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livrarias

A existência de livrarias, com espaço físico ou virtual, e a facilidade no acesso ao livro, em termos de preço e disponibilidade no mercado, bem como a vulgarização do livro nas estantes das livrarias e bibliotecas pessoais é uma realidade tardia. Inicialmente, as bibliotecas (designadas de livrarias) eram institucionais. Só as famílias mais destacadas tinham lugar na sua casa para uma biblioteca, uma vez que a maioria da população não dispunha de condições para ter um espaço dedicado a essa função ou, tão-pouco, para comprar um livro. Note-se que em 7 de agosto de 1815, quando Napoleão Bonaparte escalou o Funchal a bordo do HMS Northumberland, a caminho de Santa Helena, o cônsul geral de Inglaterra, Henry Veitch, o visitou para lhe oferecer vinho, livros e fruta fresca. Também, mais tarde, Isabella de França, uma Inglesa casada com um morgado madeirense, que visitou o Funchal em 1853, refere a presença de livros em algumas casas, onde pareciam funcionar como elementos de decoração. Assim, numa visão geral das casas visitadas, refere: “Sobre as mesas encontram-se livros ricamente encadernados, porcelana francesa e outros adornos, entre os quais não faltam jarras de flores delicadas” (FRANÇA, 1970, 67). Sabemos que os livros faziam parte da bagagem dos viajantes, pois Isabella de França testemunha a presença destes no seu baú, entre roupa e outros objetos. Maria Clementina (1803-1867), freira do Convento de S.ta Clara e filha de Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcellos e de sua mulher, Ana Augusta de Ornelas, tinha em seu poder uma coleção de livros. Fanny Anne Burney, no jornal que escreveu em 1838 e que só publicou em 1891, refere que a freira era detentora e leitora de obras de Racine, de Corine, de M.me de Stael, da tradução francesa de Abbot de Walter Scott, das Maximes de Chateaubriand, de Paulo e Virgínea, e de Génie du Christianisme. Até ao aparecimento da imprensa, a circulação do livro fazia-se através de cópias entregues a copistas especializados de instituições como conventos. Na Madeira, só com a publicação, em 1821, do jornal O Patriota Funchalense se registou a primeira tipografia, sendo a atividade exclusiva desta a edição de jornais. O primeiro livro que terá sido editado na Ilha foi Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso, com as anotações de Álvaro Rodrigues de Azevedo, em 1873, na Tipografia Funchalense. Por outro lado, não podemos esquecer o controlo da edição de livros que existiu em Portugal, primeiro pela Inquisição e depois por ordem política, que condicionou a circulação de livros. O livro era um produto raro e quase só estava disponível em bibliotecas, ou livrarias, de instituições. Conhecemos a importância das livrarias dos conventos, nomeadamente da livraria do Colégio dos Jesuítas, e da livraria da Escola Médico-Cirúrgica, no Funchal. Também podemos assinalar algumas bibliotecas privadas de instituições industriais, como a de Hinton, ou de técnicos especializados, como João Higino Ferraz, que tinham necessidade de obras especializadas de âmbito científico e que encomendavam, por interposta pessoa, livros editados em França e Inglaterra. Mas, na segunda metade do séc. XIX, a realidade madeirense começa a mudar, de forma que José Silvestre Ribeiro refere as livrarias do Paço Episcopal, dos conventos, do Seminário e da Câmara. Ademais, a tradição dos clubes privados e das associações conduziu à valorização da leitura com a disponibilização de livros. Assinale-se o Clube Inglês, onde se anuncia, com muita pompa, a disponibilidade de uma sala de leitura que vinha colmatar as necessidades de lazer dos súbditos britânicos de passagem. Note-se que os Ingleses insistiam nas carências culturais da cidade funchalense, apontando a falta de teatro, cafés e livrarias, como sucede com Emiline Stuart Wortley, em 1854. A venda de livros na Madeira parece ter começado através do comércio a retalho em lojas, mercearias e bazares, onde se vendia tudo. O comércio por miúdo de produtos em lojas especializadas é uma realidade do séc. XX. Mais tarde, vamos encontrar a venda de livros associada às tipografias em geral, às tipografias especializadas e à publicação de jornais, através de anúncios que publicitavam os locais de assinatura das publicações que apareciam em fascículos, a saber, algumas lojas de referência na cidade, que tinham representações das editoras de Lisboa. Em 1850, John Driver estranha a ausência de livrarias no Funchal, afirmando: “There is no literature – no bookseller's shop – on the whole Island; although a few books may be had in other shops, but very few [Não há literatura – não há nenhuma livraria – em toda a Ilha; embora se possa comprar um ou outro livro noutras lojas, mas muito poucos]” (DRIVER, 1850, 381-382). Dennis Embleton confirma esta ausência de livrarias e conclui: “The want of booksellers' shops is a sure sign of the backwardness of education among the people, and it is a great inconvenience to visitors [A ausência de livrarias é um sinal evidente do atraso educativo do povo, e um grande inconveniente para os visitantes]” (EMBLETON, 1862, 36). Em 1868, Gomes Leal esteve no Funchal e, numa das suas missivas, referiu uma biblioteca na Madeira “que o deixou atónito. Era muito cheia de livros de Jesuítas e, entre eles, um Dicionário Universal composto de 200 volumes. É a coisa mais curiosa que tenho visto” (NEPOMUCENO, 2008, 41). Ainda na mesma data, vemos António Nobre dizer que, na sua viagem para a Ilha, ia carregado de livros: “levo livros, muitos livros e o ‘Regresso’ para o completar: desta vez sempre irá” (NEPOMUCENO, 2008, 50). Em 1885, a situação persiste, afirmando J. Y. Johnson que: “A private library is a thing unheard of, and there is not a Portuguese bookseller's shop on the island. Some of the shopkeepers, it is true, keep books on their shelves, hut they are very few in number and chiefly works of religious devotion [Não há bibliotecas particulares, nem existe uma livraria portuguesa na Ilha. É verdade que algumas lojas vendem livros, mas são muito poucos e são essencialmente obras de devoção]” (JOHNSON, 1885, 55). Por tradição, se os leitores da Ilha não importassem os livros do continente e do estrangeiro, tinham de se sujeitar ao regime de assinaturas, que operava apenas com as publicações mais vulgarizadas. Em 1882, O Crime de Alberto Didot, por exemplo, poderia ser comprado mediante assinatura, que poderia ser feita no Funchal, nas lojas Nova Minerva, Camacho & Irs. e Camisaria Central. Já a assinatura da História de Portugal de Manuel Pinheiro Chagas poderia ser feita diretamente no jornal que publicava o respetivo anúncio. No entanto, em 1877, o Diário de Noticias refere que o Bazar Camacho e Irs. já vende livros e que a Casa Camacho e Carregal tem disponível o Almanach das Senhoras para o ano de 1878. As razões que explicam o facto de o livro ser um produto pouco comum na sociedade madeirense e de ser rara a sua venda em lojas são o elevado custo das publicações e o problema do analfabetismo, que chegou, em parte, ao séc. XXI. A paulatina vulgarização do ensino levou à necessidade de livros escolares e abriu caminho para um potencial de leitores. Assim, em 1889, a Gramática de Língua Portuguesa de João de Nóbrega Soares, que apresentava maior procura, vendia-se em diversos estabelecimentos no Funchal. Já o livro de J. C. Faria, O Archipelago da Madeira, tinha um depósito geral na casa Dilley no Funchal. A déc. de 80 do séc. XIX, marca, portanto, uma mudança de atitude em relação à venda dos livros. As publicações que eram vendidas, quase sempre através de anúncio de jornal, passam a dispor de livrarias e de vários estabelecimentos de depósito de livros. O Funchal passa a ter uma loja especializada para a sua venda. Surge, assim, em 1886, a Livraria e Tipografia Esperança, que perdurou como espaço exclusivo para a venda de livros. Em 1914, esta livraria com projeção nacional mudou-se para a R. da Alfândega e, em 1938, para a R. dos Ferreiros. Em 1973, instala-se definitivamente no número 119 da R. dos Ferreiros, com um stock de 12.000 livros diferentes. Em 1991, a continuidade da livraria foi assegurada com a criação da Fundação Livraria Esperança, Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) declarada como sendo de utilidade pública. Passados cinco anos, ampliou-se o espaço de exposição com a aquisição de um prédio que serve de anexo, com uma área de 1200 m2 e mais de 96.000 livros expostos. A partir do séc. XX, começam a surgir novas livrarias, o que quer dizer que o livro, como produto de venda, tem cada vez mais clientes. Assim, em 1906, temos a livraria Funchalense e, em 1907, a livraria Escolar de Polonia & C.ª. O Almanac Madeirense para 1909 apresenta publicidade ao Bureau de la Presse de J. M. da Rosa e Silva, um quiosque da época sito à Pç. da Constituição, onde se vendia: “livros Nacionais e estrangeiros aos preços das casas editoras – sempre as últimas novidades literárias!” (Almanac de Lembranças Madeirense para 1909, 1908). Em 1910, o Roteiro do Funchal de A. Trigo apresenta as seguintes papelarias e livrarias: Antonio d’Andrade, R. dos Ferreiros, 24 e 26; Bazar do Povo, R. do Bettencourt, 1 a 21; Coelho, Irs., Lg. da Sé, 4; livraria Escolar, R. Camara Pestana, 14; livraria Funchalense, R. do Bispo, 25 a 35; Loja Dilley, R. do Aljube, 13 e 15; Minerva Phenix, R. do Príncipe, 53; Nova Minerva, R. da Alfandega, 45. Já o almanaque ilustrado de 1913 refere em anúncio a livraria Popular de José Eduardo Fernandes na R. de João Tavira, que vende “grande variedade de quinquilharias, vidros, objetos para escritório, livros de estudo e objetos de culto religioso” (1913 – Almanach Ilustrado do Diário da Madeira, 1912). Mesmo assim, Charles Thomas-Stanford, no mesmo ano, fica com a imagem de uma terra que não é de amantes de livros, pela sua raridade: “Book-lovers will deplore the booklessness of the town – which does not boast a bookseller of any sort [Os amantes dos livros não deixarão de lamentar que se trate de uma cidade sem livros – uma cidade onde não existe uma única livraria]” (THOMAS-STANFORD, 1910, 201). No séc. XXI, o Funchal, para além destas livrarias, dispunha de outras com menor dimensão, sendo de destacar as livrarias Bertand, FNAC e Worten. Todavia, devemos salientar que o conceito de livraria corre o perigo de se perder com a assimilação por parte dos espaços de venda de produtos variados, como é o caso da livraria FNAC, que está incorporada numa loja de artigos eletrónicos e eletrodomésticos, e das livrarias dos supermercados, nomeadamente da marca Continente e Pingo Doce. O Funchal contava ainda com a Fundação Livraria Esperança, a Julber papelaria e livraria Lda, a Leya SA, e a livraria Papel e Caneta. Por tradição, as lojas especializadas em serviço de papelaria, como a livraria Figueira, a papelaria Condessa, a papelaria do Colégio e o Bazar do Povo, tinham serviço de venda de livros. A livraria Figueira viria a desaparecer. A papelaria Condessa e o Bazar do Povo cessariam o serviço de venda de livros. Apenas a papelaria do Colégio manteria uma diminuta secção de livros Por outro lado, as instituições oficiais dispõem de expositores e de serviço de vendas de publicações tanto num regime material como num virtual, pela Internet. Assim, a Direção Regional de Cultura apresenta, na R. dos Ferreiros, os livros publicados pela extinta DRAC e pelo Arquivo Regional da Madeira; já o Centro de Estudos de História do Atlântico tem, na R. das Mercês, um expositor e serviço de vendas. Também a Câmara Municipal do Funchal apresenta, no átrio do Teatro Municipal, o seu Serviço de Publicações. Com orientação definida em termos das publicações, deveremos referir a Paulinas Multimédia, que existe no Funchal. Esta livraria dedica-se a publicações de carácter religioso. Podemos referir ainda a livraria Inglesa, que funcionava em diminuto espaço do Pateo Photographia Vicentes e que tinha um serviço especializado de venda de publicações em inglês. Num âmbito especializado da banda desenhada, merece, por fim, referência a livraria Quinta Dimensão, criada em setembro de 2004, que se transformou num polo de divulgação de banda desenhada. Ainda no âmbito do mercado livreiro, não podemos esquecer a realização dos festivais literários e das feiras do livro, organizadas, desde 1975, pela Câmara Municipal do Funchal, que sempre foram um espaço de divulgação e de contacto do público com o livro.     Alberto Vieira (atualizado a 14.12.2017)  

História da Educação Literatura Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

lira, antónio veloso de

Autor de Espelho de Lusitanos em o Cristal do Psalmo Quarenta e Tres, Cuja Vista em Summa, Representa Este Reyno em Tres Estados, uma obra publicada no contexto da Restauração da independência do reino de Portugal, António Veloso de Lira nasceu na freguesia da Calheta, a 16 de junho de 1616. Segundo uma informação veiculada por Diogo Barbosa Machado, no vol. I da Bibliotheca Luzitana, António Veloso de Lira descendia de uma família nobre e era filho de Manuel Dias de Lira e de Mécia Rodrigues do Couto. Entre os eventos relevantes da sua biografia, além da composição da obra referida, em 1643, destaca-se a sua nomeação, em 1671, para cónego da Sé do Funchal. A sua passagem por Salamanca, onde cursou Teologia e Filosofia, documentada em Espelho de Lusitanos, proporcionou a Camilo Castelo Branco matéria para a escrita de um artigo intitulado “Estudantes Portugueses em Salamanca”, publicado em Cousas Leves e Pesadas. Seguindo o modelo genealógico da História de Portugal (c. 1580) de Fernão de Oliveira, no que concerne a uma mitificação das origens lusas com base na narrativa fundacional de Tubal, neto do patriarca bíblico Noé, Veloso de Lira estabeleceu, em Espelho de Lusitanos, um paralelismo entre o povo lusitano e o povo de Deus. Através da exposição ilustrativa do salmo n.º 43 (Deus auribus nostris audiuimos…), o autor pretendeu representar, como se indica em frontispício, o reino de Portugal em três estados: o estado desde as origens do país, com todas as felicidades e grandezas, até à morte de D. João III; o estado das calamidades e dos infortúnios começados em D. Sebastião e continuados pelo governo castelhano; e, por fim, o terceiro estado, ou as maravilhas obradas por Deus na feliz aclamação e restauração de D. João IV. Exaltando as qualidades das terras, dos recursos, do clima e das gentes, e acentuando a passagem de um tempo de conquistas e de glória a um tempo de usurpação, onde imperariam sobre a monarquia portuguesa “as calamidades infaustas” trazidas pela morte do “sempre lamentado Sebastião” e o subsequente consórcio com Castela (LIRA, 1753, I, 88-91), este texto insere-se na corrente da história providencialista portuguesa que tem na Monarquia Lusitana (1597-1632), uma obra composta por Bernardo de Brito e por António Brandão, os seus exemplos paradigmáticos. Assim, à narrativa dos tormentos que assolavam o país durante o domínio filipino, qual Israel no meio dos horrores babilónicos – um tempo em que “Ardia a má, e corrupta vontade castelhana […], procurando a ruína total de todos nós” (Id., Ibid., 165), e em que, refere o autor, “Muito é de sentir um Rei, e um ministro estranho; e o que mais eficaz é, que ignorando os estatutos, e leis donde governa, dá lugar a que seja industriado por ânimos, e ministros, a quem o interesse traz desencadernados: sendo estes os que como feros verdugos vendem suas pátrias” (Id., Ibid., 164) –, Veloso de Lira acrescentou a enumeração dos milagres e profecias pelos quais Deus sempre aliviou e confortou o reino de Portugal, da mesma maneira que, por intermédio de Isaías, Deus prometera ao seu povo o fim de todos os tormentos e todas as angústias. Entre esses vaticínios são trazidos à colação a narrativa do milagre de Ourique, a profecia do Sepulcro de S. Tomé, a profecia de S. Metódio e ainda as trovas de Bandarra. O documento forjado das Cortes de Lamego, usado como justificação da legitimidade da Coroa portuguesa, também foi convocado neste contexto. Revestindo-se, pois, de um forte teor de exaltação nacionalista, com base no texto bíblico, a que se juntam, em comentário paratextual, referências a autores como Virgílio, Plutarco, Políbio, Lucano, Orósio e António Brandão, Espelho de Lusitanos termina com uma apoteose do destino lusitano, na aclamação de D. João IV, conferindo um sentido histórico às tribulações que haviam assolado o reino e o império de Portugal. A Restauração do trono português testemunhou, desta maneira, o esplendor do poder e da misericórdia divinos, que sempre acompanhou este povo, como nação “da honra de JESU[S] Cristo mais zelosa, […] que por seu nome maiores cousas obrasse” (Id., Ibid., 55). De notar, na parte final do texto, a inserção de um capítulo em que Veloso de Lira revela o seu testemunho pessoal relativamente às contendas entre Portugueses e Espanhóis no momento da aclamação de D. João IV, vistas a partir de Salamanca, onde estudava e residia em 1640. Barbosa Machado atribui ainda a este autor a composição dos seguintes títulos: Politica Christiana (dirigido a Filipe IV), Zodiaccus Ecclesia, Stella Matutina in Medio Nebula, Domus Sapientiae, Philosofia Muta, Glossa Sobre os Evangelhos, e Antiguidades da Ilha da Madeira, uma obra também intitulada Ubi Troya Fuit e pronta para a impressão no ano de 1658. Veloso de Lira morreu no Funchal, no ano de 1691. Obras de António Veloso de Lira: Espelho de Lusitanos em o Cristal do Psalmo Quarenta e Tres, Cuja Vista em Summa Representa Este Reino em Tres Estados (1643).     Marta Marecos Duarte (atualizado a 14.12.2017)

Literatura

júnior, daniel josé de frança

Daniel José de França Júnior (1906-1973) foi um poeta popular, natural de São Vicente, onde era conhecido como o “Poeta do Lanço” ou o “Poeta”. Era agricultor e escrevia, à noite, as suas histórias em verso; contudo, perderam-se muitos dos seus registos literários. Os versos que foram possíveis recuperar foram compilados em 2011, no opúsculo História da Guerra de 1939 e a Paz de 1945, de edição póstuma, pela Câmara Municipal de São Vicente, em colaboração com a família do poeta. Palavras-chave: “Poeta do Lanço”; Poesia Popular; São Vicente; Cultura e Tradições populares.   Daniel José de França Júnior foi um poeta popular madeirense. Nasceu a 27 de novembro de 1906, no Sítio do Passo, freguesia e concelho de São Vicente, situado na costa norte da ilha da Madeira, e faleceu a 17 de julho de 1973, na sua residência, no Sítio do Lanço, vítima de uma queda. Era filho de Daniel José de França, lavrador de condição, e de Teresa Joaquina Rosa, doméstica. Casou-se com Maria de Jesus, também natural de São Vicente, a 16 de junho de 1932, de quem teve 10 ou 12 filhos, dos quais sobreviveram apenas 3 (Teresa de Jesus de França, Belmiro José de França e António José de França). Aos 17 anos, foi com o pai e o irmão para o Brasil, designadamente para a cidade de Santos, onde esteve emigrado. Regressou algum tempo depois à Madeira e dedicou-se à agricultura, atividade que ocupava o seu quotidiano. À noite escrevia poemas e as suas histórias em verso, que aos domingos declamava no adro da igreja. Por vezes também improvisava alguns versos, quando encontrava alguém no seu caminho. Em São Vicente era conhecido como o “Poeta do Lanço” ou o “Poeta”. Num poema autobiográfico, o poeta dá-se a conhecer desta forma: “Eu sou um pequeno poeta do Sítio do Lanço / chamo-me Daniel José de França / moro acima da levada / como batatas graúdas /e feijão de grafada” (JÚNIOR, 2011, 4). Enquadrando-se na “literatura popular escrita tradicionalista”, segundo a nomenclatura proposta por João David Pinto-Correia (PINTO-CORREIA, 1985, 391), a ação destruidora do tempo fez desaparecer boa parte dos seus registos literários em folhas volantes. Ainda assim, o interesse do poder local por esse património literário permitiu resgatar alguns textos. Daniel José de França Júnior descreveu em verso vários acontecimentos relacionados com a Segunda Guerra Mundial, com o título de “História da Guerra de 1939 e a Paz de 1945”. Neste longo poema, narra de modo original factos históricos, expostos de forma simples e fáceis de entender pelo povo. O poema é composto por 104 quadras e segue o esquema de rima alternada (abcb). Começa por pedir licença para contar a história, declarando que tem pouca habilidade. Considera a data de setembro de 1939, para falar do início da Guerra, e evocar as grandes lutas travadas por mar, ar e terra, bem como os sofrimentos causados à humanidade. É uma história de dor, de miséria e de fome, passada nas várias nações que estavam envolvidas no conflito. Fala dos milhares de mortos ocorridos, menciona o choro dos órfãos e das mulheres que ficaram viúvas e salienta a dor causada pela separação de filhos ou maridos, que partiam para a guerra com a convicção de que iriam morrer. Indica os meios usados nos combates, como os transportes (aviões, barcos) e as armas (granadas, bombas, canhões), referindo ainda os recursos que iam faltando, como o petróleo e a gasolina. Anuncia um cenário de destruição nos campos de batalha, mas também no mar, com navios afundados, muitos carregados de comida, e marinheiros que morriam nas águas. Refere alguns episódios, nomeadamente ataques da Alemanha à Polónia e outros bombardeamentos e ofensivas alemãs a diversas cidades, causando destruição e milhares de mortos. Além de considerar a Alemanha causadora da Guerra Mundial, o poeta menciona também as mulheres germânicas que ingressaram no exército, para combater ao lado dos homens, e lembra a figura de Hitler como responsável pelo sofrimento de muitos pais e filhos. Nas quadras finais, o vate popular avança com a data de 5 de maio de 1945 como o dia em que chegou a paz a muitas nações. Este poema foi publicado em 2011, no livro História da Guerra de 1939 e a Paz de 1945, pela Câmara Municipal de São Vicente, em colaboração com a família do “poeta do Lanço”. O opúsculo, lançado no dia 24 de agosto de 2011, no âmbito do programa das Festas de São Vicente, reúne ainda algumas quadras soltas de Daniel José de França Júnior, resultado da compilação que foi possível resgatar. Destes poemas, destaque-se os versos que escreveu sobre o Funchal, onde salienta alguns locais e detalhes relacionados com aqueles pontos da cidade, provavelmente resultantes das suas impressões pessoais: “No meio das pedras brancas, / p’ra não acontecer mal, / são umas passagens livres / lá nas ruas do Funchal. // Da Pontinha para o Cais / e do Cais para a Cidade, / é um grande brilho / que faz, a sua eletricidade. // Da Pontinha para o Cais / e do Cais para a Pontinha, / onde descarregam o milho / e de lá sai a farinha. // Ao chegar à cidade / uma estátua é a primeira / é João Gonçalves Zarco / o descobridor da Madeira” (JÚNIOR, 2011, 13). Obras de Daniel José de França Júnior: História da Guerra de 1939 e a Paz de 1945 (2011).   Sílvia Gomes (atualizado a 18.12.2017)

Literatura

jogos florais

Os jogos florais, conhecidos como “floralia”, eram festividades religiosas consagradas à deusa grega Flora, divindade que reinava sobre as flores dos jardins e dos campos, no mês que corresponde a abril do calendário romano. Segundo alguns estudiosos, nestes jogos, as cortesãs participavam dançando, sendo a vencedora coroada com um ramo de flores. Ao longo dos tempos, a forma de celebração dos jogos florais mudou. Na Baixa Idade Média, deu-se a instituição dos jogos florais como se tornaram posteriormente conhecidos, ou seja, como competições literárias. No ano de 1323, em Toulouse, França, segundo a tradição, um grupo de jovens poetas, com o desejo fazer renascer o brilhantismo da língua d’Oc e mantê-la em uso (mais tarde conhecidos pelos “mantenedores”), decidiram organizar uma competição das suas composições nessa mesma língua. No séc. XVIII, Luís XIV institui a Academia dos Jogos Florais com o objetivo de manter as tradições culturais da região e promover a criação literária. O aparecimento dos jogos florais em Portugal data de fevereiro de 1936. A Emissora Nacional, com o propósito de comemorar os 10 anos da revolução nacional que levou ao poder a ditadura do Estado Novo, lança ao público os primeiros jogos florais. Os autores podiam concorrer nas áreas da prosa e poesia, cada uma nas suas mais variadas formas, sendo dada maior importância à poesia e prosa que exaltasse nos versos o orgulho da pátria e o ser português. Os jogos florais em Portugal gozaram de grande vitalidade e visibilidade na época como grande evento público, em cuja comissão de honra apareciam as mais importantes figuras do Estado, sendo as obras vencedoras lidas nas emissões radiofónicas da Emissora Nacional. Na ilha da Madeira, a iniciativa dos jogos florais foi lançada pelo periódico Eco do Funchal, no dia 21 de setembro de 1941. O principal impulsionador e organizador dos primeiros jogos florais da Madeira foi o jornalista e poeta César Pestana (Pausania) que, conjuntamente com o diretor do Eco do Funchal, José da Silva, organizou o concurso literário tendo como modelo os primeiros jogos florais realizados pela Emissora Nacional e o Secretariado de Propaganda. Segundo o regulamento do concurso, os jogos florais da Madeira constituíam uma competição que tinha como objetivos valorizar a poesia madeirense e fomentar o cultivo das letras entre os poetas da Ilha. Os poetas podiam participar com as suas composições em quatro modalidades poéticas: soneto, quadra, poemeto e glosa. Na criação da glosa, eram obrigados a escrever composições com a seguinte mote: “Não canto por bem cantar/Nem por bem cantar o digo:/Canto só para espalhar/Mágoas que trago comigo”. Foram atribuídos três prémios para cada modalidade poética. O primeiro e o segundo prémio equivalia a uma flor e o terceiro a uma menção honrosa. O soneto vencedor do 1.º prémio receberia um Lys de Oiro e o do 2.º prémio um Lys de Prata. A quadra vencedora do 1.º prémio receberia um Cravo de Oiro e a do 2.º prémio um Cravo de Prata. O poemeto ao qual fosse atribuído o 1.º prémio receberia uma Túlipa de Oiro e o do 2.º prémio uma Túlipa de Prata. A glosa teria como 1.º prémio um Malmequer de Oiro e como 2.º prémio um Malmequer de prata. Nos números seguintes do Eco do Funchal foram sendo publicadas regularmente as poesias que em grande número afluíam à redação do jornal, gerando enorme entusiasmo entre a intelectualidade madeirense da época. Um entusiasmo que teve eco nos jornais do continente e dos Açores, sendo largamente transcrito um artigo escrito no Comercio do Porto a louvar a iniciativa, mas criticando a falta de empenho da Câmara Municipal e da presidência de Fernão de Ornelas em reunir as poesias num volume. O mesmo entusiasmo não chegou aos dois jornais diários madeirenses, que se manterão em silêncio relativamente à iniciativa do Eco do Funchal. No dia 18 de janeiro de 1942, o Eco do Funchal dá por encerrado a receção e publicação dos trabalhos, com um total de 75 poetas e poetisas, que concorreram com 30 sonetos, 37 quadras, 35 poemetos e 36 glosas, num total de 138 poesias inéditas. O júri que procedeu à leitura e avaliação dos primeiros jogos florais da Madeira foi constituído por cinco personalidades da sociedade madeirense, Eugénia Rego Pereira, Cón. António Homem de Gouveia, Jaime Vieira Santos, João Velez Caroço e Manuel Higino Vieira. A declamação dos poemas vencedores ficou a cargo da poetisa Idalina Salvador (Inah). A sessão solene para a entrega dos prémios dos jogos florais realizou-se no Ateneu Comercial do Funchal, no dia 12 de novembro de 1942. No sarau literário, reuniram-se as mais altas individualidades, contando com a presença, entre outros, de A. Branco Camacho, chefe do gabinete do governador do distrito, de Alberto Araújo e de Eduardo Homem de Gouveia e Sousa. Na sessão solene, celebraram-se várias iniciativas de cariz artístico antes da entrega de prémios aos concorrentes e da recitação dos poemas vencedores. Nas várias categorias poéticas, os grandes vencedores dos primeiros jogos florais foram: no soneto, Humberto Nunes da Silva com o poema “Filha”; na quadra, um poeta que permaneceu anónimo; no poemeto, Viterbo Dias, com o poema “Ilha da Madeira”; e na glosa, Abel Nunes com “Glosa n.º 9”. Deste primeiro concurso ressalva-se a promessa, por parte dos organizadores, da edição de um volume das melhores composições poéticas dos primeiros jogos florais da Madeira. No entanto, apesar do sucesso dos primeiros jogos florais do Eco do Funchal, a organização do concurso literário não voltaria a ter o apoio desta empresa, passando assim a ser organizados pelo Ateneu Comercial do Funchal. A 27 de agosto de 1945, o Diário de Notícias da Madeira anuncia a realização dos jogos florais pelo Ateneu do Funchal, presididos por Luiz de Sousa, com o objetivo de movimentar e tornar conhecidas as obras dos escritores madeirenses. No quadro organizativo da prova literária, encontravam-se como colaboradores Horácio Bento Gouveia e Manuel Silvério Pereira. As modalidades literárias em que os autores podiam participar eram o conto, o conto infantil, o soneto, a poesia alegórica à Madeira, a quadra popular, o poema filosófico e o poema lírico. O júri dos jogos florais do Ateneu Comercial do Funchal era constituído pelo presidente da instituição, Alberto Jardim, e por Ernesto Gonçalves, Horácio Bento de Gouveia, Jaime Vieira Santos e Marmelo e Silva. Os prémios atribuídos aos vencedores eram de valor monetário e, conforme a modalidade literária, iam dos 1.000$00 aos 300$00. A cerimónia solene de encerramento dos primeiros jogos florais do Ateneu Comercial realizou-se no dia 23 de maio de 1946, no edifício da associação recreativa e cultural, à semelhança do encerramento dos primeiros jogos florais do Eco do Funchal. Na cerimónia, discursaram o presidente do Ateneu Comercial do Funchal, Luiz de Sousa, Alberto Jardim e Jaime Vieira Santos; seguiu-se a entrega dos prémios aos vencedores nas várias categorias. Os primeiros classificados nas diversas modalidades literárias foram: no conto, “A última luz da candeia tem três bicos”, por Manuel dos Canhas, pseudónimo de Elmano Vieira; no conto infantil, o prémio foi para “Viagem ao Polo”, por Maria de Roma, pseudónimo de Lisetta Zarone D’Arco Vieira; na poesia alegórica à Madeira, o vencedor foi Silvado Prado, pseudónimo de Manuel Silvério Pereira, com o poema “Madeira”; na categoria do soneto, o vencedor foi Florival dos Passos, que assinou como Emanuel Jorge; no poema filosófico, o prémio foi para Humberto Nunes da Silva, Plauto, com o poema “Carta”; na poesia lírica, o vencedor foi António Jorge Gonçalves Canha, com o poema “Voltar à Escola”. Por fim, na categoria da quadra popular, foi A. Cílio, pseudónimo de Aurélio Nelson Pestana, o vencedor. Nos jogos florais do Ateneu Comercial do Funchal destacou-se a presença feminina entre os laureados do torneiro literário: o primeiro prémio para a modalidade de conto infantil foi ganho por Lisetta Zarone D’Arco Vieira e, na modalidade de poesia alegórica à Madeira, J. Crus Baptista Santos, com o nome de Ana Rosa, ganhou uma menção honrosa com o poema “Poesia à Madeira”. A tradição dos jogos florais na Madeira conta com dois momentos importantes, ou dois inícios por assim dizer, o Eco do Funchal inaugura a novidade da competição literária na Ilha e o Ateneu Comercial do Funchal continua com a competição dando-lhe um novo e renovado impulso até ao último quartel do séc. XX.     Carlos Barradas (atualizado a 18.12.2017)

Literatura Sociedade e Comunicação Social

quinta vigia

A área da grande plataforma sobre a baía do Funchal, em frente aos pequenos ilhéus do porto, onde João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471) e a família se instalaram, foi registada, logo nos meados do séc. XV, pelo primeiro capitão do Funchal, e parte desses terrenos foram aforados depois, pela capitoa viúva D. Constança Rodrigues, em 1484, para subsistência da sua mercearia de Santa Catarina. Pouco sabemos sobre construções na área dos Ilhéus, designação geral advinda dos ilhéus do porto, não registando a planta de Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), em 1567, especiais obras na área, aí nomeada “terras de pão” e com uma edificação no local da futura quinta, mas que poderá indicar somente uma estrutura de apoio agrícola. Poucos anos antes, em 1563, procedera-se à medição dos bens da capela de Santa Catarina, instituída pela capitoa viúva, sem fazer referência a qualquer edificação, mas informando que os terrenos estavam plantados “todos de vinho” e aforados a António Rebelo de Lima (ARM, Juízo..., Capela de Constança Rodrigues, a Velha, cx. 15, proc. 4), embora, pela planta referida, saibamos que depois viessem a estar “de pão” (BNB, cartografia, 1090203). Uma propriedade nesta área é depois mencionada, em 1661, como pertencendo ao sargento-mor do Funchal, Diogo da Costa do Quental (1619-1669) e sua mulher, D. Mécia de Vasconcelos (1608-1692), localizando-se acima de Santa Catarina e do “serrado das Amoreiras” de D. Sancho de Herédia (ABM, Juízo..., t. 1, fls. 276v.-277v.). Em abril do ano seguinte, o sargento-mor e a mulher obtinham a instituição da capela de N.ª S.ª das Angústias e Almas, “cita na sua quinta aos Ilhéus”, podendo celebrar ofícios divinos nesse templo que tinham “dotado com dois mil réis cada um ano de foro” (APEF, Alvarás de..., liv. 1, fl. 33); a autorização fora passada pelo deão, doutor Pedro Moreira (c. 1600-1674) (Sedição de 1668). Pelo testamento do sargento-mor, de outubro de 1668, alguns bens ficaram vinculados ao morgado perpétuo instituído nas Angústias com o encargo de duas missas rezadas “todas as semanas do mundo”, na capela, sendo nomeado herdeiro o sobrinho Diogo Valente do Quental. D. Mécia faleceu um ano depois, onerando a capela com mais uma missa aos domingos e nas nove festas da Virgem, tendo designado como herdeiro também um sobrinho, Jorge de Andrade de Vasconcelos (c. 1630-1692). Dada a obrigação de se celebrarem duas missas por semana, muito provavelmente, datam da déc. de 60 do séc. XVII o retábulo e a imagem de vulto de N.ª S.ª da capela das Angústias, atribuíveis à oficina de Manuel Pereira (c. 1605-1679), autora, na década anterior, do camarim da sé do Funchal. O edifício passou por obras sucessivas nos anos seguintes; a tela do camarim deve ser ligeiramente mais recente, mas estes elementos principais devem datar dessa outra época. Com o falecimento de Jorge de Andrade de Vasconcelos, sem descendência, ficaram herdeiras as suas irmãs, também sem filhos, Beatriz de Menezes, Bernarda de Vasconcelos e Serafina de Andrade e Vasconcelos, pelo que, por testamento da última, aprovado a 12 de maio de 1702, foi nomeado herdeiro um sobrinho, um dos maiores proprietários da época, o morgado Francisco de Vasconcelos Bettencourt (1644-1717), casado com Guiomar de Sá (1654-1682), e embora Serafina de Andrade e Vasconcelos só viesse a falecer a 10 de dezembro de 1709. O morgado Francisco de Vasconcelos Bettencourt, “o Novo”, era senhor de avultados bens e deve ter assumido alguns encargos ainda em vida da sua tia Serafina, o que se coaduna com a aprovação do testamento em que é nomeado herdeiro, alguns anos antes do falecimento da mesma. A capela de N.ª S.ª das Angústias foi remodelada entre a última década do séc. XVII e os primeiros anos de Setecentos, sendo o interior dotado de um lambrim de azulejos com cenas da vida de S.to António de uma oficina de Lisboa próxima da de Gabriel del Barco (1648-c. 1708). Do começo do séc. XVIII é a execução do frontal de altar a imitar embutidos marmóreos, obra de Carlos Braunio, provavelmente, um frade franciscano italiano dos arredores de Milão, de Braunio, que terá estado no convento de S. Francisco do Funchal e que deixou na Madeira um frontal semelhante, assinado e datado de 1709, hoje na capela da Consolação, na R. da Levada de Santa Luzia, mas proveniente daquele convento. A importância da capela na família está patente no batizado da neta Inácia Maria Rosa de Sá Vilhena, em 1710, vindo esta quarta filha do futuro morgado Francisco Luís de Vasconcelos Bettencourt (1681-1741) e de sua mulher D. Mariana Inês de Vilhena (c. 1680-1755) a casar-se com o capitão-mor Mendo Brito de Oliveira (Ordenanças e Vilhena, D. Guiomar). Nos primeiros anos do séc. XVIII a capela foi, assim, reabilitada. Foram reaproveitados para a fachada, provavelmente, elementos da construção anterior, devendo-se ter procedido também a trabalhos nas casas anexas, para norte, onde poderão ter habitado as irmãs Beatriz de Menezes, Bernarda de Vasconcelos e Serafina de Andrade e Vasconcelos. As obras e a propriedade efetiva da capela e do morgadio das Angústias só passaram para os Bettencourt de Vasconcelos em 1710, pois D. Serafina de Andrade e Vasconcelos faleceu a 10 de dezembro de 1709, como dissemos, e não consta que os netos do anterior proprietário tivessem sido ali batizados. Infelizmente, as complexas obras que foram efetuadas no edifício, no seu lado norte, durante o século seguinte, quando serviu de apoio aos serviços de instalação de algumas das mais importantes figuras da aristocracia europeia, na parte localizada a sul, impossibilitam uma análise mais aprofundada do imóvel. Quinta Vigia - Illustrated News. 1870. Arq. Rui Carita O morgado Francisco de Vasconcelos Bettencourt faleceu a 4 de outubro de 1717 e os seus bens passaram para o filho, Francisco Luís de Vasconcelos Bettencourt, um dos mais ativos fidalgos e comerciantes do seu tempo, que, falecido a 29 de novembro de 1741, deixou como herdeiros a mulher D. Mariana de Vilhena e os filhos. D. Mariana Inês de Vilhena faleceria em 1755 e, cerca de 10 anos depois, o único filho varão, João José de Vasconcelos Bettencourt (1715-1766). A propriedade passaria então para a filha, a “Ilustríssima Senhora Dona” Guiomar Madalena de Sá Vasconcelos Bettencourt Machado e Vilhena, uma das personalidades mais fascinantes do seu tempo e que deu uma nova vida a toda a área em apreço. Com a posse da propriedade por D. Guiomar, deu-se início, quase de imediato, à rentabilização do terreno, até então de “terra e rocha”, nomeadamente, com o plantio de malvasia na encosta de São Lázaro, no que se despendeu mais de 2 contos de réis. Mais tarde, em 1782, tendo sido determinada a abertura naquela encosta de um caminho que daria acesso ao novo desembarcadouro da Pontinha, tornou-se necessário refazer as paredes que sustentavam as fazendas da quinta até à casa de prazer, ou seja, o mirante de D. Guiomar, já assinalado na planta da cidade do comandante Skinner, de 1775, embora só editada em 1791, em Londres. A morgada deve ter feito grandes obras na quinta; pelo menos, erigiu este mirante, que chegou aos nossos dias com o seu nome e terá levantado o corpo principal da residência. Tendo mandado edificar um importante prédio no Lrg. da Sé e na R. do Capitão para servir de sede à sua casa comercial, e tendo, nos últimos anos, residido preferencialmente “na sua Quinta das Angústias do sítio dos Ilhéus” (ABM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 11, fl. 130v.), onde veio a falecer a 15 de março de 1789, também ali fez importantes obras. O corpo neoclássico apresenta as molduras das portas e das janelas em calcário de lioz da serra de Sintra, provavelmente da área de Pero Pinheiro; são em tudo semelhantes às molduras utilizadas na mesma época na reforma das casas da Alfândega do Funchal (Alfândega Nova). Considerando as fortes relações de D. Guiomar com a Junta e Provedoria da Fazenda (embora reconhecendo que estas, comercialmente, nem sempre foram as melhores) e sabendo que a morgada gozava da total proteção do governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (c. 1745-1798), é provável que, tal como nas obras da Junta da Fazenda, ela tenha recorrido à importação das molduras das oficinas continentais que realizavam as obras de reconstrução da cidade de Lisboa. Mirante da Quinta Vigia. 1885. Arqu. Rui Carita   Renné Masst. Mirante da Quinta Vigia. 1884. Arq. Rui Carita O mirante de D. Guiomar é, por ventura, o elemento mais interessante do conjunto, apresentando planta quadrada e dois pisos, realizando-se o acesso exterior ao andar superior por três lanços de escadas, compondo-se uma escadaria maneirista, com corrimão e pilastras de cantaria. O piso térreo apresenta um amplo portal serliano, para o lado do mar, encimado por uma varanda corrida, de sacada, assente em cachorrada muito elaborada, tudo com elementos decorativos de entre os finais do séc. XVI e os inícios do XVII, indiciando assim uma muito provável remontagem dos finais de Setecentos. Interiormente, o piso superior é dotado de teto de caixotão, oitavado e pintado, e apoiado em pendentes e mísulas ainda de gosto algo mudéjar, mas regional, parecendo também ter havido um reaproveitamento de elementos anteriores. Com o falecimento de D. Guiomar de Vilhena ficou como seu herdeiro o sobrinho Cor. Luís Vicente de Carvalhal Esmeraldo (c. 1752-1798), mas a quinta estaria, por certo, arrendada à família do cônsul francês Nicolau de La Tuellièrie (c. 1750-1820), ligado à importante família de Pedro Jorge Monteiro, comerciante que, com D. Guiomar, afrontara a liderança britânica no comércio de exportação dos vinhos da Madeira. Foram, com certeza, os La Tuellièrie e os Monteiro que encomendaram, em Lisboa, na Real Fábrica do Rato, os painéis de azulejos com as fábulas de La Fontaine legendadas em francês, atribuíveis a Francisco de Paula e Oliveira, datáveis de entre 1790 e 1800, que mandaram montar na varanda coberta, uma estrutura anexada a sul do edifício principal, naturalmente já construído. Varanda coberta e azulejos de Francisco de Paula e Oliveira. Arqu. Rui Carita Em 1793 realizou-se na capela das Angústias o casamento, em segundas núpcias, do Dr. António José Monteiro, natural de Pernambuco e filho do mercador Pedro Jorge Monteiro, com a sua sobrinha Mariana de La Tuellièrie; em 1807, o matrimónio de Ana Carlota Monteiro, filha do primeiro casamento do Dr. António José Monteiro; em 1810, o de Maria Monteiro, também filha do primeiro casamento do Dr. António José Monteiro, com Inácio Castelo Branco do Canto Munhoz Melo e Sampaio. No entanto, somente em fevereiro de 1815 foi efetivada a venda da quinta, por João de Carvalhal Esmeraldo (1778-1837), futuro conde (Carvalhal, 1.º conde), ao Dr. António José Monteiro. Com o falecimento de António José, em julho de 1816, a quinta passou para o cônsul Nicolau de La Tuellièrie e, falecido este, em fevereiro de 1820, foi deixada à sua viúva. A posse da propriedade era algo complexa, dado os encargos que comportava e a partilha a que havia sido sujeita ao longo desses anos, p. ex., em 1807, com a construção do cemitério da Misericórdia (Cemitério das Angústias) e a abertura do caminho das Angústias em terrenos da quinta, propriedade de João de Carvalhal Esmeraldo, futuro conde de Carvalhal. Assim, Luís de Ornelas e Vasconcelos, um dos herdeiros da Quinta das Angústias, pois casara com Ana Carlota, viúva de Nicolau de La Tuellièrie, fez ainda aforamento perpétuo, em 1823 e ao morgado António Caetano Aragão, de terrenos anexos às Angústias deste último. A 15 de março de 1842, a quinta foi arrendada aos restantes coproprietários, Elvira e Maria Monteiro, com a obrigação de proceder a consertos na propriedade e a reparações urgentes na “varanda da casa que faz frente para o mar”, para sublocação a Dugdale McKellar (GUERRA, Ibid., 128). Confirmava-se, então, que a residência em apreço era uma das mais conceituadas da cidade. Quinta Vigia. 1890. Arq. Rui Carita   Quinta Vigia. Arq. Rui Carita Nos meados de 1849, aportou ao Funchal o príncipe Maximiliano (1817-1852), duque de Leuchtenberg, filho do príncipe Eugénio Napoleão e genro do czar Nicolau I. O também arquiduque da Rússia era irmão da imperatriz viúva do Brasil, D. Amélia de Bragança (1812-1873), e do príncipe Augusto (1810-1835), que fora o primeiro marido de D. Maria II, mas que falecera pouco depois de chegar a Lisboa, e ainda da rainha Josefina da Suécia e da Noruega (1807-1876). O governador José Silvestre Ribeiro (1807-1891) teve ordens para disponibilizar as instalações do palácio de S. Lourenço ao duque de Leuchtenberg, mas o mesmo, até por viajar com uma comitiva, optou por se alojar na Quinta das Angústias. Esteve na Madeira entre 27 de agosto de 1849 e 23 de abril de 1850, tendo os elementos da sua comitiva sido pintados na ilha por Karl Briullov (1799-1852), inclusivamente, o príncipe Maximiliano, num dos poucos retratos a óleo que se conhece do mesmo. Certamente por indicação do irmão, a 28 de agosto de 1852, seguiu-se a instalação da imperatriz viúva do Brasil, D. Amélia de Leuchtenberg e Bragança, juntamente com a princesa D. Maria Amélia (1831-1853), na esperança de que o clima da Madeira melhorasse a saúde da jovem, afetada pela tuberculose, tal como o tio. A Câmara do Funchal solicitou logo que os nomes da ex-imperatriz e da sua filha fossem dados às ruas anexas à quinta, mas a princesa faleceu num curto espaço de tempo, a 4 de fevereiro de 1853, para grande consternação da população do Funchal, não só pela sua pouca idade, mas também por ser a filha mais nova do falecido rei D. Pedro IV. A ex-imperatriz saiu com o corpo para Lisboa, a 6 de maio seguinte, tendo fundado no Funchal, em homenagem à filha, o Hospício Princesa D. Maria Amélia, cujos passos iniciais ainda acompanhou na Ilha, em instalações provisórias, lançando-se depois, em Londres e em Paris, um concurso internacional para a construção do edifício, por ventura, o primeiro que a ser realizado em Portugal. Quinta Davis. Arq. Rui Carita Em 1849, um comerciante inglês, Richard Davies, radicado na R. do Carmo, no Funchal, começou a adquirir terrenos junto da Quinta das Angústias como sub aforamento de uma “porção de terra no sítio a que antigamente chamavam a vigia de Santa Catarina” (ABM, Registos Notariais, liv. 1249, fls. 47v.-49). No mesmo ano ainda, comprou ao jovem António Leandro de Carvalhal Esmeraldo (1831-1888), depois 2.º conde de Carvalhal, uma vasta fazenda ao lado da anterior, vindo assim a mandar reformular a residência da Quinta Vigia ou Quinta Davies. Já havia uma habitação nesta área, residindo nela, nos inícios de 1847, a família Rutheford; tinha sido alvo de uma tentativa de assalto por parte de alguns populares, direta ou indiretamente liderados pelo Cón. Teles de Meneses, no quadro das altercações ocorridas com o proselitismo do reverendo metodista Robert Reid Kalley (1809-1888) e que tinha levado à deslocação para a Madeira do governador José Silvestre Ribeiro. Ainda nos finais desse ano de 1847, a rainha viúva Adelaide de Inglaterra, nascida Saxe-Meiningen (1792-1849), passou também uns meses na Madeira para se restabelecer de problemas de saúde, ocupando a quinta com as suas damas de companhia. O governador José Silvestre Ribeiro interferiu decididamente na instalação da rainha, que ali esteve até abril do ano seguinte, tendo depois recebido um enorme castiçal de prata, hoje na Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, em retribuição da hospitalidade. A rainha, entretanto, faleceria no final desse ano, em Londres. A Quinta Vigia, cerca de 10 anos depois, era já uma importante referência internacional, recebendo a Imperatriz Isabel de Áustria (1837-1898) e a comitiva que a acompanhava, tendo sido fotografada por Vicente Gomes da Silva (1827-1906) poucos dias após o seu alojamento no local, em 1860. Tal como às importantes figuras mencionadas atrás, também lhe foi oferecida residência no palácio de S. Lourenço, existindo, inclusivamente, informações sobre obras para a sua instalação. Porém, a Imperatriz, conhecida romanticamente por Sissi, optaria pela Quinta Vigia para residir no Funchal, entre novembro daquele ano e abril do seguinte. Durante a sua estadia, veio de Lisboa o infante D. Luís, que seria depois rei de Portugal, para apresentar cumprimentos em nome do irmão, D. Pedro V. Um ou dois anos mais tarde, em 1863 ou 1864, o ilustrador Joseph Selleny (1824-1875) editou, em Viena, uma litografia da sé do Funchal com a imperatriz em primeiro plano. Sissi e as suas damas de companhia na Quinta Vigia. 1860. Arq. Rui Carita Nos meados de 1885, ainda ocuparia a Quinta Vigia o príncipe Pedro II Nicolau von Holstein-Gottorp (1827-1900), grão-duque de Oldemburgo, que, em março desse ano, organizou uma quermesse na quinta. Possuía uma guarda pessoal de cossacos, que andavam na cidade a cavalo, tendo sido assim fotografados na Photographia Vicentes, à R. da Carreira, e que despertavam uma enorme curiosidade aos locais. Em outubro de 1859, entretanto, falecera Ana Carlota Monteiro de Ornelas, proprietária da Quinta das Angústias, herdando-a Nicolau Hemitério de La Tuellièrie e Maria Monteiro. A propriedade seria arrendada à britânica Margarida Yuille Wardrop, em junho de 1860, mas, em fevereiro de 1862, Nicolau Hemitério vendeu a sua parte ao procurador João António Pereira, devido às avultadas dívidas acumuladas, assistindo ao ato da escritura os representantes dos senhorios diretos da propriedade, ou seja, do marquês de Castelo Melhor, herdeiro de grande parte das propriedades dos Câmara da antiga casa dos condes da Calheta, e do morgado António Caetano Aragão, que outorgaram a transação e receberam o laudémio dela decorrente. Em setembro de 1863, instalou-se na Madeira o conde Alexandre Charles de Lambert (1815-1865), general de cavalaria e ajudante de campo do imperador da Rússia, embora nascido em Paris. O conde começou por se instalar na R. da Ponte de S. Lázaro e, em março de 1864, adquiriu a Quinta das Angústias aos proprietários, João António Pereira e João Gregório Rodrigues, este último, herdeiro de Maria Monteiro. Parecem datar dos anos seguintes as obras realizadas sobre a então R. Imperatriz D. Amélia, com o levantamento de uma fachada neoclássica e a reparação da muralha sobre o porto, com a execução dos compartimentos enterrados, hoje arquivo da presidência do Governo Regional da Madeira (GRM). A quinta deve ter tido obras para receber o casamento do conde de Lambert com Marie Louise Marguerite de Savary Lancosme Brèves (1840-1909), filha dos condes de Lancosme Brèves que tinha então 25 anos e que também nascera em Paris. O matrimónio ocorreu na capela da quinta, a 19 de fevereiro de 1865, com a autorização de D. Patrício Xavier de Moura (c. 1800-1872), bispo do Funchal, tendo assistido, entre outros, os pais da noiva, também a residirem no Funchal à data. O conde de Lambert faleceu inopinadamente na sua quinta, aos 49 anos, a 1 de agosto desse ano, às 04.00 h, deixando a jovem condessa grávida e numa situação económica complicada. A 4 de janeiro de 1866, recebeu a confirmação do seu batizado o pequeno conde Carlos Alexandre (1865-1944), que nascera a 30 de dezembro e que, temendo-se o pior, fora logo batizado, tal como declara a certidão. Na cerimónia religiosa estiveram presentes os pais da condessa, o 2.º conde de Carvalhal, o general José Júlio do Amaral, comandante da 9.ª divisão, e os vice-cônsules de França no Funchal. A condessa, no registo de batismo, é dada como residente na Calç. de Santa Clara, provavelmente, no local onde residiam os pais, para que não ficasse na quinta com o cadáver do marido. A condessa viu-se na situação de ter que pedir um empréstimo de 12 contos à firma russa Krohn Brothers para transportar o corpo do conde para Paris, encontrando-se este, até então, embalsamado e depositado na capela das Angústias, servindo também o crédito para proceder a “reparos e outros arranjamentos” na quinta, com vista ao seu futuro arrendamento (ABM, Registos Notariais, liv. 1276, fls. 12v.-13v.). A condessa e o filho saíram para França em agosto de 1867, mas mantiveram a posse da quinta até 1903. O jovem conde de Lambert veio a ser uma das grandes figuras da aviação internacional, atribuindo-se-lhe as primeiras experiências de construção de hidroaviões; foi ainda o primeiro aviador a sobrevoar a Torre Eiffel e o primeiro a voar na Bélgica e na Holanda, p. ex.. Conde Lambert. Arqu. Rui Carita O comerciante Charles Ridpath Blandy (1812-1879), entretanto e face ao crescente movimento do porto, começara a adquirir terrenos na baixa de Santa Catarina. Em agosto de 1879, com a morte do 6.º marquês de Castelo Melhor, a firma Blandy Brothers & Co. comprou uma parte do domínio direto do foro da Quinta das Angústias de que eram enfiteutas os herdeiros do velho conde de Lambert. Grande parte dos interesses da área, inclusivamente a propriedade da pequena capela de Santa Catarina, passaram para a dita firma inglesa durante esses anos. O célebre médico Paul Langerhans (1847-1888), autor da descoberta das células que ainda hoje têm o seu nome e que constituíram objeto de análise na sua tese de doutoramento de 1869, no verão de 1875, afetado pela tuberculose, viu-se na contingência de ter de suspender a carreira universitária, escolhendo a Madeira para se tentar restabelecer. Ficaria na Ilha dois anos e meio, recuperando e aproveitando para se dedicar ao estudo da fauna marítima dos mares madeirenses e, depois, dos das Canárias. Regressou à Alemanha em 1878, mas estava de novo na Madeira em junho de 1879. Casou com uma viúva alemã, Margarreth, cujo marido tinha sido seu doente e, em junho de 1886, a família instalou-se na Quinta das Angústias. Langerhans faleceu na propriedade, a 20 de julho de 1888, sendo sepultado no cemitério britânico e regressando a viúva e a filha à Alemanha. Nos seis meses anteriores à estadia de Paul Langerhans na Quinta das Angústias, esteve ali o marquês de Albizzi, Niccolò Marc Antonio Albizzi, que editaria, em Paris, as suas memórias de seis meses na Madeira, recorrendo a fotografias de João Francisco Camacho (1833-1898) e, provavelmente, de outros, imagens depois gravadas por diversos artistas, em Paris, perfazendo um total de quase 40 estampas. Uma das ilustrações é “Le pavillon de notre quinta” (ALBIZZI, 1888, 71), facilmente identificável como o mirante de D. Guiomar; outra, “Hamac”, da qual se conhece a fotografia original, representando o marquês a ser transportado em rede, com um acompanhante, indicando o empedrado e o enquadramento que terá sido tirada no parque da “sua quinta” das Angústias (Id., Ibid., 83). Os primeiros anos do séc. XX colocaram em causa, e inclusivamente sob a atenção internacional, a situação das quintas sobre o porto do Funchal, competindo os interesses britânicos na Madeira com os alemães, que pretendiam a montagem de uma ampla rede de sanatórios e eram acusados por aqueles de estarem a encobrir um negócio de casinos (Sanatórios e Casinos). Os prazos da Quinta das Angústias, entretanto, porque fora do megaprojeto dos sanatórios alemães, foram adquiridos à firma Blandy Brothers & Co., a 18 de agosto de 1903, pelo bacharel Júlio Paulo de Freitas (1863-1946), que, no dia seguinte, comprou igualmente a quinta à condessa de Lambert e ao filho através dos seus procuradores no Funchal, também a Blandy Brothers. A Quinta Vigia, nos finais do séc. XIX, continuou a servir como abrigo, por excelência, dos doentes do turismo terapêutico, guardando-se inúmeros registos fotográficos e aguarelas românticas de Ella du Cane (1874-1943), editadas depois, em 1909. Entretanto, em maio de 1904, a então propriedade de Mr. Bennet Stanford fora adquirida pela Sociedade dos Sanatórios da Madeira, tal como a Quinta Bianchi, mas o projeto de instalação daquela gorou-se, pois a firma Blandy Brothers & Co. conseguira ficar com a Quinta Pavão, mais tarde integrada na Empresa dos Casinos da Madeira. Ao longo das décadas seguintes, com a extinção da Sociedade dos Casinos, a Quinta Vigia passou à propriedade do Estado, tendo servido de aquartelamento militar da Guarda Republicana, em 1921, transformando-se depois em parque público, com várias instalações desportivas, como ringues de patinagem, p. ex.. Com o falecimento de Júlio Paulo de Freitas na Quinta das Angústias, em 1946, a mesma ficou para a sua afilhada, Isabel Vasconcelos da Cunha; em 1964, foi residência de Tomaz da Cunha Santos (1933-2013). Com a reativação da Empresa dos Casinos Madeira e o projeto de instalação do novo edifício do Casino Park Hotel, o dec.-lei de 11 de dezembro de 1967 determinou a aquisição da quinta para o Estado, por permuta das quintas Bianchi e Pavão, a demolir para aquela construção. A quinta foi desocupada pelos proprietários pouco tempo depois, mas o processo de expropriação arrastou-se pelos anos seguintes, inclusivamente por não haver acordo nos valores patrimoniais dos azulejos da capela, do frontal de altar, entre outros. A Quinta das Angústias encontrava-se devoluta, em dezembro de 1974, tendo sido sugerido pelo então presidente da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, Rui Vieira (1926-2009), que fosse utilizada para as festas da cidade ou festas do fim do ano, a acontecer nesse mês, tendo sido aí montadas, pela comissão diretiva do Museu da Quinta das Cruzes, várias exposições de artes plásticas e presépios da coleção do mesmo museu (Museu Quinta das Cruzes e Quinta das Cruzes). Pretendia-se, assim, aproveitando algum vazio de poder, desbloquear a situação de impasse em que se havia caído e evitar futuros desmandos, dando urgente ocupação e serventia ao espaço. Nesse quadro, em 1975, passaram a funcionar ali os ateliers e as aulas do Instituto de Artes Plásticas da Madeira (Universidade da Madeira). Com a progressiva instalação do GRM, a partir de 1979 reiniciaram-se as negociações para ali se instalar a presidência do governo, tendo o edifício sido objeto de um projeto de reabilitação da autoria do Arq. António Marques Miguel, assessorado localmente pela Arq. Elisabete de Andrade. Por resolução da presidência do GRM de junho de 1982, em memória da antiga quinta anexa e do seu espaço público, a designação da nova habitação da presidência do governo passou a ser Quinta Vigia. A inauguração da Quinta Vigia como residência oficial do presidente do GRM ocorreu a 2 de maio de 1984. Quinta Vigia. Residência. Arqu. Rui Carita A reabilitação do conjunto manteve toda a estrutura exterior dos antigos edifícios, da capela, do parque e jardim envolventes, conservando inclusivamente o mirante e as duas casinhas de prazer sobre o porto do Funchal. Interiormente, as salas superiores do edifício neoclássico, em princípio, mandado levantar por D. Guiomar, foram interligadas, servindo de área de receção e apoiando-se na varanda sobre o parque, onde estão os célebres azulejos das fábulas de La Fontaine. O andar térreo encontra-se ocupado com os gabinetes da presidência do governo, tendo uma parte do secretariado passado para o mirante de D. Guiomar. O interior foi decorado conforme as quintas madeirenses antigas, dos sécs. XIX e XX, com mobiliário ao gosto inglês dessa época, parte do qual, proveniente dos acervos dos museus da Região, recriando-se assim a ambiência dessas mesmas propriedades. O parque encontra-se aberto ao público.   Rui Carita (atualizado a 16.12.2017)

Arquitetura Património

quinta do monte

Quinta do Monte. 1920. Arquivo Rui Carita. Nos meados e nos finais do séc. XVIII assistiu-se à expansão da cidade do Funchal pelas encostas e à fixação esporádica das famílias dos principais comerciantes e proprietários madeirenses na área da freguesia do Monte, durante a época de verão (Urbanismo). Com o confisco dos bens do Colégio dos Jesuítas pela Fazenda Régia, em 1768, o património da Companhia foi colocado em hasta pública e arrematado, em 1770; entre ele, contavam-se duas propriedades situadas abaixo da igreja do Monte que vieram a ser adquiridas pelo cônsul britânico Charles Murray. Este cônsul construiu ali uma residência e, especialmente, um parque e jardim importantes, que acabaram por se tornar lendários, mas que, poucos anos depois do investimento, colocou à venda, por se retirar para Inglaterra. O governador Diogo Pereira Forjaz Coutinho (c. 1735-1798), em carta de 1788, informava para Lisboa que o comerciante Carlos Murray se propunha vender a “Quinta do Bello Monte, para os governadores passarem o verão” (ABM, Governo Civil, liv. 519, fl. 4v.). Declarava ainda que aquela zona era habitada, entre os meses de junho e novembro, por causa dos “calores muito intensos na cidade” e que, algumas vezes, o próprio se vira obrigado a pedir emprestada uma dessas residências, “visto que todos têm o capricho de não querer dar de arrendamento casa no campo” (Id., Ibid., fls. 4v.-6). Acrescentava igualmente que, dada a qualidade do conjunto em causa, com os seus jardins, cascatas e árvores de fruto, seria a “hipótese ideal” (Id., Ibid.) para se estabelecer uma residência de verão. Porém, a quinta veio a ser adquirida por privados. Também na área do Pico, em 1784, foi negociada uma propriedade pertencente ao comerciante João Crisóstomo Costa e Silva para saldar uma dívida de 4:250$000 réis ao padre Simão Lúcio de Nóbrega, sendo esse mesmo património adquirido pelo comerciante inglês Carlos Alder. A propriedade confrontava com terrenos aforados aos morgados Pedro Agostinho Pereira de Agrella e Câmara, João José de Ornelas Cabral e José Joaquim de Bettencourt e Freitas, dono da Quinta do Faial, em Santa Maria Maior, pelo que as negociações levaram algum tempo, vindo Carlos Alder a ceder os seus direitos a outro comerciante inglês. As primeiras obras da futura Quinta do Monte, ou Quinta do Pico, como também era referida, datam de 1802. Foram mandadas fazer pelo jovem escocês James David Webster Gordon (1783-1850), que, por esses anos, se encontrava no Funchal a trabalhar para a firma Newton, Gordon, Cossart & Co., fundada por volta de 1745, por Francis Newton e William Gordon, seu parente (Cossart Gordon). James David, por vezes referido como James Dempster, era o filho mais novo de Thomas Gordon (1737-1804) e de sua mulher Agnes, filha de John Dempster de Dunnichen (1732-1818), jurista e deputado natural de Dundee, na Escócia. Um irmão mais velho, Thomas William Gordon, veio a ser coronel da Guarda Real e a morrer em Verdun, em 1814; um outro irmão, James Murray Gordon (1782-1850), casaria com Sarah Almeria, filha de John Caulfield, arquidiácono de Kilmore e chegaria a vice-almirante da Marinha Real Britânica. James Gordon fixou-se na ilha da Madeira, casando mais tarde, em 1826, com Theodosia Arabella Pollock, sobrinha do general George Pollock (1786-1872) da Companhia das Índias Orientais; a aproximação entre ambos deve ter sido propiciada pelo irmão James Murray Gordon, da Marinha Britânica. Data dessa época a construção da residência da Quinta do Monte, depois descrita como tendo sido levantada a partir do projeto de um arquiteto inglês, o que é muito provável, dadas as relações formais da construção com o chamado estilo regency. Embora com muitas alterações e desenvolvimentos nos anos seguintes, a ampla relação do piso térreo com o espaço do jardim; as janelas com bandeiras envidraçadas, inseridas em arcos de volta perfeita; a utilização contínua de paredes curvas, ao gosto do rococó internacional; as cornijas decoradas com medalhões, entre outros aspectos, fazem da edificação em apreço uma das mais próximas da arquitetura inglesa da época na Madeira. A boa relação de James Gordon com esse seu irmão parece estar patente numa pintura a óleo que foi recentemente vendida em Inglaterra, na Christies’Art People, pelos herdeiros dos mesmos Gordon, figurando o comerciante da Madeira com a mulher e os dois filhos, em Balmaghie, juntamente com as sobrinhas Ameria e Geraldine Gordon, no que parece ser uma pintura celebrativa da visita dos primos madeirenses. Dada a idade aparente dos jovens Webster Thomas e Russell Manners Gordon (1829-1906), a pintura deve datar de entre 1832 a 1835. James Gordon e Theodosia Arabella manteriam, assim, os seus contatos na Grã-Bretanha, tanto na Escócia como em Londres. Neste sentido, por volta de 1837 ou pouco depois, receberam na Quinta do Monte o pintor e litógrafo Andrew Picken (1815-1845). Em 1840, Andrew Picken editou uma litografia da Quinta do Monte com a seguinte dedicatória: “To J. D. Webster Gordon, Esqre. This print of Mount House, Madeira, is respectfully dedicated, by his very obediente servant, The Artist” (COL. FREDERICO DE FREITAS, 1840). A grande aguarela que por certo lhe serviu de modelo, que veio a ser adquirida aos herdeiros dos Gordon Torre Bela pela Câmara Municipal do Funchal, terá sido pintada antes, entre 1837 e 1839. No primeiro plano da imagem aparece um pequeno grupo, onde uma jovem parece estar a desenhar ou a escrever, com um rapaz mais velho a ajudar. Em frente, de pé, um outro rapaz e uma senhora, acompanhados por dois cães, seguem o desenrolar dos trabalhos. Tudo indica que se tratam dos irmãos Webster e Russel, da sua irmã mais nova, Bárbara Gordon e da mãe. Cerca de dois anos mais tarde, a 1 de agosto de 1842, Andrew Picken era perceptor dos filhos de James Gordon na quinta do Monte, conforme relata o príncipe Adalberto da Prússia (1811-1873), que o acompanhou e aos seus educandos em alguns momentos, nomeadamente, numa visita aos jardins, que afirmou serem paradisíacos, repletos de flores esplêndidas, muitas exóticas, e árvores de todos os cantos do mundo. A proprietária da quinta, Theodosia Arabella Gordon, mostrara-lhe com orgulho o álbum de Picken, também editado com a data de 1840 e a ela dedicado. Os irmãos Webster e Russel acabariam por ir para Londres, sendo educados no colégio de Eton, seguindo Webster a carreira militar e regressando Russel a Portugal. Ainda em Londres, este último conheceu Filomena Gabriela Correia Brandão Henriques de Noronha (1829-1925), filha de João Correia Brandão de Bettencourt Henriques de Noronha (1794-1875), 2.º visconde de Torre Bela (Torre Bela, visconde e conde de), vindo a contrair matrimónio a 15 de setembro de 1857, em St. John’s Wood Westminster e regressando depois à Madeira. No final de 1859, aportou na Madeira a arquiduquesa Carlota de Saxe-Coburgo (1840-1927), futura imperatriz do México, que, com a partida do marido para a América Latina, passou a residir na Quinta Bianchi, hoje desparecida, por motivo da construção do complexo do casino (Quinta Vigia). Nas memórias que a mesma deixou, Un Hiver à Madère, 1859-1860, publicadas em Viena no ano de 1863, explica que uma das primeiras deslocações que efetuou foi à Quinta do Monte, onde a recebeu Mrs. Gordon, “velha inglesa muito simpática, cujo filho casou há pouco tempo com uma portuguesa, filha do visconde de Torre Bela” (NASCIMENTO, 1951, 88-101), parecendo assim que terá conhecido o visconde em Viena, quando este era aí diplomata. Theodosia Arabella Pollock Gordon terá falecido no final de 1859. A quinta foi herdada pelo seu filho mais velho, o major Webster Thomas Gordon e, em 1860, este legou-a ao seu irmão Russel Manners Gordon, que introduziu vários melhoramentos na propriedade, mandando-a murar. Parece datar do mesmo ano, sensivelmente, a construção do jardim denominado Jardim Malakoff, em homenagem aos heróis da vitória de Sebastopol e ao castelo capturado pelas tropas anglo-francesas em 1855. Incluía um miradouro e uma aparatosa torre, adaptada a mirante, alguns anos depois, ao gosto das casinhas de prazer das quintas madeirenses (Casinha de prazer, Quintas madeirenses). A homenagem dos viscondes de Torre Bela à batalha de Sebastopol indicia também um certo tributo ao irmão Webster Gordon, oficial do exército inglês, e aponta ainda a vocação de diplomata internacional que, pouco depois, o visconde assumiria. Data, assim, desses anos de 1860, a restruturação da área a sul da casa de residência com um amplo terraço suportado por um paredão monumental e envolvido por um grande relvado, hoje delimitado por exemplares de notável porte arbóreo. Um curso de água atravessa a propriedade, facilitando a existência de uma cascata que desagua num lago onde a casa é refletida, desenvolvendo-se o jardim até a um amplo miradouro, gradeado e com vista sobre o Funchal. Nos meados da déc. de 60, a quinta foi vendida a Peter Cossart (1807-1870), na sequência da fusão das casas de exportação de vinhos Cossart, Gordon & Co., embora alguns descendentes da família remetam a compra da propriedade aos fundadores daquela empresa. Em 1871, vivia na casa Leland Crosthwait Cossart (1843-1898), filho de Peter Cossart e de Jane Edwards, filha do também comerciante Thomas Edwards, datando dessa déc. de 70 e ainda da de 80 a reforma dos estuques, com a colocação do brasão da família Cossart, bem como a encomenda de uma vasta coleção de vasos, dispostos sobre plintos em cerâmica, igualmente decorados com os unicórnios das armas dos Cossart. Os desmandos ocorridos na déc. de 90 do séc. XX, período em que a quinta esteve encerrada, fizeram com que nenhum desses elementos chegasse até nós senão por fotografia. A importante propriedade foi vendida, a 23 de junho de 1890, ao banqueiro Luís Rocha Machado (1848-1912), que a decorou de novo. Foi palco de inúmeras receções, destacando-se a de 23 de junho de 1901, uma garden party oferecida aos Reis de Portugal, D. Carlos e Dona Amélia. Nesta ocasião, a propriedade aparece referida como Quinta do Pico, existindo abundante documentação fotográfica da altura, aliás, de toda a visita régia, nomeadamente imagens captadas pelo próprio rei D. Carlos, que se dedicava à fotografia. A Quinta do Monte conheceu fama internacional também por ter servido de residência aos ex-Imperadores da Áustria, Carlos de Áustria (1887-1922) e Zita de Bourbon-Parma (1892-1989), descendente da Casa de Bragança. O casal fora enviado para a Madeira pelo Governo inglês, aportando na Ilha a 10 de novembro de 1921, no cruzador Cardiff, fixando residência na Vila Vitória, dependência do Reid’s Palace Hotel. Com a chegada dos seus sete filhos e encontrando-se a família numa situação económica muito difícil, instalaram-se na Quinta do Monte, a convite de Luís Rocha Machado, a 2 de fevereiro de 1922. O ex-imperador sofreria já de problemas de saúde e o clima do Monte, naquele inverno, ter-lhe-á sido fatal, acabando Carlos por falecer com uma pneumonia dupla, inopinadamente, a 2 de abril daquele ano. No dia 5, de acordo com a sua última vontade, foi sepultado na igreja do Monte, onde ainda jaz; a família acabaria por sair da Madeira a 19 de maio do mesmo ano de 1922. O funeral do ex-imperador foi acompanhado de enorme comoção popular e a sua capela funerária, logo nos meses seguintes e nos anos subsequentes, foi alvo de especial devoção. Com efeito, Carlos veio a ser beatificado a 3 de outubro de 2004 pelo Papa João Paulo II (1920-2005), que visitara a Madeira a 12 de maio de 1991, encontrando-se então com os descendentes do ex-Imperador, que lhe entregaram documentação concernente ao falecido; reza a tradição que havia sido batizado Karol Józef Wojtyła, na Polónia, justamente em homenagem a esse imperador austro-húngaro católico. Ainda nos finais de 1922, a quinta foi visitada pelos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, no regresso da sua triunfal viagem aérea ao Brasil. Entre 1930 e 1940, em memória de Carlos de Áustria, a quem se atribui o incentivo da devoção do Sagrado Coração de Jesus na Madeira, o herdeiro da quinta, Luís da Rocha Machado (1890-1973), mandou construir uma capela dessa evocação em uma das dependências da casa, incorporando no seu interior um teto pintado com as armas da família Cossart. Nas décs. de 60 e 70, a quinta viveu um novo apogeu, sendo então residência de uma das filhas de Luís da Rocha Machado, Helena do Carmo Rocha Machado, que se casara com Fernando José Martins de Almeida Couto (1924-2006). Nesta época, volta a haver abundante documentação fotográfica dos interiores e exteriores da propriedade. A 11 de janeiro de 1968, em visita à Madeira, Zita da Áustria e sua filha mais velha, a arquiduquesa Adelaide de Habsburgo (1914-1971), acompanhadas por seus primos, D. Duarte Nuno (1907-1976), duque de Bragança (1907-1976) e a infanta D. Filipa de Bragança (1905-1990), estiveram pela última vez na quinta, sendo recebidas por Fernando de Almeida Couto. Deslocaram-se, depois, à igreja do Monte, para rezar na capela mortuária do ex-Imperador, na presença do governador civil, comandante Inocêncio Camacho de Freitas (1899- 1969) e do bispo do Funchal, D. João António da Silva Saraiva (1923-1976), que dirigiu as orações. A família Almeida Couto deixou de viver na quinta nos meados da déc. de 70, tendo ali residido pontualmente os pintores Lourdes Castro (1930-) e Manuel Zimbro (1944-2003), que acabaram por se fixar no Caniço. Nos finais da déc. de 70 e nos inícios da de 80, a venda da quinta foi alvo de anúncios na comunicação social continental, tendo havido pressão dos herdeiros para que fosse adquirida pelo Governo Regional da Madeira (GRM). Com o projeto de instalação do campus universitário da Universidade da Madeira (UMa) (Universidade da Madeira), o GRM veio a acordar comprar a quinta, cuja tutela foi confiada à Secretaria Regional da Educação, vindo o recheio a ser adquirido à parte, por um valor adicional de 10 mil contos. Em 1989, a comissão instaladora da UMa e a secretaria regional da tutela solicitaram uma peritagem do inventário do recheio, na ordem de cerca de 50 peças, sendo o valor então estimado em 15 mil contos e a posterior aquisição dos bens feita pela futura UMa. Em maio de 1990, o primeiro-ministro Prof. Aníbal Cavaco Silva visitou a quinta e percorreu demoradamente o parque na companhia das autoridades superiores da Região. Desta viagem resultou o aval do governo central para ali instalar a reitoria da UMa. Assim, a quinta foi comprada pelo GRM, em 1991, visando a futura instalação da UMa, que adquiriu o mobiliário da propriedade. Contudo, nos anos seguintes, o projeto de acomodação da reitoria da UMa na quinta foi abandonado, optando-se por uma instalação mais central, no antigo colégio dos Jesuítas e por estabelecer os vários departamentos, que entretanto tinham aumentado bastante em relação ao inicialmente equacionado, no complexo tecnológico da Penteada. Com essa alteração e encontrando-se devoluta, a propriedade entrou em acelerada degradação, passando para a tutela da Secretaria do Equipamento Social, para que fossem realizadas obras urgentes de consolidação da residência. Mas tanto o parque como a quinta chegaram a ser vandalizados: p. ex., uma pequena boca-de-fogo inglesa, do tipo caronada, datável dos primeiros anos do séc. XIX, que se encontrava junto ao miradouro, foi lançada do alto do paredão, e a capela foi alvo de fogo posto, perdendo-se todo o recheio e uma parte dos tetos de estuque. Nos anos seguintes, a quinta foi igualmente alvo do confronto político no quadro da sua tutela e utilização, encontrando-se a comunicação social repleta de acusações sobre o desaparecimento de boa parte do espólio e até da própria lista do mesmo. Por sua vez, algum do mobiliário da quinta equipa hoje a reitoria da UMa. Em 1996, o conjunto foi classificado pelo seu valor regional e, em agosto de 2000, foi aberto um concurso público para a concessão de obra pública, visando a recuperação, ampliação, restauro, conservação, valorização e divulgação da Quinta do Monte, incluindo a reabilitação do seu espólio botânico, a instalação de um parque temático e de um núcleo museológico. No entanto, a opção a curto prazo foi no sentido de proceder à concessão dos jardins, que passaram a ter exploração privada, encontrando-se abertos ao público como Jardins do Imperador.   Rui Carita (atualizado a 16.12.2017)

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