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fischer, sebastian

Sebastian Fischer foi um médico de clínica geral e investigador científico que viveu algum tempo na Madeira, durante o séc. XIX  e realizou estudos sobre o arquipélago madeirense na área da zoologia. Nasceu a 10 de novembro de 1806, em Munique, onde veio a falecer, a 8 de outubro de 1871. Em 1846, casou-se com Augusta Mulzer, que faleceu em janeiro de 1849. Em abril desse mesmo ano casou-se, em segundas núpcias, com Johanna Behse. Teve seis filhos, um do primeiro casamento e cinco do segundo enlace, dois dos quais sobreviveram apenas alguns meses. Após terminar os estudos, em 1830, na Univ. Ludwig-Maximilian, em Munique, foi para o Egito, onde permaneceu cerca de 10 anos. Durante esse tempo, esteve a trabalhar como médico de regimento no Exército egípcio, tendo participado, em 1835-1836, como chefe dos serviços de saúde, na expedição egípcia contra Hejaz. Foi ainda professor de Anatomia e Cirurgia na escola de medicina de Abu-Zabel. Foi nomeado chefe do corpo médico do exército e exerceu, até 1841, o cargo de diretor do Hospital Central Militar em Kasr El-Aini. De 1843 a 1853, em São Petersburgo, assumiu as funções de médico particular de Maximilian Eugen Joseph Napoleon, duque de Leuchtenberg (1806-1852). Sebastian Fischer acompanhou o duque em quase todas as suas viagens, durante o tempo em que esteve ao seu serviço. Foi numa dessas jornadas, em 1849, que o médico bávaro chegou à Madeira, Ilha que o duque procurara para fins terapêuticos. A fragata da marinha russa Kamtchatka fundeou no Funchal no dia 23 de agosto, mas os passageiros só puderam desembarcar quatro dias depois, devido a o navio ter estado de quarentena (SILVA e MENESES, 1998, 234-235). Na Madeira, S. Fischer permaneceu até 1850 e, como cientista especializado em entomostráceos (uma subclasse dos crustáceos de corpo mole e geralmente parasitas, que inclui os copépodes, as pulgas-de-água, os ostracodes, os trilobites, as cracas e os percebes), realizou investigações na área da zoologia, publicando depois o livro Ueber Entomostraken Madeiras (Munique) e o estudo “Beiträge zur Kenntniss der Entomostraceen”, em Abhandlungen der Mathematisch-Physikatischen Classe der Königlich Bayerischen Akademie der Wissenschaften (Munique). Após a morte do duque, em 1853, Fischer voltou para Munique, onde viveu até ao final da sua vida, dedicando o seu tempo à medicina e às investigações sobre os entomostráceos, tendo sido nomeadas em sua honra as espécies Paradoxostoma fischeri (descrita por Sars em 1866), Loxocorniculum fischeri (descrita por Brady em 1869) e Cypris fischeri (descrita por Lilljeborg em 1883). S. Fischer foi membro da Imperial Society of Naturalists of Moscow; da Academy of Sciences of St. Petersburg, membro correspondente da Royal Bavarian Academy of Sciences e da Royal Bavarian Botanical Society. Entre as suas contribuições para a ciência incluem-se a descrição de 1 novo género (Paradoxostoma Fischer, 1855) e de 31 novas espécies. Da sua vasta bibliografia fazem parte vários estudos científicos, publicados em revistas especializadas e em volume. Obras de Sebastian Fischer: Ueber Entomostraken Madeiras (1855); “Beiträge zur Kenntniss der Entomostraceen” (1860).     Sílvia Gomes (atualizado a 07.12.2017)

Personalidades Biologia Terrestre Ciências da Saúde

aragão, antónio

António Aragão Natural de São Vicente, na ilha da Madeira, António Aragão foi uma figura cultural multifacetada do séc. xx. A poesia terá sido a sua área de eleição, mas fez igualmente experiências no âmbito da narrativa e do texto dramático. Também se dedicou a outros planos de intervenção e de estudo, e.g.: a formação do Cine Clube do Funchal para a visualização de cinema cultural. Dirigiu duas instituições madeirenses de relevo: o Museu da Quinta das Cruzes e o Arquivo Distrital da Madeira. Palavras-chave: António Aragão; historiador; promotor cultural; artista; escritor; escrita experimental. Existem algumas fotografias a preto e branco de António Aragão, no n.º 28 da revista Margem, que lhe é dedicado. Nelas, sobressai uma figura de pequena estatura e de porte cuidado, vestida com um casaco de fazenda e tendo a cabeça coberta com uma boina ou boné de cor preta. Na cara barbeada repousam uns óculos de vista (ou de sol) de aros escuros e grossos, não muito grandes, que estavam bastante em moda na déc. de 60 do séc. XX. Aqueles recobrem-lhe o pequeno rosto e possibilitam o seu reconhecimento: dão-lhe a marca da intelectualidade que o diferenciou. Praticamente todas as fotografias se reportam à fase de maturidade da sua vida, englobando, sensivelmente, o período da déc. de 60 à de 90 do séc. XX. Este retrato caricatural não permite adivinhar a sua genialidade criativa, revelada nas múltiplas classificações que lhe foram atribuídas. Através do índice da revista Margem referida, fica sem se saber se foi promotor patrimonial da comunidade local (ou melhor, regional), historiador, arqueólogo, poeta, ficcionista, dramaturgo, criador experimentalista, pintor, escultor, desenhista, cinéfilo, ou, simplesmente, um intelectual interessado em preservar o passado aberto à novidade do futuro, na vivência do seu tempo presente. Além de possuir outros epítetos, não se resumirá a nenhum deles, porque será a soma de todos. A personalidade de António Aragão recorda os artistas renascentistas, devido à sua insaciedade de saber e de inventar; era uma pessoa curiosa, nutrindo vários interesses. O acervo que foi constituindo, e que algumas entidades públicas, além de outras privadas, tentam adquirir, revela esta pluralidade de interesses e a sua curiosidade pela diversidade cultural. As balizas temporais, medidas entre o nascimento a 22 de setembro de 1921, em São Vicente, na ilha da Madeira, e o falecimento a 11 de agosto de 2008, no Funchal, indicam que António Manuel de Sousa Aragão Mendes Correia viveu quase 87 anos; fá-los-ia no mês seguinte à sua morte, depois de uma fase de doença prolongada. Embora haja uma biografia divulgada e reiterada, seria preciso observar muitos detalhes para compreender inteiramente este homem do séc. XX, amante do passado e do futuro, e para evidenciar a sua faceta artística: foi escritor, poeta, pintor, escultor e também historiador e investigador. De facto, António Aragão destacou-se como um importante vulto da cultura portuguesa, não só pela sua vasta formação académica como pela sua criatividade na cultura e na arte, o que lhe permitiu vencer as barreiras da insularidade e afirmar-se nos meios académicos e culturais nacionais e europeus. O seu carácter irrequieto e polémico afastou-o do conformismo criativo. Era assim na investigação histórica, na etnografia, na pintura, na escultura e na arte da palavra. Além de todas as suas potencialidades e capacidades, também possuía uma grande paixão pelo cinema. Aliás, em 1955, contribuiu para a formação do Cine Clube do Funchal, a fim de possibilitar a visualização de obras de cinema alternativas às classificadas como comerciais. Da sua vida pessoal, poucas informações são divulgadas nas biografias existentes. Provavelmente por vontade própria, intentou separar a sua vida privada da sua vida pública. É sabido que se casou, em Roma, com Estela Teixeira da Fonte, de quem teve um filho, Marcos Aragão Correia, advogado de profissão. Sua irmã, Ruth Aragão de Carvalho, formada em ballet na capital portuguesa, casou-se com o ator Ruy de Carvalho. A nível de formação académica, a vida desafogada dos pais permitiu-lhe ir estudar no Liceu Jaime Moniz, o que poucos jovens ilhéus, sobretudo os nortenhos, podiam almejar. Posteriormente, como acontecia com os setimanistas madeirenses, seguiu para o continente e frequentou a Universidade de Lisboa, instituição onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas, fazendo depois uma especialização em Biblioteconomia e Arquivística na Universidade de Coimbra. Estudou ainda etnografia e museologia em Paris, sob a orientação do diretor do Conselho Internacional de Museus da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Finalmente, dedicou-se ao estudo do Restauro de Arte, em Itália, mais precisamente no Instituto Central de Restauro de Roma, tendo usufruindo de um estágio no Laboratório do Vaticano. Tanto em Paris como em Roma, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). No âmbito do seu percurso profissional, fruto da diversificada e rica formação que tinha adquirido, desempenhou, no plano regional, alguns cargos importantes, tendo dirigido o Arquivo Distrital da Madeira e o Museu Quinta das Cruzes, e sido delegado dos Museus e Monumentos Nacionais na Madeira, associado à Comissão de Arte e Arqueologia da Câmara Municipal do Funchal. Os lugares por onde passou, no domínio laboral, coadunavam-se perfeitamente com os interesses que nutria, quer quanto à museologia, quer quanto à arquivística e à dimensão histórica da sua formação inicial. Notável é a sua atividade enquanto investigador e arqueólogo, da qual derivou vasta e conhecida obra: Os Pelourinhos da Madeira (o seu primeiro livro, de 1959); O Museu da Quinta das Cruzes (1970); Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória (1979); A Madeira Vista por Estrangeiros, 1455-1700 (1981); As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História (1984); O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal (1992). A partir das escavações arqueológicas por si dirigidas no lugar do aeroporto, onde se situava o Convento quinhentista de N.ª Sr.ª da Piedade (Santa Cruz), foi possível proceder ao levantamento da planta geral do Convento franciscano, ao estudo das suas características tipológicas e à exumação de variado espólio, onde se inclui uma vasta diversidade de padrões de azulejaria hispano-mourisca ou mudéjar, proveniente do Sul de Espanha, bem como múltiplos exemplares de azulejaria portuguesa seiscentista e setecentista, e de elementos primitivos em cantaria lavrada: portais do Convento, janelas, arco triunfal da igreja, condutas de águas, lajes tumulares e pavimentos, que passaram a constar nos jardins da Q.ta do Revoredo, Casa da Cultura de Santa Cruz. É de destacar que todos os trabalhos por ele efetuados se encontram devidamente catalogados e documentados com plantas rigorosas, desenhos e fotografias. Também se deve realçar a ação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, que era então o poder executivo do arquipélago, que encomendou e incentivou este trabalho e que, depois de entregue pelo autor, o depositou em grande parte no Museu Quinta das Cruzes. A par da profissão oficial, foi dando realce à sua faceta de artista, como comprovam as suas ilustrações do livro Canhenhos da Ilha de Horácio Bento de Gouveia. Outro exemplo é a sua poesia espacial OVO/POVO, apresentada, em 1977, na XIV Bienal de São Paulo, tendo tido uma exposição em Lisboa, no ano seguinte, e outra em Coimbra, no decorrer de 1980. Outro exemplo ainda foi a exposição PO.EX. 80, que esteve na Galeria Nacional de Arte Moderna, na capital portuguesa, em 1980 e em 1981. A sua vertente artística culminou em 2007, com uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, tendo, porém, exposto também na Madeira. Pese embora estas facetas, será sempre lembrado e reconhecido pela sua intervenção na literatura de cariz experimental, nomeadamente pela sua colaboração na organização dos dois números da revista Poesia Experimental (1964, 1966). A este propósito, como afirma Rui Nepomuceno: “Em Portugal, o experimentalismo poético e literário ocorreu em Lisboa nos meados dos anos 60, mais precisamente em 1964, com a publicação da ‘Revista Experimental 1’; muito embora desde os finais de 50 já tivesse começado a germinar, como até podemos verificar ao cotejar os trabalhos literários de António Aragão organizados e divulgados naquele decénio, na Madeira” (NEPOMUCENO, 22 fev. 2010). É curioso verificar que a linguística teve um papel preponderante neste movimento e, consequentemente, em António Aragão, algo que Rui Nepomuceno também sugere: “Deste modo, na teorização deste movimento, passaram a assumir grande importância e estatuto determinante os diversos fatores relacionados com a ‘Linguística Moderna’, a ‘Semiótica’, o ‘Estruturalismo’, e, obviamente, os diversos aspetos da ‘Teoria da Forma e da Informação’, de que foram principais intérpretes e seguidores no estrangeiro Abraham Moles, Saussure, Jakobson e, sobretudo, o muito citado Lévi-Strauss” (NEPOMUCENO, 22 fev. 2010); e esta influência tem reflexos em toda a sua criação literária (com particular incidência na linguagem verbal). Por conseguinte, foi pela dimensão literária e artística que António Aragão ganhou renome. Esta ligação com a linguagem manifestou-se em muitas das peças artísticas de António Aragão numa fase de maturidade da vida artística, já que teve um percurso marcado por diversos períodos. As artes plásticas associaram-se, de certo modo, à sua poesia, que usou a linguagem verbal como matéria de jogo em quadros ou em textos e não com o valor que tinha para os linguistas, algo que era próprio da poesia experimental. É preciso lembrar que, além de artista, foi curador de arte contemporânea e promoveu diversas exposições, inclusive na galeria associada à editora Vala Comum, que possuía em Lisboa. Ele próprio contribuiu muitíssimo para a produção de obras de arte de diversas tipologias. O fascínio pela impressão e pelos recortes, com colagens e montagens originalíssimas, acentuou esta veia artística, mais inovadora, se assim se pode dizer, do que a que concebeu em suportes como tela ou pedra. A sua obra vivenciou diversas fases, algo que foi mais notório na pintura. De um período figurativo inicial, com tendência naturalista, passou para uma vertente expressionista com opção pela abstração, por via de uma geometrização e autonomia do traço. Produziu, além de óleos, algumas aguarelas e, em determinada altura, recorreu à laca como material. Na última fase, concebeu composições a partir de colagens, construindo as suas pinturas essencialmente pela destruição do material-base (e.g., jornais). Os quadros, as gravuras, as esculturas e as outras peças concebidas por António Aragão, enquanto desenhista, pintor e escultor, têm merecido um estudo cuidado por parte de peritos. É o caso de Isabel Santa Clara, que releva três obras emblemáticas do artista: “Da obra pública de António Aragão, na qual o autor opta por uma figuração abstratizante, destacam-se, em 1960, o monumento comemorativo do quinto centenário da morte do infante D. Henrique, paralelepípedo com desenho inciso, no Porto Santo; os relevos da fachada da Escola Industrial, depois Escola Secundária de Francisco Franco; e um painel cerâmico no mercado de Santa Cruz, de 1962” (SANTA CLARA, “Artes plásticas”). Todas as obras foram fortemente marcadas pela época em que foram criadas. Assim, das peças mais conhecidas, destacam-se, primeiro, os painéis de cerâmica da Escola Secundária Francisco Franco, no Funchal, onde sobressaem vultos que laboram. Depois, o colorido painel de cerâmica do mercado da localidade madeirense de Santa Cruz, que comunga da representação das ilustrações que António Aragão fez para o já referido livro Canhenhos de Horácio Bento de Gouveia. A terceira referência escultórica, que ficou localizada no Porto Santo, é designada popularmente por “pau de sabão”, pela analogia da forma que possui o bloco de pedra com uma medida de sabão azul. A rigidez do padrão comemorativo ficará para a eternidade a evocar o momento celebrativo e a criatividade de António Aragão. O padrão diferencia-se bastante dos painéis porque contém detalhes regionais, onde se observam trabalhadores, essencialmente agrícolas, mas também pescadores, quase todos sem rosto, que surgem a desempenhar tarefas do quotidiano, reportando uma vida de trabalho árduo. É de realçar igualmente a imagem de S.ta Ana, em cantaria rija, na Câmara Municipal de Santana, 1959. Desenho de António Aragão. 1944. Foto de Rui A Camacho   Óleo de António Aragão datado de 23 de Julho de 1946. Foto Rui A Camacho Na pintura, desde a déc. de 40 do séc. XX, evidenciou-se em diversas temáticas abordadas e na exploração de técnicas diferenciadas. Realizou exposições em Portugal (Galeria Divulgação, Quadrante, Galeria III, Galeria Diferença, FCG – II Exposição de Pintura Portuguesa) e no estrangeiro, nomeadamente em Espanha (Madrid, Sevilha, Barcelona), México, França (Paris) e Itália (Roma e Turim), encontrando-se representado em coleções particulares e oficiais em vários países, nomeadamente na Fundação Serralves, em Portugal. António Aragão concretizou um projeto artístico contemporâneo baseado em novas tecnologias numa casa que lhe pertenceu, situada na Lapa, em Lisboa. O projeto enquadrava uma associação de educação popular com uma galeria de arte vanguardista, ao qual foi atribuído mecenato pela Secretaria de Estado da Cultura. Antes da doença prolongada de que padeceu até à sua morte, António Aragão, de volta ao Funchal, pintou os seus últimos quadros, que constituíram uma série que intitulou Os Monstros e consistiram numa crítica corrosiva ao que considerava ser a hipocrisia dominante na sociedade. As últimas exposições individuais em vida de António Aragão foram realizadas na Madeira e comissariadas por António Rodrigues. A antepenúltima teve lugar em abril de 1996, na Casa da Cultura de Santa Cruz, e integrou 16 dos seus últimos quadros, bem como uma seleção retrospetiva de 13 trabalhos, em diferentes técnicas, realizados nas décs. de 50 e 60 do séc. XX. A penúltima, Exposição Retrospetiva, teve lugar na Casa da Luz, no Funchal. A última exposição de António Aragão antes da sua morte ocorreu no Museu de Arte Contemporânea da Madeira (Forte de S. Tiago, Funchal). Verifica-se que, por um lado, numa dimensão quase de intervenção social, se interessou por representar o povo, as pessoas, que não valem por si próprias porque não se identificam individualmente, mas configuram grupos profissionais; por outro lado, criou pinturas de paisagens, habitadas ou não, e exemplares de natureza morta. Estas últimas reportam-se, sobretudo, ao período inicial da produção artística, que foi mudando e se foi adaptando aos gostos e às vivências inspiradoras do criador. Em síntese, Isabel Santa Clara descreveu muito bem a versatilidade de António Aragão: “Uma vertente experimentalista sacudiu o panorama artístico de forma peculiar nas décadas de 70 e 80. No centro desta atividade está a multifacetada figura de António Aragão, de inesgotável disponibilidade para com os novos talentos, cujas inquietações e inconformismos lograva canalizar para uma profícua experimentação artística. Ganharam força as práticas de poesia visual e de mail art, potenciadas pelas capacidades técnicas, a acessibilidade, a rapidez e a liberdade de produção de múltiplos da eletrografia. Surgiu assim Filigrama, mail art zine editada entre 1981-1983, revista de folhas soltas, que ia sendo sucessivamente alterada na sua composição e enviada pessoalmente através dos circuitos internacionais da mail art, que passavam muito especialmente pelo Brasil” (SANTA CLARA, 2010, 186); tendo colaborado em diversas manifestações de mail art, divulgou os seus trabalhos em revistas da especialidade. Compreende-se a estreita interligação, assim sintetizada, entre a obra artística e a produção escrita do artista-escritor. António Aragão terá sido, na juventude, um dos poetas da Tertúlia Ritziana, e, em 1946, com cerca de 25 anos, viu o seu conto “Pressentimento” obter um prémio: o 2.º lugar nos Jogos Florais promovidos pelo Ateneu Comercial do Funchal. Em 1952, colaborou com Jorge de Freitas, com Florival dos Passos, com Rogério Correia e com Herberto Helder, entre outros, no caderno de poesia Arquipélago, e, em 1956, foi editor da revista literária Búzio, impressa e publicada a suas expensas, em que colaboraram, além do próprio, Edmundo Bettencourt, Herberto Helder, Eurico de Sousa, Jorge Sumares, José Escada, Esther de Lemos e David Mourão-Ferreira. A sua vasta obra foi publicada essencialmente no Funchal e em Lisboa, uma obra em que se encontram frequentemente textos criados em conjunto com outros autores. Dos seus trabalhos – livros inteiros, revistas ou composições singulares –, tanto de carácter científico como criativo, referenciamos, em seguida, alguns. São vários os seus textos na déc. de 60, designadamente no âmbito da ficção literária, incluindo a poesia e o teatro; participou em ações coletivas e antologias literárias. Em 1962, escreveu o Poema Primeiro; em 1964, o Romance de Iza Morfismo, e também, com Herberto Helder, Cadernos de hoje (uma antologia de poesia experimental); em 1965, colaborou no suplemento especial do Jornal do Fundão sobre poesia concreta com “Visopoemas” e “Ortofonias” (com Ernesto M. de Melo e Castro); em 1966, compôs Hidra I, Folhema 1 e Folhema 2; em 1967, Operação I; em 1968, Mais exactamente P(r)o(bl)emas; em 1969, “Hidra 2”. Na déc. de 70, publicou, para além da já mencionada monografia O Museu da Quinta das Cruzes, Poema Azul e Branco e o romance Um Buraco na Boca, em 1971; também neste ano, participou na Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa. Em 1972, dirigiu a edição de Arquivo Histórico da Madeira. Boletim do Arquivo Distrital do Funchal, e, em 1973, colaborou na Antologia da Poesia Concreta em Portugal. Em 1975, publicou Os Bancos antes da Nacionalização; em 1976, colaborou na Antologia da Poesia Visual Europeia; e, em 1979, produziu Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977 e a já referida obra Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória. Nos anos 80, manteve o ritmo alucinante de escrita e de publicações. Assim, em 1981, apresentou não só o livro A Madeira Vista por Estrangeiros, 1455-1700, como também a peça de teatro Desastre Nu, que ganhou o 2.º prémio do Concurso de Peças de Teatro Inéditas promovido pela Secretaria de Estado da Cultura em 1980. Também neste ano, escreveu Metanemas e tornou-se um dos fundadores de Filigrama. Em 1982, publicou igualmente o opúsculo de carácter panfletário Pátria. Couves. Deus. Etc. e, ainda neste ano, Joyciana (com Alberto Pimenta, Ernesto M. de Melo e Castro e Ana Hatherly). Em 1983, compôs Líricas Portuguesas. Antologia e, no ano seguinte, iniciou as eletrografias: O Elogio da Loura do Ergasmo nu Atlânticu, Céu ou Cara Dente por Dente e Merdade My Son, realizadas em 1984, 1985 e 1987, sendo publicadas em 1990. Em 1984, com Alberto Pimenta, deu à estampa Os 3 Farros. Descida aos Infermos (uma curiosa troca de correspondência entre os dois autores), além de ter publicado As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História. Ainda em 1984, numa divulgação em dois discos LP, resultado de trabalhos de investigação no campo etnográfico, ganharam visibilidade as suas recolhas de música tradicional das ilhas da Madeira e do Porto Santo, empreendidas na década anterior com Jorge Valdemar Guerra e com o músico Artur Andrade. Em 1985, fez uma exposição itinerante com Poemografias e, em 1987, apareceu uma nova edição, revista e aumentada, de Para a História do Funchal. Já com mais de 70 anos, ainda manteve alguma produção, tendo sido publicados, em 1992, O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal, anteriormente mencionado, e o livro de contos Textos do Abocalipse, que colocaram várias questões, nomeadamente políticas. Além destes títulos, em 1993, foi reeditado o romance Um Buraco na Boca, que recria de algum modo a linguagem verbal, desafiando as convenções da norma. Escreveu ainda para várias publicações: Comércio do Funchal; Línea Sud, Nápoles; Letras e Artes, Lisboa; Expresso; Colóquio-Artes, FCG, Lisboa; Diário de Notícias, Lisboa; Comércio do Porto; Espaço Arte, Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira; e Diário de Notícias da Madeira. A nível internacional realça-se a sua participação em vários fóruns de natureza cultural e artística: Sevilha, 1980; em 1982, Itália e Brasil; 1983, Cuenca; 1984, Comuna de Milão, Itália; 1984, São Francisco, EUA, e Barcelona; 1985, Israel e Nova Iorque; 1986, México e Sevilha; 1987, México e França; 1989, Itália e Paris; 1990, Siegen, Alemanha, México e Washington; e 1992, Madrid. Em suma, as décs. de 60, de 70 e de 80, destacando-se, decerto, o ano de 1981, foram um período muito fértil, marcando toda a sua carreira. Quando se observa detalhadamente a listagem dos títulos, para se quantificarem as publicações não literárias e as literárias, verifica-se que estas se sobrepõem àquelas. Portanto, foi, indubitavelmente, um escritor insaciável e incansável, sendo-o mais de poesia do que de ficção ou de teatro. Contudo, os seus trabalhos não literários, quase todos dedicados à Madeira e ao Funchal, são referências incontornáveis para quem se dedica às temáticas de que trataram. António Aragão faleceu no Funchal, a 11 de agosto de 2008. A sua família doou ao Arquivo Regional da Madeira, posteriormente Arquivo Regional e Biblioteca Pública Regional da Madeira, grande parte do seu espólio histórico. No entanto, o legado do seu acervo artístico ao país e, particularmente, à Madeira foi reconhecido ainda em vida pela Câmara Municipal do Funchal, que atribuiu o seu nome a uma via citadina. Obras de António Aragão: Os Pelourinhos da Madeira (1959); Poema Primeiro (1962); Romance de Iza Morfismo (1964); Visopoemas (1965); Ortofonias (1965); Hidra I (1966); Folhema 1 (1966); Folhema 2 (1966); Operação I (1967); Mais exactamente P(r)o(bl)emas (1968); Hidra 2 (1969); O Museu da Quinta das Cruzes (1970); Poema Azul e Branco (1971); Um Buraco na Boca (1971); Os Bancos antes da Nacionalização (1975); Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977 (1979); Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória (1979); Desastre Nu (1981); A Madeira Vista por Estrangeiros (1981); Metanemas (1981); Joyciana (com Alberto Pimenta, Ernesto M. de Melo e Castro e Ana Hatherly) (1982); Pátria. Couves. Deus. Etc. (1982); Líricas Portuguesas. Antologia (1983); Os 3 Farros. Descida aos Infermos (1984); As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História (1984); O Elogio da Loura do Ergasmo Nu Atlânticu, Céu ou Cara Dente por Dente (1990); Merdade My Son (1990); O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal (1992); Textos do Abocalipse (1992).   Helena Rebelo Miguel Fonseca (atualizado a 14.07.2017)

Artes e Design Cultura e Tradições Populares História da Arte Património Literatura Madeira Cultural Personalidades

laboratório de genética humana

O Laboratório de Genética Humana (LGH) é uma unidade de investigação, na área da genética humana, da Universidade da Madeira. Foi fundado em 2001, com o objetivo de dotar a Região de um laboratório no qual fosse possível a realização de testes genéticos para apoio à população madeirense. Desde a sua criação, o laboratório foi dirigido pelo seu fundador, o Prof. Doutor António Brehm, investigador e docente na Universidade da Madeira. A partir desta data, passou a ser possível realizar na Madeira muitos testes genéticos que eram realizados apenas em território continental. É o caso dos testes de paternidade, dos testes para a deteção de anomalias genéticas e de testes de patologias diversas. O LGH tem duas linhas de atuação: investigação e prestação de serviços. Assim, como resultado de um protocolo estabelecido com o Instituto Nacional de Medicina Legal, o LGH presta serviços na área de genética forense e, em articulação com o serviço de saúde da Região Autónoma da Madeira, nomeadamente com o Hospital Central do Funchal (Hospitais) realiza testes genéticos para diagnóstico precoce de malformações congénitas em fetos humanos com apenas 10 semanas de gestação.   Ana Londral (atualizado a 11.02.2017)

Biologia Terrestre Educação

tabaco

O tabaco chegou a Portugal, no séc. XVI, a partir do Brasil. Começando por ser usado como um produto de uso medicinal, foi, durante muito tempo, uma mercadoria de troca do comércio madeirense com o Brasil. Na Madeira, o seu consumo generalizou-se rapidamente a partir do séc. XVII, com o consumo do tabaco em pó. O cheiro ou o fumo do tabaco faziam parte dos fatores de prestígio social, pelo que todos o consumiam. Palavras-chave: comércio; estancos, tabaco. O tabaco chegou a Portugal, no séc. XVI, a partir do Brasil, tendo sido inicialmente usado como um produto de uso medicinal. O tabaco foi, durante muito tempo, uma mercadoria de troca do comércio madeirense com o Brasil. Trocavam-se pipas de vinho e de aguardente por tabaco, cacau e cravo. Foi o que sucedeu em 1673, com o governador e capitão-general da Madeira João Saldanha de Albuquerque, que requereu os bons ofícios do governador do Maranhão, Pedro César de Menezes, remetendo-lhe tabaco em troca de vinho. A importância deste produto está definida na existência da Alfândega do Açúcar e Tabaco, em Lisboa, que se extinguiu em 1761. A Madeira, que tinha contactos permanentes com o Brasil, passou também a receber este produto, que rapidamente se generalizou em termos de consumo a partir do séc. XVII, com o consumo do tabaco em pó. O cheiro e o fumo do tabaco tornaram-se fatores de prestígio social a que todos aderiam, até mesmo os escravos, pois, em 1694, é referido na nota de óbito de um escravo velho do provedor da Fazenda que este fumava tabaco com cachimbo. Os cachimbos de diversas proveniências que têm sido recolhidos em escavações arqueológicas revelam tal uso alargado. Também não devemos esquecer que o tabaco era conhecido como a “erva-santa” e usado como analgésico. Esta situação resulta das assíduas relações comerciais com o Brasil, assim como do facto de a venda do vinho dever ser feita a troco de mercadorias oferecidas pelos mercadores estrangeiros. Entre estas, surgia o tabaco, que, tendo-se tornado uma moda, viu o seu consumo ultrapassar as barreiras da clausura e chegar até aos conventos de Santa Clara e da Encarnação. Neste último, as freiras recebiam, pelo Dia de Reis, uma ração de sete libras e meia de tabaco. A partir da época filipina, deu-se início ao estabelecimento de contratos de arrematação para a sua comercialização. Em 1639, assistiu-se ao estabelecimento do estanco do tabaco. Estancar é impedir a venda livre de um produto, definindo assim o estanco a situação de monopólio de venda. Com o tempo, o estanco passou, também, a designar o espaço ou local de venda ao público do tabaco. Na Madeira, a R. do Estanco Velho guarda a memória desse lugar, que se manteve até à publicação da lei de 13 de maio de 1864, altura em que foi permitida a plantação de tabaco nas ilhas da Madeira e dos Açores e o seu livre fabrico e comércio. Os chamados estanqueiros do tabaco aparecem como pessoas prósperas, o que pode ser revelador de que esta atividade mobilizava muito dinheiro. A título de exemplo, referimos que, em 1679, Aires de Ornelas e Vasconcelos arrendou este contrato na Madeira e Porto Santo a Manuel Escórcio, por 130.000 réis. A este contrato surgem ligados, no séc. XVIII, os nomes de Pedro Jorge Monteiro, António José Monteiro e Feliciano Velho Oldemberg. Tudo isto porque o tabaco se vendia nos estancos a preços elevados e o seu consumo, bem como o do rapé (tabaco em pó), estava generalizado e manteve-se por muito tempo na Ilha, como testemunha, por exemplo, em 1864, o alemão Rudolf Schultzen, na obra Die Insel Madeira: Aufenthalt der Kranken und Heilung der Tuberkulose daselbst. A situação de dependência económica insular face à metrópole manteve-se por muito tempo, determinada por decretos e medidas limitativas das relações com outros mercados. As ilhas continuaram sujeitas aos monopólios do tabaco e do sabão, sendo o fornecimento local feito através de um estanqueiro que estabelece uma rede em todas as freguesias rurais. Esta imposição e regularidade das relações com a metrópole, associada aos monopólios de fornecimento de alguns produtos, como o tabaco, o sabão e o sal, geraram uma subordinação e dependência que deram forma a um trato comercial desvantajoso, por falta de contrapartidas. Por outro lado, favoreceram o contrabando, que será praticado, ao longo dos tempos, um pouco por toda a costa madeirense. O estanco do tabaco foi estabelecido em 1639, como se disse, e extinto a 23 de agosto de 1642, sendo, no entanto, o contrato renovado em 26 de junho de 1644. A 14 de maio de 1650, foi adjudicado o contrato por sete anos, ficando excluídos do mesmo a Índia, o Brasil e alguns lugares de África. Por alvará de 14 de julho de 1674, foi criada a Junta da Administração do Tabaco, mantendo-se a lei de 28 de fevereiro de 1668, que regulamentava o contrabando desse produto. A sua composição e atribuições foram estabelecidas pelos regimentos publicados em 6 de dezembro de 1698 e 18 de outubro de 1702. A estrutura de funcionamento era definida por um presidente, cinco deputados e um secretário. A estes juntam-se os cinco ministros (um para cada província) superintendentes do tabaco, coadjuvados por meirinhos e seus escrivães, para fiscalizar a atividade comercial em torno do produto e evitar o contrabando, conforme regimento de 23 de junho de 1678. Por alvará com força de lei de 20 de março de 1756, que acabou com os ofícios de executores da Alfândega do Tabaco, foi criado o cargo de juiz executor das dívidas da Junta da Administração do Tabaco. No âmbito das suas competências e atribuições, destaca-se o facto de, durante a sua administração, lhe pertencerem todas as matérias e negócios relacionados com o produto, bem como as causas cíveis e crimes sobre o mesmo. Era também o juiz que provia todos os lugares da Junta, da Alfândega e dos conservadores do tabaco das comarcas. Todo o tabaco para consumo do reino era adquirido pela Junta do Tabaco, que depois o fazia vender nos diversos estancos, por meio de contratadores. O monopólio ou estanco do tabaco, que estava na superintendência da Junta da Administração do Tabaco, ficou, a partir da sua extinção em 15 de janeiro de 1775, a depender da Junta da Real Fazenda. A sua administração na Madeira estava entregue ao provedor da Fazenda, a que se associavam um meirinho do estanco, um escrivão das diligências, um juiz conservador e um administrador recebedor do tabaco. Foram juízes do estanco o célebre poeta Manuel Tomás, autor da Insulana, e Ambrósio Vieira, provedor da Fazenda. O fim do estanco do tabaco foi novamente decretado a 17 de junho de 1830, sendo restabelecido por decreto de 21 de abril de 1832 e contratado ao barão de Quintela, pelo decreto de 10 de dezembro de 1832. Foi depois, de novo, abolido por lei de 13 de maio de 1864, altura em que foi permitido o seu cultivo na Madeira e nos Açores. O contrato do tabaco era uma fonte significativa de rendimento, sendo usado como moeda de troca, como sucedeu, em 1834, ao ser estabelecido como garantia dos empréstimos feitos em Londres pelo Estado português. No séc. XIX, esta indústria teve grande incremento, surgindo duas importantes fábricas em Lisboa e no Porto. Em 1844, surgiu a Companhia Nacional de Tabacos, com sede em Xabregas, a que se juntaram outras três companhias nacionais. Durante esta centúria, esta foi a principal indústria nacional, de forma que, no inquérito industrial de 1881, são referidas 16 fábricas e 6 oficinas em todo o país. Em 1888, a medida de expropriação das fábricas de tabaco, dando-se a exploração à Companhia dos Tabacos de Portugal, gerou inúmeros conflitos no meio nacional. Segundo a lei de 27 de outubro de 1906, regulamentada pelo contrato de 8 de novembro, o Estado tinha uma participação nos lucros de 50 contos, para os anos de 1907 a 1910. Por decreto de 11 de julho de 1907, foi aprovado o contrato para o período de 1 de maio de 1907 a 30 de abril de 1926, em que a Companhia se comprometia, mediante o monopólio da produção do tabaco, a entregar ao Estado uma renda anual fixa de 620 contos e uma participação determinada nos lucros. Por decreto n.º 4510, de 27 de junho de 1918, autorizou-se o aumento do preço do tabaco, mediante um aumento mínimo na participação dos lucros. A 4 de agosto de 1924, foi feito um acordo em que foi fixada a renda para os anos seguintes e alteradas as regras de cálculo da participação nos lucros. A 24 de março de 1924, foi votado o decreto que regulamentaria o novo regime do tabaco, que só foi posto em prática a partir de março de 1926. A partir de 1 de maio de 1926, o Estado passou a administrar diretamente esta atividade, conforme ficou estabelecido no decreto n.º 11.766, de 24 de junho de 1926. A partir do decreto n.º 13.587, de 11 de maio de 1927, foi estabelecida a liberdade de produção e venda sob controlo do Estado. A partir de então, os lucros do Estado advinham do imposto sobre a produção e participação nos lucros das companhias. Assim, abriam-se as portas à liberdade do fabrico de tabaco que só estava permitido nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. As licenças eram atribuídas, por 30 anos apenas, a empresas cujo capital fosse superior a 1000 contos-ouro. No concurso realizado para a administração das oficinas que pertenciam ao Estado, foi vencedora a Companhia Portuguesa de Tabacos de Lisboa. No caso das ilhas, foi autorizada a livre plantação do tabaco por lei de 13 de maio de 1864, reconfirmada pela lei de 15 de junho de 1864 e pelo decreto de 8 de outubro de 1885. Esta aposta na nova cultura, que não teve sucesso na Madeira, foi considerada uma forma de se procurar meios para segurar a economia agrícola do arquipélago face aos problemas com o comércio do vinho. Foi uma época de experimentação de múltiplas culturas com valor industrial, capazes de substituírem a vinha como factor animador da economia interna e de exportação do arquipélago. As primeiras plantações começaram a partir de 1877, altura em que se fundou a primeira fábrica de manipulação do produto. Com o estabelecimento, em 1908, da Companhia de Tabacos da Madeira e depois, a partir de 1913, da Empresa Madeirense de Tabacos Lda., a exploração ficou quase em regime de monopólio, sob o comando das famílias inglesas, com particular destaque para a Casa Leacock & Co. Ainda no período de 1959 a 1961, na Qt. do Bom Sucesso, propriedade da Junta Geral, se faziam ensaios com a plantação de tabaco. A lei de 13 de maio de 1864 havia estabelecido uma situação distinta para as ilhas no referente ao tabaco, dando-lhes a possibilidade de o cultivar, mas com um agravamento no imposto predial. A 15 de março de 1864, os deputados pela Madeira haviam apresentado uma proposta para a promoção da cultura do tabaco, estabelecendo um imposto de 250 a 500 réis por cada are de terra cultivada, de acordo com a sua qualidade. Entre 1865 e 1875, não houve qualquer tentativa de cultivo da planta na Madeira e era voz corrente a reclamação contra o referido decreto, sendo disso porta-voz o Gov. Civil Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro em ofício de 21 de junho de 1876 ao ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Por outro lado, tal como o havia indicado D. João da Câmara Leme, o tabaco, como outras culturas, não teria grande rentabilidade na Ilha: “Há plantas que, conquanto sejam cultivadas noutros países com muito proveito, e se deem bem neste clima não podem ser cultivadas aqui com vantagem; porque nos faltam condições importantes que, nesses países, favorecem tais culturas: assim não é para a Madeira a cultura em grande escala do algodão, nem a do tabaco, nem mesmo o chá” (LEME, 1876, 19). A Madeira passará, assim, a importar tabaco, especialmente dos Açores, chegando mesmo a importá-lo de Porto Rico, dos EUA, de Cuba e, na déc. de 60, de Angola. Outras vozes se levantaram contra esta situação considerada ruinosa para a Madeira, pelo que começaram a surgir plantações de tabaco um pouco por todo o lado. Desta forma, em 1877, foi criada a Fábrica de Tabacos Madeirense, seguindo-se outras em 1881 e em julho de 1919. Em 20 de janeiro de 1920, criou-se um imposto municipal de $50 por cada kg de tabaco despachado na Alfândega, que, no ano de 1922, rendeu à Câmara do Funchal 21.837$21. Pelo dec.-lei n.º 39.963, de 13 de dezembro de 1954, este foi aumentado para 8$00 por kg, dos quais 6$00 constituía receita das câmaras municipais, pertencendo o restante às juntas gerais. Assim, ontem como hoje, o tabaco mereceu diversas formas de tributação, assumindo-se como uma importante fonte de receita tributária na Madeira. Faltam, no entanto, dados que permitam entender o volume do seu consumo na Ilha. Os novos dados conhecidos referem-se já à déc. de 50 do séc. XX, em que a cobrança atingiu, mais especificamente em 1958, o valor mais elevado: 105.801$20. Será no séc. XX que este produto será alvo de diversas formas de tributação. Na lei n.º 1657, de 3 de setembro de 1924, ficou estabelecido o imposto de 80 réis ouro por cada quilo de tabaco manufaturado na Ilha ou importado dos Açores, coisa que não acontecia nos Açores, nem no continente. Pelas leis de 10 de julho de 1919 e 22 de janeiro de 1920, surgiu o imposto municipal de tabaco que onerava em $50 cada quilo de tabaco exportado na Alfândega. De acordo com o artigo 1.º do dec.-lei n.º 444/86, de 31 de dezembro, o tabaco manufaturado, destinado ao consumo no continente português e nas regiões autónomas, quer de produção nacional, quer importado, está sujeito ao imposto de consumo sobre o tabaco. O valor de 1 % desta receita está consignado ao Ministério da Saúde para a luta contra o cancro. Pelo artigo 7.º do citado diploma, foram fixadas as taxas do imposto de consumo relativo a cigarros, constituídas por dois elementos: um específico e outro ad valorem. O artigo 8.º fixou as taxas do imposto de consumo relativo aos restantes produtos de tabaco manufaturado. A administração do imposto de consumo compete à Inspeção-Geral de Finanças, no que diz respeito ao tabaco saído das áreas fiscalizadas referidas no artigo 19.º, situadas no continente, e à Direção-Geral das Alfândegas, nos restantes casos. Depois, destaca-se o imposto especial de consumo sobre o tabaco que se encontra regulamentado pelo Código do Imposto Especial de Consumo (CIEC), publicado pelo dec.-lei n.º 566/99, de 22 de dezembro. O imposto especial de consumo, ou IEC, é, na verdade, o conjunto de três impostos que incidem sobre certos produtos (tabaco, produtos petrolíferos e bebidas alcoólicas) fabricados ou colocados no território português. Em 2005, a taxa do imposto do tabaco era de 8,69 %, enquanto no continente era 6,6 %, ficando a percentagem ad-valorem em 35 %. As estampilhas fiscais eram usadas em diversas formas de pagamento, nomeadamente taxas e emolumentos, casos em que a receita não pertencia ao imposto do selo. Por lei n.º 150/99, de 11 de setembro, que estabeleceu o regulamento do imposto de selo, as estampilhas fiscais foram abolidas. Parte do imposto sobre o tabaco produzido no distrito do Funchal ou importado das ilhas dos Açores era uma receita repartida entre as câmaras municipais e a Junta Geral. A receita do imposto do tabaco fora atribuída por lei de 10 de julho de 1914 às obras da Junta Autónoma dos Portos da Madeira (JAPAM). Entre 1972 e 1981, entraram na contabilidade da JAPAM 46.400 contos de impostos aduaneiros (entre estes, o imposto sobre o tabaco), 532.980 contos de taxas portuárias e 350 contos de multas. A batalha pela reivindicação de mais receitas para a Junta Geral, que é o mesmo que dizer o retorno das receitas dos madeirenses, continuou. Assim, na sessão de 20 de setembro de 1920, reclamava-se que revertesse para a Junta Geral a totalidade dos impostos lançados pelo Governo central sobre produtos como o tabaco e estabelecimentos bancários, que na Madeira perfaziam cerca de 400 contos e que estavam destinados à assistência pública. O tabaco, por ser um produto sujeito a contrato exclusivo de venda, foi muito cobiçado e apetecido em termos do contrabando. Tal contrabando perdura no séc. XX, sendo uma das atividades ilícitas mais assinaladas e regulamentadas. Neste processo, até o clero intervinha, havendo referência a uma iniciativa nesse sentido por parte de Fr. António de S. Guilherme, em 1768. Recorde-se que, em 12 de novembro de 1768, o Gov. João António Sá Pereira refere que um guardião do convento, o P.e Manuel Joaquim de Oliveira, que contrabandeava tabaco, foi enviado para Lisboa, sob prisão. No séc. XIX, muito deste contrabando de tabaco era feito por Ingleses, nomeadamente a partir da possessão inglesa de Gibraltar. A 1 de fevereiro de 1876, regressava ao Funchal Leland Cossart, deixando o despacho das suas malas a cargo de um seu criado, como era costume. Pelo facto de se ter encontrado tabaco na bagagem, foi o empregado preso. Por força disto, movimentou-se o cônsul britânico em diligências, no continente e junto de autoridades britânicas, conseguindo-se a entrega das malas e, depois, a libertação do prisioneiro. O grande incentivo à cultura do tabaco aconteceu a partir da déc. de 70 do séc. XIX, altura em que surgiu a primeira fábrica, da responsabilidade do visconde de Monte Belo, a que se seguiu, em 1888, outra de João Sales Caldeira, que viria a tornar-se propriedade de Joe Berardo e Horácio Roque. Nos inícios do séc. XXI, a Madeira continua a ter um regime diferenciado no que respeita ao tabaco, existindo uma fábrica, a Empresa Madeirense de Tabaco S.A., que assegura o abastecimento local. Esta empresa, fundada em 1913 a partir da Companhia de Tabacos da Madeira, viu-se obrigada, em 1930, face à concorrência das empresas de tabaco açorianas, a comprar a fábrica Estrela, em São Miguel. Legislação: dec.-lei n.º 444/86, de 31 de dezembro: aprova o novo regime fiscal dos tabacos e revoga os decs.-lei n.º 149-A/78, de 19 de junho, 93/91, de 29 de abril, 196/83, de 18 de maio, 34/84 de 24 de janeiro, 115-A/85, de 18 de abril, e 172-D/86, de 30 de junho; dec.-lei n.º 49/90, de 10 de fevereiro; dec.-lei n.º 231/91, de 26 de junho; dec.-lei n.º 75/92, de 4 de maio; dec.-lei n.º 55/93, de 1 de março; dec.-lei n.º 325/93, de 25 de setembro; decs.-lei n.º 75/94, de 7 de março, n.º 221/94, de 23 de agosto, n.º 197/97, de 2 de agosto, pela lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro, e pela lei n.º 10-B/96, de 23 de março; dec.-lei n.º 103/96, de 31 de julho; dec.-lei n.º 197/97, de 2 de agosto; lei n.º 127-B/97, de 20 de dezembro; dec.-lei n.º 566/99, de 22 de dezembro; dec.-lei n.º 170/2002, de 25 de julho; diretiva n.º 2002/10/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro; desp. normativo n.º 14/2005, de 24 de fevereiro; desp. normativo n.º 2/2004, de 10 de janeiro; dec.-lei n.º 155/2005, de 8 de setembro.   Alberto Vieira (atualizado a 30.01.2017)

Biologia Terrestre Património História Económica e Social

prego, joão da mota

João da Mota Prego nasceu em Guimarães, em 1859. Foi engenheiro agrónomo e residiu temporariamente no Funchal. Escreveu um importante artigo sobre a agricultura, a indústria e o comércio na Madeira e no Porto Santo, o qual foi publicado no volume Notas sobre Portugal, apresentado na exposição nacional do Rio de Janeiro em 1908. Segundo o Elucidário Madeirense, os estudos e as experiências deste engenheiro agrónomo, aquando da sua estadia na Madeira, contribuíram para o aperfeiçoamento do fabrico do queijo. Além de diversas publicações relacionadas com o seu trabalho de engenheiro agrónomo, João da Mota Prego foi também autor de romances, sendo, enquanto tal, estimado pelos escritores vimaranenses. Morreu em 1931.   Ana Londral (atualizado a 03.02.2017)

Biologia Terrestre Física, Química e Engenharia

busk, george

(São Petersburgo, 1807 - Londres, 1886) Médico e naturalista, exerceu funções no Seamen’s Hospital Society (SMS), no Reino Unido, e fez importantes contribuições para as áreas da epidemiologia, da parasitologia e da paleontologia. Descobriu, em 1843, 14 vermes parasitários do duodeno, que foram denominados Fasciolopsis buski em sua homenagem e, como naturalista, dedicou-se ao estudo de invertebrados marinhos, tendo descrito 45 espécies de filo Bryozoa da Madeira, a partir de amostras que lhe foram enviadas James Y. Johnson Foi, também, o responsável pela observação do primeiro crânio adulto de Neandertal descoberto, em 1848, em Gibraltar. Trocou correspondência com Darwin, recebeu numerosos prémios de reconhecimento e foi membro fundador da Microscopical Society.   Palavras-chave: George Busk; Bryozoa da Madeira; Buskia; Fasciolopsis buski; crânio de Gibraltar; correspondentes de Darwin . Busk nasceu a 12 de agosto de 1807, filho de colonos ingleses, em São Petersburgo, Rússia. Completou todos os seus estudos no Reino Unido, primeiro na Dr. Hartley’s School, em Yorkshire e, depois, na Royal College of Surgeons, em Londres. Como médico, contribuiu para o conhecimento de diferentes epidemias. Em 1838, e.g., publicou, juntamente com o seu colega George Budd, um relatório sobre 20 casos de cólera (Report of Twenty Cases of Malignant Cholera that Occurred in the Seamen’s Hospital-Ship) e escreveu relatórios para a SHS sobre outras doenças, como o escorbuto e a varíola. Também no campo da parasitologia, fez valiosas descobertas, tendo, em 1843, descrito 14 vermes parasitários do duodeno. Estes trematodes foram depois chamados Fasciolopsis buski em sua honra. As suas aportações nesta área tornaram-no tão conhecido que, numa carta a Charles Darwin de 1863, Joseph Hooker descreve Busk como “o cérebro mais fértil que conheço em tudo o que diz respeito ao estômago” (“George Busk”, Darwin Correspondence…), facto que levou Darwin a escrever-lhe para pedir conselho sobre os seus próprios sintomas gástricos. Darwin também escrevera a Busk para pedir a sua opinião sobre outros assuntos, nomeadamente se haveria alguma relação entre a cor do cabelo e a suscetibilidade às doenças tropicais nos soldados britânicos, e sobre a evolução dos Bryozoa. Em 1864, Busk, na altura membro do conselho da Royal Society, foi um dos que persuadiram a Sociedade a outorgar a Darwin a Medalha Copley, a condecoração de maior prestígio no domínio das ciências. Durante a sua vida, especialmente após a sua reforma da SHS, em 1855, George Busk dedicou-se ao estudo dos Bryozoa (ou Polyzoa). Embora não haja registos de ter estado alguma vez na Madeira, recebeu muitas amostras de Bryozoa desta ilha enviadas por James Yate Johnson (1820-1900), e fez uma contribuição importante para o seu conhecimento, descrevendo no total – como se referiu – 45 espécies nos vários artigos que publicou no Quarterly Journal of Microscopical Science: “Zoophytology”, “On some Madeiran Polyzoa”, e “Catalogue of the Polyzoa, collected by J. Y. Johnson, Esq. at Madeira in the years 1859 and 1860”. A sua coleção foi depositada no Museu de História Natural de Londres. Um novo género de Bryozoa, Buskia, foi-lhe dedicado por Alder, em 1856. George Busk também se interessou pela paleontologia. Traduziu o trabalho onde Shaaffhausen descrevia os restos de esqueletos humanos descobertos no vale de Neander (“o homem de Neandertal”) e, em 1863, viajou até Gibraltar, para visitar a caverna onde tinha sido descoberto, em 1848, o primeiro crânio adulto de Neandertal. Foi o responsável por levar para Londres este “crânio de Gibraltar”, publicando o resultado das suas observações em 1864, no The Reader, com o título “Pithecoid priscan man from Gibraltar”. Casou-se, em 1843, com uma prima direita, Ellen, e teve duas filhas. Foi membro de muitas sociedades científicas e ganhou vários reconhecimentos. Por exemplo, foi um dos fundadores da Microscopical Society, em 1839, foi nomeado membro da Linnean Society em 1846, da Royal Society em 1850, da Zoological Society em 1856 e da Geological Society em 1859. Recebeu a Medalha Real em 1871, a Medalha Lyell em 1878 e a Medalha Wollaston em 1885. Faleceu na sua residência em Londres, a 10 de agosto de 1886. Obras de George Busk: Report of Twenty Cases of Malignant Cholera that Occurred in the Seamen’s Hospital-Ship (1838), com George Budd; “Zoophytology” (1858); “On some Madeiran Polyzoa” (1858 e 1859); “Catalogue of the Polyzoa, collected by J. Y. Johnson, Esq. at Madeira in the years 1859 and 1860” (1860 e 1861); “Pithecoid priscan man from Gibraltar” (1864).   Pamela Puppo (atualizado a 25.01.2017)

Biologia Terrestre Ciências da Saúde