Mais Recentes

teologia, ensino da

O estudo da Teologia faz parte da formação dos futuros padres e desenvolveu-se no Seminário do Funchal, tendo como objetivo primeiro a formação do clero e as necessidades concretas da pastoral das paróquias onde, para além da catequese, era necessário evangelizar os costumes religiosos do povo. Na prática, o ensino do Seminário dava a estrutura doutrinal e moral para lidar com as diferentes solicitações do múnus de pastor, mas diversas pastorais dos bispos diocesanos insistiram na formação do clero para além dos elementos iniciais recebidos no Seminário. A instituição dos seminários foi uma das obras mais importantes do Concílio de Trento. A 20 de setembro de 1566, D. Sebastião criava o Seminário do Funchal, apenas três anos depois do decreto do Concílio. Foi sobretudo D. Jerónimo Barreto, formado em colégios jesuítas e sagrado bispo do Funchal em 1573, que determinou o estabelecimento do seminário diocesano, com toda a probabilidade no decénio de 1575 a 1585. No início do séc. XVII, D. Luís de Lemos mandou construir o paço episcopal e instalou o Seminário numa casa anexa. Devido à proximidade do Colégio dos Jesuítas, os seminaristas frequentavam as aulas do Colégio, onde recebiam formação em letras, mas também em ciência sagrada. Num relatório de 1594, encontramos uma referência ao Seminário, ao seu reitor e aos seminaristas, que iam todos os dias às aulas dos padres da Companhia de Jesus, onde eram instruídos em virtudes e letras para depois desempenharem a cura de almas. O texto anónimo Memórias sobre a Creação e Aumento do Estado Eclesiástico na Ilha da Madeira referem que os Jesuítas estabeleceram no edifício do Colégio o ensino da doutrina, a confissão, a pregação, a moral, o latim e a retórica, disciplinas importantes não só para a formação dos seus próprios religiosos, mas também para os seminaristas diocesanos que aí encontravam as bases intelectuais e humanas do seu futuro ministério. Henrique Henriques de Noronha, que escreve por volta do ano de 1722, afirma que o Seminário se manteve até 1702 nas dependências do paço episcopal, altura em que passou para o mosteiro novo, situado na futura R. do Seminário. Foi nesta data que o bispo diocesano dispôs de estatutos para o Seminário, exigindo que os jovens nele admitidos tivessem entre 12 e 18 anos e aí permanecessem sete anos: os quatros primeiros dedicados ao estudo do latim e do canto, os três últimos à moral e à filosofia. Era condição para receber ordens menores o conhecimento do latim; para as outras ordens – subdiácono, diácono e presbítero –, importava que o ordinando conhecesse os procedimentos que pertenciam à missa, nomeadamente a matéria e a forma da consagração, e tivesse a disposição necessária de espírito e de corpo. Alguns sacerdotes prosseguiam estudos de nível superior em Coimbra, em Évora ou mesmo fora do país. Embora não se conheça o conteúdo da formação teológica dos seminaristas nesta data, sabe-se por uma pastoral do bispo D. Fr. Manuel Coutinho, de setembro de 1725, que a preparação do seu clero era superficial, sobretudo a nível espiritual. O bispo exigiu um prazo para que todos os clérigos se apresentassem a exame de confessores, aplicando-se ao estudo da moral e do latim. Os residentes no Funchal deviam frequentar as aulas de moral no colégio da Companhia de Jesus e não eram sujeitos a exame sem a frequência dessas lições. A liturgia dos sacramentos e as questões morais eram os pontos dominantes na preparação do clero diocesano ao longo do séc. XVIII. Em 1741, o bispo D. Fr. João do Nascimento aprovava novos estatutos para o seminário que nos interessam aqui pelas questões formativas que contêm. Em primeiro lugar, os referem as condições de entrada dos jovens no Seminário, cuja idade não devia ultrapassar os 18 anos. Depois determinam os requisitos relativos à disciplina e ao traje eclesiástico. O programa de estudos é exposto no capítulo v dos estatutos. Mantêm-se as disposições anteriores, que previam uma formação em 7 anos. Os alunos eram examinados antes da partida para férias e à chegada das férias. Os que estudavam moral deveriam prestar provas públicas duas vezes: a primeira no fim do 2.º ano e a segunda no termo do 3.º ano. Quanto ao estudo propriamente dito, havia exercícios práticos que serviam de complementos às aulas. O método era de tipo escolástico: exposição e defesa duma determinada posição, objeções e perguntas feitas pelos outros estudantes, resposta às perguntas e objeções. Cada um era avaliado pela maneira como respondia diante do reitor e dos outros seminaristas. Estes exercícios eram certamente uma réplica das lições que recebiam. Depois de os Jesuítas terem abandonado a Madeira, em julho de 1760, por virtude do decreto de expulsão das ordens religiosas, o problema dos formadores do clero voltou a colocar-se. Por um lado, o edifício do Seminário tinha sido fortemente danificado em virtude do terramoto de 1755; por outro lado, D. Gaspar Afonso da Costa Brandão queixava-se da inexistência dum edifício digno para instalar o Seminário e da falta de mestres para ensinar as ciências eclesiásticas. Quando entrou na Diocese, D. Gaspar fazia-se acompanhar por dois padres lazaristas e pensou entregar o Seminário ao cuidado da Congregação da Missão. Efectivamente, os padres lazaristas começaram um trabalho de acompanhamento e ensino no Seminário, sobretudo na formação espiritual, na linha da escola francesa de espiritualidade fundada pelo Cardeal Bérulle e segundo o carisma de S. Vicente de Paulo. Em 1787, D. Maria I entregou o edifício do Colégio à Diocese e o bispo, D. José da Costa Torres, aí instalou o Seminário desde 1788 até 1802. Um edital deste bispo, de 1787, dá-nos uma ideia da formação no Seminário: só eram admitidos às ordens sacras aqueles que tivessem suficiente formação em latim, retórica, filosofia racional e moral; para o sacerdócio seriam promovidos os que estudassem com aproveitamento o direito canónico, a teologia moral e dogmática. Estas indicações do final do séc. XVIII permanecem válidas para o séc. XIX. Foi por iniciativa de D. Manuel Agostinho Barreto (1877-1911) que começou a ser construído um novo Seminário na cerca do extinto Convento da Encarnação. O Seminário passou a funcionar neste novo edifício em outubro de 1908 mas a lei de 20 de abril de 1911 extinguiu o Seminário e transferiu a posse do edifício para o Estado. D. Manuel Barreto chamou para a reorganização do Seminário o P.e Ernesto Schmitz (vice-reitor desde 1881), Lazarista, que foi um verdadeiro fundador da formação sacerdotal, organizando com profundidade os estudos desta instituição, numa iniciativa que marcou várias gerações de padres diocesanos. Outros sucederam-no também com grande empenho, como por exemplo o Cón. Barreto, reitor do seminário durante largos anos. Destacam-se nesta época alguns escritos do Cón. Manuel Gomes Jardim (1881-1949), professor de dogma no Seminário, escritos cuja temática ilustra o teor do ensino teológico da altura. O Cón. Jardim escreveu, em 1931, um estudo sobre as razões do protestantismo; em 1934, um livro sobre a existência de Deus à luz da razão; e em 1940, dois volumes sobre a Igreja e o protestantismo. O estilo destes escritos é expressamente apologético e visa rebater as posições protestantes expondo a contrario a perspetiva católica. As análises da Escritura servem de prova para as posições defendidas e a argumentação segue o estilo escolástico de exposição dos princípios católicos e resposta às objeções. O autor quer mostrar que o livre exame aceite pelo protestantismo põe em causa os fundamentos da fé e que a fé implica sempre uma dimensão social, institucional. Para o Cón. Jardim, quando se prescinde de Deus, nem democracias, nem totalitarismos podem resolver o problema do verdadeiro bem dos povos. Diferente é já a perspetiva duma revista do Seminário – Oásis – fundada em 1962 e com tiragem trimestral. Esta revista contém uma variedade de temas, que vão desde narrativa das atividades internas e externas do Seminário, a estudos literários feitos pelos seminaristas, peças de teatro, poemas, mas também alguns artigos teológicos, em especial ligados ao Concílio Vaticano II. Nestes últimos contam-se temas como o movimento litúrgico, que culmina com a reforma conciliar da liturgia, a renovação da vida da Igreja aberta pelo Concílio, a filosofia como caminho para a teologia, a importância e os limites da sociologia religiosa. Estas perspetivas exprimem uma progressiva transformação do pensamento teológico, aberto ao confronto com problemáticas coevas. Antes e durante o Concílio Vaticano II, os bispos do Funchal tiveram o cuidado de preparar alguns padres da Diocese em Roma, com especialização em diferentes áreas da Teologia, o que foi certamente importante para a formação teológica do clero madeirense. Entre eles contam-se: D. Teodoro de Faria, D Maurílio de Gouveia, D. Manuel Ferreira Cabral, P.e Abel Augusto da Silva, P.e Agostinho Faria, P.e Sidónio Gomes Peixe. Em 1972, o Seminário Maior do Funchal foi encerrado, mas já em 1968 os seminaristas do 1.º ano de Teologia começaram a ir para Lisboa, por iniciativa do bispo diocesano, onde frequentaram a Faculdade de Teologia da Universidade Católica, aberta nesse ano. Entretanto, o curso teológico continuou no Funchal até 1972 para os restantes seminaristas. Deste modo, o clero da Diocese que se formou nestes anos é, na sua quase totalidade licenciado em Teologia. D. Teodoro de Faria teve também o cuidado de preparar alguns padres através duma especialização em Teologia, em Roma e em Paris.   Vítor Reis Gomes (atualizado a 31.12.2016)

Religiões

vicentinos (padres da congregação da missão ou lazaristas, e filhas da caridade)

A presença dos filhos de S. Vicente de Paulo na Ilha da Madeira a partir da segunda metade do séc. XIX está intrinsecamente associada à fundação do Hospício da Princesa D. Maria Amélia, por iniciativa de sua mãe, a Imperatriz do Brasil, D. Amélia de Leuchtenberg, viúva de D. Pedro I, Imperador do Brasil, que foi também D. Pedro IV, Rei de Portugal. À procura de clima e ambiente propícios para cura dos males de que sofria, a jovem princesa D. Maria Amélia chegou ao Funchal a 30 de agosto de 1852, na companhia da mãe. Menos de meio ano depois, aí veio a falecer, no dia 4 de fevereiro de 1853. Em memória da filha, a Imperatriz tomou a decisão de fundar o Hospício da Princesa D. Maria Amélia. Para esse fim, foi arrendada uma casa onde o mesmo ficou instalado provisoriamente, a partir de 10 de julho desse ano de 1853, sob a direção clínica do Dr. António da Luz Pita. Para lhe assegurar condições de continuidade, foi aprovada em 19 de julho de 1853 e publicada no Diário do Governo de 5 de agosto desse ano uma lei que estabelecia as garantias necessárias. Adquirido o terreno para a construção do edifício definitivo, os trabalhos foram iniciados em 1856, sendo concluídos em 1859. Ao edifício material, juntou a Imperatriz D. Amélia as diligências necessárias para entregar o serviço dos doentes e dos pobres às Filhas da Caridade. A fundadora do Hospício determinou também que a assistência religiosa aos doentes e ao pessoal do estabelecimento fosse confiado aos sacerdotes da Congregação da Missão, fundada por S. Vicente de Paulo. Os superiores maiores acederam ao convite, que correspondia plenamente ao carisma vicentino, e, no dia 4 de fevereiro de 1862, o Hospício D. Maria Amélia recebia os primeiros doentes, conforme se lia na lápide de mármore preto que foi colocada a meio da escadaria de entrada. As Filhas da Caridade tinham entretanto chegado ao Funchal para se dedicarem ao tratamento dos doentes. Começava assim, na Madeira, a presença estável do serviço corporal e espiritual prestado a pobres e doentes por parte dos filhos e das filhas de S. Vicente de Paulo. Padres da Congregação da Missão A primeira presença de padres da Congregação da Missão no arquipélago da Madeira ocorrera em meados do séc. XVIII. Após as reiteradas solicitações de D. Gaspar Afonso Brandão (1703-1784), Bispo do Funchal, foram enviados, em agosto de 1757, dois padres da Congregação da Missão, destinados à direção do seminário diocesano. Uma vez chegados à Madeira, percebeu-se que não havia condições para instalar e pôr em marcha o estabelecimento de ensino eclesiástico e os dois missionários, João Alasia, piemontês de nascimento, e José Reis, tiveram de ficar hospedados no paço episcopal. Logo iniciaram trabalhos pastorais diversos, tais como pregação de exercícios espirituais aos ordinandos e ao clero, pregação de retiros a religiosos e religiosas de vários conventos, e missões populares nas paróquias da Madeira e Porto Santo. Ao longo de 10 anos, entregaram-se os missionários, muitas vezes na companhia do próprio bispo, a estas tarefas apostólicas próprias do carisma vicentino. Em virtude de persistir a falta de condições para se ocuparem da formação seminarística, finalidade que os levara à Madeira, regressam ao continente em dezembro de 1767, e só um século depois voltam à Ilha. No Hospício, começaram a assegurar o serviço religioso como capelães aquando da chegada das irmãs, em 1862, e depois ininterruptamente, a partir de 1871. Outras missões, além da capelania, lhes foram sendo atribuídas no contexto pastoral da Diocese do Funchal, nomeadamente funções de ensino e de direção no seminário, de pregação e de assistência espiritual, bem como a promoção e o acompanhamento de obras de natureza social e cultural. As tarefas de formação do clero madeirense por parte dos filhos de S. Vicente de Paulo começaram com a entrada de D. Manuel Agostinho Barreto na Diocese do Funchal, em 1877, e acompanharam praticamente os 34 anos do seu governo episcopal. Em 1878, partiu de Lisboa o P.e José Joaquim de Sena Freitas, incumbido da tarefa de pregar o retiro espiritual aos ordinandos e aos seminaristas. Nesse mesmo ano, foi colocado como capelão do Hospício o P.e Ernesto Schmitz que, pouco depois, começaria a colaborar no seminário como professor, embora a direção do estabelecimento só em 1881 tenha sido confiada aos Lazaristas. Aí se mantiveram até à implantação da República, como obreiros da “mais completa e radical transformação que nele [seminário] se operou em toda a sua já longa existência de quase quatro séculos” (SILVA, 1946, 117-118). Entre as duas dezenas de formadores lazaristas que trabalharam no seminário, merecem que aqui recordemos de modo muito particular os P.es Ernesto Schmitz e Léon Xavier Prévot. O primeiro distinguiu-se como prestigiado diretor, conselheiro e modelador de personalidades, a que juntava o apostolado como pregador de missões populares no período de férias escolares; notabilizou-se ainda enquanto reputado botânico e ornitólogo, a quem se ficou a dever, em 1882, a fundação do museu do seminário, onde reuniu importantes coleções no domínio da história natural. O P.e Prévot impôs-se como competente professor de filosofia tomista e, ao mesmo tempo, esteve profundamente empenhado em contribuir para a alfabetização das crianças, mobilizando vontades para abrir escolas nos meios mais pobres da cidade e noutros lugares da Ilha. Com esse objetivo fundou, em 1893, a Obra das Escolas de S. Francisco de Sales e, para torná-la mais conhecida e apoiada, criou o Boletim Mensal Diocesano da Obra de S. Francisco de Sales, em 1894. Outro padre vicentino que, em condições muito difíceis, foi encarregado da formação do clero madeirense na direção do seminário foi o P.e Bráulio de Sousa Guimarães; jovem sacerdote de 26 anos, desempenhou, desde 1916 até 1919, o cargo de vice-reitor e professor, com reconhecida competência e grande apreço pelos bons serviços prestados à Diocese do Funchal. A dedicação dos Lazaristas à obra do seminário não se confinou aos seus muros. A formação contínua do clero nas componentes espiritual, moral e pastoral, assumiu, no decorrer dos tempos, diferentes formas, de que se regista a União Sacerdotal madeirense que teve como seu diretor espiritual, nomeado a 14 de janeiro de 1914, o P.e José Maria Luís Garcia, capelão do Hospício e antigo professor do seminário, que dinamizou a União Sacerdotal até 1919, ano em que faleceu. Sucedeu-lhe nessa função o P.e Henrique Janssen, que pertencia à comunidade dos padres do Hospício desde 1909. A república decretou a expulsão das ordens e congregações. O efeito dessa decisão anticongreganista foi a saída dos padres vicentinos que pertenciam à comunidade do Seminário diocesano; os capelães do Hospício puderam continuar e manter as atividades costumadas em virtude de o Hospício se encontrar sob tutela da Coroa da Suécia. Foram tempos cheios de dificuldades, mas também de novas oportunidades para desenvolver e alargar os trabalhos de assistência caritativa e de evangelização. O P.e Luís Garcia dedicou-se ao acompanhamento religioso das irmãs, dos doentes, das escolas e das obras que giravam em torno do Hospício; era o caso das Damas da Caridade e da Associação das Filhas de Maria. Mas estendeu o seu zelo muito para além dos muros da capelania, como grande pregador na Sé e em toda a Ilha, e como diretor de consciências. O P.e Manuel da Silveira, outro vicentino, também antigo professor do seminário, a quem foi confiada a capelania da Penha, tornou-a um bem organizado centro de catequese, que serviu de modelo às catequeses paroquiais. Uma das suas particularidades foi a criação de uma Biblioteca da Infância destinada a prolongar o ensino do catecismo, promovendo, através do livro e da leitura, a formação geral de crianças e jovens. Outra iniciativa do P.e Manuel da Silveira consistiu na criação, no Funchal e em meados da déc. de 1920, do Patronato de S. Pedro, um centro constituído por escola elementar para crianças, aulas diurnas e noturnas para adultos, sede de organismos para a juventude, sala de cinema e grupo de teatro. Os padres vicentinos estão igualmente ligados a duas obras de promoção da cultura católica na Madeira, pioneiras no seu tempo: a publicação da revista A Esperança e a criação da Biblioteca Utile Dulci. A Esperança começou a ser publicada a partir de março de 1919. Era uma revista que se propunha contribuir para a formação católica dos leitores. Sucedia ao Boletim Eclesiástico da Madeira, que se publicou desde 1911 até fevereiro de 1919. Embora o leigo António Alves Torres figurasse como diretor nominal da publicação, o diretor efetivo era o P.e José Maria Luís Garcia que, tendo falecido pouco depois, teve no P.e Henrique Janssen um dedicado e persistente animador da revista durante os 20 anos que durou a publicação. A redação e administração tinham a sede na residência dos capelães do Hospício. Entre os vários colaboradores que deram corpo doutrinal à revista contam-se as muitas dezenas de artigos sobre os mais diversos assuntos assinados por “Miles Christi”, isto é, o P.e Henrique Janssen. A orientação de fundo identificava-se com a conceção da democracia cristã baseada no magistério doutrinal do Papa Leão XIII. Dentro da imprensa católica da época, A Esperança chegou a ser considerada uma das melhores publicações periódicas que se publicavam em língua portuguesa. O compromisso com a promoção da cultura católica e da cultura geral no meio madeirense levou os padres do Hospício a fundar uma biblioteca a que foi dado o nome de Biblioteca Utile Dulci. Os primeiros passos são descritos nos termos seguintes por quem a viu nascer: “Aproveitando para a sua instalação, primitivamente, uma sala da escola paroquial da Sé, à rua Dr. Vieira, a biblioteca Utile Dulci foi muito modestamente iniciada a 26 de novembro de 1916 com 15 livros, aos quais não tardaram a juntar-se uns 300 volumes dos quais muitos haviam pertencido aos padres lazaristas, então ausentes no estrangeiro, P.es Pereira da Silva e Sebastião Mendes” (GUIMARÃES, 1962, V, 130). Em 1920, já a biblioteca contava 3000 volumes e o número foi sempre aumentando, bem como o número de empréstimos e o de leitores que frequentavam a sala de leitura. Em nota inserta no Diário da Madeira de 31 de janeiro de 1937, pode ler-se que a Biblioteca Municipal e a Utile Dulci são as duas únicas bibliotecas públicas do Funchal. A este contributo cultural, proporcionado através do livro que a biblioteca tornava acessível, outras iniciativas se juntaram, como o círculo de estudos e as quintas-feiras literárias que, no Instituto de Ensino Secundário e Comercial do Funchal, reuniam pessoas interessadas em enriquecer o âmbito dos seus conhecimentos. Pode dizer-se que, através dos Lazaristas que foram passando pela capelania do Hospício, a Madeira foi berço do movimento ecuménico. Foi no Funchal, no outono de 1889, que se deram os primeiros contactos entre o P.e Fernand Portal (1855-1926) e o anglicano lord Charles Wood Halifax que conduziriam mais tarde às promissoras Conferências de Malines, iniciadas a 6 de dezembro de 1921 e presididas pelo Cardeal Mercier. O P.e Portal, que durante muitos anos sofreu de doença pulmonar, chegou ao Funchal no dia 8 de outubro de 1889 e lá permaneceu até ao dia 4 de maio de 1890. Lord Halifax tinha, pela mesma altura, aportado à Madeira com a família, à procura de um clima suave e saudável. Como já tinha perdido um filho, levado pela tuberculose, e ele mesmo sofria desse mal, quis visitar o Hospício. Ao P.e Portal, um estudioso das instituições eclesiásticas para quem a teologia era apenas uma história do que Deus revelou aos homens, coube a tarefa de o receber. Começou assim uma relação de profunda estima pessoal e de infatigável colaboração na procura de caminhos para o diálogo e a unidade das igrejas. As conversações então iniciadas na Madeira tiveram o consentimento e estímulo do bispo do Funchal, D. Manuel Agostinho Barreto – que em maio de 1890 partiria para Roma, levando o P.e  Portal como seu secretário.  Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo A Companhia das Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo foi autorizada a estabelecer-se em Portugal por alvará de D. João VI, de 14 de abril de 1819. Dois anos depois, começava a organizar-se em Lisboa o primeiro núcleo de irmãs. As obras de assistência aos doentes, aos pobres e às crianças abandonadas foram-se multiplicando até que, no ano de 1834, chegou a legislação de Joaquim António de Aguiar que, extinguindo as ordens religiosas, inviabilizou a continuidade da instituição. Foi preciso esperar até ao outono de 1857 para as Filhas da Caridade, de nacionalidade francesa, voltarem a estabelecer-se em Portugal. À medida que a dedicação aos doentes, pobres e órfãos lhes iam granjeando o respeito e a gratidão das camadas populares mais humildes, nos jornais manipulados por políticos e mentores de orientação maçónica recrudesciam as campanhas contra as Filhas da Caridade. Depois de agitados debates nas mais altas instâncias políticas, esta Companhia recebeu nova ordem de expulsão do território nacional em maio de 1862, sem exceção da Madeira, onde as Filhas da Caridade tinham começado a trabalhar no Hospício D. Maria Amélia cerca de três meses antes. A opinião pública local e poderosas influências apoiaram sempre a presença das irmãs e as suas obras de bem fazer, mas elas acabaram mesmo por deixar o Funchal, em julho do mesmo ano em que tinham iniciado a obra do Hospício. Voltariam em 1871. Em agosto de 1900, as Filhas da Caridade foram convidadas a tomar conta de um pequeno Asilo de Mendicidade, onde eram acolhidos idosos e crianças abandonadas; mas tiveram de o abandonar em julho de 1902, devido a mudanças verificadas na administração. O anticongreganismo dominante deu origem a um decreto de Hintze Ribeiro, datado de 18 de abril de 1901, que obrigava a aprovação governamental as associações religiosas que se dedicassem a obras de beneficência e os respetivos estatutos. Os Estatutos da Associação Religiosa das Irmãs de S. Vicente de Paulo foram aprovados; deles faziam parte o hospital para tuberculosos no Funchal, escolas externas, asilo, ensino doméstico e, na mesma cidade, o já mencionado asilo de mendicidade. Em 1910, foi instaurada a república e com ela ganhou novo fôlego o anticongreganismo. Como todas as ordens e congregações, também as Filhas da Caridade foram intimadas a deixar o país. Acabaram, no entanto, por ficar, em virtude de, estatutariamente, o Hospício se encontrar, como já foi referido, sob a tutela da coroa sueca. Ao lado do Hospício, havia uma escola dirigida pelas irmãs e frequentada por mais de 700 crianças. As Filhas da Caridade que dela se ocupavam foram obrigadas a partir, e forçadas a abandonar a formação das crianças e as obras de assistência aos pobres. O poder republicano mais radical e hostil às congregações religiosas não deu tréguas às Filhas da Caridade nem aos capelães do Hospício. O ardil persecutório recorreu, em 1913, a um indivíduo alto, robusto e de cabelo loiro que, a falar inglês, se apresentou no Hospício como enviado do Rei da Suécia e com o intuito de verificar as contas a fim de as transmitir a Sua Majestade que, segundo dizia, estava descontente com o serviço das irmãs e se dispunha a entregar o estabelecimento a diaconisas protestantes inglesas. A pronta reação das irmãs e dos padres do Hospício consistiu em demonstrar que, segundo os estatutos da instituição, o estabelecimento podia ser fechado, mas nunca entregue a outra congregação ou associação. Tentativa semelhante, a pretexto de pagamento de impostos, seria repetida mais tarde, mas, uma vez mais, sem consequências. O Hospício sentiu os efeitos da guerra de 1914-1918, quando, a 3 de Dezembro de 1916, um submarino alemão atacou barcos ancorados na baía da cidade. Uma canhoneira francesa carregada de munições de guerra foi afundada e as respetivas munições explodiram. Dois obuses caíram no Hospício: um rebentou ao pé do jardim e o outro, sem explodir, alojou-se num edifício da escola, causando apenas danos materiais e um enorme susto. A comunidade do Hospício, ajudada por alguns colaboradores, dedicou-se, ao longo do seu primeiro século e meio de existência, a obras diversas, tais como jardim de infância, creche, escola, lar de idosos, lar para crianças carenciadas, além de obras de formação espiritual, como a Associação das Filhas de Maria Imaculada da Medalha Milagrosa, ereta no Hospício em 1880, as Damas da Caridade, e colaborações na catequese, na pastoral juvenil e no apoio às famílias. Ao findar o século XX, foram fundadas mais duas comunidades de Filhas da Caridade, as comunidades de Gaula e do Monte. Por iniciativa particular e a pedido do bispo do Funchal, as Filhas da Caridade fundaram em Gaula, para serviço dos pobres e de idosos, a Casa da Sagrada Família e Refúgio de S. Vicente de Paulo, que começou a funcionar no dia 1 de maio de 1988, dando apoio a muitas dezenas de pessoas. Em 1956, a Comunidade das Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo adquiriu no Monte, concelho do Funchal, um terreno amplo com moradia destinado a casa de formação e lugar de repouso para as irmãs. A agitação social que acompanhou a Revolução de 25 de abril de 1974 saldou-se pela ocupação do terreno e das instalações, que só foram recuperados pelas Filhas da Caridade depois de moroso processo. Em 1995, o conselho provincial criou aí a Fundação de Santa Luísa de Marillac, uma instituição particular de solidariedade social. A Comunidade do Monte-Quinta Betânia instalou um infantário e uma creche, colaborando com a paróquia na catequese e em serviços religiosos e conferências vicentinas.   Luís Machado de Abreu (atualizado a 30.12.2016)

Religiões

budismo

O Buda histórico, Siddhartha Gautama, era conhecido como Shakyamuni (de “Sakya”, país dos sakyas, e “muni”, sábio) e terá nascido no séc. VI a.C., num reino situado entre a Índia e o Nepal. A palavra “buda” deriva dos termos sânscritos “boud”, que significa totalmente desperto do sono da ignorância, e “dha”, eclosão perfeita da potencialidade fundamental, ou “bodhisattva”, ser iluminado (de “bodhi”, iluminado, e “sattva”, ser); refere-se a um estado de consciência plena ou presença amorosa para com toda a existência, beneficiando todos os seres sencientes. Este estado, que nos começos do séc. XXI recebeu a denominação de estado de mindfullness ou atenção plena, foi neste período muito preconizado como técnica de meditação com efeitos terapêuticos. No entanto, no budismo, não se trata de um estado momentâneo, mas sim de um estado permanente do ser com um objetivo espiritual. O budismo surgiu dentro do hinduísmo ou bramanismo (religião em que o conhecimento sagrado dos sacerdotes brâmanes passava de pai para filho) e tornou-se uma religião que, desde então, é um caminho para a superação do sofrimento e a autorrealização ou desenvolvimento da perfeita potencialidade humana. Não contempla a existência de um deus criador como as outras religiões, mas de um grande mestre, Buda; por isso, não é teísta. Trata-se do caminho da libertação, através do conhecimento do dharma (princípio de respeito pelas leis sagradas da natureza, ação correta no mundo, sabedoria) ou autorrealização. É aqui que encontramos o principal ponto de contacto com o Yoga e o Hinduísmo. Os ensinamentos de Buda são chamados Dhammapada, o caminho da retidão. Por isso, a essência do conhecimento alcançado e transmitido por Buda resume-se nas seguintes palavras: "Vós sois o vosso próprio mestre, tudo assenta sobre os vossos ombros, tudo depende de vós”. Deste modo, o nobre caminho da verdade, para a superação do sofrimento humano, é composto por oito preceitos: visão correta, intenção correta, fala correta, ação correta, viver corretamente, esforço correto, atenção correta e concentração correta ou plena atenção. A expansão dos ensinamentos de Buda na Ásia ocorreu a partir da Índia para o Nepal, Tibete (donde provém o Dalai Lama reinante em 2016: “Dalai”, oceano, e “Lama”, mestre – Oceano de Sabedoria), e outros países asiáticos, adquirindo métodos e estilos diferentes em cada cultura, o que originou diferentes tradições religiosas, sem comprometer, todavia, os seus valores essenciais. Assim, da história do budismo no Ocidente do séc. XX fazem parte várias tradições budistas, como o budismo zen, mas sobretudo o budismo tibetano, cujos primeiros Rinpoche (palavra do tibetano que significa precioso, título que se junta ao nome de um grande mestre) foram: Kalu Rinpoche (que estabeleceu vários centros do dharma na Europa) e, posteriormente, Dudjom Rinpoche, que foi para França juntamente com a família de Kangyur Rinpoche (entretanto falecido), nomeadamente a viúva, Amalá, que faleceu em Portugal (para onde tinha ido ensinar o budismo), em 1973, e o filho mais velho, Tulku Pema Rinpoche, a quem se deve a grande divulgação do budismo tibetano em Portugal. A União Budista Portuguesa (UBP) foi fundada para reunir todas as tradições budistas autênticas presentes em Portugal, apoiar as suas atividades, bem como exercer e promover a prática dos seus ensinamentos. A fundação da UBP, a 24 de junho de 1997, resultou da união de vários grupos do budismo zen e do budismo tibetano que faziam yoga e meditação em Portugal. A UBP organizou a primeira conferência budista na Madeira a 22 de novembro de 1998, passando a ir com frequência à região oradores e mestres para darem ensinamentos budistas. A delegação da UBP da Madeira foi criada a 27 de abril de 1999, tendo como sede a sala G do n.º 26 da R. das Mercês. No ano seguinte, Tulku Pema Rinpoche, na sua visita a Portugal, visitou pela primeira vez a Madeira, tendo-se deslocado novamente à Ilha em 2009 e em 2012, a convite da Delegação da UBP da Madeira, tal como muitos outros mestres budistas. A 19 de novembro de 2010, chegou à Madeira a Exposição de Relíquias do Buda e de Outros Grandes Mestres Budistas. A delegação da Madeira da UBP tem promovido, entre outras atividades, palestras, ensinamentos e retiros com vários mestres budistas. Na Madeira existe uma delegação do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA), de inspiração budista, desde outubro de 2007 (um mês depois de esta associação ter começado a sua atividade na cidade de Lisboa, a 22 de setembro de 2007, no último dia de ensinamentos do Dalai Lama em Portugal, em que Tulku Pema Rinopoche distribuiu comida e roupas aos sem-abrigo), como forma de contribuir para atenuar o sofrimento dos mais pobres e para o bem-estar de todos os seres. Na Madeira, em finais de 2015, a associação tinha já 250 voluntários, no Funchal, Calheta, Ponta do Sol e Santa Cruz. Nas diferentes delegações da CASA, a chamada “Casa Amiga” – espalhada por muitos outros países da Europa e do mundo – também ia semanalmente à residência das pessoas desfavorecidas, para levar um cabaz de alimentos. A associação ecologista Mother Earth, outro projeto de Tulku Pema Rinpoche para proteger o planeta ou “mãe” Terra, está na Madeira desde 2014, tendo sido criada em Portugal a organização internacional Protector of Life, a 30 de maio de 2012, com o propósito de libertação de um milhão de vidas de animais por ano. Outra linha de orientação do budismo que existiu na Madeira foi a Nova Tradição Kadampa, do inglês New Kadampa Tradition (NKT), introduzida na Ilha em 2002. Esta linha do budismo surgiu em Inglaterra nos anos 80 do séc. xx e tem o seu principal centro no Noroeste de Inglaterra, onde se encontra o Kadampa World Peace Temple. Foi em maio de 1991 que Geshe Kelsang Gyatso deu o nome de NKT a esta orientação budista que segue a doutrina dos seus livros. Na Madeira, a Nova Tradição Kadampa teve um centro de meditação denominado Centro Avalokiteshvara (Buda da Compaixão), que oferecia aulas de meditação e organizou várias atividades de âmbito espiritual, como retiros espirituais budistas e ensinamentos de mestres budistas do NKT. Terminou as suas atividades no verão de 2008. No começo do séc. XXI, havia 400 milhões de budistas espalhados pelo mundo, nas suas diversas tradições, sendo o budismo a quarta grande religião mundial.     Naidea Nunes (atualizado a 14.12.2016)

Religiões

branco, josé de sousa de castelo

Nasceu em Leiria a 2 de novembro de 1654, sendo filho de Heitor Vaz de Castelo Branco, “senhor do Lagar do Rei e comendador de Santa Marinha”, e de sua mulher, D. Luísa Maria da Silva Arnault, senhora de morgado (NORONHA, 1996, 126). Tal como o seu antecedente, D. Fr. José de Santa Maria, este prelado foi recrutado nas fileiras da pequena nobreza de província. Enquanto jovem, foi para Coimbra estudar, e aí se formou em teologia, tendo, de seguida, ocupado um canonicato na sé de Leiria. Encetou, depois, uma carreira na Inquisição, instituição que serviu como deputado em Évora, como promotor em Lisboa, como inquisidor, de novo em Évora, e, finalmente, como presidente do tribunal de Coimbra. Nessa posição se encontrava quando, em 1697, foi designado por D. Pedro II para bispo do Funchal. A sagração aconteceu em Lisboa, no oratório de S. Filipe de Nery, a 28 de junho de 1698, ano em que se deslocou para a diocese, fazendo, na viagem, um desvio por Mazagão, onde se deteve “a ensinar os moradores” e a crismar 1400 pessoas (Id., Ibid., 127). Ainda durante a viagem, começou, de acordo com um manuscrito intitulado Memorias sobre a Creacção e Augmento do Estado Eccleziastico na Ilha da Madeira, a dar indícios de um comportamento singular, pois, segundo reza o texto, “foi este Bispo o Prelado mais amante da nobreza que tem vindo a esta Ilha”. A fundamentação desta apreciação encontra-se, logo de seguida, na descrição de um episódio com Gaspar Mendes de Vasconcelos, cujo pai, o Ten.-Gen. Inácio Bettencourt de Vasconcelos, o mandara para o reino assentar praça; segundo se conta, o bispo logo o trouxera para bordo, atribuindo-lhe no caminho uma conezia, tendo mandado, assim que chegou a terra, o mordomo avisar o general que “ali lhe mandava o filho cónego” esperando que ele lhe perdoasse “o vir contra as suas determinações” (ARM, Arquivo do Paço..., doc. 273, fl. 93v.). O mesmo documento insiste nesta tónica quando acrescenta que não “houve casa que não beneficiasse, criando-lhe alguns dos seus filhos em cónegos da catedral”, e, de facto, é possível constatar que da família dos Correias e da dos Ornelas saíram três capitulares, da dos Freitas dois e da dos Berengueres um, registando-se, ainda, a atribuição de benefícios que favoreceram outros agregados nobres da Ilha. Com efeito, as Memorias acrescentam que “continuamente lhe estava fazendo a eles presentes de trastes e ainda cortes de vestido” e que ia “passar dias de verão nas Quintas dos Cavaleiros da terra e com todos fez uma boa harmonia (Ibid., fl. 97). Se esta era uma estratégia de minimização de conflitos, não resultou em pleno, porque o episcopado de D. José não foi isento de confrontos que opuseram o bispo a mais do que uma entidade na Ilha. Um dos cenários dessa conflitualidade ocorreu com dois dos três governadores com quem se cruzou no exercício de funções, sendo que, logo com o primeiro, João da Costa Ataíde, se registaram atritos que também envolveram o provedor da fazenda, Manuel Mexia Galvão. Este último, acusado de mancebia pelo vigário-geral, virou-se contra aquele eclesiástico “mais por vingança e por ódio que por defensa […] com ânimo vingativo de injuriar a pessoa de um prelado […] a quem devia tratar com respeito de Pai”, o que determinou a apresentação de queixas mútuas para o reino. Do reino veio, assim, um desembargador, Diogo Salter de Macedo, incumbido de averiguar o que na realidade se passara. Em virtude da sua ação, o provedor foi chamado à câmara a fim de lhe ser aplicada pública e áspera repreensão, e o mesmo teria acontecido ao governador, não fosse ter falecido entretanto. Quanto aos autos do processo, determinou o desembargador que se queimassem para “que de tão estranho modo de recusa não haja em tempo algum memoria nem lembrança”. Em contrapartida, as referências contidas na provisão trazida por Diogo Salter de Macedo dizem que ao bispo se deveria dar notícia da anterior resolução, a fim de que “reconheça a consideração que a minha Real justiça [tem] a quem com menos decoro fala em autos públicos das pessoas dos prelados que justamente se queixam das ofensas que lhes fazem”, o que é o bastante para se perceber que o bispo saiu com grande vantagem desta contenda (ARM, Arquivo do Paço..., doc. 270, fl. 7). Com o governante seguinte, Duarte Sodré Pereira, gozou o prelado da melhor das relações, chegando, inclusivamente, a ser padrinho de um dos seus filhos e estabelecendo-se, portanto, entre os dois, uma relação de compadrio. Já com o seu sucessor, Pedro Alves da Cunha, voltaram as coisas a correr mal, designadamente por terem surgido diferendos quanto ao lugar que o governador pretendia ocupar na sé. Terminada a comissão de Pedro Alves da Cunha, foi o prelado cumprimentar o novo governador, João Saldanha da Gama, mas, da conversa que tiveram, ficou o bispo com a impressão de que o novo titular do cargo seria “do mesmo caráter” do anterior, e essa constatação terá apressado a decisão de D. José de Castelo Branco abandonar a diocese. Com efeito, e embora publicamente evocasse razões de saúde como motivo da ida para Lisboa, a verdade é que ficaram registos de que a bordo da nau “ia aquele por cuja causa ele largava o bispado”, ou seja, Pedro Alves da Cunha, o que motiva alguma dúvida sobre as reais motivações do abandono episcopal. A confirmar esta asserção, acrescentam as Memorias que, a bordo, o ex-governador fez ao bispo “muitos obséquios, de sorte que ele se arrependeu de ter partido”, mas, apesar deste sentimento, e de se ter mantido como titular da diocese por mais sete anos, nunca mais regressou à Madeira. Embora tivesse renunciado à mitra do Funchal em finais de 1721, por, segundo afirma Noronha, os médicos considerarem que o clima da Ilha não era favorável à sua doença, a verdade é que D. José só veio a falecer bastantes anos mais tarde, em 1740, facto que contribui para infirmar a tese da doença como real motivo para a saída do arquipélago (NORONHA, 1996, 128). Para além dos dois governadores, outra das entidades com quem D. José registou desentendimentos graves foi com a comunidade franciscana, a qual, em consequência disso, se viu quase completamente destituída de confessores. O desaguisado começou com a determinação exarada pelo bispo de que todos os clérigos, regulares e seculares, do bispado teriam de se fazer examinar para confessores, do que discordou o custódio de S. Francisco, padre frei Jacinto da Esperança, que recorreu ao rei por causa da “perseguição” que considerava estar a ser-lhe movida pelo prelado. Queixava-se, então, o custódio, em seu nome e no dos religiosos da Ordem, “da notória força e violência com que os oprime o reverendo bispo da dita Ilha”, consubstanciada na privação da autorização para confessar sem se submeterem a novo exame, o que se repercutia negativamente não só na reputação da Ordem, como nos proventos arrecadados (PAIVA, 2009, 37). Além disso, acrescentava, estas ordens do prelado tinham levado à suspensão de todos os frades da Calheta, e não se poderia aceitar a ideia de que fossem “todos criminosos” (DGARQ, Cabido da Sé..., mç. 12, doc. 34, fl. n.n.). A estes argumentos contrapunha D. José o de que “como os confessores tratam de matéria mais arriscada não só pelo foro da consciência e utilidade, ou prejuízo das Almas, mas também porque doutrinam em segredo, é mais perigosa e mais arriscada esta matéria que a dos pregadores”, pelo que não podia ser “tão liberal” neste tema quanto era na concessão de licenças para pregar. A isto acrescia o bispo que poderia acontecer que desta sua “severidade” resultasse estímulo para aplicação ao estudo de que “até aqui pouco se cuidava”, e, usando de uma ironia fina, ainda fazia notar que, sendo os franciscanos pobres, “pelos pregadores haveriam os proventos temporais que das confissões não podem tirar; e da suspensão destes [confessores] lhes resultará viverem com mais descanso que sempre é apetecido da natureza” (Ibid.). Os antecedentes deste conflito derivariam, possivelmente, de uma pastoral publicada a 20 de dezembro de 1699, na qual o prelado derrogava todas as facilidades anteriormente concedidas a pregadores e confessores, condicionando-as, agora, à realização de novo exame. Esta atitude decorria do facto de ter o prelado sido informado de que alguns clérigos, “esquecidos de suas obrigações”, se não aplicavam no estudo da Moral, “não usando do sacerdócio mais que só na missa, pelo interesse temporal que dela tiram”, situação que lhe parecia intolerável, e à qual procurava, então, obviar (AHDF, Arquivo da Câmara Eclesiástica..., cx, 45, doc. 8). Porém, se as relações com os franciscanos foram tensas, o mesmo não se passou com os jesuítas, cujo reitor, o padre Miguel Vitus, era, nas palavras endereçadas pelo prelado à inquisição de Lisboa, “coisa muito singular em tudo, na capacidade, letras, virtude e ardente zelo na conversão dos hereges, e no cuidado que tem nos reduzidos”, pelo que seria homem a quem se poderia fiar tudo e “só a ele se devem cometer os negócios de maior importância e risco” (FARINHA, 1993, 887). Vinha este elogio a propósito daquela que, no entender do prelado, seria a melhor opção para se tratar dos assuntos respeitantes ao Santo Ofício na Ilha, pois, apesar de na Madeira haver dois comissários, os desentendimentos entre eles poderiam comprometer a objetividade necessária nos julgamentos. Durante este episcopado, e por razões que se poderão atribuir, por um lado, ao facto de o bispo ter sido recrutado das fileiras da Inquisição, e, por outro, à recente reativação do funcionamento do tribunal, assiste-se a um certo aumento das denúncias apresentadas, cujo número, para o período de 1690 a 1719, se cifra em 59 casos. Apesar de o bispo ter referido a meritória ação do reitor do colégio no combate aos hereges, ou talvez por isso, as ocorrências de heresia são escassas, pois só aparecem dois suspeitos, enquanto a grande incidência das faltas se dá nos domínios das curas supersticiosas e das blasfémias, com 13 acusados em cada área. O saldo final destas denúncias cifra-se em apenas 3 processos, 1 de judaísmo e 2 de bigamia, mas a correspondência trocada entre o bispo e a Inquisição, em Lisboa, permite saber-se que a boa opinião que o prelado tinha da nobreza insular não se estendia ao resto da população da Ilha. Assim, em carta escrita a 11 de novembro de 1707, D. José lamentava-se, dizendo que “a assistência de dez anos e o trabalho de sofrer esta gente me tem dado conhecimento do seu orgulho, e dos seus atrevimentos. Saiba Vossa Senhoria que não estou entre gente, senão em um bosque de feras sem nenhum conhecimento, sem obediência da razão, levados tão-somente de suas paixões como brutos sem temor de Deus, nem honra nem previsão de futuros” (Ibid., 887), o que, por sua vez, se harmoniza com a impressão que colhe dos seus fregueses, os quais, em visita a Ponta Delgada, considera “muito rudes” na doutrina, não só os meninos, como também os pais que, se falhassem no envio dos filhos à estação da missa, deveriam ser publicamente inquiridos sobre os ensinamentos religiosos (ARM, Paroquiais, Livro 116-B, fl. 5). Num outro sítio e num outro contexto, expandia ainda o prelado a má opinião que tinha dos ilhéus, que considerava, pela sua ambição “fáce[i]s de levantar testemunhos uns aos outros para melhorarem as suas pretensões” (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Eusébio, mç. 1, doc. 21). Para tentar obviar às falhas de caráter e às omissões de doutrina, envidou D. José alguns esforços, traduzidos na realização de um plano de visitação com a periodicidade devida, complementado por missões de interior, para as quais recorria aos meios ao seu dispor. Assim, em 31 de janeiro de 1700, enviava para as paróquias rurais, “armados de todos os poderes da sua jurisdição”, dois jesuítas, os padres mestres Inácio de Bulhões e Domingos de Melo, a fim de que, por ser o tempo de “grande calamidade de doenças e mortes”, ajudassem os vigários nas confissões. A esses missionários cometia, ainda, a responsabilidade de “aprovar e reprovar confessores na forma que lhes parecer”, voltando a demonstrar a preocupação que a correta prática do sacramento da penitência lhe despertava. Como nota curiosa, pode ainda acrescentar-se o facto de, para além da saúde moral das populações, o prelado zelar, ainda, pela cura dos males do corpo, pelo que, a acompanhar os jesuítas, ia também um cirurgião “aprovado para que visite os enfermos e lhes aplique os remédios necessários” (AHDF, Arquivo da Câmara Eclesiástica..., cx. 45, doc. 9). No mesmo ano, mas em agosto, realizava-se nova missão, desta vez resultante da oferta dos serviços de um frade, frei João de Santo Ambrósio, que “movido do fervor do seu zelo e caridade determina fazer missão em todas as freguesias deste nosso bispado” (Ibid., doc. 10). Os cuidados que o bispo dispensava à qualificação dos ministros autorizados a confessar voltam a evidenciar-se em edital publicado em 1710, onde se determinava que se não lançassem no rol dos habilitados a apresentar-se a exame os indivíduos que não mostrassem certidão de matrícula, ou aprovação, na aula de moral do colégio da Companhia “por serem muito poucos os sacerdotes capazes de servir a Igreja no exercício do confessionário” (Ibid., cx. 32, doc. 39). Para além disso, destaca-se uma lista dos clérigos do bispado feita em 27 de agosto de 1715, onde constam para a freguesia da sé, por exemplo, 131 eclesiásticos, dos quais apenas 24 estão habilitados a confessar, o que vem, mais uma vez, demonstrar que os critérios para acesso àquele ministério eram severos (Ibid., Livro 2.º da Câmara Eclesiástica, fls. 17-17v.). Para além dos cuidados já expressos com alguns aspetos do exercício do múnus episcopal no tocante à formação dos clérigos, D. José ainda dedicou uma atenção particular ao seminário, o qual fez transferir das antigas instalações no paço onde residia para um novo espaço, situado na rua que passou a chamar-se “do Seminário”, e onde se situavam uns aposentos inicialmente destinados a um mosteiro, o “Mosteiro Novo”, que nunca chegou a funcionar para o fim a que se destinara. O bispo dotou, ainda, o seminário de novos estatutos. Outra das tarefas com as quais se comprometeu o antístite foi a de provedor da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, a cujos destinos presidiu nos anos de 1704 e 1709. Depois de 15 anos em que esteve presencialmente à frente da diocese do Funchal, retirou-se, então, o prelado para Lisboa, conforme já se viu, mantendo-se em funções por mais sete anos, findos os quais renunciou, ficando o bispado à guarda de um governador, Pedro Álvares Uzel, que dele se ocupou até à chegada do novo titular da mitra, D. frei Manuel Coutinho.     Ana Cristina Machado Trindade Rui Carita (atualizado a 22.12.2016)

História Política e Institucional Religiões

barbosa, pedro correa

Cónego da Sé do Funchal e vigário geral do mesmo bispado, nasceu na cidade do Funchal. Era filho de José Barbosa, homem que vivia das suas fazendas, um estanqueiro que serviu de feitor dos contratadores do tabaco na ilha da Madeira, natural da freguesia de Santa Maria Madalena, em Lisboa, e de sua mulher Maria Correa, natural da freguesia da Madalena do Mar, na ilha da Madeira. Era neto paterno de Duarte Barbosa, um fanqueiro, e de Maria Ferreira, que haviam morado em Lisboa, na rua dos Fanqueiros, artéria onde ficavam localizadas as lojas que vendiam roupas provenientes de fora do Reino. Pela via materna, era neto de Jacinto de Freitas da Silva, um homem nobre, dos principais do Funchal, e de uma mulher com quem aquele mantivera um relacionamento ilícito, chamada Domingas Rodrigues. Pese ser filha natural, a mãe de Pedro Correa Barbosa foi criada por Jacinto de Freitas da Silva “de portas a dentro”, o que lhe permitiu adquirir o mesmo estatuto do progenitor, que acabou por a legitimar e dotar. Na déc. de 70 do séc. XVII, foi estudar para a Universidade de Coimbra, onde, a 1 de outubro de 1673, efetuou uma matrícula em Instituta. No ano seguinte, matriculou-se em Cânones. Alcançou o bacharelato nessa área do saber a 11 de julho de 1678, e a formatura a 16 de maio de 1679, tendo sido em ambos os atos aprovado nemine discrepante, classificação que implicou a unanimidade por parte do júri, mas que não esclarece sobre as suas capacidades intelectuais. Existe informação de que, na cidade do Mondego, mas também na do Funchal, serviu na Irmandade dos Terceiros de S. Francisco. A devoção ao dito patriarca levou-o, mais tarde, a consagrar-lhe uma ermida que mandou edificar, dotar e ornar na sua quinta do Pico, freguesia de São Pedro, no Funchal, templo que recebeu autorização para celebrar os ofícios divinos em dezembro de 1697. D. Fr. José de Santa Maria Saldanha, bispo do Funchal (1690-1696), fê-lo cónego meio prebendado na Sé da sua Diocese, não obstante recair sobre a sua família fama de cristã-novice. Aliás, em 1647, o rumor já havia sido levantado em relação a seu pai, quando aquele pretendera ocupar a escrivania da Câmara do Funchal, o que apenas conseguiu depois de recorrer ao Desembargo do Paço. O mesmo prelado diocesano designou-o vigário geral do bispado, o que, mais uma vez, motivou os seus inimigos a publicitar a sua suposta impureza de sangue, por intermédio de pasquins. É de notar que esse importante cargo, que já desempenhava em dezembro de 1694, lhe proporcionava largos proventos (segundo relatório ad limina de 1693, a renda em dinheiro do vigário geral era de 37 ducados de câmara), o que naturalmente intensificou o ódio dos seus contrários. Para tentar colocar cobro à infâmia, recorreu à Casa da Suplicação, correição do cível de Lisboa, tendo conseguido obter justificação de genere, sobre a limpeza do seu sangue, em fevereiro de 1699. Como seria expetável, tais rumores, ainda que falsos, persistiram. Porém, esses rumores não impossibilitaram que, anos mais tarde, um sobrinho homónimo e uma sobrinha-neta tivessem conseguido habilitar-se pelo Santo Ofício, o primeiro para obter a familiatura e a segunda para celebrar matrimónio com um familiar do Tribunal da Fé. Pedro Correa Barbosa foi ainda professor de Cânones e examinador sinodal do bispado funchalense. A propósito, recorde-se que, em 1695, o antístite daquela Diocese convocou um sínodo diocesano, no qual foram promulgadas algumas constituições sobre a disciplina eclesiástica, mas que, dada a sua transferência para a Diocese do Porto, acabaram por não ser impressas. Segundo Diogo Barbosa Machado, autor da famosa Biblioteca Lusitana, Pedro Correa Barbosa foi um pregador insigne. Sem prejuízo, conhece-se apenas um sermão impresso da sua autoria, pregado a 13 de junho de 1697, na festa de S.to António, texto que foi dado à estampa em Lisboa, na oficina de Miguel Deslandes, em 1699, com o título Sermaõ Panegyrico na Solemnissima, & Anniversaria festa, que o Reverendo Cabido da Santa Sè do Funchal da Ilha da Madeira, faz na tarde do dia oitavo do Corpo de Deos. Faleceu a 3 de fevereiro de 1709, tendo sido sepultado na capela maior da Sé do Funchal, no jazigo dos padres capitulares. Fez testamento, aprovado pelo tabelião Filipe Rodrigues Cunha, em que instituiu por seu herdeiro universal António Correa Barbosa, seu irmão, deixando-lhe os seus bens em vínculo de morgado com obrigação de, anualmente, no dia em que fosse celebrada a festividade de Nossa Senhora do Amparo na Sé do Funchal, dotar uma órfã com 20.000 réis e mandar dizer uma missa por sua alma. Deixou ainda 30.000 réis aos religiosos de S. Francisco da cidade do Funchal; 20.000 réis à fábrica da Sé; e 4000 réis para os pobres do hospital daquela urbe.     Ricardo Pessa de Oliveira (atualizado a 14.12.2016)

Religiões Personalidades

bazenga, gil

O escultor Gil Bazenga formou-se em Artes Plásticas/Escultura no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira, tendo frequentado antes Arquitetura na Escola de Belas Artes do Porto. Após uma estadia em Moçambique nos anos 60 e 70, regressou ao Funchal onde seguiria a carreira docente na Escola Secundária Francisco Franco como professor de Artes Visuais, desenvolvendo uma pesquisa e prática artística centrada na técnica da cerâmica. Participou em diversas exposições coletivas na Madeira, Continente e Açores, tendo deixado também obra pública no Funchal quer da sua autoria quer, em alguns casos, em pareceria com outros artistas. Uma retrospetiva inaugurada na Casa da Cultura de Santana, em 2011, constituiu-se como a mais completa mostra da sua produção artística. Palavras-Chave: Bazenga, escultura, cerâmica, arte pública, ensino das artes visuais. Gil França Bazenga nasceu em 1933, no Funchal, e faleceu em 2013. Nos anos 50, frequentou o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes do Porto e nas décs. de 60 e 70 viveu em Moçambique, onde foi docente e onde dinamizou várias atividades culturais, destacando-se o desempenho na coordenação do Auditório e Galeria de Arte da Cidade da Beira e do Centro de Cultura e Arte da Beira. Em finais dos anos 70 regressa ao Funchal, onde conclui, no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), o curso de Artes Plásticas, na sua variante de Escultura. Escultor de formação, Bazenga destacou-se também enquanto docente de Artes Visuais, tendo pertencido ao quadro de professores da Escola Secundária de Francisco Franco, no Funchal. Para além da sua atividade como docente, desenvolveu uma prática contínua especializada na área da cerâmica, explorando com rigor e criatividade diversas possibilidades técnicas desta linguagem. Neste contexto, foi um dos protagonistas da intensa movimentação cultural e artística ocorrida no Funchal nos anos 80, tendo participado em diversas exposições coletivas, das quais se destacam as mostras promovidas pelo ISAPM, a primeira das quais na própria galeria do ISAPM, em 1981; outra no Museu de Arte Sacra do Funchal, em 1983; e outras duas novamente na galeria do ISAPM, nos anos 1984 e 1989. Ainda em 1982, fez parte da Exposição de Artistas Madeirenses que teve lugar no Salão Nobre do Teatro Municipal Baltazar Dias; uma mostra de pintura, escultura e cerâmica onde Gil Bazenga partilhou o espaço com a pintora Alice Sousa e o escultor Franco Fernandes, colegas que o acompanharam ao longo da sua carreira, expondo em conjunto e realizando trabalhos em coautoria. São de salientar ainda outras coletivas desta década: a exposição na galeria da Secretaria Regional de Turismo e Cultura (SRTC), com Alice Sousa e Luís Amado, em 1985; a coletiva itinerante ISAPM/85 – 30 Anos do Ensino Superior Artístico na Madeira, do mesmo ano; a Exposição Colectiva de Artes Plásticas patente na Escola Secundária Francisco Franco; e a I Mostra da Circul’Arte – Associação de Artistas Plásticos da Madeira, integrada na Feira de Arte Marca Madeira 87, no Teatro Municipal Baltazar Dias. Fora da Região, Gil Bazenga mostrou o seu trabalho na coletiva 24 Artistas Madeirenses nos Açores, na cidade de Ponta Delgada, em 1983; na coletiva Panorâmica – Arte & Cultura, na Galeria do Casino Estoril, em 1985; e na exposição Olhares Atlânticos – Mostra de artes da Madeira, realizada na Biblioteca Nacional de Lisboa, em 1991. Para além da criação de objetos cerâmicos, quer numa versão mais experimental e escultórica, quer numa versão mais tradicional, de que são exemplos objetos como pratos ou potes, o escultor realizou também esculturas de parede e pequenos painéis cerâmicos. No que diz respeito a obras de maior envergadura, patentes em espaços públicos, destaca-se o painel cerâmico do Mercado da Penteada, no Funchal, realizado em coautoria com Celso Caires, em 1988. Este painel é composto por um conjunto de azulejos desenhados por Caires, acompanhados por um conjunto de peças quadrangulares em volume, texturizadas e sem figuração, da responsabilidade de Bazenga. Trata-se de uma composição dinâmica e ao mesmo tempo equilibrada, que 30 anos mais tarde se encontrava em bom estado de conservação. Outra peça de relevo, também criada em coautoria, desta vez com o escultor Franco Fernandes, é o painel de título Água Viva, realizado em 1993, que se encontra nas instalações do Clube Naval do Funchal. Neste caso, foi realizada uma composição à volta da representação do nu feminino de carácter mitológico, acompanhado por desenvolvimentos abstratizantes de rico colorido e inspiração orgânica, elementos característicos dos trabalhos do autor que assina a pintura deste painel (fig. 1). Podem ser encontradas outras intervenções do escultor em espaços visitáveis, nomeadamente no interior da Escola Secundária Francisco Franco, no Colégio de Santa Teresinha e no Hotel Éden Mar. Para espaços exteriores, Bazenga executou um painel para o antigo Complexo Balnear do Lido, o qual, após remodelação, foi retirado. Ainda nos anos 90, o autor participou em várias mostras no Funchal, expondo novamente com Alice Sousa, na Galeria da SRTC (1991); com Marcos Milewsky, no mesmo espaço (1995); na coletiva Marca Madeira/97; no Madeira Tecnopolo (1997); e na coletiva Na Torre do Tempo, na Galeria de Arte Francisco Franco (1999). Já entrado o novo século, voltou a expor com Alice Sousa numa mostra intitulada À Tarde, em Frente, na Galeria de Arte Francisco Franco (2002). Em 2012, foi organizada uma exposição retrospetiva intitulada Cerâmica. Magia do Fogo. Retrospetiva na Casa de Cultura de Santana. Nesta mostra, a única individual apurada por esta investigação, pôde ser vista a diversidade de experiências realizadas e os diferentes tipos de objetos criados por Gil Bazenga, destacando-se uma clara influência estética com raízes num modernismo de carácter orgânico e abstratizante, onde se salienta uma forte presença de um cromatismo brilhante e de fortes contrastes, compensado por algumas peças de pendor mais térreo e brutalista.   Carlos Valente (atualizado a 10.10.2016)

Artes e Design História da Arte História da Educação Personalidades