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Uma ilha é, por tradição, um espaço de mobilidade e, como tal, um lugar de acolhimento para os que transitam. As portas estão sempre abertas. Assim, a lista de viajantes, com ou sem retorno, é interminável: colonos, povoadores, funcionários, militares, religiosos, técnicos, mercadores, prostitutas, refugiados, políticos, escravos, emigrantes, piratas, corsários, aventureiros, cientistas, doentes e turistas. O movimento de tais homens e mulheres, em múltiplas situações e condições, arrasta ainda consigo a presença de animais, plantas, doenças e o intercâmbio e a difusão de ideias. A Madeira assumiu um papel importante no oceano atlântico, como escala obrigatória de ida na navegação daquele, tendo-se destacado pelo seu clima ameno e o ambiente acolhedor das suas gentes. Nos sécs. XV a XVII, as viagens aconteceram apenas por necessidade, pois só em épocas posteriores se desfrutaram daquelas para o lazer. Aqueles que visitaram a Ilha tinham sempre um objetivo claro que os levava a uma visita prolongada ou breve. Nos séculos seguintes, o Funchal também foi um local de referência para cientistas ou doentes da tísica pulmonar. Várias instituições, como o Museu Britânico, a Linean Society e os Kew Gardens, enviaram especialistas às ilhas para proceder à recolha de espécies, enriquecendo os seus herbários. Os estudos no domínio da geologia, botânica e flora foram o resultado da presença fortuita ou intencional dos cientistas europeus. Pela Madeira, também passaram vários especialistas que se destacaram, sendo de realçar John Ovington (1695), John Byron (1764), Joseph Banks (1768), James Cook (1768, 1772), Humboldt, John Forster (1772), John Barow (1792), e Robert Scott (1910). O próprio Darwin deslocou-se às Canárias e aos Açores (1836), deixando os estudos sobre a Madeira nas mãos de um discípulo. James Cook escalou a Madeira por duas vezes, em 1768 e 1772, numa réplica da viagem de circum-navegação apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam aventuraram-se no interior da Ilha, em busca das raridades botânicas para a classificação que, depois, revelaram à comunidade científica. Nos tempos modernos, com o desenvolvimento do turismo, a Ilha tornou-se num espaço de partilha com o outro. Por isso, a Ilha acolhe todos de braços abertos. No passado, as portas do Palácio de S. Lourenço e de muitas quintas abriam-se para receber os viajantes. O primeiro era o espaço público de receção das autoridades, enquanto as quintas privadas eram franqueadas com cartas de recomendação. No decurso do séc. XIX, eram frequentes as receções nas salas do Palácio sobranceiro ao cais da cidade, ou em quintas, como a do Palheiro Ferreiro, ou nos casinos. Da parte de quase todos os que testemunharam, ao longo dos séculos, a receção dos madeirenses, notou-se uma palavra de apreço e admiração pela forma de receber. A este ambiente acolhedor e familiar sucederam-se de forma clara, no séc. XIX, os hotéis para acolher os anónimos, que também tinham direito à viagem. A todos, o madeirense acolhia da melhor forma, de portas adentro nas casas ou quintas, e reservava-lhes a melhor cama e mesa. A assídua frequência de Ingleses, em viagem de negócios, de passeio, de passagem ou de regresso das colónias, criou um movimento inaudito no Funchal, possibilitado também pela franca hospitalidade dos compatrícios ou madeirenses, pois os poucos albergues não eram suficientes para conter as gentes em trânsito. A constante presença de forasteiros obrigava à atenção de todos e motivou as autoridades a apostarem num conjunto de melhoramentos no Funchal. Assim, desde 1848, com José Silvestre Ribeiro, surgiu o delinear de um moderno sistema viário, a que se juntaram novos meios de locomoção: em 1891, o comboio do Monte, em 1896, o carro americano, e, finalmente, o automóvel, em 1904. Em 1908, Mota Prego foi perentório em afirmar a importância do turismo na economia madeirense. Esta orientação não caiu no esquecimento, uma vez que, em 1911, a Junta Agrícola, sob a presidência do visconde da Ribeira Brava, fez do turismo a principal aposta para o progresso económico da Ilha, estimulando a iniciativa privada na construção de hotéis, casinos e campos de golfe, ao mesmo tempo que se responsabilizava pelo melhoramento da rede viária. A presença cada vez mais assídua de visitantes em estadias prolongadas, como era o caso dos doentes, provocou a necessidade de criação de infraestruturas de apoio: sanatórios, hospedarias e agentes, que serviam de intermediários entre forasteiros e proprietários de acolhimento. O último foi o prelúdio do agente de viagens: o turismo dava os primeiros passos. E, mais uma vez, o Inglês foi o protagonista. Em termos históricos, pode-se dizer que o turismo caminhou lado a lado com o vinho e o aparecimento de novas atividades económicas. A vinha persistiu nas latadas e fez-se companheira de vimeiros, bordados e bordadeiras. A harmonia marchava a favor da Ilha e tornava possível a existência de várias formas de atividade que garantiam a sobrevivência. A variedade de atividades e produtos foi a receita certa para manter de pé, por algum tempo, a frágil economia insular. As atividades em torno da obra de vimes e bordados tiveram nos estrangeiros, principalmente nos Ingleses, os seus principais promotores. A primeira metade do séc. XX foi marcada por profundas mudanças na economia madeirense. Primeiro, os conflitos mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e, depois, os problemas políticos e económicos marcaram um momento negro da vida madeirense. A guerra evidenciou a fragilidade da economia da Ilha e a extrema dependência do mercado externo. A partir das décs. de 60 e 70, o turismo adquiriu, cada vez mais, uma importância fundamental na economia da Região. A procura pelo destino madeirense foi crescendo, nomeadamente a partir do momento em que surgiu, como alternativa, o transporte aéreo, com a construção do aeroporto. As constantes melhorias no transporte aéreo fizeram com que o turismo se afirmasse. Esta evolução condicionou o aumento do número de turistas e diversificou as possibilidades de permanência destes mesmos. Assim, se nos primórdios do turismo a permanência era prolongada por alguns meses, nomeadamente o período de inverno na Europa, já a partir da segunda metade do séc. XX, estas passaram a ser encurtadas pelas possibilidades de comunicação, como pelo perfil do visitante e a forma como se estruturava o turismo. Nos princípios do séc. XXI, a situação tornou-se diferente, ajustando-se as permanências às programações dos operadores turísticos e definindo-se diversas épocas de atuação. A evolução do turismo foi significativa, a partir da déc. de 80. A reativação dos investimentos hoteleiros, a partir de 1979, e as diferentes apostas do Governo regional, quer em infraestruturas, nomeadamente aeroportuárias, quer na divulgação do mercado turístico madeirense, conduziram a que o turismo assumisse, sem dúvida, uma posição dominante na sociedade madeirense. O parque hoteleiro e os múltiplos serviços de apoio cresceram, desde a restauração, às agências de viagem, aos serviços de aluguer de carros, etc. O século XV A Madeira foi, no séc. XV, uma peça primordial no processo de expansão. A Ilha, considerada a primeira pedra da gesta descobridora dos Portugueses no Atlântico, foi o marco referencial mais importante desta ação. De inicial área de ocupação passou a um entreposto imprescindível às viagens ao longo da costa africana, sendo depois um modelo para todo o processo de ocupação atlântica. O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao encontro da Europa em expansão. Além disso, foi considerada a primeira pedra do projeto que lançou Portugal para os anais da história do oceano que abraça o seu litoral abrupto. O fundamento de tudo isto esteve patente no protagonismo da Ilha e das gentes. À função de porta-estandarte do Atlântico, a Madeira associou outras, como a de farol do Atlântico, guia orientador e apoio às longas incursões oceânicas, sendo também um espaço privilegiado de comunicações, contando a seu favor com as vias traçadas no oceano que a circunda e com as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e da vinha. Umas e outras condições contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente europeu e o Novo Mundo. A presença de cidadãos das cidades-estado italianas na Madeira derivou, não só, da sua forte implantação na península e manifesto empenho na revelação do Novo Mundo, mas também, do facto de a Ilha se tornar numa importante área de produção e de comércio do açúcar. Em Portugal e Castela, eles procuraram os portos ribeirinhos de maior animação comercial e aí se evidenciaram como mercadores, mareantes e banqueiros. Aqui, os oriundos de Génova e Florença, cidades de grande animação comercial e marítima, abriram, nos locais de fixação, novas vias para o comércio com o mercado mediterrânico. A partir de Lisboa ou Cádis, eles intervieram, primeiro, no comércio peninsular, e, depois, nas navegações e atividades de troca no espaço atlântico. Os Italianos, para além de divulgadores de novas técnicas comerciais, foram, também, quem, depois dos árabes, estiveram na origem da expansão de algumas culturas, como a cana-de-açúcar. Já em meados da centúria, Cadamosto, um dos poucos venezianos que aportou à Madeira, ao abordar a Ilha, ficara estupefacto com o grau de progresso atingido, despertando-lhe interesse a próspera produção açucareira. Foi, na realidade, a partir dessa data e, fundamentalmente, da déc. de 70, que o açúcar ganhou uma posição dominante na produção e no comércio da Ilha. É precisamente a partir daí que se identificam os primeiros Italianos na Madeira – Francisco Calvo, B. Lomelino e António Spínola –, atraídos pelo comércio do açúcar. Nas décadas seguintes da centúria, para lá foram os Dórias, João António Cesare, João Rodrigues Castelhano e Jerónimo Sernigi. Todavia, o grupo mais numeroso de Italianos surgiria no primeiro quartel da centúria seguinte, época áurea do comércio de açúcar. De um total de 50 Italianos referenciados na Madeira nos sécs. XV e XVI, temos 25 desta data, destacando-se os Aciauollis, os Adornos, os Catanhos e os Salvagos. A Madeira foi, a partir do séc. XV, um local de acolhimento de personalidades ilustres e, entre os muitos que a Ilha acolheu como destino ou de passagem temporária, houve muitos que se tornaram conhecidos e importantes, por múltiplas razões. No séc. XV, podemos começar a definir o panteão de ilustres viajantes e visitantes. Assim, a partir da déc. de 70 desta centúria, surgiu Cristóvão Colombo, como comerciante de açúcar e aventureiro. Aqui, casou com Filipa de Moniz, filha do capitão da ilha do Porto Santo, onde nasceu o único filho, Diogo. O seu destino estava traçado no caminho do encontro das terras ocidentais, ambicionado já por muitos madeirenses. Visitantes e testemunhos 1439. Diogo Afonso de Aguiar foi um dos quatro fidalgos enviados por D. Afonso V para se casarem com as filhas de João Gonçalves Zarco. Casou-se com Isabel Gonçalves da Câmara, terceira filha de Zarco. 1445 (25-28 março). Luís Cadamosto (c. 1432-1488) passou pelo Porto Santo e pela Madeira ao serviço do infante D. Henrique e falou das ilhas na sua obra As Navegações, sendo a mais antiga descrição feita por um estrangeiro, como fruto de um conhecimento presencial. 1457. Henrique Alemão fixou-se na Madalena do Mar. 1460. António da Nola, navegador genovês, passou pela Ilha. 1476. Ida para Madeira de João Baptista Lomelino e do seu irmão Urbano Lomelino, genoveses descendentes dos marqueses Lomellini. 1478 (agosto). Cristóvão Colombo (1451-1506) esteve na Madeira como representante de Ludovico Centurione. João Salviati, natural de Florença, por estar implicado numa conspiração contra os Medicis, homiziou-se na Madeira. 1480. Cristóvão Colombo e Filipa de Moniz passaram pela Madeira e pelo Porto Santo onde viveram cerca de dois anos e onde nasceu seu filho Diogo. João de Esmeraldo, flamengo, fixou-se na Madeira. Fernão Álvaro de Agrela, natural de Alenquer, fixou-se na Madeira. 1498. Passagem de Colombo pelo Porto Santo, sendo confundido com piratas; a 10 de junho, Colombo fez escala no Funchal, no decurso da sua terceira viagem. 1500. João Martins de Aldromar, biscainho, fixou-se em Câmara de Lobos. André Gonçalves Alvarenga, natural da Beira, fixou residência no Funchal. O licenciado Manuel Camilo de Melo e Alvino fixou-se na Ilha. António de Aragão e Teive, casado com Helena de Atouguia, fixou-se na Ilha. O século XVI Nesta centúria, o Funchal continuaria a ser uma terra de açúcar e vinho, apoiando a navegação atlântica. Todavia, este foi, ainda, um momento em que vários europeus fizeram desta Ilha a sua morada. Visitantes e testemunhos 1508. D. João Lobo foi à Madeira exercer funções episcopais, o primeiro prelado que esteve na Ilha e aí se demorou aproximadamente dois anos. 1515. Simão Acciaiuoli, florentino, fixou-se na Madeira, dedicando-se ao comércio do açúcar. 153?. O conde Giulio Landi (1500-1579) escreveu um relato da sua viagem à Madeira, o qual, em 1574, foi traduzido para italiano pelo P.e Alemanio Fini. 1552 (5 janeiro). Chegou à Madeira o primeiro governador-geral, João Leitão, representante do Governo espanhol. 1556 (2 outubro). Assalto ao Funchal dos huguenotes, corsários franceses, capitaneados por Bertrand de Montluc, gentil-homem da casa do Rei Carlos IX de França. 1567 (maio). Pompeo Arditi esteve 34 dias na Madeira. 1570. Estabeleceram-se os Jesuítas na Madeira. A 13 de junho, passagem pelo Funchal dos 40 missionários jesuítas que se destinavam ao Brasil e que foram martirizados no mar das Canárias, a 15 de julho, às mãos de corsários. 1574 (31 outubro). D. Jerónimo Barreto, sexto bispo do Funchal, chegou à Ilha onde permaneceu até 1585, altura em que foi transferido para o bispado do Algarve. 1580. João Cahus, natural da cidade de Ruão, em França, estabeleceu-se no Funchal. 1590. Antónia Jaime Cuibém foi para a Ilha com seu marido, o Inglês Roberto Vizovi, cavaleiro da Ordem de Cristo. O século XVII A Madeira cedo ganhou o epíteto de estância turística do atlântico, firmando-se como um espaço destacado da história do turismo no Ocidente. A revelação da Madeira como estância de turismo terapêutico aconteceu a partir da segunda metade do séc. XVII, mas foi nos sécs. XVIII e XIX que se assumiu na sua plenitude. O Funchal passou a assumir um papel fundamental na consolidação e expansão do império britânico, tendo os Ingleses facilitada a sua passagem e estadia, por força dos tratados assinados a partir de 1640. Visitantes e testemunhos 1602. D. António Herédia foi para a Madeira como capitão da Companhia do Presídio Castelhano. 1660. Ricardo Jervis, mercador inglês, estabeleceu-se no Funchal. Honorato Sauvaire, natural de Marselha, cônsul da França. 1669. John Norborough (c. 1640-1688) esteve na Madeira e referiu a sua passagem em Voyage to the Straits of Magellan. 1681. Barbot visitou a Madeira, publicando na Churchill's Collection as suas impressões acerca da Ilha. 1687 (21-23 outubro). Hans Sloane (1660-1753), médico e naturalista inglês, passou pela Madeira. Em A Voyage to the Islands Madera, Barbados, Jamaica..., publicada em Londres entre 1707 e 1725, apresenta as suas impressões da Ilha. 1689 (abril). John Ovington, clérigo e viajante inglês, capelão de Jaime II. Escreveu A Voyage to Suratt in the Year 1689, publicada em Londres em 1696, com referências à Madeira. O século XVIII A partir do séc. XVIII, o movimento de gentes na cidade do Funchal animou-se com o chamado turismo terapêutico e com as expedições científicas. Esta situação perdurou nas centúrias seguintes. Enquanto, nos cientistas, a permanência foi reduzida, já no caso dos visitantes, ou turistas, nomeadamente aqueles que a Ilha acolheu por razões terapêuticas, a permanência foi mais demorada. De acordo com esta situação, pode muito bem ser atribuído à Madeira o epíteto de sala de visitas do espaço atlântico, pois foi desde os primórdios da ocupação europeia um espaço aberto à presença quase assídua de forasteiros. A hospitalidade madeirense foi uma constante da história que não se cansa de assinalar a frequência de aventureiros, marinheiros, mercadores, aristocratas, políticos, artistas, escritores, cientistas. Uns surgiram apenas de passagem, outros vieram ao encontro da Ilha em busca da cura para as doenças ou para aliviar o tédio dos ambientes aristocráticos. Por outro lado, as ilhas entraram rapidamente no universo da ciência europeia. Os sécs. XVIII e XIX foram momentos de assinaláveis descobertas do mundo, através de um estudo sistemático da fauna e flora. A procura e descoberta da natureza circundante cativaram toda a Europa, mas foram os Ingleses que marcaram uma presença mais assídua nas ilhas, sendo menor a de Franceses e Alemães. A Inglaterra apostava nas ilhas como pontos fundamentais da estratégia colonial, acabando por estabelecer, na Madeira, uma base para a guerra de corso no Atlântico. Se as embarcações de comércio e as expedições militares tinham na Ilha uma escala obrigatória, mais razões assistiam à passagem quase obrigatória de inúmeras expedições científicas. Foram inúmeras as expedições científicas europeias que escalaram o Funchal. Desde a segunda metade do séc. XVIII, o porto do Funchal animou-se com as passagens assíduas destas expedições. De entre estes expedicionários, destacaram-se Franceses (1785) e Ingleses (1755, 1764, 1766, 1768, 1772, 1792). Visitantes e testemunhos 1720. John Atkins, cirurgião de marinha, visitou a Ilha, tendo publicado A Voyage to Guinea, Brasil and the West Indies, Madeira, Cape Verde... em Londres, em 1837. 1747. Thomas Heberden (1703-1769), médico e botânico britânico, passou pela Madeira. 1750. Jorge Anson, corsário e viajante inglês, passou pela Madeira em setembro, comandando uma esquadra de oito navios, com destino ao Pacífico. 1753. Passagem pela Ilha de uma comissão de astrónomos franceses, encarregada de proceder a observações para a regularização das cartas hidrográficas. 1755. Bory foi à Madeira a bordo do Cometa, tendo feito algumas observações sobre a variação da agulha. 1764 (13-19 julho). O Com. John Byron, comandante do Delfim, navio de guerra britânico, passou pela Madeira com destino a explorações no cabo da Boa Esperança e no estreito de Magalhães. 1766 (7-12 setembro). Filipe Carteret, comandante do Swallow, navio inglês que fez explorações nos mares do Sul e no oceano Pacífico, passou pelo Funchal. 1768 (13 setembro). James Cook (1728-1779), navegador inglês, ancorou no Funchal durante 24 h, de passagem para a América do Sul em viagem de circum-navegação a bordo do navio Endeavour, da Marinha Real Inglesa. Deixou testemunho desta passagem com indicações sobre os costumes dos habitantes. (13-18 setembro). Joseph Banks esteve no Funchal na qualidade de botânico da primeira expedição comandada pelo Cap. Cook; com o Dr. Solander, colheu 255 espécies. 1772 (29-31 julho). James Cook demorou-se três dias no Funchal, acompanhado dos naturalistas F. J. Reinolds La Forster e John George; plantaram uma árvore na Qt. do Vale Formoso, propriedade de Michael Grabham, que foi derrubada por uma tempestade. (29 julho). Johann Reinhold Forster (1729-1798), naturalista alemão, esteve na Ilha. De Bory esteve na Madeira e descreveu a sua viagem em Histoire et Mémoires de l'Academie Royale des Sciences pour l'An 1772, publicada em Paris, no ano de 1776. 1774. Robins, botânico inglês, passou pelo Funchal, onde recolheu plantas para herbário. 1776. Downe, botânico inglês, herborizou na Madeira, levando as plantas que colheu no Museu Britânico. 1784. António de Carvalho e Almeida, naturalista português, foi à Madeira em junho, com o fim de organizar uma coleção de produtos naturais da Ilha. 1785 (13-16 agosto). A expedição científica comandada por João Francisco Galaup de La Pérouse chegou ao Funchal a bordo da Bússola e do Astrolábio. 1789. João José de Orquigny, médico e naturalista francês, foi à Madeira para estudar a flora da Ilha e o seu valor terapêutico. 1792 (19 abril). Passagem pelo porto do Funchal de um bergantim marroquino, conduzindo a esposa e os filhos do príncipe Muley Abdessalem, e a viúva do Imperador Muley Ismael. John Barrow esteve na Madeira, descrevendo o Funchal em Voyage to Cochin China. William Gourlay, médico inglês, residiu na Madeira e escreveu Observations on the Natural History, Climate and Diseases of Madeira During a Period of Eighteen Years, publicado em Londres, em 1811. 1800. John Turnbull, viajante inglês, esteve na Madeira, durante o mês de julho. O século XIX As qualidades profiláticas do clima na cura da tuberculose cativaram a atenção de novos forasteiros. Foi a busca da cura para a tísica que propiciou aos madeirenses o convívio com poetas, escritores, políticos e aristocratas. A Madeira destacou-se desta forma, mercê das referências elogiosas feitas por alguns especialistas que consideravam o Funchal como a primeira e principal estância de cura e convalescença da Europa. O epíteto fez com que parte significativa do movimento de doentes se orientasse na direção da Ilha, pelo que, no período de 1834 a 1852, a média anual oscilava entre os 300 e 400 doentes, a maioria de origem inglesa. Foram tais condições que justificaram, em 1859, a construção de um sanatório, o primeiro que se construiu em Portugal. Dos visitantes que a Ilha recebeu, merecem especial atenção quatro grupos distintos: os doentes, os viajantes, os turistas e os cientistas. Os primeiros fugiam ao inverno europeu e encontravam, na temperatura amena da Madeira, o alívio das maleitas. Os demais vinham atraídos pelo gosto de aventura, de novas emoções, da procura do pitoresco e do conhecimento e descobrimento dos infindáveis segredos do mundo natural. O viajante diferenciava-se do turista pelo aparato e intenções que o perseguiam. É um andarilho que percorria todos os recantos, na ânsia de descobrir os aspetos mais pitorescos dos lugares. Na bagagem, constava sempre um caderno de notas e um lápis. Através da escrita, do desenho e da gravura, registava as impressões do que via. Daqui resultou uma prolixa literatura de viagens, que se tornou numa fonte fundamental para o conhecimento da sociedade oitocentista das ilhas. O turista, ao invés, era pouco andarilho, preferindo a bonomia das quintas, e era egoísta, guardando para si todas as impressões da viagem. O testemunho da sua presença foi documentado apenas pelos registos de entrada dos vapores na Alfândega, pelas notícias dos jornais diários e pelos títulos de residência. Aos anteriores forasteiros devem-se juntar, no caso português, os deportados políticos ou militares. A deportação foi, nos sécs. XIX e XX, uma poderosa arma ao serviço dos regimes políticos. Em todo o mundo, foi evidente a utilização desta forma de migração forçada como meio para impedir a ação dos opositores políticos. A prática não é recente, sendo uma constante do processo histórico em que se demarcavam a diáspora judaica e a escravatura dos negros africanos. O processo de deportação por razões políticas poderá ser assinalado a partir de 1797, com a ida dos opositores da Revolução Francesa para a Guiana, prática que os Franceses mantiveram a partir de 1852 com as chamadas ilhas-presídio, como foi o caso das ilhas do Diabo, de Caiena, e de Saint-Laurent-du-Maroni. No séc. XX, esta situação foi responsável pela mobilidade humana, sendo a situação mais considerada à dos Judeus para os campos de concentração nazistas. Em Portugal, a conjuntura política oitocentista após a Revolução Liberal provocou migrações forçadas por força de perseguições políticas. Neste caso, as ilhas da Madeira, dos Açores e de Cabo Verde serviram de espaços de deportação a alguns políticos e militares menos gratos aos diversos regimes políticos ou grupos com controlo do poder. Militares, advogados, escritores e mesmo trabalhadores e lavradores experimentaram a condição amarga de serem separados dos seus e de serem conduzidos à força para as ilhas, ficando cativos em fortalezas, asilos ou espaços especialmente preparados para o efeito, e.g. o Tarrafal, em Cabo Verde. A par disso, temos de considerar o movimento ocasional de militares para a Madeira, ocorrido por diversas vezes, em situação de instabilidade política ou não. Assim, em 28 de janeiro de 1856, desembarcou o Regimento de Infantaria n.º 1, que ficou marcado pela chegada do cólera-morbus trazido por algumas praças já doentes, que provocou a morte de mais de 10.000 madeirenses. Por outro lado, a Madeira acolheu também alguns fugitivos, militares ou políticos, de diversas proveniências. Assim, houve, em 1876, a presença de 70 militares espanhóis adeptos de Carlos, duque de Madrid, pretendente carlista ao trono espanhol com o nome de Carlos VII, em oposição à Rainha Isabel II. Neste grupo de viajantes, podemos enquadrar escritores como Júlio Dinis (1869) e António Nobre (1898-1899). Um grupo significativo de doentes e visitantes situava-se entre a mais destacada aristocracia europeia e mesmo de algumas casas reais, e.g. a Rainha Adelaide de Inglaterra (1847), a princesa Maria Amélia (1853), a Imperatriz Isabel da Áustria, mais conhecida por Sissi (1860-1861, 1893-1894), e a Imperatriz Carlota do México (1859, 1864). Duncan Maclaren, que esteve no Funchal, de outubro de 1844 até ao verão de 1845, referiu, em A visit to Madeira and Tenerife, que, nesse período, existiam 250 estrangeiros na situação de inválidos, sendo acompanhados de amigos e criados que os acompanhavam. Além do mais, indicou também, para os anos de 1842 e 1843, cerca de 400, a juntar a outros 300 Ingleses residentes na Ilha. Para o período de 1823 a 1887, houve mobilizações para o Funchal, pelas mais diversas razões de militares, organizadas em destacamentos, batalhões e regimentos, que tiveram uma influência evidente no quadro económico, político e social da cidade do Funchal. Os cientistas estrangeiros em escala no Funchal merecem um relevo especial. Assim, destacaram-se os Alemães (1860, 1874), os Americanos (1838), os Austríacos (1857), os Belgas (1897), os Dinamarqueses (1845), os Franceses (1883) e os Ingleses (1816, 1824, 1839, 1841, 1842-1846). Visitantes e testemunhos 1801 (24 julho). Primeira ocupação da Madeira por tropas inglesas; era comandante das forças o Cor. Henry Clinton, que instalou o seu comando na Fortaleza de S. Tiago; esta ocupação durou até 25 de janeiro de 1802. J. Adams, médico inglês, publicou em Londres Guide to Madeira with an Account of the Climate. 1802 (4-7 agosto). Roberto Brown (1773-1858), botânico inglês, organizou uma lista de plantas madeirenses. 1804 (19 fevereiro). Reinaldo Oudinot, brigadeiro, superintendeu as obras públicas de construção e a reparação das muralhas das ribeiras, após a aluvião de 1803. 1805. O pintor português Vieira Portuense (Francisco Vieira de Matos, 1765-1805) faleceu na Ilha a 2 de maio. (12-19 outubro). F. B. Spilsbury, cirurgião do Favorita, navio da marinha de guerra britânica, permaneceu na Ilha. 1807. Franz Borel (1775-1832), barão de Palença, diplomata russo, passou pela Ilha. (24 dezembro). Segunda ocupação da Madeira por tropas inglesas sob o comando do Maj.-Gen. Guilherme Carr Beresford, que durou até 3 de outubro de 1814. 1809. Henry Veitch (1782-1857), cônsul inglês. 1815 (26 abril-2 maio). Cristiano Leopoldo De Buch (1774-1853), geólogo e botânico alemão, visitou a Madeira em companhia do botânico norueguês Chretien Smith. (22-25 agosto). Chegou ao Funchal a nau-almirante Northumberland, acompanhada de três fragatas e seis brigues, conduzindo o Imperador Napoleão Bonaparte (1769-1821) para o seu desterro político em Santa Helena. 1816 (31 março). Passagem pelo Funchal da expedição científica inglesa comandada pelo Cap. J. K. Tuckey. 1817 (11-13 setembro). Passagem pelo Funchal da esquadra composta pelas naus portuguesas D. João VI e D. Sebastião e a fragata austríaca Augusta, sob o comando do capitão de mar e guerra Henrique de Sousa Prego. Levava a bordo a princesa Leopoldina da Áustria (1797-1826) para se casar com o príncipe real D. Pedro, futuro Imperador do Brasil e Rei de Portugal. Acompanharam a viagem os cientistas João Baptista Emanuel (1782-1834) e Carlos Frederico Filipe de Martius (1794-1868). 1820 (28 julho-3 agosto). João Conrado de Hasselt (1797-1823), médico que realizou estudos de ciências naturais, passou pela Madeira. (novembro). Pedro de Sousa Holstein (1781-1850), duque de Palmela, político, militar e diplomata português, que foi presidente do Conselho de Ministros em 1834-35, 1842 e 1846, passou pelo Funchal; voltaria em 1827 e 1847 1821. Chegou ao Funchal Charles Heineken, médico inglês, que aí residiu durante nove anos, falecendo na Ilha em 1830; fez observações meteorológicas. 1822. John Lewis Tiarks viajou para a Ilha por ordem do Governo inglês, para verificar a diferença de longitude entre Greenwich e o Funchal. João Antonio Bianchi, comerciante de origem italiana, fixou morada no Funchal. 1823 (14-16 outubro). Thomas Edward Bowdich (1791-1824), zoólogo britânico, esteve na Madeira e publicou os resultados dos seus estudos sobre a fauna, a flora, a geologia e a meteorologia da Madeira e do Porto Santo em 1825, em Excursions in Madeira and Porto Santo, During the Autumn of 1823. 1826. Richard Thomas Lowe (1802-1874), naturalista inglês, esteve na Ilha até 1852 e regressou em 1855, 1860, 1863, 1865, 1867 e 1871. Renton, médico inglês, fez estudos sobre os efeitos do clima da Ilha no tratamento das moléstias pulmonares, publicados no Edinburgh Medical and Surgical Journal em 1827. 1828 (25 junho). Ocupação miguelista da Madeira, comandada pelo Cor. José António de Azevedo Lemos; a fragata portuguesa Príncipe Real levou o novo Gov. José Maria Monteiro e um corregedor para a comarca. António Pedro de Azevedo, militar natural de Caminha, visitou a Madeira, onde posteriormente desempenhou o cargo de diretor das Obras Publicas do Distrito; levantou, em 1842 e 1843, juntamente com os oficiais do vapor de guerra britânico Styx, as cartas do Porto Santo, da Madeira e das Desertas. Felipe Baker Webb (1793-1854), botânico inglês, demorou-se alguns meses a estudar a flora. 1832 (4 abril). Ocupação do Porto Santo por uma força constitucional de 60 praças de artilharia, comandadas pelo Cap. Bento José de Oliveira, ida da ilha Terceira no brigue de guerra Conde de Vila Flor e na escuna de guerra Terceira. 1834 (5 junho). Henrique de Price Bertrand, capitão de mar e guerra e comandante da fragata D. Pedro, passou pela Madeira 1835. O conde de Vargas de Bédmar, geólogo dinamarquês, estudou a geologia do arquipélago da Madeira. 1837. Charles Lemann, botânico inglês, esteve na Madeira de 1837 a 19 de maio de 1838, recolhendo plantas para o Jardim de Kew e para a Universidade de Cambridge. 1838. J. D. Dana (1813-1895), geólogo americano, visitou a Madeira em setembro e publicou o resultado dos seus trabalhos no vol. X da United States Exploring Expedition. (16-25 setembro) Passagem pelo Funchal de uma esquadra americana composta pelo Purpoise, das balandras Vincennes e Peacock, e das escunas Sea-Gull e Flying-Fish, comandadas pelo Ten. Carlos Wilkes. Chegou à Madeira Robert Reid Kalley, médico e pastor protestante que viveu na Iha, de 2 de outubro de 1838 a 9 de agosto de 1846, altura em que teve que fugir. Passou também pela Madeira Lippold, botânico alemão, que publicou no Gardner's Magazine, de outubro de 1838, uma notícia sobre os jardins da casa do Dr. Renton. 1839. Os navios ingleses Erebus e Terror, sob o comando de James Clark Ross e Francisco Roland Crozier, visitaram a Madeira em outubro, tendo os seus oficiais medido a altura do Pico Ruivo. (25 abril). Medição da inclinação magnética por A. P. de Azevedo e Soulier de Sauve. Chegada de James Macaulay, cientista inglês, que esteve na Madeira até 1840. 1840. James Smith (1782-1867), geólogo inglês, passou pela Madeira. (24 julho). Escala no porto do Funchal da fragata de guerra francesa Belle Poule e da corveta Favorite, chefiada pelo príncipe de Joinville, François-Ferdinand-Phihppe-Louis-Marie d'Orléans (1818-1900) e destinada à ilha de Santa Helena, com o fim de proceder à exumação dos restos mortais do Imperador Napoleão e de os conduzir a França. (9 novembro 1840-9 janeiro 1841). Visita à Madeira do poeta António Feliciano de Castilho (1800-1875), acompanhando seu irmão, Augusto Frederico de Castilho. 1841 (21-25 maio). Júlio Rodolfo Teodoro Vogel (1812-1841), botânico, passou pela Madeira. (julho) George Tams, médico da expedição comercial à costa ocidental de África, promovida por Ribeiro dos Santos, cônsul português em Altona, fez escala no Porto Santo. (13 outubro 1841-22 abril 1842). Chegada à Madeira de Karl Wilhelm Emil Kampfer (1803-1846). 1842. Alexander Thomas Emeric Vidal (1792-1863), oficial da marinha de guerra britânica e explorador marítimo, passou pelo Funchal; regressou em 1843. (1-4 agosto). Adalberto Henrique Guilherme da Prússia (1811-1873) passou pela Ilha. 1844. Francisco Maria Bordalo, oficial da marinha e escritor (1821-1861), comandou a fragata Diana que conduziu à Madeira vários deportados políticos; regressou em 1861, como doente. (26 janeiro-4 de março). Charles Forbes René de Montalembert (1810-1870), conde de Montalembert, publicista, historiador e político francês, visitou a Madeira. (20 e 28 abril). Chegaram, ao Funchal os insurgentes da revolta de Torres Vedras de 4 de fevereiro de 1844, entre os quais figuravam os advogados António Maria Ribeiro da Costa Holtreman e Leonel Tavares Cabral, o juiz Lourenço de Oliveira Grijó, o Cón. Manuel Joaquim Cardoso Castelo Branco, e oito oficiais do exército. Duncan Maclaren, que esteve no Funchal, desde outubro de 1844 ao verão de 1845, escreveu A Visit to Madeira and Tenerife. William Reid, um Inglês que viria a estabelecer um hotel. 1845. T. M. Hughes, poeta inglês, visitou a Madeira e escreveu “Ocean Flower”, um poema em 10 cantos. M. Knowler, britânico, proferiu uma série de seis conferências sobre poesia dramática. (21-27 julho). William Frederick George Behn (1808-1878), médico e naturalista, passou pela Madeira; Wilhelm Sofo Andre de Rosen (1820-1866), médico e político alemão, visitou o Funchal. 1846 (25-30 maio). Visitou a Madeira, a bordo da fragata dinamarquesa Glefioar, o príncipe Frederico Carlos Cristiano, que, em 1848, sucedeu ao seu pai na Coroa da Dinamarca, com o nome de Frederico VII. (12 setembro). José Silvestre Ribeiro chegou à Ilha, na qualidade de governador civil. (20 dezembro). Medida da inclinação magnética por A. P. de Azevedo e os oficiais do Rattermaker. (20 novembro). 1847 (3 novembro). Foi à Madeira, onde se demorou até 11 de abril de 1848, a Rainha Adelaide de Inglaterra, filha do duque de Saxe-Meiningen. (20 novembro). O príncipe Alexandre, dos Países Baixos (n. 1818), chegou à Madeira na fragata holandesa Príncipe de Orange e faleceu na quinta de Tomaz Burnett, em Santa Luzia, a 20 de fevereiro de 1848; o seu cadáver foi levado para a Holanda, a bordo do vapor holandês Phoenix, a 3 de abril do mesmo ano. Eduardo Hildebrandt (1817 ou 1818-1868), pintor alemão, passou pelo Funchal. W. Vernon Harcourt (1789-1871) fez observações meteorológicas. T. Vernon Wollaston (1822-1878), naturalista inglês, chegou à Ilha, que visitou por quatro vezes em estudo até 1855. 1848 (dezembro 1848-maio 1849). Charles MacEuen, americano, de Filadélfia, fez observações meteorológicas na Qt. Hollway. 1849 (23 agosto). Passagem da fragata da marinha russa Kamtchatka, levando a bordo o príncipe Maximiliano, duque de Leuchtenberg; visitaria o Porto Santo em 1850, sendo recebido na Câmara Municipal. (27 agosto 1849-23 abril 1850). Sebastian Fischer (1806-1871), médico, esteve na Ilha. (outubro). Henrique Cristiano Teodoro Bahr (1823-1869), médico, esteve na Madeira nos invernos de 1849-1853 e de 1856-1858. Passagem pela Madeira de Karl Briullov (1799-1852), pintor russo. 1850 (outubro). Joan Christ Albers, naturalista alemão, esteve na Madeira até junho de 1851. Osvald Heer, botânico e paleontólogo suíço, esteve na Madeira até à primavera de 1851; retornou à Ilha em 1853 e 1854. James Yate Johnson (1820-1900), naturalista inglês, publicou trabalhos sobre a ictiologia madeirense e estudou as conchas, os briozoários, os crustáceos, os zoófitos e a flora do arquipélago, tendo deixado um herbário de fanerogâmicas. (outubro 1850-junho 1851). Johann Christoph Albers (1795 -1857), médico e zoólogo alemão, viveu na Madeira. Jegór Júlio de Sivers (1823-1879), poeta alemão, passou pelo Funchal. Robert White, Inglês residiu um ano na Madeira e publicou, em 1851, Madeira, its Climate and Scenery. 1851. Thomas Heberden, médico, exerceu a profissão no Funchal; apoiou vários cientistas de passagem no porto. Johannes Schmidt (1823-1905), botânico alemão, passou pelo Funchal. Georg Friedrich Hartung (1820 ou 1821-1891), geólogo alemão, esteve na Ilha, aonde regressaria nos anos de 1853-54 e de 1854-55. (7 agosto). Bulhão Pato (1829-1912), escritor e poeta, que era amigo do segundo conde do Carvalhal, esteve na Ilha; em Sob os Ciprestes e nos três volumes das Memórias, ocupou-se de temas madeirenses, e, nos cantos VI e VII do poema “Paquita”, fez uma descrição poética da Madeira. (setembro). Carlos Jorge Mittermaier (1823-1917), médico alemão, passou pelo Funchal. 1852 (3 abril). Chegada ao Porto Santo da escuna Terceira, com tropas constitucionais, que fazia parte da divisão naval comandada pelo vice-Alm. Sertório Saturius, para tomar posse do arquipélago; as tropas ocuparam a Ilha até 25 de maio, data em que seguiram para os Açores com 104 madeirenses, para ajudarem a combater o Governo de D. Miguel I. (4-7 julho). Agostinho José Leopoldo Trogher (1810-1858), médico alemão passou pela Madeira. (5-8 julho). O príncipe Fernando Maximiliano José (1832-1867), futuro Imperador do México como Maximiliano I, passou pelo Funchal; esteve de novo na Madeira de 6 a 22 dezembro de 1859, de 5 a 12 de março de 1860, e a 28 de abril de 1864. (28 agosto). Chegada da princesa D. Maria Amélia (1831-1853), filha de D. Pedro IV, que morreu no Funchal a 4 de fevereiro de 1853. Francisco António Barral, médico e lente da Escola Médica de Lisboa, acompanhou à Madeira a Imperatriz D. Amélia, na qualidade de médico assistente da princesa. 1853 (18 janeiro). Ivan Gontcharov (1812-1891), escritor russo, passou pelo Funchal. (maio). Adolfo Frederico de Schack (1815-1894), poeta e tradutor alemão, esteve na Madeira. (29 julho-setembro). João de Andrade Corvo esteve Madeira, encarregado pela Academia Real das Ciências de Lisboa de estudar a moléstia, publicando Memórias sobre as Ilhas da Madeira e Porto Santo. Charles J. F. Bunbury, botânico e paleontologista inglês, fez estudos sobre a flora madeirense e as plantas fósseis da freguesia de São Jorge. Charles Lyell, geólogo inglês, fez diversas explorações geológicas. Charles James Fox Bunbury (1809-1886), botânico britânico, esteve na Madeira. Friedrich Welwitsch (1806-1872), botânico austríaco, passou pela Ilha. 1853-54. Isabella de França (c. 1795-1880) residiu na Madeira, escrevendo um diário, publicado em 1970; Georg Hartung (c. 1822-c. 1891), geólogo alemão; Sir Charles Lyell (1797-1875), baronete Lyell, advogado e geólogo britânico. 1854. Charles Perreymond, escritor francês que faleceu no Funchal a 4 de junho. Dr. G. Lund, médico inglês: fez observações meteorológicas em 1855 e 1856. Jacob Melchior Ziegler (1801-1883 ou 1884), cartógrafo suíço. Robert Mc. Andrew publicou, em Liverpool, On the Geographical Distribution of Testaceous Mollusca in the North Atlantic and Neighbouring Seas, onde descreveu 156 espécies de moluscos marinos encontrados nos mares da Madeira. (25 outubro). Passagem, pelo porto do Funchal, do vapor inglês Forerunner, procedente da costa de África e com destino à Inglaterra, conduzindo muitos oficiais do exército britânico e o governador de Serra Leoa, que naufragou na Ponta de S. Lourenço. (17 novembro 1854-4 junho 1855). Augusta Werlich (1822-1892), governanta alemã. 1855. Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, advogado natural de Benavente, que se fixou no Funchal. Foi o responsável pela primeira edição de Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso, em 1873, a que juntou vastas anotações históricas. Nicolau Krohn (1831-1909), natural da Prússia, foi para a Madeira como comerciante, dedicando-se ao comércio do carvão e vinho. João Guilherme Reiss ou Reisz (1838-1908), geólogo e explorador alemão. (outubro). Augusto David Krohn (1803-1891), zoólogo alemão. (25 outubro 1855-9 abril 1857). Hermann Schacht (1814-1864), botânico alemão. 1856 (28 janeiro). Desembarque do Regimento de Infantaria n.º 1, cujas praças foram portadoras do cólera-morbus que se propagou a toda a Ilha, fazendo cerca de 10.000 vítimas. 1857. Hector Clairouin, um Francês que se fixou no Funchal, onde foi professor da língua francesa. (8-17 junho). Passagem em junho da fragata austríaca Novara, comandada pelo Com. Wullerstorf-Urbair, em viagem à volta do mundo. Seguia a bordo Ferdinand von Hochstetter (1829-1884), geólogo alemão, que publicou Madeira (Viena, 1861). A expedição foi comandada pelo barão Bernhard von Wüllerstorf-Urbair (1816-1883), vice-almirante austríaco e ministro do Comércio do Império Austro-húngaro entre 1865 e 1867. 1858 (8-27 outubro). O príncipe D. Luís (1838-1889), depois Rei de Portugal, visitou pela primeira vez a Ilha. (novembro). João Jacob Noeggerath (1788-1877), minerologista alemão. 1859. Carlos David Guilherme Mayer-Êymar (1826-1907), paleontólogo alemão. 186?. O Dr. Michael Grabham, médico inglês, residiu no Funchal. Publicou The Climate and Resources of Madeira (1870) e Materia Atlantica (1901). 1860. O Dr. Leopoldo Kny, botânico alemão, recolheu muscíneas na Ilha. Segismundo Henrique Reinhold de Werner (1825-1909), escritor alemão, que voltou à Ilha em 1872. (30 março). Eduardo de Martens (1831-1904), zoólogo alemão. (30 março-12 abril). Max Ernesto Wichura (1817-1866), botânico alemão. (16-18 abril). Friedrich Wilhelm Hermann Maron (1820-1882), jornalista alemão. (29 novembro). A Imperatriz Isabel da Áustria (1837-1898), mulher de Francisco José, Imperador da Áustria, visitou a Madeira, demorando-se até 28 de abril de 1861; esteve na Ilha novamente de 23 de dezembro de 1893 a 4 de fevereiro de 1894. O Cap. Francis N. Norman, botânico inglês, herborizou na Madeira. 1861 (novembro). Platão Vaksel (1844-1918), musicólogo russo, viveu na Ilha até junho de 1870. (3 novembro). António Pedro Lopes de Mendonça, escritor, esteve algum tempo na Ilha. 1862. O Dr. Liebetruth, botânico austríaco, colheu algas marinhas na Madeira. Konstantin Staniukovitch (1843-1903), escritor russo. (2 dezembro 1862-janeiro 1863). Maurício Afonso Stübel (1835-1904), geólogo alemão. 1863. Jacob Dührssen (1834-1876), médico, passou na Ilha os invernos de 1863-64, 1864-65 e 1865-66. O Gen. conde Alexandre Carlos de Lambert (1816-1866), ajudante de campo da Imperatriz da Rússia, viveu na Madeira até cerca de 1866, tendo comprado a Qt. das Angústias (depois chamada Qt. Vigia). 1864. Robert BoogWatson (1823-1910), naturalista natural da Escócia. Esteve na Madeira até 1874. 1865. Alfredo César Franco de Castro publicou Júlia ou Recordações da Ilha da Madeira, em que relatou a sua estadia na Madeira por razões de saúde. 1865-1866. Gilbert Mandon (1799-1866), botânico francês. 1866 (8-17 junho). Carlos Augusto Júlio Milde (1824-1871), botânico alemão. (17-19 novembro). Ernesto Haeckel (1834-1919), biólogo alemão, fez um estudo sobre o coelho do Porto Santo. Ricardo Greeff (1829-1892), médico e zoólogo alemão, que retornou a 8 de outubro de 1879. Grão-duque Alexei Alexandrovich da Rússia (1850-1908), filho do Czar Alexandre II (1818-1881) da Rússia e almirante da Marinha Imperial Russa, que retornou a 6 e 9 de outubro de 1871. 1867. Pedro Ivo (1842-1906), escritor portuense que marcou passagem pela Ilha com um livro de contos. 1868. António Duarte Gomes Leal (1848-1921), poeta. Príncipe Alfred Ernest Albert (1844-1900), duque de Edimburgo. 1869 (8 fevereiro). Chegada de Júlio Diniz (Joaquim Guilherme Gomes Coelho) à Madeira, onde se demorou até outubro, à procura de alívios ao terrível mal da tuberculose. Voltou mais duas vezes à Ilha, a última em 20 de dezembro de 1970, permanecendo até maio de 1871. 1871. Grão-duque Konstantin Konstantinovitch Romanov (1858-1915), membro da família real russa e escritor. Ernesto de Weber (1830-1902), escritor alemão; regressou em 1891-1892. 1873 (7 março). Chegada de José Dias Ferreira (1837-1907), político e jurisconsulto, ao Funchal, onde se demorou alguns meses na Qt. Bianchi, ao sítio da Nazaré, em S. Martinho. (5 junho). Filipe Guilherme Adolfo Bastian (1826-1905), etnólogo alemão. Ricardo Guilherme Paulo Güszfeldt (1840-1920), explorador e alpinista. Ília Metchnikov (1845-1916), cientista russo, vencedor do Prémio Nobel da Medicina em 1908. Hermano Henrique Augusto Luís Soyaux (n. 1852), botânico alemão. 1874. Ernest Johannes Schmitz (1845-1922), sacerdote alemão, que foi para a Ilha como capelão do Hospício da Princesa D. Maria Amélia; fixou morada no Funchal em 1878, tornando-se em 1881 vice-reitor do Seminário do Funchal. Sir William Thomson (1824-1907) casou-se com Francis Ana Blandy, filha do comerciante inglês Carlos Blandy. (julho). Carlos António Wemer Hüesker (1849-1928), médico e ornitólogo alemão. 1875. Cap. Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto (1846-1900), militar do Regimento de Caçadores n.º 12, no Funchal, que foi explorador do continente africano. Paul Langerhans (1847-1888), médico e naturalista alemão, que viveu na Ilha até 1888. 1876 (10 março). Hermano António Gaspar e João Nepomuceno de Barth-Harmating (1845-1876), barão bávaro. (1 julho). Refugiaram-se no Funchal 70 revolucionários espanhóis, 46 oficiais e 24 soldados, muitos dos quais se casaram na Madeira, donde saíram em 1878, depois de triunfar a revolução que destronou Isabel II. 1877 (22 dezembro). Gustavo Frederico Pauli (1824-1911), agrónomo alemão. 1878 (8 julho). Henrique de Barros Gomes esteve no Funchal, na qualidade de diretor do Banco de Portugal, por causa da falência de João José Rodrigues Leitão, agente do mesmo banco na Ilha. 1879 (4 março). O príncipe Eugénio Napoleão passou pelo Funchal a caminho da África do Sul, para participar na guerra contra os zulus, onde foi morto. (22-28 novembro). Príncipes Albert Victor Christian Edward (1864-1892) e George Frederick Ernest Albert (1865-1936), filhos de Eduardo VII (1841-1910) de Inglaterra. (22 novembro 1879-abril 1880). Ricardo Fritze (1841-1900 ou 1903), botânico alemão. 1880. Spencer Wells, médico inglês, passou pela Ilha. Mary Jane Wilson (1840-1916) fixou residência na Madeira. (30 março). A Imperatriz Eugenia (1826-1920), viúva de Napoleão III, passou na Madeira, a bordo do vapor inglês German. (6-10 novembro). Príncipe Louis Alexander de Battenberg (1854-1921), almirante inglês. (8 dezembro). Hermann Wilhelm Leopold Louis de Wissmann ou Wiszmann (1853-1905), investigador alemão; retornou em 1883, 1885, 1887 e 1895. Wilhelm Georg Ritter (1850-1926), pintor alemão; regressou em 1908 e 1909. 1881 (setembro-outubro). Jaccoud, médico francês, especialista de doenças pulmonares, esteve na Madeira. (novembro). Paul G. Heims (1847-1906), escritor alemão. 1882. O Cap. Enrico Albertis (1846-1932) reuniu algas na ilha da Madeira, que foram estudadas por Piccone dois anos mais tarde. 1883. Passagem do Talisman, com uma expedição científica dirigida por Alphonse Milne Edwards (1835-1900), médico e zoólogo francês, encarregada de proceder a estudos oceanográficos no Atlântico. (8-15 setembro). Manuel de Arriaga (1840-1917), futuro Presidente da República de Portugal, visitou a Ilha; em 1884, voltou à Madeira, acompanhado de Consiglieri Pedroso, e esteve pela última vez nesta Ilha em 1885, como advogado de defesa num processo. (novembro). Guilherme Carlos Damião Eduardo Joest (1852-1897), explorador e etnólogo alemão. 1884. O príncipe Nicolau Frederico Augusto de Oldenburgo (1841-1886), Ten.-Gen. do exército russo, saiu da Ilha a 15 de agosto de 1885. (8 outubro). José Augusto Soares Ribeiro de Castro (1868-1929), político e advogado português, presidente do Conselho de Ministros entre 17 de maio e 29 de dezembro de 1915, esteve na Ilha até 2 junho de 1885. 1884-1885. René Masset (1855-1909), engenheiro civil suíço, responsável pela construção do molhe da Pontinha e do cais do Funchal. 1885. Dr. Carlos Lindman (1856-1928), botânico sueco que recolheu algas marinhas. (23 janeiro). Vasco de Azevedo Ramos, nascido em Tondela, cirurgião-dentista, chegou à Madeira a 2 de outubro. (9 julho). Henrique Óscar Lenz (1848-1925), austríaco. (12 setembro). Receção aos oficiais da marinha Hermenegildo Capelo (1841-1917) e Roberto Ivens (1850-1898), exploradores portugueses do continente africano. (16 outubro). Jerolim Benko de Boinik (1843-1904); voltou à Madeira de 29 de outubro a 5 de novembro de 1886. 1886 (12 janeiro-11 fevereiro). Waldemar Hartwig (1851-1901), ornitólogo alemão; retornou de 14 de março a 20 de abril de 1886. (20 abril). Valdemar Hartwig (1851-1901), professor e ornitólogo alemão. (1 dezembro). Chegada do príncipe Nicolau Maximiliano (1843-1891), duque de Leuchtenberg, ao Funchal, onde esteve até 20 de abril de 1887. 1887 (22 março-3 agosto). I. C. Thompson. Príncipe Gregório Wolkonsky (1870-1940); esteve na Ilha até junho de 1890. Luigi Manini (1848-1936), arquiteto e cenógrafo italiano, acompanhado por Eugénio do Nascimento Cotrim (1849-1937), pintor e cenógrafo português. (22 dezembro). Kurt Carlos Bruno de François (1853-1931), militar prussiano. 1888 (setembro-outubro). Eugénio Fernando Christmann (1863-1894), médico alemão. (14-31 dezembro). Alexandre Fernando Koenig (1858-1940), ornitólogo alemão. 1889. João Novak ou Nowack (1866-1918), que foi professor de pintura e desenho na Escola Industrial do Funchal. Fr. Christmann, médico alemão que passou na Madeira três invernos, realizando alguns estudos meteorológicos. 1890 (6-9 dezembro). Mariano Cirilo de Carvalho (1836-1905), político e escritor português. 1892 (20 fevereiro-30 abril). Lothar Roediger, zoólogo alemão. 1894. Richard Paget Murray (1842-1908), inglês, pastor anglicano e botânico. (março). Emílio Kraepelin (1856-1926) e Carlos Matias Frederico Magno Kraepelin (1848-1915), botânicos alemães. (agosto). Príncipe Henri Arnedée de Broglie (1849-1917). 1895 (8-23 abril). José Viana da Motta (1868-1948), pianista português; regressou de 29 de dezembro de 1838 a 4 de janeiro de 1839. (outubro). Paul Henry, oficial da marinha de guerra francesa, esteve na Madeira a bordo do navio Iphigénie, regressou em outubro de 1896 e junho de 1897, a bordo da Melpomène. 1896. Albert-Auguste Fauvel (1851-1909), naturalista francês. (fevereiro-março). Paulo Gerhard Teodoro Grosser (n. 1864), mineralogista alemão. 1897. Manuel de la Quadra, pintor espanhol, foi para o Funchal, onde faleceu a 3 de abril de 1903. Alfred Merle Norman, zoólogo inglês, que regressou em 1908. (12 setembro). Passagem da barca Bélgica, sob o comando do Cap.-Ten. Adrien Gerlache, que realizaria uma expedição científica nas regiões antárticas. (17-19 setembro). Leopoldo, o Rei da Bélgica (1835-1909), esteve no Funchal, visitando o Monte e a Eira do Serrado. 1898. Adolfo Loureiro, engenheiro, foi à Madeira estudar a adaptação do regímen hidráulico. (2 fevereiro 1898-24 abril 1899). António Nobre (1867-1900), poeta português. 1900 (18 março-21 agosto). Frederico Nicolau José Bornmüller (1862-1948), botânico alemão que herborizou na Madeira. (26 dezembro). Lord Roberts, general inglês, em serviço na África do Sul, que, de regresso a Londres, teve uma receção realizada pelas autoridades no Funchal. Os séculos XX e XXI Pelo facto de o Funchal ser um porto de escala das rotas europeias para a América e África, houve várias personalidades em passagem obrigatória, sendo quase sempre alvo do melhor acolhimento pelas autoridades do arquipélago, que improvisavam cais de desembarque e faustosas receções. Em alguns casos, a ocorrência resultou de condições difíceis para os próprios, sendo a Ilha um porto de escala de caminho para o exílio, como sucedeu com Napoleão Bonaparte (1815), o Imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo (1921), e Fulgêncio Baptista y Zaldivar, ex-presidente de Cuba (1959). Outros políticos desfilaram pelo porto e pelas ruas da cidade funchalense, como os generais Louis Botha (1909) e Jan Christian Smuts (1921), da União Sul-Africana. Um grupo significativo de doentes e visitantes situava-se entre a mais destacada aristocracia europeia e mesmo algumas casas reais, como foi o caso da Rainha Adelaide de Inglaterra (1847), da princesa Maria Amélia (1853), da Imperatriz Isabel da Áustria, mais conhecida por Sissi (1860-1861, 1893-1894), da Imperatriz Carlota do México (1859, 1864), de Alberto I, Rei da Bélgica (1909), do Imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo (1921), de Ferdinando I, Rei da Bulgária (1936), de Marash de Barodá, Soberano indiano (1932), e de Wilhem Prinz zu Wied, ex-Rei da Albânia (1932). Há ainda a considerar, neste grupo de viajantes, os escritores Bernard Shaw (1924), John dos Passos (1905, 1921, 1960) e muitos outros, que deixaram testemunho escrito da sua passagem pela Ilha. Mas, com o tempo, os motivos de interesse dos visitantes foram mudando e foi-se alterando o quadro dos visitantes. O séc. XX foi um momento de grandes transformações no mundo ocidental, marcado por diversos conflitos nacionais e mundiais cujo impacto foi evidente na mobilidade das populações insulares atlânticas. A primeira metade da centúria foi um dos momentos mais importantes e de grandes dificuldades para os insulares. Em 1919, a Madeira também recebeu uma leva de prisioneiros políticos resultantes das revoltas que assolavam o país. Houve nomeadamente 289 políticos monárquicos, que se haviam envolvido na revolta do Monsanto, que foram conduzidos ao Funchal no vapor África. Com o regime político originado da revolta de 28 de maio de 1926, surgiu o período da Ditadura Militar, marcado pela instabilidade governativa, que se manteve até à chegada ao poder de Salazar em abril de 1928, como ministro das Finanças. Em fevereiro de 1927, duas revoltas, uma no Porto e outra em Lisboa, tentaram mudar a situação política. O Gen. Sousa Dias, líder da revolta do Porto, foi preso e enviado com residência fixa para a Madeira, juntamente com outros revoltosos. O Gen. Sousa Dias foi chefe da Junta Militar assumindo o comando após a revolta de 4 de abril. Terminada a república da Madeira, foi demitido do exército a 12 de maio de 1931 e deportado para Cabo Verde, onde morreu a 27 de abril de 1934. Aquando da revolta de 1931, a Madeira acolheu mais de três centenas de políticos continentais que para aí foram deportados. O último grupo de deportados pela política chegou à Madeira a 26 de abril de 1974, a caminho do exílio no Brasil. A Junta de Salvação Nacional decidiu deportar para o Funchal o Presidente da República, o presidente do Conselho de Ministros e os ministros da Defesa e Interior. Durante o período da Segunda Guerra Mundial, Portugal serviu de refúgio para muitos dos gibraltinos que fugiam aos constantes bombardeamentos alemães; destes, cerca de 2000 permaneceram na Madeira, hospedados em hotéis e pensões que, na época, se encontravam vazios por força da falta de turismo provocada pela guerra. Até à Primeira Grande Guerra, a atividade dos cientistas europeus foi muito elevada, assinalando-se uma diversidade de expedições com escala no Funchal. De entre estes expedicionários, podemos relevar os Alemães (1910, 1937), os Americanos (1915, 1939), os Belgas (1911, 1922), os Dinamarqueses (1921), os Franceses (1903, 1908, 1911, 1913, 1923, 1933), os Ingleses (1901, 1902, 1910, 1914, 1921, 1922, 1929, 1934, 1937) e os Noruegueses (1910, 1914, 1922, 1930). A Nau Sem Rumo, uma associação de boémios da cidade do Funchal, herdeira das antigas esquadras de navegação terrestre, acolheu em receção, ou nos seus almoços, personalidades eminentes de visita ou de passagem pela Ilha. A sua ligação ao movimento do porto era permanente e a sua vocação marítima expressava-se pela total abertura aos que transitavam, atuando, em muitos momentos, como a principal expressão da hospitalidade dos madeirenses. De entre os inúmeros e ilustres convidados desta associação, destacaram-se, nos anos 40 e 50, os artistas que participavam nas quermesses dos clubes desportivos madeirenses. A visita de Amália Rodrigues foi a mais notada: em 23 de maio de 1948, a Nau Sem Rumo engalanou-se para receber a fadista, que ali cantou. Em 1952, foi a vez do cantor Francisco José. Max, o célebre artista madeirense, só ali esteve em 1955 e 1960. Em 1945, o Com. Sarmento Rodrigues, governador-geral de Angola, ficou cativado com a receção no clube, aonde voltaria passados 10 anos, como ministro do Ultramar. Quatro anos mais tarde, a Ilha foi guarida do deposto Presidente da República de Cuba, o Gen. Fulgêncio Baptista, homenageado na Nau Sem Rumo em 18 de dezembro de 1959. Os militares e as tripulações das embarcações que aportavam ao Funchal também eram chamados ao convívio com os tripulantes da Nau Sem Rumo; em 1945, destacou-se Fernando Moreira, comandante do Maria Cristina. A Nau Sem Rumo foi também um privilegiado interlocutor do intercâmbio de excursionistas entre a Madeira e as Canárias. Em 7 de abril de 1947, a Nau Sem Rumo homenageou o Gen. Garcia Escaner, capitão general do arquipélago canário, a que se seguiu, em 9 de junho de 1955, Joaquim Vileles Burgos, presidente da Sala de lo Civil de la Audiencia Territorial de las Palmas. Em 1950, fora a vez do grupo folclórico de Tenerife, que esteve presente nas festas das bodas de ouro do Club Nacional da Madeira, e em 1959, do presidente do Real Club Nautico de Gran Canaria. Também os cidadãos espanhóis da península, de passagem pelo Funchal, foram alvo da hospitalidade da Nau Sem Rumo, sendo de destacar o caso de Cristóbal Colon de Carvajal y Moroto, duque de Verágua, que, em 24 de abril de 1956, fora à Ilha em busca do rasto do seu ascendente Cristóvão Colombo. Mas a mobilidade na direção da Ilha não se resumiu a estes visitantes temporários, em viagem de negócios ou lazer. A partir de 1978, com o primeiro Governo regional, a Madeira passou a poder definir uma política de desenvolvimento regional que procuraria colmatar as assimetrias que entravavam uma evolução integrada do arquipélago. O regime autonómico propiciou a definição das políticas sectoriais que se materializaram em importantes obras públicas nas décadas seguintes. Apostou-se no sector dos transportes, com a ampliação do aeroporto, com a melhoria e construção da rede portuária de ambas as ilhas, bem como com a definição de uma rede viária capaz de aproximar os diversos núcleos populacionais. Nos anos 50, o Estado Novo completara o circuito de estradas à volta da Ilha, mas o esbater das distâncias foi uma conquista apenas dos anos 80, com a política de viadutos, túneis e vias rápidas na vertente sul e desta com o norte. A realização de todos estes empreendimentos só foi possível com o apoio financeiro da Comunidade Económica Europeia (CEE). A adesão de Portugal à CEE, em 1986, facilitou à Madeira o financiamento das obras necessárias e o superar das dificuldades, proporcionando um desenvolvimento integrado. À rede de estradas, pontes e túneis, juntou-se um conjunto de outras obras de carácter social e cultural, um conjunto de infraestruturas cuja construção demandou muita mão de obra, de que a Ilha não dispunha. Foi na sequência desta nova realidade que a Madeira se tornou num destino privilegiado de mão de obra para a construção. Primeiro, recrutou-se no continente, mas depois surgiu a oportunidade dos imigrantes africanos, brasileiros e dos países de leste. As diversas comunidades de imigrantes que, no princípio do séc. XXI, persistiam na Ilha foram herdeiras desta situação e da grande necessidade de pessoal para o sector de serviços, nomeadamente a hotelaria. Esta conjuntura desenvolvimentista permitiu também que o retorno de alguns emigrantes não criasse instabilidade no mercado de trabalho, mercê da sua rápida absorção. A Madeira continuou a ser um local acolhedor para muitos visitantes, que raras vezes saíam desiludidos com a arte de bem receber dos madeirenses. No entanto, muitos imigrantes acabaram por considerar escasso o território da Ilha, de forma que, acabadas as campanhas de obras públicas, partiram de volta ou para outros destinos. Visitantes e testemunhos 19??. C. Gagel, geólogo e paleontólogo alemão. 1901. Alberto I do Mónaco (1848-1922); retornou em 1904, 1911 e 1912. Louis Bernegau (1860-1923), farmacêutico e químico alemão. (27 março). Ernest Johannes Otto Hartert (1859-1933), ornitólogo alemão. (22-25 junho). Visita às ilhas adjacentes dos Reis de Portugal, D. Carlos I (1863-1908) e D. Maria Amélia de Orleães (1865-1951), que foram recebidos com entusiásticas manifestações públicas. (15-16 agosto). Passagem do vapor inglês Discovery em viagem de exploração para as regiões antárticas, sob a direção de Roberto Scott. (30 agosto). Passou à vista do Porto Santo, a bordo do vapor Gauss, a expedição antártica alemã dirigida por Erich von Drygalski. 1901-1902. Martin Vahl (1869-1946), botânico dinamarquês; retornou de 1920 a 1921, com passagem pelo Porto Santo. 1902. Passagem, em julho, do navio Morning, sob o comando do Cap. Colbeck para as regiões antárticas. (22 março-maio). Catarina Matilde de Pommer-Esche (n. 1852), baronesa alemã. 1903 (10 março). Joseph Chamberlain (1836-1914), empresário e político inglês, ministro para as Colónias da Grã-Bretanha entre 1895 e 1906. (25 junho). Júlio Augusto Henriques passou no Funchal no decurso da viagem científica à ilha de S. Tomé, com visita ao Monte e outros locais da cidade. (30 julho-18 agosto). Frederico Augusto Guilherme Curt Gagel (1865-1927), geólogo e paleontólogo da Prússia; regressou à Ilha de 3 a 20 de fevereiro de 1907. (10 setembro). Passagem do vapor Le Français, trazendo a bordo o navegador francês João Charcot, numa viagem para a exploração das regiões antárticas. (22 setembro-5 outubro) Bernardo Fránkel (1836-1911), médico que fazia parte da comitiva do príncipe Friedrich Karl von Hohenlohe-Waldemburgo-Schillingsfürst. 1904 (janeiro-26 março). Clara Fincke (n. 1859), escritora alemã. (11 março). Rainer Maria Rilke (1875-1926), poeta alemão. (18 março). Bernard Harvey Foster (1876-1937). (6 abril-maio 1904). João Guilherme Teodoro Becker (1840-1928), dipterólogo alemão. (10-12 abril). Segismundo Maurício Edenfeld (1870-1939), comerciante judeu. (25 novembro 1904-18 janeiro 1905). Ana Maria Sabina Alexandrina de Werner (1847-1916), condessa de Hacke. (12 dezembro 1904-9 setembro 1905). João Paulo Richter (n. 1867) estudou o clima e sistema de irrigação. 1905. O P.e Luiz Alves Martins, natural de Mação, foi para a Madeira como capelão do Regimento de Infantaria n.º 27. (22 março-30 março) João Stenzel, alemão. (outubro). António Batalha Reis esteve na Madeira e fez uma conferência sobre enologia na Associação Comercial, em 11 de outubro. (27 dezembro). Príncipes Arthur (1850-1942) e Luísa Margarida da Prússia (1860-1917), duques de Connaught. 1906. Lucinda do Carmo (1861-1922), atriz portuguesa. Gustavo Manz (1868-1931), alemão, escritor. 1907. O duque dos Abruzos esteve na Madeira como comandante do cruzador Etna; referiu várias vezes a Madeira em escritos que publicou. (março-28 maio). Ernest Vollbehr (1876-1960), pintor austríaco; regressou em abril de 1914. (9 abril). O Gen. Louis Botha (1862-1919) passou pela Ilha, com destino a Londres, para participar no Congresso Sul-Africano; retornou em 13 de julho de 1909. (8 novembro 1907-12 abril 1908). Manfried August Fritz (1864-1946), médico alemão. (19 dezembro). Rui Barbosa (1849-1923), político e jornalista brasileiro. 1908 (30 janeiro-11 fevereiro). Maurício Leo Daniel de Komorowicz (n. 1881), compositor, escritor e geólogo alemão. (12 setembro). Jean Charcot, que comandava a expedição que explorou as regiões antárticas a bordo do Pourquoi pas? 1909 (25 agosto). Anatole France, escritor francês, membro da Academia Francesa, esteve no Funchal a caminho da Argentina; em Itinerário de Paris a Buenos Aires (1927), fez referências a esta passagem. Leonora Armitage (1865-1961), botânica inglesa, fez uma coleção de musgos, que foi estudada por H. N. Dixon, e escreveu vários artigos. (30 abril). Príncipe Albert Leopold Clement Maria Meinard da Bélgica (1875-1934), futuro Rei Alberto I da Bélgica. (28 julho-6 agosto) Princesa Isabel, condessa de Rethy (1876-1965), futura Rainha Isabel da Bélgica, esteve na Madeira alojada no Monte Palace Hotel. (25 agosto). Jacques Anatole Thibault, Anatole France (1844-1924), escritor francês. 1910. Carlos França, médico militar bacteriologista, enviado pelo Governo à Madeira por ocasião da epidemia colérica. Eugène Ackermann, francês. (23-26 junho). Passagem do navio Terra Nova, com uma expedição para explorar as regiões antárticas, sob a direção de Roberto Scott. (6-10 setembro). Passagem do navio norueguês Fram, que se dirigia para as regiões antárticas, a fim de receber diversos artigos trazidos pelo vapor alemão Hans Hoermann. A bordo seguia Roald Engelbregt Gravning Arnundsen (1872-1928), explorador do Antártico e o primeiro homem a atingir o polo sul, a 14 de dezembro de 1911. 1911. Campanha científica realizada pelo príncipe Alberto de Mónaco, a bordo da Hirondelle II; seguiram-se outras passagens em 1901, 1904, 1912. (junho) Léon Garreta (1887-1914), naturalista francês, fez uma exploração científica nas Selvagens. R. Kirkpatrick, naturalista do Museu Britânico, visitou a Madeira e o Porto Santo. (11-12 agosto). L. Gain, de passagem pelo Funchal, recolheu algas nas praias e rochas marítimas da Madeira e da Deserta Grande. 1912 (março-maio). Karl Hermann Winter (1845-1933), briologista alemão. Harriet Chalmes Adams (1875-1937), fotógrafa e exploradora norte-americana; retornou em 1834. 1913. Francisco de Meneses Meireles do Canto e Castro (1850-1915), visconde de Meireles, diplomata e crítico literário português. 1914. Damião Peres, professor e reitor do liceu do Funchal. Afonso Lopes Vieira (1878-1946), poeta português; regressou à Ilha em 1928 e em 29 de maio de 1932. (24 abril). Príncipe Alberto Guilherme Henrique da Prússia (1862-1929) e princesa Irene Luísa Maria Ana de Hesse e do Reno (1866-1953), príncipes imperiais da Alemanha. (27-28 junho). Passagem da chalupa Armaner-Hansen, em que o norueguês F. Nansen fez sondagens e diversos estudos oceanográficos ao longo do oceano Atlântico. (21-25 agosto). Paragem do navio explorador inglês Endurance, com destino ao polo sul, sob o comando do Cap. Worsley. 1916 (6 novembro). A pedido do cônsul da América do Norte no Funchal, chegada, no Lake Forest, do representante da Cruz Vermelha Americana, Harrison Dible, portador de 1645 sacos de batata, 1047 de feijão, 3000 de farinha de milho e 10.628 de milho em grão, com grandes manifestações populares e oficiais de homenagem àqueles beneméritos. 1918 (8 maio). Desembarcaram 289 prisioneiros políticos envolvidos na revolução monárquica de Monsanto, sendo internados no Lazareto de Gonçalo Aires, entre os quais o antigo ministro João de Azevedo Coutinho, o Cor. João de Almeida (herói dos Dembos), o conde de Sucena, o conde de Arrochela e o visconde de Siqueira. 1919. Salema Vaz, poeta e deportado político, internado nas casas do Lazareto de Gonçalo Aires. Publicou em Lisboa Pão do Exílio (1921), livro de poemas em que retrata o seu processo de deportação. 1920 (6 abril). Paragem do iate dinamarquês Dana para embarcar Johannes Schmidt, conhecido pelos seus estudos biológicos e ictiológicos, que chegara no dia anterior à Madeira, no Almanzora. (31 outubro). 1920-1921. O Prof. Cockerell recolheu mais de 30 espécies de coccídeos na Madeira. 1921 (22 março-6 abril). Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959) e Artur de Sacadura Freire Cabral (1881-1924), aviadores portugueses que realizaram a primeira travessia aérea entre Lisboa e Funchal; retornaram em 21 e 23 de outubro de 1922. (3 abril). O Gen. Norton de Matos, alto-comissário da república em Angola, esteve de passagem no Funchal a bordo do Moçambique, com receções no Palácio de S. Lourenço e visitas privadas ao Monte. (7 junho). Gen. Jan Christaan Smuts (1870-1950), que foi primeiro-ministro da África do Sul em 1919-1924 e 1939-1948. (16-19 outubro). Passagem dos iates Dans e Quest, conduzindo a expedição inglesa dirigida por Ernest Shackleton (1874-1922) para o Antártico. (17-18 outubro). Alberto Pierre Sarraut (1872-1962), ministro das Colónias da República Francesa, a bordo do cruzador Gueydon, para prestar homenagem aos marinheiros franceses mortos a bordo do navio Surprise, afundado no porto do Funchal por um submarino alemão a 3 de dezembro de 1916; foi primeiro-ministro de França nos anos de 1933 e 1936. (19 novembro). Desembarque dos Imperadores da Áustria, Carlos de Habsburgo (1887-1922) e Zita de Bourbon e Parma (1892-1989), a bordo do cruzador inglês Cardíff; o Imperador morreu a 1 de abril do ano seguinte e a família imperial saiu da Ilha a 19 de maio de 1922. (26-28 novembro). Gen. Carlos Maria Manuel Mangin (1866-1925), militar francês. 1922. Barão Charles Rothschild, banqueiro e entomologista inglês, visitou as Selvagens, tendo feito um estudo sobre a cagarra (6-17 março). Guido Paoli, inspetor das doenças das plantas e diretor do Observatório Regional de Fitopatologia da Ligúri. (17-22 abril). Arquiduque Maximiliano Eugen de Habsburgo (1895-1952), irmão do Imperador Carlos I da Áustria. (7-22 abril). A infanta D. Maria Antónia (1862-1959), filha de D. Miguel I e viúva do príncipe Roberto de Bourbon, duque de Parma, visitou sua filha, a ex-Imperatriz Zita, fazendo-se acompanhar dos filhos, os príncipes Xisto, Xavier, Renato e Isabel, tendo os três primeiros saído para Lisboa a 12 de abril. (6 junho). Paragem do navio norueguês Harmaner Hansen, que conduzia uma expedição científica de estudos oceanográficos, organizada pela Universidade de Bergen. (9 outubro). De regresso da sua viagem ao Brasil, passou no Funchal o Presidente da República António José de Almeida (1866-1929). (28 dezembro). Visita de uma comitiva de tenerifenhos, entre os quais o alcaide Andrés Orosco; retribuíam uma visita de madeirenses, ocorrida em maio do mesmo ano. 1923 (17 maio). Passagem do vapor francês La Tanche, onde viajava o cientista Gerard Belloc, do museu Lafaille, na Rochela. 1924 (8 janeiro). O príncipe Alexandre de Teck (1874-1957), acompanhado da princesa Alice, fez escala no Funchal, a bordo do vapor inglês Windsor Castle, com destino ao Cabo da Boa Esperança; foi governador da África do Sul (1924-1930) e do Canadá (1940-1946). (fevereiro-1 maio). Passagem do zoólogo inglês James Hornell, antigo diretor do serviço das pescarias de Madrasta, na Índia, que fez vários estudos etnográficos. (abril). D. Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), 14.º cardeal patriarca de Lisboa; retornou em 17 de julho de 1944, a 29 de setembro de 1944 e a 10 de abril de 1960. (24 junho). Príncipe Moharnmed Ali Tewfik (1875-1955). (13-24 agosto). Raul Brandão (1867-1930), escritor com diário da viagem publicado em Ilhas Desconhecidas. (25 agosto-2 setembro). Guglielmo Marconi (1874-1937), físico e vencedor do Prémio Nobel da Física. (23 dezembro 1924-16 janeiro 1925). Frederic Edwin Smith (1872-1930), Lord Birkenhead, advogado e político inglês que foi Lord Chanceler do reino. (30 dezembro 1924-12 fevereiro 1925). George Bernard Shaw (1856-1950), escritor irlandês e vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1925; retornou a 9 de dezembro 1932, com a esposa, a bordo do Empress of Britain. 1925 (fevereiro). Sir Joseph Austen Chamberlain (1863-1937), antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha e veencedor do prémio Nobel da Paz em 1925. (12-13 abril). David LLoyd George (1863-1945), primeiro-ministro da Grã-Bretanha. (13-18 abril). António de Oliveira Salazar (1889-1970), que seria ministro das Finanças e presidente do Conselho de Ministros de Portugal. 1926 (4 agosto). Dmitri Lukhmanov (1867-1946), oficial da marinha mercante soviética, professor e escritor. Príncipe Axel da Dinamarca (1888-1964). 1927 (25 junho). José Manuel Sarmento de Beires (1893-1974), aviador português. (23 outubro). Ruth Elder (1902-1977), atriz e aviadora americana. 1928 (7 janeiro). Fernando I (1861-1948), Rei da Bulgária. (20 dezembro). Príncipe Henry, duque de Gloucester (1900-1974). 1929 (4 janeiro). O Rei Fernando da Bulgária desembarca no Funchal, acompanhado da sobrinha, a princesa de Hohenlohe, seguindo viagem para o Brasil. 1930 (7 janeiro). Príncipe Eduardo de Gales (1894-1972), futuro Rei Eduardo VIII de Inglaterra, depois duque de Windsor. (21 janeiro). Sir Robert Stephenson Smyth Baden-Powell (1857-1941), fundador do Movimento Escutista; retornou em 9 de julho de 1931. (13-17 maio). Sir Francis Oswald Lindley (1872-1950), embaixador de Inglaterra em Lisboa. (24 julho). Júlio Prestes de Albuquerque (1882-1946), Presidente da República do Brasil. (22 dezembro). Desembarcou no Funchal o Mar. Pilsudsky, libertador da Polónia, que se demorou até março de 1931, residindo na Qt. Bethencourts. 1931 (27 fevereiro). Príncipe de Reuss, Henrique XXXIX (1895-1946), e esposa. (15 junho). Iveta Ribeiro (n. 1886), poetisa, cronista, pintora, dramaturga e radialista brasileira; regressou a 14 de setembro de 1931. (25 julho). Friedrich Christiansen (1879-1972), aviador alemão, ministro da Aviação da Alemanha entre 1933 e 1937. (28 setembro-1 outubro). Príncipe Georg da Baviera (1880-1943), padre católico, prior da Ordem de São Jorge. (5 novembro). Joseph Jules Brévié (1880-1964), governador-geral da África Ocidental Francesa; retornou a 29 de novembro de 1933. (30 dezembro). Italo Balbo (1896-1940), aviador italiano e ministro da Aviação durante o regime de Mussolini. 1932 (11 janeiro-13 fevereiro). José Maria Ferreira de Castro (1898-1974), escritor português, ficou hospedado no Savoy Hotel; retornou à Ilha entre 13 e 15 de agosto de 1933, a 23 de setembro de 1939, a 7 de novembro de 1959, e entre 11 a 15 de fevereiro de 1967; escreveu o romance Eternidade, com uma ação que decorre na Madeira. (27 janeiro). John Rushworth Jellicoe (1959-1935), almirante inglês, com a mulher e a filha. (10-17 março). Hugh Richard Arthur Grosvenor (1879-1953), 2.º duque de Westminster, com a esposa, Loelia Mary Ponsonby (1902-1993). (15 março). Amy Johnson Mollison (1903-1941), aviadora britânica, que participou na primeira travessia aérea Londres-Melbourne; retornou de 2 a 19 de março de 1933. (25 abril). Armindo Rodrigues de Sttau Monteiro (1896-1955), ministro das Colónias Portuguesas entre 1929 e 1943. (17 maio). Príncipe Wilhem Prinz zu Wied (1876-1945), Rei da Albânia. (14 julho). Gaby Morlay (1893-1964), atriz francesa. (14 dezembro). Artur da Silva Bernardes (1875-1955), Presidente da República do Brasil entre 1922 e 1926; passou pela Madeira a caminho do exílio em Lisboa. (26 dezembro 1932-5 janeiro 1933). João Ameal (João Francisco de Barbosa Azevedo de Sande Aires de Campos, 1902-1982), escritor, historiador e jornalista português. 1933 (10-19 janeiro). Frederick Winston Furneaüx Smith (1907-1975), 2.° conde de Birkenhead, historiador inglês. (19 março). James Mollison (1905-1959), aviador, casado com Amy Johnson Mollison. (8-9 junho). André Eugene Maurice Charlot (1882-1956), empresário teatral francês. (20 julho-28 agosto). Alexander Lawton Mackall (1888-1968), escritor e jornalista norte-americano; esteve na Ilha em 20 julho e 28 agosto de 1933 (entre estas duas datas foi aos Açores). (4 agosto). Per Albin Hansson (1885-1946), primeiro-ministro da Suécia por duas vezes, entre 1932 e 1946. (13-15 agosto). Guilherme Ivens Ferraz (1865 -1956), almirante da Armada Portuguesa. (16 agosto). José Bonifácio de Andrade e Silva (1871-1954), embaixador do Brasil em Portugal entre 1931 e 1933. (25 dezembro 1933-1934). Alberto de Sousa (1880-1961), pintor português. 1934 (10-12 janeiro). Mervyn Leroy (1900-1987), realizador e produtor norte-americano. (23 janeiro). Príncipe George, duque de Kent (1902-1942); retornou a 19 de abril de 1934. (1-8 março). Sir Claud Russell (1871-1959), embaixador britânico em Portugal entre 1931 e 1935. (11 março). Princesa Helena Victória (1870-1948). (10-19 março). Beatriz Costa (1907-1996), atriz portuguesa. (4 abril). Albert Le Bail (1898-1952), politico francês. (abril). Deonilde Gouveia (1900-1947), fadista portuguesa. (20-21 abril). Eugeniusz Kwiatkowski (1888-1974), político polaco, ministro da Polónia entre 1926 e 1930 e entre 1935 e 1939. 1935. Alphonse Luisier (1872-1957), briólogo; retornou em 1956. (23-25 novembro). Jean Murat (1888-1968), ator francês. Maria Lamas (1893-1983), escritora e jornalista portuguesa; retornou em 1935, 1954, 1960, 1961, 1971. 1938 (13 julho). Visita a Madeira, de passagem para Angola, o Gen. Óscar Carmona, chefe de Estado português. Marcello Caetano (1906-1980), presidente do Conselho de Ministros; retornou em 16 de outubro, a 6 de dezembro e de 26 de abril a 25 de maio de 1974. 1941 (4 abril). Amha Wossen Taffari (1916-1997), filho do Imperador da Etiópia Haile Selassie I (1892-1975) e do futuro Amha Selassie I da Etiópia. 1944 (18 julho). Passou pela Madeira o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, como delegado pontifício para a inauguração solene da Catedral de Lourenço Marques. 1946 (9 janeiro). Sérgio Soares de Varella Cid (1935-1981), pianista. 1948 (7 abril). A caminho do arquipélago de Cabo Verde e da província da Guiné, em peregrinação ao Ultramar português, desembarcou no Funchal a imagem de N.ª Sr.ª de Fátima. 1949 (25 março). Desceu na baía do Funchal o hidroavião Hampshir, quadrimotor inglês que realizou o voo de estudo para o estabelecimento duma carreira aérea entre a Madeira, Lisboa e Southampton. 1950 (1-12 janeiro). Winston Churchill, chefe do Partido Conservador da Inglaterra, com Lady Clementine Hozier Spencer-Churchill (1885-1977); regressou a 26 de setembro de 1970. (15-24 maio). Amália Rodrigues (1920-1999), fadista e atriz; retornou a 9 e 25 de maio de 1954, a 22 de setembro de 1959, a 19 de abril de 1964, e entre 2 a 5 de setembro de 1965. (12-15 julho). D. Juan de Bourbon, conde de Barcelona (1913-1993); retornou entre 22 a 26 de março de 1958, e entre 15 a 20 de agosto de 1966. Conde Francis David Charteris (1912-2008) e condessa Mavis Lynette Gordon Murray (m. 1988) de Wemyss; retornaram em abril de 1982, em abril e novembro de 1983, em abril de 1986, e em maio de 1988. 1952 (10 maio). Cantor Francisco José. 1954 (1 dezembro). Núncio apostólico, D. Fernando Cento, para assistir ao encerramento do Ano Mariano e inaugurar a nova paróquia do Coração Imaculado de Maria. 1955 (31 maio-2 junho). Presidente da República Portuguesa, Gen. Francisco Higino Craveiro Lopes, percorrendo todos os concelhos do distrito. 1956 (fevereiro). A artista Margarida Amaral; regressou em julho de 1961. 1958 (16 março). Visita particular da primeira dama de Espanha, Carmen Franco, esposa do generalíssimo Franco, à Madeira, acompanhada da filha, do genro, dos marqueses de Villaverde, do ministro dos Assuntos Exteriores de Espanha, e de José Nosolini Leão, embaixador de Portugal em Madrid e antigo governador civil do Funchal. (abril). Artista Maria Clara. (dezembro). Artistas Gina Maria e Luís Piçarra. 1959 (4 junho). Artista Beatriz Costa. 1960 (9 julho). Artista Paula Ribas; regressou em 28 de dezembro de 1971. (11 julho). John dos Passos, escritor norte-americano, visitou a Madeira para conhecer a terra do seu avô, um sapateiro que emigrara para os Estados Unidos da América. (11 dezembro). Artista Maria Pereira; regressou a 29 de setembro de 1961 e em dezembro de 1967. (21 dezembro). Artista Madalena Iglésias. 1961 (23 agosto). Artista Simone de Oliveira; regressou a 6 de Junho de 1969. (julho). Artista Maria de Fátima Bravo 1962 (junho). Artistas Helena Tavares e Anita Guerreiro. (27 julho). Primeira visita oficial do chefe de Estado, Alm. Américo Tomás, à Madeira; regressou em outubro de 1963, de passagem para África; em 1964, para a inauguração do porto do Funchal; em 1968, de regresso da Guiné e de Cabo Verde; em 1969, de regresso dos Açores; em 1970, a caminho de S. Tomé e Príncipe; em 1972, para a inauguração dos hotéis Sheraton e Holiday Inn, e do bairro do Grémio dos Bordados; em 1973, para a inauguração do novo hospital do Funchal e da aerogare do aeroporto. (13 novembro). Artista Michael Craig. 1964 (30 junho). Artista António Prieto. (17 setembro). Artista Marisol. 1967 (9 abril). Imperatriz Zita da Áustria, acompanhada da princesa Elisabeth Linchtenstein. (junho). Artista Dalida. (28 dezembro). Artista Mafalda Sofia. 1969 (15 fevereiro). Artista Duperet. (6 junho). Artistas Maria Dilar e Alice Amaro. (10 julho). Artistas Dora Leal e José Viana. (6 dezembro). Visita particular de Marcello Caetano. 1971 (6 fevereiro). Imperatriz Zita e arquiduque Otto de Habsburgo. (14 agosto). Visita particular de Marcello Caetano ao Porto Santo. 1972 (7 outubro). Visita particular de Ian Smith, primeiro-ministro da Rodésia. 1973 (junho). Artista Robert Wood. (julho). Artista Ernma Cohen. 1974 (11 janeiro). Cardeal patriarca de Lisboa e arcebispo de Mitilene. (26 abril). Foram deportados para o Funchal o ex-Presidente da República, Américo Thomaz, o ex-presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano, e os ex-ministros da Defesa e do Interior, Joaquim da Silva Cunha e César Moreira Baptista; estiveram no Funchal até 20 de maio, altura em que partiram para o exílio no Brasil. 1976 (19 fevereiro). Primeiro-ministro, Pinheiro de Azevedo. (23 outubro). Visita do Presidente da República, Gen. Ramalho Eanes. 1982 (28 maio). Chegada ao Funchal de D. Teodoro Faria, o novo bispo. 1985 (16 outubro). Príncipe Alberto do Mónaco. 1986 (23 maio). Cavaco Silva. (27 junho). Presidente da República, Mário Soares. (2 outubro). Rei Karl Gustav e Rainha Silvia Sommerlath. 1988 (28 maio e 30 dezembro). Cavaco Silva. (29 junho). Mário Soares. 1989 (12 janeiro). Cardeal patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro. (19 maio). Cavaco Silva. 1991 (12 maio). Papa João Paulo II. 2009-2010 (12 outubro-13 maio). Visita da imagem peregrina de N.ª Sr.ª de Fátima. 2016 (13 fevereiro). Visita da imagem peregrina de N.ª Sr.ª de Fátima.   Alberto Vieira (atualizado a 08.12.2017)

História Económica e Social Madeira Global

sumagre

O sumagre, Rhus coriaria L., é um arbusto da família das Anacardiáceas, plantas que são valorizadas pela riqueza de resinas e taninos. É também conhecido como sumagre comum, sendo a variedade siciliana a mais divulgada. A sua importância comercial resulta da sua utilização no curtume de peles, devido ao valor elevado de taninos que contém, tendo também sido usado na alimentação, em substituição do limão e do vinagre em saladas, e na medicina popular. Em Portugal, a sua utilização foi mais frequente na curtimenta e no tingimento. No caso da curtimenta, poderia ser substituído pela casca de carvalho, de acácia, de albata, de azinho e, ainda, pelo entrecasco de sobro, mas com valores inferiores de taninos, uma vez que o sumagre chega aos 30 %, enquanto nas demais cascas o valor é inferior a 19%. Na Madeira, é de assinalar também a utilização das cascas de faia, vinhático, aderno e carvalho. No entanto, em 1850, o governador civil, José Silvestre Ribeiro, proíbe a sua utilização, uma vez que havia disponibilidade de sumagre para tal função. Em Câmara de Lobos, temos notícia da sua utilização na pintura dos barcos, dando uma cor castanha, quase preta. Por outro lado, em infusão com o pastel, uma planta tintureira, origina as cores amarelo, ruivo e dourado. O sumagre é uma planta da região mediterrânea que mereceu uma valorização económica desde tempos muito antigos. Está documentado o uso das suas sementes na culinária, em países como o Líbano, a Síria, a Turquia ou o Irão. Em Portugal, cultivou-se na Terra Quente e vale do Douro, em Trás-os-Montes e Alto Douro, na Beira Interior, no Alentejo, no Algarve e nas ilhas da Madeira e dos Açores. A atestar a sua presença na Madeira, existe o sítio do Sumagre no Arco da Calheta e em S. Vicente, sendo ainda possível encontrar a planta no Caniço, no Cabo Girão e na zona do Pináculo. Para além disso, há algumas referências à sua existência nas ilhas Selvagens. Na Madeira, as folhas do sumagre, depois de secas, eram trituradas em atafonas de mó de pedra, sendo comercializadas em pó. Data da segunda metade do século XVI a informação mais significativa que temos sobre o sumagre: “Há nesta ilha da Madeira muito sumagre, que serve para curtir couro, principalmente o cordovão, porque o faz muito brando e alvo. E este sumagre se planta em covas pequenas, como quem planta rosas e vinhas; tem a haste como feito, e a rama semelhante ao mesmo feito; dá-se em terras altas e frescas; colhe-se cada ano cortando-se rente com a terra, para não secar a soca dele, e poder tornar a arrebentar, por ser planta que dura muitos anos na terra: é novidade de muito proveito, porque multiplica tanto que se enchem dele os campos, como roseiras, e lavra a raiz por baixo da terra, e o que se dá na ilha é muito fino: e apanhada a rama, que é o dito sumagre, se deita ao Sol, e seca se mói em engenho de água, assim como se mói o pastel nesta ilha, e se faz em pó, e moído o carregam para diversas partes em sacas e pipas” (FRUTUOSO, 1979, 139-140). Nas posturas da câmara do Funchal do séc. XVI, um título é dedicado à regulamentação da cultura e transformação do sumagre, com pena pesada de 10 cruzados aos infratores: “toda a pessoa que tiver sumagral lhe não colhera mais de uma novidade em cada um ano no tempo que se costuma recolher e não colhera do dito sumagral outra novidade no dito ano, posto que o dito sumagre seja viçoso e se possa tirar, porquanto essa segunda novidade se chama redolho e é falso e dana todo o couro que se com ele curte. [...] o dito sumagre é mercadoria importante da terra e deve ser negociada verdadeiramente” (SILVA, 1995, 279). Ainda noutra postura se estabelecem regras sobre a sua laboração e comércio: “nenhum moedor de sumagre nem senhorio de engenho poderão comprar sumagre a nenhum lavrador para (o moer) e vender a nenhum mercador nem pessoa outra alguma, salvo se tiver de sua lavra e colheita por ser muito em prejuízo do Povo e do dito sumagre que é mercadoria importante à terra e deve ser negociada verdadeiramente” (Id., Ibid.). A Madeira exportou, por intermédio das alfândegas do Funchal e Santa Cruz, vários produtos em que se incluía o sumagre. Este era um dos mais importantes produtos fornecidos pelo mercado madeirense com saída fácil nas Canárias, tendo contribuído para o desenvolvimento da indústria de curtumes em Gran Canaria. Uma primeira remessa de que temos conhecimento foi solicitada em 1569. A partir de 1570, o movimento deste produto assume alguma dimensão nas transações dos dois arquipélagos. Em 1571, Anton Solis e Juan de Cabrejas, vizinhos de Gran Canaria, criaram uma companhia para comerciar o sumagre da Madeira. Muitas outras companhias foram criadas com a mesma finalidade, o que atesta a importância do produto no comércio com a ilha espanhola. Em 1597, sabemos da saída de uma embarcação com sumagre e couros para Tavira. Em 1656, nas listas dos produtos saídos da alfândega do Funchal que eram taxados, figura o sumagre, sujeito a meio tostão por arroba. Depois disso, em 1727, há referência à saída do mesmo para Lisboa, para ser utilizado na tinturaria. Já em 1865, Eduardo Grande informava que este recurso estava em decadência e parecia haver perdido valor na exportação. Os curtumes, ligando-se ao fabrico do calçado e de outras peças, eram muito importantes na vida da população da Madeira. O curtimento das peles foi uma atividade muito importante na ilha, utilizando-se, para o efeito, peles locais ou importadas de Cabo Verde e do Brasil. Esta atividade nunca foi deficitária em matéria-prima, havendo o suficiente para o consumo interno e exportação. A indústria existiu desde os primórdios da ocupação da ilha, estando documentado um pouco por todo o seu território, sendo, no entanto, de salientar a sua importância na Ribeira Brava, Ponta de Sol e Câmara de Lobos. Nesta última localidade, persistiu até ao séc. XX. A indústria de curtumes tinha como objetivo fundamental prover as necessidades da ilha, mas também exportava, nomeadamente para o continente português. Desta forma, uma postura do séc. XVI determinava que nenhuma pessoa tiraria courama ou calçado para fora da Ilha sem licença da câmara. O município de Machico apostou, em 1780, na reanimação desta indústria e, na segunda metade do séc. XIX, o incremento da pecuária contribuiu para o reforço da atividade. Em 1863, temos notícia de 61 oficinas, em que trabalhavam 532 surradores e curtidores. Aqui é evidente uma acentuada concentração na Calheta e Ponta de Sol, que surgem, respetivamente, com 17 e 19 oficinas. Em 1908, mantinham-se as 61 oficinas de curtir couros, passando para 38 em 1910, o que demonstra a redução de tal matéria-prima. O curtimento dos couros fazia-se, por norma, no seio das ribeiras, usando-se, para o efeito, o sumagre, mas também a casca de aderno e faia. Nas ribeiras da Tabua e Serra de Água, surgem algumas construções consideradas popularmente como mouriscas, que parecem ter a ver com esta atividade, apresentando algumas similitudes com o que ainda hoje se encontra em Marrocos. As intervenções do município contra a poluição das ribeiras, nomeadamente do Funchal, eram constantes, pois os pelames e alcaçarias poluíam as águas. No séc. XVII, foram dadas pela câmara seis cartas de surradores no Funchal. Para evitar a situação de poluição das águas das ribeiras, estes foram obrigados a exercer a sua atividade na foz das ribeiras.   Alberto Vieira (atualizado a 09.12.2017)

História Económica e Social

freguesias

A freguesia é o núcleo administrativo mais reduzido, tendo resultado das mudanças institucionais que ocorreram a partir do séc. XIX. De facto, após as alterações do quadro administrativo, a partir do séc. XIX, a paróquia, até então com a designação de freguesia, perdeu importância, ficando como mera referência da estrutura eclesiástica. Não obstante a designação de freguesia ser de origem eclesiástica, o certo é que é mais conhecida como estrutura administrativa da sociedade civil. A mudança começou em 1830, com a criação das juntas de paróquia. A freguesia, tal como é conhecida nos inícios do séc. XXI, surge apenas em 1916, depois de se ter consolidado a designação de paróquia para a estrutura religiosa. Assim, teremos os municípios e as freguesias, enquanto ao nível da estrutura eclesiástica teremos as paróquias. No arquipélago da Madeira, as sedes das capitanias, em data que desconhecemos, tiveram o primeiro vigário. Depois disso, o progresso e a consequente pressão do movimento demográfico conduziram ao aparecimento de novas igrejas e paróquias. O reconhecimento do arquipélago da Madeira acontece a partir de 1419, mas só em 1433 o Rei D. Duarte concede ao infante D. Henrique as ilhas da Madeira, do Porto Santo e Deserta, pelo que somente a partir de então ele vê legitimado o direito de posse e comando das tarefas de ocupação e governo do novo espaço insular. Em 1420, o Monarca ordenou o envio de uma expedição comandada por João Gonçalves Zarco. Em maio do ano seguinte, João Gonçalves Zarco regressou à Ilha com três navios e a disposição de proceder ao seu povoamento. Depois, houve um novo reconhecimento da costa, com o assentamento de colonos. Estes atos eram precedidos pela construção de uma igreja ou ermida; sendo o templo religioso o ponto de divergência do processo de povoamento, foi em torno dele que surgiram as primeiras habitações de madeira para dar abrigo aos colonos. Em Câmara de Lobos edificou-se a igreja do Espírito Santo, na Quinta Grande a de Vera Cruz, nos Canhas a de Santiago, na Estrela (Calheta) a de N.ª S.ra da Estrela. Antes de se chegar à organização das freguesias como jurisdição civil, passou muito tempo. Assim, no princípio do povoamento, a freguesia era uma circunscrição eclesiástica definida, não pela autoridade eclesiástica da Diocese, mas pela Coroa, a quem assistia o direito de padroado. De acordo com a doação régia de 26 de setembro 1433, o infante, como mestre da Ordem de Cristo, recebeu a capacidade de intervenção na espiritualidade do novo espaço. O vigário de Tomar (sede da Ordem) era quem, em nome do infante, estabelecia a estrutura religiosa, provendo os seus ministros. Apenas a arrecadação dos dízimos eclesiásticos permanecia a cargo do almoxarife do infante. Para cada capitania foi nomeado um vigário, que dependia diretamente do de Tomar, tendo como função administrar a espiritualidade na sua jurisdição. Destes conhecem-se os nomes dos de Machico e do Funchal, respetivamente Fr. João Garcia e João Gonçalves. O próprio infante se preocupou com a administração religiosa do arquipélago, ordenando a construção de igrejas e capelas, conforme se deduz do seu testamento de 1460. A estas seguiram-se outras, por iniciativa dos capitães e dos colonos mais abastados. A situação de carência quanto à atividade pastoral terá perdurado mesmo depois do governo do infante D. Henrique, uma vez que, em 1461, uma das exigências dos habitantes do Funchal era o aumento do clero, de modo a que fosse assegurado o serviço religioso aos moradores de Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Arco da Calheta. É aqui que começa a desenhar-se a estrutura administrativa-eclesiástica de divisão do arquipélago, que depois se vai aperfeiçoar e alargar com o crescimento da população, o que motivará o aparecimento de novos núcleos de povoamento, em muitos casos na origem de novas paróquias. O quadro da estrutura administrativa estabelecida desde o início do povoamento admitia apenas a divisão do território do arquipélago em três capitanias – Funchal, Machico e Porto Santo – e, dentro destas, a divisão em freguesias (nos começos do séc. XXI, entendidas como paróquias). Deste modo, a primeira subdivisão das capitanias acontece no plano religioso, i.e., com as paróquias (então denominadas de freguesias). Assim, não se entende por que razão certa tradição afirma a criação de novas freguesias antes desta altura. Aliás, a data de criação que é atribuída a muitas destas paróquias por Fernando Augusto da Silva (1929) não corresponde sempre à verdade, uma vez que o autor se baseou, em muitos casos, nas indicações disponíveis no tombo da Provedoria da Fazenda e não no alvará de criação. Quanto aos diversos templos religiosos, erguidos pelos povoadores em toda a Ilha, neste período, não existe consenso entre os diversos historiadores, nem dados que abonem, com segurança, a data exata de construção. É de salientar que a tradição veiculada por Álvaro Rodrigues de Azevedo e por Fernando Augusto da Silva apresenta algumas paróquias como criadas nas décs. de 1430, 1440 e 1450. Não sabemos em que se fundamenta tal ideia, uma vez que, em 1461, nas reclamações dos moradores do Funchal, a que já se aludiu, se refere a existência de um só capelão que dizia missa no Funchal. Perante estas reclamações, somos levados a afirmar que as diversas paróquias, que secundaram as primeiras na sede de cada capitania, são posteriores a essa data (a importância adquirida pelos canaviais conduziu certamente ao aparecimento de novas paróquias na vertente sul). As primeiras paróquias surgem, então, no séc. XV, a partir dos principais núcleos de fixação litoral: Câmara de Lobos, Calheta, Funchal, Machico, Ponta do Sol e Ribeira Brava. Estas freguesias deram origem a outras, na primeira metade da centúria seguinte: Campanário, Estreito de Câmara de Lobos, Faial, Gaula, Ponta do Pargo, Santana e Santo António. Na déc. de 70 do séc. XVI, surgiram outras: Porto da Cruz, Canhas, Madalena do Mar, São Roque e São Martinho. Nos séculos posteriores, são reduzidas as alterações a este quadro, com o aparecimento das paróquias de Boaventura (1733), São Roque do Faial (1746), Curral das Freiras (1790), Quinta Grande (1820). A grande mudança ocorreu já no séc. XX, mais propriamente em 1954, com a criação da paróquia do Imaculado Coração de Maria e, depois, em 1960, com 51 novas paróquias, por iniciativa de D. Fr. David de Sousa. Como referido, no séc. XIX, a paróquia (com a designação original de freguesia) perdeu importância. Apenas com a mudança de regime político, em 1926, adquiriu personalidade jurídica, ficando-lhe cometidas a função do ensino de religião e moral, a prática dos preceitos religiosos e a divulgação do culto. Esta última situação havia sido já definida, de forma clara, no séc. XVI, com o Concílio de Trento. A partir da Concordata com a Santa Sé, em 1940, às mesmas ficou garantida a possibilidade de possuir bens e cobrar coletas aos fiéis. A partir da déc. de 40 do séc. XX, assistiu-se a um movimento renovador das paróquias, ficando estabelecido com o Concilio Vaticano II que as mesmas são comunidades de fiéis instituídas pelos bispos. A Revolução Liberal abriu uma nova era na administração municipal, iniciada com a reforma de Mouzinho da Silveira. A carta de lei de 25 de abril de 1835 dividiu o território em distritos, concelhos e freguesias. Daqui resultou, para a Madeira, o aparecimento de novos municípios. A costa norte da Ilha foi contemplada com a criação dos municípios de Santana e Porto Moniz. Em 1835, surgiram as juntas de paróquia, compostas por três, cinco ou sete elementos, eleitos pelos chefes de família ou cabeças de casal, sendo os mandatos bienais. Entre eles, contava-se o regedor, o escrivão e secretário, e o tesoureiro. O secretário exercia as funções de escrivão do regedor e era eleito pelos vizinhos, enquanto o tesoureiro era nomeado pela Junta. Em 1835, as freguesias passam a ter, como órgãos, a Junta de Paróquia e o comissário de paróquia, eleitos pelo administrador do concelho, de acordo com uma lista de três nomes indicada pela Junta. A 26 de novembro de 1835, numa reformulação sem precedentes da estrutura administrativa, foram criadas as juntas de paróquia, que duraram pouco tempo, uma vez que foram extintas em 1836. A 31 de dezembro de 1836, com o primeiro Código Administrativo do visconde de Seabra, o comissário de paróquia passa a designar-se como regedor de paróquia. A lei de 29 de outubro de 1840 altera esta estrutura, criando o cargo de administrador de concelho, e repondo o regedor, que é nomeado pelo Governo. Em 1842, o novo Código Administrativo determina que o pároco seja o presidente da Junta de Paróquia, coadjuvado por um escrivão, um tesoureiro e dois a quatro vogais eleitos pela paróquia. As juntas de paróquia têm funções de administração da fábrica da igreja, enquanto o regedor assume o papel de delegado do administrador do concelho. Em 1859, o governo da Junta era eleito e atuava sob a supervisão do regedor, nomeado pelo presidente da Câmara. Em 6 de maio de 1878, são mantidos os regedores de paróquia, que passam a ser de nomeação do Governo Civil, enquanto as juntas são eleitas pelos fregueses. Em 1887, o conde de Canavial, governador civil, tentou instalar na Madeira, sem sucesso, as juntas de paróquia, o que provocou uma reação popular, por temor de novos impostos. Recorde-se que, a partir desta reforma de 1887, se estabelecem contribuições paroquiais e taxas para a construção e conservação dos cemitérios. As mulheres comandam a rebelião, que começa a 23 de outubro de 1887, em Gaula, espalhando-se à Camacha. No dia 21, havia chegado ao Caniço, com a invasão da igreja e a destruição da residência paroquial. Daqui alastrou a todos os concelhos, exceto aos do Funchal e de Câmara de Lobos, e às respetivas freguesias rurais até 5 de janeiro, passando por Campanário, Ribeira Brava, Porto Moniz, Faial, São Jorge, Boaventura, Arco da Calheta, Tabua, Porto da Cruz, Madalena do Mar, Fajã da Ovelha, Prazeres, Estreito da Calheta, Curral das Freiras, culminando nos Canhas e na Ponta do Sol. Em 6 de agosto de 1892, as competências das juntas de paróquia são transferidas para as câmaras. Com o Código Administrativo de 1895, a função de presidente da Junta de Paróquia passa para o pároco, passando os vogais a ser eleitos entre os vogais da mesa. A Junta tinha competência para fazer posturas e regulamentos, que deveria submeter à aprovação do governador civil. Em 1896, mantêm-se as funções do pároco, que pode ser substituído por um elemento do clero local. Algumas diferenças são notórias entre a freguesia que se implanta no séc. XV e aquela que dá corpo a uma subdivisão administrativa a partir de 1878. Após a subdivisão do território, com a criação das capitanias, temos as freguesias a delimitar a jurisdição religiosa, que era cometida aos párocos, dentro destas áreas. A sua identificação era determinada a partir da escolha do santo patrono. As primeiras freguesias aparecem de raiz, tendo como ponto de partida ermidas particulares ou comuns situadas em localidades que, por causa do crescimento da população e das condições geográficas, obrigam a que assumam essa condição. Depois, este aumento da população fará com que aconteça o desmembramento e a separação das primitivas freguesias, como sucedeu no Funchal, onde a paróquia de Nossa Senhora do Calhau deu lugar a outras: primeiro, às da Sé e de Nossa Senhora do Calhau; depois, a pedido do bispo D. Fr. Jorge de Lemos ao Monarca, em 1566, tivemos a criação da de São Pedro, extinta em 1579, e depois refundada em 1588; refira-se ainda a criação das de Santa Maria Maior (1557), Monte e São Gonçalo (1565) e São Roque e São Martinho (1579). Em 1910, o regime republicano e o art. 6.º da nova Constituição – republicana e laica – aprovada em 1911 estabelecem profundas mudanças na estrutura administrativa. Assim, a lei n.º 88, de 7 de agosto de 1913, determina que o órgão seja de cinco elementos e passe a designar-se por Junta de Paróquia Civil. E, finalmente, por lei n.º 621, de 23 de junho de 1916, as paróquias civis tomam a designação de freguesias e o respetivo órgão denomina-se Junta de Freguesia. Daqui resulta a confusão que é comum estabelecer-se entre a freguesia como circunscrição religiosa e como jurisdição civil. Com o Estado Novo, temos o Código de 1936, aprovado pelo dec.-lei n.º 27.424, de 31 de dezembro, em que a Junta de Freguesia passa a ser constituída por três vogais, eleitos trienalmente pelos chefes de família. Na primeira reunião deste órgão, eram eleitos o presidente, o tesoureiro e o secretário. Esta situação é confirmada com o Código de 1940, aprovado pelo dec.-lei n.º 31.095, de 31 de dezembro. A freguesia, como realidade separada da estrutura eclesiástica, surge apenas em 1878. Mesmo assim, não é fácil encontrar uma data individualizada para o estabelecimento de cada uma das freguesias que foram surgindo como resultado da reforma administrativa de 1878, com as chamadas juntas de paróquia. O movimento militar do 25 de Abril de 1974 veio criar, em Portugal, condições para que se iniciasse um período de grande autonomia local. Sabemos que a freguesia era a estrutura de maior proximidade aos fregueses ou ao conjunto de famílias que a compunham. Para além de ser a expressão do poder municipal junto destes, juntava-se-lhe a função de assistência social, assim como os cuidados específicos com as fontes e a água, os caminhos vicinais, as matas e os arvoredos. Todavia, no quadro da administração madeirense, até ao 25 de Abril de 1974, funcionou apenas através da figura do regedor, que surgiu em 1830 e que se limitava a representar a autoridade municipal. A plenitude de funções só foi conquistada a partir desta data. O dec.-lei n.º 701-B/76, de 29 de setembro, altera o sistema eleitoral e determina a eleição simultânea dos três órgãos autárquicos: Junta de Freguesia, Câmara Municipal, Assembleia de Freguesia. Depois, com a lei n.º 79/77, de 25 de outubro, a Junta, como órgão executivo da freguesia, adapta-se ao novo regime político, passando a ser constituída por um presidente e vogais. Com a lei n.º 3/79, de 10 de janeiro, estes passam a ter intervenção no Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos. De acordo com a lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro, a Junta de Freguesia é o órgão executivo colegial da freguesia, sendo constituído por um presidente e vogais, que assumem as funções de secretário e tesoureiro. A partir de 1988, as freguesias passaram a contar com um movimento associativo que as representa, a Associação Nacional de Freguesias, com estatutos aprovados a 11 de fevereiro de 1989, criando, a partir de 2002, as delegações regionais e distritais. Neste quadro, aconteceram importantes alterações com a legislação de 1999, 2005, 2012 e 2013. A freguesia é governada por uma junta. Este órgão executivo é eleito pelos membros da Assembleia de Freguesia, sendo o seu presidente o primeiro elemento da lista mais votada. A eleição da Assembleia é feita pelos cidadãos recenseados no seu território, de acordo com o método de Hondt. Achadas da Cruz, freguesia do concelho do Porto Moniz O nome deverá resultar da conjugação do acidente natural com a invocação a Vera Cruz, da capela aí fundada no séc. XVI, cujo curato, criado em 1548, foi extinto em 1577. Por alvará de 28 de dezembro de 1676, foi restabelecido um curato de N.a S.ra da Conceição do Porto Moniz, com obrigação de o cura residir na localidade, sendo o primeiro cura o P.e Manuel Ferreira da Silva. Apenas a 24 de julho de 1848 se tornou paróquia. De entre as personalidades que se destacaram, oriundas desta freguesia, temos Manuel da Ponte Câmara (1815-1882) e Elias Homem de Gouveia (1848-1944). Na atividade agrícola, devemos destacar a produção de vinho, considerado excelente em princípios do séc. XIX. Temos ainda a presença da norça (Tamus edulis Lowe), uma planta trepadeira que dá um tubérculo comestível, muito parecido com o inhame. A laurissilva permitiu que, neste local, se desenvolvesse a produção de azeite de louro, usado na medicina popular; de acordo com um registo de 1862, são referenciados dois lagares. Água de Pena, freguesia do concelho de Machico Foi aqui, no Porto do Seixo, que os primeiros navegadores portugueses desembarcaram, a 2 de julho de 1419. Henrique Teixeira, segundo filho de Tristão Vaz, certamente que a pequena capela, no sítio do Passal, foi construída por iniciativa da sua família, cuja permanência e intervenção deverão estar na origem da paróquia instituída em 1560. A capelania foi criada por carta régia de 14 de julho de 1528, sendo o seu primeiro capelão Pedro Lopes, que tomou posse a 14 de agosto de 1528. Em 1694, foi dada ordem para a construção de nova igreja que, em 1745, ainda estava por construir. A paróquia foi extinta a 13 de junho de 1836, sendo criada a do Santo, que incorporou as do Santo da Serra e Água de Pena; contudo, por carta de lei de 24 de junho de 1848, a paróquia foi restaurada, perdendo para o Santo da Serra o sítio da Achada do Barro e ganhando os sítios da Torre e da Ventrecha, de Santa Cruz. Em 1852, volta a perder o estatuto de freguesia e passa a pertencer a Santa Cruz. Perante os protestos populares, a freguesia voltou a ser reestabelecida em 1862, juntando a sua jurisdição os seguintes sítios: Bemposta, Lombo, Lugarinho, Igreja e Queimada. A partir de 1745, foi construída uma nova igreja, porque a anterior capela estava em local de muito vento. Ainda devemos assinalar a capela do Sagrado Coração de Jesus, no sítio dos Cardais, fundada em 1907 pelo Cón. Henrique Modesto de Betencourt, e a de N.a S.ra do Perpétuo Socorro, no sítio da Queimada, construída em 1924 por Francisco de Freitas Correia. Arco da Calheta, freguesia do concelho da Calheta Terra apropriada para os canaviais e a fruticultura, sendo celebrada por isso. Aqui fixou morada João Fernandes Andrade, mais conhecido como do Arco, que teve engenho de açúcar. Temos ainda outros proprietários de canaviais, como Fernão Domingues do Arco, que antes de 1492 esteve envolvido em viagens de exploração para Ocidente. António de Abreu, filho de João Fernandes do Arco, foi o descobridor das Molucas. Arco de São Jorge, freguesia do concelho de Santana O nome tem origem na forma em arco das montanhas que a circundam e no facto de ter pertencido à freguesia de São Jorge até 28 de dezembro de 1676, ano em que se tornou uma freguesia autónoma. A primeira capela sob a invocação de N.a S.ra da Piedade surgiu no sítio dos Casais, mas, devido ao seu estado de ruína, foi ordenada a construção de outra, em 1740, que abriu ao culto em 1744. É natural desta freguesia Manuel Gonçalves, popularmente conhecido como “feiticeiro do Norte”. Boaventura, freguesia do concelho de São Vicente A mais antiga referência que temos é de 1520 e surge-nos com a reclamação do P.e Sebastião Ferreira a respeito do vencimento a que tinha direito da parte da Coroa pelo exercício da capelania das localidades de São Vicente, Ponta Delgada e Boaventura. Refere-se, no documento, que, nas três localidades, residiam 43 moradores. Nos livros de registo da paróquia de Ponta Delgada, criada entre 1523 e 1550, encontramos algumas referências a Boaventura: em 1603, faleceu Maria Álvares de Boaventura; em 1689, três meninos da Falca; e, em 1694, a mulher de Mário Andrade da Fajã do Penedo. Boaventura deverá ser lugar de assentamento muito mais recente que Ponta Delgada e São Vicente e, certamente, nunca assumiu a importância destes. Todavia, o facto de o lugar se encontrar a meio caminho na ligação à vertente sul, pelo Curral das Freiras, terá propiciado a sua valorização. O primeiro povoador terá sido o castelhano Pero Gomes de Galdo, que aí fundou a capela de S. Cristóvão. A paróquia de Boaventura esteve, por muito tempo, dependente da de Ponta Delgada, e só em 1733, com a criação do curato, se procedeu à separação, ficando como sede a capela de S.ta Quitéria. Esta situação resultou de uma reclamação dos moradores do lugar ao bispo D. Fr. Manuel de Coutinho, numa visita a Ponta Delgada. A afirmação plena do lugar deu-se em 1836, com a sua elevação à categoria de paróquia, tendo como sede a igreja matriz de S.ta Quitéria, construída em 1835 nos escombros da capela do mesmo nome (foi também nesse ano que ficou estabelecida, no concelho, a correspondência entre as freguesias e as paróquias). Esta capela primitiva fora construída em 1731, por solicitação dos moradores, e ficou, desde 1836, como sede de paróquia. Depois disto, só em 1919 foi criada uma nova paróquia, na Fajã do Penedo, onde se construíra uma igreja do Imaculado Coração de Maria. Em 1739, foi criada a Confraria de S.ta Quitéria, que, desde 1771, se empenhou na construção da nova igreja. Desta primeira fase deve ser o pórtico principal, em rica cantaria lavrada; o teto foi pintado em 1929 por José Zeferino Nunes (Cirilho). Os principais recursos prendem-se com a floresta, a agricultura e a cultura do vimeiro, tradição que quase se perdeu. Calheta, freguesia do concelho da Calheta Enquadra-se no grupo de paróquias criadas nos anos que se seguiram à morte do infante D. Henrique, em 1460. Camacha, freguesia do concelho de Santa Cruz De acordo com Álvaro Rodrigues de Azevedo nas anotações a Saudades da Terra, esta localidade foi buscar o nome a um dos povoadores, de apelido Camacho, que talvez ali possuísse terrenos ou tivesse moradia. Note-se que o topónimo só encontra similar na ilha do Porto Santo. O lugar ganhou o estatuto de freguesia/paróquia com o alvará régio de 28 de dezembro de 1676, sendo o orago S. Lourenço. É vila desde 10 de setembro de 1994. Foi no lugar da Achada que se jogou em 1875, pela primeira vez, o foot-ball na Madeira, existindo aí um monumento evocativo desse acontecimento. Terá sido Harry Hinton, quando jovem estudante em Londres, quem trouxe para a Ilha a primeira bola de futebol e o gosto por este jogo. A Camacha tem uma ligação ancestral ao Funchal, como periferia que abastece a cidade de lenha, leite e flores. Câmara de Lobos, freguesia do concelho de Câmara de Lobos Não há alvará especial de criação da vila, porque, de acordo com o Código Administrativo, aprovado pelo dec.-lei n.º 31.095, de 31 de dezembro de 1940, o facto de a freguesia de Câmara de Lobos ser sede do concelho dava-lhe automaticamente direito a essa categoria. A freguesia de Câmara de Lobos é uma das mais antigas da Madeira, apontando-se a data de 1430 para a sua criação. A primeira capela, do Espírito Santo, foi fundada por João Gonçalves Zarco, sendo, contudo, mais tarde transferida para a igreja de S. Sebastião. Da paróquia de Câmara de Lobos emergiram, em 1960, duas novas paróquias: Santa Cecília e Carmo. O nome do lugar deve-se a uma constatação dos navegadores em 1420, quando encontraram esta baía. Campanário, freguesia do concelho da Ribeira Brava O ministério nesta localidade passa a ser feito em 1520, o que deverá indicar a fundação da freguesia em data anterior. Os Jesuítas tinham aqui uma quinta, que deu depois lugar à freguesia do mesmo nome, que, em 1770, foi vendida por João Francisco de Freitas Esmeraldo. Em 1848, com a constituição da paróquia autónoma na Quinta Grande, perdeu esta localidade. A paróquia do Campanário esteve subordinada a diversos municípios, no seu percurso histórico. Entre 1855 e 1867 pertenceu ao município de Câmara de Lobos, mas, com a sua extinção, passou para o do Funchal. Em 1914, com a criação do novo concelho da Ribeira Brava, deixou de pertencer a Câmara de Lobos. O Campanário foi um dos principais celeiros da Ilha, que abasteceu as praças do Norte de África, sendo conhecido como o “celeiro da conquista”. Era também conhecido como terra de castanheiros (ficou célebre um destes castanheiros, da Achada de D. Maria, por ter corrido o mundo em postais ilustrados). Canhas, freguesia do concelho da Ponta do Sol Instituída em 10 de junho de 1578, sob a invocação de S. Tiago. O nome do local aponta-se como tendo origem em Ruy Feres de Ocanha, um dos mais destacados povoadores do local. Caniçal, freguesia do concelho de Machico Terá sido elevada a paróquia entre 1528 e 1535. O seu nome provém de uma região onde abundavam caniços – um caniçal. Aqui se fixou Vasco Moniz, que sabemos, por testamento de 5 de setembro de 1489, ter estabelecido um morgadio do Caniçal. A capelinha do Caniçal foi estabelecida por carta régia de 25 de agosto de 1527, na capela de S. Sebastião fundada por Vasco Moniz, passando a paróquia em 1561, pois naquela época nem chegariam a 15 os casais que a povoavam. O isolamento começou a ser quebrado em 1870, com o funcionamento do farol. Depois, em 1909, construiu-se um pequeno porto para a navegação de cabotagem em Machico. Em 1926, surgiu no sítio da Alagoa a estação de TSF (telefonia sem fios) da Marconi. E em 1942 é fundada a Empresa Baleeira do Arquipélago da Madeira, no sítio da Cancela, mais tarde Museu da Baleia. Além disso, a abertura de um túnel e de uma estrada romperam definitivamente com a situação de isolamento a que a freguesia estava votada. Caniço, freguesia do concelho de Santa Cruz É uma das primitivas paróquias, tendo sido criada após a morte do infante D. Henrique, em 1460. Era o termo das duas capitanias da Ilha e o local onde se encontravam as autoridades municipais de ambos os lados, para resolver assuntos comuns. O nome da freguesia vai buscar a sua origem a uma planta, o carriço ou caniço (Phragmites communis), que era aí abundante. A sede da freguesia foi elevada à categoria de vila pelo dec. leg. regional n.º 10/M/2000, e de cidade pelo dec. leg. regional n.º 8/2005/M. Curral das Freiras, freguesia do concelho de Câmara de Lobos Começou por ser um espaço de pastagens, propriedade de João Gonçalves Zarco, que a doou ao Convento de S.ta Clara. Vem daqui o seu nome. Em 1462, era terra de sesmaria de João Ferreira e Branca Dias, que a venderam, a 11 de setembro de 1480, ao segundo capitão donatário, João Gonçalves da Câmara. A abundância de castanheiros faz com que seja conhecida como “terra da castanha” e é também por isso que, desde 1983, se realiza, ali, a Festa da Castanha. Estreito da Calheta, freguesia do concelho da Calheta A partir de 1520, encontramos referência à existência de um vigário. Estreito de Câmara de Lobos, freguesia do concelho de Câmara de Lobos Sabemos que em 1529 tinha um vigário. A paróquia de Nossa Senhora da Graça deu lugar, em 1961, a três paróquias: a de Nossa Senhora da Graça, a de Nossa Senhora da Encarnação e a de Nossa Senhora do Bom Sucesso; a 5 de julho de 1996, surgiu a de São Tiago. A festa das vindimas é o emblema da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. Aconteceu pela primeira vez em 1963, organizada pela Delegação de Turismo da Madeira. Regressou em 1979, com a realização da Secretaria Regional do Turismo e, a partir de 1991, contou com a participação da Junta de Freguesia do Estreito. A sede da freguesia foi elevada à categoria de vila a 14 de setembro de 1994. Faial, freguesia do concelho de Santana A primeira capelania surgiu em 1519, na ermida dedicada a Nossa Senhora da Natividade, surgindo a freguesia por alvará régio de 20 de fevereiro de 1550. O topónimo deverá ter origem na abundância de faias (Myrica faya) que aí encontraram os primeiros colonos. Encontra-se, no sítio da Fazenda, uma capela do séc. XVII, escavada numa pedra, que a tradição popular diz ter sido originalmente construída por escravos mouros. Nesta freguesia, registou-se a chamada Revolta do Leite, que aconteceu a 4 de agosto de 1936 e que consistiu em tumultos populares contra o dec.-lei n.º 26.655, que criava a Junta de Laticínios da Madeira. Fajã da Ovelha, freguesia do concelho da Calheta Esta paróquia surgiu em 1550. Gaula, freguesia do concelho de Santa Cruz Também conhecida como “terra do Amadis de Gaula”, “terra de adelos” (vendedores ambulantes), “terras de doutores”, “terra de padres”, “terra das amoras” e “terras de malvasias”. A freguesia surgiu certamente depois de 1509, altura em que o Rei D. Manuel I concede a criação da capelania de S.ta M.a da Luz. A freguesia conta com duas paróquias: a de Nossa Senhora da Luz, a sul, e a da Achada de Gaula, a norte.   Ilha, freguesia do concelho de Santana A freguesia foi criada em 1989, ano em que se desanexou de São Jorge. A designação resulta da sua localização entre duas ribeiras, o que a faz assemelhar-se a uma ilha. A tradição aponta a presença de açorianos nos princípios do povoado. Em 1559, existiriam dois morgadios, conhecidos como Ilha e Carvalhal, ligados a Lopo Fernandes Pinto, considerado o primeiro povoador.   Imaculado Coração de Maria, freguesia do concelho do Funchal A paróquia surge na sequência da reforma de 26 de novembro de 1944, passando a freguesia civil em 1955. A igreja paroquial é de 1966.   Jardim da Serra, freguesia do concelho de Câmara de Lobos Esta localidade pertenceu à freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, da qual se separou em 5 de julho de 1996. A sua principal produção é a cereja, o que deu azo a uma festa alusiva, que se realiza desde 1954. A paróquia do Jardim da Serra, cujo orago é S. Tiago, surgiu em 1961.   Jardim do Mar, freguesia do concelho da Calheta Foi um curato dependente da freguesia dos Prazeres, criado no segundo quartel do séc. XVIII. No séc. XIX, ficou conhecida pela qualidade dos seus vinhos das castas malvasia e sercial. O Jardim do Mar é conhecido pelo surf, depois de, em fevereiro de 2001, aí se ter realizado o campeonato mundial desta modalidade.   Machico, freguesia do concelho de Machico Pertence ao grupo de paróquias criadas antes da déc. de 40 do séc. XV, uma vez que teve vigário desde o início, no lugar que serviu de sede da capitania do mesmo nome. A primitiva capela-sede, ligada à família dos capitães do donatário, tinha como orago Nossa Senhora da Conceição. O nome do lugar está envolto em polémica, havendo quem o associe ao de Roberto Machim ou ao de um marinheiro de apelido Machico, de que temos registo na documentação do séc. XV, ou, ainda, a uma corruptela de Monchique, no Algarve.   Madalena do Mar, freguesia do concelho da Ponta do Sol Teve ermida desde 1520, servida de capelão a partir de 1538, mas só foi elevada a paróquia a 21 de abril de 1581. O nome da paróquia parece ter origem no orago da primitiva capela, S.ta M.a Madalena, de Henrique Alemão, considerado por alguma tradição historiográfica como o Rei da Polónia, que havia perdido a Batalha de Varna, em 1444, e que ali se refugiara. Segundo A. A. Sarmento, terá sido João Rodrigues de Freitas, o Moço, quem reedificou a capela e lhe deu a invocação de S.ta Maria Madalena, que deu nome ao lugar. Mais tarde, ainda segundo o mesmo, acrescentou-se “do Mar” ao nome da localidade.   Monte, freguesia do concelho do Funchal Foi criada por alvará de 2 de fevereiro de 1565. Ficou conhecida como a primeira estância de turismo da Madeira, existindo vários hotéis servidos por uma linha férrea que, desde 1893, iniciou a ligação do Funchal ao Terreiro da Luta.   Paul do Mar, freguesia do concelho da Calheta O local tem a configuração de uma fajã. Destacam-se as salinas dos sítios das Lagoas e da Serra da Cruz, cuja exploração não constituiu uma atividade de grande lucro.   Ponta Delgada, freguesia do concelho de São Vicente O lugar conquistou o estatuto de paróquia em 1550, estando, até essa altura, os respetivos residentes dependentes da paróquia de São Vicente, sem dúvida a mais antiga que foi erguida na costa norte, em data que se desconhece. O isolamento, nomeadamente devido à distância em relação a Machico, fez com que os moradores conseguissem para o lugar o estatuto de curato e, depois, de paróquia. Em 1520, Sebastião Pereira foi provido como capelão das igrejas de São Vicente, Ponta Delgada e Boaventura, pelo facto de as correspondentes localidades terem já 42 fregueses. Em documentos posteriores a 1536, o mesmo é citado como vigário de São Vicente e de Ponta Delgada, ou isoladamente de cada uma destas zonas: em 1531, de S. Vicente e, em 1536, de Ponta Delgada. A partir da segunda metade do séc. XVI, a freguesia cresceu progressivamente, a fazer fé nos diversos alvarás de acrescentamento. Ficou conhecida como a “corte do Norte”, tendo em conta a importância dos descendentes do primeiro povoador, Manuel Afonso Sanha, dos quais se destaca a figura de João Carvalhal.   Ponta do Pargo, freguesia do concelho da Calheta A freguesia pertenceu ao município do Porto Moniz desde a criação deste, em 1835, e até 1849, passando então a fazer parte do concelho da Calheta. Com a restauração do concelho do Porto Moniz, em 1855, a freguesia da Ponta do Pargo é novamente incorporada neste município. Por lei de 26 de junho de 1871, passou de forma definitiva para o concelho da Calheta.   Ponta do Sol, freguesia do concelho da Ponta do Sol Vai buscar o nome à situação geográfica da localidade e ao facto de esta ser soalheira. Foi uma das poucas freguesias rurais que teve imprensa periódica, tendo-se publicado o Brado d’Oeste (n.º 1, a 2 de junho de 1909, e n.º 858, o último, a 24 de janeiro de 1918), Ecos da Madeira (a 22 de janeiro de 1920), A Epocha (de 6 a 30 de setembro de 1886, de 14 de janeiro a 21 de fevereiro de 1895, de 16 de junho de 1912), A União (a 31 de janeiro de 1918).   Porto da Cruz, freguesia do concelho de Machico Foi criada a 19 de janeiro de 1577, tendo como padroeira Nossa Senhora da Piedade. A sua denominação advém do facto de o seu descobridor ter afixado uma cruz de ferro no porto. Esteve ligada ao município de Machico até 1835, quando passou para a jurisdição do de Santana, mas, por decreto de 19 de outubro de 1852, voltou a pertencer ao de Machico.   Porto Moniz, freguesia do Porto Moniz A primitiva freguesia era conhecida como Ponta do Tristão e, com a morte do primeiro povoador, Francisco Moniz, em 1533, terá passado para esta designação. Não existe data segura para a criação da paróquia, havendo uns que apontam a data de 1520, outros a de 1574.   Porto Santo, freguesia de Porto Santo Não sabemos a data exata da sua criação, mas sabemos que foi uma das primeiras, podendo-se apontar a data da sua fundação como próxima da data de criação da capitania. Quanto à origem do topónimo “Porto Santo”, avançam-se diversas possibilidades. A primeira filia-se na lenda do monge irlandês S. Brandão, que, segundo a tradição, teria acolhido à Ilha, havendo testemunho disso na cartografia. A tradição historiográfica baseada em Francisco Alcoforado e Gaspar Frutuoso refere o episódio da descoberta da Ilha e a gratidão dos navegadores por terem encontrado um porto de salvação. bTambém de acordo com a tradição historiográfica baseada na própria família do navegador, aqui terá residido Cristóvão Colombo, após o seu casamento com Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo. Existe uma casa no centro da vila, transformada em casa-museu, que a população associa a esta estância de Colombo na Ilha. Em 1996, foi elevada a cidade por força do dec. leg. regional n.º 18/96/M, publicado no Diário da República a 6 de agosto do mesmo ano.   Prazeres, freguesia do concelho da Calheta O seu nome tem origem numa pequena ermida dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres, que foi edificada muito antes da criação da paróquia. Esta freguesia tornou-se independente a 18 de dezembro de 1676. A 20 de novembro de 1745, o Conselho da Fazenda deu ordens para a construção de uma nova igreja. Destaca-se a Quinta Pedagógica dos Prazeres, onde se realizam diversas atividades relacionadas com o mundo rural: a festa da Cidra, a bênção dos animais, o leilão de animais, a festa de Debulha do Trigo.   Quinta Grande, freguesia do concelho de Câmara de Lobos O sítio teve diversas designações ao longo da história, sendo primeiramente Quinta de Luís de Noronha, depois Quinta de Fernão de Noronha, Quinta dos Padres, Quinta da Companhia, Quinta da Vera Cruz e, finalmente, Quinta Grande. Esta última denominação pretende acentuar a dimensão da propriedade; apesar de não se saber o momento a partir do qual surge, ela vem, pelo menos, do tempo em que a propriedade era pertença dos Jesuítas (desde 27 de abril de 1595). Com a extinção da Companhia de Jesus, a quinta foi arrematada em hasta pública, sendo adquirida em 1770 por João Francisco de Freitas Esmeraldo. O bispo diocesano D. Joaquim de Meneses e Ataíde, por provisão de 8 de fevereiro de 1820, estabeleceu um curato na capela de N.a S.ra dos Remédios. Por carta régia de 24 de julho de 1848, passou a paróquia autónoma.   Ribeira Brava, freguesia do concelho da Ribeira Brava Enquadra-se no grupo de paróquias criadas nos anos que se seguiram à morte do infante D. Henrique, em 1460. O concelho da Ribeira Brava foi criado a 6 de maio de 1914 por iniciativa do visconde da Ribeira Brava, Francisco Correia Herédia, sendo o lugar elevado à categoria de vila em 1928.   Ribeira da Janela, freguesia do Porto Moniz O seu nome adveio do facto de, a cerca de 100 m da foz da ribeira, se erguer um ilhéu que apresenta uma reentrância que parece uma janela aberta. Aí existiu uma ermida sob a invocação de Nossa Senhora da Encarnação, que foi destruída por uma aluvião, tendo sido erguida nova capela em 1699. Por carta régia de 4 de fevereiro de 1733, estabeleceu-se um curato, filial da freguesia do Porto Moniz, e, por carta régia de 24 de julho de 1848, foi elevada a paróquia.   Santa Cruz, freguesia do concelho de Santa Cruz Pertence ao grupo de paróquias criadas nos anos que se seguiram à morte do infante D. Henrique, em 1460. Quanto ao seu nome, teve origem num tronco seco, com duas braçadas em forma de cruz, encontrado numa mata de loureiros. Por carta régia de D. Manuel, de 25 de junho de 1515, foi elevada à categoria de vila e de concelho. Tem como orago S. Salvador, de acordo com a invocação da capela-mor da igreja matriz desta vila. Por alvará de 27 de agosto de 1589, é criado um curato com 20$000 réis de côngrua. Foi colegiada com vigário, cura, seis beneficiados, tesoureiro e organista.   Santa Luzia, freguesia do concelho do Funchal A capela de Santa Luzia foi sede da paróquia criada por alvará de D. Pedro II, datado de 28 de dezembro de 1676. O orago da capela da freguesia, Santa Luzia, virgem e mártir (Sicília, séc. IV), deverá estar na origem do nome. A partir de 1680, a paróquia transferiu-se para a igreja de N.a S.ra da Encarnação, onde permaneceu até 1741, altura em que se concluiu a construção da nova igreja, ordenada por alvará régio de 9 de setembro de 1719. Com a criação da freguesia do Imaculado Coração de Maria, a 15 de dezembro de 1954, a sua extensão foi reduzida.   Santa Maria Maior ou Nossa Senhora da Conceição do Calhau, freguesia do concelho do Funchal Surgiu com designação de N.ª S.ra do Calhau a 18 de novembro de 1557, tendo sede na igreja da mesma designação, que era a paróquia da cidade do Funchal. Em 1558, a cidade foi dividida em duas paróquias, com sede nas igrejas da Sé e de N.a S.ra do Calhau (com a aluvião de 1803, a sede da última passou para a igreja de S. Tiago). A freguesia de Santa Maria Maior foi a primeira do Funchal. É possível que o seu nome provenha de a sua primeira igreja paroquial ser maior do que a capela, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, que João Gonçalves Zarco fizera construir no local onde está a igreja de S.ta Clara. Esta capela ficou conhecida pelo nome de N.a S.ra da Conceição de Cima, por oposição à capela de N.a S.ra da Conceição de Baixo, que a população local denominou S.ra do Calhau, por ter sido construída na proximidade da praia de enormes calhaus ali existente. A construção da primeira igreja de de N.ª S.ra do Calhau data de 1438, quando já existia um núcleo considerável de população fixada junto das margens da ribeira que depois recebeu o nome de João Gomes. A igreja de N.a S.ra do Calhau foi destruída várias vezes pelas cheias, que devastavam as zonas mais baixas do povoado que daria lugar à construção da cidade do Funchal a partir de 21 de agosto de 1508.   Santana, freguesia do concelho de Santana A primitiva ermida, cujo orago é S.ta Ana, foi elevada a sede de freguesia a 8 de agosto de 1564. Entre 1509 e 1521, temos referência a um capelão de São Jorge e Santana. A partir de 1519, foi capelania, e foi elevada a freguesia por alvará régio de 2 de junho de 1564. Em 1835, tornou-se vila e sede de concelho. A 1 de janeiro de 2001, foi elevada à categoria de cidade. Santana é conhecida pela festa dos Compadres, que acontece desde 1970, e pelo Festival Regional de Folclore, com a designação de 48 Horas a Bailar.   Santo António da Serra Esta freguesia está dividida administrativamente entre os concelhos de Machico e Santa Cruz, mas esta situação nunca foi pacífica. Em 1836, o concelho de Santa Cruz manifestou-se contra esta forma de divisão, mas só em 1862 se procedeu à partilha da freguesia entre os dois concelhos.   Santo António do Funchal, freguesia do concelho do Funchal Surgiu em 1566 com a designação de Nossa Senhora das Neves, nome do orago da ermida.   São Gonçalo, freguesia do concelho do Funchal Foi criada a 2 de fevereiro de 1565, com sede na capela do cemitério de N.a S.ra das Neves; a sede passou, depois, para outro templo, cujo orago é S. Gonçalo.   São Jorge, freguesia do concelho de Santana Foi uma das primeiras regiões do concelho a ser povoada, sendo já referenciada como localidade em 1425 e, como paróquia, em 1517. O núcleo primitivo situava-se na zona do Calhau, junto ao mar. Segundo alguns, a escolha do nome do santo guerreiro terá relação com a bravura da ribeira, ao passo que outros apontam a capela consagrada a S. Jorge como a razão mais provável desse facto.   São Martinho, freguesia do concelho do Funchal Vai buscar o nome ao patrono da capela mandada construir por Afonso Enes, hortelão, que aí teve terras de sesmaria. Assumiu a categoria de paróquia a 8 de maio de 1579. Os seus terrenos pertenciam à paróquia da Sé, passando depois para a de São Pedro, donde se desmembraram no ano de 1579.   São Pedro, freguesia do concelho do Funchal Surgiu como freguesia em 1566, a partir de uma ermida sob a invocação do santo, sendo desmembrada da freguesia da Sé. Foi extinta a 8 de maio de 1579 e voltou à anterior situação em 1588.   São Roque, freguesia do concelho do Funchal O seu nome tem origem no padroeiro de uma antiga ermida. Assumiu a categoria de paróquia a 8 de maio de 1579.   São Roque do Faial, freguesia do concelho de Santana A freguesia/paróquia do Faial foi criada por alvará régio de 20 de fevereiro de 1550. O seu nome teve origem, tanto na grande abundância de faias (Myrica faya), como no padroeiro de uma ermida que deu origem à primeira igreja no Chão da Ribeira, por volta de 1551, destruída pela aluvião de 1883.   São Vicente, freguesia do concelho de São Vicente É desconhecida a data em que se iniciou o povoamento da encosta norte da Ilha. As dificuldades de chegada, por via marítima e terrestre, terão sido um fator de ponderação para os possíveis interessados em alcançá-la e atuaram como entrave ao seu povoamento. Mesmo assim, Álvaro Rodrigues Azevedo refere que São Vicente foi freguesia desde 1440. No entanto, confrontado com a tradição que aponta Machico como sendo a primeira freguesia da capitania, criada em 1450, conclui que a de São Vicente será posterior, correspondendo a primeira data apenas à primitiva igreja e capelania. É provável que, desde meados do séc. XV, tenham afluído a esta encosta norte alguns povoadores, que traçaram os novos povoados nas clareiras abertas. São Vicente foi, sem dúvida, o primeiro povoado, logo seguido de Ponta Delgada. Os diversos alvarás de acrescentamento da côngrua do vigário de São Vicente (1579, 1589, 1664) atestam o seu rápido desenvolvimento. Gaspar Frutuoso refere apenas 60 fogos em Ponta Delgada e 250 em São Vicente. Passados quase 100 anos, em 1684, o vigário de São Vicente dá conta da existência de 471 casas e de 1581 pessoas de confissão. Para o séc. XVIII, mais propriamente 1772, Henrique Henriques de Noronha dá conta do avanço populacional desta área: em São Vicente, temos 560 fogos para 1850 almas e, em Ponta Delgada, 331 fogos albergavam 1075 almas. Em qualquer dos casos, São Vicente destaca-se como a mais importante freguesia da vertente norte. As novas paróquias são o testemunho do progresso do concelho: primeiro, foi criada a paróquia da Fajã do Penedo (em 1919) e, depois, as paróquias do Rosário, Feiteiras e Lameiros (déc. de 60 do séc. XX). A correspondência entre freguesias e paróquias só ficou estabelecida em 1836, com a criação da paróquia de Boaventura. Este último lugar esteve, por muito tempo, dependente da paróquia de Ponta Delgada, e só em 1731, com a criação do curato, se procedeu à separação, ficando com sede na capela de S.ta Quitéria. Como já foi referido, em 1520, Sebastião Pereira é provido capelão das igrejas de São Vicente, Ponta Delgada e Boaventura, e é citado ora como vigário de São Vicente, ora de Ponta Delgada, ora de ambas: no ano de 1531, de São Vicente, e no de 1536, de Ponta Delgada.   Sé, freguesia do concelho do Funchal A primitiva freguesia era de Santa Maria Maior e passou a designar-se Sé com a criação do bispado, em 1514, tomando assim o nome da igreja que era a sua sede. Dela se retirou, em 1558, aquela área que será a freguesia de Santa Maria Maior e, em 1566, a de São Pedro, que teve vida efémera. O crescimento do núcleo populacional, em 1579, levou à criação das freguesias de São Roque e São Martinho, e foi reinstalada a de São Pedro, surgindo, depois, a freguesia de Santa Luzia.   Seixal, freguesia do Porto Moniz A paróquia foi criada por D. João III a 20 de junho de 1553. Foi buscar o nome ao facto de os primeiros povoadores aí terem encontrado muitos seixos (salix canariensis). Ficou famosa pela festa do Panelo (uma espécie de cozido à portuguesa comunitário), que se realiza no Chão da Ribeira do Seixal.   Serra de Água, freguesia do concelho da Ribeira Brava O nome está relacionado com os engenhos de serração de madeira que existiram desde o séc. XV nesta localidade. A freguesia foi criada por alvará régio de 28 de dezembro de 1676, só ficando instalada em 1680. Esteve anexada ao concelho de Ponta do Sol até 1914, altura em que foi criado o município da Ribeira Brava, ao qual passou a pertencer.   Tabua, freguesia do concelho da Ribeira Brava Faz parte do município da Ribeira Brava desde a sua criação, tendo pertencido anteriormente ao da Ponta do Sol. A paróquia teve origem na capela da Santíssima Trindade, substituída pela de N.ª Sr.ª da Conceição, sendo o curato paroquial estabelecido a 2 de julho de 1743. A freguesia era conhecida como “Atabua”, mas, em 1838, o P.e António Francisco Drummond e Vasconcelos alterou a forma primitiva para “Tabua”. O nome tem origem numa planta denominada “atabua” (junco), que se encontrava na região, e que se utilizava no fabrico de esteiras e de fundos de cadeiras. A freguesia foi anexada, a 18 de outubro de 1881, ao concelho da Ponta do Sol, situação que durou até 1914, altura em que foi desanexada, para ser incluída no novo concelho da Ribeira Brava.   Alberto Vieira (atualizado a 07.12.2017)

História Económica e Social História Política e Institucional

formas de tratamento

O Sistema das Formas de Tratamento (SFT) em Português Europeu (PE), como referido por vários investigadores, entre outros, Lindley Cintra CINTRA, 1972), Gunther Hammermüller (HAMMERMULLER, 1993), Maria Helena Araújo Carreira (CARREIRA, 1997, 2001, 2002, 2008, 2009) e Isabel Margarida Duarte (DUARTE, 2010, 2011), é muito complexo. A sua complexidade, essencialmente de natureza pragmática, reside no facto de nem sempre o falante saber selecionar a forma que mais se adequa ao seu interlocutor. Este saber pragmático implica também uma competência de natureza sociolinguística e o conhecimento de várias formas para nos dirigirmos a outra pessoa, como ilustrado nos enunciados fornecidos em baixo: a. A senhora gosta de café ou prefere chá? Ø Gosta de café ou prefere chá? Ø Gostas de café ou preferes chá? A senhora Maria gosta de café ou prefere chá? A Maria gosta de café ou prefere chá? A dona Maria gosta de café ou prefere chá? A senhora dona Maria gosta de café ou prefere chá? Você gosta de café ou prefere chá? Tu gostas de café ou preferes chá?   A escolha de “tu”, “você”, “o/a senhor/a” ou “ø”, cujo conhecimento se relaciona com o domínio léxico-morfológico, é motivada pela maior ou menor familiaridade vs. distanciamento social, para além de fatores como a idade, o sexo/género, o nível de escolaridade e a posição social, existentes entre os interlocutores. No processo de adequação à situação discursiva, o falante terá “de possuir, no seu acervo lexical, um conjunto rico e variado de alternativas pelas quais possa optar, depois de avaliar devidamente a situação enunciativa, o estatuto e a relação entre os interlocutores entre os quais decorre a troca comunicativa” (DUARTE, 2011, 85). A 3.ª pessoa gramatical, a forma de tratamento mais frequente em português, contrariamente ao que ocorre, e.g., em espanhol, onde a forma “tu” é a mais usada, combina-se, no discurso: (i) com as diferentes formas nominais de nos dirigirmos ao outro (em 1a., 1d., 1e., 1f., 1g.); (ii) com o pronome “você” (em 1h.); (iii) e, sobretudo, com o sujeito nulo Ø (em 1b.), uma opção que permite evitar os mal-entendidos decorrentes de um uso inapropriado de “você”. Com efeito, o pronome “você”, quase generalizado no Português do Brasil (PB), coloca muitos problemas nas variedades do PE, sendo aceitável apenas em certas regiões e em certas variedades diastráticas, enquanto o seu uso na variedade-padrão se encontra muito condicionado a situações nas quais se está em presença de relações simétricas e de uma certa proximidade, de igual para igual, verificando-se como inaceitável na maior parte dos casos em que exista uma dissimetria social ou de idade entre os interlocutores. No Norte do país, que normalmente mantém os traços arcaizantes na língua, o uso de “você” é considerado uma enorme falta de educação. No entanto, nem sempre o uso de “você” pode ser depreciativo. Em certas situações, é até considerado apropriado, o que já não acontece com a variante “vossemecê”, que deve ser evitada em situações formais. Paiva Boléo (BOLÉO, 1946) confirma este uso, entre senhoras e senhores da chamada boa sociedade, se entre eles existir familiaridade. Refere também o facto de o uso de “você” ser mais urbano, em conversas informais entre jovens, embora seja mal considerado, ou mesmo visto como insultuoso, se for usado num ambiente rural. Por sua vez, Maria Helena Araújo Carreira (CARREIRA, 1997) defende que a estigmatização de “você” em PE é diferenciada em todas as regiões de Portugal e que as suas regras de uso dependem das classes sociais, das regiões, da idade e do género. Para Gunther Hammermüller (HAMMERMÜLLER, 1993), com base nos resultados de dois tipos de questionários realizados no Norte de Portugal, existiriam sete tipos de “você”: o “você” de respeito; o “você” de igualdade; o “você” de inferioridade; o “você” que elimina a ambiguidade (nas situações ambíguas onde não queremos ser informais, tratando a pessoa por “tu”, ou ser muito formais, tratando alguém por “o/a senhor/a”); o “você” afetuoso, com pessoas conhecidas dentro da família; o “você” de distanciamento, quando o locutor quer manter a distância com a pessoa a quem se dirige; e, por fim, o “você” metalinguístico, ou seja, quando usado para referir um “você”, como em “Você é um pronome” ou “Você é o sujeito da frase”, sendo desprovido de significado. De referir, por fim, que este problema só se coloca quando se usa “você” no singular. Na 3.ª pessoa do plural (3PP), “vocês” é perfeitamente aceitável, quando o locutor se dirige a vários destinatários. Em contrapartida, o uso da variante com pronome de 2.ª pessoa do plural, “vós”, relativamente confinado, nos princípios do séc. XXI quer geograficamente, quer do ponto de vista do tipo de discurso, é uma forma perfeitamente aceitável, e.g., na situação discursiva em que um sacerdote se dirige aos fiéis. Classificações Do ponto de vista morfossintático, segundo Lindley Cintra (CINTRA, 1972), o SFT do PE divide-se em três categorias: (i) o tratamento pronominal (“tu”, “você”, “vocês”, “Vossa Excelência”, “Vossa Alteza”, “Vossa Majestade”, “Vossa Senhoria”); (ii) o tratamento nominal (“o senhor”, “a senhora”, “o doutor”, “a dona”, “a doutora”, “o senhor ministro”, “o professor”, “o pai”, “a mãe”, “o avô”, “o Carlos”, “a Joana”, “a minha amiga”, “o patrão”, “a menina”, etc.); e (iii) o tratamento verbal (em português, o uso da 3.ª ou da 2.ª pessoa do verbo no singular, como em (1b.) e (1c.), sem sujeito expresso). O tratamento nominal é sempre acompanhado pela 3.ª pessoa verbal e distingue-se dos outros dois tipos por fazer sempre referência a algo relacionado com a pessoa a quem nos dirigimos. Esses traços individuais podem ser, e.g., o sexo/género: “o senhor”/“a senhora”; a profissão ou a categoria social: “o senhor doutor”/“o senhor ministro”; o parentesco: “o pai”/“a mãe”; o nome próprio: “o Joaquim”/“a Maria”; o nome de relação especial: “a menina”/“a minha amiga”. Gunther Hammermüller (HAMMERMÜLLER, 1993 e 2004) classifica as formas de tratamento em nominais, pronominais e verbais, como Lindley Cintra (CINTRA, 1972), mas propõe também a integração no sistema de uma nova categoria, designada por tratamento de evitação, que corresponde ao emprego da 3.ª pessoa (“Ø Deseja açúcar?”), uma forma alternativa utilizada para evitar a escolha de formas pronominais ou nominais que se referem aos estatutos sociais dos interlocutores. A perspetiva semântico-pragmática permite observar como o SFT se relaciona com a hierarquização da sociedade portuguesa. Neste plano, Lindley Cintra (CINTRA, 1972) distingue, e.g., formas de tratamento como: “você”, adequada para relações interpessoais que se se caracterizam como sendo de igual para igual, ou de superior para inferior, e que não implicam intimidade; “tu”, enquanto forma própria de intimidade; ou ainda as formas de cortesia que implicam uma distância entre os interlocutores, e.g.: “o senhor”, “o senhor doutor”, “o Joaquim”, “a Maria”, “a senhora Maria”, “a dona Maria”, “a senhora dona Maria”, “Vossa Excelência”, etc. O PE apresenta um sistema ternário para o tratamento alocutivo, ou o destinatário do discurso (“tu”/“você”/“o senhor”). A sua escolha realiza-se em função dos vários graus de aproximação e de distanciamento social entre o locutor e o alocutário, sendo “tu” empregue para o grau mais elevado da familiaridade, “você” para um grau intermédio e o “senhor” para o grau mais elevado de cortesia. A variedade PB apresenta um sistema mais reduzido, marcado pelo binómio “você”/“o senhor” nas suas variedades-padrão. A Figura 1, a seguir, sintetiza os dois sistemas nestas duas variedades do português, atendendo ao fator “grau de distância/proximidade” entre os interlocutores. [table id=96 /] No que se refere ao tratamento nominal, o português apresenta uma grande variedade de formas (Fig. 2, em baixo), cujo uso depende de vários fatores que definem a situação comunicacional e o funcionamento das relações sociais. As formas nominais, ou nomes vocatórios, podem ser acompanhadas de determinantes definidos e/ou possessivos, de adjetivos e de uma partícula interjetiva. O determinante utilizado pode aumentar ou reduzir a relação de proximidade ou de afastamento entre as pessoas. Os enunciados “ele é o meu caro amigo” e “ele é um amigo” distinguem-se, porque a escolha do possessivo precedido de artigo definido, no primeiro exemplo, implica uma familiaridade entre os interlocutores, enquanto o uso de um artigo indefinido, no segundo exemplo, implica a ausência de proximidade. O fator “nível de escolaridade/educação/habilitações académicas” implica formas de tratamento distintas, consoante alguém possua o título de doutor ou não, e.g.: “O senhor doutor tem tempo para mim?”/“O senhor tem tempo para mim?”/“Ø tem tempo para mim?”. Fatores como a formalidade ou informalidade da situação são também relevantes. Numa situação formal, é necessário tratar as pessoas com o respeito apropriado (“Vossa Excelência”, “o senhor”/“a senhora”) e, numa situação informal, usa-se, em geral, o tratamento de “tu”. As relações de respeito e de cortesia implicam sempre o tratamento formal (“o senhor”/“a senhora”). Uma situação de protocolo exige o tratamento mais formal possível (“Vossa Excelência”, “Vossa Santidade”, “Excelentíssimo Senhor Professor”, “Magnífico Reitor”, etc.). Atendendo ao grau de parentesco, usa-se o tratamento por “tu”, na maioria dos casos, embora se observe também, em algumas famílias, o uso de um tratamento respeitoso (“o senhor”/“a senhora”) com membros mais idosos (pais, tios, avós). É de notar ainda, em PE, a distinção semântica entre o uso do nome precedido ou não por artigo definido, com 2.ª ou 3.ª pessoas do singular, em função da situação comunicacional: “Maria, queres sair hoje à noite?”/“A Maria quer sair hoje à noite?”. Tanto no PB como no PE, observa-se o uso de títulos académicos, quer seja para homens quer seja para mulheres, embora haja alguma assimetria nestes usos, quando considerado o fator “género”. Para as mulheres, está reservado o uso do primeiro nome após o título profissional (“senhora doutora Sílvia”) e, excecionalmente, seguido do apelido (“senhora doutora Sílvia Vieira”); já para os homens, é a utilização do apelido que predomina (“senhor doutor Vieira”). Outra assimetria ligada ao género ocorre também quando se usam as formas “senhor”/“senhora”, que não são equivalentes socialmente. A gradação da distância é feita para o homem pelo uso do primeiro nome e/ou do apelido (e.g.: “ó Senhor António”, “ó Senhor Fonseca”, “ó Senhor António Fonseca”), enquanto para as mulheres a gradação é feita com base na hierarquia social (“a senhora”, “a dona”, “a senhora dona Ana” e, por vezes, seguido do apelido). No que diz respeito ao tratamento verbal, nota-se que, na variedade-padrão do PB, o singular só se usa na 3.ª pessoa, independentemente do grau de cortesia (“você”/“o senhor”/“Ø fala português?”), ao passo que, em PE, a oposição entre a 2.ª e a 3.ª pessoas do singular marca a distinção entre um contexto informal e um contexto formal (“Ø falas”/“Ø fala português?”). No plural, emprega-se a 3.ª pessoa em ambas as variedades do português para referir o alocutário em contextos formais e informais (“os senhores”/“vocês”/“Ø falam português?”). A forma verbal na 3.ª pessoa sem sujeito expresso, ou com sujeito nulo, constitui, em PE, uma estratégia que neutraliza o grau de deferência ou, em outras palavras, a expressão linguística com “grau zero de deferência” (CARREIRA, 2002, 175). [table id=97 /] De acordo com Maria Helena Araújo Carreira (CARREIRA, 2001), do ponto de vista dos participantes na interação verbal, as formas de tratamento podem ser classificadas nas seguintes categorias: elocutivas – EU designo EU – (designação do locutor, em português “eu” e “nós”); alocutivas – EU designo TU – (designação do alocutário, em português “tu”, “você”, “o(a) senhor(a)”, “o(a) doutor(a)”, “o João”, “a Maria”, etc.); e delocutivas – EU designo ELE – (designação do delocutário, em português “ele(s)”, “ela(s)”, “o(s) senhor(es)”, “a(s) senhora(s)”, etc.). A autora, face aos condicionamentos de tipo social que interferem na escolha da forma de tratamento adequada à situação, introduz dois novos planos de análise: o plano do eixo vertical, que representa a hierarquização dos lugares – relações sociais/profissionais, familiares e etárias –, e o plano do eixo horizontal, que dá conta da regulação da distância social – relações de proximidade ou distância social. SFT: Aspectos diacrónicos O SFT constitui um domínio muito sensível à mudança linguística por estar muito dependentes de variáveis sociais, em plena evolução. Na história do SFT em PE, podem ser delimitados, segundo Lindley Cintra, três grandes períodos: O primeiro período (finais do séc. XIII  até o começo do séc. XV): privilegia o sistema de tratamento pronominal, com recurso a “tu” e “vós”, usados entre íntimos e próximos, sendo a segunda forma utilizada entre pessoas cuja relação não permitia o uso de “tu”, fosse ela o Rei, um arcebispo ou um rústico; O segundo período (desde o séc. XV até aos finais do séc. XVIII): para além das formas pronominais “tu” e “vós”, surgem as primeiras formas de tratamento nominais de elevada cortesia, e.g.: “vossa mercê”, “Vossa Senhoria”, “Vossa Excelência”, “Vossa Majestade”, “Vossa Alteza”; No terceiro período (a partir da segunda metade do séc. XVIII): assiste-se à profusão de novas formas nominais de cortesia. A forma “vós” como tratamento cortês da 2.ª pessoa, dirigida só a uma pessoa, desaparece. Ao mesmo tempo, aumenta a degradação de “vossa mercê”, com o correspondente alargamento no emprego de “você”. Ficava assim aberto o caminho para o uso e para a expansão de formas nominais típicas do português dos princípios do séc. XXI, que exigem o verbo na 3.ª pessoa, e.g.: “o senhor”, “o senhor doutor”, “a mãe”, “o meu amigo”, “o Joaquim”, “a Maria”, “a dona Maria”, “a senhora dona Maria”, etc. O estudo de Lindley Cintra (CINTRA, 1972) configura, no que se refere à evolução do SFT no PE, as seguintes tendências: (i) uma progressiva eliminação do tratamento por “Vossa Excelência”, principalmente na língua corrente, conservando-se no registo oral apenas em certas profissões (telefonistas, empregados de comércio, etc.) e contextos (diplomacia, academias, tribunais, etc.) e na variedade escrita; (ii) o alargamento do uso do pronome “tu” e da 2.ª pessoa do singular, com perda do traço “intimidade”, que o caracterizava até então; (iii) a ampliação e, ao mesmo tempo, a redução do emprego do pronome “você”, com perda do seu carácter depreciativo e aumento do seu uso afetuoso, como se regista no PB; (iv) a manutenção dos tratamentos nominais variados e também uma lenta, mas progressiva, eliminação de tratamentos assentes na diferenciação social, tal como a que diferenciava o tratamento “a senhora Maria” (condição social inferior) de “dona Maria” ou “senhora dona Maria” (condição social superior). Algumas destas tendências seriam confirmadas mais tarde por Carlos Gouveia (GOUVEIA, 2008), para quem a mudança no sistema ocorre em direção a um maior nivelamento e reciprocidade sociais entre interlocutores. Este autor observa a extensão do uso de “você” em Portugal, especialmente entre os jovens, socialmente de classe média e popular, o que provoca alguma tensão junto de falantes mais idosos ou de estratos sociais elevados. No entanto, a continuação do uso de “senhor/a Dr./Dr.ª” e “senhor/a doutor/a” no local de trabalho, a primeira para alguém que é licenciado e a segunda para se dirigir a alguém que possui o doutoramento e/ou um médico, compensa o nivelamento apontado anteriormente. Parecem existir, assim, em PE, duas forças opostas que podem ocorrer no mesmo falante: uma que vai no sentido de minimizar as hierarquias sociais e outra que expressa a vontade da sua manutenção, parecendo atingir o sistema triádico que o caracteriza. Um dos aspectos mais notáveis do sistema antigo é a total ausência de tratamentos nominais, o que significa que não havia ainda separação entre os planos da intimidade e da cortesia/distância social. “Tu” ocupava o sector de intimidade, quando havia um certo grau de confiança entre as pessoas, e “vós” tinha um duplo emprego: como um singular de cortesia, destinado a pessoas importantes e a desconhecidos, e como plural indiferente ou forma para alguém se dirigir a várias pessoas. A componente nominal tem as suas raízes no final do séc. XV. De acordo com Lindley Cintra (CINTRA, 1972), as formas nominais, e.g. “vossa mercê”, “Vossa Alteza”, “Vossa Alteza Real”, “Vossa Senhoria”, remontam ao português medieval, tendo sido já atestadas no séc. XIV, como é o caso da forma “vossa mercê”, cujo primeiro registo data de 1331, em textos pertencentes à Corte, com carácter honorífico. No entanto, seria só a partir da segunda metade do séc. XV, período em que se observou a tendência para uma maior hierarquização social, que viria a ocorrer a expansão das formas nominais de tratamento. Assim, “vossa mercê”, a forma que teria dado origem ao “você”, atestada já no séc. XVII (mas cujo início de processo de pronominalização remonta ao séc. XVIII e cuja efetiva gramaticalização aconteceu no início do séc. XIX), era, nos sécs. XIV e XV, a forma nominal apropriada para falar com o Rei, deixando de ser usada, nesta situação, a partir do final do séc. XV, em 1490, altura em que passou a ser empregue para se dirigir a alguém nobre, estendendo-se o seu uso, no séc. XVI, aos burgueses. Nenhuma forma de tratamento passou por tantas transformações lentas e graduais como “vossa mercê”. Esta foi, no fim do séc. XV, substituída por outras formas, como “Vossa Senhoria” (usada pela primeira vez numa carta dirigida ao Rei, em 1434), “Vossa Alteza” (atestada pela primeira vez, também em relação ao Rei, nas Cortes de 1455), “Vossa Excelência” e “Vossa Majestade”. O documento que melhor ilustra esta expansão de formas nominais é a carta dedicatória da Crónica da Guiné, dirigida, em 1453, por Zurara. O cronista empregou, para o Rei, os tratamentos de “Vossa Alteza”, “Vossa Senhoria”, “vossa mercê” e também “vós”, e misturou os tratamentos nominal e o pronominal num mesmo parágrafo, enganando-se igualmente na concordância gramatical, uma vez que usou as fórmulas que exigem a 3.ª pessoa do singular (3PS) com a 2.ª pessoa do plural (2PP): “Como melhor sabe Vossa Alteza que uma das propriedades do magnânimo é querer antes dar que receber [...] E, como quer que em vossos factos se pudessem achar coisas assaz dignas de grande honra, de que bem poderes mandar fazer volume, Vossa Senhoria, usando como verdadeiro magnânimo, a quis antes dar que receber. E tanto é vossa magnanimidade mais grande quanto a coisa dada é mais nobre e mais excelente. Pelo qual, estando Vossa Mercê o ano passado e nesta cidade, me dissestes quanto desejáveis ver postos em escrito os feitos do Senhor Infante dom Henrique vosso tio” (ZURARA, 1949, 9-10). Com as mudanças nas relações políticas, sociais e culturais que decorrem do fim do feudalismo, assiste-se também a uma degradação das formas de tratamento, sendo necessário regular o seu uso. Em 1597, o filho do imperador Carlos V, Filipe II, publicou as leis, conhecidas por “leis das cortesias”, que estabeleciam os limites do emprego de cada forma de tratamento. Fixavam, para o Rei e a Rainha, o tratamento de “Vossa Majestade”; para os príncipes e as princesas, para os infantes e as infantas, para os genros e os cunhados de reis e para as suas noras e as suas cunhadas, fixavam o tratamento de “Vossa Alteza”; para os filhos legítimos dos infantes e para o duque de Bragança, a forma “Vossa Excelência”; e para os bispos, arcebispos, duques, marqueses, condes, governadores, embaixadores e vice-reis, a fórmula “Vossa Senhoria”. Em 1739, o Rei D. João V registou uma nova lei que também ameaçava de castigo cada pessoa que empregasse os pronomes de tratamento para com outras entidades além das enumeradas. Nela, transformou e alargou o emprego de “Vossa Senhoria” e de “Vossa Excelência”. A maior revolução no SFT do português foi provocada, a partir do séc. XIX, pelo aparecimento da 3PS, aplicada à segunda pessoa do discurso. Este tipo de forma de tratamento, acompanhado pelo primeiro nome, apelido ou nome de parentesco do interlocutor, passou a usar-se com bastante frequência em PE, entre as pessoas da mesma idade e categoria social entre as quais existia uma certa proximidade, permitindo a substituição não só das formas “você”, “o senhor”, mas também de “tu”, por outras formas nominais, e.g.: “O tio quer café?”/“A Maria não vai sair?”/“O Rodrigues está a brincar comigo?!”. A forma sem o sujeito expresso também passou a ser frequentemente utilizada, sendo adequada a todas as situações que não se pautem pela intimidade entre os interlocutores, como já anteriormente referido: “Ø Quer café?”/“Ø Não vai sair?”/“Ø Está a brincar comigo?!”. Formas de tratamento regionais O estudo do SFT do português falado, na variedade madeirense, está ainda por realizar. O conhecimento que se tem sobre esta questão é muito parcelar. Relativamente às características regionais na aplicação do sistema em PE-padrão (“tu”, “você”, “o/a senhor/a” e “Ø”) e nas suas correlações sociais de grau de proximidade/familiaridade e respeito, há que assinalar o estudo realizado por Alcina Sousa (SOUSA, 2012), com base num inquérito, cujo questionário segue o modelo da Eurolinguistix, aplicado junto de informantes madeirenses. Este trabalho permite observar as seguintes tendências, no que se refere às formas de tratamento usadas por falantes madeirenses em três tipos de situações: (i) de filhos para pais, com relações de maior intimidade e proximidade: uso de “tu” (mais frequente), sendo referidas pelos inquiridos outras formas, tais como “o senhor”/“a senhora”, “você”, “o pai”/“a mãe”; (ii) de crianças para familiares, onde estão em causa relações de respeito, relacionadas com a dissimetria das idades e da proximidade: o uso de “você” (o mais frequente), seguido de “o Senhor”/“a Senhora”, “o avô”/“a avó”; (iii) de patrão para empregado, ou seja, de superior para inferior, com maior distância social: “você”, seguido de nome + forma verbal na 3PS. Esta diversidade de usos nas três situações contempladas mostra que o próprio SFT do PE, no qual se incluiria a variedade regional, está sujeito a uma grande pressão social e que uma mesma situação poderá dar origem a várias possibilidades interpretativas e à escolha de formas de tratamento diferenciadas, consoante as características sociais (género, idade, escolaridade) dos falantes. Para além do SFT em PE-padrão e das suas micro-variações, ilustradas pelos resultados do estudo de Alcina Sousa (SOUSA, 2012), a variedade regional contempla também expressões vocatórias, seguidas de interjeições, tais como “amecê”, “apaz” (rapaz)/“apariga” (rapariga), “home”. Todas estas formas, pela sua configuração elíptica, parecem enquadrar-se na categoria de nomes hipocarísticos, descrita por Leite de Vasconcelos (VASCONCELOS, 1928). Trata-se de nomes informais, muito usados na linguagem infantil, razão pela qual seriam marcados por um traço semântico-pragmático de afetividade, adequado a situações em que se observa proximidade entre os interlocutores. O processo de hipocorização envolve o apagamento, ou truncação, de uma parte da palavra de base, que pode situar-se no início ou no fim da palavra, e.g.: Marissol > Sol; António > Tó; José > Zé; Fernando > Nando. Este processo pode ainda envolver duas palavras, e.g.: Maria Antónia > Mitó; Maria de Lurdes > Milu. Das expressões em uso nas variedades do português falado no arquipélago da Madeira acima referidas, “amecê” é a única palavra que se encontra registada na obra Vocabulário Madeirense, de Fernandes Augusto da Silva (SILVA, 1950), tendo sido também apontada por Canuto Soares, no seu artigo “Subsídios para o cancioneiro do arquipélago da Madeira. Tradições populares e vocábulos do arquipélago da Madeira”, publicado na revista Lusitana (SOARES, 1914), como sendo equivalente a “vossemecê”, ambas variantes do antigo “vossa mercê”. Também se encontra referida por José Rosado como estando em uso na ilha do Porto Santo, fazendo parte do artigo “Linguagem popular portossantense”, publicado, em 2003, na revista Xarabanda (ROSADO, 2003). Já “apaz” (<rapaz)/e “apariga” (<rapariga), expressões com truncação do segmento fonético inicial, encontram-se referidas no site Madeirense Puro, de onde foram retirados igualmente os seguintes exemplos, que representam varintes gráficas: “Ahpaz, tá-te dande?; “Ahpazzz tu tem cuidado para não emborcares essa tigela no chão”; “Ahpazz! Na’ tires os casques do talho!!”; “Ahpaaazzz... Grupe!”. A palavra que se destaca nestes exemplos é também parte integrante do título do blogue madeirense Apaz! Vais à Vila?. Quanto a “home” (< homem), trata-se de uma forma antiga, já atestada em português arcaico e integrada no seu sistema pronominal como forma de 3PS. É usada, na variedade regional, como um alocutivo/vocativo, e.g.: “Ah hôme, na m’atentes!”. O romance Canga, de Horácio Bento Gouveia (GOUVEIA, 1975), faz referência a uma forma pronominal “si”, também já atestada no PA, inicialmente delocutiva, mas usada como alocutiva, conforme pode ser observado nos seguintes exemplos, retirados desta obra: (1) - Antão que lh’aconteceu daí p’ra cá? - Si o sabe! - […] - Mei não acredita nei minhas intenções? - Cuma acraditar se si tem tão má fama!” (p. 50) - Si na diz a verdade! - Digo, digo - Mas si nã me disse ainda o que me quer!” (p. 63) (3) - Já ia tarde. Nem vua à Chapoeirada, a casa de me padrinho. - Se lh’agrada vua mai si.” (p. 64) O pronome de tratamento “si” parece funcionar, tal como surge nos diálogos acima, como uma variante popular e de respeito, relacionada com outras variantes que se caracterizam por requererem uma forma verbal na 3PS (“você” ou “senhor”), consoante a maior ou menor proximidade existente entre os interlocutores da interação verbal. Tal como nos outros domínios da variedade do Português Falado na Madeira (Sintaxe; Regionalismos ;Fonética), os dados provenientes das formas de tratamento, no plano léxico-pragmático, apontam, assim, para a coocorrência de traços arcaizantes (uso de “senhor” nas relações filhos/pais e uso de vocativos “home” e “si”) e de traços inovadores (uso de vocativos “apaz”, “apariga”).   Aline Bazenga (atualizado a 07.12.2017)

Linguística

demerara

O território da costa norte da América do Sul integrou a Guiana inglesa desde 1838 até 1966, altura em que se tornou país independente e passou a designar-se República Cooperativa da Guiana. A sua capital, Georgetown, encontra-se na foz do rio Demerara, pelo que a região também ficou conhecida como Demerara. O território compreende uma faixa costeira pantanosa, conhecida, no séc. XIX, dos madeirenses pelos pântanos, onde terão morrido muitos destes emigrantes ilhéus. A América Central e do Sul surge como o principal porto de destino da emigração madeirense no séc. XIX, pois 98 % dos emigrantes saídos da Madeira rumaram a essas paragens, nas suas três vertentes: Antilhas, América do Norte e Brasil. As Antilhas inglesas destacam-se como o principal mercado recetor da mão de obra madeirense, recebendo 86 % dos saídos legalmente do arquipélago. Estes distribuíram-se, de forma irregular, por St. Kitts, Suriname, Jamaica e Demerara, áreas sobejamente conhecidas do madeirense e ligadas à Ilha por força do comércio do vinho. Na déc. de 40 do séc. XIX, Demerara foi o principal destino dos emigrantes, porque existiam facilidades com o custeamento da viagem e havia a perceção de que ali se enriquecia de forma rápida. A emigração para Demerara deverá ter começado em 1834, com a abolição da escravatura na colónia inglesa. Desta forma, a 3 de maio de 1835, 40 madeirenses foram trabalhar nas plantações de La Pénitance, Liliendaal e Thomas. Desses, 30 não se adaptaram às plantações, tendo regressado à Madeira. Todavia, partir de 1840, os madeirenses acabam por se fixar na cidade de Georgetown, vindo a assumir uma posição destacada no comércio, de tal forma que, em 1890, metade das lojas comerciais eram portuguesas. Para o período de 1841 a 1889, Demerara manteve uma posição dominante na emigração madeirense, tendo recebido 36724 emigrantes, maioritariamente de Machico e Santo António. É também com Demerara que se ensaia o processo da emigração clandestina, mantida através de uma cadeia de engajadores. Desde 1792 que temos medidas para combater este flagelo, mas faltam meios para o fazer num espaço como a Madeira. O movimento de clandestinos acontecia em toda a costa sul, nomeadamente no Caniço, na Praia Formosa, no Paul do Mar e na Ponta do Pargo. Na déc. de 40 do séc. XIX, volta-se a reforçar a legislação, apesar de a falta de meios não evitar este tipo de emigração. Em 1845, surge o primeiro caso de emigração clandestina para Demerara, com o aprisionamento de 31 indivíduos no Porto Moniz, quando se preparavam para embarcar no iate Glória de Portugal. Em 1847, temos a situação do bergantim português Mariana que, 15 dias após a sua saída do Funchal, ainda estava na Ponta do Pargo com o pretexto de fazer aguada. A bordo, encontrou-se 187 passageiros, sendo apenas 34 com passaporte (VIEIRA, 1993, 118). Muitos mais se seguiram, sendo de referir, ainda em 1846, a barca inglesa Palmira, que saiu do Funchal com 23 emigrantes com passaporte, e que chegou a Georgetown com 410 passageiros oriundos da Ilha. Em 1893, o Diário de Noticias do Funchal refere que António André Martins, aprendiz de tipógrafo, tinha embarcado clandestinamente, referindo que “o pobre rapaz fugiu com a ideia de melhorar de sorte e conta ser empregado em Georgetown no estabelecimento de bebidas que pertence a um seu tio” (DNM, 1 mar. 1893, 1). Apenas em princípios do séc. XX parou esta vaga de emigração de madeirenses para Demerara. Desta forma, em 1904, a polícia de emigração informa que “a corrente emigratória para Demerara acha-se paralisada há muito tempo” (DNM, 6 abr. 1904, 1). Todavia, em 1906 (DNM, 14 jun. 1906, 1), encontramos um pedido de barbeiro para este destino. A ideia dominante em muitos testemunhos, desde a déc. de 40 do séc. XIX, é de que era elevada a mortalidade entre os emigrantes madeirenses. A febre-amarela é o principal inimigo dos madeirenses em Demerara. Em 1842, há notícias de que, nos 4 anos anteriores, haviam fixado morada aí cerca de 5800 madeirenses, que acabaram por morrer desta enfermidade. A 25 de novembro de 1842, afirmava-se em O Defensor que “alvejam nos pântanos de Demerara os ossos de 5000 desgraçados que a fome afugentou dos nossos lares, e tu ó governo és responsável perante o Céu e perante os homens por tão funestos resultados” (O Defensor, 25 nov. 1842, 4). Daí o epíteto de “matadouro de Demerara”, atribuído aos pântanos desta área da América do Sul. No decurso do séc. XIX, as cartas de emigrantes foram usadas como meio de propaganda e publicadas na imprensa madeirense, com o objetivo de combater a emigração clandestina e denunciar os problemas e as dificuldades que se encontravam no destino. Algumas destas cartas testemunham a ilusão das promessas feitas à partida da Ilha, e apontam as condições difíceis em que viviam os madeirenses em Demerara. Numa carta de 26 de agosto de 1846, de Felicidade Chaves a José Teixeira, refere-se que o milho cozido chegou azedo, mas mesmo assim o comeram (VIEIRA, 2011, 758). Também o Echo da Revolução dá conta das dificuldades: “já não se ganha um vintém e da muita mortandade de portugueses que estão morrendo povo. Já não estão das partes um de portugueses vivos” (Echo da Revolução, 17 out. 1846, 4). Associaram-se a esta campanha de denúncia das condições que esperavam os madeirenses nos destinos de emigração outros jornais, sendo de realçar o Correio da Madeira (1850) e o Progressista (1851) onde este movimento emigratório surge sob o epíteto de “escravatura branca”. De acordo com o cônsul português em Demerara, os emigrantes “são tratados como verdadeiros escravos, e mesmo pior do que são os negros da costa d’ África”. A resposta a esta carta não se fez esperar, pela voz de Diogo Taylor, cônsul inglês e agente da emigração para estes destinos, que realça os mútuos benefícios da emigração (VIEIRA, 2011, 759). A isso se junta o testemunho abonatório de um grupo de Portugueses residentes na Guiana inglesa. Numa proclamação do administrador geral do Funchal, Domingos Olavo Correa de Azevedo, refere-se que “Demerara [...] é uma possessão inglesa, cujo clima por extremo ardente e doentio, terminara em pouco tempo, com a existência da maior parte dos emigrantes que para ali vão, e onde estes infelizes, reduzidos, durante sua vida, a uma situação desesperada, vendo-se em total desamparo, e privados de meios de regressarem, se sujeitam a uma sorte tão cruel como a que em outro tempo ali experimentavam escravos negros” (VIEIRA, 1993, 126). O Progressista, porta-voz do Partido Regenerador, que se publicou entre 28 de agosto de 1851 e 15 de maio de 1854, é o periódico que dedica maior atenção à problemática da emigração, atribuindo-lhe com insistência o designativo de escravatura branca, considerando Demerara e o Brasil como matadouros. O Imparcial, publicado de 14 de abril de 1840 a 20 de junho de 1846, refere, a propósito: “Parece que a cidade do Funchal se converteu de repente numa grande feira d'escravos brancos, destinados a irem perecer no clima mais infeto dos domínios britânicos – Demerara”. E diz que “A emigração para Demerara é uma infame lotaria cujos bilhetes contendo raríssimas sortes em preto são comprados com as vidas dos nossos concidadãos” (Id., Ibid., 129). Qual o balanço possível destas levas de emigrantes para Demerara? Poder-se-á considerar positivo para a Ilha e para as gentes emigradas? Não obstante subsistir, no séc. XIX, o epíteto de demerarista, como sinónimo de riqueza dos retornados da colónia inglesa, podemos concluir que o saldo foi negativo, como provam os dados quantitativos. Assim, dos 418 emigrantes orientados para este destino até 1849, só 5 (1 %) regressaram à Ilha, enquanto 224 (45 %) pereceram com a febre ou as agruras do calor tropical. Para o ano imediato, dos 2199 madeirenses que saíram rumo a esse destino, morreram 254 (12 %) e apenas 221 (10 %) regressaram, 120 dos quais doentes. Por outro lado, a fortuna acumulada não era aliciante, como comprovam os números: apenas 107 (48 %) conseguiram melhorar a sua situação económica, enquanto 50 (23 %) nada lucraram com a deslocação, antes pelo contrário, viram-se em apuros. Apesar disto, esta emigração teve algum retorno positivo na economia rural da Ilha, que se torna notado nas décs. de 50 e 60 do séc. XIX. Desta forma, em 1868, em informe do governo civil, diz-se que “pela desvinculação que trouxe a liberdade da terra, tem prosperado ali a cultura, muito auxiliada com os capitais circulantes, de milhares de pessoas que têm regressado de Demerara e outros lugares das West Indias, com muito mais de mil contos, e quase todo esse dinheiro está empregado nos Concelhos rurais. É por essa razão também, que a propriedade urbana nesses Concelhos tem dobrado e triplicado nos últimos anos” (ABM, Governo Civil, n.º 573, fls. 53v-66v). É evidente o impacto da emigração para Demerara na sociedade madeirense. Assim, eram habituais as notícias sobre esta comunidade, e o DNM chegava a publicar, na primeira página, uma rubrica intitulada “Noticias de Demerara”, transcrevendo diversas notícias do jornal Portuguez. Também era frequente outro tipo de notícias que atestam esta saída para Demerara, como os leilões de mobília e os anúncios de despedida dos que partiam para os que ficavam e não haviam tido condições de o fazer de forma particular. Assim, em 8 de outubro de 1889, Abel Maria de Silveira e mulher anunciam a partida para Demerara e despedem-se de todos os conhecidos (DNM, 8 out. 1889, 2). Temos, ainda, as notícias da última página, anunciando os vapores para os diversos destinos, que, até 1926, continuam a incluir Demerara. Ainda devemos notar a ação benemérita destes emigrantes face às situações de catástrofe que ocorriam na Ilha, como foi o caso com as inundações de 1895, com subscrições de donativos. Desta forma, podemos afirmar que, entre a déc. de 40 do séc. XIX e os primeiros anos do séc. XX, a presença de Demerara na sociedade funchalense é evidente, sendo o DNM, a partir de 1873, o seu porta-voz. A forte presença da comunidade portuguesa em Georgetown conduz a que esta comunidade adquira importância e visibilidade na sociedade local. Os Portugueses unem-se em torno das tradições de origem, com a proteção ou presença da estrutura da Igreja Católica, como na igreja do Sagrado Coração de Jesus, onde celebram o Corpus Christi, assim como as festas do Espírito Santo. Em 1842, num relatório do governador da colónia, se refere que os emigrantes portugueses sentem a falta de “padres da sua religião que lhes administrem os confortos dela” (O Defensor, 19 fev. 1842, 4). O espírito associativo desta comunidade está evidenciado com a criação, em 1872, da Portuguese Benevolent Society, e do Portuguese Recreative Club, em 1923. Temos, ainda, uma escola portuguesa, que adquiriu algum renome no séc. XX. E, nesta comunidade, pratica-se desporto. A importância da comunidade portuguesa pode ainda ser atestada pela imprensa que se publica em português: o Voz Portuguez, a Uniao Portugueze, a Chronica Semanal, o Lusitano, o The Watchman e o The Liberal. Alguns jornais da Ilha eram aí vendidos, figurando, no cabeçalho, o preço da assinatura, como sucedia em 1868 com a Imprensa Livre, cuja anuidade era de 1$000rs. A par disso, deveremos referir que muitos madeirenses adquiriram importância na sociedade local como comerciantes e profissionais liberais, alargando a sua atividade à banca, como funcionários do The East Bank, Demerara, do Meadow Bank, Ruimveldt, etc.. De entre estes, temos notícia de Francisco Rodrigues, João A. de Sousa, José F. de Freitas, considerados abastados comerciantes em Georgetown, com múltiplas referências que atestam esta situação. Em 1896, o filho de José F. Freitas concluiu o curso de Medicina em Cambridge (DNM, 31 jul. 1896, 1). Em 1906, trabalhava no Hospital Publico de Georgetown um cirurgião de nome Quirino de Freitas, filho de madeirenses (DNM, 16 jul. 1906, 1). Neste mesmo ano, sabemos que Francisco Dias, também filho de madeirense, foi eleito membro do Parlamento de Georgetown, cidade onde exercia advocacia (DNM, 19 nov. 1906, 2). Temos ainda Peter D'Aguiar, que fundou o United Force Party, que alcançou 16.3 % do eleitorado nas eleições de 1961; em 1964, de coligação com The African, dominou o Congresso Nacional. A presença portuguesa continuou ainda a ser notada em Georgetown pelo séc. XXI, com empresas como G. Bettencourt & Co; D'Aguiar's Imperial House; Demerara Pawnbroking & Trading Co; The Eclipse, D. M. Fernandes Ltd; J. P. Fernandes; Ferreira & Gomes Ltd; Guiana Match Co Ltd; J. P. Santos & Co Ltd; e Rodrigues & Rodrigues. Fazendo jus a esta realidade da emigração e presença portuguesa em Demerara, temos a produção literária em torno dos emigrantes que conseguiram regressar, conhecidos como demeraristas. Assim, tivemos as peças teatrais A Família do Demerarista (1859), de Álvaro Rodrigues d’ Azevedo, O Alliciador (1859) de João de Andrade Corvo, A Virtude Premiada (1862), de João de Nóbrega Soares, e os romances Os Ibis Vermelhos da Guiana (2002), de Helena Marques, e O Fotógrafo da Madeira (2012), de António Breda Carvalho. Mas as relações da Madeira com Demerara não se resumiram à mobilidade humana. Por força da existência desta relação humana e de uma rota comercial que ligava o Funchal a Georgetown, tivemos o comércio assíduo de vinho, feijão-verde, tomate, cebola, alho, batata-doce, semilha, como, ainda, de figos, castanhas, azeitonas, passas, peros, cuscus, obras de vimes e bordados. Nesta relação de produtos que acompanhavam os emigrantes madeirenses no percurso até Demerara, muitos iam por solicitação desta comunidade, com o objetivo de garantir a sua subsistência; no mês de dezembro, seguiam os chamados géneros para o Natal que, em 1903, foram conduzidos pela escuna Esperança. No retorno ao Funchal, em visita à família, aparecem emigrantes com alguns produtos da produção local, como mel e açúcar mascavo, conhecido como açúcar demerara, assim como melaço para o fabrico de aguardente, também importado pelo engenho do Hinton. Note-se que até os bolos de mel madeirenses eram feitos com mel de Demerara. A este movimento de pessoas e mercadorias entre os dois destinos, junta-se a mobilidade de animais e plantas. Assim, de Demerara, trouxe João Duarte da Silva, de Câmara de Lobos, uma nova planta de batata-doce, que anuncia, em 1858, nos jornais (Semanário Oficial, 3 nov. 1858, 4). Tivemos, ainda, a aportação de diversas variedades de cana de açúcar, promovidas por iniciativa do visconde de Canavial, quando foi governador civil (1886-1888). Da Ilha para Demerara, temos informação de que se levou cerejeiras e pés de morangos, por iniciativa de Manuel Augusto Pereira, que ficou na história de Georgetown como o primeiro que aí produziu e vendeu morangos (DNM, 6 abr. 1904, 1). Existem, ainda, algumas curiosidades desta partilha entre Georgetown e o Funchal. Em 1895, os emigrantes encomendaram ao Caseiro, popular artista funchalense, uma escultura do Senhor Morto (DNM, 10 mar. 1895, 10). E, em 1911, a imagem de Nossa Senhora da Conceição da capela das Amoreiras, no Arco da Calheta, foi uma dádiva de emigrantes de Demerara (DNM, 12 jan. 1911, 1).     Alberto Vieira (atualizado a 07.12.2017)

História Económica e Social Madeira Global

falar(es) na escrita

As duas faces de uma língua viva Constituída por uma vertente oral e outra escrita, uma língua é, por princípio, bifacial. Contudo, nem sempre os dois lados coexistem. Se for uma língua viva, a face oral, tem-na por inerência, mas pode não contemplar a escrita. Os crioulos cabo-verdianos constituirão um caso paradigmático disso mesmo, embora a situação se esteja a alterar com a tendência crescente para a fixação da fala do criouléu cabo-verdiano de Santiago, divergente, por exemplo, do de São Vicente. Se se tratar de uma língua morta, sucederá o inverso. É assim com a língua latina, que, grosso modo, subsiste apenas na escrita. Pela sua prolífera cisão, esta deu origem às línguas românicas, que, inicialmente, eram apenas faladas e que, por razões históricas, ganhando dimensão nacional ou regional, se tornaram, na sua maioria, escritas. A língua portuguesa, com 800 anos de história contados a partir do Testamento de D. Afonso II, datado de 1214, é exemplificativa de uma língua latina com escrita fixada, havendo percorrido um longo percurso para o efeito. Todavia, há línguas que estavam mortas e que voltaram a ganhar vida, ou seja, readquiriram uma vertente oral. Foi o que aconteceu com a hebraica, aquando da criação do Estado de Israel. É possível contar com outras línguas que nunca foram escritas e que desapareceram ad aeternum com a extinção da sua comunidade de falantes (cf., p. ex., DN, 7 fev. 2011, 49). Algumas mantêm-se vivas pontualmente, como os versos sânscritos recitados em exercícios de ioga. Neste conjunto de línguas, seria igualmente viável inserir o latim, já que a Santa Sé o usa ocasionalmente, sendo a sua língua oficial, embora o italiano a substitua em grande parte das ocasiões em que é indispensável recorrer a um registo linguístico de viva voz. Assim sendo, compreende-se que a dinâmica de um idioma é dada pelo facto de ele ser falado, usado na comunicação diária dos membros de uma comunidade. Esta evidência reencontra-se na relação dos termos “comum”, “comunidade” e “comunicação”, ao integrarem a mesma família. Entre línguas naturais mortas (desaparecidas ou conservadas), ressuscitadas e vivas, a relação entre as suas duas faces, os dois registos, é incontestável. Podem esses dois lados (ou apenas um deles) encontrar-se num estado latente/implícito (sem escrita ou sem oralidade) ou patente/explícito (com escrita e com oralidade). No geral, é à comunidade de falantes (os usuários das línguas numa ou nas duas facetas) que cabe decidir o que pretende fazer. Acontece que, nas trocas linguísticas quotidianas, a variedade da língua empregue raramente corresponde, com completude, à que está padronizada nos dicionários e nas gramáticas, nos compêndios e nos prontuários, já que os membros de uma comunidade vão recorrendo quer a diversos níveis da linguagem, consoante as situações de comunicação em que se encontram – das mais formais às mais informais –, quer a variedades sociais ou diatópicas com cunho específico. É preciso ter em conta que estas últimas recebem a influência da área geográfica onde os falantes nasceram e vivem ou onde passaram a residir, sem aí terem nascido. Assim, sucede que na Região Autónoma da Madeira (RAM) se fala de uma maneira que não é integralmente comum à do restante território nacional, embora também se recorra, nesta área geográfica insular, à variedade padrão, de modo mais premente na escrita documental e oficial. Compreende-se, consequentemente, a razão por que a variedade regional tem somente registo oral, não possuindo nenhum registo escrito oficial. É famosa a frase “O grade azougou e foi atupido na manta das tenerifas”, apresentada como um exemplo ilustrativo do falar regional usado pela população, sendo incompreensível a quem seja de fora, isto é, estranho à comunidade. Aliás, vão-se divulgando textos escritos “à madeirense” (incluindo do Porto Santo: cf., p. ex., ROSADO, 2003). É também esta a ideia que perpassa, por exemplo, no texto “Linguagem Popular da Madeira”, da obra homónima (SILVA, 2013, 23-27), e na crónica “Falares Ilhéus” (JARDIM, 1996, 23-24). No arquipélago, é frequente ouvir dizer, mesmo numa situação formal de comunicação, que determinada tarefa leva “horas de tempo” (“Esse trabalho leva duas horas de tempo”), mas a expressão não se deverá escrever, já que, no plano da escrita, vigorará a norma que aceita unicamente “horas” (“Esse trabalho leva duas horas”). Esta discrepância é fácil de entender, visto que as entidades que controlam o idioma, nomeadamente no que se refere ao ensino, para o manterem homogéneo, o mais uniformizado possível, optaram por uma grafia única, a da norma, um padrão imposto às restantes variedades. Assim, a qualidade bifacial do Português assume, do lado da escrita, à partida, a invariabilidade, mas reconhece, do lado da fala, a variabilidade. Infere-se, daí, que a norma é a única variedade com menos variação. Todavia, a este propósito, sublinhe-se que a definição de “norma” pode não ser unânime. Embora este conceito tenha uma base incontestável, quando a definição remete para “que serve de modelo, de padrão”, foi posto em causa, ultimamente, devido à população referencial que a consubstancia. A que falantes corresponde a norma? Reporta-se aos mais instruídos, sejam eles de que parte do país, e do mundo, forem? Tem origem, em exclusivo, nos falantes mais escolarizados (estrato social médio-alto) de uma área geográfica precisa (Lisboa ou Coimbra-Lisboa)? Para o Português Europeu, equivaleu à variedade usada pela classe alta do eixo Lisboa-Coimbra, e para o Português do Brasil, à das classes altas do Rio de Janeiro (CUNHA e CINTRA, 1995). Como já referido, este conceito de cariz social e geográfico tem sido alvo de alguma refutação, estando, claramente, a ser reequacionado (cf., p. ex., EMILIANO, 2009), o que é compreensível numa sociedade do séc.XXI que, pesem embora as enormes desigualdades sociais, tende para a existência de uma classe média mais forte, com diminuição dos extremos no que toca ao poder económico. Este é, pelo menos, o cenário generalizado na sociedade ocidental. Esquecendo, momentaneamente, a problemática colocada pelo conceito de “norma linguística” e centrando a temática na questão das variedades, sabe-se que, habitualmente, os falantes regionais dominam, pelo menos, duas variedades linguísticas: a exógena (a normativa) e a endógena (a nativa). Diz-se, então, que existe um fenómeno de diglossia, muito semelhante ao bilinguismo. Torna-se evidente, porém, que isso se aplica em exclusivo ao registo oral, uma vez que, na escrita, predominará a ortografia estabelecida para a língua oficial. Por exemplo, num bilhete para um familiar, um madeirense poderá escrever algo como “Vamos ir lalá lalém com Maria. Junta a mochilha!”, hesitando na grafia de “lalá”: “lá-lá”/“lá lá” e de “lalém”: “l’além”/“lá-além”/“lá além”. Todavia, se ele tivesse de transmitir esta mensagem a alguém que não fosse da mesma variedade diatópica, encontrando-se, além disso, numa situação de comunicação que requeresse adequação linguística, deveria alterá-la, adaptando-a com uma proposta como “Vamos dar um passeio acolá com a Maria. Apanha a mochila!”. Numa comparação geral destas duas possibilidades, observa-se que as divergências existentes entre o registo exógeno e o endógeno são substanciais e mereceriam a elaboração de um dicionário (Regionalismos Madeirenses) e de uma descrição gramatical (REBELO, 2014a). Esta deveria dar conta de todas as marcas linguísticas que individualizam a variedade regional a nível da Fonética, da Morfologia, da Sintaxe e da Semântica, incluindo os outros campos dos Estudos Linguísticos, o que os vários trabalhos existentes, de que fazem parte as dissertações académicas, tenderam a fazer de modo parcial. Fica claro que a norma de uma língua viva tem uma vertente oral e uma escrita, mas tal não sucede com as variedades diatópicas, uma vez que possuem unicamente, em termos oficiais, registo oral. Pontualmente, quando se vê escrita nas mais diversas situações de comunicação, nem sempre, por diversas razões, é evidente a variante a fixar (REBELO, 2014b). Aliás, as corruptelas, ou seja, “pronúncia ou escrita de palavra, expressão, etc. distanciada de uma linguagem com maior prestígio social” (HOUAISS, 2001), presentes nas entradas de vocabulários e glossários são prova disso mesmo. Com frequência, surgem na imprensa (cf. os jornais regionais publicados diária ou semanalmente na RAM) hesitações. É o caso de “persiana”, um vocábulo que não se usa no arquipélago e que é, sistematicamente, substituído pelo termo tido como regional “tapa-sol” ou “tapassol”, parecendo difícil escolher entre uma ou outra variante. Acontece de igual modo com muitos outros termos registados nos vocabulários existentes (cf. RIBEIRO, 1929; SILVA, 1950; SOUSA, 1950; PESTANA, 1970; e CALDEIRA, 1993, entre outros). Esta variação gráfica assinala-se, inclusive, nos estudos linguísticos, como os de Käte Brüdt (1938) e de Millet Rogers (1940, 1946 e 1948), que anotaram as palavras da forma como as ouviram pronunciadas pela população. A audição com apontamento foi a metodologia seguida por grande parte dos estudiosos da variedade insular madeirense. Aliás, estes dois investigadores, como quase todos os outros dos três primeiros quartéis do séc. XX, arranjaram uma transcrição sui generis para grafar a dinâmica da fala madeirense (REBELO, 2002b). Este método de registo do(s) falar(es) faz lembrar o da “pronúncia figurada” (REBELO e SANTOS, 2013, submetido), que se empregou extensivamente antes de haver alfabeto fonético internacional. Veja-se o seguinte exemplo para “vinho”, evidenciando a diferença entre a pronúncia figurada, como a expressa em “vâinho” (BRÜDT, 1937-1938), e uma transcrição fonética que se poderá considerar equivalente: ['vɐjɲu]. Sinteticamente, a expressão “pronúncia figurada” significa aquilo que os termos constituintes evidenciam, ou seja, é a representação escrita (figurada), através das letras do alfabeto latino e de determinados sinais adicionais, como acentos gráficos, usada para poder ser reproduzido por meio da leitura (articulação) um modo de dizer (pronúncia) de uma língua estrangeira ou de uma variedade geográfica. A única face visível da variedade diatópica madeirense A variedade insular madeirense, no seu todo, tem, consequentemente, patente a face oral, uma vez que é exteriorizada através da verbalização, e latente (invisível) a faceta escrita, dado que não possui gramática oficial, nem ortografia definida. O mesmo se verifica para as restantes variedades regionais portuguesas ou para as outras realidades não diatópicas lusófonas, como as africanas ou as asiáticas. Podem existir estudos que descrevam ou registem particularidades da oralidade das variedades, mas são restritos e pontuais. Aliás, a “transcrição alinhada” que acompanha as gravações dos CD’s Português Falado (BACELAR DO NASCIMENTO, 2001) normaliza consideravelmente a vitalidade da fala, distanciando-a bastante da grafia que surge a acompanhar o registo oral dos falantes gravados. Porém, esta situação tem vindo a ser alterada, dando-se visibilidade ao registo da variedade, como aconteceu para São Vicente (cf. FREITAS, 1994), embora não se tenha acesso às gravações realizadas pela pesquisadora. Quase todos os trabalhos, incluindo os académicos, curiosamente, facultam o registo escrito (transcrição), mas não dão o registo oral gravado que motivou a transcrição, sucedendo o mesmo com os trabalhos dos atlas linguísticos (REBELO e NUNES, 2009), em que apenas se publica a transcrição fonética dos termos cartografados. É assim desde o início das investigações, mas ressalva-se que, antigamente, os meios técnicos eram praticamente inexistentes. Leite de Vasconcelos, Paiva Boléo e Lindley Cintra interessaram-se pelo estudo da variação diatópica portuguesa, procurando atestar (por escrito) estas realidades linguísticas ultradinâmicas. Quanto à existência de uma única variedade madeirense ou de muitas, uns preferem o singular (VASCONCELOS, 1901, 1970) e outros o plural (CINTRA, 1990, 2008). Escreveu Lindley Cintra que “[...] não parece certo afirmar sem hesitação que o grupo de dialetos madeirenses (como, aliás, os açorianos) pertence ao grupo dos dialetos meridionais do continente, como também será inexato associá-los sem reservas ao grupo dos setentrionais. Misturam-se neles características próprias de ambos os grupos, o que obriga a situá-los num grupo à parte – ‘insular’. Dentro desse grupo os dialetos madeirenses isolam-se dos restantes devido à existência, que procurei rapidamente apresentar, de fenómenos raros, ausentes dos dialetos de outras ilhas, do continente e por vezes até – podemos acrescentar – do resto daquilo a que chamamos România” (CINTRA, 2008, 104). No entanto, apesar de optar pelo plural, não os identifica, nem os localiza. Indicar, unicamente, diversas particularidades não parece suficiente para justificar a existência do plural “dialetos madeirenses”. Foi testado o reconhecimento auditivo da variação na variedade insular madeirense (REBELO, 2011) e comprovou-se que dificilmente os ouvintes conseguem identificar, simplesmente pelo falar, a origem regional dos falantes. Assim, por falta de provas e de estudos consistentes sobre este assunto, opta-se por referir a variedade no geral e, consequentemente, no singular. Aliás, a designação “madeirense” (até prova em contrário) serve perfeitamente para o efeito, fazendo equivaler a linguagem regional ao identificativo do habitante (língua e gentílico), como acontece com a maioria das línguas vivas (REBELO, 2014a). Antes de os estudos pós-saussurianos centrarem a análise linguística na parole (fala), em vez de se concentrarem na langue (língua), os filólogos debruçavam-se sobre os textos escritos, em especial os literários. Deles colhiam informações pertinentes para o estudo da langue, em particular da sua diacronia e história. Criando-se a Linguística como disciplina científica, o que passa a interessar não são os textos fixados em suportes deterioráveis como o papel, mas a riqueza sincrónica da fala multivariável, com um suporte físico “imaterial” (o ar). Este afastamento da escrita levou os especialistas da linguagem, sobretudo os dedicados à análise da fala, num plano sincrónico, a olvidarem totalmente os registos literários. Ora, para os linguistas que têm procurado estudar o português falado na RAM, através de transcrições e de gravações, é de todo conveniente observar, igualmente, os contributos dos escritores regionais. No séc. XX, sobremaneira na primeira metade, indo mesmo aproximadamente até à déc. de 70, as transcrições linguísticas presentes em dissertações de licenciatura, e noutros trabalhos académicos, como se referiu, não diferiam muito das propostas presentes em textos literários, nos diálogos de personagens tipicamente regionais, estando ambos (trabalhos académicos e textos literários) muito próximos do método da “pronúncia figurada”. A descrição da fala regional importa aos estudiosos da linguagem e a um número considerável de escritores, embora numa abordagem menos científica do que a que orienta um linguista. Logo, é a Literatura que vai permitir registar a escrita do modo regional de falar, mesmo se algumas produções literárias não têm seguido esta via, o que aconteceu na recolha de contos populares (FREITAS, 1996) ou de rimances (FERRÉ e BOTO, 2008). Não se almeja, no entanto, abordar a questão da “Literatura Madeirense” (cf., p. ex., HOMEM, 1999 e SANTOS, 2007, 2008), mas tão-somente valorizar, para o falar da variedade madeirense na escrita, o contributo de textos literários de alguns escritores, mais ou menos conhecidos, consagrados ou não, relevantes ou insignificantes quanto ao cânone literário (SANTOS, 2008). A escrita da variedade madeirense: a relevância do texto literário Em termos linguísticos, se o português falado na RAM é apenas unifacial por possuir exclusivamente a face oral, quando olhado sob o prisma literário, torna-se bifacial. Contudo, a dimensão escrita que adquire não é ortográfica, mas fonográfica ou grafofónica (REBELO, 2013 e 2014, no prelo). Estes dois últimos termos estabelecem uma íntima relação entre a dimensão “gráfica” (representação escrita) e a “fonia” (produção oral) para dar conta das características regionais ou locais de um modo de falar. Consistem, por assim dizer, no mesmo processo empregue no registo da “pronúncia figurada”. Posto isto, convém, todavia, clarificar que as representações escritas do registo oral regional vão variando consoante os escritores e a maneira como captaram as sonoridades insulares, não havendo, portanto, uma relação unívoca entre estas duas faces. As causas para este fenómeno serão múltiplas e não se equacionam de momento. A poligrafia literária faz lembrar o polimorfismo próprio do Português Arcaico (cf., por exemplo, VÁZQUEZ CUESTA e LUZ, 1988). Por exemplo, o Dicionário Houaiss apresenta a evolução histórica dos significantes e verifica-se que nem sempre um determinado vocábulo (ex.: “igreja”) se escreveu da mesma maneira, tendo tido, num mesmo período ou em mais, várias formas (ex.: “egreja” e “ygreja”, entre outras possibilidades). Em parte, isso verifica-se porque os diversos autores tidos como regionais foram fixando e dando corpo gráfico, visibilidade impressa, às sonoridades insulares, segundo a sua própria captação da fala. Este processo de materialização dos diversos níveis da variedade insular (como o social: calão, gíria, etc.) na escrita literária sucedeu no plano internacional (p. ex., em França, com Raymon Queneau, e em Moçambique, com Mia Couto) e nacional, com escritores como Lídia Jorge ou Aquilino Ribeiro. Aliás, é sabido que já Gil Vicente procurara conferir um estilo linguístico a determinados tipos de personagens, moldando a grafia segundo traços de pronúncia. Logo, esta especificidade não se observa unicamente na RAM, uma vez que é comum a outras variedades, registos ou línguas. Deste modo, não é uma estratégia exclusiva do espaço criativo madeirense. Contudo, é aqui que a interessa observar, esboçando-lhe os contornos para a configurar. São, sobretudo, as personagens representativas das camadas sociais mais baixas, tipicamente populares, que, nos textos literários, vão “falar à madeirense”. O valor científico da linguagem popular (BOLÉO, 1942) e a problemática da relação entre “popular” e “regional” (VERDELHO, 1982) são tópicos prementes para o estudo do registo escrito das variedades. A escrita ficcional tende a querer assumir traços de realismo linguístico (REBELO, 2008, 2013, 2014 no prelo). Portanto, as personagens, enquanto entidades literárias intratextuais, ganham pujança extratextual, representando um modo de falar de um povo de uma região. Têm entidade individual, muitas vezes com nome próprio, mas identificam o conjunto, a comunidade. O texto adquire, então, um colorido regional quando estas personagens populares, quer iletradas quer pouco ou nada instruídas, falam, sendo recriadas pelos autores. A grafia da fala representada passa a ser desviante porque é uma “transgressão ortográfica”, visto corresponder a uma transcrição gráfico-fónica. As letras do alfabeto latino são usadas para escrever a pronúncia regional que se afasta da representação ortográfica normativa (como no processo da “pronúncia figurada” e de modo distinto da transcrição alinhada, representação ortográfica que acompanha linha a linha a produção de um texto oral). São, assim, as sonoridades específicas da variedade diatópica madeirense que passam a ser escritas. É complexo saber quem terá sido o primeiro autor a procurar registar o falar regional madeirense na escrita, nomeadamente literária, uma vez que a tendência foi quase sempre a de normalizar a grafia. Sem considerar o registo pontual de Mariana Xavier da Silva (1884), Ricardo Jardim, que passou alguns anos em Inglaterra, apresenta-se, com Saias de Balão, como o percursor, até que se descubra outra referência. Este autor regista a fala na escrita de maneira muito incipiente e de forma esporádica. Esta acontece, essencialmente, quando os “criados” falam, como se verifica no seguinte excerto: “Menêina, nã vaia p’ra riba!... Menêina, vai-se pisar!... Menêina, aprante-se p’ra aí! Esteja quètinha!... Credo! Abrenúncio!” (JARDIM, 1946, 32). Desta deixa, sobressai, entre mais particularidades, a ditongação do <i> tónico (êi), considerada como tipicamente madeirense. Em contraponto com Ricardo Jardim, indubitavelmente, um dos autores que mais empregaram este processo da escrita do falar terá sido, por certo, Horácio Bento de Gouveia (SANTOS, 2007). Se não o fez em todos os contos, usou-o, pelo menos, sistematicamente nos seus romances (ALMEIDA, 2000). Apresenta-se um excerto da obra Torna-Viagem: o Romance do Emigrante (GOUVEIA, 1995, 56): - Q’ aconteceu? - O navoeiro matou mê filho! - Aonde? - Na beira da rocha. - Antão ’tá no fundo da ribeira. – E chamou, repentinamente, com toda a força da arca do peito: - Manel? Manel? - O quia, mê pai? - Vem cá. Neste breve diálogo, além de outros fenómenos, regista-se a ditongação com crase em “quia” (que é), sendo notória, no início do diálogo, a ausência do artigo definido antes do possessivo (Sintaxe) com a frequente monotongação deste (“mê filho”). Estes traços são correntes na variedade madeirense, embora, como se sabe pelos trabalhos de vários estudiosos e linguistas como, p. ex., Gonçalves Viana, Leite de Vasconcelos, Paiva Boléo ou Lindley Cintra, comuns a outras variedades portuguesas. Entre estas duas tendências extremas (usar pouco – Ricardo Jardim – e empregar muitíssimo – Horácio Bento de Gouveia), diversos autores foram escrevendo a variedade diatópica madeirense. No entremeio, estará, p. ex., António Marques da Silva, com a “crónica romanceada” Minha Gente, obra póstuma, mas cuja finalização data de 1951. Dando voz às gentes da zona de São Jorge (Santana), reproduz o autor o falar do povo local, como evidencia a citação que se transcreve (SILVA, 1985, 13): – O mê digosto é nã poder botar-me desta terra pá rua. Ainda cum queira mercar um casaco pá missa, nã se pode. Anda-se atolado em lameiro todo loi dias e o que se ganha mal dá pá barreiga... – E si que dê graças a Deus em ter uma buxada para meter na boca... – acrescentou o outro, no mesmo tom melancólico. – Si amode canda reinando ca vida, Man’leinho? – soltou de lá um mais folgazão. – Ora! Cadmiração! Por aquei é com ’um porco que tá dentro do chequeiro. No há com’as outras terras! O Rodrigues, porém, insistia: – Poi sim... Mas si que veja o prove do João Perfeiro, do Farrobo, um homem como um teil, que veio arrebentado daquelas terras do fasteio!... Destaca-se também nesta amostra da escrita da fala a ditongação de <i> tónico (“Man’leinho” – Manuelinho, “barreiga” – barriga, “aquei” – aqui, “teil” – til, “fasteio” – fastio). Este ditongo, com semivogal divergente da palatal ou da velar normativas, reencontra-se, p. ex., no estudo acústico sobre o falar do Porto Santo (REBELO, 2005). Sobressai o uso da forma de tratamento com “si”, entre vocabulário típico (“mercar”, “um lameiro” ou “reinando”) e diversos fenómenos fonéticos, como mudanças de timbres, supressões, etc. Realça-se a forma do artigo definido masculino plural “loi” e a monotongação do possessivo “mê” (meu), mas, aqui, antecedido do artigo (“o mê”). Como se verifica, a exploração das particularidades linguísticas registadas deveria ser alvo de uma investigação aprofundada, podendo, crê-se, ter um considerável interesse para o linguista. A reaproximação da Linguística à Literatura merece, assim, para o estudo da variedade insular, uma atenção especial. Além destes três autores mencionados, apontam-se outros por serem, porventura, os que mais ilustram esta estratégia linguístico-literária, recorrendo a uma transcrição linguística reconstruída (ficcionada) que aproxima a grafia da fonia. Decerto, os autores que viveram o período da Revolução dos Cravos, em meados da déc. de 70 do séc. XX, experimentaram uma revalorização de tudo o que se relacionava com o povo. Textos publicados nesse período tenderam, por isso, a sobrevalorizar o falar regional, na sua vertente popular e regional. É o que acontece com Pernas Ceifadas, de Maurício Melim Teixeira, com prefácio de Horácio Bento de Gouveia. Nesta obra, o autor, conferindo-lhe um cunho de realismo, afirma que “[...] a história apresentada se baseia em factos reais [...]. À parte algumas criações minhas, outros arranjos e outra disposição, ela sustenta-se num (entre tantos) caso real, bem funesto da sociedade madeirense” (TEIXEIRA, 1975, 9-10). O pendor realista é ainda salientado por Horácio Bento de Gouveia no prefácio da obra: “A prova evidentíssima reside no conteúdo da novela, no realismo das cenas, no aspecto fónico do linguajar das personagens”. Acrescenta Gouveia, a propósito: “Nota-se uma natural preocupação de gosto pelo termo raro, muitas vezes forçado. Infere-se, da sintaxe, muita leitura, bem que não completamente escoimada dos prejuízos inerentes à busca da verdade linguística” (Ibid., 12-13). Reencontra-se esta tendência nos diálogos que dão conta de um falar divergente do registo normativo (Ibid., 153-154): – Olhe nã repare nesta desarrumação qu’ at’ ia ûa vergonha! ’Tava [sic] acabande d’almoçar, sabe cuma ia... Mas antão o qu’ ia qu’ a trai pro cá? Precisa dalgûa coisa, ia? S’ iu puder ajudar ia só dezer, faça-se de casa, nã faça cirmónia! [...] – Eu gostava de tilfonar... Hesitava. – Pôs ia tilfonar... ora venha daí... largue lá esses acanhamentes... por ’quei, por ’quei... – e balançava-se, afanada. – Sabe qu’ o nosso... quer dizer... o mê pai trancou o tilfone e iu preciso muito tilfonar... desculpe vir incomodar... – Ora essa! Ora essa! Incomodar, proquia? Nã incomoda nada, nem um belisque... Ah, mas o sê pai trancua? Ora essa! – repetia – Mas antão proquia? – [...] – Tudo por causa do mê namorado... O qui é que quer? Ele é assim! Embirrou e agora? É teimoso que nem um jerico! Vá lá entender-se isto! O diabo do homem pendeu prá ‘li e tirem-lho da carcaça! – Ah, e iu a pensá qu’o sinhô Francisque era um home compreensive, honeste! Olhe que nem parece ser o qu’ ia! – estava despeitada – Sabe o qu’ ia: a gente vê, fala, mei nunca ia cuma se vivesse cum ele, nã se lhe conhece ei manhas. Aparências... Olhe menina: nem tude o que luz ia oure! Ora, são todes bons! Homes! Todes iguais, nem um só s’ escapa! Ia tude ûa súcia de bandides, ûa canhalha! Concluía por fim: – Mei vá lá, vá lá, nã demore mais aquei, qu’a meinha c’riosidade já lhe tirua munte tempe. Ia aquei, ia aquei! Pegue, ‘teija à vontade! Neste diálogo, assinala-se, de novo, a ditongação de <i> acentuado (“aquei”, “meinha”), que, porém, nem sempre ocorre (“compreensive”, “bandides”), assim como a de “é” (“ia”), entre múltiplas outras especificidades, como a mudança de timbre de <o> em posição final absoluta ou não (“todes”, “tempe”). Certos traços ocorrem igualmente no conto de Jorge Sumares “Mai Maiores qu’ essei Serras”, que data também do mesmo período de mudança política, assim como de paradigma estético-literário e linguístico, já que foi escrito em finais da déc. de 60 e publicado, parcialmente, em 1974, no Diário de Notícias da Madeira. Não sendo escritor de profissão, Sumares redigiu este texto aproximando os grafemas dos fonemas, ou melhor, as letras dos fones, como se constata da leitura do passo que se recortou da integralidade textual (um diálogo em que se “ouve” apenas uma das duas vozes, um dos dois interlocutores, o idoso popular, marcadamente regional): “Filhos? Tive nove. Seis homes e três melheres. Tudo se criua à conta de Deus. Inté a nossa Rosaira já tava criada cando Deus a chamua à sua devina presença. Já andava nui vinte. Veio-le um bicho no estâmego – lá foi” (SUMARES, 2005, 177). Curiosamente, a ditongação de <i> tónico não se verifica neste excerto, mas ocorre no decorrer do conto (REBELO, 2013). Porém, o fenómeno da ditongação sucede, p. ex., com o fonema [o] (<ou>) em “criua” (criou), “chamua” (chamou). Também sobressai a mudança de timbre vocálico por, na maioria dos casos, assimilação ou dissimilação, o que é evidente em “melheres” (mulheres), “devina” (divina) e “estâmego” (estômago). Dá-se ainda, e apenas, relevo ao plural “nui” (nos), assinalando um traço que é identificado como madeirense, isto é, o plural em <i>. Este fenómeno gerou controvérsia quanto à sua explicação, nomeadamente entre Millet Rogers e Eduardo Antonino Pestana (PESTANA, 1970) (Sintaxe). É indispensável referir que, antes destes autores, Ernesto Leal, no conto com o título homónimo da obra O Homem que Comia Névoa, de 1964, experimentara este exercício, mesmo se, como Ricardo Jardim, não lhe conferiu grande relevo na sua obra. No entanto, não se pode deixar de mencionar, ilustrando esta escrita fónica com um breve trecho (LEAL, 1964, 68-69): Na Portela das Mantas, à hora da névoa da manhã, o vilão grita assim e os sons ficam no ar, a baloiçarem-se: – Ó Maruia!... […] E a viloa responde: – Qu’é? […] – Onde estás, que não te vejo, ca névoa? […] – Estou no poio pequeno das couves, por ruiba do chiqueiro. Mais uma vez, o <i> tónico surge ditongado (“Maruia” – Maria, “ruiba” – riba) e sobressai enquanto marca madeirense perante fenómenos populares geograficamente mais amplos, como a elisão em “Qu’é?” ou a aglutinação presente em “ca”. Estranhamente, as formas verbais “estás” e “Estou” mantêm-se intactas, quando correntemente se reduzem a “tás” e “Tou”. O mesmo acontece com o ditongo de “não”, que tende a monotongar na oralidade (“nã”). O vocábulo “couves” é, popularmente, por certo, mais empregue com a variante do ditongo “oi”, mas, neste excerto, mantém-se inalterado. Esta observação, aplicada a outros fenómenos e vocábulos, é válida para os restantes autores que seguem o processo de escrever o falar, já que, por vezes, não assinalam traços que se sabe serem comuns no registo da fala. Aliás, isso é notório em Francisco de Freitas Branco, que, embora não tenha escrito textos literários, seguiu esta estratégia em crónicas com alguma literariedade. Orientou-se este autor por uma transcrição alfabética do falar madeirense (da Madeira e do Porto Santo) inconstante e cambiante, muito versátil, como o comprovam a leitura das crónicas “Sobre Habitantes da Ilha: Apontamento Linguístico”, “Ê Tenho esta Ideia Comeio (Crónica Literária)” e “Ainda nam Teinha Trêzianes, Comecei Cêde: Tentativa para Reprodução Escrita da Fala Viva” (REBELO, 2002a, 2004, 2008, 2013, 2014 no prelo). O processo terá desagradado aos falantes que se sentiram desvalorizados por considerarem que aquela escrita estava repleta de “erros”. Ora, o facto de as transcrições de Freitas Branco se reportarem a pessoas (reais – entidades extratextuais) e não a personagens (de papel e palavras – entidades intratextuais) terá criado equívocos difíceis de resolver, já que estas transcrições queriam sublinhar a riqueza da dinâmica da fala. Parece, então, que, se se sair do plano ficcional, a variedade diatópica continua a ser unifacial. Caberá aos linguistas ultrapassar esta dificuldade, se se pretender que a variedade endógena seja bifacial fora dos limites da Literatura, que, porém, tem continuado a alimentar o processo de transcrição da fala. Mais recentemente, um dos últimos autores que procuraram passar para a escrita o falar dos ilhéus do arquipélago terá sido Lídio Araújo, que recorre, abundantemente, ao processo em Filhos do Mar. A leitura deste livro é animada pelos diálogos recriados, que, além de serem muito enfáticos, como à partida o são os reais, transmitem um colorido local. As marcas do nível popular preenchem o discurso dialógico, como o seguinte excerto o evidencia (ARAÚJO, 2002, 83-84): – Pedro, acorda! Al’vãta-te O [sic: sem ponto] pae leiva-t’ô maar! [...] – O qu’ia pae, ô maar? – Seim! Êu t’prom’tei, um deia. Hôje vaes c’agênte! [...] – Ia ve’dade, pae? – interrogou, incrédulo, arregalando os olhos. – Ia seim! – E a mãe já saabe? – Já! D’spacha-te! Ao ler-se estas deixas das personagens, é como se se ouvisse as pessoas a expressarem-se nos seus modos de falar marcadamente sincopados e com múltiplos fenómenos estudados pela fonética combinatória (Fonética). A supressão de fonemas é assinalada pelo apóstrofo, como em “Al’vãta-te” (Levanta-te) e “t’prom’tei” (te prometi/prometi-te). A duplicação vocálica poderá indiciar vogais longas e/ou com um grau de abertura considerável, representando para o leitor a necessidade de as “dizer” duas vezes (“maar” – mar, “saabe” – sabe), como se houvesse duas vogais/duas sílabas. Este último fenómeno confere melodia ao falar, alongando os vocábulos por parecerem ganhar uma sílaba. Como para os autores já mencionados, além de o nível popular se destacar, surgem também nesta obra de Lídio Araújo particularidades regionais, como a ditongação de <i>, quer oral – “deia” (dia) –, quer nasal – “seim” (sim). Regista-se ainda a da vogal anterior semiaberta, que se encontra, p. ex., em “qu’ia” (que é) e em “leiva” (leva). Poderia alargar-se a exemplificação, mas esta parece ser suficiente para comprovar o valor deste livro, que, através da recriação do autor, reproduz o falar das gentes do mar madeirense de Câmara de Lobos. Nesta síntese, fica claro ser inviável referenciar todas as obras de cunho madeirense (que começam a ser em número considerável) em que o recurso da escrita da fala ocorre. Pelo traço característico que as permite reagrupar aqui, os escritores mencionados e as obras citadas, além de todos os restantes não referidos, aguardam um estudo linguístico aprofundado. Seguindo as pegadas dos filólogos do passado, o linguista do presente, dedicado à variação regional, terá todo o interesse em analisar as diversas transcrições literárias para a representação gráfica do falar insular, que revelam constituir um rico património (REBELO e GOMES, 2014). Muitas vezes, são dados impressionistas (REBELO, 2003, 2011) e intuitivos, já que, p. ex., a palatalização da lateral antecedida de [i] nem é comum (ANDRADE, 1994) nos textos transcritos. No entanto, não se distanciam substancialmente dos que as dissertações de licenciatura apresentaram (MACEDO, 1939; ROGERS, 1940, 1946, 1948; MONTEIRO, 1945, 1950; PEREIRA, 1952; PESTANA, 1954; NUNES, 1965). A título meramente exemplificativo, veja-se, em baixo, a Tabela 1, com algumas representações literárias da autoria de Ricardo Jardim, Ernesto Leal, Jorge Sumares e Francisco de Freitas Branco. A variação no modo de grafar a vogal indica uma pronúncia particular que cada autor escreve à sua maneira, como a ouve. A tabela foi elaborada a partir de um levantamento de dados anteriormente realizado (REBELO, 2008) e nela facultam-se exemplos, destacando-se a negrito os segmentos a considerar. [table id=95 /] Assim, constata-se que há todo um trabalho de sistematização linguístico-literário a realizar para dar visibilidade à face escondida (a escrita da fala) da variedade insular madeirense, que, todavia, figura em vários textos literários, segundo os critérios individuais dos seus autores. É urgente compará-los para compreender em que pontos são credíveis, ou não, as suas propostas de escrita da fala da variedade diatópica madeirense. Enquanto isso não suceder e não houver interesse em escrever o falar madeirense (os falares madeirenses?), a variedade insular continuará a ser apenas unifacial, sobrevivendo no registo oral, até a comunidade regional assim o desejar.   Helena Rebelo (atualizado a 07.12.2017)  

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