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remates de telhado

Uma das originalidades da arquitetura popular madeirense são os remates de telhado, colocados nos extremos dos beirais, que aparecem, por exemplo, com cabeças de menino e de senhora, pombas, bem como outros animais, folhas de acanto, naturalistas e estilizadas, numa diversidade francamente interessante e quase única no contexto nacional. Não temos referências sobre a sua origem, sendo sempre evasivas as respostas dadas pelos mais antigos proprietários, que se refugiam no costume e pouco mais. Nenhum deles conseguiu, pois, explicar por que se optou por este ou aquele modelo e não por outro, não tendo, em princípio, a mínima ideia de qualquer significado que possam ter estes elementos. Cabeça de menino. Foto: BF As construções urbanas e mais abastadas apresentam remates congéneres da arquitetura portuguesa e internacional divulgada nos finais do séc. XIX, com recurso a platibandas rematadas com urnas, algumas de faiança das fábricas do norte de Portugal, provavelmente de Vila Nova de Gaia. Já muito raras são as figuras alegóricas, igualmente em faiança, que proliferaram também a partir dos finais desse século como remates de fachada, sendo quase todas entretanto apeadas, tal como as decorações de algumas fachadas com azulejos arte nova, que vão igualmente rareando. Se alguns remates centrais de telhado em forma de agulha são semelhantes aos vigentes no continente, os figurativos que rematam os beirais na arquitetura popular madeirense afastam-se, no entanto, totalmente dos congéneres continentais, constituindo uma marca e uma presença profundamente originais que teima em sobreviver. A configuração destes remates de telhado que conhecemos na Madeira não é, em princípio, muito antiga, pois que a cobertura por telha com beiral não deve ser anterior aos meados do séc. XVIII. Na pouca iconografia que conhecemos, quase toda de caráter senhorial ou militar, as coberturas de telha são interiores às empenas, fazendo convergir as águas sempre para caleiras igualmente interiores e saindo as mesmas por gárgulas na divisão dos telhados, quase sempre múltiplos. Acresce que, até meados e finais do séc. XIX, a arquitetura popular e tradicional madeirense manteve-se com coberturas de colmo, sendo raras as coberturas de telha. Nas descrições dos muitos viajantes estrangeiros que passaram pela Madeira, em princípio mais sensíveis às especificidades locais que os naturais, não lhes é feita qualquer referência aos remates, pelo que, a existirem, não teriam, por certo, a exuberância que lhes conhecemos hoje. A atenta inglesa Isabella de França (1795-1880), no Journal da sua visita à Madeira, em 1853, dedica duas linhas à arquitetura popular, dizendo apenas que, nas habitações mais modestas, “as telhas estão seguras com pedras, de forma que o vento as não leve, e rematam-se no topo com uma panela de barro invertido” (FRANÇA, 1970, 65). A utilização destas marcas ou sinais, no entanto, tem de ser muito antiga e de se encontrar profundamente enraizada no sentir e viver populares para ter tido, nos inícios do séc. XX, a espantosa e invulgar popularidade com que chegou até nós. Sendo já pontual nos Açores – em alguns casos, por recente importação da Madeira, como na Caloura, na ilha de S. Miguel –, reduz-se, no território continental, a uma outra estilização mais erudita e cosmopolita do que a existente nas áreas periurbanas e rurais madeirenses. Aliás, também na área periurbana do Funchal e nas habitações mais abastadas, a opção vai para a aplicação de elementos mais estilizados e menos figurativos, como folhas de acanto e concheados. Este costume perdeu-se quase por completo nos Açores, sendo, no entanto, referido por vários investigadores, como Luís Bernardo Leite de Ataíde, Alfredo Bensaúde e Ernesto Ferreira, que associam essas antigas representações às festividades do Espírito Santo, embora admitindo o seu cariz arcaico e fálico. Efetivamente, até o termo “pomba” ou mesmo “pombinha” têm em ambos os arquipélagos fortes ressonâncias sexuais, sendo, tanto nos Açores como na Madeira, fortemente inibitórios. De resto, a pombinha do Espírito Santo, tão celebrada pelos foliões, representa sempre a proteção e é celebrada como símbolo da abundância e da fecundidade, não espantando o seu aparecimento emblemático nas habitações, como elemento zelador da família no campo da saúde, bem-estar e alegria do lar. Pombo. Foto: BF A grande diferença dos remates madeirenses é a sua associação às cabeças de menino, mas também a cabeças femininas, mais requintadas e com elementos específicos de abastança, como brincos e colares. Parece, assim, estar-se na presença, não só de símbolos de virilidade, fertilidade e abundância, como seriam as pombas evocativas do Espírito Santo, que a Igreja Católica reservou como instrumento divino de Encarnação da Virgem, como da felicidade imediata do casal, como seriam as cabeças de menino, alusivas aos filhos que geraram. A generalização do costume dos remates de telhado em forma de pomba levou, no entanto, à sua utilização em outras habitações, como na residência paroquial de S. Pedro do Funchal, um dos poucos exemplares verdadeiramente artesanais localizados em plena cidade e obtidos pela modelação de argamassa e telha recortada. A enorme divulgação dos remates de teto figurativos na Madeira parece estar associada ao surto de construção ocorrido entre os finais do séc. XIX e os inícios do XX, que surgiu na sequência da divulgação da telha Marselha e adveio do poder económico dos emigrantes de “torna-viagem” (Emigração), especialmente de Demerara, daí a designação “demeraristas” dada às suas habitações (Arquitetura). Deve datar dessa época a encomenda massiva às antigas olarias madeirenses dos remates e a sua execução em barro então cozido por moldes, embora também apareçam exemplares em fibrocimento. Existem cerca de meia dúzia de variantes das pombinhas, em repouso ou com asas levantadas, sendo inclusivamente utilizadas como remates e decoração das asnas superiores dos tetos, que parecem já apontar, por vezes, para um gosto orientalizante ou orientalista, dito “chinoiserie”. A utilização destes remates é, aliás, muito comum na arquitetura chinesa, tendo influenciado decidamente alguns exemplares madeirenses mais eruditos, como os dragões chineses que ainda subsistem numa habitação abastada do sítio do Trapiche, na freguesia de Santo António do Funchal, onde as telhas de divisão das águas se apresentam decoradas no dorso com elementos lanceolados, e que também existiram numa outra habitação da freguesia do Monte, junto do cemitério, que foi já demolida. A imaginação popular, entretanto, foi criando outras variantes, como papagaios, muito divulgados, alguns tipos de cabeças de cão, gatos em meia figura – que surgem no centro de Machico ligadas às datas de 1924 e 1932 – e galos, sendo estas duas últimas figuras algo raras. Relativamente às figuras de cão, deve registar-se alguma influência inglesa, uma das matrizes de referência da cultura madeirense dos finais do séc. XIX, pois que o modelo que se tipificou foi o do buldogue, e não o dos normais cães de guarda portugueses. As variantes das folhas de acanto também são várias, podendo aparecer colocadas na vertical ou inclinadas e simplificadas para pequenos elementos lanceolados ou pela aplicação de simples pontas obtidas pelo recorte de telhas. Divulgaram-se igualmente elementos inspirados em concheados, conhecidos como “patas de leão”, que, dada a extinção das olarias na RAM, passaram a ser comercializados por olarias continentais. Os novos modelos da arquitetura e da construção civil já não contemplam a aplicação destas antigas marcas ancestrais e o encerramento das olarias madeirenses, na última década do séc. XX, decretou o fim desta ancestral tradição.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

Antropologia e Cultura Material Arquitetura Cultura e Tradições Populares

grupo de folclore da casa do povo de gaula

O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula foi fundado a 16 de setembro de 1978 e tem por objetivo principal divulgar e preservar as tradições da sua terra, através das danças, dos cantares, dos trajes, da reconstituição de costumes e de atividades culturais. Conta com uma intensa atividade, com atuações diversas em festas tradicionais, arraiais e vários eventos culturais, e com a participação em festivais e encontros de folclore. Dos seus registos musicais fazem parte a edição de dois CD (2009 e 2015) e a participação, com o tema “Chama-Rita de Gaula”, no DVD O Melhor do Folclore da Madeira (2014). Palavras-chave: folclore; trajes; música; dança; tradições populares.   O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula foi fundado a 16 de setembro de 1978, por alturas da festa de N.ª Sr.ª da Luz, padroeira da freguesia de Gaula. A iniciativa de formar um grupo de folclore partiu de um conjunto de jovens, com o apoio do P.e Alfredo Aires de Freitas. Chamava-se “Grupo de Folclore de Gaula”. Em 1987, passa a denominar-se “Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula”, ao integrar a Casa do Povo de Gaula, recentemente constituída. De 1987 até 2013, o Grupo foi dirigido por M.a de Fátima Vieira Quintal, substituída depois por Manuel Sena, que assume a liderança em 2014. Na sua formação inicial, contava com cerca de 25 elementos, número que foi aumentando ao longo dos anos, até chegar a cerca de 40 elementos em fevereiro de 2016. As suas idades variam entre os 4 e os 64 anos, predominando a faixa etária dos 15 aos 30 anos. O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula tem como principal objetivo divulgar e preservar as tradições locais, através das danças, dos cantares, dos trajes e da reconstituição de costumes. Gaula é uma freguesia pertencente ao concelho de Santa Cruz e foi fundada a 13 de setembro de 1509. Supõe-se que a origem do seu nome possa estar associada às novelas de cavalaria que têm como protagonista a figura de Amadis de Gaula. Gaula é conhecida por ser a freguesia dos adelos e das amoras. Antigamente, existiam muitos homens, conhecidos por “adelos”, que se dedicavam ao comércio ambulante, vendendo a crédito pelas freguesias da Madeira, e que eram provenientes de Gaula. Os adelos vendiam, principalmente, tecidos (a metro), mercadoria que já se comercializava na Ilha nos princípios do séc. XVII. Eram tidos como homens bem-educados, bem-falantes e bem vestidos. O seu traje típico é constituído por camisa branca, casaco e chapéu escuros e botas chãs. Além da figura do adelo, característica da freguesia, o Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula procura representar, na sua indumentária, a variedade cultural típica da sua terra, e testemunhar a vivência dos seus antigos habitantes. Assim, apresenta o “traje de trabalho”, o “traje de cote” (quotidiano), o “traje de romaria” e o “traje domingueiro”, em uso desde o séc. XVIII até princípios do séc. XX, algo que resulta de investigações em livros e gravuras e de recolhas orais junto dos residentes mais idosos da localidade. No traje feminino, sobressaem as saias compridas, listadas ou de cor única. As saias listadas apresentam várias cores: fundo vermelho, com listas de cor verde, amarela e azul (o típico padrão madeirense); verde e branca; castanha e laranja; preta e branca; branca e castanha. As saias compridas de cor única apresentam também cores variadas, podendo ser de tonalidade castanha, vermelha, cor de vinho, branca, rosa, amarela ou ainda preta. Algumas saias lisas têm um ornamento de outra cor na roda, como a saia de cor castanha, debruada a vermelho, ou a saia vermelha, com um apontamento branco. As saias compridas, listadas ou de cor única, são acompanhadas por blusas brancas, abotoadas à frente, junto ao pescoço, com botões dourados, e por coletes, vermelhos ou pretos, bordados. Alguns elementos femininos usam uma capa, que pode ser vermelha, preta ou amarela. A indumentária complementa-se com um ornamento para a cabeça, a carapuça feita em lã, de cor azul, forrada a vermelho, ou vermelha, debruada a azul. Algumas mulheres também usam um lenço branco, por baixo da carapuça, designado popularmente por “cobre nuca” ou “toalha de cabeça”, sendo este o acessório que diferenciava as casadas das solteiras. Os trajes femininos mais simples são compostos de saias compridas de cor única, acompanhadas de blusas com motivos florais e um lenço na cabeça. No traje masculino, imperam as cores escuras ou o branco (em fatos de linho ou de seriguilha). Os homens vestem: calças pretas e colete preto; calção e colete preto; calças brancas e colete preto ou casaco preto; e ainda calção branco largo, com franzido sobre o joelho. A indumentária masculina completa-se com camisa branca em todas as variantes do traje. Na cabeça, os homens usam carapuça azul, chapéu preto ou barrete de orelhas feito com lã de ovelha. Homens e mulheres usam a tradicional bota chã, confecionada com pele de cabra e sola em pele de vaca, nos modelos masculino e feminino (com uma tira vermelha à volta do cano, no caso das mulheres). Como adereços, o grupo ostenta um cesto de bordado, uma cesta de almoço, um garrafão de cinco litros, uma banheira da lavadeira, um aguador e uma foice. A atividade do Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula tem sido profícua e variada. Na Madeira, regista-se a sua presença em arraiais e em festas tradicionais e religiosas, como nos cantares dos Reis, nas visitas do Espírito Santo, nas missas do parto, nos cantares de Natal, nas festas de Santo Amaro, em Santa Cruz, e nas festas de Natal e fim de ano, no Funchal. Tem participado em diversos eventos culturais realizados na Ilha, como a Festa da Castanha e o Arraial da Ginja, no Curral das Freiras, a Feira das Sopas do Campo, em Boaventura, a Festa da Cebola, no Caniço, a Expo Madeira, no Funchal, entre muitas outras comemorações e festas populares. O Grupo conta também com atuações em unidades hoteleiras e em restaurantes madeirenses, onde usa, sobretudo, o traje típico madeirense, mais conhecido pelo turista. A participação em festivais e encontros de folclore, regionais e nacionais, tem sido uma constante na dinâmica do Grupo, proporcionando-se intercâmbios culturais com outros agrupamentos de folclore e etnográficos. Na Madeira, além da presença regular no Festival Regional de Folclore, destaca-se, em agosto de 2004, a atuação na IV Gala Internacional de Etnografia e Folclore Manuel Ferreira Pio, realizada no Monte, Funchal, que contou também com a participação de grupos de fora da Ilha, v.g., o Grupo Amigos de Punta Rasca (Canárias) e o Grupo Dr. Gonçalo Sampaio (Braga). No âmbito nacional, destacam-se as suas representações em intercâmbios culturais, com os seguintes grupos: Grupo Folclórico e Etnográfico de Fermentelos, em Aveiro (1995 e 2001); Rancho Folclórico “Podas e Vindimas”, em Arruda dos Vinhos (1996); Rancho Folclórico “Os Rurais”, de Água Derramada, no concelho de Grândola, distrito de Setúbal (1997); Grupo Folclórico e Etnográfico de Corredoura, em Guimarães (1998); Grupo de Folclore da Relva, em São Miguel, Açores (1999); e Grupo Folclórico de Fajarda, em Santarém (2002). O Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula, em colaboração com iniciativas da Junta de Freguesia de Gaula, recriou antigas tradições da freguesia, e.g., em 2011, a representação “Levar Comer aos Hômes”, uma tarefa do quotidiano de Gaula, dos anos 50 e 60 do séc. XX, e, em 2013, a “Reconstituição Histórica de Lavar Roupa nos Lavadouros dos Anos 60 do Século XX”, ambas integradas nas festas da freguesia de Gaula. Do seu repertório musical fazem parte bailados e canções recolhidos na localidade – destacando-se o “Chama-Rita de Gaula”, um dos bailados mais antigos da freguesia, executado em roda, e que apresenta características mouriscas –, bem como temas comuns à ilha da Madeira. Os instrumentos musicais do Grupo incluem os cordofones tradicionais madeirenses (viola de arame, braguinha e rajão), tréculas, ferrinhos, brinquinho, bombo, reco-reco, pandeireta, violino e acordeão. Em 2009, contribuíram para o engrandecimento do acervo musical do folclore madeirense, com a edição do seu primeiro CD, composto de 14 peças musicais, nomeadamente “Brinco de Oito”, “ABC do Amor”, “Chama-Rita”, “Pum-pum, Dá-lhe, Dá-lhe”, “Cantiga dos Reis”, “Bate Viradinho ao Chão”, “Mourisca”, “Os Dez Mandamentos”, “Homenagem ao Sr. Marino Marujo (Mourisca)”, “O Paspalhão”, “Dona Alberta”, “Menina Que Sabe Ler”, “Vamos Saltar ao Pau” e “Minha Terra é a Madeira”. Em setembro de 2015, lançaram o segundo CD (no âmbito das comemorações do seu 37.º aniversário e do arraial de N.ª Sr.ª da Luz), composto de 14 temas, alguns dos quais já editados no primeiro. A título coletivo participam, em 2014, com o tema “Chama-Rita de Gaula”, no DVD O Melhor do Folclore da Madeira, um projeto da Secretaria Regional da Cultura, Turismo e Transportes, que juntou 14 grupos folclóricos madeirenses.   Sílvia Gomes (atualizado a 13.12.2017)

Cultura e Tradições Populares Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

gramáticas

As primeiras gramáticas da língua portuguesa de autores portugueses e publicadas em Portugal foram editadas em 1536 e 1540 e elaboradas, respetivamente, por Fernão de Oliveira (1507-1580) e João de Barros (1496-1570). Estes livros marcaram o início do estudo da língua portuguesa como pertença a uma comunidade linguística distinta. Em sentido estrito, não há “gramáticas madeirenses”, uma vez que o dialeto da Madeira é uma variação diatópica do português europeu e que o conceito de “gramática” se enquadra na normalização da língua portuguesa, iniciada no séc. XVI com as gramáticas normativas de João de Barros e de Fernão Oliveira. Há, no entanto, autores madeirenses e personalidades residentes no arquipélago que publicaram gramáticas (de várias línguas), obras de teor linguístico diverso e apontamentos sobre formas dialetais madeirenses. Na maior parte dos casos, as gramáticas em questão serviram o imperativo de assistir os estudantes no estudo de cadeiras ligadas ao português e ao latim. Os títulos das principais obras de cariz linguístico são os seguintes: De Institutione Grammatica Libri Tres (1572, de Manuel Álvares); Principios de Grammatica Portugueza (1844, de Francisco Andrade Júnior); Grammatica Portugueza das Escholas Primarias de Primeiro Grau (1849, do mesmo autor); Grammatica das Grammaticas da Lingua Portugueza, (1850, do mesmo autor); Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacção (1869, de Álvaro Rodrigues de Azevedo); Gramática Portuguêsa, em harmonia com a Reforma Ortográfica ultimamente Publicada (1912, de Alfredo Bettencourt da Câmara); Methodo Michaelense para o Ensino da Lingua Franceza (1861, de Hector Clairouin); O Nec Plus Ultra das Grammaticas Methodicas para o Ensino da Lingua Franceza (1874, do mesmo autor); Colloquial Portuguese or Words and Phrases of Every Day Life (1854, de Alexander J. D. D’Orsey); Estudos de Lingüística, em dois volumes (1939, de Ivo Xavier Fernandes); Questões de Língua Pátria, em dois volumes (1947-1949, do mesmo autor); Topónimos e Gentílicos, volumes I e II (1941 e 1943, do mesmo autor); Apontamentos de Grammatica e Conjugação de Verbos (1905, de Francisco José de Brito Figueiroa); Subsidios para a Bibliographia Portugueza Relativa ao Estudo da Lingua Japoneza e para a Biographia de Fernão Mendes Pinto. Grammaticas, Vocabularios, Diccionários (1905, de João Apolinário de Freitas); Regras Elementares Sobre a Pontuação (1831, de António Gil Gomes); Principios de Grammatica Geral Aplicados á Lingua Latina (1835, de Marceliano Ribeiro de Mendonça); Principios Elementares da Lingua Ingleza, Methodicamente Tratados para Facilitar aos Principiantes o Perfeito Reconhecimento desta Lingua, Tão Util aos Portuguezes (1809, de Francico Manuel de Oliveira); Principios de Grammatica Geral Applicados à Língua Portugueza Publicados e Offerecidos á Mocidade de Goa (1849, de Daniel Ferreira Pestana). O sucesso da primeira gramática madeirense, elaborada pelo P.e Manuel Álvares, manifesta-se no facto de ter sido adotada, até ao início do séc.XIX, por todas as escolas da Companhia de Jesus, não só em Portugal, como por toda a Europa. Esta gramática latina, constituída por três livros (De Etymologia, De Syntaxi e De Prosodia), foi editada 530 vezes, em 22 países, e traduzida para francês, inglês, alemão, espanhol, italiano, boémio, croata, flamengo, húngaro, polaco, chinês e japonês, não havendo contudo qualquer tradução sua para português. Após esta publicação de referência do séc. XVI, os estudos gramaticais foram evoluindo, e passou-se do modelo da gramática especulativa da época medieval para um novo paradigma do estudo da língua, a gramática geral, que se baseia na ideia de que a linguagem é regida por princípios gerais e racionais. De acordo com este pressuposto, a gramática foi descrita como a arte de analisar o pensamento: uma vez que a estrutura da língua é um produto da razão, o pensamento deverá ser expresso de forma precisa e transparente (nesse sentido, passa a exigir-se aos falantes clareza e precisão na forma como se exprimem). A gramática geral deveria funcionar de modo a distinguir, processual e infalivelmente, as ideias válidas das que não o são; levada à perfeição, conduziria à produção de uma língua ideal, universal e lógica, sem equívocos nem ambiguidades, e capaz de assegurar a unidade da comunicação humana. A obra marcante desta tendência do pensamento é a Gramática de Port-Royal (Grammaire Générale et Raisonnée Contenant les Fondements de l’Art de Parler, Expliqués d'une Manière Claire et Naturelle), dos Franceses Arnauld e Lancelot, onde se explicita a noção de signo como meio através do qual os homens expressam os seus pensamentos. A Portugal, a influência desta gramática chegou no séc. XIX, com a Gramática Filosófica da Língua Portuguesa de Jerónimo Soares Barbosa (1822). Nessa época, como consequência da reforma pombalina e da criação do Liceu do Funchal, associadas à perspetiva da gramática geral importada por Jerónimo Soares Barbosa, surgem gramáticas escritas por autores madeirenses e por residentes no arquipélago. Em 1835, é pela primeira vez editada uma gramática na Madeira, Principios da Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina, de Marceliano Ribeiro de Mendonça, na sequência de a Madeira ter sido o primeiro território lusófono, à exceção do continente, a ter imprensa. O primeiro estudioso madeirense a debruçar-se sobre a língua portuguesa é Francisco Andrade Júnior, professor de gramática portuguesa e latina no Liceu do Funchal; graças ao exercício da lecionação, o autor concebeu uma gramática que se tornasse útil à aprendizagem dessas disciplinas. Embora tivesse publicado, em 1844, os Principios de Grammatica Portugueza, com 296 páginas, foi a sua Grammatica Portugueza das Escholas Primarias, que se enquadra no movimento da gramática geral ou filosófica, que representou um caso de sucesso, sendo editada cinco vezes entre 1849 e 1879. Este autor manifestava grande admiração não só pela Gramática Filosófica da Língua Portuguesa, obra que lhe serviu de referência, como também pelo sistema gramatical preconizado por Marceliano Ribeiro de Mendonça em Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina. De facto, o gramático organiza a sua obra de modo análogo ao da Gramática Filosófica de Jerónimo Soares Barbosa, embora a ordenação dos capítulos não corresponda à do modelo: etimologia, sintaxe, ortoépia e ortografia. Na obra, distinguem-se os dois primeiros capítulos (sobre a etimologia e a sintaxe), cuja extensão reflete a importância dada aos temas de que tratam. Em relação à primeira edição de Principios de Grammatica Portugueza (1844), a primeira parte é dedicada ao estudo da etimologia, com breves referências aos seus objetos de estudo. O Livro 1.º, “Da Etimologia”, está subdividido em sete capítulos que dão a conhecer as principais classes de palavras da língua portuguesa, a sua natureza e variações, cujos títulos são: “Dos Nomes Comuns”, “Dos Adjetivos”, “Dos Acidentes dos Nomes”, “Do Verbo”, “Das Palavras Conexivas ou Preposições”, “Do Advérbio” e “Da Interjeição”. A segunda parte refere-se à sintaxe e tem quatro subdivisões: “Da Sintaxe propriamente dita”, “Da Sintaxe Figurada”, “Da Construção” e “Do Mecanismo do Discurso”. Nesta parte, são apresentadas as principais noções sintáticas (discurso, construção, proposição), e explica-se que a proposição é a enunciação de um juízo, ou seja, é o ato pelo qual se afirma que uma pessoa ou coisa existe de certo modo. Na terceira parte, volta a definir-se o conceito de ortoépia e reflete-se sobre diversas questões relativas à correta pronúncia dos vocábulos, em oito capítulos: “Da Ortoépia em geral”, “Do Tom”, “Da Duração”, “Da Articulação”, “Da Voz”, “Do Acento”, “Das Figuras da Ortoépia ou do Metaplasmo” e “Dos Vícios de Pronúncia”. Na última parte, constituída por seis subcapítulos, o método de apresentação é o que foi seguido nas partes anteriores; contém uma proposta de definição de ortografia como análise da maneira adequada de representar as palavras por meio da escrita alfabética, a qual, por sua vez, regula a ortografia etimológica. Os títulos das seis subdivisões são: “Da Ortografia em geral”, “Do Alfabeto”, “Das Letras”, “Das Sílabas”, “Das Palavras”, e “Dos Sinais Ortográficos”. O autor aproveita, de igual modo, para dar uma definição de alfabeto, que entende ser um complexo de sinais gráficos representantes de cada um dos elementos das palavras – estes sinais chamam-se letras. As letras dividem-se em vogais e consoantes: as vogais representam as vozes, as consoantes soam com as vozes. Há também considerações em relação a outras matérias gramaticais: a função modificadora dos adjetivos, o papel determinativo dos artigos definidos, o valor circunstancial do gerúndio, a diferença entre voz ativa e voz passiva, a definição de locução prepositiva. Analisando a obra Principios de Grammatica Portugueza, conclui-se que se trata de um manual composto segundo o modelo da gramática filosófica, repleto de claras noções gramaticais, com exemplos apropriados às matérias apresentadas, o que se adequa à sua finalidade de auxiliar os alunos do ensino primário. É uma gramática bem fundamentada e abrangente em relação aos conceitos linguísticos abordados. Ao ser uma gramática normativa da língua portuguesa, centra-se na explanação de conteúdos morfossintáticos. A terceira parte da obra, dedicada à ortoépia (“Dos Vícios de Pronúncia”, pp. 263-264), faz também referência às formas dialetais madeirenses. Em primeiro lugar, alude ao facto de o falante ilhéu acrescentar sons ou articulações à etimologia das palavras, v.g., ao pronunciar um a- antes de algumas formas verbais (substituição de voar por avoar); em segundo lugar, faz menção do acrescento, contra o uso elegante da língua, de um -â- antes de alguns ditongos como -ôa, -ôe e -ôo (bâoa em substituição de bôa, sâoe em vez de sôe e mâoo em lugar de môo); por fim, há uma referência à troca de um som por outro, como nos casos da troca de um -e- grave acentuado por -a- grave, antes de uma articulação chiante ou de uma molhada, e do -e- agudo, antes das mesmas articulações, por -ei- (pâjo por pêjo, meicha por mécha, tânho por tenho, tâlha por têlha, hireige por herege, seige por sege). A edição de 1849 de Principios de Grammatica Portugueza expõe as mesmas definições que a de 1844: a gramática é apresentada como a arte de analisar e enunciar o pensamento; a etimologia ensina as palavras com que se faz a análise; a relação das palavras entre si é a sintaxe; a correta enunciação do pensamento pela língua falada é a ortoépia; e a enunciação pela palavra escrita é a ortografia. A obra propõe ser uma exposição sistemática, uma vez que os conhecimentos sobre a língua portuguesa estão espalhados “pelos livros que tratam desta matéria” (ANDRADE JÚNIOR, 1849, 1). O livro é composto por 293 páginas, e está dividido do seguinte modo: “Parte 1.ª Da Etimologia”, “Livro 1.º Da Etimologia”, “Parte 2.ª Da Sintaxe”, “Livro 2.º Da Sintaxe”, “Livro 3.º Da Ortoépia”, “Livro 4.º Da Ortografia”. A etimologia e a sintaxe ocupam grande parte do volume. Fig. 1 – Fotografia da folha de rosto do livro Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacção, de Álvaro Rodrigues de Azevedo, 1869. Outro autor, Álvaro Rodrigues de Azevedo, apesar de não ser um gramático (formou-se em Direito), destaca-se por ter procurado preservar a identidade do povo que se serve da língua portuguesa para comunicar. Deste modo, a pretensão maior da sua obra será desenvolver as competências na produção linguística, na fala (recitação) e na escrita (redação). Na introdução, Azevedo destaca que “a palavra é o objeto comum destas três partes do curso, vista por três diferentes faces. A recitação enuncia-a, a filologia explica-a, a redação emprega-a” (AZEVEDO, 1869, 2). No prólogo, o autor faz a apologia de um povo e uma língua, defendendo que “Portugal ainda pode, se quiser, sob qualquer forma política ou social, o que agora não importa averiguar, viver como povo e como língua” (Id., Ibid., VI e VII). O propósito da edição de Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacção é suprir a falta de um manual auxiliar ao ensino da cadeira cuja regência competia a Álvaro Rodrigues: “A cadeira foi criada há seis anos. De então até hoje, nem programa, nem compêndio para ela” (Id., Ibid., VIII). Esta obra está dividida em três partes (recitação, análise filológica e redação). Apesar de, no final do 1.º volume, se publicitarem os restantes volumes desta obra através de sumários, há indícios de que aqueles não terão sido publicados. O volume que se conhece, o qual trata da recitação, aparece organizado em três partes: “Noções Gerais” (pp. 11-32), “Leitura em voz alta” (pp. 33-54) e “Recitação propriamente Dita” (pp. 55-170). No fim do Curso Elementar de Recitação, Azevedo esquematiza os outros dois volumes. Na 2.ª parte, o tema seria a filologia, o qual seria tratado em sete partes: linguística, lexiologia, fonologia, sinonímia, homonímia, ortografia e lexicologia. A 3.ª parte, sobre a redação filológica, distinta da gramatical e da literária, seria apresentada em quatro livros, correspondentes aos seguintes temas: pureza, propriedade, correção e clareza. O manual aparenta ter sido um apoio efetivo à cadeira lecionada por Álvaro Rodrigues. Fig. 2 – Fotografia da folha de rosto da Grammatica da Lingua Portugueza, de João de Nóbrega Soares, 1884. A Grammatica da Lingua Portugueza de João de Nóbrega Soares é, a nível pedagógico, uma das gramáticas mais bem concebidas de autoria madeirense. Segue as diretrizes teóricas da época e apresenta as matérias com simplicidade e de forma esclarecedora. Na introdução, o autor faz questão de mencionar os dois principais tipos de gramática, “a ciência da palavra” (SOARES, 1884, 3): a geral, “que trata dos princípios fundamentais comuns a todas as línguas” (Id., Ibid., 3), e a particular, “que se ocupa das leis e preceitos concernentes a cada língua em especial” (Id., Ibid., 3). Em seguida, define a gramática portuguesa como “a arte de exprimir corretamente o nosso pensamento na língua portuguesa” (Id., Ibid., 3), o que, nos termos da gramática filosófica, resulta em que o estudante associe o funcionamento de uma língua concreta e da linguagem à concretização do pensamento humano. João de Nóbrega Soares dividiu a sua gramática em três partes: a fonologia, que “ensina os sons elementares das palavras” (Id., Ibid., 4) e se subdivide em ortoépia e em ortografia, ocupa as pp. 4 a 6; a morfologia, que “ensina a natureza, a classificação, e a inflexão das palavras” (Id., Ibid., 7), preenche as pp. 7 a 47; e a sintaxe, que “estuda o modo de reunir as palavras em proposições e as proposições em discurso” (Id., Ibid., 48), é tratada nas pp. 48 a 65. Nota-se a tendência descritiva da gramática, pelo facto de se apresentar, essencialmente, como um tratado de morfologia e de sintaxe, bastando, para o constatar, reparar na extensão que cada uma das temáticas ocupa no corpo da obra. Na fonologia, será explicado o que se entende por palavra, sílaba, som, letra, vogal, consoante, acentuação, ditongo. É um capítulo pouco extenso, cuja função é a de oferecer um esclarecimento sobre os sons da língua portuguesa. No segundo capítulo, dedicado à morfologia, o estudo recairá sobre as oito classes de palavras, as quatro variáveis (substantivo, adjetivo, pronome, verbo) e as invariáveis (advérbio, preposição, conjunção, interjeição). Na 1.ª parte deste capítulo, são analisados os substantivos próprios e comuns e a sua flexão em género e em número. No subcapítulo seguinte, referenciam-se os adjetivos: atributivos, determinativos e quantitativos. É na subclasse dos adjetivos determinativos que o gramático inclui o artigo, não considerado pelo autor como uma classe de palavras distinta, visto que “por si nada significa, mas que, juntando-se a um nome, serve para lhe individualizar ou determinar mais ou menos a sua significação” (Id., Ibid., 17). A classe dos numerais não é considerada como independente, pelo que é integrada na subclasse dos adjetivos quantitativos, os quais, quando junto do substantivo, exprimem a ideia de quantidade. Os pronomes, “palavra usada em lugar do nome” (Id., Ibid., 20), são estudados em sete subclasses: pessoais, possessivos, demonstrativos, relativos, interrogativos, reflexos e recíprocos. O verbo, “a principal palavra do discurso” (Id., Ibid., 22), ocupa uma parte considerável do capítulo da morfologia, por ser o tema mais complexo. A abordagem orienta-se pela necessidade de estudar, em primeiro lugar, as suas flexões em modo, tempo, número e pessoa, e, em seguida, as suas três conjugações (em -ar, em -er, em -ir). Como auxílio deste método de aprendizagem, são apresentadas algumas tábuas de conjugação dos verbos auxiliares (“ser”, “estar”, “ter”, “haver”), regulares (“falar”, “vender”, “unir”) e irregulares. No final do estudo da morfologia, há referência às palavras invariáveis: a preposição, que “liga duas palavras” (Id., Ibid., 45); as conjunções, que “unem palavras ou proposições” (Id., Ibid., 45); os advérbios (de tempo, lugar, modo, quantidade), que “aparecem juntos aos verbos, aos adjetivos e algumas vezes a outros advérbios para modificar ou qualificar o sentido da palavra ou palavras a que se unem” (Id., Ibid., 45); e a interjeição, que “é uma exclamação ou grito articulado, para exprimir algum sentimento em uma fórmula abreviada” (Id., Ibid., 46). O capítulo da sintaxe, no qual se explica como se forma o discurso, através da conjugação das palavras e da relação das orações, subdivide-se em dois subcapítulos: o da sintaxe das palavras e o da sintaxe das orações. O subcapítulo sobre a sintaxe das palavras aborda as relações de identidade e de regência (regras de concordância e de determinação, respetivamente), com exemplos relativos aos diversos tipos de complemento (terminativo, restritivo, objetivo e circunstancial), bem como a definição dos termos essenciais da oração (sujeito e atributo ou predicado) e a exemplificação das espécies de proposição. Quanto à sintaxe das orações, explicam-se a relação de coordenação (identidade e exclusão) e a relação de subordinação (determinação, ampliação e restrição). O capítulo da sintaxe conclui com uma definição de discurso, entendido como pensamento enunciado por uma série de proposições, com a breve explicação do funcionamento de nove sinais de pontuação e a exploração de figuras sintáticas da sintaxe irregular (elipse, pleonasmo e enálage). No séc. XX, há a registar o aparecimento de duas figuras notáveis na produção de gramáticas na Madeira, Francisco José de Brito Figueiroa Júnior e Alfredo Bettencourt da Câmara. O primeiro publicou os Apontamentos de Grammatica e Conjugação de Verbos para Uso dos Alumnos que Frequentam a 4.ª Classe das Escolas Primarias, em harmonia com o Respectivo Programma Oficial (Funchal, 1906), com um total de 48 páginas, e o segundo escreveu a Gramática Portuguêsa em harmonia com a Reforma Ortográfica ultimamente Publicada (Funchal, 1912), com 241 páginas. Apontamentos de Grammatica e Conjugação de Verbos… apresenta, na primeira página, uma definição de gramática e a estrutura da obra com as suas partes. É de notar que se exclui implicitamente a noção de que se deve falar e escrever corretamente, uma vez que se admite como possível o uso da língua com eficácia, mesmo se distante do rigor formal. É a apologia da linguística moderna: mais importante do que a correção é a comunicação. O autor divide a gramática em três partes: a fonologia, que trata dos sons das palavras; a morfologia, que estuda as diferentes formas que as palavras podem apresentar; e a sintaxe, que indica a colocação das palavras no discurso. Com as três páginas da fonologia, inicia-se o estudo da gramática, com três parágrafos sobre a ortografia e a pontuação. Deste modo, a fonologia resume-se à apresentação do alfabeto ou das letras, vogais e consoantes, e dos sinais fonéticos (sons). O capítulo da morfologia é o mais extenso (tem 38 pp.), formando o corpo principal do texto. Deduz-se, assim, que a gramática é, à data, mais um tratado sobre as palavras do que um estudo acerca dos sons ou sobre a construção de frases. Este capítulo, onde se analisam mais as palavras variáveis (substantivos, adjetivos, verbos, artigos e pronomes) do que as invariáveis (advérbios, preposições, conjunções e interjeições), é nomeadamente dedicado à flexão dos substantivos, dos artigos, dos adjetivos e dos pronomes. As restantes páginas ocupam-se da flexão verbal (pp. 16-41). Embora lhe faltem rigor científico e um método minimamente abrangente, de modo a constituir-se como uma gramática completa, a obra cumpre o propósito de ser um pequeno e prático tratado sobre a flexão de substantivos, artigos, pronomes, adjetivos e verbos. Alfredo Bettencourt da Câmara – professor primário, tal como Francisco José de Brito Figueiroa Júnior –, produziu a Gramática Portuguêsa em harmonia com a Reforma Ortográfica ultimamente Publicada, onde apresenta, como capítulos estruturantes, a fonologia, a morfologia e a sintaxe. Em anexo à Gramática Portuguêsa…, Alfredo Bettencourt da Câmara publicou um livro de Exercícios sobre a Conjugação dos Verbos Regulares e Irregulares (Funchal, 1915), a parte da gramática mais desenvolvida por Francisco Figueiroa Júnior. Para o autor da , a gramática é o tratado de tipo pedagógico cuja finalidade é o ensino. Bettencourt escreve que a sua gramática ensina a falar e a escrever corretamente, o que significa a adoção de uma atitude normativa no ensino da língua, reforçando a ideia de que os alunos devem aprender a língua-padrão. De acordo com os pressupostos em vigor à época, a morfologia domina a extensão da gramática e a sintaxe também tem um valor acrescido. No entanto, a fonologia apresenta aqui uma definição mais completa – ensina a pronunciar todos os sons e a representá-los por sinais a que chamamos letras – e o seu tratamento comporta a subdivisão do respetivo capítulo em duas partes: a ortoépia, que faculta ao estudante a correta pronunciação das palavras, e a ortografia, que ensina a representar as palavras por letras. O capítulo da fonologia encarrega-se de apresentar o alfabeto português e os sons correspondentes a cada vogal. A apresentação de cada matéria faz-se acompanhar de exercícios de consolidação, denotando uma preocupação do autor com a vertente prática, componente importante para a consolidação do estudo de uma língua. As nove classes de palavras, tipificadas como variáveis ou invariáveis, são descritas no capítulo dedicado à morfologia: substantivos, adjetivos, numerais, pronomes e verbos (variáveis); advérbios, preposições, conjunções e interjeições (invariáveis). Este capítulo procede à exposição exaustiva da flexão de cada uma das palavras variáveis. A consideração dos verbos, que ocupa 78 páginas, é feita através da apreciação das suas desinências (sistematização) e em quadros de conjugação (exemplificação). As restantes páginas da morfologia são preenchidas com estudos sobre a formação (composição) de palavras e sobre as palavras invariáveis. São facultadas definições de sinonímia, homonímia, antonímia e paronímia (com exemplos), passíveis de ser consideradas como embrião de um estudo semântico. A sintaxe – a subdivisão da gramática que ensina a composição das partes da oração entre si, de modo a que tenham um sentido completo –, consiste numa exposição teórica e prática das partes da oração e dos tipos de orações, servindo os muitos exercícios disponibilizados para que o aluno compreenda a construção sintática por meio da análise sintática. O autor inclui um apêndice à morfologia, onde explica a utilização sintática e o emprego de certas palavras, e que é um subcapítulo de morfossintaxe; explica ainda o seu modelo de análise sintática e apresenta alguns exercícios de pontuação. Esta gramática, apesar de editada uma única vez, tem um grande valor científico e pedagógico. Daniel Ferreira Pestana (nascido na Madeira, tendo passado a vida quase por completo fora da Madeira) editou, em 1849, Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Portugueza Publicados e Offerecidos á Mocidade de Goa, em Nova Goa, Índia Portuguesa. Esta gramática encerra a curiosidade de ter sido editada por um madeirense fora do território português europeu. Esta gramática tem uma ligação estrutural a duas obras anteriores, Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina, de Marceliano Ribeiro de Mendonça, e Principios de Grammatica Portugueza, de Francisco Andrade, a ponto de o Elucidário Madeirense afirmar que há um plágio evidente em relação à primeira destas obras e, mais tarde, António Cunha Silva considerar havê-lo em relação às duas. Ao seguirmos estas indicações, deparamos com uma umbilical ligação às referidas gramáticas, não só pela semelhança com elas a nível de título, mas também através do paralelismo dos respetivos índices. Assim, ao tomar conhecimento do índice do livro de Daniel Ferreira Pestana e ao compará-lo com o de Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina, o leitor apercebe-se imediatamente da evidente aproximação à obra de Marceliano Ribeiro de Mendonça. A título exemplificativo, é de mencionar a parte dedicada à classificação dos nomes, cuja coincidência com as referidas obras é, a nível dos títulos, notória. Assim, o capítulo da etimologia faz menção “Dos Nomes em geral”: “Nome em geral é qualquer palavra com que designamos – ou ideias que existem per si, – ou ideias que existem naquelas, fazendo parte delas” (PESTANA, 1849, 2). Este capítulo está subdividido em duas partes, “Dos Substantivos” – “nome substantivo designa ideia que existe per si” (Id., Ibid., 2) – e “Dos Adjetivos” – “os adjetivos designam ideias que existem noutras, cuja parte fazem: por consequência – todo o nome que junto a um substantivo faz parte dele, é adjetivo” (Id., Ibid., 4). A gramática de Daniel Pestana está dividida em cinco partes: “Etimologia”, a mais extensa (pp. 1-73), “Sintaxe” (pp. 75-133), “Ortoépia” (pp. 134-176), “Ortografia” (pp. 177-185) e “Parte Acessória” (pp. 187-196). Desta breve abordagem, há algumas conclusões a tirar: regra geral, as gramáticas de língua portuguesa referidas seguem a doutrina da gramática geral ou filosófica; por se tratar de gramáticas normativas e escolares, o dialeto madeirense é praticamente inexistente nas análises destes gramáticos. Mais do que apontar os regionalismos ou os nichos de identidade numa pátria linguisticamente homogénea, parece-lhes importante defender a língua portuguesa como símbolo de um povo: os gramáticos em questão procuram, assim, dar conta da norma-padrão, não fazendo qualquer referência, direta ou indireta, à variante linguística da Madeira (ou fazendo muito poucas). Passando a outro tipo de gramáticas, as de língua latina, Marceliano Ribeiro de Mendonça publica, em 1835, uma obra de iniciação ao latim, Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina, integrando-a no movimento da gramática geral ou filosófica, como é percetível pelo título. Principios da Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina proporciona um manancial de observações no mínimo curiosas. E.g., em relação aos nomes próprios, Marceliano Ribeiro de Mendonça opina que não devem constar da gramática, porque, ao serem uma classe invariável, não há necessidade de serem estudados pela morfologia. No capítulo “Doutros Pretendidos Elementos da Proposição”, o autor defende a inexistência do advérbio e da interjeição, sendo que o primeiro deve ser considerado “uma locução elíptica que equivale a uma proposição com um nome” (MENDONÇA, 1835, 82), e a segunda “é a palavra mais ou menos inarticulada, per meio da qual exprimimos sentimentos e paixões da alma, – palavra que equivale a proposições inteiras” (Id., Ibid., 83); assim, ao não exprimirem o pensamento, estes elementos não devem ser matéria gramatical. Em relação ao método de aprendizagem da língua latina, deverá optar-se por memorizar as desinências, a parte lógica que “nos dá conhecimento dos sinais que entram nessa análise, e se diz etimologia – ou as diferentes relações que os ligam, e denominamo-la sintaxe” (Id., Ibid., 3) e, a posteriori, por declinar os nomes, a parte mecânica que ensina “a enunciar o pensamento – ou per meio da palavra falada, e constitui a prosódia, - ou per meio da palavra escrita, e é a ortografia” (Id., Ibid., 3). Quanto à organização interna, esta gramática latina compõe-se de duas partes: sobre a etimologia/a morfologia e sobre a sintaxe. O gramático começa por definir a etimologia como a parte secundária da gramática, a qual nos dá a conhecer as diferentes espécies de palavras, a sua natureza e as suas variações, segundo o aspeto por que se contemplam e os objetos que designam. Ao estudar a etimologia em geral, Ribeiro de Mendonça considera que todas as palavras de uma língua são redutíveis a duas classes gerais: a das palavras nominativas (nomes) e a das conexivas (preposições). O capítulo sobre a etimologia/a morfologia está dividido em vários subcapítulos. Ao abordar os nomes em geral, o gramático explica que os nomes se agrupam em substantivos, se “designam ideias de objeto” (Id., Ibid., 5), e em adjetivos, “se designam ideias de qualidades, sejam estas físicas ou morais, sejam abstratas ou metafísicas” (Id., Ibid., 6). Por sua vez, os primeiros compõem duas subclasses, substantivos próprios e substantivos comuns, sucedendo o mesmo com os adjetivos, os quais são designados de articulares, quando modificam a “extensão” do substantivo, ou de atributivos, quando alteram a “compreensão” dele. No cap. V, o autor refere os acidentes do nome aplicáveis à língua latina: o género (masculino, feminino, neutro), o número (singular, plural), o caso (nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo) e as cinco declinações. Quanto às tábuas de declinação, Ribeiro de Mendonça sugere a consulta de António Verney. O verbo, de que se trata no cap. VI, é a “palavra por excelência: assim denominamos o atributivo per meio do qual enunciamos a existência real ou abstrata do sujeito da proposição” (Id., Ibid., 16). Nestas páginas, explica-se o que são “pessoas” e “tempos”, e são expostas questões relativas às formas verbais (ativa, passiva e neutra) e aos auxiliares. No que respeita à análise das palavras conexivas ou preposições (cap. VII), refere-se que estas “significam relações” (Id., Ibid., 27); subdividem-se em “preposições propriamente ditas”, pelas quais “significamos certas das relações per que os vocábulos se ligam em preposição como sinais de nossas ideias” (Id., Ibid., 27) e em “conjunções”, “a palavra per meio da qual significamos as relações das proposições no discurso, como sinais de nossos juízos” (Id., Ibid., 29). O último capítulo da 1.ª parte (cap. VIII), sobre a etimologia da língua latina, aborda a questão da existência da classe dos advérbios e da das interjeições. Marceliano adota, aqui, uma das suas posições polémicas em matéria gramatical, nomeadamente no que toca às interjeições: como estas não analisam o pensamento, são apenas um meio pelo qual “exprimimos sentimentos e paixões da alma” (Id., Ibid., 33). Para o advérbio, são indicadas as circunstâncias que este pode sugerir (lugar, tempo, quantidade). A 2.ª parte, sobre a sintaxe, constitui “a parte secundária da gramática que pelos acidentes das palavras, seu lugar em contexto, e pausas que as separam, determina as relações que umas têm para com as outras, em ordem a exprimir um sentido” (Id., Ibid., 33). Deste modo, a sintaxe divide-se em construção e em mecanismo do discurso. As relações sintáticas podem ser de identidade ou de determinação e são estudadas pela sintaxe de concordância e pela de regência, dividida em terminativa, objetiva, restritiva e circunstancial. Na sintaxe figurada, são exploradas figuras gramaticais como a elipse, o pleonasmo, o grecismo e a enálage (cap. IV). No cap. V, sobre a construção, definida como “a disposição que damos às palavras em contexto, segundo o génio de cada língua” (Id., Ibid., 54), expõem-se os seus três modos: direto, inverso, interrupto. No cap. VI, Marceliano Ribeiro de Mendonça apresenta questões relativas ao mecanismo do discurso, definido como “a parte da sintaxe que nos dá conhecimento dos diferentes grupos de ideias, pelas pausas que os separam” (Id., Ibid., 64); as pausas são determinadas pelos sinais de pontuação e organizam os textos em grupos. Para terminar, a obra apresenta uma tábua das conjugações regulares de verbos. Esta gramática revela um cariz marcadamente filosófico, transmitido pela ideia de que a linguagem serve para analisar e enunciar o pensamento. À descrição gramatical está subjacente uma teoria geral, na medida em que a definição das classes e das subclasses de palavras, das funções sintáticas e das figuras gramaticais precede a descrição e a exemplificação propriamente ditas do latim. Quanto às gramáticas de línguas estrangeiras editadas por autores madeirenses ou por residentes na Madeira, recordam-se as já mencionadas: de Hector Clairouin, Methodo Michaelense para o Ensino da Lingua Franceza e O Nec Plus Ultra das Grammaticas Methodicas para o Ensino da Lingua Franceza; de Francisco Manuel de Oliveira, Princípios Elementares da Língua Inglesa; e de Alexander J. D. D’Orsey, Colloquial Portuguese Or Words And Phrases of Every Day Life. Fig. 3 – Fotografia da folha de rosto de O Nec Plus Ultra das Grammaticas Methodicas para o Ensino da Lingua Franceza, 2.ª ed., de Hector Clairouin, 1874. O Methodo Michaelense para o Ensino da Lingua Franceza começa com uma crítica aos manuais de francês publicados em Portugal, cuja essência não favoreceu a aprendizagem do francês pelos Portugueses. Hector Clairouin faz a apologia do seu método, criticando claramente os já conhecidos; afirma, em relação ao “método micaelense”, que o fim do “método é ensinar a teoria, base fundamental da língua, e sem a qual todos os esforços serão baldados” (CLAIROUIN, 1861, V), e defende, como pontos fortes, o facto de que este método “não só torna o estudo fácil para o educando, senão também diminui o trabalho que hoje tem qualquer professor, especialmente nas primeiras lições; acontecendo muitas vezes não ter este em que empregar convenientemente os seus discípulos” (Id., Ibid., VI). Na 1.ª parte da gramática, o autor utiliza o português, com vista à exposição dos conteúdos da gramática francesa, e fá-lo a dois níveis: o da pronúncia e o da sintaxe/das partes da oração. As palavras e as frases dos exercícios e dos diálogos são por norma apresentadas nas duas línguas – o português e o francês –, para que o estudante as compare. Na 2.ª parte da gramática, fazendo fé que o estudante já domina o francês, os conteúdos são expostos nessa língua. Os exercícios auxiliares compõem-se de questionários, de diálogos e de ditados. A outra gramática da autoria de Hector Clairouin, O Nec Plus Ultra das Grammaticas Methodicas para o Ensino da Lingua Franceza (1874), é uma 2.ª edição do Methodo Michaelense…, como atesta uma breve nota na folha de rosto: “inteiramente refundida do Methodo Michaelense, aprovado pelo Conselho Superior de Instrução Pública”. Apesar de o autor ter um novo procedimento de ensino, esta gramática é um manual tradicional, cujo objetivo é o domínio da arte de falar e de escrever corretamente. Fig. 4 – Fotografia da folha de rosto de Principios Elementares da Lingua Ingleza, de Francisco Manuel de Oliveira, 1809. Quanto às gramáticas de língua inglesa, há que registar o trabalho de Francisco Manuel de Oliveira, Principios Elementares da Lingua Ingleza (1809). Na folha de rosto, encontra-se a especificação das três partes em que foi dividido este manual: Na 1.ª Parte Se Trata das Principaes Regras da Grammatica: na 2.ª dos Exercicios, e Elementos da Conversação: na 3.ª das Frases, e Idiotismos, ou seja, das frases feitas e das expressões idiomáticas. Pode dizer-se desta obra que é um guia de conversação, embora a 1.ª parte analise muitos conteúdos gramaticais. Apetrechada de exercícios que exigem atenção e algum conhecimento adquirido por parte do estudante (é necessário o preenchimento de lacunas com verbos, preposições, artigos, pronomes), esta obra configura-se como um manual prático. Ao longo do livro, o texto em inglês é seguido do seu equivalente em português, permitindo a comparação das duas línguas. A vantagem da obra de Francisco Manuel de Oliveira reside no facto de conseguir conjugar estudo gramatical, exercícios e o tópico da conversação num único livro, sendo um bom compêndio de língua inglesa. Alexander J. D. D’Orsey escreveu Colloquial Portuguese or Words and Phrases of Every Day Life, cujo objetivo era ser um guia de conversação para os cada vez mais comuns visitantes ingleses da Ilha. Não sendo propriamente uma gramática de língua portuguesa, a obra constituiu um sucesso editorial, ao ser editada por seis vezes entre 1854 e 1891. A obra de D’Orsey é um léxico composto de palavras e de expressões da língua inglesa, às quais se fazem corresponder frases e vocábulos do português. O autor menciona quatro marcas distintivas dos desvios lexicais madeirenses (Dialetologia): a mudança dos sons vocálicos – hômem em vez de hómem, men-íne-o em vez de menino, bow-a em vez de bô-a, sou, estou, etc. – rimando com o inglês too – em vez de so, stow, Jo-zé-ah em vez de Jo-zé, tânho em vez de tênho, meicha em vez de mécha, fazeer em vez de fazer, etc.; o transporte de consoantes – prove em vez de póbre, trocida em vez de torcida, frol em vez de flor, prantar em vez de plantar; a omissão, ’tá em vez de está, minha em vez de minhas, cavall em vez de cavalo; e o s final como sh, em vez de s (D’ORSEY, 1891, 1). Noutro âmbito, há que referir obras interessantes, como a separata de João Apolinário de Freitas, Subsidios para a Bibliographia Portugueza Relativa ao Estudo da Lingua Japoneza e para a Biographia de Fernão Mendes Pinto. Grammaticas, Vocabularios, Diccionários. No prólogo, declara-se que um dos pretextos para a elaboração do documento foi a guerra russo-nipónica, que fez com que o mundo ocidental se debruçasse sobre a Rússia e sobre o Japão, em particular sobre este. Na 1.ª parte, o autor fala das gramáticas de língua japonesa e dos respetivos autores, como a Arte da Lingua Japoneza, de Duarte da Silva, a Grammatica da Lingua Japoneza, de João Fernandez, a Arte da Lingua Japonica, de autor desconhecido, a Conjugação dos Verbos Regulares em Latim, Japonez e Portuguez, que, segundo Apolinário de Freitas, “é a chamada gramática japonesa do P.e Manoel Alvares, mas que propriamente não passa de uma nova edição da celebrada gramática latina deste não menos afamado jesuíta” (FREITAS, 1905, 38), a Arte da Lingoa Iapam, de João Rodriguez, a Arte Breve da Lingoa Iapoa Tirada da Arte Grande da Mesma Lingoa, pera os Que Começam a Aprender os Primeiros Principios della, de João Rodriguez, e a Ars Grammatica Japonicae Linguae, de Diogo Collado. Na 2.ª parte, João Apolinário de Freitas descreve outro tipo de livros, “Vocabulários e Dicionários”, e apresenta títulos e autores. Na 3.ª parte, “Notas Adicionais”, discute-se a língua materna de S. Francisco Xavier, se o português, se o castelhano, concluindo-se que o seu idioma materno deveria ser o vasconço, uma vez que o santo jesuíta nasceu na cidade de Xavier, na província de Navarra. Nesta parte, há também anotações sobre a origem de alguns vocábulos (topónimos e outros), como é o caso de “Macau”, proveniente de “Amacao” (Id., Ibid., 76). Fig. 5 – Fotografia da folha de rosto de Questões de Língua Pátria, vol. II, de Ivo Xavier Fernandes, 1949. Outra obra digna de nota são os dois volumes de Questões de Língua Pátria, de Ivo Xavier Fernandes. A obra tem o particular interesse de tratar de questões cuja atualidade se prolongou para além do seu tempo, como o Acordo Ortográfico de 1911. No cap. I, o autor começa por falar na “Questão Ortográfica”: expõe diferentes pontos de vista sobre o Acordo Ortográfico de 1911 e salienta o facto de os seus detratores terem caído por terra. No final do capítulo, há um subcapítulo dedicado a “O Idioma Brasileiro” (pp. 49 e 50), que, na opinião de Ivo Xavier, “por só existir em cérebros visionários, dominados sem dúvida por um excessivo ou mal compreendido patriotismo” (FERNANDES, 1947-1949, I, 50), não será tão cedo uma realidade. Segue-se, no cap. II, a apologia da “Língua Nacional” . No cap. III, fala-se de “Anomalias de Gramáticas”, dando-se conta de impropriedades em denominações, e.g., quanto aos graus dos adjetivos. No cap. IV, “Coisas da Língua”, abordam-se os galicismos e encontra-se uma crítica explícita aos meios de comunicação brasileiros, pelo uso excessivo de expressões francesas; referem-se curiosidades sobre a grafia de nomes de pessoas e outras – como a grafia de “indemnização”, e de “vasa” e “vaza” –, e trata-se o tema do imperativo negativo. No vol. II, Ivo Xavier aborda a questão d’“A Unidade Gráfica Luso-Brasileira” tendo como pano de fundo o Acordo Ortográfico de 1911: “Não nos esqueçamos de que a língua portuguesa é só uma e que só uma também tem de ser a sua ortografia!” (Id., Ibid., II, 6). Na parte intitulada “Acertando o Que não Está Certo” (a partir da p. 8), aborda os “Casos de Morfologia”. Há considerações sobre “Casos de Sintaxe” (a partir da p. 23), bem como sobre outras temáticas pertinentes: “Alotropismo, Polimorfismo e Sincretismo” (pp. 38 a 49), “Homotropismo” (pp. 50 a 94), “Casos da Fonética” (pp. 95 e 96) e “Verbos em ‘-izar’ e ‘-isar’” (pp. 97 a 99). Este volume finaliza com os seguintes temas: o “Pretoguês Jornalês…” (pp. 218 a 229) e “Étimos Curiosos” (pp. 230 a 240). Apesar de as gramáticas da língua portuguesa elaboradas por autores madeirenses denotarem grande apego a aspetos normativos, é de referir uma evolução em publicações posteriores às referidas que, não sendo gramáticas, acompanham o interesse, nascido no final do séc. XIX, pelas variações dialetais do português, o qual foi desenvolvido por estudiosos como Leite Vasconcellos, considerado o fundador da dialetologia portuguesa, e por académicos como o Prof. Paiva Boléo, em meados do séc. XX. Entre estas obras, encontram-se: Palavras do Arquipélago da Madeira, de Emanuel Ribeiro (1929); Vocabulário Madeirense, de Fernando Augusto da Silva (1950); Porto Santo. Monografia Linguística, Etnográfica e Folclórica, de Maria de Lourdes de Oliveira Monteiro dos Santos Costa; Peixes da Madeira, de Adão de Abreu Nunes (1953); e Falares da Ilha, de Abel Caldeira (1961). Neste domínio, são de destacar as obras de Emanuel Ribeiro, Fernando Augusto da Silva e Abel Caldeira, que, não se constituindo como gramáticas, não deixam de ser importantes nos campos da dialetologia e da lexicologia, por terem sido os primeiros trabalhos a abordar, de uma maneira profunda, os desvios dialetais da Madeira, isto é, as expressões e as denominações usadas pelas populações do arquipélago.   Paulo Figueira (atualizado a 13.12.2017)

História da Educação Linguística

indústrias do turismo

O alerta oficial para o turismo e todas as futuras indústrias relacionadas com o mesmo ficou a dever-se ao Gov. José Silvestre Ribeiro (1807-1891), que, a partir de 1847, desenvolveu uma intensa pressão sobre toda a sociedade insular nesse sentido. O governador implantou, inclusivamente, a iluminação pública no centro da cidade, no que envolveu a Câmara Municipal e os comerciantes, tentou criar normas de relação cívica “com os inúmeros estrangeiros que nos visitam”, propôs a edição de “memórias históricas” (MENESES, 1849, I, 607-608), no âmbito dos anais municipais e chegou mesmo a propor a sua publicação em várias línguas, e, no palácio de S. Lourenço, em 1850, realizou uma exposição industrial que foi a base da representação madeirense na célebre Exposição Universal de Londres do ano seguinte. Datam dessa época o desenvolvimento dos serviços de instalação e transporte dos forasteiros, que deixam de alugar prioritariamente as antigas quintas madeirenses para optarem por instalações hoteleiras, e dos transportes locais, como os carros de cesto do Monte e os carros de bois, e o lançamento das indústrias de artesanato, como bordados, vimes e embutidos, que atingiram depois padrões de certa qualidade na Madeira, dada a sua ligação à indústria geral do turismo. Com profundas raízes na cultura e nas tradições locais, o seu aproveitamento económico, com o aumento dos índices de turismo na Ilha, apresentou aspetos totalmente novos e até inesperados, como é o caso dos bordados, cujo peso económico chegou, pontualmente, a ultrapassar o dos vinhos. A indústria dos bordados na Madeira, enquanto indústria, foi introduzida pelos Ingleses; não que não houvesse já trabalhos de bordado, mas foi com os comerciantes ingleses que este trabalho se adaptou progressivamente aos vários mercados internacionais. As primeiras referências que temos na Ilha à sua existência datam de 1849, quando o futuro conselheiro José Silvestre Ribeiro os refere como “produtos e artefactos de algum merecimento”, numa nota exarada do Governo Civil do Funchal em 23 de novembro desse ano, depois transcrita num periódico continental (Revista Univesal Lisbonense, 1849, 133-134). Com a crise de 1847, o célebre “ano da fome”, o Gov. José Silvestre Ribeiro reativara a anterior “Comissão Central de Auxílio”, que funcionara entre 1843 e 1844. A ideia foi lançada na “Assembleia-geral” realizada a 4 de fevereiro desse ano de 1847, no palácio de S. Lourenço, reunindo os elementos do Conselho do Distrito, e então alargada a outras autoridades. Foi nessa assembleia que se propôs a reativação da antiga “Comissão de Auxílio”, o que se efetivou no dia 6 seguinte, com o título de “Comissão de Socorros Públicos”, e que se constituiu ainda comissões concelhias. A comissão central foi constituída pelo prelado D. José Xavier Cerveira e Sousa (1810-1862), como presidente, Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcelos, John H. Holloway, William Grant e João Francisco Florença, como vogais, e, como secretário, Joseph Selby, então vice-cônsul inglês no Funchal e depois também cônsul da Dinamarca (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 39). Os fundos recolhidos por esta comissão haveriam de ser investidos em obras públicas e, também, no artesanato dos bordados, reconhecendo o trabalho já efetuado por algumas mulheres madeirenses e que as mesmas, através do seu trabalho, poderiam contribuir para o sustento dos seus agregados familiares. Em 1850, na exposição industrial de S. Lourenço, já há referências à presença de panos e de bordados e, para a célebre Exposição Universal de Londres, na representação madeirense dos objetos manufaturados, seguiram igualmente panos de linho, guardanapos, rendas de linho, xaile de meia e obras de croché, demonstrando a visibilidade dessa nova atividade. No entanto, na exposição seguinte, de 1853, descrita, embora sumariamente, por Isabella de França, que a visitou a 29 de abril, a atenta escritora não refere a presença de bordados, limitando-se à descrição das giestas em flor que decoravam os currais, de fetos muito bonitos, etc. A sua apresentação como produto para venda aparece na exposição industrial do Funchal de 1850, e, no ano seguinte, alguns bordados eram expostos em Londres, na Exposição Universal, embora a sua divulgação só ocorra a partir de 1854 e 1856, com as “meninas” Phelps, filhas de Joseph Phelps (1791-1876), antigo presidente da Associação de Comerciantes do Funchal, e de Elisabeth Dickinson (1796-1876). Na correspondência e nos diários das irmãs Mary Phelps (1822-1893) e Bella Phelps (1820-1893) não existe, no entanto, qualquer referência a esse respeito, nem ao ensino de bordados, nem à sua comercialização, como a tradição inglesa tem transmitido. O comércio de bordados seria seguido pelos irmãos Robert e Franck Wilkinson, também Ingleses, estabelecidos na Madeira a partir de 1862 – nesse ano, segundo a “Estatística Industrial do Distrito do Funchal”, de Francisco de Paula de Campos e Oliveira, existiriam mais de 1000 bordadeiras na Madeira, rendendo a venda anual de bordados cerca de 100 contos de réis (SILVA e MENESES, 1998, I, 162). Ao mesmo tempo, diariamente consumiam-se em bordados cerca de 15 kg de linhas. No entanto, a exportação registada pela Alfândega era somente de 6 a 7 contos de réis, pelo que a sua saída se dava, essencialmente, por meio dos turistas, que os transportavam na bagagem, o que justifica que este assunto se torne, depois, um cavalo de batalha da Associação Comercial do Funchal. Elizabeth e Joseph Phepls. 1875. Arquivo Rui Carita. Na Madeira, o bordado para exportação começou por ser executado em tiras de pano, e estimava-se que uma bordadeira trabalhava um dia inteiro para produzir 0,5 m de bordado. Estas tiras destinavam-se a ser aplicadas em roupa branca, confecionadas nos sítios de destino, quer nas casas da cidade do Funchal, quer no estrangeiro. Esta época representou na Europa um novo interesse pela indumentária, especialmente feminina, mesmo íntima, que dominou os hábitos de vestir das classes mais favorecidas e que se estendeu à restante roupa, como a de cama, com lençóis e almofadas, cortinados, etc. Esta fase correspondeu a criações ingénuas e rudimentares, da responsabilidade da própria bordadeira, que, inspirada em temas antigos e tradicionais, utilizava riscos próprios. Mais tarde, as bordadeiras passaram a criar outros modelos a partir de pequenos carimbos ou rodízios feitos em madeira de buxo, muitos fornecidos pelas casas comerciais do Funchal, com os quais imprimiam o desenho sobre o pano, utilizando como material de impressão papel químico ou as antigas almofadas de carimbo embebidas em tinta azul. Vestido de manhã. 1887 O bordado da Madeira sofreu uma certa concorrência na déc. de 80, especialmente do bordado suíço, parcialmente mecanizado e com uma outra qualidade de execução, de acordo com os padrões internacionais. O bordado madeirense, entretanto, mantinha-se perfeitamente artesanal, sem qualquer inovação nos desenhos e nos padrões apresentados. Embora a sua execução continuasse dentro de bons padrões de qualidade, como atesta Helen Taylor, cidadã inglesa que residiu na Madeira durante algum tempo e que, em 1882, referia que “muito bom bordado” era vendido de porta em porta (TAYLOR, 1882, 27), o produto não atingia, ainda, um patamar que lhe permitisse ser internacionalmente apresentado nas grandes lojas de moda. Mesmo assim, os níveis de exportação conseguiram manter-se, somente com alguma quebra, embora não em valores exponenciais, como até então, e nos quais não é possível contabilizar, acrescente-se, nem o bordado vendido de porta em porta, nem o vendido nos navios que estacionavam na baía do Funchal. Datam do final do séc. XIX, por volta de 1890, as primeiras casas alemãs exportadoras de bordados e as principais responsáveis pela divulgação, na Europa Central e na América, deste produto. O mercado inglês, por razões várias, tinha deixado de se mostrar interessado nos bordados da Madeira, mas estes passaram a encontrar uma boa recetividade nos mercados centrais europeus e americanos. Dos finais do séc. XIX data também a fixação no Funchal de uma importante comunidade de sírio-americanos, que igualmente iriam apostar fortemente na exportação dos bordados, principalmente para a América do Norte. Este aumento tem por base as alterações introduzidas no mercado internacional pela Alemanha, que passa a apoiar, sob o ponto de vista fiscal, num sistema aduaneiro denominado drawback, os tecidos que, exportados da Alemanha, eram reimportados estando valorizados com elementos vários, como seja o bordado, sendo então novamente reexportados, preferencialmente para o mercado americano. Nesse quadro, entre 1893 e 1910, e.g., as casas de exportação de bordados no Funchal quase triplicaram, alterando profundamente o seu esquema de distribuição e produção anteriores. As casas de bordados passaram a elaborar os desenhos que pretendiam, distribuindo assim às bordadeiras do campo o tecido já estampado através de maquinaria própria, que era depois recolhido semanalmente pelos seus agentes. As casas de bordados passaram ainda a possuir serviços especiais para executarem os desenhos e a estampagem, assim como depois para alguns acabamentos finais, que incluíam as lavagens que apagavam os vestígios dos desenhos, o engomar e o empacotar do produto final. De um global de exportação de pouco mais de 200 contos de réis, nos inícios do séc. XX, passava-se, em 1919, para mais de 600 contos. Por esta altura, no Funchal, existiriam cerca de 34 casas exportadoras de bordados, parte das quais na mão de firmas norte-americanas, orientadas no Funchal por elementos de origem síria. A questão da sobrevivência do bordado da Madeira apaixonou alguns historiadores, não sendo fácil explicar a sua capacidade de sobrevivência perante a crescente industrialização de outros centros de produção. A defesa da sua qualidade com base no pressuposto de que, por ser manual, era superior ao mecânico, não resiste à mínima análise, pois os bordados mecânicos revelavam-se idênticos, não sendo facilmente destrinçáveis dos manuais, salvo um ponto mais encorpado no “bordado Madeira”, o que não deixa de ser um pormenor. Acresce ainda que muito do bordado manual apresenta imperfeições de execução. Também o mito da sua originalidade não resiste à análise, pois a maior parte dos desenhos eram enviados pelos importadores e os pontos utilizados são comuns a muitos outros bordados, como o “Richelieu”, “garanitos”, “estrelas abertas” ou “fechadas”, “caseado”, “pesponto”, “cavacas”, “ilhós”, etc., pouco ou nada se tendo inovado nesse campo, com base na alardeada “tradição do bordado Madeira”. A questão assenta assim, essencialmente, no preço da mão de obra, excecionalmente barata (CÂMARA, 2002, 203-221). Bomboto de vimes e bordado. 1936. Arquivo Rui Carita No mesmo caminho se encontram os trabalhos de vime, essencialmente efetuados na área da freguesia da Camacha, mas cujos valores económicos nunca se aproximaram dos do bordado, até porque este se chegou a estender por quase toda a Ilha, enquanto o vime foi pouco mais longe que a Camacha. Estes trabalhos eram construídos a partir dos ramos do vimeiro, salis fragilis, arbusto que se cultiva até uma altitude de cerca de 800 m, em locais húmidos e com abundância de água, quase sempre perto de ribeiras. As tarefas de preparação da planta, embora complexas e utilizando alguma mão de obra, eram compensadas pelo baixo preço da mesma nas freguesias rurais, como era a da Camacha. O tratamento exigia mergulhar as pontas das hastes do vimeiro nas ribeiras, ou em tanques, onde ficava cerca de três meses, para rebentar ou refilar o caule, após o que podia ser descascado. Esta operação era da responsabilidade dos produtores, muitos dos quais estavam na costa norte da Ilha, que assim o vendiam quase sempre já descascado. Após esta operação, o vime era seco ao sol durante cerca de dois meses, após o que era novamente humedecido para poder ser trabalhado. O trabalho de verga é comum em toda a Europa e noutros locais do mundo, como no Oriente, já sendo mencionado na Madeira, nos meados do séc. XVI, por Gaspar Frutuoso. Refere assim o cronista, por interposta pessoa, pois nunca foi à Madeira, que, “nas faldas da serra da banda do Sul”, existia muita giesta, “que é mato baixo, como urzes”, e que dá flor amarela. Era gasto nos fornos e dele se colhia “a verga que esbulham como vime”, de que se fazem “os cestos brancos muito galantes e frescos para servir de mesa, e oferta de batismo, e outras coisas, por serem muito alvos, e limpos”. Por isso se vendiam então para fora da Ilha e do reino de Portugal, porque se faziam “muitas invenções de cestos muito polidos e custosos, armando-se às vezes sobre um dez, e doze diversos, ficando todos” como uma “peça só”. Acrescenta ainda que “para se fazerem mais alvos do que a verga é de sua natureza, ainda que é muito branca, os defumam com enxofre” (FRUTUOSO, 1968, 138). Seriam obras deste género as enviadas para a já mencionada Exposição Universal de Londres de 1852 por José Silvestre Ribeiro, citando-se então “cestos de verga de giestas”. Bomboto de vimes. 1950. Arquivo Rui Carita.   Bomboto de vimes. 1936. Arquivo Rui Carita Refere o Elucidário Madeirense, por certo Carlos Azevedo de Meneses, que se debruçou mais especialmente sobre esta área, que o desenvolvimento e a industrialização deste tipo de trabalhos se ficou a dever a William Hinton (1817-1904), que incentivou alguns trabalhadores a executá-lo, aproveitando as especiais e húmidas condições climáticas do local. Um dos primeiros artífices teria sido António Caldeira, o qual, desmanchando uma cesta importada pela família Hinton, a utilizou como modelo para fazer outra idêntica em vime. No entanto, parece que na freguesia da Camacha já se executavam trabalhos semelhantes em vime por volta de 1812, por certo mais rudes e sem o vime descascado, como a cestaria que se utiliza ainda hoje nas vindimas e para obras várias de construção civil, sobretudo para transporte de pedras e madeiras. As obras de vime tiveram larga utilização na Madeira, fornecendo um género de mobiliário adaptado ao clima um tanto húmido da Madeira, vulgarizando-se nos lugares ao ar livre. Foram ainda o mobiliário de eleição para os visitantes temporários do Funchal, especialmente no inverno, que deste modo mobilavam as suas casas por preços módicos e em conformidade com um certo exotismo apreciado em meados e finais do séc. XIX. O seu fabrico disparou na déc. de 80, com o exponencial aumento da navegação atlântica, sendo vendido por bomboto e acumulando-se nos decks dos grandes paquetes, como é patente em inúmeros registos fotográficos da época, servindo, inclusivamente, de mobiliário de bordo, leve e facilmente transportável. Miss Henriette Wilhelmina Montgomery Cadogan na Quinta da Saudade. 1888. Arquivo Rui Carita. A procura motivada pelo fluxo turístico fez crescer a produção, assim como a população da freguesia da Camacha que se dedicava a este artesanato, mas não criou novas relações de produção, como nos bordados, que melhorassem e favorecessem a atividade com algumas inovações mecânicas. O aparecimento, em 1902, no Funchal, de uma oficina da firma britânica Raleigh C. Payne & C.ª, que chegou a mecanizar alguns segmentos da produção, não teve grande seguimento, sendo o grosso da produção efetuado na Camacha e de modo totalmente manual. A produção envolvia quase toda a população daquela freguesia, incluindo mulheres e crianças, cabendo mesmo a algumas mulheres, as cesteiras, transportar parte da produção à cabeça para o Funchal. Salvo a já referida Raleigh C. Payne & C.ª, as restantes firmas eram essencialmente constituídas por capitais locais, com as oficinas na Camacha e um ou outro escritório no Funchal. A produção ficou assim entregue, até aos meados do séc. XX, aos camponeses camachenses, não tendo havido qualquer intervenção mais especializada que lhes melhorasse a qualidade visual e lhes organizasse a produção. Consultando um catálogo dos inícios do século, dos poucos que foram produzidos nesta área, da firma A. F. Nóbrega & Filho, com escritório no Funchal e “com fábrica na origem, na pitoresca freguesia da Camacha”, constata-se que, embora apresentando uma espantosa coleção de mais de 420 obras de vimes (RODRIGUES, 2000, 3-4), não passam os seus modelos do pitoresco e do engenhoso. As obras de marcenaria na Madeira foram quase contemporâneas do povoamento, tendo tido por base o excecional parque arbóreo encontrado na Ilha. Em 1506, e.g., Valentim Fernandes descrevia a utilização das madeiras da Ilha, fazendo uso, por certo, de informações referentes ao século anterior. Assim, refere que se explorava a madeira de cedro, sendo então possível obter tabuado de sete palmos de largo, ou seja, cerca de 1,5 m, referindo que quase parecia madeira para mastros de navios (Arsenal de S. Tiago). Desta madeira fabricavam-se caixas para casa, mesas e cadeiras, conforme também acrescenta. Os trabalhos de preparação das madeiras são igualmente descritos por Gaspar Frutuoso mais de 70 anos depois, com um muito interessante apontamento sobre o trabalho da serra de água do Faial, também referindo que se exportavam móveis e bufetes. Nos meados do séc. XVII, existem inclusivamente cartas de examinação do mestre das obras reais Bartolomeu João (c. 1590-1658), de 28 de setembro de 1656, registada na Câmara do Funchal, certificando que Filipe Correia fora examinado como mestre de ofício de “marceneiro e ensamblador”, e que o mestre das obras “o achara muito destro e hábil em fazer escrivaninhas e bufetes ao mosaico, guarda-roupas marchetados de ébano”, tal como mosquetes (PEREIRA, 1968, II, 788). Estes trabalhos tiveram assim continuidade nos sécs. XVII e XVIII, então utilizando-se madeiras de outras proveniências, como do Brasil, de que os mais importantes exemplos deverão ser o para-vento e os púlpitos, assim como os vários móveis de parede da sacristia da igreja do Colégio dos Jesuítas do Funchal, trabalho efetuado pela mesma data, como consta no para-vento: 1725. Na continuidade desse trabalho, na listagem dos produtos enviados para a Exposição Universal de Londres por José Silvestre Ribeiro, nas “Obras de marcenaria”, figuram mesas, caixas, tabuleiros de xadrez, estantes e facas para cortar papel (FREITAS, 1852, 404-407), não sendo fácil identificar os trabalhos e os artesãos. É provável que uma das peças enviadas a Londres tenha sido a garrafeira de José António de Sousa, que assinava também como “artista madeirense”, a qual se encontra na coleção do Museu Quinta das Cruzes, e que esteve na exposição de 1850 realizada no palácio de S. Lourenço, onde o ensamblador premiado foi António José de Abreu. Outros nomes de embutidores ou ensambladores madeirenses aparecem mais tarde, já perto dos finais do século, com a integração destes mestres no ensino profissional, oficialmente por volta de 1893, na então Escola de Desenho Industrial, na R. de Santa Maria, cujo edifício subsiste, com a sua alta torre. O primeiro elemento de certa notoriedade teria sido Manuel Rodrigues Gaspar, com oficina própria junto ao eremitério da Penha de França, mestre da oficina daquela escola. Já então se distinguiam outros mestres embutidores, entre os quais João de Sousa, José Gregório de Sousa e Eduardo Pereira (c. 1860-1940), que se tornaram notórios a partir dessa data. O último criou uma mesa decorada com os monogramas reais, que foi oferecida ao casal real D. Carlos e D. Amélia na visita que fizeram às ilhas em 1901, e depois depositada na Fundação D. Manuel II, em Lisboa. Os temas dos trabalhos de embutidos, tal como acontecia nos bordados, eram essencialmente vocacionados para os visitantes estrangeiros, repetindo até à exaustão pares de vilões a dançar, carrinhos de bois e cestos do Monte, mais ou menos envolvidos por flores e monótonas cercaduras, como refere, por volta de 1906, Vitorino José dos Santos. Refere o mesmo que havia então na Madeira alguns operários e embutidores “por ensino técnico”, dispondo de “talento para a composição artística, que produzem trabalhos de reconhecido merecimento, procurados e apreciados por pessoas entendidas”. Não deixa, no entanto, de mencionar que, em geral, aos “operários madeirenses falta cultura intelectual e gosto artístico”, o que os desinteressa da ideia de “progredir, variando e melhorando a composição dos seus trabalhos”, e, por isso, a maioria dos embutidos continua “rotineiramente a apresentar-se segundo os mesmos modelos”, quase sempre figurando os tradicionais “vilões madeirenses”, os carros de bois, redes e “carrinhos do Monte”, guarnecidos de “cercaduras de desenhos simétricos e pouco variados” (SANTOS, 1907). Mesa com cabeças de vilºoes. 1930 Miguéis e Franco. Arquivo Rui Carita. O diploma de 4 de setembro de 1916 determinou a oficialização da marcenaria na então Escola Industrial e Comercial do Funchal, através da constituição de uma oficina de “incrustação e embutidos”, que só viria a funcionar em outubro de 1919, sendo seu primeiro regente o ensamblador Manuel dos Passos Aguiar, depois medalha de ouro da grande Exposição Industrial Portuguesa de 1939 (PEREIRA, 1968, II, 789). Com este regente, aparecem a trabalhar o já citado Eduardo Pereira, o marceneiro Francisco Franco (pai), cujo diploma se encontra no espólio do Museu Henrique e Francisco Franco, os pintores Henrique Franco (1883-1961) e Alfredo Miguéis (1883-1943), assim como, provavelmente, também o escultor Francisco Franco (1888-1955). Devem datar dessa época os desenhos “arte nova” com cabeças de menino com barrete de vilão, bem ao gosto de Henrique Franco, ou algumas mesas com cabeças de senhoras, indubitavelmente da autoria de Alfredo Miguéis. A saída dos irmãos Franco para Lisboa nos anos 30 e o falecimento de Alfredo Miguéis em 1943 levaram à estagnação criativa desta atividade. A indústria dos embutidos manter-se-ia nas primeiras décadas do séc. XX, mas acusaria algum cansaço nos meados do século. Apesar da introdução do pintor Américo Tavares de Oliveira e Silva, a lecionar na Escola Industrial entre 1945 e 1950, a situação de impasse manteve-se, como é patente pela tentativa de revitalização da então Delegação de Turismo, de 20 de abril de 1948, no sentido de “difundir o gosto pelas artes, ofícios e curiosidades de produção local, reintegrando-os no seu pitoresco e na pureza das suas características” (Id., Ibid., 170), cujos termos enunciados são já de perfeita morte anunciada. Passeio de rede. Pico dos Barcelos. Fotografia sem data. Os meados do séc. XIX assistiram ao nascimento da fotografia, inicialmente tímido, a qual, porém, a partir dos inícios da segunda metade desse século, iniciou a sua progressiva internacionalização e democratização, o que, de certa forma, alteraria e condicionaria, a partir de então, toda a forma de estar das sociedades urbanas. O séc. XIX foi um século ávido da fixação da imagem, primeiro através da litografia, mais ou menos animada a aguarela (Andrew Picken, Frank Dillon, Pitt Springet e Lady Susan Vernon Harcourt), e, depois, da fotografia, também essa muitas vezes igualmente animada, e que fornecia o que se entendia ser a inteira verdade da realidade captada, tão cara ao positivismo. Se, numa primeira fase, os viajantes internacionais adquiriram nos fotógrafos locais as principais imagens da Ilha, como fez o médico Carl Passavant (1854-1887), em 1883, muito provavelmente no estúdio de Augusto Maria Camacho (1838-1927), e, em 1887, o marquês de Albizzi, para depois as passar a gravura e ilustrar os seus “Six mois à Madère”, publicados em Paris em 1888, em breve muitos chegavam à Ilha como fotógrafos amadores, tirando as suas próprias fotografias, como, inclusivamente, o Rei D. Carlos, na visita régia de junho de 1901. Nessa altura, já se encontravam estabelecidos no Funchal os fotógrafos Vicente Gomes da Silva (1827-1906) e já saíra para Lisboa João Francisco Camacho (1833-1898), que passara o atelier ao irmão Augusto Maria Camacho, estúdio onde se viria a instalar, depois, Joaquim Augusto de Sousa (1853-1905), embora sempre se dando como amador, e, ainda, Manuel de Olim Perestrelo (1854-1929), a que se seguiram os filhos, netos, bisnetos e trisnetos. Sé do Funchal. Georges Balat. 1901. Arquivo Rui Carita. A fotografia desempenhou e desempenha um muito especial papel num destino turístico como a Madeira. Primeiro, com a possibilidade de registar a passagem pela Ilha dos inúmeros doentes, dos quais, por vezes, só regressavam a casa as fotografias, mas também as paisagens, de que avidamente os muitos visitantes levavam fotografias, quer como prova de ali terem estado quer como recordação do que ali tinham visto, ou que gostariam de ter visto. A instalação dos estúdios fotográficos e a posterior divulgação das máquinas fotográficas, assim como da indústria das reproduções, associada ainda à divulgação dos correios, criará igualmente uma outra indústria totalmente nova, a do bilhete-postal, que se tornará uma novidade que promoverá a imagem da Madeira um pouco por todo o mundo e dará origem a uma moda de colecionismo romântico excecionalmente importante, que entrará pelos meados do séc. XX; e, no séc. XXI, pela divulgação do digital, aparecem quase todos os dias nos diversos fóruns destas áreas novas fotografias tiradas na ilha da Madeira.   Rui Carita (atualizado a 18.12.2017)

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formas de tratamento

O Sistema das Formas de Tratamento (SFT) em Português Europeu (PE), como referido por vários investigadores, entre outros, Lindley Cintra CINTRA, 1972), Gunther Hammermüller (HAMMERMULLER, 1993), Maria Helena Araújo Carreira (CARREIRA, 1997, 2001, 2002, 2008, 2009) e Isabel Margarida Duarte (DUARTE, 2010, 2011), é muito complexo. A sua complexidade, essencialmente de natureza pragmática, reside no facto de nem sempre o falante saber selecionar a forma que mais se adequa ao seu interlocutor. Este saber pragmático implica também uma competência de natureza sociolinguística e o conhecimento de várias formas para nos dirigirmos a outra pessoa, como ilustrado nos enunciados fornecidos em baixo: a. A senhora gosta de café ou prefere chá? Ø Gosta de café ou prefere chá? Ø Gostas de café ou preferes chá? A senhora Maria gosta de café ou prefere chá? A Maria gosta de café ou prefere chá? A dona Maria gosta de café ou prefere chá? A senhora dona Maria gosta de café ou prefere chá? Você gosta de café ou prefere chá? Tu gostas de café ou preferes chá?   A escolha de “tu”, “você”, “o/a senhor/a” ou “ø”, cujo conhecimento se relaciona com o domínio léxico-morfológico, é motivada pela maior ou menor familiaridade vs. distanciamento social, para além de fatores como a idade, o sexo/género, o nível de escolaridade e a posição social, existentes entre os interlocutores. No processo de adequação à situação discursiva, o falante terá “de possuir, no seu acervo lexical, um conjunto rico e variado de alternativas pelas quais possa optar, depois de avaliar devidamente a situação enunciativa, o estatuto e a relação entre os interlocutores entre os quais decorre a troca comunicativa” (DUARTE, 2011, 85). A 3.ª pessoa gramatical, a forma de tratamento mais frequente em português, contrariamente ao que ocorre, e.g., em espanhol, onde a forma “tu” é a mais usada, combina-se, no discurso: (i) com as diferentes formas nominais de nos dirigirmos ao outro (em 1a., 1d., 1e., 1f., 1g.); (ii) com o pronome “você” (em 1h.); (iii) e, sobretudo, com o sujeito nulo Ø (em 1b.), uma opção que permite evitar os mal-entendidos decorrentes de um uso inapropriado de “você”. Com efeito, o pronome “você”, quase generalizado no Português do Brasil (PB), coloca muitos problemas nas variedades do PE, sendo aceitável apenas em certas regiões e em certas variedades diastráticas, enquanto o seu uso na variedade-padrão se encontra muito condicionado a situações nas quais se está em presença de relações simétricas e de uma certa proximidade, de igual para igual, verificando-se como inaceitável na maior parte dos casos em que exista uma dissimetria social ou de idade entre os interlocutores. No Norte do país, que normalmente mantém os traços arcaizantes na língua, o uso de “você” é considerado uma enorme falta de educação. No entanto, nem sempre o uso de “você” pode ser depreciativo. Em certas situações, é até considerado apropriado, o que já não acontece com a variante “vossemecê”, que deve ser evitada em situações formais. Paiva Boléo (BOLÉO, 1946) confirma este uso, entre senhoras e senhores da chamada boa sociedade, se entre eles existir familiaridade. Refere também o facto de o uso de “você” ser mais urbano, em conversas informais entre jovens, embora seja mal considerado, ou mesmo visto como insultuoso, se for usado num ambiente rural. Por sua vez, Maria Helena Araújo Carreira (CARREIRA, 1997) defende que a estigmatização de “você” em PE é diferenciada em todas as regiões de Portugal e que as suas regras de uso dependem das classes sociais, das regiões, da idade e do género. Para Gunther Hammermüller (HAMMERMÜLLER, 1993), com base nos resultados de dois tipos de questionários realizados no Norte de Portugal, existiriam sete tipos de “você”: o “você” de respeito; o “você” de igualdade; o “você” de inferioridade; o “você” que elimina a ambiguidade (nas situações ambíguas onde não queremos ser informais, tratando a pessoa por “tu”, ou ser muito formais, tratando alguém por “o/a senhor/a”); o “você” afetuoso, com pessoas conhecidas dentro da família; o “você” de distanciamento, quando o locutor quer manter a distância com a pessoa a quem se dirige; e, por fim, o “você” metalinguístico, ou seja, quando usado para referir um “você”, como em “Você é um pronome” ou “Você é o sujeito da frase”, sendo desprovido de significado. De referir, por fim, que este problema só se coloca quando se usa “você” no singular. Na 3.ª pessoa do plural (3PP), “vocês” é perfeitamente aceitável, quando o locutor se dirige a vários destinatários. Em contrapartida, o uso da variante com pronome de 2.ª pessoa do plural, “vós”, relativamente confinado, nos princípios do séc. XXI quer geograficamente, quer do ponto de vista do tipo de discurso, é uma forma perfeitamente aceitável, e.g., na situação discursiva em que um sacerdote se dirige aos fiéis. Classificações Do ponto de vista morfossintático, segundo Lindley Cintra (CINTRA, 1972), o SFT do PE divide-se em três categorias: (i) o tratamento pronominal (“tu”, “você”, “vocês”, “Vossa Excelência”, “Vossa Alteza”, “Vossa Majestade”, “Vossa Senhoria”); (ii) o tratamento nominal (“o senhor”, “a senhora”, “o doutor”, “a dona”, “a doutora”, “o senhor ministro”, “o professor”, “o pai”, “a mãe”, “o avô”, “o Carlos”, “a Joana”, “a minha amiga”, “o patrão”, “a menina”, etc.); e (iii) o tratamento verbal (em português, o uso da 3.ª ou da 2.ª pessoa do verbo no singular, como em (1b.) e (1c.), sem sujeito expresso). O tratamento nominal é sempre acompanhado pela 3.ª pessoa verbal e distingue-se dos outros dois tipos por fazer sempre referência a algo relacionado com a pessoa a quem nos dirigimos. Esses traços individuais podem ser, e.g., o sexo/género: “o senhor”/“a senhora”; a profissão ou a categoria social: “o senhor doutor”/“o senhor ministro”; o parentesco: “o pai”/“a mãe”; o nome próprio: “o Joaquim”/“a Maria”; o nome de relação especial: “a menina”/“a minha amiga”. Gunther Hammermüller (HAMMERMÜLLER, 1993 e 2004) classifica as formas de tratamento em nominais, pronominais e verbais, como Lindley Cintra (CINTRA, 1972), mas propõe também a integração no sistema de uma nova categoria, designada por tratamento de evitação, que corresponde ao emprego da 3.ª pessoa (“Ø Deseja açúcar?”), uma forma alternativa utilizada para evitar a escolha de formas pronominais ou nominais que se referem aos estatutos sociais dos interlocutores. A perspetiva semântico-pragmática permite observar como o SFT se relaciona com a hierarquização da sociedade portuguesa. Neste plano, Lindley Cintra (CINTRA, 1972) distingue, e.g., formas de tratamento como: “você”, adequada para relações interpessoais que se se caracterizam como sendo de igual para igual, ou de superior para inferior, e que não implicam intimidade; “tu”, enquanto forma própria de intimidade; ou ainda as formas de cortesia que implicam uma distância entre os interlocutores, e.g.: “o senhor”, “o senhor doutor”, “o Joaquim”, “a Maria”, “a senhora Maria”, “a dona Maria”, “a senhora dona Maria”, “Vossa Excelência”, etc. O PE apresenta um sistema ternário para o tratamento alocutivo, ou o destinatário do discurso (“tu”/“você”/“o senhor”). A sua escolha realiza-se em função dos vários graus de aproximação e de distanciamento social entre o locutor e o alocutário, sendo “tu” empregue para o grau mais elevado da familiaridade, “você” para um grau intermédio e o “senhor” para o grau mais elevado de cortesia. A variedade PB apresenta um sistema mais reduzido, marcado pelo binómio “você”/“o senhor” nas suas variedades-padrão. A Figura 1, a seguir, sintetiza os dois sistemas nestas duas variedades do português, atendendo ao fator “grau de distância/proximidade” entre os interlocutores. [table id=96 /] No que se refere ao tratamento nominal, o português apresenta uma grande variedade de formas (Fig. 2, em baixo), cujo uso depende de vários fatores que definem a situação comunicacional e o funcionamento das relações sociais. As formas nominais, ou nomes vocatórios, podem ser acompanhadas de determinantes definidos e/ou possessivos, de adjetivos e de uma partícula interjetiva. O determinante utilizado pode aumentar ou reduzir a relação de proximidade ou de afastamento entre as pessoas. Os enunciados “ele é o meu caro amigo” e “ele é um amigo” distinguem-se, porque a escolha do possessivo precedido de artigo definido, no primeiro exemplo, implica uma familiaridade entre os interlocutores, enquanto o uso de um artigo indefinido, no segundo exemplo, implica a ausência de proximidade. O fator “nível de escolaridade/educação/habilitações académicas” implica formas de tratamento distintas, consoante alguém possua o título de doutor ou não, e.g.: “O senhor doutor tem tempo para mim?”/“O senhor tem tempo para mim?”/“Ø tem tempo para mim?”. Fatores como a formalidade ou informalidade da situação são também relevantes. Numa situação formal, é necessário tratar as pessoas com o respeito apropriado (“Vossa Excelência”, “o senhor”/“a senhora”) e, numa situação informal, usa-se, em geral, o tratamento de “tu”. As relações de respeito e de cortesia implicam sempre o tratamento formal (“o senhor”/“a senhora”). Uma situação de protocolo exige o tratamento mais formal possível (“Vossa Excelência”, “Vossa Santidade”, “Excelentíssimo Senhor Professor”, “Magnífico Reitor”, etc.). Atendendo ao grau de parentesco, usa-se o tratamento por “tu”, na maioria dos casos, embora se observe também, em algumas famílias, o uso de um tratamento respeitoso (“o senhor”/“a senhora”) com membros mais idosos (pais, tios, avós). É de notar ainda, em PE, a distinção semântica entre o uso do nome precedido ou não por artigo definido, com 2.ª ou 3.ª pessoas do singular, em função da situação comunicacional: “Maria, queres sair hoje à noite?”/“A Maria quer sair hoje à noite?”. Tanto no PB como no PE, observa-se o uso de títulos académicos, quer seja para homens quer seja para mulheres, embora haja alguma assimetria nestes usos, quando considerado o fator “género”. Para as mulheres, está reservado o uso do primeiro nome após o título profissional (“senhora doutora Sílvia”) e, excecionalmente, seguido do apelido (“senhora doutora Sílvia Vieira”); já para os homens, é a utilização do apelido que predomina (“senhor doutor Vieira”). Outra assimetria ligada ao género ocorre também quando se usam as formas “senhor”/“senhora”, que não são equivalentes socialmente. A gradação da distância é feita para o homem pelo uso do primeiro nome e/ou do apelido (e.g.: “ó Senhor António”, “ó Senhor Fonseca”, “ó Senhor António Fonseca”), enquanto para as mulheres a gradação é feita com base na hierarquia social (“a senhora”, “a dona”, “a senhora dona Ana” e, por vezes, seguido do apelido). No que diz respeito ao tratamento verbal, nota-se que, na variedade-padrão do PB, o singular só se usa na 3.ª pessoa, independentemente do grau de cortesia (“você”/“o senhor”/“Ø fala português?”), ao passo que, em PE, a oposição entre a 2.ª e a 3.ª pessoas do singular marca a distinção entre um contexto informal e um contexto formal (“Ø falas”/“Ø fala português?”). No plural, emprega-se a 3.ª pessoa em ambas as variedades do português para referir o alocutário em contextos formais e informais (“os senhores”/“vocês”/“Ø falam português?”). A forma verbal na 3.ª pessoa sem sujeito expresso, ou com sujeito nulo, constitui, em PE, uma estratégia que neutraliza o grau de deferência ou, em outras palavras, a expressão linguística com “grau zero de deferência” (CARREIRA, 2002, 175). [table id=97 /] De acordo com Maria Helena Araújo Carreira (CARREIRA, 2001), do ponto de vista dos participantes na interação verbal, as formas de tratamento podem ser classificadas nas seguintes categorias: elocutivas – EU designo EU – (designação do locutor, em português “eu” e “nós”); alocutivas – EU designo TU – (designação do alocutário, em português “tu”, “você”, “o(a) senhor(a)”, “o(a) doutor(a)”, “o João”, “a Maria”, etc.); e delocutivas – EU designo ELE – (designação do delocutário, em português “ele(s)”, “ela(s)”, “o(s) senhor(es)”, “a(s) senhora(s)”, etc.). A autora, face aos condicionamentos de tipo social que interferem na escolha da forma de tratamento adequada à situação, introduz dois novos planos de análise: o plano do eixo vertical, que representa a hierarquização dos lugares – relações sociais/profissionais, familiares e etárias –, e o plano do eixo horizontal, que dá conta da regulação da distância social – relações de proximidade ou distância social. SFT: Aspectos diacrónicos O SFT constitui um domínio muito sensível à mudança linguística por estar muito dependentes de variáveis sociais, em plena evolução. Na história do SFT em PE, podem ser delimitados, segundo Lindley Cintra, três grandes períodos: O primeiro período (finais do séc. XIII  até o começo do séc. XV): privilegia o sistema de tratamento pronominal, com recurso a “tu” e “vós”, usados entre íntimos e próximos, sendo a segunda forma utilizada entre pessoas cuja relação não permitia o uso de “tu”, fosse ela o Rei, um arcebispo ou um rústico; O segundo período (desde o séc. XV até aos finais do séc. XVIII): para além das formas pronominais “tu” e “vós”, surgem as primeiras formas de tratamento nominais de elevada cortesia, e.g.: “vossa mercê”, “Vossa Senhoria”, “Vossa Excelência”, “Vossa Majestade”, “Vossa Alteza”; No terceiro período (a partir da segunda metade do séc. XVIII): assiste-se à profusão de novas formas nominais de cortesia. A forma “vós” como tratamento cortês da 2.ª pessoa, dirigida só a uma pessoa, desaparece. Ao mesmo tempo, aumenta a degradação de “vossa mercê”, com o correspondente alargamento no emprego de “você”. Ficava assim aberto o caminho para o uso e para a expansão de formas nominais típicas do português dos princípios do séc. XXI, que exigem o verbo na 3.ª pessoa, e.g.: “o senhor”, “o senhor doutor”, “a mãe”, “o meu amigo”, “o Joaquim”, “a Maria”, “a dona Maria”, “a senhora dona Maria”, etc. O estudo de Lindley Cintra (CINTRA, 1972) configura, no que se refere à evolução do SFT no PE, as seguintes tendências: (i) uma progressiva eliminação do tratamento por “Vossa Excelência”, principalmente na língua corrente, conservando-se no registo oral apenas em certas profissões (telefonistas, empregados de comércio, etc.) e contextos (diplomacia, academias, tribunais, etc.) e na variedade escrita; (ii) o alargamento do uso do pronome “tu” e da 2.ª pessoa do singular, com perda do traço “intimidade”, que o caracterizava até então; (iii) a ampliação e, ao mesmo tempo, a redução do emprego do pronome “você”, com perda do seu carácter depreciativo e aumento do seu uso afetuoso, como se regista no PB; (iv) a manutenção dos tratamentos nominais variados e também uma lenta, mas progressiva, eliminação de tratamentos assentes na diferenciação social, tal como a que diferenciava o tratamento “a senhora Maria” (condição social inferior) de “dona Maria” ou “senhora dona Maria” (condição social superior). Algumas destas tendências seriam confirmadas mais tarde por Carlos Gouveia (GOUVEIA, 2008), para quem a mudança no sistema ocorre em direção a um maior nivelamento e reciprocidade sociais entre interlocutores. Este autor observa a extensão do uso de “você” em Portugal, especialmente entre os jovens, socialmente de classe média e popular, o que provoca alguma tensão junto de falantes mais idosos ou de estratos sociais elevados. No entanto, a continuação do uso de “senhor/a Dr./Dr.ª” e “senhor/a doutor/a” no local de trabalho, a primeira para alguém que é licenciado e a segunda para se dirigir a alguém que possui o doutoramento e/ou um médico, compensa o nivelamento apontado anteriormente. Parecem existir, assim, em PE, duas forças opostas que podem ocorrer no mesmo falante: uma que vai no sentido de minimizar as hierarquias sociais e outra que expressa a vontade da sua manutenção, parecendo atingir o sistema triádico que o caracteriza. Um dos aspectos mais notáveis do sistema antigo é a total ausência de tratamentos nominais, o que significa que não havia ainda separação entre os planos da intimidade e da cortesia/distância social. “Tu” ocupava o sector de intimidade, quando havia um certo grau de confiança entre as pessoas, e “vós” tinha um duplo emprego: como um singular de cortesia, destinado a pessoas importantes e a desconhecidos, e como plural indiferente ou forma para alguém se dirigir a várias pessoas. A componente nominal tem as suas raízes no final do séc. XV. De acordo com Lindley Cintra (CINTRA, 1972), as formas nominais, e.g. “vossa mercê”, “Vossa Alteza”, “Vossa Alteza Real”, “Vossa Senhoria”, remontam ao português medieval, tendo sido já atestadas no séc. XIV, como é o caso da forma “vossa mercê”, cujo primeiro registo data de 1331, em textos pertencentes à Corte, com carácter honorífico. No entanto, seria só a partir da segunda metade do séc. XV, período em que se observou a tendência para uma maior hierarquização social, que viria a ocorrer a expansão das formas nominais de tratamento. Assim, “vossa mercê”, a forma que teria dado origem ao “você”, atestada já no séc. XVII (mas cujo início de processo de pronominalização remonta ao séc. XVIII e cuja efetiva gramaticalização aconteceu no início do séc. XIX), era, nos sécs. XIV e XV, a forma nominal apropriada para falar com o Rei, deixando de ser usada, nesta situação, a partir do final do séc. XV, em 1490, altura em que passou a ser empregue para se dirigir a alguém nobre, estendendo-se o seu uso, no séc. XVI, aos burgueses. Nenhuma forma de tratamento passou por tantas transformações lentas e graduais como “vossa mercê”. Esta foi, no fim do séc. XV, substituída por outras formas, como “Vossa Senhoria” (usada pela primeira vez numa carta dirigida ao Rei, em 1434), “Vossa Alteza” (atestada pela primeira vez, também em relação ao Rei, nas Cortes de 1455), “Vossa Excelência” e “Vossa Majestade”. O documento que melhor ilustra esta expansão de formas nominais é a carta dedicatória da Crónica da Guiné, dirigida, em 1453, por Zurara. O cronista empregou, para o Rei, os tratamentos de “Vossa Alteza”, “Vossa Senhoria”, “vossa mercê” e também “vós”, e misturou os tratamentos nominal e o pronominal num mesmo parágrafo, enganando-se igualmente na concordância gramatical, uma vez que usou as fórmulas que exigem a 3.ª pessoa do singular (3PS) com a 2.ª pessoa do plural (2PP): “Como melhor sabe Vossa Alteza que uma das propriedades do magnânimo é querer antes dar que receber [...] E, como quer que em vossos factos se pudessem achar coisas assaz dignas de grande honra, de que bem poderes mandar fazer volume, Vossa Senhoria, usando como verdadeiro magnânimo, a quis antes dar que receber. E tanto é vossa magnanimidade mais grande quanto a coisa dada é mais nobre e mais excelente. Pelo qual, estando Vossa Mercê o ano passado e nesta cidade, me dissestes quanto desejáveis ver postos em escrito os feitos do Senhor Infante dom Henrique vosso tio” (ZURARA, 1949, 9-10). Com as mudanças nas relações políticas, sociais e culturais que decorrem do fim do feudalismo, assiste-se também a uma degradação das formas de tratamento, sendo necessário regular o seu uso. Em 1597, o filho do imperador Carlos V, Filipe II, publicou as leis, conhecidas por “leis das cortesias”, que estabeleciam os limites do emprego de cada forma de tratamento. Fixavam, para o Rei e a Rainha, o tratamento de “Vossa Majestade”; para os príncipes e as princesas, para os infantes e as infantas, para os genros e os cunhados de reis e para as suas noras e as suas cunhadas, fixavam o tratamento de “Vossa Alteza”; para os filhos legítimos dos infantes e para o duque de Bragança, a forma “Vossa Excelência”; e para os bispos, arcebispos, duques, marqueses, condes, governadores, embaixadores e vice-reis, a fórmula “Vossa Senhoria”. Em 1739, o Rei D. João V registou uma nova lei que também ameaçava de castigo cada pessoa que empregasse os pronomes de tratamento para com outras entidades além das enumeradas. Nela, transformou e alargou o emprego de “Vossa Senhoria” e de “Vossa Excelência”. A maior revolução no SFT do português foi provocada, a partir do séc. XIX, pelo aparecimento da 3PS, aplicada à segunda pessoa do discurso. Este tipo de forma de tratamento, acompanhado pelo primeiro nome, apelido ou nome de parentesco do interlocutor, passou a usar-se com bastante frequência em PE, entre as pessoas da mesma idade e categoria social entre as quais existia uma certa proximidade, permitindo a substituição não só das formas “você”, “o senhor”, mas também de “tu”, por outras formas nominais, e.g.: “O tio quer café?”/“A Maria não vai sair?”/“O Rodrigues está a brincar comigo?!”. A forma sem o sujeito expresso também passou a ser frequentemente utilizada, sendo adequada a todas as situações que não se pautem pela intimidade entre os interlocutores, como já anteriormente referido: “Ø Quer café?”/“Ø Não vai sair?”/“Ø Está a brincar comigo?!”. Formas de tratamento regionais O estudo do SFT do português falado, na variedade madeirense, está ainda por realizar. O conhecimento que se tem sobre esta questão é muito parcelar. Relativamente às características regionais na aplicação do sistema em PE-padrão (“tu”, “você”, “o/a senhor/a” e “Ø”) e nas suas correlações sociais de grau de proximidade/familiaridade e respeito, há que assinalar o estudo realizado por Alcina Sousa (SOUSA, 2012), com base num inquérito, cujo questionário segue o modelo da Eurolinguistix, aplicado junto de informantes madeirenses. Este trabalho permite observar as seguintes tendências, no que se refere às formas de tratamento usadas por falantes madeirenses em três tipos de situações: (i) de filhos para pais, com relações de maior intimidade e proximidade: uso de “tu” (mais frequente), sendo referidas pelos inquiridos outras formas, tais como “o senhor”/“a senhora”, “você”, “o pai”/“a mãe”; (ii) de crianças para familiares, onde estão em causa relações de respeito, relacionadas com a dissimetria das idades e da proximidade: o uso de “você” (o mais frequente), seguido de “o Senhor”/“a Senhora”, “o avô”/“a avó”; (iii) de patrão para empregado, ou seja, de superior para inferior, com maior distância social: “você”, seguido de nome + forma verbal na 3PS. Esta diversidade de usos nas três situações contempladas mostra que o próprio SFT do PE, no qual se incluiria a variedade regional, está sujeito a uma grande pressão social e que uma mesma situação poderá dar origem a várias possibilidades interpretativas e à escolha de formas de tratamento diferenciadas, consoante as características sociais (género, idade, escolaridade) dos falantes. Para além do SFT em PE-padrão e das suas micro-variações, ilustradas pelos resultados do estudo de Alcina Sousa (SOUSA, 2012), a variedade regional contempla também expressões vocatórias, seguidas de interjeições, tais como “amecê”, “apaz” (rapaz)/“apariga” (rapariga), “home”. Todas estas formas, pela sua configuração elíptica, parecem enquadrar-se na categoria de nomes hipocarísticos, descrita por Leite de Vasconcelos (VASCONCELOS, 1928). Trata-se de nomes informais, muito usados na linguagem infantil, razão pela qual seriam marcados por um traço semântico-pragmático de afetividade, adequado a situações em que se observa proximidade entre os interlocutores. O processo de hipocorização envolve o apagamento, ou truncação, de uma parte da palavra de base, que pode situar-se no início ou no fim da palavra, e.g.: Marissol > Sol; António > Tó; José > Zé; Fernando > Nando. Este processo pode ainda envolver duas palavras, e.g.: Maria Antónia > Mitó; Maria de Lurdes > Milu. Das expressões em uso nas variedades do português falado no arquipélago da Madeira acima referidas, “amecê” é a única palavra que se encontra registada na obra Vocabulário Madeirense, de Fernandes Augusto da Silva (SILVA, 1950), tendo sido também apontada por Canuto Soares, no seu artigo “Subsídios para o cancioneiro do arquipélago da Madeira. Tradições populares e vocábulos do arquipélago da Madeira”, publicado na revista Lusitana (SOARES, 1914), como sendo equivalente a “vossemecê”, ambas variantes do antigo “vossa mercê”. Também se encontra referida por José Rosado como estando em uso na ilha do Porto Santo, fazendo parte do artigo “Linguagem popular portossantense”, publicado, em 2003, na revista Xarabanda (ROSADO, 2003). Já “apaz” (<rapaz)/e “apariga” (<rapariga), expressões com truncação do segmento fonético inicial, encontram-se referidas no site Madeirense Puro, de onde foram retirados igualmente os seguintes exemplos, que representam varintes gráficas: “Ahpaz, tá-te dande?; “Ahpazzz tu tem cuidado para não emborcares essa tigela no chão”; “Ahpazz! Na’ tires os casques do talho!!”; “Ahpaaazzz... Grupe!”. A palavra que se destaca nestes exemplos é também parte integrante do título do blogue madeirense Apaz! Vais à Vila?. Quanto a “home” (< homem), trata-se de uma forma antiga, já atestada em português arcaico e integrada no seu sistema pronominal como forma de 3PS. É usada, na variedade regional, como um alocutivo/vocativo, e.g.: “Ah hôme, na m’atentes!”. O romance Canga, de Horácio Bento Gouveia (GOUVEIA, 1975), faz referência a uma forma pronominal “si”, também já atestada no PA, inicialmente delocutiva, mas usada como alocutiva, conforme pode ser observado nos seguintes exemplos, retirados desta obra: (1) - Antão que lh’aconteceu daí p’ra cá? - Si o sabe! - […] - Mei não acredita nei minhas intenções? - Cuma acraditar se si tem tão má fama!” (p. 50) - Si na diz a verdade! - Digo, digo - Mas si nã me disse ainda o que me quer!” (p. 63) (3) - Já ia tarde. Nem vua à Chapoeirada, a casa de me padrinho. - Se lh’agrada vua mai si.” (p. 64) O pronome de tratamento “si” parece funcionar, tal como surge nos diálogos acima, como uma variante popular e de respeito, relacionada com outras variantes que se caracterizam por requererem uma forma verbal na 3PS (“você” ou “senhor”), consoante a maior ou menor proximidade existente entre os interlocutores da interação verbal. Tal como nos outros domínios da variedade do Português Falado na Madeira (Sintaxe; Regionalismos ;Fonética), os dados provenientes das formas de tratamento, no plano léxico-pragmático, apontam, assim, para a coocorrência de traços arcaizantes (uso de “senhor” nas relações filhos/pais e uso de vocativos “home” e “si”) e de traços inovadores (uso de vocativos “apaz”, “apariga”).   Aline Bazenga (atualizado a 07.12.2017)

Linguística

falar(es) na escrita

As duas faces de uma língua viva Constituída por uma vertente oral e outra escrita, uma língua é, por princípio, bifacial. Contudo, nem sempre os dois lados coexistem. Se for uma língua viva, a face oral, tem-na por inerência, mas pode não contemplar a escrita. Os crioulos cabo-verdianos constituirão um caso paradigmático disso mesmo, embora a situação se esteja a alterar com a tendência crescente para a fixação da fala do criouléu cabo-verdiano de Santiago, divergente, por exemplo, do de São Vicente. Se se tratar de uma língua morta, sucederá o inverso. É assim com a língua latina, que, grosso modo, subsiste apenas na escrita. Pela sua prolífera cisão, esta deu origem às línguas românicas, que, inicialmente, eram apenas faladas e que, por razões históricas, ganhando dimensão nacional ou regional, se tornaram, na sua maioria, escritas. A língua portuguesa, com 800 anos de história contados a partir do Testamento de D. Afonso II, datado de 1214, é exemplificativa de uma língua latina com escrita fixada, havendo percorrido um longo percurso para o efeito. Todavia, há línguas que estavam mortas e que voltaram a ganhar vida, ou seja, readquiriram uma vertente oral. Foi o que aconteceu com a hebraica, aquando da criação do Estado de Israel. É possível contar com outras línguas que nunca foram escritas e que desapareceram ad aeternum com a extinção da sua comunidade de falantes (cf., p. ex., DN, 7 fev. 2011, 49). Algumas mantêm-se vivas pontualmente, como os versos sânscritos recitados em exercícios de ioga. Neste conjunto de línguas, seria igualmente viável inserir o latim, já que a Santa Sé o usa ocasionalmente, sendo a sua língua oficial, embora o italiano a substitua em grande parte das ocasiões em que é indispensável recorrer a um registo linguístico de viva voz. Assim sendo, compreende-se que a dinâmica de um idioma é dada pelo facto de ele ser falado, usado na comunicação diária dos membros de uma comunidade. Esta evidência reencontra-se na relação dos termos “comum”, “comunidade” e “comunicação”, ao integrarem a mesma família. Entre línguas naturais mortas (desaparecidas ou conservadas), ressuscitadas e vivas, a relação entre as suas duas faces, os dois registos, é incontestável. Podem esses dois lados (ou apenas um deles) encontrar-se num estado latente/implícito (sem escrita ou sem oralidade) ou patente/explícito (com escrita e com oralidade). No geral, é à comunidade de falantes (os usuários das línguas numa ou nas duas facetas) que cabe decidir o que pretende fazer. Acontece que, nas trocas linguísticas quotidianas, a variedade da língua empregue raramente corresponde, com completude, à que está padronizada nos dicionários e nas gramáticas, nos compêndios e nos prontuários, já que os membros de uma comunidade vão recorrendo quer a diversos níveis da linguagem, consoante as situações de comunicação em que se encontram – das mais formais às mais informais –, quer a variedades sociais ou diatópicas com cunho específico. É preciso ter em conta que estas últimas recebem a influência da área geográfica onde os falantes nasceram e vivem ou onde passaram a residir, sem aí terem nascido. Assim, sucede que na Região Autónoma da Madeira (RAM) se fala de uma maneira que não é integralmente comum à do restante território nacional, embora também se recorra, nesta área geográfica insular, à variedade padrão, de modo mais premente na escrita documental e oficial. Compreende-se, consequentemente, a razão por que a variedade regional tem somente registo oral, não possuindo nenhum registo escrito oficial. É famosa a frase “O grade azougou e foi atupido na manta das tenerifas”, apresentada como um exemplo ilustrativo do falar regional usado pela população, sendo incompreensível a quem seja de fora, isto é, estranho à comunidade. Aliás, vão-se divulgando textos escritos “à madeirense” (incluindo do Porto Santo: cf., p. ex., ROSADO, 2003). É também esta a ideia que perpassa, por exemplo, no texto “Linguagem Popular da Madeira”, da obra homónima (SILVA, 2013, 23-27), e na crónica “Falares Ilhéus” (JARDIM, 1996, 23-24). No arquipélago, é frequente ouvir dizer, mesmo numa situação formal de comunicação, que determinada tarefa leva “horas de tempo” (“Esse trabalho leva duas horas de tempo”), mas a expressão não se deverá escrever, já que, no plano da escrita, vigorará a norma que aceita unicamente “horas” (“Esse trabalho leva duas horas”). Esta discrepância é fácil de entender, visto que as entidades que controlam o idioma, nomeadamente no que se refere ao ensino, para o manterem homogéneo, o mais uniformizado possível, optaram por uma grafia única, a da norma, um padrão imposto às restantes variedades. Assim, a qualidade bifacial do Português assume, do lado da escrita, à partida, a invariabilidade, mas reconhece, do lado da fala, a variabilidade. Infere-se, daí, que a norma é a única variedade com menos variação. Todavia, a este propósito, sublinhe-se que a definição de “norma” pode não ser unânime. Embora este conceito tenha uma base incontestável, quando a definição remete para “que serve de modelo, de padrão”, foi posto em causa, ultimamente, devido à população referencial que a consubstancia. A que falantes corresponde a norma? Reporta-se aos mais instruídos, sejam eles de que parte do país, e do mundo, forem? Tem origem, em exclusivo, nos falantes mais escolarizados (estrato social médio-alto) de uma área geográfica precisa (Lisboa ou Coimbra-Lisboa)? Para o Português Europeu, equivaleu à variedade usada pela classe alta do eixo Lisboa-Coimbra, e para o Português do Brasil, à das classes altas do Rio de Janeiro (CUNHA e CINTRA, 1995). Como já referido, este conceito de cariz social e geográfico tem sido alvo de alguma refutação, estando, claramente, a ser reequacionado (cf., p. ex., EMILIANO, 2009), o que é compreensível numa sociedade do séc.XXI que, pesem embora as enormes desigualdades sociais, tende para a existência de uma classe média mais forte, com diminuição dos extremos no que toca ao poder económico. Este é, pelo menos, o cenário generalizado na sociedade ocidental. Esquecendo, momentaneamente, a problemática colocada pelo conceito de “norma linguística” e centrando a temática na questão das variedades, sabe-se que, habitualmente, os falantes regionais dominam, pelo menos, duas variedades linguísticas: a exógena (a normativa) e a endógena (a nativa). Diz-se, então, que existe um fenómeno de diglossia, muito semelhante ao bilinguismo. Torna-se evidente, porém, que isso se aplica em exclusivo ao registo oral, uma vez que, na escrita, predominará a ortografia estabelecida para a língua oficial. Por exemplo, num bilhete para um familiar, um madeirense poderá escrever algo como “Vamos ir lalá lalém com Maria. Junta a mochilha!”, hesitando na grafia de “lalá”: “lá-lá”/“lá lá” e de “lalém”: “l’além”/“lá-além”/“lá além”. Todavia, se ele tivesse de transmitir esta mensagem a alguém que não fosse da mesma variedade diatópica, encontrando-se, além disso, numa situação de comunicação que requeresse adequação linguística, deveria alterá-la, adaptando-a com uma proposta como “Vamos dar um passeio acolá com a Maria. Apanha a mochila!”. Numa comparação geral destas duas possibilidades, observa-se que as divergências existentes entre o registo exógeno e o endógeno são substanciais e mereceriam a elaboração de um dicionário (Regionalismos Madeirenses) e de uma descrição gramatical (REBELO, 2014a). Esta deveria dar conta de todas as marcas linguísticas que individualizam a variedade regional a nível da Fonética, da Morfologia, da Sintaxe e da Semântica, incluindo os outros campos dos Estudos Linguísticos, o que os vários trabalhos existentes, de que fazem parte as dissertações académicas, tenderam a fazer de modo parcial. Fica claro que a norma de uma língua viva tem uma vertente oral e uma escrita, mas tal não sucede com as variedades diatópicas, uma vez que possuem unicamente, em termos oficiais, registo oral. Pontualmente, quando se vê escrita nas mais diversas situações de comunicação, nem sempre, por diversas razões, é evidente a variante a fixar (REBELO, 2014b). Aliás, as corruptelas, ou seja, “pronúncia ou escrita de palavra, expressão, etc. distanciada de uma linguagem com maior prestígio social” (HOUAISS, 2001), presentes nas entradas de vocabulários e glossários são prova disso mesmo. Com frequência, surgem na imprensa (cf. os jornais regionais publicados diária ou semanalmente na RAM) hesitações. É o caso de “persiana”, um vocábulo que não se usa no arquipélago e que é, sistematicamente, substituído pelo termo tido como regional “tapa-sol” ou “tapassol”, parecendo difícil escolher entre uma ou outra variante. Acontece de igual modo com muitos outros termos registados nos vocabulários existentes (cf. RIBEIRO, 1929; SILVA, 1950; SOUSA, 1950; PESTANA, 1970; e CALDEIRA, 1993, entre outros). Esta variação gráfica assinala-se, inclusive, nos estudos linguísticos, como os de Käte Brüdt (1938) e de Millet Rogers (1940, 1946 e 1948), que anotaram as palavras da forma como as ouviram pronunciadas pela população. A audição com apontamento foi a metodologia seguida por grande parte dos estudiosos da variedade insular madeirense. Aliás, estes dois investigadores, como quase todos os outros dos três primeiros quartéis do séc. XX, arranjaram uma transcrição sui generis para grafar a dinâmica da fala madeirense (REBELO, 2002b). Este método de registo do(s) falar(es) faz lembrar o da “pronúncia figurada” (REBELO e SANTOS, 2013, submetido), que se empregou extensivamente antes de haver alfabeto fonético internacional. Veja-se o seguinte exemplo para “vinho”, evidenciando a diferença entre a pronúncia figurada, como a expressa em “vâinho” (BRÜDT, 1937-1938), e uma transcrição fonética que se poderá considerar equivalente: ['vɐjɲu]. Sinteticamente, a expressão “pronúncia figurada” significa aquilo que os termos constituintes evidenciam, ou seja, é a representação escrita (figurada), através das letras do alfabeto latino e de determinados sinais adicionais, como acentos gráficos, usada para poder ser reproduzido por meio da leitura (articulação) um modo de dizer (pronúncia) de uma língua estrangeira ou de uma variedade geográfica. A única face visível da variedade diatópica madeirense A variedade insular madeirense, no seu todo, tem, consequentemente, patente a face oral, uma vez que é exteriorizada através da verbalização, e latente (invisível) a faceta escrita, dado que não possui gramática oficial, nem ortografia definida. O mesmo se verifica para as restantes variedades regionais portuguesas ou para as outras realidades não diatópicas lusófonas, como as africanas ou as asiáticas. Podem existir estudos que descrevam ou registem particularidades da oralidade das variedades, mas são restritos e pontuais. Aliás, a “transcrição alinhada” que acompanha as gravações dos CD’s Português Falado (BACELAR DO NASCIMENTO, 2001) normaliza consideravelmente a vitalidade da fala, distanciando-a bastante da grafia que surge a acompanhar o registo oral dos falantes gravados. Porém, esta situação tem vindo a ser alterada, dando-se visibilidade ao registo da variedade, como aconteceu para São Vicente (cf. FREITAS, 1994), embora não se tenha acesso às gravações realizadas pela pesquisadora. Quase todos os trabalhos, incluindo os académicos, curiosamente, facultam o registo escrito (transcrição), mas não dão o registo oral gravado que motivou a transcrição, sucedendo o mesmo com os trabalhos dos atlas linguísticos (REBELO e NUNES, 2009), em que apenas se publica a transcrição fonética dos termos cartografados. É assim desde o início das investigações, mas ressalva-se que, antigamente, os meios técnicos eram praticamente inexistentes. Leite de Vasconcelos, Paiva Boléo e Lindley Cintra interessaram-se pelo estudo da variação diatópica portuguesa, procurando atestar (por escrito) estas realidades linguísticas ultradinâmicas. Quanto à existência de uma única variedade madeirense ou de muitas, uns preferem o singular (VASCONCELOS, 1901, 1970) e outros o plural (CINTRA, 1990, 2008). Escreveu Lindley Cintra que “[...] não parece certo afirmar sem hesitação que o grupo de dialetos madeirenses (como, aliás, os açorianos) pertence ao grupo dos dialetos meridionais do continente, como também será inexato associá-los sem reservas ao grupo dos setentrionais. Misturam-se neles características próprias de ambos os grupos, o que obriga a situá-los num grupo à parte – ‘insular’. Dentro desse grupo os dialetos madeirenses isolam-se dos restantes devido à existência, que procurei rapidamente apresentar, de fenómenos raros, ausentes dos dialetos de outras ilhas, do continente e por vezes até – podemos acrescentar – do resto daquilo a que chamamos România” (CINTRA, 2008, 104). No entanto, apesar de optar pelo plural, não os identifica, nem os localiza. Indicar, unicamente, diversas particularidades não parece suficiente para justificar a existência do plural “dialetos madeirenses”. Foi testado o reconhecimento auditivo da variação na variedade insular madeirense (REBELO, 2011) e comprovou-se que dificilmente os ouvintes conseguem identificar, simplesmente pelo falar, a origem regional dos falantes. Assim, por falta de provas e de estudos consistentes sobre este assunto, opta-se por referir a variedade no geral e, consequentemente, no singular. Aliás, a designação “madeirense” (até prova em contrário) serve perfeitamente para o efeito, fazendo equivaler a linguagem regional ao identificativo do habitante (língua e gentílico), como acontece com a maioria das línguas vivas (REBELO, 2014a). Antes de os estudos pós-saussurianos centrarem a análise linguística na parole (fala), em vez de se concentrarem na langue (língua), os filólogos debruçavam-se sobre os textos escritos, em especial os literários. Deles colhiam informações pertinentes para o estudo da langue, em particular da sua diacronia e história. Criando-se a Linguística como disciplina científica, o que passa a interessar não são os textos fixados em suportes deterioráveis como o papel, mas a riqueza sincrónica da fala multivariável, com um suporte físico “imaterial” (o ar). Este afastamento da escrita levou os especialistas da linguagem, sobretudo os dedicados à análise da fala, num plano sincrónico, a olvidarem totalmente os registos literários. Ora, para os linguistas que têm procurado estudar o português falado na RAM, através de transcrições e de gravações, é de todo conveniente observar, igualmente, os contributos dos escritores regionais. No séc. XX, sobremaneira na primeira metade, indo mesmo aproximadamente até à déc. de 70, as transcrições linguísticas presentes em dissertações de licenciatura, e noutros trabalhos académicos, como se referiu, não diferiam muito das propostas presentes em textos literários, nos diálogos de personagens tipicamente regionais, estando ambos (trabalhos académicos e textos literários) muito próximos do método da “pronúncia figurada”. A descrição da fala regional importa aos estudiosos da linguagem e a um número considerável de escritores, embora numa abordagem menos científica do que a que orienta um linguista. Logo, é a Literatura que vai permitir registar a escrita do modo regional de falar, mesmo se algumas produções literárias não têm seguido esta via, o que aconteceu na recolha de contos populares (FREITAS, 1996) ou de rimances (FERRÉ e BOTO, 2008). Não se almeja, no entanto, abordar a questão da “Literatura Madeirense” (cf., p. ex., HOMEM, 1999 e SANTOS, 2007, 2008), mas tão-somente valorizar, para o falar da variedade madeirense na escrita, o contributo de textos literários de alguns escritores, mais ou menos conhecidos, consagrados ou não, relevantes ou insignificantes quanto ao cânone literário (SANTOS, 2008). A escrita da variedade madeirense: a relevância do texto literário Em termos linguísticos, se o português falado na RAM é apenas unifacial por possuir exclusivamente a face oral, quando olhado sob o prisma literário, torna-se bifacial. Contudo, a dimensão escrita que adquire não é ortográfica, mas fonográfica ou grafofónica (REBELO, 2013 e 2014, no prelo). Estes dois últimos termos estabelecem uma íntima relação entre a dimensão “gráfica” (representação escrita) e a “fonia” (produção oral) para dar conta das características regionais ou locais de um modo de falar. Consistem, por assim dizer, no mesmo processo empregue no registo da “pronúncia figurada”. Posto isto, convém, todavia, clarificar que as representações escritas do registo oral regional vão variando consoante os escritores e a maneira como captaram as sonoridades insulares, não havendo, portanto, uma relação unívoca entre estas duas faces. As causas para este fenómeno serão múltiplas e não se equacionam de momento. A poligrafia literária faz lembrar o polimorfismo próprio do Português Arcaico (cf., por exemplo, VÁZQUEZ CUESTA e LUZ, 1988). Por exemplo, o Dicionário Houaiss apresenta a evolução histórica dos significantes e verifica-se que nem sempre um determinado vocábulo (ex.: “igreja”) se escreveu da mesma maneira, tendo tido, num mesmo período ou em mais, várias formas (ex.: “egreja” e “ygreja”, entre outras possibilidades). Em parte, isso verifica-se porque os diversos autores tidos como regionais foram fixando e dando corpo gráfico, visibilidade impressa, às sonoridades insulares, segundo a sua própria captação da fala. Este processo de materialização dos diversos níveis da variedade insular (como o social: calão, gíria, etc.) na escrita literária sucedeu no plano internacional (p. ex., em França, com Raymon Queneau, e em Moçambique, com Mia Couto) e nacional, com escritores como Lídia Jorge ou Aquilino Ribeiro. Aliás, é sabido que já Gil Vicente procurara conferir um estilo linguístico a determinados tipos de personagens, moldando a grafia segundo traços de pronúncia. Logo, esta especificidade não se observa unicamente na RAM, uma vez que é comum a outras variedades, registos ou línguas. Deste modo, não é uma estratégia exclusiva do espaço criativo madeirense. Contudo, é aqui que a interessa observar, esboçando-lhe os contornos para a configurar. São, sobretudo, as personagens representativas das camadas sociais mais baixas, tipicamente populares, que, nos textos literários, vão “falar à madeirense”. O valor científico da linguagem popular (BOLÉO, 1942) e a problemática da relação entre “popular” e “regional” (VERDELHO, 1982) são tópicos prementes para o estudo do registo escrito das variedades. A escrita ficcional tende a querer assumir traços de realismo linguístico (REBELO, 2008, 2013, 2014 no prelo). Portanto, as personagens, enquanto entidades literárias intratextuais, ganham pujança extratextual, representando um modo de falar de um povo de uma região. Têm entidade individual, muitas vezes com nome próprio, mas identificam o conjunto, a comunidade. O texto adquire, então, um colorido regional quando estas personagens populares, quer iletradas quer pouco ou nada instruídas, falam, sendo recriadas pelos autores. A grafia da fala representada passa a ser desviante porque é uma “transgressão ortográfica”, visto corresponder a uma transcrição gráfico-fónica. As letras do alfabeto latino são usadas para escrever a pronúncia regional que se afasta da representação ortográfica normativa (como no processo da “pronúncia figurada” e de modo distinto da transcrição alinhada, representação ortográfica que acompanha linha a linha a produção de um texto oral). São, assim, as sonoridades específicas da variedade diatópica madeirense que passam a ser escritas. É complexo saber quem terá sido o primeiro autor a procurar registar o falar regional madeirense na escrita, nomeadamente literária, uma vez que a tendência foi quase sempre a de normalizar a grafia. Sem considerar o registo pontual de Mariana Xavier da Silva (1884), Ricardo Jardim, que passou alguns anos em Inglaterra, apresenta-se, com Saias de Balão, como o percursor, até que se descubra outra referência. Este autor regista a fala na escrita de maneira muito incipiente e de forma esporádica. Esta acontece, essencialmente, quando os “criados” falam, como se verifica no seguinte excerto: “Menêina, nã vaia p’ra riba!... Menêina, vai-se pisar!... Menêina, aprante-se p’ra aí! Esteja quètinha!... Credo! Abrenúncio!” (JARDIM, 1946, 32). Desta deixa, sobressai, entre mais particularidades, a ditongação do <i> tónico (êi), considerada como tipicamente madeirense. Em contraponto com Ricardo Jardim, indubitavelmente, um dos autores que mais empregaram este processo da escrita do falar terá sido, por certo, Horácio Bento de Gouveia (SANTOS, 2007). Se não o fez em todos os contos, usou-o, pelo menos, sistematicamente nos seus romances (ALMEIDA, 2000). Apresenta-se um excerto da obra Torna-Viagem: o Romance do Emigrante (GOUVEIA, 1995, 56): - Q’ aconteceu? - O navoeiro matou mê filho! - Aonde? - Na beira da rocha. - Antão ’tá no fundo da ribeira. – E chamou, repentinamente, com toda a força da arca do peito: - Manel? Manel? - O quia, mê pai? - Vem cá. Neste breve diálogo, além de outros fenómenos, regista-se a ditongação com crase em “quia” (que é), sendo notória, no início do diálogo, a ausência do artigo definido antes do possessivo (Sintaxe) com a frequente monotongação deste (“mê filho”). Estes traços são correntes na variedade madeirense, embora, como se sabe pelos trabalhos de vários estudiosos e linguistas como, p. ex., Gonçalves Viana, Leite de Vasconcelos, Paiva Boléo ou Lindley Cintra, comuns a outras variedades portuguesas. Entre estas duas tendências extremas (usar pouco – Ricardo Jardim – e empregar muitíssimo – Horácio Bento de Gouveia), diversos autores foram escrevendo a variedade diatópica madeirense. No entremeio, estará, p. ex., António Marques da Silva, com a “crónica romanceada” Minha Gente, obra póstuma, mas cuja finalização data de 1951. Dando voz às gentes da zona de São Jorge (Santana), reproduz o autor o falar do povo local, como evidencia a citação que se transcreve (SILVA, 1985, 13): – O mê digosto é nã poder botar-me desta terra pá rua. Ainda cum queira mercar um casaco pá missa, nã se pode. Anda-se atolado em lameiro todo loi dias e o que se ganha mal dá pá barreiga... – E si que dê graças a Deus em ter uma buxada para meter na boca... – acrescentou o outro, no mesmo tom melancólico. – Si amode canda reinando ca vida, Man’leinho? – soltou de lá um mais folgazão. – Ora! Cadmiração! Por aquei é com ’um porco que tá dentro do chequeiro. No há com’as outras terras! O Rodrigues, porém, insistia: – Poi sim... Mas si que veja o prove do João Perfeiro, do Farrobo, um homem como um teil, que veio arrebentado daquelas terras do fasteio!... Destaca-se também nesta amostra da escrita da fala a ditongação de <i> tónico (“Man’leinho” – Manuelinho, “barreiga” – barriga, “aquei” – aqui, “teil” – til, “fasteio” – fastio). Este ditongo, com semivogal divergente da palatal ou da velar normativas, reencontra-se, p. ex., no estudo acústico sobre o falar do Porto Santo (REBELO, 2005). Sobressai o uso da forma de tratamento com “si”, entre vocabulário típico (“mercar”, “um lameiro” ou “reinando”) e diversos fenómenos fonéticos, como mudanças de timbres, supressões, etc. Realça-se a forma do artigo definido masculino plural “loi” e a monotongação do possessivo “mê” (meu), mas, aqui, antecedido do artigo (“o mê”). Como se verifica, a exploração das particularidades linguísticas registadas deveria ser alvo de uma investigação aprofundada, podendo, crê-se, ter um considerável interesse para o linguista. A reaproximação da Linguística à Literatura merece, assim, para o estudo da variedade insular, uma atenção especial. Além destes três autores mencionados, apontam-se outros por serem, porventura, os que mais ilustram esta estratégia linguístico-literária, recorrendo a uma transcrição linguística reconstruída (ficcionada) que aproxima a grafia da fonia. Decerto, os autores que viveram o período da Revolução dos Cravos, em meados da déc. de 70 do séc. XX, experimentaram uma revalorização de tudo o que se relacionava com o povo. Textos publicados nesse período tenderam, por isso, a sobrevalorizar o falar regional, na sua vertente popular e regional. É o que acontece com Pernas Ceifadas, de Maurício Melim Teixeira, com prefácio de Horácio Bento de Gouveia. Nesta obra, o autor, conferindo-lhe um cunho de realismo, afirma que “[...] a história apresentada se baseia em factos reais [...]. À parte algumas criações minhas, outros arranjos e outra disposição, ela sustenta-se num (entre tantos) caso real, bem funesto da sociedade madeirense” (TEIXEIRA, 1975, 9-10). O pendor realista é ainda salientado por Horácio Bento de Gouveia no prefácio da obra: “A prova evidentíssima reside no conteúdo da novela, no realismo das cenas, no aspecto fónico do linguajar das personagens”. Acrescenta Gouveia, a propósito: “Nota-se uma natural preocupação de gosto pelo termo raro, muitas vezes forçado. Infere-se, da sintaxe, muita leitura, bem que não completamente escoimada dos prejuízos inerentes à busca da verdade linguística” (Ibid., 12-13). Reencontra-se esta tendência nos diálogos que dão conta de um falar divergente do registo normativo (Ibid., 153-154): – Olhe nã repare nesta desarrumação qu’ at’ ia ûa vergonha! ’Tava [sic] acabande d’almoçar, sabe cuma ia... Mas antão o qu’ ia qu’ a trai pro cá? Precisa dalgûa coisa, ia? S’ iu puder ajudar ia só dezer, faça-se de casa, nã faça cirmónia! [...] – Eu gostava de tilfonar... Hesitava. – Pôs ia tilfonar... ora venha daí... largue lá esses acanhamentes... por ’quei, por ’quei... – e balançava-se, afanada. – Sabe qu’ o nosso... quer dizer... o mê pai trancou o tilfone e iu preciso muito tilfonar... desculpe vir incomodar... – Ora essa! Ora essa! Incomodar, proquia? Nã incomoda nada, nem um belisque... Ah, mas o sê pai trancua? Ora essa! – repetia – Mas antão proquia? – [...] – Tudo por causa do mê namorado... O qui é que quer? Ele é assim! Embirrou e agora? É teimoso que nem um jerico! Vá lá entender-se isto! O diabo do homem pendeu prá ‘li e tirem-lho da carcaça! – Ah, e iu a pensá qu’o sinhô Francisque era um home compreensive, honeste! Olhe que nem parece ser o qu’ ia! – estava despeitada – Sabe o qu’ ia: a gente vê, fala, mei nunca ia cuma se vivesse cum ele, nã se lhe conhece ei manhas. Aparências... Olhe menina: nem tude o que luz ia oure! Ora, são todes bons! Homes! Todes iguais, nem um só s’ escapa! Ia tude ûa súcia de bandides, ûa canhalha! Concluía por fim: – Mei vá lá, vá lá, nã demore mais aquei, qu’a meinha c’riosidade já lhe tirua munte tempe. Ia aquei, ia aquei! Pegue, ‘teija à vontade! Neste diálogo, assinala-se, de novo, a ditongação de <i> acentuado (“aquei”, “meinha”), que, porém, nem sempre ocorre (“compreensive”, “bandides”), assim como a de “é” (“ia”), entre múltiplas outras especificidades, como a mudança de timbre de <o> em posição final absoluta ou não (“todes”, “tempe”). Certos traços ocorrem igualmente no conto de Jorge Sumares “Mai Maiores qu’ essei Serras”, que data também do mesmo período de mudança política, assim como de paradigma estético-literário e linguístico, já que foi escrito em finais da déc. de 60 e publicado, parcialmente, em 1974, no Diário de Notícias da Madeira. Não sendo escritor de profissão, Sumares redigiu este texto aproximando os grafemas dos fonemas, ou melhor, as letras dos fones, como se constata da leitura do passo que se recortou da integralidade textual (um diálogo em que se “ouve” apenas uma das duas vozes, um dos dois interlocutores, o idoso popular, marcadamente regional): “Filhos? Tive nove. Seis homes e três melheres. Tudo se criua à conta de Deus. Inté a nossa Rosaira já tava criada cando Deus a chamua à sua devina presença. Já andava nui vinte. Veio-le um bicho no estâmego – lá foi” (SUMARES, 2005, 177). Curiosamente, a ditongação de <i> tónico não se verifica neste excerto, mas ocorre no decorrer do conto (REBELO, 2013). Porém, o fenómeno da ditongação sucede, p. ex., com o fonema [o] (<ou>) em “criua” (criou), “chamua” (chamou). Também sobressai a mudança de timbre vocálico por, na maioria dos casos, assimilação ou dissimilação, o que é evidente em “melheres” (mulheres), “devina” (divina) e “estâmego” (estômago). Dá-se ainda, e apenas, relevo ao plural “nui” (nos), assinalando um traço que é identificado como madeirense, isto é, o plural em <i>. Este fenómeno gerou controvérsia quanto à sua explicação, nomeadamente entre Millet Rogers e Eduardo Antonino Pestana (PESTANA, 1970) (Sintaxe). É indispensável referir que, antes destes autores, Ernesto Leal, no conto com o título homónimo da obra O Homem que Comia Névoa, de 1964, experimentara este exercício, mesmo se, como Ricardo Jardim, não lhe conferiu grande relevo na sua obra. No entanto, não se pode deixar de mencionar, ilustrando esta escrita fónica com um breve trecho (LEAL, 1964, 68-69): Na Portela das Mantas, à hora da névoa da manhã, o vilão grita assim e os sons ficam no ar, a baloiçarem-se: – Ó Maruia!... […] E a viloa responde: – Qu’é? […] – Onde estás, que não te vejo, ca névoa? […] – Estou no poio pequeno das couves, por ruiba do chiqueiro. Mais uma vez, o <i> tónico surge ditongado (“Maruia” – Maria, “ruiba” – riba) e sobressai enquanto marca madeirense perante fenómenos populares geograficamente mais amplos, como a elisão em “Qu’é?” ou a aglutinação presente em “ca”. Estranhamente, as formas verbais “estás” e “Estou” mantêm-se intactas, quando correntemente se reduzem a “tás” e “Tou”. O mesmo acontece com o ditongo de “não”, que tende a monotongar na oralidade (“nã”). O vocábulo “couves” é, popularmente, por certo, mais empregue com a variante do ditongo “oi”, mas, neste excerto, mantém-se inalterado. Esta observação, aplicada a outros fenómenos e vocábulos, é válida para os restantes autores que seguem o processo de escrever o falar, já que, por vezes, não assinalam traços que se sabe serem comuns no registo da fala. Aliás, isso é notório em Francisco de Freitas Branco, que, embora não tenha escrito textos literários, seguiu esta estratégia em crónicas com alguma literariedade. Orientou-se este autor por uma transcrição alfabética do falar madeirense (da Madeira e do Porto Santo) inconstante e cambiante, muito versátil, como o comprovam a leitura das crónicas “Sobre Habitantes da Ilha: Apontamento Linguístico”, “Ê Tenho esta Ideia Comeio (Crónica Literária)” e “Ainda nam Teinha Trêzianes, Comecei Cêde: Tentativa para Reprodução Escrita da Fala Viva” (REBELO, 2002a, 2004, 2008, 2013, 2014 no prelo). O processo terá desagradado aos falantes que se sentiram desvalorizados por considerarem que aquela escrita estava repleta de “erros”. Ora, o facto de as transcrições de Freitas Branco se reportarem a pessoas (reais – entidades extratextuais) e não a personagens (de papel e palavras – entidades intratextuais) terá criado equívocos difíceis de resolver, já que estas transcrições queriam sublinhar a riqueza da dinâmica da fala. Parece, então, que, se se sair do plano ficcional, a variedade diatópica continua a ser unifacial. Caberá aos linguistas ultrapassar esta dificuldade, se se pretender que a variedade endógena seja bifacial fora dos limites da Literatura, que, porém, tem continuado a alimentar o processo de transcrição da fala. Mais recentemente, um dos últimos autores que procuraram passar para a escrita o falar dos ilhéus do arquipélago terá sido Lídio Araújo, que recorre, abundantemente, ao processo em Filhos do Mar. A leitura deste livro é animada pelos diálogos recriados, que, além de serem muito enfáticos, como à partida o são os reais, transmitem um colorido local. As marcas do nível popular preenchem o discurso dialógico, como o seguinte excerto o evidencia (ARAÚJO, 2002, 83-84): – Pedro, acorda! Al’vãta-te O [sic: sem ponto] pae leiva-t’ô maar! [...] – O qu’ia pae, ô maar? – Seim! Êu t’prom’tei, um deia. Hôje vaes c’agênte! [...] – Ia ve’dade, pae? – interrogou, incrédulo, arregalando os olhos. – Ia seim! – E a mãe já saabe? – Já! D’spacha-te! Ao ler-se estas deixas das personagens, é como se se ouvisse as pessoas a expressarem-se nos seus modos de falar marcadamente sincopados e com múltiplos fenómenos estudados pela fonética combinatória (Fonética). A supressão de fonemas é assinalada pelo apóstrofo, como em “Al’vãta-te” (Levanta-te) e “t’prom’tei” (te prometi/prometi-te). A duplicação vocálica poderá indiciar vogais longas e/ou com um grau de abertura considerável, representando para o leitor a necessidade de as “dizer” duas vezes (“maar” – mar, “saabe” – sabe), como se houvesse duas vogais/duas sílabas. Este último fenómeno confere melodia ao falar, alongando os vocábulos por parecerem ganhar uma sílaba. Como para os autores já mencionados, além de o nível popular se destacar, surgem também nesta obra de Lídio Araújo particularidades regionais, como a ditongação de <i>, quer oral – “deia” (dia) –, quer nasal – “seim” (sim). Regista-se ainda a da vogal anterior semiaberta, que se encontra, p. ex., em “qu’ia” (que é) e em “leiva” (leva). Poderia alargar-se a exemplificação, mas esta parece ser suficiente para comprovar o valor deste livro, que, através da recriação do autor, reproduz o falar das gentes do mar madeirense de Câmara de Lobos. Nesta síntese, fica claro ser inviável referenciar todas as obras de cunho madeirense (que começam a ser em número considerável) em que o recurso da escrita da fala ocorre. Pelo traço característico que as permite reagrupar aqui, os escritores mencionados e as obras citadas, além de todos os restantes não referidos, aguardam um estudo linguístico aprofundado. Seguindo as pegadas dos filólogos do passado, o linguista do presente, dedicado à variação regional, terá todo o interesse em analisar as diversas transcrições literárias para a representação gráfica do falar insular, que revelam constituir um rico património (REBELO e GOMES, 2014). Muitas vezes, são dados impressionistas (REBELO, 2003, 2011) e intuitivos, já que, p. ex., a palatalização da lateral antecedida de [i] nem é comum (ANDRADE, 1994) nos textos transcritos. No entanto, não se distanciam substancialmente dos que as dissertações de licenciatura apresentaram (MACEDO, 1939; ROGERS, 1940, 1946, 1948; MONTEIRO, 1945, 1950; PEREIRA, 1952; PESTANA, 1954; NUNES, 1965). A título meramente exemplificativo, veja-se, em baixo, a Tabela 1, com algumas representações literárias da autoria de Ricardo Jardim, Ernesto Leal, Jorge Sumares e Francisco de Freitas Branco. A variação no modo de grafar a vogal indica uma pronúncia particular que cada autor escreve à sua maneira, como a ouve. A tabela foi elaborada a partir de um levantamento de dados anteriormente realizado (REBELO, 2008) e nela facultam-se exemplos, destacando-se a negrito os segmentos a considerar. [table id=95 /] Assim, constata-se que há todo um trabalho de sistematização linguístico-literário a realizar para dar visibilidade à face escondida (a escrita da fala) da variedade insular madeirense, que, todavia, figura em vários textos literários, segundo os critérios individuais dos seus autores. É urgente compará-los para compreender em que pontos são credíveis, ou não, as suas propostas de escrita da fala da variedade diatópica madeirense. Enquanto isso não suceder e não houver interesse em escrever o falar madeirense (os falares madeirenses?), a variedade insular continuará a ser apenas unifacial, sobrevivendo no registo oral, até a comunidade regional assim o desejar.   Helena Rebelo (atualizado a 07.12.2017)  

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