para cobrir os investimentos necessários à execução do plano regional que, de acordo com o mesmo estatuto (art.º 58), deveriam ser definidos por diploma do Governo da República. Em 1980, o orçamento apresentava um défice de 2.017.730 contos, porque ainda não era conhecida a verba a estabelecer no Orçamento do Estado, mas a Região decidiu manter uma verba de transferências, por considerar imperioso o cumprimento do plano de investimentos, deixando em aberto a possibilidade do seu financiamento através de um empréstimo. Em 1981, agravou-se ainda mais a situação financeira e orçamental, devido ao volume de serviços que tinham sido regionalizados no decurso do ano anterior sem a devida contrapartida financeira, e à aprovação tardia, em abril, do Orçamento de Estado. Desta forma, a Madeira não teve alternativa, e o seu orçamento foi apenas aprovado em maio. A mesma situação de precariedade dos meios orçamentais justifica o défice de 7.274.081 contos, explicado pela “evolução crescente da própria autonomia regional” (VIEIRA, 2014h, 707). Em 1983, o orçamento só foi aprovado em junho do ano de execução, pelas mesmas razões, ocorrendo uma nova situação, com o decréscimo das transferências do Orçamento do Estado, que veio a agravar o défice em 14.976.482 contos. A despesa foi justificada pela transferência de serviços sem a necessária contrapartida financeira, bem como pela necessidade de vencer o atraso da Região através de grandes obras estruturantes. Em 1983, no sentido de vencer estas dificuldades orçamentais e financeiras, o Governo regional expressou a sua intenção de lutar para que fosse encontrado “um critério mais justo, que permita à regiões autónomas recuperar o atraso económico e social em que se encontram relativamente ao continente, o mais breve quanto possível, mas sem que isso constitua uma penalização para as disponibilidades financeiras” (VIEIRA, 2014h, 707) com uma proposta de alteração dos critério de cobertura do défice da Madeira. A par disso, aponta-se a necessidade de reformas da política monetária e financeira, para que as regiões possam adotar a assunção plena dos direitos e das responsabilidades que a Constituição consagra neste domínio (alínea n) do art.º 229). Era o único meio de a Região sustentar uma estrutura financeira que lhe permitisse consolidar a sua autonomia política e económica. A lei do orçamento do Estado n.º 42/83, de 31 de dezembro, consagra a possibilidade de a Região se endividar em 5 milhões de contos, para poder colmatar os constantes défices orçamentais. Mas, em sede do orçamento regional de 1984, voltou-se a insistir na ausência de contrapartidas financeiras por parte do Estado em face da transferência dos serviços, pelo que o investimento dos últimos sete anos só havia sido possível mediante o recurso ao crédito interno. Insiste-se na ideia de que “uma política orçamental verdadeiramente autónoma só será concretizada quando todas as componentes do orçamento regional estiverem sob o domínio dos órgãos de governo próprio da Região.” Por outro lado, “sobre o Estado recaem determinadas obrigações, aliás, constitucionais, no que respeita à recuperação do atraso económico estrutural em que a Região se encontra devido à ausência ancestral de qualquer política séria de desenvolvimento regional da iniciativa do poder central” (VIEIRA, 20145g, 84). O desacordo financeiro continua em 1985, acusando-se, em finais do ano anterior, o Governo regional de ter aumentado as dificuldades financeiras que obrigaram ao aumento do défice e do endividamento da Região. Deste modo, insiste-se na necessidade de alteração dos “critérios de transferências do Orçamento do Estado para a Região Autónoma da Madeira” (VIEIRA, 20145h, 708). A principal receita da Região incidia nos impostos, sendo os diretos de maior peso. Para o período compreendido entre 1976 e 1988, os impostos principais foram a contribuição industrial, o imposto profissional, o imposto de capitais, o imposto complementar, o imposto sobre sucessões e doações, e a sisa. A partir de 1989, passaram a ter destaque o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), como reflexo das mudanças ocorridas com o sistema tributário português. No grupo dos impostos indiretos, existiam: o IVA, o ISP, o selo, as transações internacionais, as estampilhas fiscais, o imposto sobre transações, o imposto de consumo de tabaco, o imposto sobre venda automóvel, e o imposto sobre bebidas alcoólicas e cerveja. Com a lei n.º 13/98 de 24 de fevereiro, a lei de finanças das regiões autónomas, fica consagrada a salvaguarda das receitas geradas na RAM, definida e regulamentada a possibilidade de estabelecer adicionais até 10 % aos impostos (art.º 36), e estabelecida a adaptação do sistema tributário às especificidades da RAM (art.º 33, 37), assim como da fórmula e das regras que passariam a definir as transferências do Estado (art.º 33). Como resultado desta situação, o Orçamento de 2001 estabeleceu alterações às taxas de IRS e IRC cobradas na RAM. A lei orgânica 1/2007, de 19 de fevereiro, aprovou a nova lei de finanças das regiões autónomas e estabeleceu algumas alterações, consideradas penalizadoras para a RAM. Assim, o valor das transferências começou a estar baseado na população (art.º 37). Também o IVA deixou de ser transferido de acordo com uma capitação estabelecida, para ser o valor de facto cobrado. As regras das transferências financeiras foram estabelecidas nos art.os 19 e 51 e foram regulamentadas pela portaria n.º 1418/2008, de 9 de dezembro. Com a revisão constitucional de 1982, foram reforçados os poderes tributários das regiões, permitindo-lhe dispor das receitas cobradas. A lei n.º 9/87, de 26 de março, institucionalizou o poder tributário próprio das duas regiões autónomas. Com o Orçamento de Estado de 2005, foi adotado o mecanismo da capitação subjacente à afetação da receita de IVA pelas regiões autónomas, o que se repercutiu num aumento destas receitas em 6,9 %. A partir de 2007, em conformidade com as alterações vigentes, a receita do IVA deixou de ser feita por capitação. Esta alteração terá conduzido a uma quebra da receita da Madeira em 22,5 milhões de euros. Com a lei orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, são considerados, na definição do valor das transferências, a população, o número de ilhas, e a distância entre a capital do país e o local mais distante, com claro favorecimento dos Açores. Considere-se que o n.º 3 do art. 21.º da lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro, refere que “em caso algum poderá ser adotado um modo de cálculo que origine um menor montante de receitas do que o auferido pelo regime vigente [capitação]”, compromisso corroborado pela redação da alínea a) do n.º 1 do art. 59.º da lei orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro. Daqui resultou, e.g., que a receita de IVA da RAM, em 2007, não poderia ser inferior aos 315,579 milhões de euros. Recorde-se que o compromisso do Orçamento do Estado de 2005, de definição do mecanismo de capitação subjacente à afetação da receita do IVA na RAM, se traduziu num aumento da receita para os cofres da Região em 6,9 %. Com o orçamento de 2007, a cobrança do IVA deixou de depender da capitação para ser o valor de facto cobrado. Há indicações no sentido de um sistema tributário diferenciado para atenuar os custos da insularidade. O art. 5.º do dec. leg. regional n.º 2/2001/M, de 20 de fevereiro, na redação e sistematização dada pelo dec. leg. regional n.º 30-A/2003/M, de 31 de dezembro, estabeleceu a possibilidade de a RAM alterar a respetiva taxa. Em 2004, a taxa de IRC passou de 27 % para 22,5 %. Então, anualmente, o dec. leg. regional que aprovava o orçamento estabelecia a taxa de imposto prevista no n.º 1 do art.º 80 do código do IRC a vigorar na Região. O art.º 2 do dec. leg. regional n.º 3/2001/M, de 22 de fevereiro, na redação dada pelo dec. leg. regional n.º 30-A/2003/M, de 31 de dezembro, consagra a redução das taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Anualmente, o decreto legislativo regional que aprova o orçamento estabelece a taxa de imposto prevista no art.º 68 do Código do IRS a vigorar na Região. A crise iniciada em 2011 com a intervenção das autoridades financeiras internacionais e as regras estabelecidas pelo consequente Memorando assinado com a Troika de credores internacionais obrigaram o Governo regional a rever esta situação diferenciada da cobrança do IRC e do IRS, através do dec. leg. regional n.º 20/2011/M. DR 246 série i de 2011/12/26. A plena autonomia tributária e financeira só foi alcançada em 2005. A partir de 2 de fevereiro de 2005, de acordo com o dec.-lei n.º 18/2005, de 18 de janeiro, o Governo regional passou a exercer a plenitude das competências no que concerne às suas receitas fiscais próprias, e a poder controlar todos os atos necessários à sua administração e gestão. Estas mudanças traduziram-se num aumento da receita fiscal. Esta política de maior justiça nas transferências na RAM levou a Assembleia Legislativa regional a estabelecer um grupo de trabalho para apurar as receitas em falta, de forma a ser estabelecido um método de arrecadação, de controlo e de transferência das verbas a que a RAM tem direito. Também foi constituída uma comissão de inquérito para averiguar se os bancos, que têm a sua sede no continente e exercem a sua atividade na Madeira, reportam, de forma devida, as receitas geradas na Região para efeitos de imposto. Os resultados apontaram para uma incorreta afetação da receita fiscal à RAM. Daí a necessidade de sensibilização das entidades que, apesar de terem a sua sede fora da Região, exercem atividade na Ilha a atividade para a necessidade do preenchimento correto dos modelos de entrega dos impostos, nomeadamente IRC, IRS e imposto de selo. No ano seguinte, também por resolução desta Assembleia, foi sugerida a revisão da lei das finanças regionais, prevista para 2001, que, na verdade, só veio a acontecer em 2006, traduzindo-se em perdas para a Madeira. A aluvião de 20 de fevereiro de 2010 levou a que vários artigos desta lei fossem suspensos e que fosse publicada a lei de meios (lei orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho), que estabeleceu o financiamento para o apoio e a reconstrução dos danos causados pelo temporal na RAM. Os Fundos Estruturais e o Fundo de Coesão são os instrumentos financeiros da política regional da União Europeia, cujo objetivo é reduzir as diferenças de desenvolvimento entre as regiões e os Estados-Membros, participando, assim, plenamente no objetivo de coesão económica, social e territorial. Existem dois Fundos Estruturais: o FEDER, que apoia, desde 1975, a realização de infraestruturas e investimentos produtivos e geradores de emprego, nomeadamente os destinados às empresas; e o Fundo Social Europeu (FSE), instituído em 1957, que apoia a inserção profissional dos desempregados e das categorias desfavorecidas da população, financiando, nomeadamente, as ações de formação. Para acelerar a convergência económica, social e territorial, a União Europeia instituiu, em 1994, um Fundo de Coesão, destinado aos países cujo PIB médio por habitante é inferior a 90 % da média comunitária. O Fundo de Coesão tem por finalidade conceder financiamentos para projetos de infraestruturas nos domínios do ambiente e dos transportes. Contudo, o apoio do Fundo de Coesão está sujeito a determinadas condições. Se o défice público de um Estado membro beneficiário exceder 3 % do PIB nacional (de acordo com as regras de convergência da União Económica e Monetária), não serão aprovados novos projetos enquanto esse saldo negativo não estiver, novamente, sob controlo. O Fundo Europeu de Desenvolvimento, que é, desde 1959, um instrumento da ajuda comunitária de cooperação no desenvolvimento dos Estados ACP e dos Países e Territórios Ultramarinos (PTU), é estabelecido por cinco anos. Destina-se a promover o investimento e a contribuir para reduzir os desequilíbrios entre as regiões da União. Os financiamentos prioritários visam a investigação, a inovação, as questões ambientais e a prevenção de riscos, enquanto os investimentos em infraestruturas continuam a ter um papel importante, nomeadamente nas regiões menos desenvolvidas. Para o sector primário, existe, desde 1 de janeiro de 2007, o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), criado para aumentar a competitividade dos sectores agrícola e florestal, para melhorar o ambiente e a gestão do espaço rural, apoiando o ordenamento do território, e para promover a qualidade de vida e a diversificação das atividades económicas nas zonas rurais. A reforma da Política Agrícola Comum (PAC), de junho de 2003 e de abril de 2004, definiu o FEADER, instituído pelo Regulamento (CE) 1290/2005, para reforçar a política de desenvolvimento rural da União Europeia. O FEADER é, juntamente com o Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), um dos dois instrumentos de financiamento da PAC que substituem, desde 1 de janeiro de 2007, o FEOGA – secção Orientação, e o FEOGA – secção Garantia, respetivamente. O Fundo Europeu das Pescas (FEP) foi um fundo criado para o período 2007-2013 com o fim de facilitar a aplicação da Política Comum da Pesca e apoiar as reestruturações necessárias ao sector. Em termos de apoios europeus, e no que diz respeito à Região Autónoma da Madeira, é de destacar o INTERVIR+, o Programa Operacional de Valorização do Potencial Económico e Coesão Territorial da RAM, aprovado pela Comissão Europeia, através da decisão C, n.º 4622, de 5 de outubro de 2007, que tem por objetivo assegurar o crescimento da economia regional, o emprego, as políticas de proteção do ambiente, a coesão social e o desenvolvimento territorial. Este programa é cofinanciado pelo FEDER e por RUMOS – Programa Operacional de Valorização do Potencial Humano e Coesão Social da RAM, cuja versão final foi aprovada pela Comissão Europeia em 26/10/2007. Ao nível da RAM, são de considerar o Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC), que corresponde, no orçamento, à parte referente aos investimentos, e o Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira (PIDDAR), a designação formal para a concretização anual da estratégia delineada no Plano de Desenvolvimento Económico e Social (PDES), para o período de 2007 a 2013. No debate político, as questões financeiras continuam a ser o calcanhar de Aquiles da autonomia legislada nos finais do séc. XX. Todavia, deram-se passos significativos no sentido de a Região passar a ter o controlo do sistema financeiro, o que permitiria uma gestão certamente mais racional. A lei n.º 19/83, de 13 de dezembro concedeu uma autorização ao Governo para estabelecer o regime das finanças regionais; porém, a distância em relação à meta final era ainda grande, afirmando-se, no orçamento de 1990, que a Região não controlava as variáveis que afetavam a cobrança, quer dos impostos diretos quer dos impostos indiretos que determinavam a respetiva evolução. Essas variáveis foram fixadas pelas leis do OE, limitando-se a Madeira a receber os respetivos impostos cobrados pelo Estado na Região. A sua previsão, por isso, acabou por ser mais difícil do que seria se a Ilha procedesse à respetiva cobrança. Em vésperas da aprovação da lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro, a lei de finanças das regiões autónomas e o orçamento da Região de 1997 foram usados para argumentar em Lisboa o seguinte: a regionalização, melhorando a eficiência e a equidade das finanças públicas, teria de contribuir para uma melhor performance da economia da Madeira, pelo que o modelo de financiamento dos orçamentos regionais deveria permitir às regiões autónomas aproximarem-se do nível médio de rendimento do continente, da igualdade de oportunidades e da igual qualidade de aprovisionamento de serviços e de bens públicos. A definição das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas teria assim de ser feita em respeito pela autonomia regional e num quadro do reforço da coesão económica e social nacional e da solidariedade do Estado. A nova centúria pareceu levar um novo alento aos discursos e às práticas financeiras. O orçamento de 2002 alimentou esta esperança, ao afirmar que “o início do processo de regionalização dos serviços de finanças permitirá importante evolução na gestão, controlo e apuramento da receita tributária, possibilitando uma maior arrecadação de verbas. [...] A Região não dispõe ainda de todos os instrumentos que lhe permitam exercer um controle efetivo” (VIEIRA, 20145g, 91). Em 2005, sabe-se da existência de um grupo de trabalho, “tendo em vista o apuramento das receitas fiscais em falta, circuitos de cobrança, controlo, gestão e afetação às regiões, com significativos resultados ao nível de apuramento de montantes por regularizar na correção dos métodos de arrecadação, controlo e transferência de verbas para os cofres regionais”. Foi, ainda, constituída uma comissão de inquérito, na Assembleia Legislativa Regional, “para averiguar se os bancos que têm sede no continente e exercem a sua atividade na Região Autónoma da Madeira entregam aos cofres da Região as receitas fiscais devidas. As conclusões do relatório demonstram, uma vez mais, a não correta afetação da receita fiscal à Região, onde é efetivamente gerada” (VIEIRA, 20145h, 753). Em 2006, de novo em vésperas de uma nova regulamentação das relações financeiras entre o Estado e a Região, denunciava-se o incumprimento do Estado que, no Orçamento de 2006, não assegurava as transferências dos custos da insularidade e desenvolvimento económico, apontando-se responsabilidades a assumir: “O aprofundamento da autonomia em matéria fiscal, revela-se um instrumento de política essencial para que o Governo regional possa prosseguir uma estratégia de desenvolvimento sustentada, promovendo a maximização da eficiência fiscal e adaptando o sistema fiscal a condições cada vez mais específicas da economia regional, num princípio de unidade diferenciada” (Id., Ibid.). O inevitável aconteceu. Em 19 de fevereiro de 2007, pela lei orgânica n.º 1/2007, o Parlamento aprovou a lei das finanças regionais, revogando a lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro. Aqui ficaram definidos os impostos, pertença da Região, e os mecanismos de avaliação do valor das transferências, de acordo com a população. Perante isto, o Governo regional apresentou a sua demissão a 21 de fevereiro, obrigando a novas eleições regionais onde conquistou uma folgada maioria absoluta. Tudo parecia, então, voltar ao princípio, no debate financeiro das autonomias. Ainda de acordo com a portaria n.º 1418/2008, estabeleceu-se a fórmula de apuramento do IVA e a sua transferência em duodécimos. Esta nova situação implicou uma perda de 22,5 milhões de euros em relação ao sistema de capitação de 1998. Ao Estado, coube o direito de 2 % das transferências do IVA, a título de compensação pela utilização dos seus serviços. No caso dos impostos alfandegários, a sua transferência foi mensal. Uma nova alteração desta lei aconteceu pela lei orgânica n.º 1/2010 de 29 de março. O legislador insistiu na ideia de que “a autonomia financeira regional desenvolve-se no quadro do princípio da estabilidade orçamental, que pressupõe, no médio prazo, uma situação próxima do equilíbrio orçamental” (n.º 1, do art.º 6). Isto abriu o assunto para o estabelecimento de regras apertadas relativamente ao endividamento, que passou a estar sujeito a um valor máximo, enquanto as violações passaram a estar sujeitas a penalizações. Para a Região, o enquadramento do Orçamento da Região Autónoma da Madeira foi estabelecido pela lei n.º 28/92, de 1 de setembro. Esta norma orçamental está dependente da que foi estabelecida para o continente no ano de 1991, em matéria orçamental e de execução, tendo-se aplicado supletiva e subsidiariamente as leis gerais da República e, designadamente, a lei do Orçamento de Estado para 1991, com as devidas adaptações.   Alberto Vieira (atualizado a 14.12.2016)

Direito e Política Economia e Finanças