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tavares, edmundo

O estudo da arquitetura do século XX na Madeira passa por uma análise à obra de Edmundo Tavares, dada a relevância do contributo deste professor e arquiteto na introdução e desenvolvimento da arquitetura moderna no Funchal. O seu percurso no arquipélago revela hesitações estilísticas que refletem os avanços e recuos da arquitetura moderna em Portugal pois, tendo assinado alguns exemplares dentro do gosto português suave, aplicou uma linguagem mais historicista no edifício da agência do Banco de Portugal, implantado na Avenida Zarco, para logo arriscar uma linguagem mais modernista no Mercado dos Lavradores, talvez a sua obra mais marcante, e no Liceu Jaime Moniz. Nascido na freguesia e concelho de Oeiras, a 8 de novembro de 1892, estudou arquitetura civil na Escola de Belas Artes de Lisboa. Ali, foi discípulo do mestre José Luís Monteiro (1848-1942) entre 1903 e 1913. A partir de 1914, passou a arquiteto da câmara de Lisboa, sendo nomeado, em 1932, professor efetivo da Escola Industrial e Comercial de António Augusto Aguiar, no Funchal. A sua nomeação para um estabelecimento de ensino técnico-profissional no Funchal, onde fixou residência até 1939, relaciona-se com a criação nesse ano, por parte do ministro das obras públicas, Duarte Pacheco, de delegações nas diversas regiões do país para cuidarem da introdução do novo figurino oficial do já Estado Novo. Por outro lado, eram necessários docentes qualificados na área dos cursos artísticos e técnicos lecionados naquele estabelecimento de ensino insular, que melhor preparassem os futuros desenhadores e mestres-de-obra com uma maior atenção aos novos modos de olhar a arquitetura. A obra de Edmundo Tavares desenvolveu-se numa linha de renovação da linguagem arquitetónica. No âmbito da arquitetura doméstica de cunho regionalista, Edmundo Tavares, seguidor de Raul Lino (1879-1974), desenvolveu vários estudos de habitação com feição tradicional modernizada, designação que o mestre aplicava aos seus projetos. Do conjunto de moradias que projetou pode aferir-se que riscou para uma classe mais abastada da sociedade madeirense, cujas habitações se implantaram nas freguesias da periferia da cidade, confirmando a expansão do perímetro urbano funchalense ocorrida nos anos 30 do século XX. A sua primeira obra no Funchal, enquanto residente, remonta a 1932. Trata-se de uma habitação unifamiliar entretanto demolida e então projetada para José de Freitas, que se iria localizar entre a Travessa do Lazareto e a Estrada ao Sítio dos Louros, em zona de cota mais elevada. Este exemplar de linha eclética, ligado à casa à antiga portuguesa, associa-se esteticamente à formação académica do arquiteto. No mesmo gosto estético o arquiteto desenhou, em 1934, a Vila Santos, uma moradia localizada no Caminho de Santo António, área de expansão de novos casarios para a elite madeirense. No âmbito das habitações mais centrais e para outra classe social, destaca-se a Vivenda Fátima, na Avenida Infante, uma das novas artérias de expansão da cidade para Oeste, desenhada, em 1915, no Plano de Miguel Ventura Terra. Para esta habitação, tipo palacete burguês, cujo estudo data de 1934, o arquiteto privilegiou a utilização de elementos do vocabulário arquitetónico madeirense. Os terraços com varandas de balaustrada, os pitorescos alpendres floridos, as múltiplas floreiras e ainda o corpo torreado que se destaca do conjunto, lembrando as torres de ver o mar, são elementos que emprestam a este projeto um cunho regionalista e tradicional preconizado por Raul Lino na sua casa portuguesa. A partir de 1935, ano de entrada do dinâmico autarca Fernão Ornelas (1908-1978) na presidência da câmara do Funchal, Edmundo Tavares tem uma participação mais intensa na arquitetura da cidade, podendo afirmar-se que assumiu o papel de arquiteto da edilidade funchalense. A partir desta data é evidente também uma mudança de orientação estética na sua obra, tomando as suas moradias um gosto entre a art deco e o cariz popular regionalista da sua época. Dentro deste gosto estão as habitações para o Beco do Viveiro, ambas de 1936, e a moradia no Pico de São João, entretanto demolida, como também a moradia desenhada em 1937 para a Levada de Santa Luzia, cujo primeiro proprietário, Herculano Ramos, era então diretor dos serviços municipalizados da câmara do Funchal. No âmbito dos equipamentos escolares destaca-se, essencialmente, o projeto para o Liceu Jaime Moniz. Sendo o primeiro estudo, idealizado em 1934, de cariz bem mais modernista e numa linha art deco depurada, perdeu progressivamente para a versão depois edificada, mais ao gosto do português suave e já brutalista, quase de inspiração italiana, linguagem estilística defendida pelo Estado Novo e que marcou o lançamento dos concursos públicos para este tipo de equipamentos. Na mesma linha estilística, Tavares projetou o Preventório de Santa Isabel implantado numa zona alta da cidade. Trata-se de um exemplar com volumetria deco depurada, composto por um único volume de grandes dimensões e de fachadas simétricas. Numa linha mais revivalista, e no âmbito dos equipamentos, encontramos o Banco de Portugal, projetado também por Edmundo Tavares, inaugurado em 1940 e inscrito na nova avenida surgida do prolongamento da Avenida Zarco. Um corpo torreado destaca-se do conjunto, com um portal onde desfilam alguns elementos escultóricos ao gosto neobarroco, elaborados em mármore branco do continente, nomeadamente as cariátides, com cornucópias laterais e as armas nacionais. Lateralmente dois nichos esculpidos, onde se encaixam floreiras em cantaria cinzenta esculpidas por Agostinho Rodrigues. A sua composição, mais barroquizante, terá certamente beneficiado das recolhas do reportório formal associado aos solares madeirenses, que incluiu no livro Casas Madeirenses. Na mesma linha revivalista e de gosto neobarroco o arquiteto projetou, em 1936, a Capela de Nossa Senhora da Conceição, na Estalagem Quinta do Monte, exemplar que reflete a persistência de revivalismos arquitetónicos na Madeira. Trata-se de um exemplar de arquitetura religiosa particular, traçado a pedido de João José de Freitas Belmonte com o objetivo de perpetuar a memória da sua única filha, falecida com apenas 31 anos. Um excecional conjunto de painéis de azulejos monocromos a azul sobre esmalte branco, desenhados pelo pintor Américo Tavares de Oliveira e Silva e pintados pelo sobrinho e afilhado do arquiteto Ventura Terra, Gilberto Renda (1884-1971), percorrem o interior e exterior do edifício. Esta capela possui também um rico conjunto de vitrais da conceituada fábrica de Ricardo Leone (c. 1890-1971). Em 1938, por encomenda da câmara municipal do Funchal de Fernão Ornelas, Edmundo Tavares projeta uma das suas maiores obras para a Ilha, o Mercado dos Lavradores. Edifício de forte influência art deco, ocupa todo um quarteirão, com uma praça retangular no espaço interior e amplos espaços de circulação. Depois dos estudos a que se procedeu para a escolha do local do novo mercado, foi necessário proceder a diversas expropriações que decorreram de forma amigável. Foi o desenhador da repartição técnica da Câmara, João Ferraz Júnior, que se empenhou de forma perfeita nesta missão, conseguindo alcançar o entendimento com todos os intervenientes, facto que lhe valeu um voto de louvor em reunião camarária pelo zelo e competência demonstrados. O Mercado dos Lavradores seria considerado a obra de maior valor orçamental da sua época, tendo sido entregue ao empreiteiro Manuel Alberto Gomes que, em carta fechada, apresentou a proposta mais baixa entre 12 candidatos, que foi adjudicada por 2605 contos. Esta obra seria inaugurada em 24 de novembro de 1940, juntamente com o Matadouro Municipal, também da autoria de Edmundo Tavares, construído na margem direita da Ribeira de João Gomes e inserido num vasto conjunto de obras associadas ao auspicioso programa das Comemorações, em 1940, do Duplo Centenário da Independência (1140) e da Restauração (1640). As obras de Edmundo Tavares no Funchal surgiram no âmbito de um programa de modernização e de renovação dos edifícios públicos da cidade liderado pelo autarca Fernão de Ornelas. Nele estiveram também incluídos, entre outros, vários edifícios destinados a escolas primárias de onde se destaca a escola primária de São João, projetada em 1936 para uma zona nova da cidade, que se edificou junto à Capela de São João, sob o Pico de São João e a Escola Salazar, na rua dos Ilhéus, também de 1936, onde posteriormente funcionariam os Julgados de Paz do Funchal. Há também os edifícios dos Bairros Económicos e o Sanatório Dr. João de Almada, este último edificado na antiga quinta de Santa Ana no Monte. Foi também a oportunidade para alargamento da rede de água potável, com a construção de fontenários nas freguesias suburbanas, cujo modelo seguiu o projeto-tipo do atelier de Carlos João Chambers Ramos (1897-1969), enviado à edilidade funchalense e posteriormente redesenhados por Edmundo Tavares, e de que subsistiriam algumas dezenas de exemplares. Este conjunto de obras destaca-se de entre as muitas iniciativas levadas a cabo por toda a Ilha como forma de mostrar que o Estado Novo respondia às reivindicações da população, tendo sido disponibilizados todos os recursos materiais e humanos disponíveis para a sua efetivação. No conjunto de obras não realizadas, merece destaque o estudo para um Casino, de 1939, cuja área de intervenção incluía as três quintas do Estado; Quinta Vigia, Quinta Bianchi e Quinta Pavão, tendo-se privilegiando a centralidade desta última para a implementação do Casino. O edifício apresenta um traçado modernista, pela utilização de grandes aberturas, pela depuração geométrica de alguns elementos arquitetónicos e pelas coberturas planas; no entanto, exibe ainda elementos tradicionalistas, visíveis nas coberturas em telha, na estruturação da planta e na introdução de colunatas. Não deixa de ser curioso que, tendo este projeto sido solicitado num período de guerra e encontrando-se o Casino de então fechado, a Delegação de Turismo tenha incluído nas novas condições de concessão a possibilidade de o concessionário explorar dois casinos, implantando-se o segundo junto ao cais da entrada da cidade, fazendo lembrar a proposta de localização do casino de Ventura Terra. Do grupo de projetos de Edmundo Tavares não levados à prática evidencia-se ainda o estudo, ao gosto art-deco, para a Igreja Central no Funchal. Trata-se de um estudo não datado para a Igreja Presbiteriana, situada junto ao Jardim Municipal. No âmbito cultural, o arquiteto Edmundo Tavares publicou vários livros de carácter técnico-construtivo e outros sobre temas da arquitetura portuguesa, dos quais se destaca a sua participação em Casas Madeirenses, de Reis Gomes (1896-1950), de 1937 (reedição de 1968), com ilustrações de modelos de habitações. Trata-se de uma publicação que coloca em debate a problemática da existência de uma arquitetura madeirense, através da apresentação de elementos típicos regionais recolhidos a partir da observação de edifícios existentes na cidade do Funchal. O arquiteto deixou também as suas impressões sobre a Ilha no artigo, “Quadros, Presépios e Lapinhas”, de 1948. A obra de Edmundo Tavares no Funchal pautou-se pela pluralidade de opções estilísticas que caracterizou a sua geração, onde a flexibilidade de linguagem esteve sempre presente, deixando no Funchal uma obra que se destaca pela introdução da modernidade arquitetónica portuguesa na especificidade da cultura insular. O arquiteto será transferido para Coimbra em 1939, tendo sido posteriormente nomeado diretor da Escola Industrial e Comercial Tomaz Bordalo Pinheiro, mas manteve nos anos seguintes contato com a Madeira. Obras de Edmundo Tavares: “Quadros, Presépios e Lapinhas” (1948).     Teresa Vasconcelos (atualizado a 30.01.2017)

Arquitetura Património História Económica e Social Madeira Cultural

silva, nuno estêvão lomelino da

(Funchal, 1892 - Lisboa, 1967) Lomelino Silva foi um tenor lírico madeirense do séc. XX, de renome internacional. Estudou canto em Lisboa e em Itália, estreando-se no Teatro Dal Verme de Milão. Realizou várias digressões pelos grandes palcos mundiais, alcançando sucesso na interpretação de importantes papéis em óperas de, entre outros, Verdi e Puccini. Nos Estados Unidos da América foi chamado de “Caruso português”, por comparação com Enrico Caruso, célebre cantor italiano de música clássica. Em 1926, gravou alguns temas musicais pela editora britânica His Master’s Voice, que foram recuperados em 2009, na edição de um CD áudio, no Funchal. Palavras-chave:  música, ópera, tenor, teatro, cultura. Nuno Estêvão Lomelino da Silva foi um tenor lírico do séc. XX, que se tornou uma das figuras madeirenses mais célebres da sua época, com uma carreira artística de grande projeção internacional. No meio artístico usava o nome Lomelino Silva, pelo qual também ficou conhecido. Lomelino Silva nasceu na R. das Maravilhas, no sítio da Cruz de Carvalho, pertencente à freguesia de São Pedro, no Funchal, a 26 de dezembro de 1892, e faleceu em Lisboa, a 11 de novembro de 1967, um mês antes de completar 75 anos. Era filho de Guilherme Augusto da Silva e de Helena Lomelino da Silva. Completou o curso da Escola Comercial Ferreira Borges e, posteriormente, da Escola de Oficiais Milicianos. Trabalhou em Lisboa, no Banco Totta, alistando-se depois no Exército, onde alcançou o posto de alferes de Artilharia. Durante a Primeira Guerra Mundial participou na defesa da ilha da Madeira, quando foi atacada por submarinos alemães. Todavia, encorajado por amigos, acabou por abandonar a carreira militar e prosseguir os estudos na área da música. A sua estreia como cantor aconteceu em 1916, num recital de caridade, no então denominado Teatro Dr. Manuel de Arriaga (posteriormente Teatro Municipal Baltazar Dias), onde recebeu vários elogios pela sua interpretação da opereta Primeiros Afectos, da autoria de Alberto Artur Sarmento. Após o sucesso da sua primeira apresentação pública, seguiu para Lisboa, em 1918, ainda antes do fim da Primeira Guerra Mundial, para ter aulas de canto com o professor Alberto Sarti. Mais tarde, por volta de 1920, depois de regressar à Madeira, acatou diversos conselhos para estudar em Itália, onde foi aperfeiçoar o seu talento musical e adquirir conhecimentos técnicos do bel-canto como discípulo de Giovanni Laura e Ercole Pizzi, dois conceituados músicos da época. No dia 31 de dezembro de 1921, estreou-se nos palcos italianos, no Teatro Dal Verme de Milão. Esta data determinaria o início de uma carreira singular como cantor lírico, marcada por várias digressões internacionais, com apresentações públicas em vários países. Em Itália, Lomelino Silva interpretou os importantes papéis de Duque de Mântua, na ópera Rigoletto, de Verdi, e de Rodolfo, em La Bohème, de Puccini, alcançando notável reconhecimento. Ao longo da sua carreira artística desempenhou vários papéis de destaque, em obras como Mefistófeles, Tosca, Fausto, entre outras. Interpretou igualmente canções portuguesas conhecidas na época, que cantava nos seus espetáculos. No início de 1922, integrou uma companhia italiana de ópera e fez uma digressão pela Holanda. No final daquele ano, fez a sua primeira digressão ao Brasil. Nas diversas atuações que realizou nos anos seguintes, incluíram-se as que efetuou pela Europa onde, além dos concertos produzidos em várias cidades italianas, o cantor madeirense atuou ainda em Espanha, França, Suíça e Inglaterra. Decorria o ano de 1926 quando Lomelino Silva foi convidado pela editora musical britânica His Master’s Voice para gravar alguns temas, tendo sido o primeiro madeirense a ter este privilégio, de acordo com Duarte Mendonça. O reportório fonográfico incluiu composições de Verdi, Sarti, Tomás de Lima, Fernando Moutinho, Coutinho de Oliveira, António Menano, Alfredo Keil e Rui Coelho. As gravações foram distribuídas internacionalmente, o que contribuiu para a projeção mundial do tenor madeirense. Em 1927, andou em digressão pelos Estados Unidos da América, sobretudo na Florida, Nova Iorque, Pensilvânia, Massachusetts, Virgínia e Califórnia. Neste país foi comparado ao tenor italiano Enrico Caruso, devido à sua excelente voz, tendo recebido a alcunha de “Caruso português”. Na verdade, também no Brasil, em 1930, a imprensa brasileira corroborou o cognome atribuído pelos americanos e os elogios à sua voz. Em 1931, encetou outra digressão mundial, que duraria cerca de dois anos, com início pela costa leste e oeste dos Estados Unidos e pelo Havai. A partir da América empreendeu uma viagem por diversos territórios asiáticos como Xangai, Hong-Kong, Macau, Filipinas, Singapura e Índia, passando depois por Moçambique e a África do Sul, onde deu vários concertos. Em 1934, realizou uma digressão pelas Antilhas e, mais tarde, em 1936, viajou novamente pelos Estados Unidos, apresentando-se em cidades como Nova Iorque, Hollywood e Los Angeles. Entre 1938 e 1949, Lomelino Silva terá ainda voltado a atuar nas Antilhas e no Brasil, antes de se despedir dos palcos, em fevereiro de 1949, no Cinema Tivoli, em Lisboa. A par das atuações internacionais, em que foi reconhecido pelo seu talento, o tenor madeirense foi realizando concertos no seu país, nomeadamente, em Lisboa, no Porto e nos arquipélagos. À Madeira regressou várias vezes, apresentando diversos recitais líricos no Teatro Municipal do Funchal, que ia interpolando com a sua aclamada carreira internacional. Refira-se, e.g., os espetáculos realizados nos anos de 1921, 1925, 1926, 1928, 1931, 1933, 1939, 1943, 1944 e 1946, o que revela a sua estima à terra natal, pelo número de vezes que atuou “em casa”. A imprensa da época, quer a regional, quer a nacional e mesmo a internacional, por diversas vezes elogiou a melodiosa voz de Lomelino Silva e os seus concertos tiveram largo destaque nas páginas dos diferentes jornais. A imprensa madeirense, em reconhecimento do seu conterrâneo, dedicou-lhe vários artigos, sobretudo quando atuava no Funchal. Cantores de Ópera Portugueses (1984), de Mário Moreau, dedica um longo artigo ao tenor madeirense incluindo transcrições de artigos de alguns periódicos nacionais e internacionais com menções a Lomelino Silva. É também possível seguir a trajetória do célebre cantor lírico através das informações ali contidas, relativas a datas, locais, programação dos recitais e concertos dados ao longo da sua carreira artística. Em reconhecimento do seu talento, foram-lhe prestados vários tributos em vida e póstumos. Em 1925, foi realizada uma homenagem no Funchal, com o descerramento da uma placa de mármore com o seu nome no Salão Nobre do Teatro Municipal. Tratou-se de uma iniciativa do Club Sport Marítimo, após o êxito de um concerto promovido pelo Club Sports da Madeira, organizado por um grupo de amigos de Lomelino Silva, em agosto de 1925, e das solicitações do público para a realização de uma segunda récita. O Club Sport Marítimo decidiu então promover um segundo concerto, pedindo ainda autorização à Câmara Municipal do Funchal para a colocação de uma placa comemorativa da passagem do tenor pelo Teatro. A proposta foi aprovada pelo município funchalense, que se associou à iniciativa. Quatro anos depois, a 19 de junho de 1929, foi condecorado por Óscar Carmona, então Presidente da República portuguesa, com o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo, a maior homenagem que recebeu em vida no seu país natal. Em 1992, por ocasião do centenário do seu nascimento, o Governo regional da Madeira promoveu a colocação de uma placa comemorativa no local onde nasceu Lomelino Silva. Posteriormente, em 2001, o tenor português Carlos Guilherme (n. 1945) prestou-lhe tributo, promovendo um espetáculo no Teatro Municipal Baltazar Dias, onde interpretou o mesmo reportório apresentado pelo madeirense em Lourenço Marques (a então capital de Moçambique), a 29 de dezembro de 1932. Mais tarde, em 2009, foi editado um CD que recupera as gravações de Lomelino Silva realizadas em Londres, em 1926. Esta edição discográfica inclui um livreto com a sua biografia, elaborada por Duarte Miguel Barcelos Mendonça, assim como transcrições de artigos publicados na imprensa.   Sílvia Gomes (atualizado a 03.02.2017)

Artes e Design Cultura e Tradições Populares História Militar Madeira Cultural

silva, josé marmelo e

José Marmelo e Silva nasceu no Paul, concelho da Covilhã, a 7 de maio de 1911, tendo falecido em Espinho, a 11 de outubro de 1991. Frequentou o ensino secundário na Covilhã e em Castelo Branco, e o ensino superior em Coimbra e Lisboa, onde se licenciou em Filologia Clássica, com a dissertação Um Sonho de Paz Bimilenário: a Poesia de Virgílio. Fez serviço militar em Mafra, uma experiência com ecos em Depoimento, e na Madeira, vivência que ressoará em Desnudez Uivante. Regressa à Madeira já casado para, com a esposa, lecionar no Colégio Académico do Funchal, no ano letivo de 1946-1947. No ambiente insular, encontrou inspiração para escrever os Poemas da Ilha do Porto Santo, que publica na Seara Nova, na década de 1960. Foi, porém, em Espinho que exerceu funções docentes a maior parte do tempo, dando o seu nome à biblioteca local. De 1932 a 1983, publicou, com várias reedições, diversos livros, deixando inéditos os Memoriais, de carácter autobiográfico: O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo, contos (Renegado); a novela Sedução; Depoimento, contos; O Sonho e a Aventura, narrativas; a novela Adolescente, título da 1.ª edição, alterado para Adolescente Agrilhoado na 2.ª edição aumentada; O Ser e o Ter Seguido de Anquilose, contos (a primeira versão de O Ser e o Ter é O Conto de João Baião, que teve uma única edição); o romance Desnudez Uivante. Foi agraciado, em 1987, com a medalha de ouro da cidade de Espinho e, em 1988, com o grau de Comendador da Ordem de Mérito, pelo então Presidente da República, Mário Soares. Obras de José Marmelo Silva: Poemas da Ilha do Porto Santo; O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo (1932); Sedução (1937); Depoimento (1939); O Sonho e a Aventura (1943); Adolescente (1948) Adolescente Agrilhoado (1958); O Ser e o Ter seguido de Anquilose (1968); Desnudez Uivante (1983).   António Moniz (atualizado a 03.02.2017)

Literatura Madeira Cultural

moda

A abordagem da moda enquanto atividade estética integrada nas dinâmicas sociais e com a sua retórica própria radica, em grande parte, nos escritos de Roland Barthes e de Gillo Dorfles sobre o tema. Um momento marcante para uma reflexão teórica sobre a moda em Portugal, é, sem dúvida, a exposição Depois do Modernismo, em 1983, organizada por Luís Serpa, Cerveira Pinto e Leonel Moura, todos eles ligados às artes. A par da arquitetura, das artes visuais, do teatro, da dança e da música aparece também a moda (VASCONCELOS, 1983, 183-188), A emergência de novas atitudes e criadores de moda potencia o aparecimento de eventos que, ora vocacionados para a descoberta de novos talentos, ora numa vertente mais comercial, procuram a ligação ao mercado e ao mundo empresarial (SANTOS, 2007, 334). Destaca-se pela continuidade e pela repercussão a ModaLisboa, criada em 1991, que se afirma como uma plataforma de comunicação e marketing destinada a desenvolver a moda o contexto das indústrias criativas. Cada vez mais a criação na moda é assumida como uma das variantes do design, tanto no seu modus operandi, como nos seus circuitos de produção e de divulgação. Em 1991 a Europália integrou na exposição “Manufacturas - Criação Portuguesa Contemporânea”, em Bruxelas, comissariada por Delfim Sardo e desenhada por Pedro Silva Dias, com a presença de artistas plásticos e de designers de produto e de moda. Este é também o tipo de convivência que se verificou na exposição “Qualquer Semelhança é Inevitável”, produzida pela Loja da Atalaia e, Lisboa, em 1994 e comissariada pelo designer Filipe Alarcão. O Portugal Fashion, criado em 1995, fomentou a internacionalização da moda portuguesa estreando-se nas passerelles em 1999, com Fátima Lopes, José António Tenente, Maria Gambina, Miguel Vieira e Nuno Gama, apresentando ainda oito marcas. Em 2009, é inaugurado o MUDE - Museu do Design e da Moda onde podemos ver a Colecção Francisco Capelo, cujo núcleo de design de produto tinha sido exposto no Museu do Design no Centro Cultural de Belém, entre 1999 e 2006. A significativa presença da moda neste museu, dá conta do modo como os seus produtos se foram transformando em objetos de coleção, passíveis de institucionalização. Quanto ao contexto regional, os madeirenses, em particular as famílias mais abastadas do arquipélago, sempre receberam com muito interesse as novidades que eram trazidas além-mar, sobretudo dos grandes centros culturais europeus como Paris e Londres. No início do séc. XX, eram publicados no Funchal alguns periódicos que atribuíam grande importância à moda e às tendências da altura. Um deles, o Diário da Madeira, publicava duas a três vezes por semana uma coluna intitulada "Diário Elegante", onde se escreviam textos sobre moda, tecidos e cultura, com algumas opiniões e informações de interesse e curiosidade para a sociedade madeirense. O Comércio da Madeira reservava à mulher funchalense uma coluna intitulada "Jornal da Mulher", onde eram publicadas crónicas sobre moda. O Jornal da Madeira chegou a criar uma página feminina, intitulada "Jornal da Mulher", onde eram tratados os mais variados assuntos. Por volta de 1926, foram editados, por vários periódicos, Suplementos Femininos que retratavam a moda europeia e faziam chegar à sociedade madeirense todas as novidades nesta área. Por esta altura, já existiam algumas lojas de tecidos, que eram assiduamente publicitadas nos periódicos regionais: a Companhia Portuguesa de Bordados (recebia sempre os melhores e mais modernos tecidos); o Salão de Moda, a loja Rachel; a loja Braga; loja Primavera; o Petit Royal, entre muitas outras. Uns anos mais tarde já encontramos outras lojas como Casa Tavares, Dois Amigos, Último Figurino e um pronto-a-vestir de caráter seletivo em estabelecimentos como Maison Blanche, Cayres, Balão Vermelho, etc. Nos anos 80, a Cruz Vermelha Portuguesa - Delegação da Madeira, organizava no Hotel Savoy, durante a tarde, chás acompanhados por desfiles de moda, integrando espaços comerciais e jovens criadores de então para fins de beneficência. Estes eventos eram organizados por equipas de senhoras voluntárias da referida instituição e que tinham como principal dinamizadora a Sr.ª D.ª Branca Melim. Numa tentativa de revitalização do Bordado da Madeira, criou-se em 2000 o Centro de Moda e Design, que se propunha preservar e dar uma nova imagem desta tradição, apoiar os jovens criadores no acesso a contactos com o exterior, seja participando em feiras e exposições, seja na mediação com a indústria têxtil nacional e internacional. O Centro, dirigido pela Eng.ª Isabel Araújo e com equipa própria, funcionava no IBTAM – Instituto do Bordado, Tapeçaria e Artesanato da Madeira, que era então presidido pelo Escultor Ricardo Velosa. Investiu em equipamentos para modelação e impressão, com o intuito de assessorar os industriais de bordado e os designers de moda. Foi na altura do seu funcionamento considerado por muitos como um “novo fôlego para o Bordado” (CASSACA, 17-7-2002, 8, 9) e, embora não tivesse atingido o impacto desejado, o seu encerramento em 2007 causou surpresa (HENRIQUES, 30-7-2007, 15). O Portugal Fashion, importante evento da iniciativa da ANJE-Associação Nacional de Jovens Empresários, APT- Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário e Fundação da Juventude (“Grande Moda”, 18-4-2001, 17) realizou no Madeira Tecnopolo, através do Centro de Moda de Design, uma edição na Madeira em 2001, com coleções para o Outono/Inverno 2001/2002 que, pela sua qualidade e ineditismo, teve grande afluência. Os estilistas madeirenses presentes neste evento foram Fernanda Nóbrega, Hugo Santos, André Correia, Patrícia Pinto, Bela Henke, Zequita, Susana Menezes, Ana Rita Pessanha e Lúcia Sousa. (ORNELAS, 2001, 14-21). No desfile participaram ainda Luís Buchinho, Miguel Vieira, Maria Gambina, Ana Salazar, Anabela Baldaque, Paulo Cravo & Nuno Baltazar, Katty Xiomara, Osvaldo Martins, João Tomé & Francisco Pontes, destacados criadores de moda no panorama nacional, bem como diversas marcas portuguesas. Nesta edição do Portugal Fashion houve a intenção de criar sinergias entre turismo e moda, promovendo assim o destino Madeira. O mesmo objetivo é retomado em 2005, no ModaMadeira, tendo agora como promotora a AJEM - Associação de Jovens Empresários da Madeira, num evento que, entre 21 e 24 de Abril, trouxe à Madeira consagrados criadores de moda do panorama nacional e regional. Esta 1ª edição teve lugar no Centro das Artes - Casa das Mudas, na Calheta com a presença de Louis de Gama, Júlio Torcato, Katty Xiomara Isilda Pelicano, Paula Rola, Lidija Kolovrat, e coleções da Kispo, Lions of Porches e MacModa, para além de quatro dezenas de modelos nacionais e internacionais. A I ModaMadeira incluiu ainda três exposições temáticas: “Gama de Casa”, de têxtil lar de Nuno Gama; “A Modernização do Bordado Madeira” pela D’ART e o Sindicato das Bordadeiras e ainda uma mostra fotográfica “Looking at living style” do fotógrafo de moda Cassiano Ferraz. Participaram nos desfiles criações dos madeirenses Hugo Santos, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega, Susana Menezes, André Correia e Patrícia Pinto ( “Quatro dias de moda na Calheta, 21-4-2005, 1 “Palco de moda e de glamour”, 21-4-2005, 2-3; ABREU, 22-4-2005, 26; GONÇALVES, 1-5-2005, 10-11). Funchal Fashion Week 2005 teve lugar de 26 a 28 de Maio, numa organização em parceria da Sportsmoods, da Elite Models Portugal e da Câmara Municipal do Funchal, que declarou aspirar a uma futura internacionalização deste evento. Participaram Maria Gambina, Luís Buchinho, José António Tenente, Pedro Waterland, Nuno Baltazar, as lojas Nova Minerva e Ana’s Boutique e os criadores madeirenses André Correia, Hugo Santos e Patrícia Pinto (GOUVEIA, 12-5-2005, 12; GONÇALVES, 27-5-2005, 17). O ModaMadeira regressou em 2007 para mais uma edição no Madeira de 4 a 5 de maio, no Tecnopolo, que se orientou para o mercado madeirense em torno da moda, afastando-se da estratégia promocional da sua génese, mais vocacionada para a internacionalização. Pretendia incrementar a componente comercial, promover o Bordado Madeira, criar e desenvolver mercados e estimular os profissionais do sector. Para tal, estabeleceu um protocolo com a empresa D’Art e realizou ainda um concurso para jovens talentos. Foi promovido pela AJEM com a organização da Controlmedia, ficando a produção dos desfiles a cargo de Isabel Branco. Contou com a presença Alexandra Moura, Story Taylors, Filipe Faísca e Ana Salazar e com os madeirenses Fernanda Nóbrega, André Correia, Patrícia Pinto e Lúcia Sousa (HENRIQUES, 1-5-2007, 15; “Moda”, 28-4-2007, 24-26; PESTANA, 22-4-2014, 25). Ficou então prevista uma 2ª edição neste mesmo ano e duas no ano seguinte. A 3ª edição do Moda Madeira, em 2008, contou com duas galas. A primeira, a 18 e 19 de janeiro no Madeira Tecnopolo recebeu os estilistas madeirenses Hugo Santos, Patrícia Pinto, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega e os consagrados estilistas nacionais, Nuno Baltazar e José António Tenente. A grande novidade foi a participação de jovens talentos na área da criação — Ana Catarina Freitas, Janett Agrela — e um desfile de marcas promovido pelo centro comercial Dolce Vita. (PESTANA, 05-01-2008, 33 e 18-01-2008, 36). Hugo Santos apresentou uma coleção inserida no contexto “Bordar Madeira”, uma iniciativa promovida pela Associação de Jovens Empresários Madeirenses (AJEM) em parceria com este criador de moda (PESTANA, 08-01-2008, 33). A segunda gala desta 3ª edição foi realizada em Maio, mantendo a participação de Anabela Baldaque, Miguel Vieira e de marcas do Centro Comercial Dolce Vita. Esteve presente também Fernanda Nóbrega e quatro jovens madeirenses, escolhidos por um júri, que mostraram o seu trabalho: Ruben Freitas, André Pereira, Ana Catarina Freitas e Janett Agrela (PESTANA,22-5-2008, 33 e 31-5-2008, 26-27). Esta foi a última edição deste evento, a que se seguiu, em 2012, um novo formato integrado numa marca criada pela AJEM intitulada New Order (http://ajem.pt/marcas-ajem/). No Centro de Congressos do Casino estiveram presentes os Storytailors, dupla constituída por João Branco e Luís Sanchez (este natural da Madeira), e os jovens estilistas selecionados no concurso de talentos Joana Mendonça, Mariana Sousa e Fábio Carvalho. Nos eventos de moda que se seguiram, a vertente de divulgação da criação e produção local para fora da ilha ficou mais focada em iniciativas particulares. Tem mantido continuidade o certame Funchal Noivos, promovido a partir de 2009 pela ACIF, com exposições e desfiles de moda, inicialmente específicos deste tema mas posteriormente alargados a festas e cerimónias em geral (“Funchal Noivos, 14-3-2009, 31). Hugo Santos, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega, André Correia, Patrícia Pinto, Fábio Carvalho, Emília Luz, André Pereira são alguns dos criadores que participaram ao longo das sucessivas edições. No decorrer dos anos, tivemos alguns criadores madeirenses que se destacaram, como por exemplo Fátima Lopes que deixou para trás a ilha e a sua atividade de guia turística para fixar-se em Lisboa, em 1990, e dedicar-se à moda. Abriu a loja Versus com roupas e acessórios de criadores internacionais e, em 1992, criou a sua própria marca. Em 1995 participa no Portugal Fashion e em feiras de moda francesas e em 1998 abriu um espaço no Bairro Alto com boutique, ateliê, bar e agência de modelos, o que indicia a sua visão integrada de uma atividade que exige um trabalho de equipa coeso e a convicção da necessidade de criar sinergias com a indústria. No ano seguinte integrou a ModaLisboa e passou a ser presença assídua na Paris Fashion Week. A sua persistência e profissionalismo valeram-lhe o reconhecimento internacional e uma Comenda da Ordem do Infante Dom Henrique (2006), pelo seu importante papel na expansão dos valores culturais portugueses. Diversificou a área de atuação da sua marca para a criação de acessórios de moda, peças de joalharia, óculos, cutelaria, tapeçarias, porcelanas, cristais, instrumentos de escrita, calçado e também um perfume. Desenhou ainda o traje oficial da seleção nacional de futebol (2005), a vestuário oficial da equipa do Sporting (2007) e as fardas dos funcionários do prestigiado Hotel Conrad, no Algarve (2012). No início de 2016 mudou do Bairro Alto para um novo espaço perto da Avenida da Liberdade com ateliê, show room e agência Face Models. De entre os criadores que desenvolveram a sua atividade na Madeira podemos destacar vários nomes pela continuidade e qualidade do seu trabalho, como Patrícia Pinto, André Correia. Fernanda Nóbrega, Hugo Santos ou Lúcia Sousa. Patrícia Pinto nasceu em 1976 e concluiu o Curso de Design de Moda no IADE em 1998. Participou no Portugal Fashion na Madeira (2001), no Funchal Fashion Week (2005), no Porto Fashion Week, no Moda Madeira, no Portugal Fashion (2005 e 2006) entre muitos outros. Desde 2010 realiza desfiles individuais onde apresenta as suas coleções marcadas pela multiplicidade de cores, pela justaposição de padrões, tecidos e malhas: Yangu Afrik no Museu Casa da Luz, em 2011; 2011-2012, Dress up, please no Parque de estacionamento Almirante Reis; em 2012 In the market no Mercado dos Lavradores do Funchal; 2013 Orange – Blue e La vie en rose, no 7º Aniversário da sua loja, assinalando 15 anos de carreira; em 2015 Back to the Market, de novo no Mercado dos Lavradores. André Correia começou uma carreira na moda em 1992, em simultâneo com trabalhos de cenografia e figurinos para teatro. Neste mesmo ano abriu o seu ateliê e, em 1999, um novo espaço, já com loja. Iniciou o seu percurso na Escola de Moda Gudi, no Porto, realizando posteriormente um curso de Modelismo no CITEM, em Lisboa. Foi completando e diversificando a sua formação com a licenciatura em Design (2010) e uma pós-graduação em Arte e Design no Espaço Público (2013) ambos pela Universidade da Madeira. Lecionou Plástica do Espetáculo no Curso de Teatro do Conservatório-Escola das Artes, no Funchal (2012 e 2013). Apresentou coleções no Portugal Fashion (Madeira, 2001 e Porto 2005 e 2006), no Funchal Fashion Week (2005), no Moda Madeira (2005 e 2007), no Fashion Week nos Açores (2006) e marcou presença na ExpoNoivos no Porto (1998) e FunchalNoivos (desde 2009). Para além de criações personalizadas em que predominam os materiais nobres e naturais, explora técnicas e materiais que muitas vezes levam a cruzamentos entre traje e escultura, incorporando cordas, fibra de vidro, polímeros, técnicas de capeline, e outras. Nesta linha enquadra-se Bizarria, do espetáculo de moda, na discoteca Vespas e bares anexos Jam e Marginal; a instalação individual Silhuetas Virtuais, Galeria da Secretaria Regional do Turismo e Cultura (Funchal, 2003) e a coleção integrada nas Jornadas Académicas de Arte e Design, Alternativas, bem como os coordenados apresentados no evento Hypnotic Black Ice (discoteca Vespas 2004). Fernanda Nóbrega finalizou o curso de design de moda em 1990 e abriu o seu próprio ateliê em 1995. Define-se como de influência minimalista, que alia frequentemente a pormenores em bordado Madeira. Participou no Moda Madeira, no Portugal Fashion, Funchal 2001 e também em eventos nacionais como o 2000-Porto Capital Europeia da Cultura e da Moda, o Portugal Fashion Figueira 2002, o AdroModa, em Viseu, entre 2008 e 2011 e internacionais, caso do Global Fashion Festival em Berlim, em 2006. Hugo Santos fez uma nova abordagem da aplicação do bordado Madeira no vestuário, aproveitando a sua familiaridade com o bordado, adquirida desde cedo na empresa familiar. Começou por ser desenhador de bordado, tendo feito formação com Leandro Jardim. Apresentou coleções no Moda Madeira em 2005 e 2008, e participa no FunchalNoivos desde 2009, tendo sido presença assídua em diversas feiras internacionais. Lúcia Sousa, nascida na Austrália em 1976, formou-se em Arquitectura de Design de Moda em 2001 pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa e estagiou com José António Tenente. Iniciou-se como profissional em 2004 e tem marcado presença em eventos de moda regionais, nomeadamente na ModaMadeira e FunchalNoivos, e nacionais como a ExpoNoivos em Lisboa e a Exponor, no Porto. Nas suas criações para a moda feminina recorre frequentemente a draping e cortes assimétricos, exaltando o colorido e brilho dos tecidos. Atualmente a Madeira conta com jovens criadores como André Pereira, Mariana Sousa, Carolina Teixeira e Fábio Carvalho, que marcam presença nas passerelles madeirenses, que deram os primeiros passos na profissão na sequência do concurso de Jovens Talentos do ModaMadeira.     André Correia Licínia Macedo (atualizado a 05.02.2017)

Artes e Design Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

conferências andarIlhas vão ao museu da imprensa

O ciclo de conferências itinerantes vai agora a Câmara de Lobos É a segunda edição do ciclo de conferências AndarIlhas que ocorre no próximo dia 24 de Fevereiro pelas 18 horas no Museu da Imprensa da Madeira em Câmara de Lobos. A iniciativa das professoras e investigadoras Luísa Antunes Paolinelli e Cristina Trindade, ambas membros da equipa de coordenação científica do projecto Aprender Madeira, pretende levar a cabo uma intervenção de proximidade no seio das comunidades locais em cada concelho de Região Autónoma da Madeira dando a conhecer os conteúdos que comporão o Grande Dicionário Enciclopédico da Madeira, com organização do Professor Doutor José Eduardo Franco e da responsabilidade da Agência de Promoção da Cultura Atlântica e do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, focando temáticas alusivas ao concelho onde se realiza e /ou, assinalando também uma efeméride que se considere relevante focar. Assim, a segunda conferência AndarIlhas, que conta com o apoio da Câmara Municipal de Câmara de Lobos e do Museu da Imprensa da Madeira terá como oradores o Professor Doutor Thierry Proença dos Santos, que versará sobre “A Toponímia Tradicional Madeirense” focando certamente locais em específico no concelho de Câmara de Lobos e o Dr. Carlos Barradas que dará a conhecer ao público o resultado da sua investigação sobre “A Malta dos Ceroulas Brancas”, alegado gang criminoso que terá, nos anos 30 do século passado, causado uma onda de violência na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. De referir que o evento tem entrada livre.   A Malta dos Ceroulas Brancas "A “Quadrilha dos Ceroulas Brancas”, também conhecida popularmente por “Malta dos Ceroulas Brancas”, foi um grupo de rapazes que, no início dos anos trinta do séc. XX, provocou uma onda de violência e criminalidade na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. Quem eram? Porquê que praticavam tais crimes? O que estaria na origem da fundação dos “Ceroulas Brancas”? O modus operandi, a organização do bando e a curiosa indumentária que usavam nos atos criminosos provocaram sensação na época, lançando o terror no Estreito de Câmara de Lobos e em todos aqueles que passavam pela freguesia, nomeadamente turistas e comerciantes. A imprensa da época, sobretudo, pela pena do Diário do Notícias da Madeira procurou apurar as estranhas ocorrências nesta freguesia. A reputação das façanhas criminosas dos “Ceroulas Brancas”, inclusive contra a própria autoridade, fez com que a polícia funchalense levasse a sério as queixas dos habitantes do Estreito, dando origem a um plano concreto para a prisão dos elementos que compunham o grupo. Os meliantes foram capturados, segundo os registos da imprensa, a 10 de agosto de 1932, pelo então chefe de polícia Óscar Dória. Apesar da captura e extinção do grupo, a memória das proezas criminosas dos “Ceroulas Brancas” ficaram para sempre guardadas no imaginário popular. " A Toponímia Tradicional Madeirense Dada a humanização das suas paisagens, a toponímia do arquipélago da Madeira reflete uma estrutura geográfica, histórica, linguística e etnográfica. Por isso, essa denominação de lugares constitui hoje um valioso património cultural que enriquece a memória coletiva, através de dados de interesse histórico e de referenciais de valor identitário e simbólico. Todavia, à denominação espontânea dos lugares de outrora opõem-se por vezes, nos espaços recentemente urbanizados ou requalificados, novos topónimos por via administrativa, reveladora de interesses vários, em termos de motivação política ou comercial, que suscitam debate sobre a oportunidade ou a pertinência da escolha do signo toponímico. Nuns casos, o desconhecimento da origem do nome pode levar à deturpação do topónimo; noutros casos, ao substituir um nome de lugar por outro, corre-se o risco de apagar as relações que a população local mantinha com o lugar. Por fim, é sabido que a mudança de regimes políticos pode dar início a um processo de reformulação da toponímia, sendo esta reveladora da nova situação ideológica. Nesta perspetiva, aprofundar o conhecimento do sistema de toponimização tradicional poderá evitar a descaracterização dos repertórios de localização e do mapeamento estabilizado do espaço conhecido, que fazem parte do quotidiano e que conferem ao arquipélago da Madeira uma identidade singular.

Madeira Cultural Notícias

comércio do funchal

O Comércio do Funchal teve a sua 1.ª edição em 1866 sob a direção do Cón. Abel Martins Ferreira, mantendo-se a sua publicação até ao n.° 13, em 1867. Reaparece em 15 de maio de 1910 e é suspenso a 15 de agosto do mesmo ano. No ano de 1966, um grupo de democratas madeirenses, que tinham atividade profissional ligada à agência de publicidade Foco, uma das duas primeiras agências de publicidade da Madeira, pretendendo fazer ouvir a sua voz através de um jornal autónomo e sem dependência editorial de terceiros, decidiu abalançar-se à publicação de um semanário. Na impossibilidade política e prática, devido à ditadura de Salazar, de criar um título novo, optou por “refundar” o CF, semanário já existente, arrendando-o ao seu proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, e criando a sigla CF, para retirar significado ao nome original. Além de ser o proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, embora sem exercer o cargo, figurava como diretor do jornal pois, face à legislação vigente, não era possível substituí-lo, aparecendo Vicente Jorge Silva como diretor interino, situação que se manteve até ao 25 de Abril. No grupo inicial de fundadores, que transcendeu os provenientes da Foco, contavam-se Artur Andrade (pai), António Aragão Mendes Correia, José Manuel Barroso, Vítor Rosado, Luís Manuel Angélica, Ricardo França Jardim, José Manuel Coelho, Duarte Sales Caldeira, entre outros. Alguns destes fundadores, apesar de já terem colaborado com outros periódicos regionais, Diário da Madeira, Jornal da Madeira e Eco do Funchal, não possuíam, no entanto, a experiência da publicação autónoma, o que não impediu que o grafismo adotado fosse inovador para a época, bem como a singularidade na escolha da cor (cor-de-rosa), que se ficou a dever ao facto de o preço deste papel ser o mais barato. Apesar da inexperiência e de todos os condicionamentos económicos e políticos, o grupo partilhava, para além da oposição ao regime salazarista, uma decidida vontade de inovar no jornalismo madeirense, rompendo, com esta proposta, o marasmo e a apatia reinantes, levando a liberdade de expressão o mais longe que a censura permitisse. Todos esses constrangimentos obrigavam a que, além de quatro funcionários administrativos, só dois elementos da redação, com dedicação exclusiva, auferissem ordenado. O CF existia graças ao apoio duma certa intelectualidade madeirense e nacional, tendo-se afirmado no panorama da imprensa nacional, com particular incidência junto da juventude universitária e dos milicianos que lutavam nas colónias, leitores fiéis, que constituíam quase exclusivamente o sustentáculo económico do jornal. Esta projeção valeu-lhe, no entanto, fortes dissabores com a censura e, posteriormente, com o exame prévio de Marcelo Caetano. Eram feitos, sistematicamente, cortes parciais e integrais em artigos, que tinham de ser substituídos em cima da hora de fecho da edição, tornando a saída de cada número uma odisseia. O periódico foi, inclusivamente, suspenso pela censura entre maio e outubro de 1968. O CF era paginado às quartas-feiras na Tipografia Minerva, situada na R. dos Netos, onde também era paginado o semanário Voz da Madeira, no qual colaborava Alberto João Jardim. Posteriormente, o jornal era dobrado manualmente e expedido, de modo a estar nas bancas no fim de semana. O jornal Voz da Madeira, da responsabilidade de Agostinho Cardoso, tio e figura tutelar de Alberto João Jardim, defendia e veiculava as ideias e posições da União Nacional e do regime salazarista. Todo o trabalho de dobragem e expedição do CF era realizado com recurso a trabalho voluntário predominantemente por pessoas ligadas à Juventude Operária Católica (JOC). A JOC, caso inédito a nível nacional, apesar de ser um movimento ligado à Igreja Católica, defendia e tinha na Madeira uma militância de esquerda. O CF chegou a atingir tiragens de 15.000 exemplares, a maioria dos quais expedidos para fora da Madeira. As receitas mal chegavam para cobrir os custos de edição e expedição para o continente e para as colónias, sendo o preço de venda do jornal nas colónias inclusivamente inferior ao preço dos portes. Ao longo da sua existência, o jornal ocupou várias sedes, respetivamente na R. dos Aranhas, na Av. do Mar, na R. do Seminário, na R. dos Netos, sendo a sua última fase na R. do Carmo (cedida gratuitamente pelo seu maior mecenas, o médico França Jardim). Paralelamente à sua atividade editorial, o CF apoiava e divulgava nas suas páginas toda uma série de iniciativas de âmbito cultural, fomentando um debate aberto e plural na sociedade madeirense. De entre essas iniciativas inéditas destacam-se debates sobre temas pertinentes tais como: a situação do turismo, a cultura na Madeira e o plano de urbanização do Funchal, da autoria de José Rafael Botelho, prestigiado arquiteto de esquerda, por encomenda do então presidente da Câmara do Funchal, Fernando Couto, plano esse que dividiu profundamente a sociedade madeirense. Outro dos assuntos debatidos versava o tema Portugal perante a Europa, participando nesses debates figuras regionais, algumas com ligações ao regime, e personalidades nacionais de relevo como Francisco Balsemão, António Barreto e João Martins Pereira. Desde os primeiros tempos interiorizou e assumiu o CF o desejo de autonomia como um dos seus traços mais característicos, não só a nível político e administrativo, face à centralização paternalista, asfixiante e castradora do salazarismo, mas um desejo de autonomia das próprias pessoas, no que se refere à sua dignidade de cidadãos. Quando começou a aventura do CF encarava-se a autonomia enquanto conceito libertador da secular dependência e do subdesenvolvimento da Madeira, sendo esse sentimento partilhado por um leque de pessoas dos mais variados quadrantes sociais e políticos, incluindo até responsáveis da União Nacional salazarista, como Agostinho Cardoso.   O CF e a censura do regime salazarista As contradições da época, o isolamento e a quietude social e política da Madeira permitiram que o CF tivesse beneficiado de um ambiente menos hostil à sua difusão local e ao seu posterior crescimento a nível nacional. Ao contrário do que se passava no resto do país, onde os censores eram numerosos e anónimos, na Madeira os censores não possuíam enquadramento ideológico seguro, tendo por vezes de aceitar essas funções, para as quais não estavam vocacionados, por arrasto doutras profissões que exerciam. Graças à proximidade e às boas relações pessoais existentes, era possível estabelecer um diálogo civilizado com os censores, sendo a censura na Madeira de certo modo mais benigna e sendo possível negociar cortes e proibições. Tinham os jornalistas e redatores uma luta constante para “escrever nas entrelinhas” de modo a que os censores não se apercebessem da verdadeira mensagem que estava a ser veiculada de forma sub-reptícia. Contudo, essa situação não se manteve eternamente e, a partir de uma edição sobre o Maio de 68 em França, arrancada quase a ferros ao censor, veio uma ordem do poder central para o CF ser censurado em Lisboa. Considerou o CF que, se obedecesse a essa ordem, estaria a criar um precedente gravíssimo e definitivo. A estratégia adotada foi a de interceder junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional, invocando, por um lado, precisamente o (alegado e formal) regime de autonomia atribuído às chamadas ilhas adjacentes (distrito autónomo) e, por outro lado, argumentando que todo o material publicado na edição em questão tinha sido previamente visado pela censura local e que deste modo “não havia infringido nenhuma regra ou publicado material interdito […] e que se os textos dessa edição tinham sido carimbados e aprovados pela censura local e, além disso, se existia esse regime autonómico (apesar de formal), então o CF estava a ser alvo de uma medida claramente discricionária e até de uma flagrante ilegalidade” (SILVA, 2006, 19). No entanto, teve de se esperar que Salazar fosse substituído por Marcelo Caetano, iniciando-se a chamada “primavera marcelista” (fictícia primavera política), para que a coação exercida de forma continuada junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional produzisse resultados. Apesar de ter nascido e ser editado na Madeira, o CF implementou-se em Portugal continental, junto dum público fidelizado, o que, até então, nenhum órgão de comunicação madeirense alcançara. Progressivamente, o CF foi-se afirmando a nível nacional, assumindo o papel de ponto de encontro, de plataforma nacional que espelhava debates ideológicos que as esquerdas, em especial as esquerdas universitárias, vinham travando. Essa abertura alterou, contudo, o “centro de gravidade” do jornal, que de algum modo, e pouco a pouco, começou a refletir as posições políticas e ideológicas dos seus colaboradores. Apesar de debater e refletir os grandes temas de discussão nacional, o CF nunca perdeu de vista nem descurou as suas raízes, dedicando, de forma continuada e permanente, atenção aos temas regionais, tendo inclusivamente uma secção específica para o efeito, a secção “Aqui e Agora”. Os tempos eram contudo de tempestade política que prenunciava, aliás, o fim do Estado Novo. Ninguém escapou a esse movimento que exacerbou as divergências entre as várias tendências da esquerda mais radical, acentuando clivagens ideológicas e o sectarismo das correntes maoistas, neoestalinistas e trotskistas, tanto por parte dos leitores como dos colaboradores. A descontinuidade geográfica em relação ao continente e a circunstância de se encontrar longe do epicentro das lutas que se travavam permitiu uma providencial distanciação física e ideológica insular ou, se se quiser, provinciana, filtrando e atenuando as mais exuberantes manifestações, preservando e possibilitando a existência dum resguardo. Por outro lado, a linha não engajada, que era a linha do socialismo libertário, da autogestão, da social-democracia norte europeia, prosseguida por Vicente Jorge Silva, principal responsável editorial do jornal, conseguiu durante algum tempo exercer uma arbitragem eficaz, mesmo que quixotesca, junto às posições opostas e cada vez mais extremadas dos colaboradores do CF.   O CF e o 25 de Abril Citando o próprio Vicente Jorge Silva, “quando acontece o 25 de Abril, o Comércio do Funchal constituía o núcleo central da oposição visível à ditadura na Madeira. Tinha sido a partir do Comércio do Funchal que se tinha tomado a iniciativa da chamada Carta ao Governador (que era então o coronel Braamcamp Sobral, um homem de grande estreiteza mental e que fazia pressões sistemáticas junto da censura para criar dificuldades crescentes ao jornal). Tinha sido também a partir do CF que se organizou a lista da oposição às eleições de 1969. Nessas iniciativas é justo destacar o papel de José Manuel Barroso e António Loja. Entretanto, tinham afluído ao jornal pessoas de novas proveniências, nomeadamente, a nível local, do militantismo católico e que em grande parte acabariam por converter-se, mais tarde, ao marxismo-leninismo. Foi-se verificando, assim, um choque de tendências entre a chamada oposição moderada e a oposição mais esquerdista que se refletiu também no interior do Comércio do Funchal, onde a influência do esquerdismo predominava (e a que não eram estranhos a maioria dos colaboradores radicados no continente)” (SILVA, 2006, 21). À medida que as posições ideológicas se extremavam, tornava-se cada vez mais difícil a situação de Vicente Jorge Silva, emparedado entre essas tendências, porque, por um lado, considerava a chamada oposição moderada e republicana, protagonizada pelos que mais tarde viriam a fundar o Partido Socialista, demasiado branda, mas, por outro lado, não se identificava “nem com o comunismo soviético (o Comércio do Funchal era, aliás, muito crítico em relação à URSS e aos regimes de Leste), nem com as correntes maoistas dominantes na juventude universitária onde o jornal tinha forte implantação” (SILVA, 2006, 22). O 25 de Abril tomou a todos de surpresa. Nas primeiras horas, a falta de informação e a informação contraditória não permitia descortinar quem eram os reais autores do golpe e a sua verdadeira dimensão, correndo inclusivamente, nessa altura, o boato de que se poderia tratar de um golpe de extrema-direita protagonizado por Kaúlza de Arriaga. Nos dias seguintes, à medida que ia chegando informação de que se tratava da queda do regime, a assimilação das suas verdadeiras implicações por parte dos madeirenses, incluindo as autoridades civis e militares, não foi imediata, pelo que se viveu “na Madeira um tempo de confusão verdadeiramente surreal, em que as autoridades locais fingiam comportar-se como se nada se tivesse passado (apesar de Tomás e Caetano terem sido enviados sob prisão para o Funchal) e em que alguns agentes da PIDE apareciam nos cafés falando em voz alta para serem ouvidos nas mesas vizinhas, alegando que nunca tinham feito mal a ninguém. Sentia-se que era preciso reagir, fazer qualquer coisa, mostrar que o 25 de Abril também tinha chegado à Madeira, apesar de não ter havido na ilha nenhuma movimentação militar. Ora, as comemorações do primeiro 1º de Maio em liberdade constituíam uma ocasião particularmente propícia para isso. E foi a partir das instalações do Comércio do Funchal, transformadas em quartel-general, que se organizou a manifestação do 1.º de Maio que juntou dezenas de milhares de pessoas ao longo das ruas do Funchal, passando pelo palácio de S. Lourenço onde estavam detidos Tomás, Caetano e ministros da ditadura como Moreira Baptista e Silva Cunha, até terminar no largo do Colégio. Os discursos foram feitos a partir da varanda da Câmara Municipal (alguns elementos do MFA destacados na Madeira tinham colaborado na parte logística) que decidimos ocupar simbolicamente, até para exigir a demissão dos responsáveis do antigo regime que se mantinham placidamente nos seus postos, fingindo ignorar o que acontecera no país” (SILVA, 2006, 22). Com a Revolução de 25 de abril, o tradicional papel histórico do CF, sem ninguém disso se aperceber, estava paulatinamente a chegar ao fim. Na primeira edição do período depois do 25 de Abril, dada a indefinição existente, nem se sabia ao certo se seria ou não necessário submete-lo à censura. Nos dias, seguintes, multiplicavam-se as edições, à medida que surgiam novos desenvolvimentos. Foram dias de frenesim e excitação revolucionária, com novos desenvolvimentos hora a hora, minuto a minuto. A excitação e a euforia revolucionária desses dias forneciam a energia para ultrapassar o cansaço. Para além de assegurar as múltiplas tarefas inerentes às sucessivas edições, o núcleo de pessoas pertencentes ao CF teve de conciliar essa ação com as atividades emergentes da militância política. Rapidamente se colocou a questão de saber qual o papel que o jornal deveria assumir futuramente. Adquirido era apenas o facto de que continuaria a ser de esquerda, porém estava em questão se deveria continuar a ser uma publicação politicamente autónoma e independente ou se, pelo contrário, deveria tornar-se o porta-voz de um movimento político e partidário. Vicente Jorge Silva e o núcleo duro dos fundadores moderados defendiam a primeira alternativa, mas estavam claramente em minoria face à vontade dominante, que acabaria por prevalecer. Entretanto, fora criado um movimento político, a União do Povo da Madeira (UPM), que juntou a oposição mais à esquerda, e ao qual aderiram também muitos recém-chegados à democracia. A certa altura, chegou-se a verificar um mimetismo entre a redação do CF e os órgãos de cúpula da UPM, cujos membros eram oriundos em parte dos movimentos cristãos da juventude, embora incluíssem também outros militantes, nomeadamente Liberato Fernandes, Milton Morais Sarmento e Paulo Martins, que formaram uma tendência claramente maoista no interior do CF. A oposição mais tradicional ao regime lançou o Movimento Democrático da Madeira (MDM). “Apesar de algumas tentativas para aproximar os dois movimentos, o corte consumou-se, em larga medida devido à irredutibilidade do chefe do MDM, Fernando Rebelo. O MDM chegou rapidamente ao poder transitório da época, mas acabou também rapidamente por consumir-se no fogo-fátuo do PREC madeirense. Quanto à UPM, tornou-se progressivamente uma sucursal da UDP e ganhou um cariz cada vez mais radical e populista, propagando as teses da revolução operária e camponesa numa terra sociologicamente muito conservadora e marcada pelo caciquismo político-religioso. Um caciquismo a que o novo bispo do Funchal, Francisco Santana, não deixou de recorrer em força: foi ele, aliás, quem escolheu Alberto João Jardim para diretor do jornal da Diocese, o Jornal da Madeira, dando-lhe a notoriedade e a cobertura para lançar a carreira política que se conhece” (SILVA, 2006, 24) Com a fragmentação e clivagem que se verificou, bem como com a consequente radicalização das diferentes fações ideológicas no interior do CF, assumiu preponderância a linha ligada à UPM, com as suas teses marxistas-leninistas-maoistas. Uma das suas exigências era a da fixação dum salário mínimo regional igual ao do continente, sem se considerar a exiguidade e sustentabilidade económica dessa medida, i.e., a possível falência das empresas e o consequente desemprego que poderia provocar. A UPM estava interessada predominantemente na luta de classes e nas teses que dela decorriam, pelo que não olhava com bons olhos os editoriais – do seu ponto de vista pouco ortodoxos –assinados por Vicente Jorge Silva nem o facto de este não estar engajado em qualquer das correntes dominantes e se encontrar preocupado com questões de outra ordem, como as relacionadas com autonomia da Madeira, que não eram consideradas como tendo valia suficientemente revolucionária e que representavam, no entender dos seus delatores, graves desvios em relação à “linha correta” por eles prosseguida. Essas críticas, partilhadas por parte significativa dos colaboradores regulares de Lisboa, foram aumentando de tom até se tornarem insustentáveis e conduzirem ao pedido de demissão de Vicente Jorge Silva, que posteriormente prosseguiu uma carreira profissional a nível da imprensa nacional, desempenhando cargos de chefia no Público e no Expresso. Com a liberdade trazida pelo 25 de Abril, deixou de sociologicamente fazer sentido uma plataforma de encontro entre as várias tendências da esquerda portuguesa, que até aí tinham conseguido coexistir de forma relativamente pacífica e que eram a base de sustentabilidade do CF. As diferentes tendências ou partidos criaram os seus próprios órgãos de comunicação social. Com a saída de Vicente Jorge Silva, chegou ao fim a linha editorial que o CF prosseguira, tendo a tendência ligada à UPM (futuramente União Democrática Popular e Bloco de Esquerda) feito dele o seu órgão de comunicação. Mais tarde, a comissão de trabalhadores, liderada por Vasco Sousa, saneou os elementos maoistas da UPM e assumiu a direção do jornal, tendo-se, por razões táticas que se prenderam sobretudo com a sustentabilidade do periódico, aliado ao Partido Comunista Português. Contudo, tal aliança não foi suficiente para garantir a sustentabilidade do jornal, o qual veio a encerrar algum tempo depois, tendo perdido toda a importância e o prestígio que a oposição ao regime de Salazar e Caetano lhe tinham granjeado.   Helder Melim (atualizado a 28.01.2017)

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