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aragão, antónio

António Aragão Natural de São Vicente, na ilha da Madeira, António Aragão foi uma figura cultural multifacetada do séc. xx. A poesia terá sido a sua área de eleição, mas fez igualmente experiências no âmbito da narrativa e do texto dramático. Também se dedicou a outros planos de intervenção e de estudo, e.g.: a formação do Cine Clube do Funchal para a visualização de cinema cultural. Dirigiu duas instituições madeirenses de relevo: o Museu da Quinta das Cruzes e o Arquivo Distrital da Madeira. Palavras-chave: António Aragão; historiador; promotor cultural; artista; escritor; escrita experimental. Existem algumas fotografias a preto e branco de António Aragão, no n.º 28 da revista Margem, que lhe é dedicado. Nelas, sobressai uma figura de pequena estatura e de porte cuidado, vestida com um casaco de fazenda e tendo a cabeça coberta com uma boina ou boné de cor preta. Na cara barbeada repousam uns óculos de vista (ou de sol) de aros escuros e grossos, não muito grandes, que estavam bastante em moda na déc. de 60 do séc. XX. Aqueles recobrem-lhe o pequeno rosto e possibilitam o seu reconhecimento: dão-lhe a marca da intelectualidade que o diferenciou. Praticamente todas as fotografias se reportam à fase de maturidade da sua vida, englobando, sensivelmente, o período da déc. de 60 à de 90 do séc. XX. Este retrato caricatural não permite adivinhar a sua genialidade criativa, revelada nas múltiplas classificações que lhe foram atribuídas. Através do índice da revista Margem referida, fica sem se saber se foi promotor patrimonial da comunidade local (ou melhor, regional), historiador, arqueólogo, poeta, ficcionista, dramaturgo, criador experimentalista, pintor, escultor, desenhista, cinéfilo, ou, simplesmente, um intelectual interessado em preservar o passado aberto à novidade do futuro, na vivência do seu tempo presente. Além de possuir outros epítetos, não se resumirá a nenhum deles, porque será a soma de todos. A personalidade de António Aragão recorda os artistas renascentistas, devido à sua insaciedade de saber e de inventar; era uma pessoa curiosa, nutrindo vários interesses. O acervo que foi constituindo, e que algumas entidades públicas, além de outras privadas, tentam adquirir, revela esta pluralidade de interesses e a sua curiosidade pela diversidade cultural. As balizas temporais, medidas entre o nascimento a 22 de setembro de 1921, em São Vicente, na ilha da Madeira, e o falecimento a 11 de agosto de 2008, no Funchal, indicam que António Manuel de Sousa Aragão Mendes Correia viveu quase 87 anos; fá-los-ia no mês seguinte à sua morte, depois de uma fase de doença prolongada. Embora haja uma biografia divulgada e reiterada, seria preciso observar muitos detalhes para compreender inteiramente este homem do séc. XX, amante do passado e do futuro, e para evidenciar a sua faceta artística: foi escritor, poeta, pintor, escultor e também historiador e investigador. De facto, António Aragão destacou-se como um importante vulto da cultura portuguesa, não só pela sua vasta formação académica como pela sua criatividade na cultura e na arte, o que lhe permitiu vencer as barreiras da insularidade e afirmar-se nos meios académicos e culturais nacionais e europeus. O seu carácter irrequieto e polémico afastou-o do conformismo criativo. Era assim na investigação histórica, na etnografia, na pintura, na escultura e na arte da palavra. Além de todas as suas potencialidades e capacidades, também possuía uma grande paixão pelo cinema. Aliás, em 1955, contribuiu para a formação do Cine Clube do Funchal, a fim de possibilitar a visualização de obras de cinema alternativas às classificadas como comerciais. Da sua vida pessoal, poucas informações são divulgadas nas biografias existentes. Provavelmente por vontade própria, intentou separar a sua vida privada da sua vida pública. É sabido que se casou, em Roma, com Estela Teixeira da Fonte, de quem teve um filho, Marcos Aragão Correia, advogado de profissão. Sua irmã, Ruth Aragão de Carvalho, formada em ballet na capital portuguesa, casou-se com o ator Ruy de Carvalho. A nível de formação académica, a vida desafogada dos pais permitiu-lhe ir estudar no Liceu Jaime Moniz, o que poucos jovens ilhéus, sobretudo os nortenhos, podiam almejar. Posteriormente, como acontecia com os setimanistas madeirenses, seguiu para o continente e frequentou a Universidade de Lisboa, instituição onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas, fazendo depois uma especialização em Biblioteconomia e Arquivística na Universidade de Coimbra. Estudou ainda etnografia e museologia em Paris, sob a orientação do diretor do Conselho Internacional de Museus da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Finalmente, dedicou-se ao estudo do Restauro de Arte, em Itália, mais precisamente no Instituto Central de Restauro de Roma, tendo usufruindo de um estágio no Laboratório do Vaticano. Tanto em Paris como em Roma, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). No âmbito do seu percurso profissional, fruto da diversificada e rica formação que tinha adquirido, desempenhou, no plano regional, alguns cargos importantes, tendo dirigido o Arquivo Distrital da Madeira e o Museu Quinta das Cruzes, e sido delegado dos Museus e Monumentos Nacionais na Madeira, associado à Comissão de Arte e Arqueologia da Câmara Municipal do Funchal. Os lugares por onde passou, no domínio laboral, coadunavam-se perfeitamente com os interesses que nutria, quer quanto à museologia, quer quanto à arquivística e à dimensão histórica da sua formação inicial. Notável é a sua atividade enquanto investigador e arqueólogo, da qual derivou vasta e conhecida obra: Os Pelourinhos da Madeira (o seu primeiro livro, de 1959); O Museu da Quinta das Cruzes (1970); Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória (1979); A Madeira Vista por Estrangeiros, 1455-1700 (1981); As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História (1984); O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal (1992). A partir das escavações arqueológicas por si dirigidas no lugar do aeroporto, onde se situava o Convento quinhentista de N.ª Sr.ª da Piedade (Santa Cruz), foi possível proceder ao levantamento da planta geral do Convento franciscano, ao estudo das suas características tipológicas e à exumação de variado espólio, onde se inclui uma vasta diversidade de padrões de azulejaria hispano-mourisca ou mudéjar, proveniente do Sul de Espanha, bem como múltiplos exemplares de azulejaria portuguesa seiscentista e setecentista, e de elementos primitivos em cantaria lavrada: portais do Convento, janelas, arco triunfal da igreja, condutas de águas, lajes tumulares e pavimentos, que passaram a constar nos jardins da Q.ta do Revoredo, Casa da Cultura de Santa Cruz. É de destacar que todos os trabalhos por ele efetuados se encontram devidamente catalogados e documentados com plantas rigorosas, desenhos e fotografias. Também se deve realçar a ação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, que era então o poder executivo do arquipélago, que encomendou e incentivou este trabalho e que, depois de entregue pelo autor, o depositou em grande parte no Museu Quinta das Cruzes. A par da profissão oficial, foi dando realce à sua faceta de artista, como comprovam as suas ilustrações do livro Canhenhos da Ilha de Horácio Bento de Gouveia. Outro exemplo é a sua poesia espacial OVO/POVO, apresentada, em 1977, na XIV Bienal de São Paulo, tendo tido uma exposição em Lisboa, no ano seguinte, e outra em Coimbra, no decorrer de 1980. Outro exemplo ainda foi a exposição PO.EX. 80, que esteve na Galeria Nacional de Arte Moderna, na capital portuguesa, em 1980 e em 1981. A sua vertente artística culminou em 2007, com uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, tendo, porém, exposto também na Madeira. Pese embora estas facetas, será sempre lembrado e reconhecido pela sua intervenção na literatura de cariz experimental, nomeadamente pela sua colaboração na organização dos dois números da revista Poesia Experimental (1964, 1966). A este propósito, como afirma Rui Nepomuceno: “Em Portugal, o experimentalismo poético e literário ocorreu em Lisboa nos meados dos anos 60, mais precisamente em 1964, com a publicação da ‘Revista Experimental 1’; muito embora desde os finais de 50 já tivesse começado a germinar, como até podemos verificar ao cotejar os trabalhos literários de António Aragão organizados e divulgados naquele decénio, na Madeira” (NEPOMUCENO, 22 fev. 2010). É curioso verificar que a linguística teve um papel preponderante neste movimento e, consequentemente, em António Aragão, algo que Rui Nepomuceno também sugere: “Deste modo, na teorização deste movimento, passaram a assumir grande importância e estatuto determinante os diversos fatores relacionados com a ‘Linguística Moderna’, a ‘Semiótica’, o ‘Estruturalismo’, e, obviamente, os diversos aspetos da ‘Teoria da Forma e da Informação’, de que foram principais intérpretes e seguidores no estrangeiro Abraham Moles, Saussure, Jakobson e, sobretudo, o muito citado Lévi-Strauss” (NEPOMUCENO, 22 fev. 2010); e esta influência tem reflexos em toda a sua criação literária (com particular incidência na linguagem verbal). Por conseguinte, foi pela dimensão literária e artística que António Aragão ganhou renome. Esta ligação com a linguagem manifestou-se em muitas das peças artísticas de António Aragão numa fase de maturidade da vida artística, já que teve um percurso marcado por diversos períodos. As artes plásticas associaram-se, de certo modo, à sua poesia, que usou a linguagem verbal como matéria de jogo em quadros ou em textos e não com o valor que tinha para os linguistas, algo que era próprio da poesia experimental. É preciso lembrar que, além de artista, foi curador de arte contemporânea e promoveu diversas exposições, inclusive na galeria associada à editora Vala Comum, que possuía em Lisboa. Ele próprio contribuiu muitíssimo para a produção de obras de arte de diversas tipologias. O fascínio pela impressão e pelos recortes, com colagens e montagens originalíssimas, acentuou esta veia artística, mais inovadora, se assim se pode dizer, do que a que concebeu em suportes como tela ou pedra. A sua obra vivenciou diversas fases, algo que foi mais notório na pintura. De um período figurativo inicial, com tendência naturalista, passou para uma vertente expressionista com opção pela abstração, por via de uma geometrização e autonomia do traço. Produziu, além de óleos, algumas aguarelas e, em determinada altura, recorreu à laca como material. Na última fase, concebeu composições a partir de colagens, construindo as suas pinturas essencialmente pela destruição do material-base (e.g., jornais). Os quadros, as gravuras, as esculturas e as outras peças concebidas por António Aragão, enquanto desenhista, pintor e escultor, têm merecido um estudo cuidado por parte de peritos. É o caso de Isabel Santa Clara, que releva três obras emblemáticas do artista: “Da obra pública de António Aragão, na qual o autor opta por uma figuração abstratizante, destacam-se, em 1960, o monumento comemorativo do quinto centenário da morte do infante D. Henrique, paralelepípedo com desenho inciso, no Porto Santo; os relevos da fachada da Escola Industrial, depois Escola Secundária de Francisco Franco; e um painel cerâmico no mercado de Santa Cruz, de 1962” (SANTA CLARA, “Artes plásticas”). Todas as obras foram fortemente marcadas pela época em que foram criadas. Assim, das peças mais conhecidas, destacam-se, primeiro, os painéis de cerâmica da Escola Secundária Francisco Franco, no Funchal, onde sobressaem vultos que laboram. Depois, o colorido painel de cerâmica do mercado da localidade madeirense de Santa Cruz, que comunga da representação das ilustrações que António Aragão fez para o já referido livro Canhenhos de Horácio Bento de Gouveia. A terceira referência escultórica, que ficou localizada no Porto Santo, é designada popularmente por “pau de sabão”, pela analogia da forma que possui o bloco de pedra com uma medida de sabão azul. A rigidez do padrão comemorativo ficará para a eternidade a evocar o momento celebrativo e a criatividade de António Aragão. O padrão diferencia-se bastante dos painéis porque contém detalhes regionais, onde se observam trabalhadores, essencialmente agrícolas, mas também pescadores, quase todos sem rosto, que surgem a desempenhar tarefas do quotidiano, reportando uma vida de trabalho árduo. É de realçar igualmente a imagem de S.ta Ana, em cantaria rija, na Câmara Municipal de Santana, 1959. Desenho de António Aragão. 1944. Foto de Rui A Camacho   Óleo de António Aragão datado de 23 de Julho de 1946. Foto Rui A Camacho Na pintura, desde a déc. de 40 do séc. XX, evidenciou-se em diversas temáticas abordadas e na exploração de técnicas diferenciadas. Realizou exposições em Portugal (Galeria Divulgação, Quadrante, Galeria III, Galeria Diferença, FCG – II Exposição de Pintura Portuguesa) e no estrangeiro, nomeadamente em Espanha (Madrid, Sevilha, Barcelona), México, França (Paris) e Itália (Roma e Turim), encontrando-se representado em coleções particulares e oficiais em vários países, nomeadamente na Fundação Serralves, em Portugal. António Aragão concretizou um projeto artístico contemporâneo baseado em novas tecnologias numa casa que lhe pertenceu, situada na Lapa, em Lisboa. O projeto enquadrava uma associação de educação popular com uma galeria de arte vanguardista, ao qual foi atribuído mecenato pela Secretaria de Estado da Cultura. Antes da doença prolongada de que padeceu até à sua morte, António Aragão, de volta ao Funchal, pintou os seus últimos quadros, que constituíram uma série que intitulou Os Monstros e consistiram numa crítica corrosiva ao que considerava ser a hipocrisia dominante na sociedade. As últimas exposições individuais em vida de António Aragão foram realizadas na Madeira e comissariadas por António Rodrigues. A antepenúltima teve lugar em abril de 1996, na Casa da Cultura de Santa Cruz, e integrou 16 dos seus últimos quadros, bem como uma seleção retrospetiva de 13 trabalhos, em diferentes técnicas, realizados nas décs. de 50 e 60 do séc. XX. A penúltima, Exposição Retrospetiva, teve lugar na Casa da Luz, no Funchal. A última exposição de António Aragão antes da sua morte ocorreu no Museu de Arte Contemporânea da Madeira (Forte de S. Tiago, Funchal). Verifica-se que, por um lado, numa dimensão quase de intervenção social, se interessou por representar o povo, as pessoas, que não valem por si próprias porque não se identificam individualmente, mas configuram grupos profissionais; por outro lado, criou pinturas de paisagens, habitadas ou não, e exemplares de natureza morta. Estas últimas reportam-se, sobretudo, ao período inicial da produção artística, que foi mudando e se foi adaptando aos gostos e às vivências inspiradoras do criador. Em síntese, Isabel Santa Clara descreveu muito bem a versatilidade de António Aragão: “Uma vertente experimentalista sacudiu o panorama artístico de forma peculiar nas décadas de 70 e 80. No centro desta atividade está a multifacetada figura de António Aragão, de inesgotável disponibilidade para com os novos talentos, cujas inquietações e inconformismos lograva canalizar para uma profícua experimentação artística. Ganharam força as práticas de poesia visual e de mail art, potenciadas pelas capacidades técnicas, a acessibilidade, a rapidez e a liberdade de produção de múltiplos da eletrografia. Surgiu assim Filigrama, mail art zine editada entre 1981-1983, revista de folhas soltas, que ia sendo sucessivamente alterada na sua composição e enviada pessoalmente através dos circuitos internacionais da mail art, que passavam muito especialmente pelo Brasil” (SANTA CLARA, 2010, 186); tendo colaborado em diversas manifestações de mail art, divulgou os seus trabalhos em revistas da especialidade. Compreende-se a estreita interligação, assim sintetizada, entre a obra artística e a produção escrita do artista-escritor. António Aragão terá sido, na juventude, um dos poetas da Tertúlia Ritziana, e, em 1946, com cerca de 25 anos, viu o seu conto “Pressentimento” obter um prémio: o 2.º lugar nos Jogos Florais promovidos pelo Ateneu Comercial do Funchal. Em 1952, colaborou com Jorge de Freitas, com Florival dos Passos, com Rogério Correia e com Herberto Helder, entre outros, no caderno de poesia Arquipélago, e, em 1956, foi editor da revista literária Búzio, impressa e publicada a suas expensas, em que colaboraram, além do próprio, Edmundo Bettencourt, Herberto Helder, Eurico de Sousa, Jorge Sumares, José Escada, Esther de Lemos e David Mourão-Ferreira. A sua vasta obra foi publicada essencialmente no Funchal e em Lisboa, uma obra em que se encontram frequentemente textos criados em conjunto com outros autores. Dos seus trabalhos – livros inteiros, revistas ou composições singulares –, tanto de carácter científico como criativo, referenciamos, em seguida, alguns. São vários os seus textos na déc. de 60, designadamente no âmbito da ficção literária, incluindo a poesia e o teatro; participou em ações coletivas e antologias literárias. Em 1962, escreveu o Poema Primeiro; em 1964, o Romance de Iza Morfismo, e também, com Herberto Helder, Cadernos de hoje (uma antologia de poesia experimental); em 1965, colaborou no suplemento especial do Jornal do Fundão sobre poesia concreta com “Visopoemas” e “Ortofonias” (com Ernesto M. de Melo e Castro); em 1966, compôs Hidra I, Folhema 1 e Folhema 2; em 1967, Operação I; em 1968, Mais exactamente P(r)o(bl)emas; em 1969, “Hidra 2”. Na déc. de 70, publicou, para além da já mencionada monografia O Museu da Quinta das Cruzes, Poema Azul e Branco e o romance Um Buraco na Boca, em 1971; também neste ano, participou na Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa. Em 1972, dirigiu a edição de Arquivo Histórico da Madeira. Boletim do Arquivo Distrital do Funchal, e, em 1973, colaborou na Antologia da Poesia Concreta em Portugal. Em 1975, publicou Os Bancos antes da Nacionalização; em 1976, colaborou na Antologia da Poesia Visual Europeia; e, em 1979, produziu Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977 e a já referida obra Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória. Nos anos 80, manteve o ritmo alucinante de escrita e de publicações. Assim, em 1981, apresentou não só o livro A Madeira Vista por Estrangeiros, 1455-1700, como também a peça de teatro Desastre Nu, que ganhou o 2.º prémio do Concurso de Peças de Teatro Inéditas promovido pela Secretaria de Estado da Cultura em 1980. Também neste ano, escreveu Metanemas e tornou-se um dos fundadores de Filigrama. Em 1982, publicou igualmente o opúsculo de carácter panfletário Pátria. Couves. Deus. Etc. e, ainda neste ano, Joyciana (com Alberto Pimenta, Ernesto M. de Melo e Castro e Ana Hatherly). Em 1983, compôs Líricas Portuguesas. Antologia e, no ano seguinte, iniciou as eletrografias: O Elogio da Loura do Ergasmo nu Atlânticu, Céu ou Cara Dente por Dente e Merdade My Son, realizadas em 1984, 1985 e 1987, sendo publicadas em 1990. Em 1984, com Alberto Pimenta, deu à estampa Os 3 Farros. Descida aos Infermos (uma curiosa troca de correspondência entre os dois autores), além de ter publicado As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História. Ainda em 1984, numa divulgação em dois discos LP, resultado de trabalhos de investigação no campo etnográfico, ganharam visibilidade as suas recolhas de música tradicional das ilhas da Madeira e do Porto Santo, empreendidas na década anterior com Jorge Valdemar Guerra e com o músico Artur Andrade. Em 1985, fez uma exposição itinerante com Poemografias e, em 1987, apareceu uma nova edição, revista e aumentada, de Para a História do Funchal. Já com mais de 70 anos, ainda manteve alguma produção, tendo sido publicados, em 1992, O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal, anteriormente mencionado, e o livro de contos Textos do Abocalipse, que colocaram várias questões, nomeadamente políticas. Além destes títulos, em 1993, foi reeditado o romance Um Buraco na Boca, que recria de algum modo a linguagem verbal, desafiando as convenções da norma. Escreveu ainda para várias publicações: Comércio do Funchal; Línea Sud, Nápoles; Letras e Artes, Lisboa; Expresso; Colóquio-Artes, FCG, Lisboa; Diário de Notícias, Lisboa; Comércio do Porto; Espaço Arte, Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira; e Diário de Notícias da Madeira. A nível internacional realça-se a sua participação em vários fóruns de natureza cultural e artística: Sevilha, 1980; em 1982, Itália e Brasil; 1983, Cuenca; 1984, Comuna de Milão, Itália; 1984, São Francisco, EUA, e Barcelona; 1985, Israel e Nova Iorque; 1986, México e Sevilha; 1987, México e França; 1989, Itália e Paris; 1990, Siegen, Alemanha, México e Washington; e 1992, Madrid. Em suma, as décs. de 60, de 70 e de 80, destacando-se, decerto, o ano de 1981, foram um período muito fértil, marcando toda a sua carreira. Quando se observa detalhadamente a listagem dos títulos, para se quantificarem as publicações não literárias e as literárias, verifica-se que estas se sobrepõem àquelas. Portanto, foi, indubitavelmente, um escritor insaciável e incansável, sendo-o mais de poesia do que de ficção ou de teatro. Contudo, os seus trabalhos não literários, quase todos dedicados à Madeira e ao Funchal, são referências incontornáveis para quem se dedica às temáticas de que trataram. António Aragão faleceu no Funchal, a 11 de agosto de 2008. A sua família doou ao Arquivo Regional da Madeira, posteriormente Arquivo Regional e Biblioteca Pública Regional da Madeira, grande parte do seu espólio histórico. No entanto, o legado do seu acervo artístico ao país e, particularmente, à Madeira foi reconhecido ainda em vida pela Câmara Municipal do Funchal, que atribuiu o seu nome a uma via citadina. Obras de António Aragão: Os Pelourinhos da Madeira (1959); Poema Primeiro (1962); Romance de Iza Morfismo (1964); Visopoemas (1965); Ortofonias (1965); Hidra I (1966); Folhema 1 (1966); Folhema 2 (1966); Operação I (1967); Mais exactamente P(r)o(bl)emas (1968); Hidra 2 (1969); O Museu da Quinta das Cruzes (1970); Poema Azul e Branco (1971); Um Buraco na Boca (1971); Os Bancos antes da Nacionalização (1975); Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977 (1979); Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória (1979); Desastre Nu (1981); A Madeira Vista por Estrangeiros (1981); Metanemas (1981); Joyciana (com Alberto Pimenta, Ernesto M. de Melo e Castro e Ana Hatherly) (1982); Pátria. Couves. Deus. Etc. (1982); Líricas Portuguesas. Antologia (1983); Os 3 Farros. Descida aos Infermos (1984); As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História (1984); O Elogio da Loura do Ergasmo Nu Atlânticu, Céu ou Cara Dente por Dente (1990); Merdade My Son (1990); O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal (1992); Textos do Abocalipse (1992).   Helena Rebelo Miguel Fonseca (atualizado a 14.07.2017)

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vasconcelos, joão da câmara leme homem de, visconde e conde do canavial

A vida política, económica e social madeirense foi marcada no último quartel do séc. XIX pela personalidade conflituosa do futuro conde do Canavial, Dr. João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos. Filho do morgado António Francisco da Câmara Leme Homem de Vasconcelos e de Carolina Moniz de Ornelas Barreto Cabral, nasceu no Funchal a 22 de junho de 1829, foi simultaneamente clínico, professor, funcionário público, homem de ciência, jornalista e escritor, político e industrial, em todas essas ocupações revelando interessantes qualidades e capacidade e de trabalho, mas também uma personalidade algo conflituosa. Foi autor de uma vastíssima produção literária, quer científica, quer política, que é difícil trabalhar de forma científica, pois nem sempre se consegue separar o que era polémica científica e industrial do que eram atitudes políticas e pessoais. Concluídos os estudos secundários no Funchal, veio a formar-se em medicina pela Universidade de Montpellier, em França, bacharelando-se em 1852 e doutorando-se em 1857, colaborando ali em vários periódicos, fazendo traduções e tendo obtido o lugar de membro da Academia das Ciências e Letras daquela cidade. Começou assim logo por desenvolver um notável trabalho científico na sua área de especialidade a que, regressado à Madeira, juntou também a de investigador da área científico-industrial de tratamento do vinho da Madeira, de que era um dos mais importantes produtores. O Dr. João da Câmara Leme, regressado de França, fez em 1859 repetição dos seus atos académicos na Escola Médica de Lisboa, sendo no ano seguinte nomeado demonstrador de anatomia da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e, em 1867, professor proprietário. No ano seguinte, editava logo um Relatório e Projecto de Regulamento para a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal (1868), entrando de imediato em conflito com o Dr. António da Luz Pita (1802-1870), então deputado em Lisboa, polémicas que se prolongaram pelos anos seguintes. Escrevem os autores do Elucidário Madeirense, que o conheceram pessoalmente, que “teve de sustentar algumas lutas com os seus colegas no magistério, publicando a tal respeito dois grandes volumes, que, apesar da parcialidade com que possam porventura estar escritos, são trabalhos de incontestável valor” (SILVA e MENESES, 1998, I, 232). Paralelamente à sua atividade como médico e diretor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, promoveu ainda a fundação da Companhia Fabril de Açúcar Madeirense (CFAM), com sede junto à ribeira de São João, onde introduziu notáveis aperfeiçoamentos nos processos destinados ao fabrico da aguardente, essencialmente no sentido de um melhor aproveitamento da matéria-prima empregue. Registou de imediato patente da sua invenção, o que deu lugar a uma série de contestações e polémicas, voltando a, sobre esse assunto, publicar inúmeros folhetos. Na polémica viria a entrar outra das grandes figuras da Madeira do seu tempo, o depois comendador William Hinton (1817-1904), a qual polémica, embora não só, veio a inviabilizar alguns anos mais tarde a Companhia da ribeira de São João. A constituição e vida da CFAM, liderada pelo futuro visconde do Canavial, foi um bom exemplo do quadro geral em que se desenvolveu a atrasada revolução industrial na Madeira. Beneficiando do inegável espírito empreendedor do promotor, mas também da sua teimosia e, inclusivamente, de um experimentalismo algo deslumbrado, sempre à procura de uma nova tecnologia, e sem bases técnicas e científicas para tal, a vida da Companhia foi confrontada com a concorrência feroz dos comerciantes britânicos instalados na Madeira. A todo este quadro, juntaram-se as dificuldades de associação e de entendimento dos proprietários madeirenses, muito provavelmente ainda politicamente agudizadas pelos antigos morgados, entretanto radicados no espaço continental. Os estatutos da CFAM só foram aprovados em 1867, arrastando-se a constituição da Companhia por mais de 10 anos, o que implicou que a fábrica de São João só entrasse em funcionamento em 1871. O futuro visconde apetrechou-a com sofisticada aparelhagem, a que ainda associou outros aperfeiçoamentos da sua autoria, de que imediatamente registou a patente. No entanto, não só William e o filho Harry Hinton (1859-1948) vieram a contestar o registo dessa patente, como a sofisticada aparelhagem acabou por não se mostrar rentável. A 26 de agosto de 1878 foi solicitada a intervenção do Banco de Portugal por insolvência financeira da CFAM. A ideia voltou a aparecer em 1892, tomando como exemplo a Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, chegando-se mesmo a propor em reunião camarária, de 11 de outubro desse ano, um subsídio anual de 100 mil réis e que a nova associação fosse presidida pelo conde do Canavial. Mas tal como já se inviabilizara o anterior projeto da fábrica de São João, também a associação se extinguia em 1902. Em 7 de setembro de 1876, organizava-se a partir do Pacto da Granja, no continente, uma nova fusão, então entre elementos das antigas formações histórica e reformista, de que nasceu o Partido Progressista, de Anselmo José Braamcamp, que foi o primeiro partido no sentido moderno do termo com programa, apresentando um regulamento interno, com assembleia geral e centros locais. O líder na Madeira viria a ser o Dr. João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos, depois visconde do Canavial, aderindo ao partido parte dos antigos membros do Partido Fusionista e do Regenerador. O Partido Fusionista teve como órgão o Correio do Funchal, substituído depois pelos periódicos A Fusão, A Voz do Povo e A Imprensa Livre. Em meados de 1879, com a queda do executivo, saía da Madeira o governador e conselheiro Afonso de Castro, logo assinando, a 21 de julho, a correspondência do governo civil, como membro do conselho do distrito, João da Câmara Leme, como visconde do Canavial, embora a 28 de agosto já não o faça, só voltando a assumir-se como visconde a partir de agosto do ano seguinte. Estranhamente, não se encontra qualquer documentação oficial da sua nomeação como visconde, mas apenas o dec. de 22 de abril de 1888, que o nomeia como conde, citando-se ainda a carta de 28 de março e o alvará de “mercê nova” de 15 de dezembro de 1888 (CLODE, 1983, 107), não havendo contudo confirmação alguma na chancelaria régia. A partir de então, desenvolveu o futuro visconde uma verdadeira campanha para vir a ocupar o lugar de governador civil do Funchal, assim como para passar a utilizar o título de visconde do Canavial. A luta política deve ter sido terrível, a avaliar logo pelos membros do conselho do distrito que assinam alternadamente a correspondência como governador substituto: o visconde do Canavial a 21 de julho e o morgado Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880) a 30 do mesmo mês. Luta que deve ter tido eco também nos corredores do poder em Lisboa, até pela utilização então intensiva do telégrafo submarino, através da Madeira Station no Funchal da Brazilian Submarine Telegraph Company Limited. A nomeação de João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos como governador substituto para o distrito do Funchal só viria a ser assinada a 30 de julho de 1879. O decreto terá chegado ao Funchal poucos dias depois e o futuro visconde, a 8 de agosto, logo emite proclamação impressa e inflamada ao sabor de alguns dos governadores anteriores, que eram, no entanto, efetivos, pois nenhum até então tinha feito especial alarido com o facto de ser “governador substituto” (ARM, Alfândega do Funchal, liv. 683). O novo governador substituto teria alguns curtos meses de estado de graça, pois em breve O Direito o acusava de se encontrar a receber três ordenados: o de governador substituto, o de professor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e o de delegado de Saúde. A 15 de fevereiro, o governador distribuía um comunicado com um desmentido atestado pelo delegado do Tesouro em como, passando a receber o ordenado de governador substituto, suspendera os outros. O futuro visconde do Canavial não seria confirmado naquela altura, pois, caindo o gabinete progressista em Lisboa, o novo gabinete regenerador demitiu de imediato os governadores civis progressistas e, a 26 de abril de 1881, já assina a correspondência do Funchal o vogal do Concelho do Distrito servindo de Governador Civil, João Maria Curado de Vasconcelos (1825-1896). A breve trecho, um autêntico terramoto político varreria o país, com epicentro na Madeira: a eleição do Dr. Manuel de Arriaga, candidato pelo Partido Republicano às cortes, a 26 de novembro de 1882, em eleições suplementares, dado o falecimento do deputado madeirense Dr. Luís de Freitas Branco (1819-1881). Ainda antes do anúncio oficial do apoio dos regeneradores ao líder do Partido Progressista, já O Direito alardeava não poder haver qualquer compromisso com os progressistas, temente, talvez, de ver candidatar-se pela Madeira o visconde do Canavial, até há pouco governador civil substituto do Funchal. Numa intensa campanha ao longo do ano entre os partidos monárquicos, acabou por ser eleito na Madeira o candidato republicano. Nos inícios do ano 1886, o presidente do ministério Fontes Pereira de Melo propunha um adiamento das eleições, para poder organizar uma série de diferendos, o que se estava a tornar um crescente motivo de tensão entre governo e oposição. O rei D. Luís não acedeu à proposta do chefe do governo, pelo que Fontes se viu na contingência de ter de pedir a demissão do gabinete. Foi então chamado ao governo o Partido Progressista, liderado por José Luciano de Castro, mas o início do novo governo progressista foi ocupado com as complicadas negociações que levaram ao casamento do príncipe herdeiro D. Carlos, atrasando uma série de nomeações. Teria sido o caso da nomeação do governador civil do Funchal, para o então líder dos progressistas, visconde do Canavial, lugar que só foi preenchido por dec. de 1 de julho de 1886. Após as eleições de março de 1887, o governador civil, visconde do Canavial, iniciou a convocação das eleições das juntas de paróquia, que somente ocorreram no Funchal e em Machico. O visconde do Canavial insistiu nas convocatórias por três vezes, sem resultado, essencialmente pelos custos que mais uma estrutura política acarretava, mas também por causa da conotação com a divisão eclesiástica tradicional e da ideia rural de que a paróquia era dirigida pelo “senhor pároco” ou “senhor vigário” e não por um elemento eleito entre os “senhores morgados”. A pressão do visconde do Canavial conduziu a um levantamento geral na ilha, que, começando nos meios rurais, quase envolveu o Funchal: a Parreca. Perante a contestação geral, mas só depois de muito pressionado, o visconde do Canavial veio a apresentar demissão a 26 de março de 1888, tendo sido entregue o governo ao visconde da Calçada, Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa (1812-1902). Apesar das dificuldades do seu governo e dos resultados da comissão de inquérito à Parreca, seria elevado a conde do Canavial no final desse ano de 1888, embora se desconheça a documentação oficial, como mencionámos acima. O conde do Canavial viria a falecer na sua residência, à rua da Carreira, a 13 de fevereiro de 1902. Quase 20 anos depois, surgiu a ideia de se levantar um monumento à sua memória, iniciativa de Abel Capitolino Batista; o trabalho foi entregue ao jovem escultor macaense Raul Xavier (1894-1964) e erguido sobre plinto de mármore branco, projeto do arquiteto Fernando Pires. A primeira pedra foi lançada a 1 de dezembro de 1921 e o monumento inaugurado a 2 de março de 1922, no passeio público, frente à sé do Funchal, tendo usado da palavra Horácio Bento de Gouveia (1901-1983), em nome dos alunos do liceu (Diário de Notícias, 22 fev. 1922). A inauguração do monumento naquela altura e naquele local levantou enorme celeuma, dado o seu enquadramento monárquico, vindo a ser transferido para o Campo da Barca, a 6 de dezembro de 1932.     Rui Carita (atualizado a 31.12.2016)

Ciências da Saúde História Económica e Social História Política e Institucional Personalidades

sociedade

O processo que se inicia com o povoamento da Madeira é o gérmen de uma nova sociedade onde a estrutura social terá novos mecanismos de consolidação e crescimento, fazendo com que os grupos sociais também se estruturem de forma distinta, sem perder, no entanto, a matriz europeia. O processo de expansão europeia desencadeou uma rutura com as estruturas e grupos sociais existentes. Nessa altura, a aristocracia tinha uma posição consolidada no espaço continental e parecia não pretender partir em buscas de terras, e, quando isso acontecia, era por serviço e honra ao soberano, esperando títulos e honras. Estamos, assim, perante um campo livre para os grupos deserdados e sem lugar nesta sociedade. Trata-se dos filhos segundos, a quem a lei retira a possibilidade de sucesso na sua própria terra, dos mercadores e aventureiros, do povo em geral e, por fim, de um grupo que esta sociedade renega, o dos condenados ao degredo. São estes que, certamente, vão alimentar o serviço do mar e as tarefas de povoamento dos novos espaços, como a Madeira, imprescindíveis para a continuidade do processo de expansão atlântica. É neste grupo de deserdados ou marginalizados pela sociedade que se encontra o fermento das novas sociedades atlânticas, cujo processo se inicia na Madeira. Há aí condições para que isso aconteça: terra disponível e circunstâncias propícias ao processo de nobilitação junto do senhorio e da Coroa, de forma que a sociedade se hierarquize em conformidade com o padrão peninsular. Há lugar para uma nova burguesia e nova nobreza que têm, nitidamente, esta marca insular atlântica, que nasce entre o mar e as ilhas, entre a lavra da terra já reconhecida e a descoberta de novos espaços e conquistas. É gente que se movimenta num espaço de grande mobilidade e protagonismo e que vai ao encontro de novas descobertas, fazendo valer os seus serviços para receber, em troca, títulos e cartas de nobilitação. Foi, pois, nas ilhas e no mar que começou a ganhar forma a nova aristocracia e burguesia dos descobrimentos. A Ilha era, no início, uma incerteza. Ninguém tinha razões visíveis para acreditar no sucesso imediato desta campanha, mas havia uma esperança de mudança. Daí a adesão dos vários grupos sociais, renegados de uma posição de destaque pela sociedade peninsular. Nesta primeira população, gérmen da madeirense, surgem diferenças de condição social que determinaram os diversos estatutos ou categorias sociais privilegiados, o povo e as minorias. O facto de a Madeira estar desabitada facilitou a fixação dos primeiros povoadores europeus, mas atribuiu-lhes redobradas responsabilidades quanto ao lançamento dos alicerces da nova sociedade. Aos obreiros e cabouqueiros iniciais, seguiram-se diversas levas de gente para o rápido arranque de ocupação. A partir do núcleo inicial de povoadores, disseminados pelas diversas frentes de arroteamento da ilha, ganha forma uma nova sociedade com uma estrutura semelhante à do reino. A sua organização partirá do estatuto preferencial dos primeiros habitantes e evoluirá com a afirmação da estrutura institucional e económica. O primeiro grupo de europeus teve uma importância primordial na formação da nova sociedade, sendo pouco representativa a presença de outros grupos étnicos. A presença de africanos (mouros, negros e guanches) é distinta, na medida em que surgem na Ilha numa condição servil, acabando, porém, por desempenhar um importante papel relacionado com o arranque da economia açucareira. A sociedade madeirense foi estabelecida no séc. XV, num contexto de expansão europeia no espaço atlântico que permitiu algo diferente do que acontecia no reino. A Madeira é a primeira sociedade atlântica onde os escravos assumem um papel na nova sociedade, que preludia o que acontecerá nas outras ilhas atlânticas e continentes americanos. Estes representam a força de trabalho, com uma forte ligação à produção açucareira, o que determinará variadas mudanças na estruturação da nova sociedade. É o primeiro elemento novo da sociedade atlântica que aqui começa a gerar-se. Daí a importância que a historiografia americana atribui ao estudo do caso madeirense. Neste sentido, os estudos de Charles Verlinden, secundados por Sidney M. Greenfield, atribuem um relevo especial à situação particular da escravatura da Madeira. Para eles, a Madeira, sendo modelo institucional e económico, também o é ao nível social. O estudo da escravatura é uma questão complexa que requer desusados cuidados. O seu rastreio na documentação é difícil, mercê do facto de este ser um grupo marginal e sem personalidade jurídica. Deste modo, é difícil e, por vezes, impossível encontrar o rasto do seu quotidiano nos núcleos documentais disponíveis. A sua presença é esporádica e quase que se resume aos atos escritos relacionados com o ritual religioso, por imposição da Igreja, e outros de carácter privado do proprietário, como sejam os testamentos e demais atos notariais. Mas, aqui, o escravo aparece sempre em razão da mundividência do livre, a quem está subordinado. Por isso, não é fácil reconstituir o seu dia a dia, que andava sempre associado ao do proprietário. Até mesmo em momentos em que o escravo é protagonista de algum acontecimento, normalmente de carácter violento, o seu amo está presente. Era sobre ele que recaíam todas as correspondentes responsabilidades civis. A excessiva vinculação do escravo ao dono é um dos aspetos marcantes da expressão da escravatura no arquipélago, sendo também testemunho de uma vivência comum e não segregativa. Por isso, as suas particularidades tornam-se dificilmente expressivas ao nível documental. O recurso a testemunhos de estranhos, legados pela literatura de viagens, poderá ser uma valiosa fonte de informações a tal respeito. O rastreio da mundividência dos libertos é outra via possível, uma vez que poderá ser um indício da anterior situação. A presença do escravo na constituição da sociedade madeirense desde o séc. XV não é um fenómeno isolado, enquadrando-se no contexto socioeconómico em que o arquipélago emergiu: a falta de mão de obra braçal para as novas arroteias e a maior necessidade desta por parte de culturas como a cana sacarina geraram esta procura. A iniciativa descobridora do Atlântico, de que os madeirenses foram ativos protagonistas, propiciou as vias para o seu encontro. Foi de acordo com esta conjuntura que a escravatura ganhou importância na sociedade madeirense, que lhe atribuiu uma situação particular. O evoluir do processo socioeconómico interno, associado às novas condições estabelecidas pelo mercado atlântico, contribuiu, ainda que paulatinamente, para a desvalorização da componente da escravatura na estrutura social do arquipélago. A menor utilidade do escravo no sector produtivo e a maior procura por outros mercados e sociedades condicionaram a deslocação da mão de obra escrava. A Madeira, porque próxima do continente africano e envolvida no seu processo de reconhecimento, ocupação e defesa do controlo lusíada, tinha as portas abertas a este vantajoso comércio. Deste modo, a Ilha e os madeirenses demarcaram-se, nas iniciais centúrias, pelo empenho na aquisição e comércio desta pujante e promissora mercadoria do espaço atlântico. A ela chegaram os primeiros escravos guanches, marroquinos e africanos, que contribuíram para o arranque económico do arquipélago. Deveremos ter ainda em conta algumas particularidades da Ilha, nomeadamente no que respeita à definição do sistema de propriedade. A Madeira, mercê da sua configuração geográfica, foi definida por uma paisagem agrária específica, diferente dos grandes espaços continentais. O excessivo parcelamento das áreas agrícolas (poios), única forma de aproveitamento do solo arável disponível, e a sua ampla disseminação na vertente sul e norte, condicionaram o sistema de arroteamento e de posse de terras. As grandes e iniciais concessões de terreno foram-se dividindo de acordo com o progresso da população e as experiências agrícolas. A primeira exploração extensiva deu lugar ao aproveitamento intensivo do solo, baseado nos inúmeros poios construídos pelos proprietários, arrendatários ou meeiros. Deste modo, é extremamente difícil falarmos da grande propriedade de canaviais, se nos situamos ao mesmo nível do mundo americano. No caso americano, uma plantação de canaviais encontra-se indissociavelmente ligada a um complexo industrial – o engenho – para a sua transformação, o que não sucede na Madeira. Aí, são muitos os proprietários de canaviais, mas poucos os donos de engenho. Esta diferente estrutura da faina açucareira condicionou outra forma de posicionamento do escravo. No caso da exploração agrícola madeirense, torna-se necessário distinguir dois grupos de proprietários: aqueles que haviam entregado as terras a foreiros ou arrendatários e os proprietários plenos. Esta forma de dupla posse da terra marcou de modo evidente a atividade agrícola e favoreceu o aparecimento e afirmação do contrato de colonia, a partir de finais do séc. XVI. Por outro lado, a extensão reduzida dos canaviais não obrigava à existência de um engenho para a transformação da cana, tão pouco de um grupo numeroso de escravos. Na Madeira, é evidente uma forte incidência da escravatura no meio urbano, relacionada com os serviços e ofícios, o que condiciona o baixo nível de arrobas de açúcar por escravo. Por tudo isto, não será despropósito afirmar que a situação evidenciada pela escravatura madeirense nesse momento não resultou apenas da cultura da cana de açúcar, que influenciou a estrutura económica da Ilha nos sécs. XV e XVI. A exemplo do que sucedeu nas Canárias, a mão de obra utilizada nos engenhos era mista, sendo composta por escravos, libertos e livres, os quais executavam tarefas diferenciadas, sendo os serviços pagos em dinheiro ou açúcar. Neste grupo de escravos, incluíam-se os que pertenciam ao proprietário do engenho, mas também outros que aí serviam como gente de soldada. Também no Brasil encontramos uma mão de obra mista, sendo, no entanto, os escravos que dominavam estes serviços. Estes tanto podiam ser pertença do proprietário do engenho de canaviais, como de outrem, que os alugava. Outro grupo ganha importância nesta nova sociedade por força do interesse manifestado pelos novos produtos, como o açúcar: os estrangeiros. Tal interesse obrigou a novos desafios que permitiram que a Madeira entrasse rapidamente no mercado europeu. Estes estrangeiros manifestam desusado interesse em contribuir na construção da nova sociedade, não apenas como mercadores, mas também como povoadores e lavradores. Daí que busquem cartas de vizinhança e naturalização, favores do senhorio e capitães que encimam as três capitanias. Casam com as filhas dos principais e primeiros povoadores madeirenses. Há, assim, a busca de um lugar na nova sociedade, que lhes foi negado na terra de origem, e uma estratégia adequada de adaptação capaz de suprir frutos e vantagens para a nova sociedade e espaço. Desta forma, a sociedade da Ilha é a mistura de portugueses, estrangeiros e escravos. Assim, a uma estrutura tradicional transplantada há que gizar uma nova estrutura em que tenham lugar os novos grupos. Daí a importância do arquipélago na criação e definição da nova sociedade atlântica. Na caracterização desta nova sociedade, há que atender os grupos sociais que responderam à chamada desta mobilidade, importando também saber a categoria socioprofissional daqueles que foram lançados para a aventura do descobrimento e ocupação dos novos espaços. Militares, missionários – sobretudo com destino ao Norte de África e à India – e funcionários da Coroa têm lugar cativo em todas as expedições. Para o séc. XV, estabelece-se uma dualidade de opções entre a burguesia e a aristocracia, expressa também no confronto de duas figuras: os infantes D. Pedro e D. Henrique. Enquanto os primeiros estariam empenhados nas campanhas de defesa das praças africanas ou de conquista dos entrepostos orientais, os segundos postaram na linha da frente do descobrimento de novas terras, na senda de encontro de novos mercados e produtos. Dualidade de políticas, de rumos e protagonistas, eis a forma simplista de definir este processo. A preocupação da nobreza pelos descobrimentos é considerada posterior às campanhas marroquinas e à morte do infante D. Henrique. Até 1460, a nobreza, exceção feita a Nuno de Góis e Cide de Sousa, estava empenhada na conquista e defesa das praças marroquinas. Para alguns, até esta data, os descobrimentos foram protagonizados, maioritariamente, por aqueles que estavam próximos da sua Casa. Há uma continuidade das famílias no processo de descobrimento e ocupação. Esta ideia pode ser certificada com o testemunho de um dos descendentes do primeiro capitão do Funchal, João Gonçalves Zarco. Em 1526, João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, justificava a sua capacidade de povoador do seguinte modo: “[...] porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel e meu tio a de São Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que se vê [...]”. Propunha levar para a colonização do Brasil dois mil colonos, que não eram “da espécie de tomarem índias por concubinas e de viverem na terra sem a fazerem produzir” (DIAS, 1924, III, 90). Outra família é também protagonista de rumo idêntico. São os Betencourts que, da Normandia, através das Canárias, avançam para a todo o espaço atlântico, transformando-se num exemplo de família atlântica. Outra questão, de não somenos importância, prende-se com a forma como se procedeu ao recrutamento. Há os que partem de livre vontade, à aventura, os que cumprem uma missão como funcionários da Coroa ou os que se dispõem a qualquer serviço, na mira de uma compensação e prestígio social. A estes junta-se um grupo com grande destaque em todo o processo, os degredados ou prisioneiros. No momento de organização das armadas de defesa das praças marroquinas, de ocupação das ilhas ou do Oriente, a Coroa permitia aos seus organizadores o recrutamento de homens entre os condenados por diversos delitos e os degredados. A política moderna de degredo como forma de incentivo ao povoa­mento dos lugares ermos não era novidade, pois vinha sendo utilizada para o povoamento do litoral algarvio e zonas fronteiri­ças de Caste­la. A Coroa, de acordo com o seu interesse, ordenava, aos correge­dores, o destino a atribuir aos degredados. Depois do Algarve, foi o caso de Ceuta e demais praças marroquinas, e as ilhas atlânticas. No caso das ilhas, as orientações de envio dos degredados sucedem-se conforme a evolução do processo de povoamento do espaço atlântico: primeiro, a Madeira, depois, os Açores, Cabo Verde e São Tomé. Note-se que, a partir de 1454, D. Afonso V determina, a pedido do infante D. Henrique, que todos os homens condenados a degredo fossem povoar as ditas ilhas. Em todos estes espaços insulares, as dificuldades sentidas no momento da ocupação foram inúmeras, variando o grau à medida que se avançava para oci­dente ou sul. A Coroa e o senhorio sentiram-se na necessi­dade de atribuir incentivos e apoios à fixação de colonos. De entre as medidas adotadas nesse sentido, podemos salientar a entrega de terras de sesmaria, privilégios e isenções fiscais variadas e a disponibilização dos prisioneiros sentenciados em degredo. Esta ideia da presença e formação das sociedades insulares a partir deste grupo de renegados estava presente no imaginário do mundo ocidental. Assim, foi com grande espanto que o inglês Hans Sloane constatou, em 1687, que a sociedade madeirense era distinta das outras que conhecia. Tudo isto começou na Madeira, alar­gando-se depois às restantes ilhas. A avidez de terras e títu­los, por parte dos filhos segundos e da pequena aristocracia do reino, contribuíram para alimentar a diáspora. Sabe-se, de acordo com uma carta de D. João I, que foi o rei quem regulamentou a forma de entrega das terras na Madeira. Esta deveria ser feita de acordo com o estatuto social do colono. Assim, os vizinhos de mais elevada condição e possuidores de proventos recebem-nas sem qualquer encargo. Os po­bres e humildes que viviam do seu trabalho só a elas tinham direito mediante requisitos especiais, e apenas as terras que pudessem arro­tear e tornar aráveis num prazo de 10 anos. Com estas cláusulas res­tritivas, favorecia-se a concentração da propriedade num reduzido número de povoadores. O povoamento faz-se em consonância com as condições oferecidas pelo meio e o satisfazer das necessidades cerealíferas, ou como válvula de escape para os atritos sociais e políticos da Península Ibérica.­ No caso português, a inexistência de população nas ilhas entre­tanto ocupadas levou ao escoamento dos excedentes populacionais e dos disponíveis no reino. O fenómeno de transmigração da época quatrocentista apresenta, ao nível da mobilidade social, um aspeto particular das sociedades insulares. Elas foram, primeiro, polos de atração e, depois, viveiros disseminadores de gentes para a faina atlântica. No começo, a novidade aliada aos inúmeros incentivos de fixação definiram o primeiro desti­no, mas, depois, as escassas e limitadas possibilidades económicas das ilhas e o fascínio pelas riquezas das Índias condu­ziram a novos ru­mos. No primeiro caso, a Madeira, porque foi rápida a valorização eco­nómica, galvanizou as atenções portugue­sas e mediterrâneas. Só de­pois surgi­ram novos destinos insulares, como as Canárias, Açores, Cabo Verde e São Tomé, onde os madeiren­ses desempenharam um importan­te papel. Desta forma, a Madeira do séc. XV poderá ser definida como um polo de convergên­cia e de redistribuição do movimento migratório no mundo insular. Os fermentos da geografia humana das ilhas foram peninsulares, de origens diversas, cuja incidência as fontes históricas nos impedem de afir­mar com firmeza. Insiste-se, no caso da Madeira, Açores e Cabo Verde, que as pri­mei­ras levas de povoadores foram de proveniência algarvia, mas não há dados suficientemente claros sobre a sua dominância. Esta dedução resulta do facto de o infante D. Henri­que ter fixado morada no lito­ral algarvio e de lá terem partido as primeiras caravelas de reconhe­ci­mento e ocupação das ilhas. Mas, como encontrar colonos disponíveis gente numa área que carecia deles? Os que partiam do Algarve eram mesmo daí oriundos ou gentes que aí afluíam atraídas pela azáfama marítima que lá se vivia? O processo de povoamento foi faseado. Na déc. de 20, chegaram os aventureiros e companheiros de Zargo e Tristão. Depois, em meados da centúria, surgiu novo grupo, atraído pela fama das riquezas da ilha, alguns deles filhos segundos de famílias nobilitadas do Norte que buscam neste espaço aquilo que lhes foi retirado no reino. Já na déc. de 60, após a morte do infante, foi a vez do entusiasmo contagiante dos estrangeiros, nomeadamente dos oriundos das repúblicas de Itália, a quem as portas se abriram para promoção do mercado do açúcar. De entre o grupo de povoadores, merecem referência os 36 homens da Casa do mesmo infante, na sua maioria escudeiros ou criados, que adquiriram uma posição relevante na estrutura administrativa e fundiária. Eles pertenciam ao numeroso grupo de filhos segundos do reino ou à pequena aristocracia, todos à procura de títulos e bens fundiários. A estrutura social começou a ser definida logo nos começos do povoamento, sendo a possibilidade de posse de terra o primeiro elemento diferenciador dos primeiros colonos. Tinham acesso a esta, sem qualquer impedimento, os de “maior qualidade” e aqueles que tivessem capacidade para as aproveitar. Já os que viviam do seu trabalho de cortar e pilhar madeiras e das criações de gado deveriam proceder ao seu aproveitamento, num prazo de 10 anos, e só receberiam as terras que pudessem aproveitar neste prazo. Começa aqui a expressar-se uma forma de diferenciação social assente na riqueza e posse da terra. A baixa condição social da maioria dos povoadores poderá estar na origem da atitude de João Gonçalves Zarco, que solicitou ao rei varões de qualidade para casarem com as suas filhas. D. Afonso V acedeu, enviando Garcia Homem de Sousa, Diogo Afonso de Aguiar e Martim Mendes de Vasconcelos. Numa lista dos homens-bons da capitania do Funchal, elaborada em 1471, surgem apenas 10 % de cavaleiros e 5 % de fidalgos. Mas, a partir de então, o número aumentou, mercê dos títulos conquistados com a participação na defesa das praças marroquinas e no reconhecimento da costa africana, assim como do enobrecimento pela intervenção na estrutura administrativa e na economia açucareira. Tudo isto condicionou o impacto do surto imigratório que se repercutiu no movimento demográfico da ilha: Zurara, em cerca de 1453, fala em 150 fogos, enquanto Cadamosto, em 1455, refere já 800 fogos. Ao grupo de mando, de ócio e façanhas bélicas no Norte de África, associou-se uma numerosa plêiade de subordinados (rendeiros, assalariados, mesteres e escravos), que contribuía para o progresso agrícola e mercantil da Madeira. A sua importância na sociedade madeirense reforçava-se, assim, com o progresso económico da Ilha. Só em 1484, os mesteres fazem ouvir a sua voz na vereação por meio da criação da Casa dos Vinte e Quatro. Dois anos mais tarde, assumiram uma participação ativa na procissão do Corpo de Deus. O lugar que os mesteres nela ocupavam poderá significar uma hierarquização dos ofícios, que se fazia de acordo com o estabelecido em 1453, para Lisboa. A relação dos mordomos dos ofícios, feita no ano de 1486 pela vereação, indica a estrutura socioprofissional: pedreiros, sapateiros, alfaiates, barbeiros, vinhateiros, tecelões, besteiros, hortelões, almueiros, pescadores, mercadores, almocreves, ourives, tabeliães e tanoeiros. Para os anos imediatos, surgem dados referentes à fiança e aos juízes dos ofícios (ferradores, ferreiros, barbeiros e moleiros) que testemunham a dimensão adquirida pela estrutura oficinal, mercê da exigência da sociedade para serem asseguradas as necessidades básicas, pois o isolamento e as dificuldades de contacto com a Europa impossibilitava o abastecimento dos artefactos de uso corrente aí produzidos. A importância e a fixação dos mesteres em determinadas áreas do burgo veio dar origem a ruas com o nome dos diversos ofícios aí sedeados, como a dos ferreiros, a dos tanoeiros, a dos caixeiros, etc. O desenvolvimento das pequenas indústrias e dos grupos oficinais foi evidente no decurso do séc. XVI e, paulatinamente, as diversas corporações oficinais foram ganhando importância social, económica e política. A sua presença na vereação passa a ser assídua, para defender os interesses da classe e intervir na regulamentação da sua atividade. A vereação atuava, de forma constante, na regulamentação dos ofícios e na qualidade do serviço prestado, bem como na tabela de preços das diversas tarefas e produtos daí resultantes. Cada ofício tinha um juiz que se encarregava de examinar os demais aprendizes, garantindo a qualidade do serviço a prestar. A tendência para a fixação dos mesmos em arruamentos determinados resultava também da necessidade de um maior controle. A cada ofício, de acordo com o número de oficiais e a sua importância na sociedade, liga-se a sua estruturação em corporações, a sua presença na vida política local e a posição atribuída no Corpo de Deus. Note-se que a cada grupo de ofícios correspondia um santo patrono, cujo dia era de redobrada festa para os associados. Aos ofícios, juntaram-se os trabalhadores braçais ou assoldadados, que se dedicavam a diversas tarefas no campo e no burgo. O seu serviço era onerado com a redízima; este tributo, prejudicial ao exercício dessas atividades, punha em causa a segurança da terra. Segundo se dizia em 1466, tal situação conduzia ao aumento dos escravos. A mesma preocupação evidencia-se em 1489, apontando-se a saída de homens para as campanhas africanas como um perigo para a segurança da Ilha, dado o elevado número de escravos que nela havia. O grupo servil teve importância relevante na sociedade madeirense na segunda metade do séc. XV, o que gerou preocupação e tornou necessária a regulamentação dos seus movimentos e do convívio. Daqui surgiu a exigência de usarem sinal, de se recolherem à casa do senhor, ao mesmo tempo que se ordenou a explosão dos forros, com exceção dos canários. Os escravos negros surgem como assalariados, vendedores de fruta dos seus senhores, enquanto os guanches eram pastores e mestres de engenho. O progresso socioeconómico do arquipélago acentuou a diferenciação de estatuto social entre os madeirenses. Esta situação espelha-se na forma de tratamento do senhorio e da Coroa para com os moradores da Ilha. Em 1425, o rei saudava apenas os fidalgos, cavaleiros, escudeiros e povo, mas, em 1466, o senhorio detém-se apenas no grupo cujo estatuto depende da condição de nobre ou do exercício de certas funções: capitães, fidalgos, cavaleiros, juízes, vereadores, procurador e homens-bons. Já em 1494, a diferenciação social torna-se mais explícita, surgindo o “povo miúdo” e os mesteres em oposição aos “principais”, referindo-se, em 1508, que estes últimos eram as pessoas “honradas e de grandes fazendas” (ALBUQUERQUE e VIEIRA, 1987, 69). Como vemos, o estatuto social define-se não só pela origem, mas também pela riqueza e exercício do poder. O processo da expansão portuguesa favoreceu ambos os grupos e permitiu que se misturassem, sendo difícil diferenciar um do outro. A caracterização da sociedade madeirense está presente nos inúmeros testemunhos dos estrangeiros que, desde o séc. XVI, visitaram a Ilha. Releva-se, por exemplo, o testemunho de Giulio Landi, que, 1530, define a sociedade madeirense em dois grupos opostos: nobres e plebeus. Para a maioria dos visitantes britânicos, aquilo que mais chama a atenção é o papel assumido pelo clero na sociedade madeirense, sendo incisivos na crítica que lhes fazem. Mesmo a um capelão anglicano como John Ovington espanta que “tantos ricos eclesiásticos podem ser sustentados com o labor de tão escassa população” (ARAGÃO, 1981, 203). A presença estrangeira nas ilhas portuguesas é evidente desde o início do povoamento. Primeiro, a curiosidade de novas terras, depois, a possibili­dade de uma troca comercial vantajosa: eis os principais móbiles para a sua fixação nas ilhas. A sua permanência na Madeira está já do­cu­mentada, sendo fixada a partir de meados do séc. XV, o que os integra nas segundas levas de povoadores. E mais não entraram porque estavam, até 1493, condicionados à concessão de carta de vizi­nhança. Aliás, foi a Ma­deira a primeira ilha a despertar a atenção dos mercadores es­trangeiros, que encontraram nela um bom mercado para as suas opera­ções comerciais. Note-se que o rincão madeirense foi o primeiro a merecer uma ocupação efetiva e imediata, apresentando um conjunto variado de produtos com valor mercantil, o que despertou a cobiça dos mercadores nacionais e estrangeiros. Nos demais arquipélagos, este processo foi moroso e tardaram os produtos capazes de gerar as trocas externas. No caso das Canárias e dos Açores, isso só foi conseguido em pleno a partir de princípios do séc. XVI, com a oferta de novos produtos, como o açúcar, o pastel e ce­reais. Depois, no último arquipélago, a sua afirmação como importante entre­posto do comércio oceano fez convergir para aí os interesses de algumas casas comerciais empenhadas no contrabando dos produtos de passagem. Na Madeira, ultrapassadas, a partir de 1489, todas as barreiras à presença de estrangeiros, a comunidade forasteira amplia-se e ganha uma nova dimensão na sociedade e economia. A presença de agentes ha­bilitados para a dimensão assumida pelas transações comerciais e a injeção de capital no sector produtivo e comercial favoreceram a evolução do sistema de trocas. Neste contexto, destaca-se a comunida­de italiana, que veio em busca do açúcar. A importância assumida pela cultura na Ilha e comércio do seu produto no mercado europeu foi re­sultado da intervenção desta comunidade. Florentinos e genoveses fo­ram os seus principais obreiros. Os primeiros evidenciaram-se nas transações comerciais e financeiras do açúcar madeirense no mercado europeu. A partir de Lisboa, controlavam à distância, por meio de uma rede de feitores, o comércio do açúcar madeirense. Para isso, conse­guiram da Fazenda Real o quase exclusivo do comércio do açúcar resul­tante dos direitos cobrados pela Coroa na Ilha, bem como o monopólio dos con­tingentes de exportação estabelecidos pela Coroa, em 1498. No­mes como Benedito Morelli, Marchioni, João Francisco Affaitati ou Jeró­nimo Sernigi têm interesses na Ilha, onde atuam por iniciativa pró­pria ou por intermédio dos seus agentes, madeirenses e compatrícios. A penetração deste grupo de mercadores na sociedade madeirense é por demais evidente. O usufruto de privilégios reais e o relaciona­mento matrimonial favoreceram a sua integração na aristocracia madei­rense. Eles são maioritariamente proprietários e merca­dores de açúcar. São exemplo disso: Rafael Cattano, Luís Doria, João e Jorge Lomelino, Lucas Salvago, Giovanni Spinola, Simão Accia­iolli e Benoco Amatori. Os flamengos e franceses surgiram na Ilha, desde finais do séc. XV, também atraídos pelo comércio do açúcar. Todavia, destes são poucos os que criam raízes na sociedade madeirense, sendo João Esmeraldo uma exceção. Rapidamente, a sociedade madeirense aparece como uma cópia da do reino e os problemas e conflitos aparecem. Estas clivagens tornam-se evidentes a partir do séc. XVII, por força das transformações sociais ocorridas. Na primeira linha do processo, esteve a afirmação de morgados e capelas. A vinculação da terra por este meio foi o estratagema usado pelos proprietários para segurar a sua manutenção, uma vez que estas passavam a ser inalienáveis e indivisíveis, sendo a sucessão feita pelo filho varão. Esta situação obrigou à afirmação de novas relações de trabalho no sistema produtivo, surgindo o colono ou arrendatário a substituir o escravo. O contrato de colonia é resultado deste processo de transformação do regime fundiário provocado pelas transformações económico-sociais. O afastamento do senhor da terra e a sua falta levou ao aparecimento desta figura intermédia a valorizar o sector produtivo. A situação rapidamente alastrou a toda a Ilha, de modo que, em meados do séc. XIX, mais de 90% da terra estava vinculada. O seu relacionamento com o senhor fazia-se por intermédio da figura do feitor, que exercia sobre eles uma forte vigilância, ao mesmo tempo que não se furtava a excessos e especulações. O sistema gerou, ao longo dos tempos, inúmeros conflitos entre os diversos intervenientes por causa da oposição de interesses quanto às culturas e da opressão exercida com a venda da água e a partilha das colheitas. No séc. XVIII, um movimento de colonos reivindicava a diminuição de metade para um terço da renda a pagar ao senhorio. As medidas de amortização do Marquês de Pombal foram ao encontro dos interesses dos morgados, facilitando a concentração da propriedade e o acesso dos ingleses à sua posse. A Revolução Liberal acabou com a situação, mas só em 1863 aconteceu a sua extinção. Esta crise do sistema no decurso do séc. XIX favoreceu a concentração da propriedade na comunidade britânica. A partir do séc. XVI, torna-se clara a mobilidade populacional dos espaços insulares, tendo como centro a Madeira. As ilhas foram sempre espaços de permanente movimento de populações, funcionando esta situação como válvula de escape para as limitadas possibilidades do espaço. A posição e protagonismo no processo de expansão europeia condicionaram esta constante das sociedades insulares. A posição charneira do arquipélago madeirense no traçado das rotas oceânicas de ida e o facto de ter sido o primeiro espaço de ocupação e valorização económica condicionou a primeira leva e fez com que os madeirenses estivessem presentes em todos os espaços onde os portugueses chegaram, por força da atividade comercial e das armas. A sociedade atlântica teve, assim, as suas raízes na Madeira. O primeiro movimento de migrações insulares foi resultado de vários fatores. Para uns, foi o espírito de aventura e serviço da Coroa que os levou às façanhas no Norte de África ou no Índico. Outros há que foram forçados a sair pela falta de meios, pela crença religiosa, como foi o caso dos judeus, ou por fuga à alçada da justiça. A própria Coroa promoveu este movimento, primeiro de técnicos experimentados na cultura dos canaviais e fabrico do açúcar. A emigração do séc. XVIII enquadra-se, ainda, no contexto da ocupação e colonização dos novos espaços, correspondendo a um objetivo político decorrente das rivalidades entre portugueses e castelhanos quanto à definição das fronteiras do território da América do Sul. Pelo Tratado de Madrid (1750), a delimitação das fronteiras foi estabelecida de acordo com as barreiras naturais e o direito de uti possidetis, isto é, a posse estava assegurada aos territórios que estavam ocupados. Enquanto aconteciam as negociações para a assinatura do Tratado, Alexandre de Gusmão, o negociador português, propôs à Coroa a colonização do sul do Brasil por casais das ilhas, recomendando o envio de 4000 casais para o Rio de Janeiro e, depois, de casais com o objetivo de garantir a posse das terras brasileiras e angolanas. A primeira solicitação neste sentido aconteceu em 1742, a pedido do governador de Santa Catarina. Todavia, só a partir de 1748 a Coroa apostou nesta medida, financiado e promovendo a saída de madeirenses e açorianos. No período de 1748 a 1756, mais de 6000 ilhéus abraçaram este projeto. Os madeirenses referenciados até ao momento são superiores a um milhar. Da lista destes matriculados entre 1747 e 1751, surgem 226 casais, num total de 1277 pessoas. Depois desta data, temos o registo de outra leva de madeirenses que acabou tragicamente num naufrágio no litoral da Baía, em 1756. Foram 535 pessoas que viram os seus sonhos desfeitos na costa brasileira, tendo perecido quase todos, uma vez que só se salvaram 11 mulheres e alguns homens que fugiram para a mata e não quiseram mais embarcar. O processo de migração de populações insulares que aconteceu até ao séc. XVIII enquadra-se na dinâmica decorrente da expansão europeia, sendo os momentos de maior impacto resultado das dificuldades internas e solicitações dos novos espaços. Já a emigração a partir do séc. XIX é fruto do processo de internacionalização do trabalho, provocado pela necessidade de mão de obra para substituir os escravos nos espaços onde, desde 1834, foi acontecendo a abolição do tráfico dos mesmos. A emigração é o fenómeno do séc. XIX e assume características diferentes das migrações insulares dos períodos anteriores. Até agora, estávamos perante uma saída feita de acordo com as solicitações externas, onde se aliava o desejo de aventura aos interesses económicos e políticos. O movimento de gentes, de iniciativa da Coroa ou particular, rege-se por motivos colonizadores. A partir de então, foram os impulsos internos que conduziram à saída forçada dos insulares. A terra que os recebera há 400 anos apresentava-se, agora, madrasta, incapaz de satisfazer as suas necessidades vitais, e, por essa razão, impelia-os para a aventura americana. A partir do séc. XIX, os períodos de fome sucederam-se com alguma frequência. Entretanto, do outro lado do Atlântico, vivia-se um momento de euforia económica, com a mineração ou safra agroindustrial, que não se compadecia com as medidas de abolição da escravatura. Perante isto, o ilhéu, desapossado da terra pelo regime sucessório e de mando económico, abandona o seu próprio meio e, aliciado pelas propostas dos engajadores, sai rumo a tais destinos, substituindo o escravo. Por isso, muitos políticos da época consideravam esta forma de recrutamento de mão de obra como uma nova escravidão, isto é, a escravatura branca. A tudo isto acresce, ainda, nos anos de 1844 a 1846, o proselitismo religioso, protagonizado por R. Kalley, que veio a forçar a saída dos seus apaniguados. Esta vontade cega de partir era acalentada pelos aliciadores ao serviço do Governo inglês, que procuravam, na Madeira, a solução para as suas necessidades da mão de obra nas plantações e minas nas Antilhas. A partir de 1847, tivemos a segunda e mais importante fase da diáspora que a primeira, despoletada pela grave crise vitivinícola. As doenças que atacaram a cul­tura da vinha (o oídio, em 1852, e a filoxera, em 1872) deitaram por terra a única riqueza e geraram a fome. O continente americano é a principal esperança e destino da emigração madeirense no séc. XIX, recebendo 98% destes emigrantes. As Antilhas inglesas foram o principal mercado recetor da mão de obra madeirense, com 86 % dos saídos legalmente, que se distribuíram, de forma irregu­lar, por Saint Kitts, Suriname, Jamaica e Demerara, áreas conhecidas do madeirense e ligadas à Ilha através do comércio do vinho. Demerara pode ser considerado o principal destino dos emigrantes, tendo recebido 70%, contando-se, entre 1841 e 1889, 36.724 madeirenses. Houve dois grandes momentos de emigração dos madeirenses no séc. XIX: o primeiro, na déc. de 40 e, o segundo, os anos 70 e 80. O último coincide com o aparecimento de um novo destino, o Havai. Demerara foi, nas décs. de 40 e 50, o Eldorado do madeirense, disputando esta posição nas décs. de 70 e 80 com o recém-descoberto paraíso havaiano. De 1834 a 1872, saíram mais de 30 mil madeirenses com destino ao Brasil e Antilhas. Só a ilha de Demerara recebeu, entre 1841 e 1889, cerca de 40 mil, e o Havai, entre 1878 e 1913, atraiu mais de 20 mil. Isto conduziu a que os portugueses, e de forma especial os madeirenses, se evidenciassem no conjunto das comunidades étnicas de emigrantes, em que se incluíam os africanos e indianos. O colapso da indústria açucareira em Demerara, em contraste com o seu incremento nas ilhas ditas Canecas, levou os madeirenses para o Havai. A conjuntura emigratória oitocentista condicionou a taxa de crescimento da população na Madeira. Assim, o valor que, entre 1864 e 1878, havia sido de 18 % passa para 2 %, no período de 1878 a 1890. A situação agravou-se, porque estávamos perante uma emigração familiar. A escalada da emigração continuou, na última década do séc. XIX e princípios do XX, mantendo-se os países de destino, com especial destaque para o Brasil e Estados Unidos. A grande depressão dos anos 30 levou ao encerramento das portas de alguns, enquanto se abriram outros novos, como a África do Sul, reabrindo-se, em 1939, o Brasil. As duas guerras mundiais provocaram nova leva de emigrantes. O Brasil continuou a ser um dos destinos preferenciais da maioria dos madeirenses, mas as possibilidades de opção alargaram-se a outros mercados recetivos a mão de obra. Nos anos de 1936 e 1948, a emigração madeirense foi orientada pela companhia Shell para o Curaçau, que permitiu a saída de 4000 madeirenses. Muitos destes deram o salto para a Venezuela, que, conjuntamente com o Canadá, Austrália, América do Sul e as colónias portuguesas de Angola e Moçambique, integrava os novos destinos. A Venezuela manteve, desde princípios do séc. XX até 1958, uma política de portas abertas, o que permitiu a emigração de muitos europeus e, no caso português, de um grupo importante de madeirenses. Em 1960, a população portuguesa na Venezuela era superior a 40.000, sendo constituída na sua maioria por madeirenses. Nos anos 50, este foi o principal destino da emigração madeirense, tendo acolhido 14.424 emigrantes da Ilha. A presença madeirense alargou-se também a outros quadrantes, sendo de salientar a África do Sul e a Austrália. No primeiro, a vinculação portuguesa é muito antiga, remontando à viagem de Vasco da Gama, mas foi a partir do séc. XVIII que tivemos notícia dos primeiros portugueses no Cabo (Capetown). No séc. XIX, a rota regular dos vapores do Cabo que escalavam o Funchal permitiu a definição de um novo rumo para a emigração madeirense. Esta presença torna-se, contudo, mais notada a partir de 1904 no sector da pesca, mas foi nos anos 50 do séc. XX que este destino ganhou dimensão, tendo saído 5118 madeirenses para lá. Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952, com a emigração sazonal para Inglaterra, principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ligados à hotelaria, deslocavam-se na época de verão rumo a este destino, para trabalhar no mesmo sector, regressando à Ilha para a época invernal. Esta tradição passou, depois, a estar ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismo madeirense perdeu a sazonalidade. A presença de madeirenses no Canadá é anterior a 1953, altura em que se iniciou a emigração organizada de portugueses atrás da rota do bacalhau. Os primeiros portugueses que se fixaram no Canadá surgem já no séc. XVII. São eles: Jean Rodrigues e Pierre da Sylva de Lisboa e Martin Pierre de Braga. O primeiro açoriano, de apelido Miranda, surge em 1680, enquanto o primeiro madeirense terá sido Francis Silva, que surge em Halifax a partir de 1861. A viragem neste processo aconteceu na déc. de 70. O processo autonómico conduziu à valorização do espaço socioeconómico da Ilha, condicionando a emigração. As mudanças políticas a nível mundial, a situação dos habituais mercados recetores de mão de obra madeirense, em contraste com a melhoria das condições de vida na Ilha, fizeram com que o madeirense permanecesse na sua própria terra e que muitos regressassem. Primeiro, foram os chamados “retornados” das ex-colónias e, depois, os da Venezuela e África do Sul. No séc. XXI, a mobilidade está mais facilitada e a emigração adquiriu outros contornos. Assim, a saída definitiva deu lugar à temporária, para a Europa, nomeadamente Suíça e Ilhas do Canal. A Ilha continua a não ter condições para manter os seus naturais, não obstante, em épocas diversas, no decurso do processo de mudança política que levou à afirmação da autonomia, tenhamos assistido ao seu retorno, nomeadamente da África do Sul e Venezuela, e à presença de emigrantes europeus, por força dos grandes empreendimentos que marcaram o progresso do arquipélago – as obras do aeroporto e da rede viária. A sociedade madeirense estruturou-se, não apenas de acordo com a condição social dos seus moradores, mas também da sua origem e nacionalidade, ganhando um estatuto particular nesta nova sociedade. As diversas comunidades de estrangeiros, que se foram fixando no arquipélago e ganhando importância nos negócios e mesmo na estrutura social, fazem parte desta amálgama que gerou a nova sociedade, processo a que não foi indiferente a origem de tais estrangeiros e a forma como a política e os interesses hegemónicos e imperiais valorizaram a Ilha. Daí a ação e a importância dos ingleses, como sucedeu no início com os genoveses e flamengos. É, pois, a partir desta estruturação social guiada pela atividade comercial e pelo mando que a sociedade madeirense se organiza e os grupos sociais se definem.   Alberto Vieira (atualizado a 10.02.2017)

História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social

povoamento

O povoamento da Madeira destaca-se, no contexto da expansão europeia, como o primeiro ensaio de processos e técnicas que serviram de base à afirmação dos portugueses no espaço atlântico: aí se lançaram as bases sociais e económicas do mundo atlântico. Com efeito, tratou-se de um processo de povoamento e não de colonização, porque a Madeira e Porto Santo não eram habitadas. A tradição refere abordagens anteriores, mas sem continuidade no tempo: estas aconteceram a partir da década de vinte do séc. XV. A forma de ocupação e valorização económica da Madeira foi ao encontro das solicitações da conjuntura interna do reino e do espaço oriental do Atlântico, surgindo como resposta à disputa das Canárias e à necessidade de encontrar um ponto de apoio para as operações ao longo da costa africana. Palavras-chave: descobrimentos; capitanias; sociedade; economia.   O povoamento e o processo de valorização económica da Madeira destacam-se, no contexto da expansão europeia, como o primeiro ensaio de processos, técnicas e produtos que serviram de base à afirmação dos portugueses no espaço atlântico. Com efeito, foram aí lançadas as bases sociais e económicas do mundo atlântico. Tratou-se, assim, de um processo de povoamento e não de colonização, porque, na verdade, a Madeira e o Porto Santo não eram ilhas habitadas e houve necessidade de proceder à humanização de ambos os espaços insulares. A tradição refere abordagens anteriores, mas sem continuidade no tempo, como aconteceu a partir da déc. de 20 do séc. XV. A forma de ocupação e valorização económica da Madeira foi ao encontro das solicitações da conjuntura interna do reino e do espaço oriental do Atlântico, surgindo como resposta à disputa das Canárias e à necessidade de encontrar um ponto de apoio para as operações ao longo da costa africana. Zurara faz eco disso ao referir que as embarcações portuguesas faziam escala obrigatória na Madeira, onde se proviam de “vitualhas nas ilhas da Madeira, porque havia aí já abastança de mantimentos” (ZURARA, 1841, 163-164). Os testemunhos dos cronistas são taxativos quanto à inexistência de população em solo madeirense. Assim, para além das referências à abordagem do Porto Santo por castelhanos que aí faziam carnagem, vindos das Canárias, e da presença de Machim na baía de Machico, nada mais indiciava ter havido antes uma preocupação de humanização destas ilhas. Cadamosto afirma mesmo “que fora até então desconhecida” e que “nunca dantes fora habitada” (VIEIRA, 1994, 40). Idêntica é a opinião de Jerónimo Dias Leite, ao referir que perante os navegadores se deparava uma “terra brava e nova, nunca lavrada, nem conhecida desde princípio do mundo até àquela hora” (Id., Ibid.). Todos os autores coevos que se ocupam do tema são unânimes em considerar o povoamento da Madeira como obra portuguesa, tendo como dirigente o infante D. Henrique, apoiado em João Gonçalves Zarco, com ou sem a colaboração de Tristão Vaz Teixeira. Para os cronistas, tudo começou no verão de 1420, com a expedição comandada por João Gonçalves Zarco que tinha como objetivo dar início à ocupação da Ilha. Acompanhavam-no Tristão Vaz, Bartolomeu Perestrelo e alguns homiziados que “queriam buscar vida e ventura foram muitos, os mais deles do Algarve” (Id., Ibid.), segundo afirmam Jerónimo Dias Leite e Gaspar Frutuoso. Não há consenso quanto à data em que o solo da Ilha começou a ser desbravado pelos primeiros colonos europeus. Alguns cronistas e a tradição são unânimes em afirmar o ano de 1420. O infante D. Henrique declarava, em 1460: “comecei a povoar a minha ilha da Madeira haverá ora XXXV anos” (Id., Ibid., 37), isto é, a partir de 1425, data em que terá iniciado o povoamento desse território. Mas, na doação régia de 1433, o monarca afirmara “que agora novamente o dito infante por nossa autoridade povoa” (Id., Ibid., 39). Quererá isto dizer que o infante só então assumiu o comando do processo? Não. Pelo menos esta não é a opinião do infante que, nas cartas de doação das capitanias, apresenta João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo como os primeiros povoadores e por seu mandado. Só podemos falar de povoamento a partir de 1425 ou 1433, contrariando a opinião dos cronistas? A resposta também parece ser negativa, à luz do que nos dizem os documentos. Temos primeiro a sentença do duque D. Diogo, de 6 de fevereiro de 1483, que refere que “podia haver cinquenta e sete anos, pouco mais ou menos, que a essa Ilha fora João Gonçalves Zargo, capitão que fora nessa Ilha, levando consigo sua mulher e filhos e outra gente” (Id., Ibid., 43). Depois, outra sentença de Diogo Pinheiro, vigário de Tomar, em 1499, afirma: “poderá bem haver oitenta anos que a dita Ilha era achada pouco mais ou menos e se começara a povoar” (Id., Ibid.). A última versão é corroborada em 27 de julho de 1519, por acórdão da Câmara do Funchal, em que se dá conta do início do povoamento “há cem anos atrás” (Id., Ibid.). Os documentos oferecem diversas versões. O primeiro coincide com a data apontada pelo infante, o segundo corrobora os cronistas. Face a esta divergência de datas, a única conclusão possível é de que o povoamento efetivo terá começado a partir de finais do primeiro quartel do séc. XV. Com a distribuição das terras pelos três povoadores, as ilhas do Porto Santo e Madeira ficaram divididas em três capitanias. O Porto Santo, por ser uma ilha pequena, ficou entregue na totalidade a Bartolomeu Perestrelo. Mas a Madeira foi separada em duas, por uma linha traçada em diagonal entre as pontas da Oliveira e do Tristão: a vertente meridional, dominada pelo Funchal, ficou quase toda em poder de João Gonçalves Zarco, enquanto a restante área, incidindo na costa norte, ficou sob Tristão Vaz Teixeira. No Porto Santo, ao início, surgiram problemas. Os inúmeros coelhos e as condições pouco propícias do meio não favoreceram o processo de povoação. De acordo com Gaspar Frutuoso, a ilha do Porto Santo era “pequena, mas fresca [...] não tem boas águas, por ser seca e de pouco arvoredo” (FRUTUOSO, 1979, 56) e a Madeira era o inverso, sendo caracterizada pela “fertilidade e frescura (...) e das muitas ribeiras e fontes de água” (Id., Ibid., 49). Uma das questões mais debatidas nos primórdios da história da Madeira prende-se com o protagonismo do rei D. João I e do infante D. Henrique no processo de (re)descobrimento e ocupação das ilhas do arquipélago. A leitura das crónicas leva-nos a concluir que tudo começou sob a orientação da coroa. De todas, a mais esclarecedora é a Relação de Francisco Alcoforado que diz ter o infante ordenado a João Gonçalves Zarco que “fosse logo a el-rei a Lisboa” (MELLO, 1975, 90). E foi o rei quem mandou preparar as embarcações para a viagem de reconhecimento da Ilha, tal como aconteceu depois, por motivo do povoamento. Em 1443, D. Duarte reclamava a sua intervenção referindo as ilhas “que agora novamente o dito infante por nossa autoridade povoa” (VIEIRA, 1994, 38). O próprio infante D. Henrique testemunha o protagonismo de seu pai, ao afirmar, em 1460, tal como indicámos atrás, que “Por serviço de el-rei meu senhor e padre de virtuosa memória, [...] comecei a povoar a minha ilha de Madeira haverá ora XXXV anos, e assim mesmo a de Porto Santo e daí prosseguindo a Deserta” (Id., Ibid., 43). O infante diz que só em 1425 tomou conta do processo, enquanto a documentação estabelece o ano de 1433 como o de início desta intervenção e dos seus direitos como senhor da Ilha. Esta ideia contraria outra veiculada pelo próprio infante nas cartas de doação das capitanias da Madeira e do Porto Santo. Em 1440, ao conceder a posse da capitania de Machico a Tristão Vaz, declara que este havia sido “um dos primeiros que por seu mandado fora povoar as ditas ilhas” (Id., Ibid., 37). O mesmo surge quanto ao Porto Santo, em 1446 e, ao Funchal, em 1450. Neste último caso, o infante considera João Gonçalves Zarco como “o primeiro que por seu mandado povoára a Ilha” (Id., Ibid.). D. Afonso V, em 1454, tem outra opinião ao afirmar que “por serviço de Deus e nosso conquistou e povoou” (Id., Ibid., 38) as ilhas da Madeira e do Porto Santo. Em 1461, reafirma que João Gonçalves Zarco fora o primeiro povoador aí enviado pelo infante. Esta ideia é expressa, mais tarde, pelo capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara: “esta Ilha era uma horta do senhor infante e ele pôs e trouxe a semente e plantou estas canas e a deu a toda a Ilha à sua própria custa” (Id., Ibid.). Isto contraria a ideia defendida por alguns de que a coordenação desta tarefa pertenceu ao rei, por intermédio do vedor da fazenda João Afonso. De concreto, apenas se sabe que foi no uso dos plenos poderes conferidos pela doação de 1433 que o infante D. Henrique distribuiu, a partir de 1440, as terras do arquipélago àqueles que haviam procedido ao reconhecimento delas e que seriam os seus capitães. É comum afirmar-se que os primeiros povoadores da Madeira são oriundos do Algarve. A ideia filia-se na tradição algarvia da gesta expansionista e na seguinte expressão de Jerónimo Dias Leite: “muitos do Algarve” (LEITE, 1947, 16), copiada de Francisco Alcoforado. Estamos perante uma dedução apressada, uma vez que faltam provas e todos os dados disponíveis atestam o predomínio de outras regiões no povoamento da Madeira. Com efeito, uma listagem dos primeiros povoadores referidos nos documentos e crónicas dá-nos a indicação de que a presença nortenha (64%) é superior à algarvia (25%). O mesmo sucede no inventário dos que receberam ordens menores e sacras, entre 1538 e 1558, em que não aparece nenhum algarvio e a maioria é do norte de Portugal, nomeadamente de Braga e Viseu. Os registos de casamento da freguesia da Sé (que existem desde 1539), para o período de 1539 a 1600, também o confirmam. Os nubentes de Braga, Viana e Porto representam 50% do total, enquanto os de Faro não ultrapassam os 3%. A análise de todas as freguesias da Ilha no séc. XVI reforça a posição da população do norte do país, destacando-se Braga (11%) e Viana do Castelo (8,4%). O povoamento da Madeira foi um processo faseado, em que intervieram colonos oriundos das mais diversas origens. De todo o reino surgiram gentes para esta experiência de povoamento. Do Algarve, partiram, de facto, muitos dos apaniguados da casa do infante com funções importantes no lançamento das bases institucionais do senhorio. Do norte de Portugal, da região de Entre Douro e Minho, vieram os cabouqueiros que transformaram a Ilha num rico espaço agrícola. É evidente a vinculação dos moradores da costa algarvia (Tavira, Lagos, Silves, Aljezur e Sagres) no início do povoamento da Ilha. A iniciativa das primeiras viagens algarvias traçou o rumo que perdurou, nos primeiros tempos, como uma via privilegiada de circulação de homens e de mercadorias. Muitos deles pertenciam à casa do infante. Eram criados, escudeiros, cavaleiros e fidalgos que o acompanhavam nas andanças algarvias e que aderiram ao projeto de descobrimentos que teve na Madeira o primeiro passo. A iniciativa da viagem de reconhecimento iniciou-se no Algarve, mas foi de Lisboa que partiram as embarcações com os povoadores deste novo espaço. Conta Jerónimo Dias Leite que o infante recomendou, em 1419, a João Gonçalves Zarco que fosse a Lisboa, oferecendo-se ao rei para tal tarefa. Acompanharam-no alguns homens afeitos a qualquer feito de guerra no mar e em terra e “mais alguns homens de Lagos como foram António Gago, Lourenço Gomes, [...]” (Id., Ibid.). A presença algarvia na Madeira deixou algumas marcas na toponímia. Chegou-se, inclusivamente, a associar Machico e Monchique, sendo o último considerado uma corruptela do primeiro, o que hoje ninguém aceita. Mas outros locais evidenciam a relação: Algarvio (na freguesia de São Gonçalo), Boliqueime (freguesia de Santo António) e vila Baleira (no Porto Santo). O povoamento na Madeira alastrou rapidamente a toda a costa meridional, levando à criação de outros lugares de fixação, concretamente Santa Cruz, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Calheta. Zurara refere-nos um primeiro núcleo de 150 casais a que se juntaram outros, como mercadores, homens e mulheres solteiros e mancebos. Por sua vez, Cadamosto dá-nos conta de 800 homens, destacando os principais núcleos de povoamento: Machico, Funchal, Santa Cruz e Câmara de Lobos. As dificuldades da orografia da Ilha não travaram o processo; a elevada fertilidade do solo e a pressão do movimento demográfico foram motivos de forte atração. Aos primeiros obreiros e cabouqueiros seguiram-se diversas levas de homens livres e surgiu a necessidade de procurar escravos na costa africana para acudir a tamanha tarefa de preparação dos terrenos. A costa norte da Madeira tardou em contar com a presença de colonos, contribuindo para isso as dificuldades de contacto por via marítima e terrestre. Mesmo assim, já na déc. de 40, refere-se a presença de gentes em São Vicente, uma das primeiras localidades do norte a merecer uma ocupação efetiva. O progresso do movimento demográfico relacionou-se de forma direta com o nível de desenvolvimento económico da Ilha e refletiu-se na sua estrutura institucional. A criação de novos municípios, paróquias e a reforma do sistema administrativo e fiscal resultaram dessa realidade. Ao nível religioso, deu-se o desmembramento das primitivas paróquias das três capitanias com o aparecimento de novas: Santo António, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Arco da Calheta e Santa Cruz. No campo administrativo, tivemos os primeiros juízes pedâneos de Câmara de Lobos e Ribeira Brava e, depois, os municípios da Ponta do Sol (1501) e Calheta (1502). A economia açucareira, entre meados do séc. XV e da centúria seguinte, foi responsável por uma forte atração de forasteiros, motivando-os a fixarem-se no novo espaço. E aqui é evidente a macrocefalia do Funchal, que se afirmou, desde o início, como o principal centro populacional da Madeira. Um dos principais reflexos desta situação está na criação de novas paróquias, na segunda metade do séc. XVI, fruto das reclamações dos párocos e dos moradores. O número de habitantes da ilha do Porto Santo só progrediu nos primeiros anos de ocupação. A praga de coelhos, os escassos recursos e as insistentes invasões de corsários não foram propícios à fixação de colonos. Os corsários argelinos, na primeira metade do séc. XVII, contribuíram para o seu despovoamento quase total, pois só em 1617 foram levados cativos 900 habitantes da ilha. O povoamento do arquipélago da Madeira foi um movimento com origem em todas as regiões do país, que ocorreu, nas primeiras décadas, sob a orientação do infante D. Henrique. Esta variada proveniência geográfica dos primeiros povoadores, embora com forte incidência na região norte do país, foi fator propiciador de uma sociedade diversa, capaz de combinar uma variedade cultural, dando origem a uma nova matriz atlântica e insular nesta primeira fase da expansão portuguesa.   Alberto Vieira (atualizado a 03.02.2017)

História Económica e Social História Política e Institucional

casas do povo

As Casas do Povo foram criadas durante o Estado Novo, em 1933, e constituíam-se, inicialmente, em organismos de cooperação social, com a finalidade de intervir no campo da previdência e assistência social, colaborar no desenvolvimento das comunidades da sua área de atuação e garantir a representação profissional e proteção dos trabalhadores rurais. Ao longo da sua existência, surgiram vários diplomas para legislar ou reorganizar os seus desígnios, o que resultou em diversas transformações nestes organismos. Palavras-chave: Casa do Povo; Organização; Madeira; Cultura; Atividades; Formação     Durante o regime corporativista do Estado Novo, em Portugal, foi autorizada a criação de casas do povo em todas as freguesias rurais, pelo dec.-lei n.º 23.051, de 23 de setembro de 1933. As casas do povo constituíam-se, inicialmente, em organismos de cooperação social, com personalidade jurídica, com a finalidade de intervir no campo da previdência e assistência social, assegurando a proteção e o auxílio aos sócios, nos casos de doença, desemprego e velhice; de colaborar no desenvolvimento educacional e cultural, através da criação de bibliotecas, escolas ou postos de ensino, destinados à instrução dos sócios e dos seus filhos; de promover a prática de desportos, diversões e cinema educativo e ainda de contribuir nos progressos locais, na realização de obras de interesse comum. A criação das casas do povo podia ser por iniciativa de particulares, das juntas de freguesia ou de qualquer autoridade administrativa com jurisdição na respetiva zona rural. Os sócios eram classificados nas categorias de efetivos (chefes de família e homens maiores de 18 anos) e protetores (proprietários rurais da freguesia). As mulheres e os menores de 18 anos podiam inscrever-se como sócios para efeitos de benefícios. As receitas provinham das cotas dos sócios, das atividades das Casas do Povo, de donativos e do Estado. As casas do povo foram sofrendo diversas transformações, ao longo da sua existência, tendo surgido vários diplomas para legislar ou reorganizar os seus desígnios. Em 1940, através do dec-lei n.º 30.710, de 29 de agosto, estabelece-se a sua nova organização, sobretudo no que diz respeito à previdência social, passando estas casas a funcionar como instituições de previdência para a população rural. Cinco anos mais tarde, pelo dec.-lei n.º 34.373, de 10 de janeiro de 1945, surge a Junta Central das Casas do Povo, uma entidade responsável por coordenar e orientar as ações destas instituições. No início do ano de 1957, foram criadas federações de casas do povo, pela necessidade de assegurar a coordenação das suas diferentes atividades e de garantir uma proteção mais eficaz ao trabalhador rural (dec-lei n.º 41.286, de 23 de setembro de 1957). Mais tarde, as casas do povo e as suas federações são reorganizadas pela lei n.º 2144 de 29 de maio de 1969, que revoga o dec.-lei 23.051, de 23 de setembro de 1933, embora continuando em vigor a legislação complementar e a legislação sobre as federações das casas do povo em tudo o que não contrariasse as disposições daquela lei. As casas do povo são caracterizadas naquele diploma como “organismos de cooperação social, dotados de personalidade jurídica, que constituem o elemento primário da organização corporativa do trabalho rural e se destinam a colaborar no desenvolvimento económico-social e cultural das comunidades locais, bem como a assegurar a representação profissional e a defesa dos legítimos interesses dos trabalhadores agrícolas e a realização da previdência social dos mesmos trabalhadores e dos demais residentes na sua área” (lei n.º 2144, de 29 de maio de 1969, cap. i, sec. i, base i). As casas do povo podiam ser também criadas por iniciativa do ministro das Corporações e Previdência Social nas zonas onde se considerassem necessários os fins de previdência e adquiriam personalidade jurídica com a aprovação, por alvará, dos seus estatutos. Passava a haver três categorias de sócios (efetivos, contribuintes e protetores), que tinham direito de utilizar os serviços e de aproveitar as vantagens e benefícios concedidos pela casa do povo, e o dever de pagar as quotas e cooperar no desenvolvimento da organização. Os sócios efetivos eram os trabalhadores das atividades agrícolas, silvícolas e pecuárias, por conta de outrem, quando chefes de família ou maiores de 18 anos, residentes na área; os sócios contribuintes eram os produtores agrícolas da região; os sócios protetores constituíam-se pelas entidades ou pessoas que contribuíam para as receitas de forma voluntária. Após a Revolução de 25 de abril de 1974, estas entidades sofrem alterações profundas. No final daquele ano são extintas as federações das casas do povo e é-lhes retirada a função de representação profissional dos trabalhadores agrícolas, pelo dec.-lei n.º 737/74, de 23 de dezembro, passando estes a ser representados pelos sindicatos. Pouco tempo depois, pelo dec.-lei n.º 549/77, de 31 de dezembro, instituiu-se um sistema unificado de segurança social, alterando o contexto de previdência social dos trabalhadores rurais e residentes na mesma área, e criaram-se centros regionais de segurança social e de saúde, transferindo-se funções desempenhadas pelas casas do povo para estes serviços locais. Em 1982, por meio do dec.-lei n.º 4/82, de 11 de janeiro, reestruturam-se novamente as casas do povo. Estas passam a ter o estatuto jurídico de pessoas coletivas de utilidade pública, de base associativa, tendo como finalidade o desenvolvimento de atividades de carácter sociocultural e a cooperação com o Estado e com as autarquias locais, com vista a promover o desenvolvimento e o bem-estar das comunidades, especialmente as do meio rural. A sua criação seria feita por requerimento subscrito por um mínimo de 50 pessoas em condições de se inscreverem como sócias da instituição a criar, e aprovados pelo ministro dos Assuntos Sociais, adquirindo personalidade jurídica pela publicação do despacho de aprovação no Diário da República. Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, de acordo com o disposto no art. 34.º daquele diploma, seriam publicados decretos regulamentares regionais para a sua execução, com as adaptações consideradas necessárias. Neste sentido, ainda em 1982, publica-se na Madeira o dec. reg. regional n.º 20/82/M, de 1 de outubro, que aprova o Estatuto das Casas do Povo. Aquele diploma define-as como “instituições de base associativa dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira e que se constituem por tempo indeterminado e se destinam ao desenvolvimento cultural, recreativo e desportivo das comunidades” (cap. i, sec. i, art. 1.º). Assim, atividades como teatro, música, artes visuais, folclore, artesanato, desporto, formações, entre outras, deveriam ser promovidas por estas entidades, por iniciativa própria ou em colaboração com organismos públicos ou privados e contariam com apoio técnico e financeiro do Governo regional, para a realização dos seus objetivos. Também se procede à criação de uma Comissão Provisória de Apoio às Casas do Povo, integrada no Serviço de Extensão Rural, na dependência da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas. Dos seus estatutos constarão, obrigatoriamente, a denominação com a expressão “Casa do Povo”; a área abrangida e localização da sede; o modo e condições de admissão, saída e exclusão dos associados, seus direitos e deveres e sanções pelo não cumprimento desses deveres; os poderes da assembleia geral e as atribuições da respetiva mesa; a composição da direção, suas atribuições e modo de substituir os seus membros durante as suas faltas e impedimentos; as condições necessárias para a constituição e funcionamento da assembleia geral e para o exercício do direito de voto e as condições em que pode ser deliberada a dissolução da casa do povo, conforme regulamentado no cap. I, sec. III, art. 6.º daquele diploma. Os sócios são as pessoas singulares com mais de 18 anos, devidamente recenseadas, que residam habitualmente na respetiva área e que requeiram a sua inscrição e são constituídos em três categorias: os efetivos (antigos sócios das casas do povo que não tenham anulado a sua inscrição ou os indivíduos que a requeiram), os honorários (agraciados pela assembleia geral) e os beneméritos (que voluntariamente contribuam com doações ou donativos de vária ordem e reconhecidos pela assembleia geral). O cap. II define os sócios das casas do povo, seus direitos e deveres (arts. 11.º a 17.º). Os órgãos são constituídos pela assembleia geral e pela direção, cujo mandato tem uma duração de três anos (órgãos e respetivas competências regulamentados no cap. III, arts. 18.º-45.º). Aquele diploma regula ainda os procedimentos eleitorais para os corpos gerentes (cap. VI, sec. XIII, arts. 48.º-65.º), os trabalhadores (cap. IV), as receitas (cap. V) e estabelece também que as dúvidas e os casos omissos serão resolvidos por despacho do secretário regional da Agricultura e Pescas, ouvida a Comissão Provisória de Apoio às Casas do Povo. Em 1990, deu-se a autonomização das casas do povo em relação ao Estado. Estas deixaram de estar sob a sua tutela, passando o seu regime a ser o estabelecido pelas disposições do Código Civil aplicáveis às associações de direito privado (dec.-lei n.º 246/90, de 27 de julho). No começo do séc. XXI, a Madeira contava com 41 casas do povo, que foram alterando os seus propósitos, de acordo com as transformações político-sociais e respetiva legislação. No âmbito dos seus objetivos, as casas do povo promovem, ao longo do ano, diversas iniciativas de cariz sociocultural, formativas, desportivas, recreativas e de ocupação de tempos livres, por iniciativa própria ou em colaboração com organismos públicos ou privados, como o Governo regional, as secretarias regionais, as câmaras municipais, as juntas de freguesia, os comerciantes locais, entre outras. Assim, como forma de preservar as tradições e o património da freguesia, promover a localidade, os produtos típicos e também dinamizar o comércio, surgem eventos dedicados à mostra e promoção de produtos característicos da terra, como a Festa da Castanha, a Festa da Cereja, a Mostra da Sidra, a Exposição do Limão, a Mostra do Brigalhó (tubérculo que só existe em zonas húmidas do Curral das Freiras), entre muitos outros. Estas festas e mostras de produtos apresentam uma vertente gastronómica, com várias barracas montadas para vender iguarias e bebidas, e contam com um programa de animação variado, com atuações musicais e outros géneros artísticos. Algumas casas do povo atuam também no campo social, na gestão de centros de dia e de convívio, para os mais idosos, e na aposta em projetos socioeducativos como a Universidade Sénior; na organização de atividades de tempos livres para as crianças; na assistência às famílias carenciadas e aos mais desfavorecidos; e na disponibilização de serviços para apoiar as pessoas em situação de desemprego, designados de Polos de Emprego. Destaca-se ainda a criação de grupos musicais, de folclore, de dança, de teatro, entre outros grupos de animação, que representam a respetiva casa do povo, sobretudo em eventos realizados na Madeira, e noutros fora da Ilha. De referir ainda a junção das casas do povo em associações, como a Associação de Casas do Povo da Região Autónoma da Madeira (ACAPORAMA) e a Associação para o Desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira (ADRAMA). A ACAPORAMA foi fundada a 5 de abril de 1991, com a finalidade de representar todas as casas do povo da Região e de organizar, promover, coordenar e dirigir ações e projetos no âmbito dos objetivos que se propõem, assim como administrar fundos que lhe sejam atribuídos ou confiados. A ADRAMA foi constituída a 16 de agosto de 1994, tendo 13 casas do povo como outorgantes (Calheta, Campanário, Faial, Ilha, Ponta Delgada, Ponta do Sol, Porto Moniz, Ribeira Brava, Santana, São Jorge, São Roque do Faial e São Vicente), com os objetivos de promover, dinamizar, acompanhar e gerir ações de desenvolvimento, de valorização, de património, de defesa do ambiente e qualidade de vida da população de cada concelho da sua área de intervenção. Segue-se um breve historial das casas do povo criadas na Região Autónoma da Madeira, com um resumo de atividades desenvolvidas e sua localização. Casa do Povo de Água de Pena – Foi fundada a 24 de abril de 1993 e tem a sua sede na Est. Regional 237, n.º 3, ao Sítio da Igreja, freguesia de Água de Pena, concelho de Machico. Resumo de atividades: Organização e participação em cortejos de Carnaval na freguesia e no concelho de Machico; festejos de São João com a realização de marchas populares e ceia típica; visitas aos presépios da freguesia, pelo Natal e o Cantar dos Reis na noite de 5 de janeiro; feiras do livro; passeios pela Ilha e viagens ao Porto Santo; formação (cursos de informática, pintura decorativa e costura, ateliers de artes visuais, entre outros); palestras, ações de sensibilização e ciclos de conferências; aulas de ioga; disponibilização de um centro de dia e de convívio; projeto REUTIPARTI (reutilização e partilha), que consiste no conserto de móveis e sua entrega a famílias carenciadas. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Folclórico de Danças e Cantares da Casa do Povo de Água de Pena (fundado a 29 de julho de 1979 e integrado na Casa do Povo em 1994) e Grupo Coral das Casas do Povo do concelho de Machico (formado a 14 de abril de 1994). Casa do Povo do Arco de São Jorge – Foi fundada em 1996 e localiza-se no Sítio dos Poços, freguesia do Arco de São Jorge, concelho de Santana. Resumo de atividades: Celebração de tradições madeirenses como o varrer os armários, pelo Santo Amaro, que inclui um concurso de vassouras, um cortejo e visitas aos presépios da localidade; os santos populares, com a realização da marcha de São João; festejos do pão-por-Deus com os utentes dos diversos centros sociais do concelho; participação no cortejo de Carnaval, em Santana; organização da Semana de São José, com um programa de animação musical, atividades desportivas e culturais; colaboração no Concerto Anual da Primavera, promovido pela Qt. do Arco; realização de vários cursos de formação e palestras. Possui várias infraestruturas, ao serviço das gentes da freguesia, nomeadamente, um Centro de Dia e de Convívio para os idosos, um Núcleo Bibliotecário e Centro Multimédia denominado Feiticeiro do Norte, a gestão do Museu do Vinho e da Vinha, a empresa de inserção Doces Tradições (criada em 2005, com o apoio do Instituto Regional de Emprego); ajuda domiciliária aos idosos e distribuição de refeições ao domicílio, em todo o concelho. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Tuna d’Arco da Casa do Povo do Arco de São Jorge. Casa do Povo da Boaventura – Foi fundada em 1959. Localiza-se no Sitio do Serrão, R. da Casa do Povo, freguesia da Boaventura, concelho de S. Vicente. Resumo de atividades: Organização do evento anual Feira das Sopas do Campo, realizada no primeiro fim de semana de junho, que inclui um cartaz de animação variada; promoção, na época natalícia, da Mostra de Iguarias Tradicionais de Natal, em dezembro (desde 2006), e do Encontro de Romarias de Natal, em janeiro (desde 2003); concertos com grupos regionais; encontros de grupos corais; bailes de Carnaval; Festa da (Bio) Diversidade; atelier de escrita criativa; proporciona a frequência de cursos de curta duração, entre os quais os cursos de culinária e higiene alimentar, culinária tradicional de Natal, artes decorativas e arte floral. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Instrumental; Grupo de Dança Dance Power; Grupo de Acordeões; Grupo de Instrumentos Tradicionais; Grupo de Despique Rei do Feijão. Casa do Povo da Calheta – Constituída a 30 de agosto de 1973, situava-se, então, no edifício do Hospital da Calheta, no Lombo da Estrela. Alguns anos mais tarde mudou as suas instalações para a ER 222 – Est. da Calheta, n.º 697, freguesia e concelho da Calheta. Com a Revolução de 25 de abril de 1974 teve um período de alguma estagnação, até 1986, ano em que foram aprovados os novos estatutos e a constituição da Casa do Povo da Calheta, a 29 de setembro. Resumo de atividades: Disponibilização de variadas ações formativas (entre as quais os cursos de informática, inglês, alemão, secretariado e trabalho administrativo, contabilidade e fiscalidade, segurança e higiene no trabalho, competências e técnicas turísticas, formação de formadores, bordados, ponto cruz, tapeçaria de arraiolos, tela, rendas antigas, macramê, corte, confeção e design, confeção de bonecas de pano, bijuteria, borracha EVA, arte floral); reconhecimento e validação de competências a adultos do concelho, através do Centro de Novas Oportunidades (protocolo de colaboração celebrado em 2008, com a Escola Profissional de Hotelaria e Turismo da Madeira); formação musical (instrumentos de cordas); organização de passeios pela ilha da Madeira; disponibilização dos serviços de um Polo de Emprego (iniciado como Clube de Emprego, no ano 2000). Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Instrumental da Casa do Povo da Calheta (formado em 1985); Grupo da Escola de Formação Musical. Casa do Povo da Camacha – Criada em 1937, está situada no Lg. Conselheiro Aires de Ornelas, freguesia da Camacha, concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: Organização do Festival de Arte Camachense - ART’Camacha, habitualmente no mês de agosto, que tem associado um programa extenso e variado de animação; Gala de Folclore Maria Ascensão; Dia do Emigrante, com ações de cariz religioso, desportivo e cultural; jogos tradicionais Jogos da Quaresma (na Páscoa); promoção da tradição Função do Porco e o Cantar dos Reis (pelo Natal); concertos musicais; passeios de catamarã e de caminhadas pela Ilha; na área da formação tem realizado cursos de línguas (alemão, inglês), informática, artesanato (bordados e rendas), contabilidade, secretariado, suporte básico de vida, arte floral, workshops de escrita criativa e de pinturas faciais, entre muitas outras formações, conferências e ações de sensibilização em diversas áreas; aulas de ioga e de zumba; organização de atividades de ocupação de tempos livres para as crianças em férias escolares. No desporto, apoia uma equipa de futsal e outros atletas que participam em provas de atletismo regionais. Disponibiliza um centro de convívio e centro de dia aos idosos da freguesia, a Academia Sénior e os serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha (fundado a 1 de novembro de 1948); Tuna de Bandolins (criada em 1978); grupo Teatro Experimental da Camacha (formado em 1987); Grupo Coral (criado em 1990). Casa do Povo de Câmara de Lobos – Criada em 1973, situa-se na Est. João Gonçalves Zarco, freguesia e concelho de Câmara de Lobos. Resumo de atividades: Organização da I Mostra de Cinema ao Ar Livre (2011); projeto de artes teatrais denominado Sementes (2011); projeto Green Steps (2013); concurso Joeiras no Ilhéu (desde 2011, inserido no projeto Memórias d’Outrora, dos Cursos Educação e Formação de Adultos da Escola Básica da Torre); colaboração na realização da Corrida de Carros de Pau (desde 2013); lançamento de balões de S. João, na baía de Câmara de Lobos; passeios náuticos de catamarã e passeios pedestres; comemoração do Dia Mundial da Criança, com animação diversa, para as crianças do concelho; programa formativo (cursos de inglês, alemão, francês, informática, secretariado, contabilidade, pastelaria, culinária e higiene alimentar, bordado Madeira e arte floral, entre outros); palestras e conferências de temas variados; aulas de ginástica; participação em provas desportivas (torneios de futsal, futebol de 11 e atletismo); projeto socioeducativo da Universidade Sénior (desde 2012). Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de dança contemporânea R-evolução – Núcleo Experimental de Dança da CPCL; Grupo de Acordeões; Tuna Sénior; Grupo de Teatro da Universidade Sénior da Casa do Povo de Câmara de Lobos. Casa do Povo do Campanário – Fundada a 8 de setembro de 1972, localiza-se na R. Com. Camacho de Freitas, freguesia de Campanário, concelho da Ribeira Brava. Resumo de atividades: Participação em eventos como o Cantar dos Reis e Marchas dos Santos Populares (S.to António, S. Pedro e S. João), em vários concelhos da Madeira; organização de um cortejo de Carnaval na localidade; colaboração na execução de tapetes florais, no Funchal, pela Festa da Flor; participação em iniciativas tradicionais da sua freguesia (Festa do Espírito Santo, no período pascal, e Cortejo das Açucenas, em setembro); convívios de Natal; programa formativo (cursos de bordados, costura, tapeçaria, arte floral, culinária, informática, entre outros); participação em torneios com uma equipa de futsal; serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo do Campanário (fundado em 1981); Grupo Coral (fundado em 1996); Grupo de Cordas; Grupo de Cantares; Grupo de Teatro. Casa do Povo do Caniçal – Fundada a 1 de maio de 1992, localiza-se no Sítio da Banda do Silva, freguesia do Caniçal, concelho de Machico. Resumo de atividades: promoção de eventos como a Festa do Pescador (desde 2009), Marchas dos Santos Populares, Cantar dos Reis, festas de Natal, Dia da Mãe, Gala dos Amantes do Fado, Noite Branca (para comemorar a chegada do verão) e cortejo de Carnaval; formação diversa (cursos de secretariado, costura, ponto Cruz, iniciação à tela, rendas de filé, arte floral, culinária e higiene alimentar, pastelaria, entre outros); aulas de pilates e de ginástica aeróbica; participação em provas desportivas, com as suas equipas, nas modalidades de futsal e de futebol de 11; serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo do Caniçal (apresentado oficialmente a 4 de julho de 1993, embora já estivesse formado desde janeiro de 1991, como Grupo Cultural e Recreativo do Caniçal); Grupo Coral das Casas do Povo de Concelho de Machico (constituído em abril de 1994); Grupo Musical da Casa do Povo do Caniçal São de Leste (formado a 4 de dezembro de 1998); Grupo de Teatro da Casa do Povo do Caniçal (iniciado em novembro de 2003). Casa do Povo do Caniço – Foi fundada em janeiro de 1998. Localiza-se na R. Dr. Francisco Peres, Edifício Jardins Caniço, Loja 21, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: organização de passeios a pé pelas levadas da Madeira; realização de concursos (de fotografia Cidade do Caniço, literário O Melhor Conto de Duas Páginas e culinário O Docinho do Caniço); feira mensal de artesanato, denominada Made in Caniço; organização de um evento anual, o Festival de Verão, no qual decorrem diversas atividades de demonstração das ações realizadas ao longo do ano; disponibilização de uma variedade de cursos (informática, inglês, alemão, português para estrangeiros, bordado Madeira, barretes de orelhas, modelagem em barro, pintura em tela, em tecido e em vidro, fotografia digital, arte floral, culinária, entre outros); palestras e conferências em áreas diversas; aulas de ioga, ballet, danças rítmicas, ginástica e instrumentos de cordas; serviços de um Polo de Emprego. Dispõe de um espaço denominado Galeria da Casa do Povo do Caniço, no qual tem promovido diversas exposições individuais e coletivas e possui um Núcleo Museológico, onde se encontra uma exposição permanente, composta por vários documentos, jornais, cartazes, peças de artesanato e fotografias, com o intuito de preservar a memória da localidade. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Etnográfico O Brinquinho da Casa do Povo do Caniço (fundado a 31 de agosto de 2008); Grupo de Ballet; Grupo de Dança; Grupo de Aeróbica. Casa do Povo do Curral das Freiras – Criada a 30 de agosto de 1973, tem a sua sede localizada na Est. Cónego Camacho, na freguesia do Curral das Freiras, concelho de Câmara de Lobos. Resumo de atividades: organização do espetáculo Cantar dos Reis, a 5 de janeiro, no centro da freguesia, com a participação de grupos de vários locais da Madeira; Mostra do Brigalhó (tubérculo característico da zona), uma festa realizada no mês de maio (desde 2002); Mostra da Ginja & Doçaria – Arraial da Ginja, certame que decorre, habitualmente, no primeiro fim de semana de julho; Festa da Castanha, no mês de novembro (desde 1983); celebrações várias, ao longo do ano, em datas assinaladas, como nos santos populares e no Carnaval; organização de atividades de tempos livres, no verão, para as crianças em férias escolares; projeto Vale Só(r)isos, criado em 2013, com o objetivo de prestar apoio domiciliário e ceder equipamentos aos idosos ou pessoas dependentes; apoio a famílias carenciadas da localidade e estabelecimento de parcerias com outras instituições regionais, como a Casa do Voluntário, através do programa Vale de Afetos, que tem como principal finalidade combater a solidão e o isolamento social e prestar apoio pessoal e social; criação de uma empresa de inserção, Panela de Ferro (apoiada pelo Instituto de Emprego da Madeira); criação de uma Casa de Emergência para acorrer às situações de catástrofe ou de elevado risco social, financiada pela Fundação EDP e inaugurada a 20 de abril de 2012. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo do Curral das Freiras (criado a 1 de novembro de 1987); Grupo de Danças Infantis e Grupos Corais (adultos e infantis). Casa do Povo do Estreito de Câmara de Lobos – Criada por alvará de 26 de fevereiro de 1970 e inaugurada três meses depois, a 28 de maio. Mudou várias vezes de instalações, tendo começado no Sítio da Ribeira da Caixa, passando para o Sítio da Ribeira Fernanda e depois para a R. Cap. Armando Pinto Correia, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos. Após a Revolução de 25 de abril de 1974, passou por um período de inatividade de cerca de 15 anos. Em setembro de 1990, por despacho da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura, a instituição foi reativada, tendo os seus corpos gerentes tomado posse a 14 de dezembro desse ano. Resumo de atividades: participação nas Marchas Populares em diversas freguesias da Madeira; celebração do Carnaval e do Dia da Criança; organização do Cantar das Janeiras; realização do evento Mostra de Artes de Palco, com a participação de diversos grupos e artistas nas áreas artísticas da música, dança e teatro; cursos de formação (bordado Madeira, pintura em tecido, borracha EVA, corte e confeção de vestuário e artes decorativas, entre outros); participação em torneios de futsal; ocupação dos tempos livres das crianças; disponibilização de serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Teatro Grutcape (criado em 1993); Grupo de Teatro Infantil O Palquito. Casa do Povo do Faial – Fundada a 21 de abril de 1993. Está localizada na R. João Fernandes Vieira, Sítio da Igreja, freguesia do Faial, concelho de Santana. Resumo de atividades: Organização da Festa da Anona, evento anual, que se realiza desde 1991, com o objetivo principal de divulgar a produção da anona, apoiar os agricultores e promover o fruto e demais produtos confecionados à base de anona, como licores, pudins, bolos, batidos, e que inclui um programa de animação variado; apoio de provas realizadas na freguesia, como o Rali do Faial/Trap (2016) e Campeonato de Super Trial 4x4 Resistência 2016. No âmbito da formação, tem proporcionado cursos como informática, boas práticas agrícolas, culinária e higiene alimentar, secretariado, entre outros. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Tuna da Casa do Povo do Faial. Casa do Povo da Fajã da Ovelha – Foi fundada a 20 de maio de 2002 e tem a sua sede na E.R. 222 – Est. da Fajã da Ovelha, n.º 164, freguesia da Fajã da Ovelha, concelho da Calheta. Resumo de atividades: realização do Encontro de Cânticos da Festa, no mês de janeiro (desde 2008), com grupos oriundos de vários concelhos da Região; organização da Festa do Figo e do Tabaibo, no mês de agosto (desde 2014) e de Semanas culturais (com palestras, exposições e animação musical); celebração do dia do Casa do Povo, do Dia da Mãe e convívios com os emigrantes; participação no desfile de Carnaval do concelho, na Festa da Flor, no Funchal, na elaboração de tapetes de flores e nas marchas populares, em várias freguesias da Madeira; concursos de presépios de Natal, de enfeites de fontanários e de karaoke; organização de passeios (a pé) pela Ilha; cursos de formação em diversas áreas (culinária, costura, arranjos florais, informática, entre outros) e várias ações de sensibilização; ensino de música e práticas de instrumentos (acordeão, rajão, viola e bandolim); participação em provas desportivas (torneios de futsal e atletismo); disponibilização de um Centro de Convívio Sénior. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Cordas da Fajã da Ovelha (formado em 1995 e integrado na Casa do Povo em 2006). Casa do Povo de Gaula – Foi fundada em 1986 e tem a sua sede no Centro Cívico de Gaula, na R. D. Júlia Graça de França, freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: organização do cortejo de Carnaval na freguesia e de uma festa de S. João, com as marchas populares e a tradicional ceia; convívio de Natal para os utentes; celebração de dias assinalados como o Dia da Árvore e o Dia do Pai; cursos (informática, alemão, francês, inglês, pintura em tecido, culinária, costura, artes florais, entre outras ações de formação e de sensibilização); aulas de zumba, aeróbica, ginástica de manutenção, dança, instrumentos musicais e coro. Promove, desde 2013, em parceria com a Câmara Municipal de Santa Cruz, o projeto Academia Sénior, destinado aos utentes com idade igual ou superior a 55 anos. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Tuna Amadis da Casa do Povo de Gaula (fundada em 1986); Grupo de Aeróbica Fitness Team; Grupo de dança Prestige Dance; Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula; Grupo Coral Infantil; Grupo de Viola e Acordeão; Grupo de Dança de Salão Criança. Casa do Povo da Ilha – Fundada a 23 de janeiro de 1991. Localiza-se no Sítio do Granel, freguesia da Ilha, concelho de Santana. Resumo de atividades: promoção da Exposição Regional do Limão, em parceria com outras entidades públicas, para divulgar uma das principais produções agrícolas da freguesia, que inclui um programa de animação variado; organização da Semana Cultural da Ilha, no mês de novembro; celebração de datas assinaladas como o Dia do Pai, Dia da Mãe, Dia da Criança e Dia do Emigrante e do Cantar os Reis; participação na Festa dos Compadres, em Santana; comemoração dos santos populares; realização de concursos no Entrudo e por ocasião de São Martinho; organização de passeios a pé, visitas culturais e jogos tradicionais; disponibilização de diversos cursos de formação. Apoio à população mais idosa, através do Centro de Convívio, criado em 2007 e criação de uma empresa de inserção social, denominada Ao seu Lar, iniciada em junho do mesmo ano, através de uma medida do Instituto Regional de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupos de Dança da Casa do Povo da Ilha (formado em 1999); Grupo de Teatro da Casa do Povo da Ilha (iniciado em 2002). Casa do Povo do Imaculado Coração de Maria – Foi fundada a 22 de setembro de 2004 e localiza-se na R. da Levada, na freguesia do Imaculado Coração de Maria, concelho do Funchal. Resumo de atividades: participação nas Marchas Populares, em várias freguesias da Madeira, e no espetáculo Vamos Cantar os Reis, no Funchal; promoção de passeios e vários convívios para os seus utentes; participação em provas desportivas (torneios de futsal e atletismo, colaborando na organização do Circuito do Livramento, da Associação de Atletismo da Madeira); aulas de ginástica. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Cantares e Tocares da Casa do Povo do Imaculado Coração de Maria. Casa do Povo do Jardim da Serra – Foi fundada a 29 de janeiro de 1997 e situa-se no Centro Cívico do Jardim da Serra, Rotunda das cerejeiras, n.º 2 – A, freguesia do Jardim da Serra, concelho de Câmara de Lobos. Resumo de atividades: organização da Festa da Cereja, evento que se realiza, habitualmente, num fim de semana, no mês de junho e conta com um vasto e variado programa de animação; apoio e participação em cortejos de Carnaval, no Cantar dos Reis e na ornamentação de fontanários por ocasião das festas dos santos populares; celebração de dias assinalados como o Dia da Mãe, da Criança, do Pai, dos Namorados; promoção de concursos, realização de jogos tradicionais, organização de passeios e de convívios com os seus utentes; oferta formativa em diversas áreas; colaboração e participação em provas de atletismo e de futsal. Casa do Povo de Machico – Localiza-se na R. do Infante D. Henrique, n.º 29, Sítio da Pontinha, freguesia e concelho de Machico. Resumo de atividades: participação e colaboração nos desfiles de marchas, pelos santos populares, no centro da cidade de Machico e organização do Concurso de Fontanários; celebração do Natal, participação na animação tradicional após as Missas do Parto, com a Romaria da Festa e no Cantar dos Reis; comemoração e convívio na Festa dos Fachos; organização de passeios pela Ilha; participação em provas desportivas, nas modalidades de futsal e de futebol de 11. No âmbito da formação, promove diversos cursos, como alemão, inglês, informática, secretariado, culinária costura e arte floral, entre outras ações formativas e de sensibilização. Organiza atividades de tempos livres, no verão, destinadas às crianças, e dispõe de um Gabinete de Apoio Psicológico, aberto a toda a comunidade (desde 1 de fevereiro de 2016). Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral das Casas do Povo do concelho de Machico (formado a 14 de Abril de 1994); Grupo de Teatro; Tuna. Casa do Povo do Monte – Foi criada a 18 de junho de 1999 e localiza-se no Caminho dos Saltos, n.º 248, freguesia do Monte, concelho do Funchal. Resumo de atividades: participação nas Marchas Populares, em várias freguesias da Madeira; colaboração na organização do arraial do Monte, no mês de agosto; organização de passeios por toda a Ilha e também ao Porto Santo; Noite de Fados, festas de comemoração do final do ano, participação em várias Missas do Parto em diversas paróquias; apoio à Gala Internacional de Etnografia e Folclore Manuel Ferreira Pio, organizado pelo Grupo de Folclore Monteverde; formação (artes decorativas, corte e confeção de vestuário, entre outros); participação em provas desportivas com uma equipa futsal. Casa do Povo de N.ª S.ra Piedade do Porto Santo – Está situada na ilha do Porto Santo, na R. Manuel Gregório Pestana, freguesia e concelho do Porto Santo. Para além das atividades desportivas e culturais, atua no campo social, apoiando a população porto-santense, sobretudo a população idosa. Em 2013, e.g., foram realizadas parcerias com a Associação de Desenvolvimento da Costa Norte da Madeira para a distribuição de equipamentos telefónicos pelos idosos do Porto Santo que residiam sós e com algumas dificuldades de mobilidade; e com os Bombeiros Voluntários do Porto Santo, para assegurar o apoio a estes idosos, em situação de emergência. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Banda Filarmónica da Casa do Povo de N.ª S.ra da Piedade (fundada em 1987, tendo a sua primeira apresentação pública ocorrido a 12 de maio de 1988). Casa do Povo do Paul do Mar – Foi fundada a 4 de fevereiro de 2000 e localiza-se no Sítio da Lagoa, freguesia do Paul do Mar, concelho da Calheta. Resumo de atividades: organização da Festa da Lapa, evento de cariz gastronómico e cultural com uma vertente de animação variada; festejos de Carnaval e natalícios; enfeites dos fontanários pelos santos populares; organização de ações como o mercado do livro madeirense, sessões de cinema, fados, teatro e música; realização de passeios e visitas culturais e recreativas a diversos locais na Região; formação (cursos de culinária e higiene alimentar; tapeçaria; costura; decoração floral, entre outras); criação, em 2004, do Centro de Artesanato da Casa do Povo do Paul do Mar. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo As Peixeiras; Banda Municipal Paulense; Grupo Coral Totus Tuus (fundado a 2 de abril de 2005); Quinteto Paulense (criado em 2008); Grupo Wave Boys (estreou-se em 2008). Casa do Povo de Ponta Delgada – Foi criada a 9 de janeiro de 1990 e localiza-se no Sítio dos Enxurros, freguesia de Ponta Delgada, concelho de São Vicente. Resumo de atividades: celebrações festivas típicas do Natal, Carnaval, Páscoa, arraial do Senhor Bom Jesus da Ponta Delgada; convívios em datas especiais como o Dia dos Avós, Dia do Pai e Dia da Mãe, S. Martinho, pão-por-Deus; promoção da Festa da Rainha S.ta Isabel, realizada a 4 de julho, com diversas atividades e animação e, em outubro, o certame Até ao Lavar dos Cestos é Vindima, uma iniciativa cujo objetivo principal é recordar e mostrar aos mais jovens a azáfama das vindimas de outros tempos; participação em alguns eventos que se realizam na Região, como feiras, festas religiosas e municipais, marchas populares, atividades desportivas; disponibilização de diversos cursos de formação. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral Juvenil Clave de Sol; Grupo de Dança A Sintonia; Grupo de Teatro. Casa do Povo da Ponta do Pargo – Fundada em 11 de junho de 1996, localiza-se no Sítio do Salão, na freguesia da Ponta do Pargo, concelho da Calheta. Resumo de atividades: organização da Festa do Pero (realiza-se durante um fim de semana, no mês de setembro, e inclui um cortejo etnográfico, um programa de animação musical e pavilhões de exposição e venda de produtos agrícolas); organização de jogos tradicionais e de um torneio do jogo do pião (no domingo de Páscoa); participação com um grupo de marchas populares nas festas do Concelho da Calheta; disponibilização de vários cursos, em áreas que vão desde o bordado Madeira e artesanato à informática. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Cantigas Norte a Sul da Casa do Povo da Ponta do Pargo (criado em 2007). Casa do Povo da Ponta do Sol – Fundada a 1 de outubro de 1973, situa-se na R. Príncipe D. Luís, n.º 3, freguesia e concelho da Ponta do Sol. Resumo de atividades: organização de variados eventos ao longo do ano, como a Feira Regional da Cana de Açúcar e seus derivados, nos Canhas (desde 2006); Mostra Regional de Banana, na Madalena do Mar (desde o ano 2000); desfiles de Carnaval, na Vila da Ponta do Sol; marchas populares; concurso de fontanários; concurso de presépios; construção de um presépio público; espetáculos de teatro, corais e instrumentais; Feira Cores; passeios pela Madeira; atividades de verão para as crianças; cursos de formação em várias áreas; aulas de ginástica rítmica, ballet, patinagem, música, acordeão, harmónica, teatro. No âmbito do desporto, destaca-se o atletismo e as gincanas (carros, motos e bicicletas). Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Instrumental da Casa do Povo da Ponta do Sol; Tuna de Bandolins; Grupo de acordeões; Grupo de Violas. Casa do Povo do Porto da Cruz – Localiza-se no Sítio Casas Próximas, freguesia do Porto da Cruz, concelho de Machico. Resumo de atividades: organização da Festa da Uva e do Agricultor, em setembro, por ocasião das vindimas; colaboração em iniciativas como o Mercado Agrícola e de Artesanato do Porto da Cruz; passeios, jogos tradicionais e jogos de cartas; concursos (de fotografia intitulado Porto da Cruz – Paisagem, Costumes e Tradições e de vinho americano, para os produtores); cursos de formação. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo do Porto da Cruz, que nasceu como Grupo Folclórico e Recreativo do Porto da Cruz, em 1974. Casa do Povo do Porto Moniz – Foi fundada em 1973 e situa-se no Sítio da Santa, freguesia e concelho de Porto Moniz. Resumo de atividades: convívios em datas especiais como o Dia Internacional da Família, Dia da Mulher e Natal; participação no desfile de Carnaval na vila do Porto Moniz; passeios e visitas culturais a museus da Madeira; organização de atividades de ocupação para estudantes em férias e programas de lazer para a terceira idade; gestão de três centros de convívio para idosos (no Seixal, na Ribeira da Janela e na Santa); colaboração na organização de provas desportivas, como a de atletismo no circuito do Porto Moniz. Ao nível da formação profissional, promove cursos como francês, inglês, informática, primeiros socorros e segurança, saúde e higiene na hotelaria e restauração, entre outros. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo de Porto Moniz. Casa do Povo da Quinta Grande – No dia 24 de julho de 1995, foram aprovados os seus estatutos e, a 28 de setembro desse ano foram inauguradas as suas instalações, num edifício partilhado pela Casa do Povo, pela Junta de Freguesia e pelo ensino pré-primário. A 11 de setembro de 2005, mudou-se para novas instalações, no Centro Cívico Quinta Grande, na Est. P.e António Silvino de Andrade, freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos. Resumo de atividades: participação no cortejo de Carnaval do concelho; festejos dos santos populares (Festa de S. João, ornamentação dos fontanários locais e participação em marchas de S.to António, S. João e S. Pedro, em várias freguesias); celebração do Dia Mundial da Árvore, do Dia Mundial da Criança e do dia da freguesia (24 de julho), festejos de Natal e Cantar dos Reis; disponibilização de formação em várias áreas; organização de atividades de ocupação dos tempos livres das crianças. No campo do desporto, promove e participa em torneios de futsal, futebol, atletismo, ciclismo, estafetas e jogos tradicionais. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo da Quinta Grande (integrado na Casa do Povo em janeiro de 1996, antes denominado Grupo Folclórico da Quinta Grande); Grupo de dança Soul Dancers (fundado em 2001). Casa do Povo da Ribeira Brava – Fundada a 29 de agosto de 1973, situa-se na R. Juvenal José Ferreira, freguesia e concelho da Ribeira Brava. Resumo de atividades: organização e participação nas marchas dos santos populares em diversas freguesias da Madeira; concerto de Natal, na Igreja Paroquial da Ribeira Brava; espetáculo alusivo ao Cantar dos Reis; cursos de formação profissional de eletricidade, rececionismo e administração, auxiliar de ação educativa, contabilidade e ainda diversas ações formativas nos cursos de culinária, costura, arranjos florais, rendas antigas, inglês e informática, entre outros; aulas de música (viola, braguinha, rajão e acordeão); realização anual do espetáculo musical FestiBrava. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Folclore da Casa do Povo da Ribeira Brava (formado a 26 de julho de 1980); Grupo de Concertinas (fundado em 2007); Orquestra Bandolística Ribeirabravense (fundada em 2002); Grupo de Acordeões; Orquestra Tuna Infanto-Juvenil Ribeirabravense. Casa do Povo de Santana – Foi fundada a 27 de outubro de 1986 e localiza-se no Sítio do Pico, freguesia e concelho de Santana. Resumo de atividades: organização, em parceria com outras entidades locais e regionais, do Circuito de corridas de carros de pau, do evento 48 Horas a Bailar – Festival Regional de Folclore de Santana e do Encontro de Coros Infanto-Juvenis da Cidade de Santana; formação variada, como os cursos de informática, artes decorativas, culinária, arte floral, entre outras; formação de cordofones; participação em torneios de futebol. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo de Santana; Grupo de Teatro; Grupo Coral Juvenil. Casa do Povo de Santa Cruz – Fundada em 1973, localiza-se na R. das Rosas n.º 13, freguesia e concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: animação nas Festas de S.to Amaro, em janeiro; organização, em parceria, do Cortejo de Carnaval e de marchas populares de S. João, no concelho; organização dos eventos Encontro Regional de Teatro das Casas do Povo da RAM, encontros de folclore e Sons e Sabores da Madeira, que inclui um cartaz de animação variado; celebração do Natal com diversas atividades alusivas àquela época festiva; realização de palestras, workshops e formações em diversas áreas, aulas de ginástica e de ioga; participação em torneios de futsal; serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo de Santa Cruz (fundado em 1982); Classe de Violas; Grupos de Danças Latin Street Dancers e Jovidancers; Escola de Música Coral e Instrumental; Grupo Coral; Grupo Teatro ao Minuto. Casa do Povo de Santa Maria Maior – A mais recente das Casas do Povo da Madeira foi constituída a 18 de setembro de 2015, localizando-se na freguesia de Santa Maria Maior, concelho do Funchal. Resumo de atividades: organização da Expo Tropical – 1.ª Mostra de Frutos e Sabores Subtropicais (2016); passeios de catamarã; passeios lúdicos e excursões pela Ilha; participação no I Campeonato de Futsal das Casas do Povo da RAM; aulas de zumba; entrega de 100 cabazes com uma diversidade de géneros alimentícios a famílias carenciadas da freguesia (dezembro 2015). Casa do Povo de Santo António – Foi das primeiras casas do povo a ser criada na Madeira, situando-se na freguesia de Santo António, concelho de Funchal. Esta casa foi inativada, de acordo com um artigo publicado no DN, no dia 14 de outubro de 2013. Segundo aquele periódico, o encerramento da instituição aconteceu no ano de 2013, por dificuldades financeiras (PASSOS, 2013, 3). Casa do Povo de Santo António da Serra – Criada a 24 de fevereiro de 1995, situa-se no Sítio da Ribeira de Machico, freguesia de Santo António da Serra, concelho de Machico. Resumo de atividades: organização do evento Mostra da Sidra, com um programa de animação variado; realização da tradição do Cantar dos Reis no largo da freguesia; ciclos de cinema; convívios alusivos ao Dia dos Namorados, Dia dos Avós e Dia do Pai; formação nas áreas da culinária, tapeçaria, costura, arranjos florais, pintura e informática, entre outros; aulas de zumba; aulas de cordofones e de piano; organização de ATL para as crianças em férias de verão. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Cultural e Recreativo da Casa do Povo de Santo António da Serra (fundado em 1998); Grupo de Dança; Grupo de Tocares e Cantares. Casa do Povo do Santo da Serra – Situa-se no Sítio dos Casais Próximos, freguesia de Santo António da Serra, concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: organização de eventos como a Mostra da Sidra, o Cantar dos Reis no largo da freguesia, de uma Festa das Tosquias nos Terreiros (Santo da Serra), e Mostra de tradições madeirenses: Vimes, Bordados, Licores e Receitas Tradicionais Casa do Povo de São Jorge – Localiza-se no Sítio da Achada Grande, freguesia de São Jorge, concelho de Santana. Resumo de atividades: participação nas marchas populares em várias freguesias da Madeira; organização da Semana de São José; cursos de formação em diversas áreas; gestão do Centro Social Municipal da Ribeira Funda – Santana. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Grupo de Dança da Casa do Povo de São Jorge. Casa do Povo São Martinho – A 5 de junho de 1991 foram lançadas as bases para a criação da instituição, cujas instalações, situadas na R. do Brasil, no Bairro da Nazaré, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, foram oficialmente inauguradas a 28 de setembro de 1995. Resumo de atividades: celebração da festa de S. João, com um jantar tradicional; participação nas Marchas Populares em várias freguesias da Madeira; celebração de dias assinalados como o Dia dos Namorados, dos Avós, da Mulher; festejos do Carnaval; organização de iniciativas como o Cantar os Reis; realização de convívios, excursões pela Ilha, visitas culturais e viagens fora da Região (França, 2016; Espanha, 2015 e Itália, 2014); formações em diversas áreas e palestras; disponibilização de um centro de dia e de convívio; participação em torneios com uma equipa de futsal. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore Cultural e Recreativo da Casa do Povo de São Martinho; Grupo Coral; Grupo de Tocares e Cantares. Casa do Povo de São Roque – Fundada a 1 de abril de 2004, situa-se na Est. Com. Camacho de Freitas, n.º 807, freguesia de São Roque, concelho do Funchal. Resumo de atividades: organização da Festa de N.ª S.ra da Alegria, em São Roque, realizada anualmente, num fim de semana do mês de agosto; concursos de artes florais, de “joeiras” (papagaios de papel), campeonatos de damas, de cassino (jogo de cartas) e jogos tradicionais; formação em diversas áreas; participação em provas de futsal; disponibilização de um Polo de Emprego; campanha de recolha de livros usados para ajudar as crianças e jovens da freguesia. Casa do Povo de São Roque do Faial – Fundada a 23 de janeiro de 1991, localiza-se no Pico do Cedro Gordo, freguesia de São Roque do Faial, concelho de Santana. Resumo de atividades: organização do evento Festival da Truta/Rota da Sidra/Encontro de Grupos Culturais do Concelho de Santana; promoção de diversos eventos e celebrações, ao longo do ano, como o Dia do Turista, do Doente, do Pai, da Mãe, da Criança, do Emigrante, do Idoso, de São Martinho, do pão-por-Deus, entre outros; organização de um cortejo de Carnaval; concurso literário e concurso de fontanários; edição do livro “Guardar Memórias e Abrir Horizontes… As Tradições e Costumes de São Roque do Faial” (2008); lançamento da revista Por Terras Tabaqueiras (2009); promoção de atividades de verão para as crianças; centro de convívio destinado aos idosos da freguesia. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Orquestra de Bandolins (formado em 2005); Tunacedros (fundada em 1987); Grupo Coral (fundado a 22 de Setembro de 1991); Grupo Recreativo (fundado a 24 de julho de 1999); Grupo de Tocares e Cantares Camponeses (criado a 29 de outubro de 2002). Casa do Povo de São Vicente – Localiza-se no Sítio do Pé do Passo, freguesia e concelho de São Vicente. Resumo de atividades: organização do concurso Festival da Canção Vozes do Norte (desde 2002); concurso de enfeites dos fontanários de São João e ceia típica; participação em provas desportivas como futebol de praia. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Banda Filarmónica da Casa do Povo de São Vicente (fundada em 1989); Grupo de Folclore da Casa do Povo de São Vicente (fundado em 1986). Casa do Povo da Serra de Água – Foi fundada a 14 de agosto de 1996 e localiza-se na R. Dr. Jordão Faria Paulino, freguesia da Serra de Água, concelho da Ribeira Brava. Resumo de atividades: organização do evento Mostra da Poncha e do Mel da Serra de Água que inclui um programa de animação variado; mostra de artesanato; participação em atividades como Cantar dos Reis, desfile de Carnaval e marchas populares em várias freguesias da Região; celebrações do Dia da Paróquia, a 14 de agosto, e do aniversário da fundação da Casa do Povo; realização da Festa do Espírito Santo na Encumeada, em parceria com a Paróquia, a Junta de Freguesia, o Município da Ribeira Brava e festeiros; organização de passeios e caminhadas pela Madeira; formação diversa; aulas de dança infantil; zumba; ioga; viola; práticas de teclado; canto; participação em torneios com uma equipa de futsal. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de dança infantil SA Team; Grupo de Amigos da Casa do Povo da Serra de Água; Grupo de Cantares; Grupo de Acordeões; Grupo das Marchas Populares. Casa do Povo da Tabua – Fundada a 11 de novembro de 2003, localiza-se no Sítio da Praia, freguesia da Tabua, concelho da Ribeira Brava. Resumo de atividades: organização de um jantar pelo S. João e de romagens para participar nas Missas do Parto; formação em várias áreas; aulas de ginástica e de zumba. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Castanholas da Casa do Povo da Tabua (formado em 2006); Grupo de Acordeões; Grupo de Tocares e Cantares.   Sílvia Gomes (atualizado a 28.01.2017)

Cultura e Tradições Populares História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social

lei regional

O sistema vigente de repartição de competências legislativas entre o Estado e as regiões com autonomia político-administrativa Distribuição horizontal de competências: recomposição do modelo de lista plural Em termos de modelo de repartição de competências entre o Estado e as regiões autónomas (RA), o paradigma da lista plural conservou‑se com a revisão constitucional de 2004, mas com um retorno parcial à arquitetura primitiva consagrada em 1976, no sentido da equação de duas “listas” constitucionais de poderes, uma estadual e outra regional, às quais acresce uma terceira lista subconstitucional de enumeração de poderes regionais (com reservas ao sistema de listagem no período que antecedeu a revisão constitucional de 2004, veja-se Maria Lúcia Amaral, “Questões regionais e jurisprudência constitucional…”; já no sentido da admissão de um sistema de listas, no período posterior a esse ato de revisão, com uma lista regional desconstitucionalizada, veja-se a obra, da mesma autora, A Forma da República). Tratou‑se de um retorno apenas parcial à versão constitucional de 1976, na medida em que se passou, com a revisão constitucional de 2004, a atribuir expressamente aos Estatutos Político-Administrativos (EPA) das Regiões Autónomas um papel central na discriminação de matérias das respetivas competências, nas quais incidirão os poderes legislativos autonómicos de tipo comum. Deste modo, foi conservada na Constituição da República Portuguesa (CRP): uma listagem de matérias de competência estadual, exclusivamente reservadas aos órgãos de soberania (exceção feita a certas matérias da reserva de competência legislativa do Parlamento que são delegáveis nas regiões); uma listagem, por via remissiva, de matérias de competência legislativa regional com carácter delegado (art. 227.º, n.º 1, alínea b))complementar (alínea c)) do mesmo preceito, bem com um elenco de matérias de competência mínima (art. 227.º, n.º 1, alíneas i), j), l), n), p), e q)); e uma remissão importante das restantes matérias de virtual competência autonómica para uma terceira lista regional de natureza subconstitucional inscrita nos Estatutos (art. 227.º, n.º 1, alínea a) e art. 228.º, n.º 1), a qual coexiste num universo concorrencial com competências dos órgãos de soberania integradas numa reserva móvel. É neste domínio de concorrência paralela que confluem, em binários diferentes dentro de uma mesma matéria, o exercício das competências regionais comuns e o exercício de poderes soberanos. Há, contudo, que separar nessa mesma matéria do domínio concorrencial uma esfera ou nível de poder regional e uma outra esfera atribuída aos poderes do Estado.   Taxatividade da enumeração estatutária das matérias respeitantes à competência legislativa regional comum ou primária Outra regra estruturante da revisão constitucional de 2004, que reforçou a listagem das competências regionais comuns, resultou, no nosso entendimento, da imposição de uma taxatividade da enumeração constitucional e estatutária dos poderes legislativos das regiões (refira-se que Jorge Miranda, que sempre militou em favor de uma lista aberta, alterou posteriormente a sua posição em favor de uma enumeração estatutária taxativa). Essa taxatividade parece decorrer: (i) do proémio do n.º 1 do art. 227.º da CRP, confirmado pelo n.º 1 do art. 228.º, que reza: “A autonomia legislativa das regiões autónomas incide sobre as matérias enunciadas no respetivo estatuto político‑administrativo [adiante designado por Estatuto] que não estejam reservadas aos órgãos de soberania”. Ora, semelhante fórmula não deixa grande margem para o exercício de poderes legislativos de tipo comum fora do limite positivo e negativo do Estatuto. Isto, sem prejuízo dos poderes legislativos de tipo mínimo – referimo‑nos às escassas matérias de competência legislativa regional que se encontram dispersas no n.º 1 do art. 227.º e que se designam, por vezes, de “competências mínimas” e da faculdade de as regiões poderem desenvolver leis de base estaduais e regionais em domínio de competência concorrencial (alínea c) do n.º 1 do art. 227.º); (ii) da supressão da antiga alínea o) do art. 228.º, que permitia expressamente legislar fora das listagens constitucional e estatutária. Em face do exposto, crê‑se que será organicamente inconstitucional um ato legislativo das regiões que incida sobre uma matéria que, fora dos domínios respeitantes às alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 227.º da CRP, não seja previamente definida como de âmbito regional no Estatuto, já que não existe, diversamente do que sucedia no período que mediou entre as revisões constitucionais de 1997 e 2004, uma norma constitucional que habilite o exercício de poderes legislativos comuns fora das matérias que se encontram elencadas no marco estatutário. O n.º 2 do art. 67.º do Estatuto, na redação dada pela sua terceira revisão, “testou” essa taxatividade, estabelecendo uma cláusula residual habilitante do exercício de competências na área concorrencial fora do marco estatutário. O Tribunal Constitucional (TC), numa primeira argumentação translúcida, esquivando-se a uma pronúncia clara sobre a admissibilidade de uma cláusula residual e sobre a taxatividade estatutária (que passou a ser uma realidade à luz do n.º 1 do art. 228.º da CRP), acabou por admitir de algum modo essa mesma taxatividade mediante uma formulação lateral, aludindo ao novo papel central dos Estatutos na definição das competências regionais. Para o ac. n.º 402/2008, “o Tribunal entende, pois, que a cláusula geral do artigo 67.º, n.º 2, do Estatuto não cumpre satisfatoriamente o mandato constitucional a ele cometido, no que diz respeito à competência da Assembleia Legislativa, de definir e enunciar as matérias por ela abrangidas. Pelo seu teor irrestrito e indeterminado, com total omissão de qualificações materiais delimitadoras, ela não atinge o grau de densificação constitucionalmente exigível. Temo-la por ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1, da CRP”. Posteriormente, outros arestos do TC (acs. n.º 304/2011 e n.º 187/2012) tornaram ainda mais claro o papel incontornável dos Estatutos na definição das matérias de âmbito regional atribuídas à competência legislativa regional comum.   Cláusulas gerais Para o efeito dessa separação ou delimitação de domínios numa mesma matéria, torna‑se relevante o uso de limites à competência regional sediados em cláusulas gerais. Tal é o caso dos conceitos jurídicos indeterminados do “âmbito regional” e, segundo o entendimento do TC, da “reserva de competência dos órgãos de soberania” na sua variante móvel ou não expressa.   A substituição do limite positivo do interesse específico pelo conceito constitucional de “âmbito regional” A revisão constitucional de 2004 extinguiu o limite positivo do interesse específico (cláusula geral que operava como pauta de repartição horizontal ad casum dos poderes legislativos das regiões em matérias onde também incidiam os poderes do Estado), cessando um conceito indeterminado que permitia à justiça constitucional invalidar diplomas regionais que não dispusessem sobre matérias que apenas ocorriam na RA ou que aí tivessem uma especial configuração. A grande maioria das declarações de invalidade de atos legislativos regionais desde 1976 fundou‑se, precisamente, no vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação do interesse específico. Doravante, as regiões passam a legislar relativamente às matérias do universo concorrencial paralelo, no “âmbito regional”, uma medida de valor constitucional igualmente indeterminada que configura um novo critério de delimitação competencial. De acordo com o n.º 4 do art. 112.º, todos os decretos legislativos, independentemente do tipo de competência ao abrigo do qual são aprovados, “têm âmbito regional”. A expressão “âmbito regional” constitui, ainda assim, um conceito inovador indeterminado que se encontra sujeito ao teste da descodificação jurisprudencial.   O conceito comporta um elemento espacial e um elemento substancial. Trata-se de um limite mais linear do que o da noção de “interesse específico”, dado aludir fundamentalmente à projeção de uma dada matéria no âmbito geográfico ou espacial de uma RA. Assim, uma política pública que ocorra num domínio como o turismo deve decompor‑se, sob o ponto de vista legislativo, numa esfera geral de incidência estadual e numa esfera especial de carácter regional, sendo as mesmas reguladas por leis distintas. Apenas se a lei regional for revogada sem substituição ou se ostentar lacunas é que a lei geral aprovada pelo Estado poderá aplicar‑se na RA, já que aí vigora supletivamente (art. 228.º, n.º 2 da CRP) – no sentido de uma circunscrição predominante da noção de “âmbito regional” à dimensão espacial dada pelo elemento geográfico ou territorial são de referir Jorge Miranda e Rui Medeiros, que decantam a existência do que afirmam ser um “elemento institucional” que impeça, salvo disposição constitucional em contrário, os atos normativos dos parlamentos regionais de se projetarem em outras pessoas coletivas (MIRANDA e MEDEIROS, 2007, III, 351). O conceito pode sofrer um alargamento no plano substancial, ditado por exigências de especialidade. Na verdade, certos bens jurídicos e imperativos institucionais de alcance unitário e relevo imediato para todos os cidadãos, mas com repercussão no âmbito geográfico das regiões, podem carecer de um denominador comum à luz dos princípios da unidade e solidariedade nacionais (art. 225.º, n.º 2 da CRP), denominador que poderá ser negativamente afetado por legislação regional antitética passível de inviabilizar ou depreciar os próprios objetivos da lei do Estado e os interesses de toda a população residente em Portugal. Nessas circunstâncias, não seria improvável que o TC viesse a enxertar, na noção de “âmbito regional”, um limite simultaneamente negativo e positivo, soldado, no plano substancial, à ideia de especialidade regional dos bens e interesses tutelados. E que viesse a julgar a inconstitucionalidade de decretos legislativos regionais que projetassem indiretamente os seus efeitos fora desse âmbito. Ora, efetivamente, com o emblemático ac. n.º 258/2007, o TC procurou fixar o seu entendimento sobre a descodificação do conceito indeterminado de âmbito regional, em termos não muito distantes da sua primitiva noção de interesse específico. Assim, em primeiro lugar, o TC fez caber no conceito de “âmbito regional” a componente mais ampla da noção póstuma de “interesse específico”, na sua dimensão de interesse especial (como referimos em “As competências legislativas das regiões autónomas….”); o interesse específico desdobrava‑se numa componente de interesse exclusivo (matérias que apenas ocorrem nas RA) e numa componente de interesse especial (matérias que podem ocorrer nas demais partes do território, mas têm neste uma especial configuração). Reza a este propósito o acórdão citado: “Crê‑se não ser abusivo associar a expressão ‘âmbito regional’, para além de uma referência territorial, às expressões ‘matérias que dizem [digam] respeito às Regiões Autónomas’, constantes dos Projetos de revisão constitucional n.os 2/IX e 3/IX, definidas ‘em função da especial configuração que as matérias assumem na respetiva região’ (como se lê na exposição de motivos do Projeto de revisão constitucional n.º 1/IX), e surgindo aquela expressão como sucedânea da anterior menção a ‘matéria de interesse específico para as respetivas regiões’, ainda utilizada nos Projetos de revisão constitucional n.os 4/IX e 6/IX”. Em segundo lugar, o TC considerou que o critério geográfico deveria ser completado por um critério material. Segundo o ac. n.º 258/2007, “há, na verdade, que atender aos fundamentos, aos fins e aos limites que a Constituição assinala à autonomia regional, no seu artigo 225.º: os fundamentos dessa autonomia assentam nas características geográficas, económicas, sociais e culturais dos arquipélagos dos Açores e da Madeira e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares; os fins consistem na participação democrática dos cidadãos, no desenvolvimento económico‑social, na promoção e defesa dos interesses regionais, mas também no reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses; os limites derivam da não afetação da integridade da soberania do Estado e do respeito do quadro constitucional. Assim, a circunstância de a legislação regional se destinar a ser aplicada no território da Região não basta, só por si, para dar por verificado o apontado requisito”. Ora, segundo o mesmo aresto, na componente material, avulta um critério negativo de acordo com o qual as leis regionais não podem afetar a ordem jurídica nacional “atentas as pessoas (designadamente, pessoas coletivas públicas) envolvidas e os interesses e valores em jogo”. Do que resulta que, mesmo que o ato legislativo regional se aplique apenas na RA, de acordo com o critério geográfico, violará o limite configurado pelo âmbito regional caso se projete sobre interesses e fins qualificados de ordem geral e unitária prosseguidos pelos órgãos de soberania, sendo para o efeito irrelevante que a matéria não figure expressamente na reserva de competência dos mesmos órgãos.   O limite da reserva de competência implícita dos órgãos de soberania O posicionamento do TC acabado de referir implicou uma retoma da tradicional construção de recorte centralista, tecida pelo mesmo órgão previamente à revisão constitucional de 2004 (ac. n.º 711/97), retoma essa que pressupõe o entendimento segundo o qual se se concluir, por aplicação do critério substancial da noção de âmbito regional, que as normas regionais dispõem sobre um domínio que se repercute ou projeta em questões de interesse ou fim público geral, elas serão organicamente inconstitucionais, na medida que invadem um domínio implícito da reserva de competência dos órgãos de soberania. O TC mantém a sua controvertida jurisprudência, no sentido de integrar, na reserva não expressa dos órgãos de soberania, os domínios materiais que requeiram a intervenção legislativa estadual em razão de exigências soberanas. Com efeito, a alínea a) do n.º 1 do art. 227.º da CRP veda às RA o poder de legislarem sobre matérias reservadas aos órgãos de soberania (sendo o mesmo preceito alterado pela revisão de 2004, que modificou a primitiva fórmula, “reserva própria” dos órgãos de soberania). Ora, tal como é sabido, o TC, antes da revisão constitucional de 2004, através de uma jurisprudência não isenta de polémica, integrava, na referida reserva, quer matérias expressamente reservadas aos órgãos de soberania (mormente nos arts. 164.º e 165.º da CRP, entre outros), quer matérias e domínios materiais não enumerados na CRP, sempre que, em nome dos princípios da unidade e da solidariedade nacional, aqueles detivessem um relevo imediato para todos os cidadãos (ac. n.º 348/93). Tratou‑se, no segundo caso, de um domínio móvel da reserva, que permitia, casuisticamente, ao Tribunal integrar, no binário soberano da concorrência paralela entre o Estado e as RA, áreas que ia entendendo serem de relevo unitário e, como tal, subtraídas à competência regional. Ter‑se‑á verificado uma jurisdicionalização subtil de um critério de mérito soldado à noção de interesse nacional ou de interesse coletivo unitário. O ac. n.º 258/2007 sustenta que “há que atentar que a matéria em causa, tendo uma natureza relacional, não se esgota nem pode ser perspetivada isoladamente a propósito da definição dos estatutos de cada uma das entidades envolvidas. O que ocorre é que, englobando nesse tratamento relacional titulares de órgãos de soberania, o órgão legislativo para tal competente não pode deixar de ser o legislador nacional, por ser o único que se situa numa posição de supraordenação relativamente a todas essas entidades. Trata‑se, assim, de matéria que, mesmo que se considere não incluída na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, sempre reclamará a intervenção do legislador nacional, justamente por afetar o posicionamento institucional de entidades pertencentes a distintos poderes do Estado e outros corpos públicos, sendo certo que as reservas assinaladas a este entendimento ‘amplo’ da ‘reserva da República’, que padeceria de um ‘sincretismo de critérios’, se esbateram face ao desaparecimento do critério reportado ao respeito das leis gerais da República”. À luz dessa jurisprudência, haveria que considerar, uma vez mais, a existência, a par da reserva explícita ou listada dos órgãos de soberania, de uma reserva implícita dos mesmos órgãos, a qual incide sobre domínios materiais indeterminados da esfera concorrencial paralela entre o Estado e as RA, que se encontram subtraídos ao âmbito regional. Daqui se retirará que o conceito constitucional de “âmbito regional”, previsto no n.º 4 do art. 112.º da CRP, como limite fixado à legislação das RA, assume uma relação de estreita conexão com outro limite, também ele constitucional, que é o da reserva dos órgãos de soberania na sua dimensão implícita. Com efeito, relativamente a cada matéria da esfera de uma concorrência paralela ou complementar entre Estado e Região Autónoma existem dois âmbitos, um estadual e outro regional, cuja delimitação é operada através do recurso à convocação e à harmonização de medidas de valor, como o conceito de âmbito regional e os princípios da unidade e da solidariedade nacionais, que sustentam o recorte da reserva soberana. E, na verdade, se uma dada disciplina exceder os limites espaciais ou materiais do âmbito regional, enfermará de inconstitucionalidade orgânica por invasão de uma reserva (móvel) de competência dos órgãos de soberania, cujas fronteiras são recortadas por cláusulas gerais fixadas na CRP.   A distribuição vertical de competências legislativas regionais: a tipologia das competências legislativas das RA A distribuição vertical de poderes reporta‑se às modalidades de competências legislativas que as regiões podem exercer numa relação de observância dos limites de natureza unitária que as vinculam. Quanto a esses mesmos limites, verifica‑se que parâmetros da legislação autonómica que se retiram do processo de distribuição horizontal de poderes (como os do “âmbito regional” ou da “subsidiariedade”) se combinam com outros limites próprios da distribuição vertical e que resultam da projeção da hierarquia material de certas leis estaduais (estatutos, leis de autorização, leis de bases, leis‑quadro e regimes gerais) sobre diferentes categorias de leis regionais. Assim, cada tipo de competência legislativa regional se encontra pautado por limites gerais (como é o caso do âmbito regional) e limites específicos (o tipo e o regime operativo das leis parâmetro do Estado que os correspondentes atos legislativos regionais devem observar).   A competência legislativa comum Noção O poder legislativo em epígrafe encontra‑se previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 227.º, em conjugação com o n.º 4 do art. 112.º e o n.º 1 do art. 228.º da CRP. Trata‑se da competência que tem por objeto o maior acervo de matérias sujeitas ao exercício de poderes legislativos regionais, e que uma parte da doutrina designa por competências “primárias” (MIRANDA e MEDEIROS, 2007, III, 307).   Critérios reitores do exercício da competência legislativa regional comum Os decretos legislativos regionais aprovados ao abrigo deste tipo de competência devem incidir sobre matérias enumeradas nos EPA, devem conter-se no “âmbito regional” e, ainda, respeitar a reserva explícita ou implícita de competência dos órgãos de soberania da república. Procurando explicitar esta asserção, importa destacar que a competência legislativa em epígrafe se exerce no respeito dos seguintes critérios: (i) a RA pode legislar apenas no “âmbito regional” (CRP, art. 112.º, n.º 4) decantado nas matérias enumeradas no correspondente EPA, o qual, depois de 2004, passou a constituir‑se inequivocamente como um ato‑condição dessa categoria de legislação regional, já que só os Estatutos podem definir o objeto material do exercício da competência legislativa comum; (ii) essas matérias disponíveis à regulação regional não podem invadir a reserva de competência dos órgãos de soberania; (iii) existindo, nestes termos, um fenómeno de confluência legislativa em domínios territoriais e substanciais da mesma matéria (concorrência paralela entre leis do Estado e da RA em matérias não reservadas expressamente aos órgãos de soberania), verifica‑se que, no contexto de uma dessas matérias (v.g., turismo, comércio ou artesanato), os decretos legislativos regionais disciplinam um domínio parcelar da mesma que corresponda ao seu “âmbito regional” e a legislação da República domínio remanescente situado fora do correspondente âmbito; (iv) a densificação do âmbito regional, em situações concretas e dilemáticas de fronteira com as competências soberanas, pode justificar a convocação do princípio da subsidiariedade, o qual permite que a regulação de um domínio em particular possa ser cometida às regiões no caso de se demonstrar que a lei regional (e o respetivo sistema de execução – cf. conexão entre a lei e a sua execução administrativa no plano da incidência do princípio da subsidiariedade na sentença n.º 303 de 2003, do TC italiano) exibe uma maior eficácia e adequação do que uma lei da república, na disciplina jurídica desse domínio; (v) a enumeração estatutária daquilo que eram, antes da revisão constitucional de 2004, matérias de interesse específico foi elaborada de forma excessivamente generalista e indeterminada (facto que não permitiu assegurar uma salvaguarda efetiva dos direitos regionais contra a compressão do poder legislativo estadual concorrente), parecendo não se ter apercebido o legislador autonómico que, caso consagrasse um mínimo de definição do núcleo de competência regional na lei estatutária, essa definição constituiria um defeso com eficácia relativa contra legislação invasiva de leis concorrentes do Estado (já que as leis estaduais devem respeitar os direitos regionais expressos em estatuto, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 281.º da CRP); (vi) a aprovação da terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro), pese as suas graves deformidades constitucionais, corrigiu a insuficiência referida na alínea precedente, a qual sempre foi por nós sublinhada, tendo pormenorizado o objeto de cada matéria da reserva de competência legislativa regional, do que resultou uma maior garantia contra a intromissão indevida de leis da república; (vii) contudo, se é certo que a forma concreta como o âmbito de uma dada matéria atribuída ao poder legislativo regional se encontra definido no Estatuto Político-Administrativo pode assegurar uma maior garantia do exercício dos poderes regionais contra legislação estadual excessivamente densa ou intrusiva, certo é, também, que essa densificação estatutária deverá, ela própria, ser compatível com a noção constitucional de “âmbito regional”, não consistindo a enumeração estatutária uma salvaguarda absoluta em relação à contenção de cada diploma no limite positivo representado pelo referido âmbito – se as leis da república não podem revogar decretos legislativos regionais que disponham sobre matérias elencadas estatutariamente como de “âmbito regional” (sob pena de ilegalidade), o facto é que a própria definição do referido âmbito de uma dada matéria, no estatuto, deve ser conforme ao conceito constitucional de âmbito regional, o qual já foi objeto de uma caracterização exploratória por parte da justiça constitucional; assim, se a definição estatutária atribuir às regiões o poder de emitir legislação que exceda a esfera geográfica da RA e se repercuta, sem credencial constitucional habilitante, na esfera de poder de outras instituições não regionais ou, ainda, se puser em causa regimes jurídicos estatais que devam ter repercussão igual e mediata em todos os cidadãos, à luz dos princípios constitucionais da unidade, solidariedade nacional e subsidiariedade, ela será inconstitucional; (viii) embora as leis do Estado da esfera concorrencial possam circunscrever o seu âmbito de aplicação ao território continental, o facto é que não estão obrigadas a fazê-lo, podendo dispor em geral para todo o território nacional, não sendo por esse facto organicamente inconstitucionais com fundamento em invasão de domínios reservados à competência regional – um pouco à semelhança dos ordenamentos espanhol e italiano, a nova regra da supletividade acabou por afastar a relação de desvalor de inconstitucionalidade das leis estaduais que incidam sobre domínios materiais reservados à competência regional, em sede de concorrência paralela, já que, podendo os órgãos de soberania legislar para todo o território nacional, a sua legislação que incida sobre domínios de “âmbito regional” será apenas desaplicada pelo operador administrativo e jurisdicional, quedando‑se no status de direito supletivo; contudo, é defensável que legislação especial do Estado reportada às RA que intente revogar expressamente legislação regional emitida no âmbito reservado à competência dos entes autónomos poderá ser ilegal, com fundamento em violação de direitos regionais constantes do EPA (art. 281.º, n.º 1, alínea d)) –, devendo aplicar‑se nas RA como direito supletivo ou subsidiário (art. 228.º, n.º 2 da CRP); (ix) a aplicação subsidiária do direito dos órgãos soberanos terá lugar: sempre que a Assembleia Legislativa regional não fizer uso do seu poder legislativo; caso se verifique a revogação não substitutiva ou a caducidade de diplomas regionais em domínios que requeiram regulação; ou sempre que numa dada disciplina legislativa regional se registarem vazios regulatórios e lacunas em leis regionais (embora estas, a serem integradas pelos tribunais, devam ter em conta, preferentemente, o espírito da lei regional ou a reconstituição do pensamento do legislador regional).   As competências delegadas Objeto das autorizações legislativas à RA Os pressupostos constitucionais das autorizações legislativas oriundos da revisão constitucional de 2004 permitem às RA aceder a algumas das matérias da reserva relativa de competência da Assembleia da República previstas no art. 165.º da CRP, mediante delegação legislativa parlamentar, o que, na generalidade, representou um acréscimo de poderes legiferantes sobre matérias de indiscutível relevo político. Trata‑se de uma derrogação ao quadro geral do sistema de repartição horizontal de competências, dado que permite a disponibilização, às regiões, de algumas áreas da competência expressa dos órgãos de soberania. Muitas das matérias integradas na reserva relativa da Assembleia da República não se encontram disponibilizadas às RA. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do art. 227.º da CRP, por força de remissão para disposições do n.º 1 do art. 165.º, excluiu‑se do objeto deste tipo de autorizações matérias da reserva relativa da Assembleia da República de mais evidente recorte unitarista ou relevo imediato e geral para todos os cidadãos, v.g.: estado e capacidade de pessoas; direitos, liberdades e garantias; definição de crimes, penas e medidas de segurança; regime geral do ilícito disciplinar; bases do sistema de Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde; criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas; composição do Conselho Económico e Social; sistema monetário e padrão de pesos e medidas; organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respetivos magistrados, bem como de entidades não jurisdicionais de composição de conflitos; estatuto das autarquias locais e regime das finanças locais; associações públicas, garantias dos administrados e responsabilidade civil da administração; bases do regime e âmbito da função pública; definição e regime dos bens do domínio público; regime dos meios de produção integrados no setor cooperativo e social de propriedade; regime e forma de criação das polícias municipais.   Trâmites e vicissitudes da autorização legislativa Nos termos do n.º 2 do art. 127.º da CRP, que, segundo alguma doutrina, integra o critério ou “cláusula de junção” (GOMES CANOTILHO, 2003, 813), as propostas de lei de autorização devem ser acompanhadas do anteprojeto do decreto legislativo regional a autorizar, o que representa um forte condicionamento do processo de delegação. As leis delegantes devem, nos termos da remissão feita pelo mesmo preceito para os n.os 2 e 3 do art. 165.º, conter os requisitos típicos das leis de autorização legislativa. De todo o modo, considera‑se, tal como já foi antecipado, que o legislador regional não se encontra vinculado a editar uma normação legal idêntica à do anteprojeto, contanto que o diploma legal por si aprovado se contenha nos limites da autorização. O anteprojeto constitui apenas uma formalidade instrutória de natureza obrigatória, que permite ao legislador parlamentar estadual balizar os parâmetros da delegação legislativa requerida pela RA. As autorizações caducam com o termo da legislatura ou a dissolução da Assembleia da República ou da Assembleia Legislativa da RA a que tenham sido concedidas (CRP, art. 127.º, n.º 3). Os decretos legislativos regionais autorizados devem invocar a correspondente lei de autorização e podem, ainda, ser sujeitos a apreciação da Assembleia da República, nos termos do art. 169.º com as devidas adaptações para efeitos de cessação de vigência (de acordo com o n.º 4 do art. 227.º). Considera‑se que não será admissível que a apreciação parlamentar nacional envolva alterações, já que tal implica uma intromissão constitutiva do Estado no exercício de uma competência reservada à RA, com a depreciação desta última, devendo entender‑se que a aplicação do art. 169.º da CRP às leis regionais delegadas, ao operar com adaptações, envolve a exclusão da possibilidade da apreciação parlamentar com emendas. Sendo a Assembleia da República o órgão normalmente competente e titular primário das competências delegadas nas RA e sendo a autorização legislativa uma delegação legislativa e não uma transferência de poderes, entende‑se que o Parlamento da República pode alterar a sobredita lei de autorização antes de a mesma ter sido esgotada e revogar o diploma autorizado, no quadro de uma avocação de poderes, idêntica ao que sucede com as autorizações legislativas ao Governo. Considera‑se, no entanto, que não poderá alterar o diploma regional. Na verdade, uma coisa será avocar os poderes delegados e proceder ao seu exercício pleno e outra, modificar o diploma regional, descaracterizando‑o e procedendo a uma estatização parcial de uma disciplina jurídica regional. O modelo horizontal e vertical de distribuição e repartição de competências entre Estado e RA revela ser incompatível com leis mistas, editadas pelas regiões no âmbito regional e alteradas pelo Estado no uso de uma espécie de “tutela corretiva” adaptava à função legiferante. Se a Assembleia da República fosse o órgão normalmente competente para revogar os decretos legislativos regionais por ela autorizados, deveria fazê‑lo expressamente, pois a simples emissão, pela mesma Assembleia, de legislação geral que seja superveniente à aprovação de um decreto legislativo regional autorizado não supõe a revogação deste, nos termos do princípio da especialidade que determina que lei geral não revoga lei especial, salvo vontade inequívoca do legislador nesse sentido. Do mesmo modo, a mera emissão de legislação geral do Estado, depois de aprovada uma lei de autorização à RA ainda não utilizada, não determina, só por si, a revogação tácita dessa autorização, podendo assumir a natureza de normação legal supletiva.   A competência complementar A competência a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art. 227.º da CRP reporta‑se ao desenvolvimento para o âmbito regional dos “princípios” ou das “bases gerais dos regimes jurídicos” contidos em leis que aos mesmos se circunscrevam. Corresponde a mesma à faculdade de desenvolver e concretizar o conteúdo de leis de bases e leis de enquadramento e ditar disciplinas legais de conteúdo especial não contrárias a regimes gerais da reserva da Assembleia da República. No texto constitucional anterior à revisão de 2004, as Assembleias regionais poderiam desenvolver, quer leis de bases relativas a um domínio concorrencial indeterminado (matérias não reservadas à competência da Assembleia da República), quer as bases gerais reportadas a algumas matérias da reserva relativa daquela Assembleia. O novo regime constitucional permite, em abstrato, o desenvolvimento para o âmbito regional de qualquer base geral, sem aceção de matéria, abrangendo, em tese, quer as áreas concorrenciais, quer os domínios da reserva absoluta ou relativa da Assembleia da República, quer ainda matérias cobertas por decretos legislativos regionais de bases. Doravante haverá a considerar as seguintes leis parâmetro, para efeito do exercício de competências legislativas regionais complementares: (i) leis de bases (bem como leis de enquadramento e regimes gerais) da reserva dos órgãos de soberania de alcance geral e aplicáveis a todo o território nacional; (ii) leis de bases respeitantes a matérias não reservadas aos órgãos de soberania, com âmbito geral; (iii) decretos legislativos regionais de bases, nomeadamente os habilitados por uma lei de autorização legislativa dos órgãos de soberania. O presente enunciado permite, em tese, o desenvolvimento de bases em todas as matérias relativamente às quais estas sejam passíveis de edição, nomeadamente as matérias de reserva absoluta. Não se exclui, e.g., que, no âmbito regional, os entes autonómicos desenvolvam as bases gerais da reserva absoluta de competência da Assembleia da República, tais como as “bases gerais da organização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças Armadas” e as bases do Sistema de Ensino (cf. o ac. n.º 262/2006, onde se reconhece esta faculdade). Embora, no primeiro caso, razões lógicas de ordem unitária (excedência do “âmbito regional”) mandem que se tenha como proibido esse desenvolvimento, o mesmo já se não passa no segundo, pese o facto de causar alguma perplexidade a admissibilidade de diversos regimes legais de detalhe entre o continente e os territórios dos arquipélagos, em relação a uma matéria de evidente interesse e relevo para a unidade nacional. O desenvolvimento das bases do art. 164.º da CRP deveria encontrar‑se vedado às RA. Considera‑se, contudo, que, depois da revisão constitucional de 1997, as RA não poderão, na falta de bases gerais previamente editadas pelos órgãos de soberania sobre matérias reservadas à Assembleia da República, legislar apenas com referência a princípios gerais decantados ou deduzidos pelos órgãos regionais da legislação estadual comum, dado que essas leis de bases são legislação‑pressuposto dos atos legislativos complementares autonómicos que as deverão necessariamente invocar (CRP, art. 227.º, n.º 4). O contraponto desta ampliação dos poderes regionais no desenvolvimento das bases gerais dos regimes jurídicos consiste na faculdade de os órgãos de soberania ditarem leis de bases fora da respetiva reserva, ou seja, no universo concorrencial, as quais, no nosso entendimento (que, no entanto, não foi seguido na terceira revisão do EPARAA), deverão ser respeitadas por toda a legislação regional emitida ao abrigo da competência comum.   As competências residuais ou mínimas Trata‑se das faculdades legislativas diretamente exercitáveis a partir de diversas alíneas do n.º 1 do art. 227.º da CRP, encontrando‑se os mesmos poderes misturados com outros de natureza administrativa. Uma destas responsabilidades regionais assume carácter tendencialmente primário, tendo a CRP como uma base fundamental de referência: é, numa primeira leitura, o caso da elevação de povoações à categoria de vilas ou cidades (art. 227.º, n.º 1 alínea m)). Outras exercem‑se no respeito de leis estaduais paramétricas: é o caso de leis relativas à disposição do património, as quais são instrumentais em relação à lei prevista na alínea v) do art. 165.º da CRP no respeitante ao regime dos bens do domínio público (art. 227.º, n.º 1, alínea h)); da criação, extinção e modificação da área das autarquias, a qual deve observância à lei prevista na alínea n) do art. 164.º; do exercício de poder tributário próprio, de acordo com as leis previstas na alínea i) do n.º 1 do art. 165.º (art. 227.º, n.º 1, alínea i)); e da aprovação do orçamento regional, na observância do regime legal constante da alínea s) do art. 164.º (art. 227.º, n.º 1, alínea p)).   A competência relativa à transposição de diretivas da União Europeia Com a revisão constitucional de 2004, corrigiu‑se o excesso da revisão constitucional de 1997, que vedava a transposição de diretivas da União Europeia por ato legislativo regional e depreciava a sua esfera de competência legislativa. A nova redação do n.º 8 do art. 112.º da CRP permite à RA transpor, mediante decreto legislativo regional, diretivas em matérias situadas fora da reserva de competência dos órgãos de soberania que sejam reconhecidas, através das listagens constitucional e estatutária, como fazendo parte do âmbito regional.   Síntese sobre as relações de tensão entre atos legislativos do Estado e da RA Volvida a eliminação das leis gerais da república, as quais geraram complexas dúvidas sobre o seu regime de prevalência em relação aos atos legislativos regionais, o quadro das relações inter-legislativas entre o Estado e as RA ficou simplificado com a revisão constitucional de 2004.   Solução de antinomias no plano jurisdicional Os tribunais comuns dispõem de uma ampla margem de competência para solucionar antinomias derivadas das relações entre as leis do Estado e das RA, a qual lhes é dada pelo art. 204.º da CRP, que os investe no direito‑dever de desaplicar normas inconstitucionais, e pelo art. 280.º, que confirma a mesma regra e a alarga à faculdade de desaplicarem leis estaduais e regionais violadoras de normas legais com valor reforçado. Caem, nomeadamente, no âmbito das desaplicações legais fundadas em juízos de inconstitucionalidade: (i) a violação do objeto e extensão (inconstitucionalidade orgânica) e duração (inconstitucionalidade material) das leis de autorização legislativa por decretos legislativos regionais autorizados); (ii) a incursão de norma legal do Estado ou de decreto legislativo regional, na reserva do Estatuto (inconstitucionalidade formal); (iii) a violação do limite positivo do “âmbito regional” por decreto legislativo regional que invada no campo vedado das competências expressamente reservadas aos órgãos de soberania, ou do âmbito da concorrência entre o Governo e a Assembleia da República ou no âmbito da competência da outra RA (inconstitucionalidade orgânica). Os tribunais podem, no quadro de antinomias que impliquem uma violação ao conteúdo de leis com valor reforçado, julgar a ilegalidade de: (i) decretos legislativos regionais que ofendam as normas paramétricas constantes das bases gerais dos regimes jurídicos, leis de enquadramento, regimes gerais da reserva da Assembleia da República ou de outras leis com valor reforçado que os vinculem especificamente; (ii) normas que definem o sentido das leis de autorização legislativa (sem prejuízo de, discutivelmente, o TC aferir esta antinomia em sede de inconstitucionalidade orgânica, em cumulação com a violação do objeto e da extensão); (iii) leis dos órgãos de soberania que ofendam direitos regionais constantes dos Estatutos de autonomia e decretos legislativos regionais que violem o disposto nos referidos Estatutos. Colocam‑se dúvidas a respeito de colisões entre decretos legislativos regionais que incidam sobre matérias do âmbito regional e leis dos órgãos de soberania respeitantes a matérias situadas fora da sua reserva explícita de competência legislativa. Os tribunais devem, de acordo com o critério da especialidade, articulado com o critério da competência, dar aplicação preferencial, nas RA, à lei que contenha uma disciplina particular e cuja esfera de aplicação se circunscreva necessariamente ao âmbito das RA, sendo essa lei o decreto legislativo regional. Em consequência, a lei do Estado terá a sua eficácia bloqueada ou suspensa nas RA sempre que tiver preferência um decreto legislativo regional sobre a mesma matéria. Contudo, nos termos do n.º 2 do art. 228.º da CRP, a lei estadual vigorará supletivamente nas RA e poderá ser aplicável na falta de legislação regional (caso de não emissão de legislação autonómica, caducidade, revogação puramente supressiva ou declaração de invalidade sem repristinação de diplomas regionais antecedentes).   Solução de antinomias legislativas pelo operador administrativo A Administração Pública, estadual e regional, não tem competência para solucionar antinomias impróprias, ou seja, para desaplicar leis com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade, sem prejuízo de, num quadro de antinomia, a administração estadual periférica se dever abster de aplicar leis regionais que disponham sobre as matérias da reserva expressa de competência da Assembleia da República e do Governo, onde não existe concorrência e os atos regionais se encontram absolutamente vedados. Daí que, salvo situações excecionais, em que as normas da CRP se apliquem diretamente, e na falta de cláusulas constitucionais de solução imediata de conflitos, a Administração Pública deva conferir, nas RA, como decorrência do princípio da especialidade, aplicação prevalecente aos diplomas regionais sobre os estaduais, no âmbito das matérias situadas fora da esfera da reserva.     Carlos Blanco de Morais (atualizado a 11.02.2017)

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