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mosteiro novo

O conjunto edificado denominado “Mosteiro Novo”, que foi depois seminário, embora tendo essa designação, nunca chegou a ser mosteiro, nem sequer recolhimento. Enquadra-se, assim, na vasta série de instituições pias criadas em momentos difíceis relativamente às quais, por morte dos instituidores, desaparece a vontade e os fundos para as instituir verdadeira e concretamente. A doação destes edifícios para um futuro mosteiro ou recolhimento foi feita pelo Cón. Manuel Afonso Rocha, a 17 de dezembro de 1638, perante um tabelião e o bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650). Declarou então que tinha dado início a um mosteiro composto de casas, oficinas, igreja e coro, sob a invocação de S. José, destinado a religiosas ou religiosos, sob a cláusula de lhe celebrarem algumas missas e ofícios pela sua alma. Como o conjunto não estava concluído, entregava o governo e a sua administração à proteção do prelado e seus sucessores, dentro da intenção de o mesmo vir a servir de “recolhimento para damas ou mulheres de qualidade”. Caso tal não fosse possível, gostaria que o mosteiro fosse entregue “a religiosos virtuosos mendicantes ou outros que ali fizessem mais serviço a Deus” (SILVA e MENESES, 1998, II, 398-399). As informações do cónego, em princípio afastavam-se algo da realidade, não existindo qualquer “igreja com coro” e somente, na melhor hipótese, uma capela ou um oratório privado, pois que não se conhece para ali qualquer autorização de culto passado pela autoridade eclesiástica. Cerca de 10 anos depois, em 1647, o prelado dava autorização para ali residirem os sobrinhos do fundador, o Cón. António Spranger Rocha, seu irmão, o P.e Inácio Spranger e suas irmãs. Tudo indica ser então e ainda somente um espaço residencial e, muito provavelmente, a autorização do prelado era a oficialização da situação que se mantinha do anterior. Esta família viveu aí ao longo de todo o século, pois em 1691 faleceu nestas casas o também Cón. António Spranger, sobrinho dos anteriores. As casas devem ter ficado então devolutas, pois em finais de 1698, o bispo D. José de Sousa de Castelo Branco (1698-1722), pouco depois de tomar posse da Diocese, o que ocorreu a 28 de agosto de 1698, transferiu para ali o seminário diocesano, até então alojado no chamado colégio de S. Luís anexo à capela daquela evocação e ao paço episcopal. A 3 de janeiro de 1702 emitia um decreto com os novos estatutos do seminário, os quais foram confirmados, depois de ouvidos os elementos do mesmo, passando a ter um reitor, 10 colegiais e um número de pensionistas a livre arbítrio do bispo. Por 1720, Henrique Henriques de Noronha descrevia o conjunto edificado, então sob a evocação de S. Gonçalo e com uma “nobre igreja” dedicada a Jesus, Maria e José, onde existiam dois altares laterais, um de S. Gonçalo de Amarante e outro, de N.ª S.ra do Bom Despacho (NORONHA, 1996, p. 304). O terramoto de 1 de novembro de 1748 afetou bastante o edifício, tendo sido retirado dali o seminário, mas, por volta 1760, este regressou às mesmas instalações. O conjunto edificado que chegou até nós deve ser produto das obras dos finais do séc. XVII e inícios do XVIII, embora com obras de reabilitação dos anos seguintes, mas que não alteraram substancialmente a organização geral da estrutura. O conjunto do antigo Mosteiro Novo e do seminário apresenta um amplo pátio interior, sobre o qual corre o corpo que dá para a rua, que ainda no séc. XXI era chamada R. do Seminário, com uma pequena capela a nascente, profanada e sem qualquer recheio. A entrada para o pátio fica a poente desse corpo, parecendo manter preexistências dos finais do séc. XVII ou inícios do XVIII, com dois interessantes lanços de escadas e entrada para o piso nobre com alpendre refeito no séc. XIX. Ao longo da rua apresenta três portais ao gosto das primeiras décadas do séc. XVIII, mas a organização da fenestração parece anterior, salvo a janela com balcão, que deve corresponder à campanha de obras do séc. XIX. O edifício poente do pátio parece ter sido montado para os seminaristas internos, tal como o que corre sobre a rua parece ter sido ocupado pelos quadros superiores do seminário. O seminário foi transferido, em 1788, para o antigo colégio dos Jesuítas, mas logo em 1801 voltava ao edifício original, dada a instalação no colégio das forças inglesas de ocupação. Em 1909, o seminário era transferido para o novo edifício levantado na cerca do extinto convento da Encarnação, construído então pela Junta Geral do Distrito, mas a 20 de abril de 1911, com a extinção dos seminários pela República, voltava a funcionar, sem carácter oficial, nas antigas instalações do Mosteiro Novo. Em breve também o edifício era confiscado pelo Estado, tendo passado, em 1971, por uma remodelação total para a instalação do Laboratório Distrital de Análises Dr. Celestino da Costa Maia, até então a funcionar num edifício da R. das Pretas. Em 1976, e com a transferência do laboratório, o edifício ficava devoluto, tendo tido nova remodelação em 1988, e nova designação, então de Laboratório de Saúde Pública Dr. Câmara Pestana. Em 2000 voltava a estar parcialmente devoluto, aguardando definição de reutilização.     Rui Carita (atualizado a 01.02.2018)

Arquitetura Património Religiões

mendes, josé alberto reynolds

O Gen. José Alberto Reynolds Mendes nasceu no Funchal a 9 de abril de 1939, filho de João Gregório Mendes e de Cândida Assunção Reynolds Mendes; casou-se em 1967 com Maria de Fátima F. P. Pereira Reynolds Mendes e teve três filhos, Paulo José (1967) e os gémeos Alexandra Sofia e Alberto Sérgio (1968). Frequentou o Liceu Nacional do Funchal e ingressou na Academia Militar como cadete, em 1957. Em julho de 1960 concluiu na mesma Academia o curso de Infantaria e ficou colocado em Mafra, na Escola Prática deste ramo do Exército. No ano seguinte, frequenta na mesma Escola um curso sobre métodos de instrução, na qualidade de aspirante tirocinante. Ainda em 1961, é promovido a alferes, e, após um tempo de serviço no Regimento de Infantaria 2, em Abrantes, é mobilizado para servir na Região Militar de Angola (RMA). A 20 do mesmo mês parte do Aeroporto Militar de Figo Maduro em direção à Base Aérea 9 de Luanda como comandante do pelotão da Companhia de Caçadores 89. Depois de ter sido promovido a tenente, é colocado no Batalhão de Infantaria 19 no Funchal a 13 de abril de 1963. De 11 de junho a 6 de julho do mesmo ano, no Centro de Instrução de Operações Especiais, de Lamego, frequenta o curso de Instrutores e Monitores de Operações Especiais. A 24 de julho de 1964, mobilizado pelo Batalhão de Caçadores 5 de Campolide, segue de novo para Luanda, onde prestará serviço na Região Militar de Angola. Em 1966, habilita-se com o curso de Instrução de Comandos, é promovido a capitão e agraciado com a medalha de mérito militar de 3.ª classe, sendo louvado como “oficial de excelsas virtudes”, “extremo sentido de disciplina e de missão, elevadas qualidades de iniciativa, decisão, coragem e determinação” (“Nota de óbito”), e passa a comandar a 6.ª Companhia de Comandos até 1 de setembro de 1967, data em que regressa à metrópole. A 5 de Março de 1968, é-lhe conferida a medalha de mérito, que dá origem, a 5 de março de 1968, à condecoração com a Cruz de Guerra de 3.ª classe. De 23 de setembro a 4 de outubro do mesmo ano, conclui o estágio de Ação Psicológica no Instituto de Altos Estudos Militares de Pedrouços. No ano seguinte, a 22 de fevereiro, parte para Luanda e integra as tropas de reforço à Guarda Nacional na RMA. Mantém-se nesta comissão até 1973 e habilita-se com o Curso Geral do Estado-Maior. Nesta data recebe a medalha de prata de comportamento exemplar. Em fevereiro de 1975, é nomeado chefe da 2.ª Repartição do Comando Geral da Polícia de Segurança Pública. Parte para Macau, onde, em 1980, frequenta o curso da Criminal Information Research School/Drug Enforcement Administration/EUA e aqui, no posto de major, desempenha as funções de chefe de Divisão de Operações e Informações do Comando das Forças de Segurança. Depois das campanhas de Angola e das comissões especiais em Macau é condecorado, em 1984, com o grau de cavaleiro da Ordem de Avis (comendador). Frequenta, em 1986, o curso do Colégio de Defesa da NATO, em Roma, onde, após graduação e promoção a coronel, foi Conselheiro de Estudos, entre 1987 e 1990. Uma vez promovido a brigadeiro, exerceu o cargo de subdiretor do Instituto de Defesa Nacional, e foi colocado, em 1996, como comandante da Zona Militar e comandante operacional da Madeira, tendo terminado este desempenho em 1998. Passou à situação de reserva em abril deste mesmo ano, por limite de idade. Em 2003, participa no fórum da Military Review, revista profissional do exército dos EUA, sediada em Fort Leavenworth, Kansas, com um estudo intitulado “Guerra Assimétrica, Riscos Assimétricos”. O estudo consiste numa análise sobre os diversos níveis de terrorismo existentes nos começos do séc. XXI e em previsões sobre os seus efeitos nas organizações de defesa, nas alianças internacionais e nas áreas de informações, operações e logística. Este estudo foi publicado na versão brasileira da mesma revista (vol. LXXXIII, 2.º trim., pp. 46-54. Com a patente de major-general, Reynolds Mendes atinge a reforma em julho de 2004. Foi ainda diretor do Gabinete de Gestão do Litoral do Governo Regional da Madeira. Na sua obra poética, publicada sob o pseudónimo de Marco Reynolds, a escrita revela-se uma necessidade moral de participar no mistério da vida, na intangibilidade dos afetos e no contraditório da existência humana: a sua dupla face, em busca dum estado de ser. Observa a matriz sanguínea e telúrica que define o poeta, amador da vida, do amor e da terra de origem, a “Ilha-Mãe”, onde “vale a pena reencontrar” (-se) (MENDES, 2009, 36). A fusão dos vários espaços onde se move remete para uma situação de duplicidade em que o homem-cívico, imbuído dum espírito de missão, se coliga ao homem-emotivo, sensível aos sortilégios do amor. Há um sentimento de promissão dirigido a uma vontade de resgate da mulher amada e do solo “depredado” que permanece em todos os seus livros, consolidando-se a última vertente em Ilha-Mãe – Ilha-Pátria. Sendo a Ilha a terra do regresso e da esperança, são as memórias do seu tempo em África que o levam a auscultar, em Ofício Prestante, os caminhos imperfeitos, ainda que aliciantes, da pátria: a pátria que refere como “lágrima de Deus” e “ubérrimo ventre”. “Não tomes nas tuas mãos pálidas/o meu esplendor de ébano selvagem/O que digas perder-se-á nas brumas/de África/e assaz tardará o sol a aquecer-nos/Não tomes no peito o amor/antes que chegue o tempo maduro da vinha nas encostas” (MENDES, 2005, 78). José Alberto Reynolds Mendes morreu em Lisboa, em 2016. Outras distinções profissionais recebidas pelo Gen. José Alberto Reynolds Mendes: medalha das expedições das Forças Armadas Portuguesas – Macau, 1976-80; medalha de mérito militar de 2.ª Classe, 1979; medalha de prata de Serviços Distintos, 1985; medalha de ouro de comportamento exemplar, 1988; medalha de mérito militar de 1.ª classe, com distintivo branco do exército espanhol, 1991; medalha de mérito militar de Avis (cavaleiro, oficial, grande oficial), 1995; medalha de ouro de Serviços Distintos, 1998. Vários louvores individuais provenientes de entidades militares e Conselho de Governo da Madeira. Obras de José Alberto Reynolds Mendes: Gestação de Uma Nova Face (1970); “Guerra Assimétrica, Riscos Assimétricos” (2003); Gestação da Face e Outros Poemas (2005); Ofício Prestante (2006); Ilha-Mãe – Ilha-Pátria (2009).   Irene Lucília Andrade (atualizado a 01.02.2018)

História Militar Personalidades

heberden, thomas

Thomas Heberden (1703-1769) foi um médico e naturalista inglês, membro da Royal Society desde 1761. Viveu muitos anos nas ilhas Canárias e, posteriormente, mudou-se para a Madeira, onde exerceu medicina até à sua morte, em 1769. Irmão do eminente médico londrino William Heberden (1710-1801), Thomas foi um dos primeiros médicos a recomendar o Funchal como destino para as pessoas que sofriam de doenças pulmonares, tendo prestado importantes serviços durante a epidemia de sarampo que eclodiu na Ilha em 1751. Publicou numerosos artigos sobre a Madeira na Philosophical Transactions of the Royal Society entre 1751 e 1770, entre eles, as primeiras observações meteorológicas da Madeira, “Observations of the Weather in Madeira, A continuation of the account of the weather in Madeira”, com medições de pressão atmosférica e temperatura ao longo dos anos; um relatório pormenorizado sobre o terramoto acontecido na Ilha em 1761, “An account of the earthquake felt in the Island of Madeira, March 31, 1761”; e um artigo sobre o aumento da mortalidade dos habitantes da Madeira, “Of the increase and mortality of the inhabitants of the Island of Madeira”. Na Madeira, Heberden conheceu o naturalista e botânico inglês Joseph Banks, durante a primeira viagem do capitão James Cook a bordo do Endeavour, em 1768, e deu assistência a Banks e ao seu colega Daniel Solander, botânico suíço, na sua atividade de recolha de plantas na Ilha. Estas coleções botânicas foram depositadas no herbário do Museu de História Natural de Londres. Banks dedicou a Thomas um novo género de plantas, Heberdenia, pertencente à família Myrsinaceae. Estas plantas são endémicas à Laurisilva e conhecidas vulgarmente como aderno. Thomas Heberden morreu no Funchal, em 1769. Obras de Thomas Heberden: “Observations of the Weather in Madeira, A continuation of the account of the weather in Madeira” (1754); “An account of the earthquake felt in the Island of Madeira, March 31, 1761” (1761); “Of the increase and mortality of the inhabitants of the Island of Madeira” (1767).     Pamela Puppo (atualizado a 23.02.2018)

Biologia Terrestre Ciências da Saúde Personalidades

prostituição

Define-se como troca de favores sexuais por dinheiro. Sendo o Funchal uma cidade portuária, cedo se tornou visível a prática desta atividade na ilha da Madeira. “Junto ao mar” se alimentava o negócio, sobretudo à conta das embarcações de passagem que aportavam à baía, havendo registos de “molheres”, “mancebas” e “meretrizes” desde o séc. XV. Por outro lado, documentos oficiais permitem-nos verificar a importância desta atividade para o entorno do porto. Apenas alguns exemplos: a propósito das estimativas das receitas para a construção da cerca do Funchal, em 1493, foi determinado que “toda a molher de partido que for achada na ylha paguara trecentos reaes e pode valer por anno seys mil rs” (SILVA, 1995, 705). Por esse tempo, estariam contabilizadas cerca de 20 meretrizes no Funchal e, em 1495, numa representação à Câmara, pedia-se que a mancebia “fosse tirada junto do mar, porque os de fora saltavam com as mancebas, faziam arruído e se acolhiam aos batéis e a justiça não os prendia” (ABM, Vereações, n.º 1301, fl. 78). As vereações da Câmara Municipal do Funchal referem ainda o facto de “ali terem acontecido mortes de homens”, o que indicia alguma violência naquele meio. Das outras referências a “mancebia”, destaca-se o facto de os homens bons terem dedicado algum tempo, nestas reuniões, a procurar o melhor lugar para a instalação de uma mancebia, mercê feita por El-Rei a Martim Mendes. É então decidido, na vereação de 12 setembro de 1496, que “Martim Mendez de Vasconcelos ffaça mancebia em Valverde, na rua Direita”, e “que a dicta rrua sse tape da banda da rua e lhe faça as portas contra a rribeira e que ffaça as casas na dicta mancebia” (COSTA, 1995, 540). Por outro lado, há referência a algumas casas que agasalhavam os escravos e que também funcionavam como antros de prostituição, ou lugares de jogo, ou de “desonestidades”. Aliás, roubos, furtos, jogos ilícitos e prostituição faziam parte do quotidiano dos escravos forros. No foral da capitania do Funchal, datado de 6 de agosto de 1515, o Rei D. Manuel estabeleceu, com clareza, que todo aquele que fosse apanhado na “mancebia com armas, assim de dia como de noite, perdesse as armas e pegasse de pena 500 reis, e que todo o homem casado que se provasse ter mancebia ‘theuda e mantheuda’ pagasse a quarentena de metade da fazenda que tivesse” (SILVA e MENESES, 1984, III, 158). Giulio Landi, na sua Descritione de l’Isola di Madera (1530), associou-lhe três pragas – ratos, pulgas e meretrizes. A Ilha parece, então, por este tempo, estar conotada com falta de higiene e desregramento de costumes: Giulio Landi conta de uma velha cortesã ali existente e de relações escandalosas entre uma mulher branca e um escravo negro. Nas posturas da Câmara, aprovadas em meados do séc. XVI (por volta de 1550), fica estabelecido que “nenhuma mulher solteira que ganhar dinheiro por seu corpo publicamente não viva entre as casadas sob pena de quinhentos reis viverão nos lugares limitados convém a saber Beco detrás da cadeia a Rua que vai ao longo da Ribeira da ponte da cadeia até à travessa de Pero Gonçalves cavaleiro e no cabo do calhau na Rua do Monteiro e Rua adiante e nos becos de Joham Seraiva e de dom Joam”, o que indicia alguma preocupação em preservar as famílias do contacto com esta prática, delimitando os locais das “mancebias”, muitas vezes designando o lugar de residência ou de serviço das prostitutas (ABM, Posturas, liv. 1685, fls. 10-14). As mulheres que se dedicassem à prostituição incorriam num pecado de tal modo grave que o sacramento da confissão não o absolvia. A devassidão conduzia à excomunhão, conforme o texto das Constituições Synodaes do bispado do Funchal: “ainda que as mulheres públicas por seus maus costumes, e impenitentes corações se não hajam de absolver, são todavia obrigadas pelo dito tempo da Quaresma a confessar inteiramente todos seus pecados, dos quais os confessores as ouvirão, declarando-lhes que não vão absoltas, e admoestando-as que se apartem do estado de condenação em que estão, e se convertam ao Senhor e não cumprindo assim, incorrerão nas ditas penas postas aos não confessados” (BARRETO, 1585). A questão da luxúria voltará a colocar-se, ao longo dos séculos, de forma mais ou menos evidente. Rui Carita cita uma ordem do prelado diocesano, datada de 1725, segundo a qual todo aquele que se “entregava ao vício”, muitas vezes pela miséria – e incluem-se aqui outros grupos para além das “meretrizes” da cidade, i.e., os escravos e escravas (“pretos e pretas cativos”), assim como as amas dos expostos –, estava obrigado a pagar 1050$000 réis “de condenação, cada uma [cada mulher] pelo seu trato”. A queixa da Câmara contra esta ordem de D. Fr. Manuel Coutinho, também citada pelo já referido autor, acrescenta que, para poderem pagar tal condenação, “era-lhes forçoso fazerem mais ofensas a Deus, como muitas declararam no palácio episcopal ao escrivão da câmara” (CARITA, 1999, 250). Um alvará de setembro de 1726 mostra a preocupação do bispo relativamente à entrada de “mulheres suspeitas” na Ilha, ordenando ao meirinho geral, escrivão de armas ou qualquer outro oficial que notificasse da resolução todos os capitães e proprietários de embarcações, sob pena de excomunhão e 50 cruzados. As Constituições Synodaes do Bispado do Funchal preconizavam três admoestações para as mulheres que publicamente viviam mal. Se não se emendassem, a pena podia ir até ao desterro. Sabe-se que, ao longo do séc. XVIII, com a cidade do Funchal cada vez mais aberta ao mundo, a prostituição aumentou. Houve, então, algum cuidado na delimitação das ruas públicas, sempre muito concorridas, numa cidade muito frequentada por marinheiros. Não sendo a prostituição exclusiva da cidade, era, porém, na baixa que mais prostitutas se encontravam, sobretudo nas ruas “da área do calhau”. Nas vereações de novembro de 1725, era “determinado a todas as mulheres mundanas e públicas, que se achassem a morar no centro da cidade, pelo muito escândalo que dão a esta República”, que se deslocassem para “o Valverde”, um quarteirão acima da R. do Bom Jesus. Sabe-se, ainda, de “furtos e desonestidades” num “bequinho” entre o beco do Forno e a ribeira, denunciado pelo P.e Manuel Rodrigues Faleiro, cura da Sé, em 1707. Sabe-se, ainda, que no beco da Malta “assistem as mulheres públicas” e se praticam “atos torpes” (CARITA, 1999, 250). Rui Carita refere, ainda, situações de ações que, nomeadamente ao longo do séc. XVIII, nos indicam uma das formas de angariação de clientes. Afirma o autor que uma das formas de se intrometerem com os passantes era cuspirem-lhes em cima, sobretudo quando aqueles não lhes prestavam a atenção desejada. Apresenta, como exemplo, o caso de Domingos Caetano Pereira de Melo (1776), que, à custa do processo que resultou do facto de ter ferido algumas mulheres com a sua espada, teve de “se passar” para Lisboa e daí para Espanha. Para que pudesse regressar à Ilha, duas das queixosas, cujos nomes são omitidos, de forma a que “pelo nome não percam”, comprometeram-se a perdoar-lhe as ofensas corporais, mediante determinada quantia (Id., Ibid., 250). De registar a expressão “que pelo nome não percam”, usada para que os nomes não figurassem nos documentos oficiais, o que nos leva a colocar duas hipóteses: a vergonha e/ou a mancha de quem os escrevesse ou o facto de as ditas queixosas não serem identificadas como “meretrizes”, sendo elementos da sociedade. Está ainda documentada a atitude paternalista do Gov. João António de Sá Pereira (1767-1777): em abril de 1770, pede ao vigário Bentos Gomes de Jardim “a diligência de reduzir ao matrimónio” Isabel de Melim, natural do Porto Santo, mas a levar uma vida dissoluta no Funchal, adiantando, para o efeito, 40$000 réis. Igual procedimento tem relativamente a Josefa Joaquina Rosa de Almeida, que “levava uma escandalosa vida e depravado procedimento”, presa na cadeia do Funchal e transferida para Santana, “para sossego daqueles que lhe frequentam a comunicação”, dadas as “muitas visitas” que recebia. Ainda relativamente ao séc. XVIII, um documento de um processo decorrido no Tribunal Eclesiástico fornece uma das muito poucas informações sobre os preços praticados: assim, quando se acusa um frade foragido das Canárias de procurar prostitutas, menciona-se o montante de um tostão atirado à prostituta em pagamento dos serviços, enquanto, um pouco mais adiante, se refere o valor de cinco tostões prometidos a uma escrava, caso ela aceitasse manter relações com o dito frade. Estes dados permitem verificar que as quantias atribuídas ao pagamento do ato variavam substancialmente de acordo com o estatuto da destinatária (TRINDADE, 2012, 106). Mais para o fim do século, a atitude da Igreja madeirense parece alterar-se: D. José da Costa Torres, num documento avulso de 1796, propõe a angariação de fundos para construção de um recolhimento de prostitutas, um lugar “em que possam viver cristãmente fazendo penitência de seus pecados, e ocupando-se em trabalho honesto. […] uma boa obra, muito meritória e agradável a Deus” (Id., 1999, 203). Este bispo do Funchal (1784-1796) apela à Rainha, no sentido de mandar retirar da Madeira o Corr. António Rodrigues Veloso de Oliveira, sob vários pretextos, entre os quais a sua falta de esforços para reprimir a prática da prostituição na cidade do Funchal. Nas devassas de 1794, 1795 e 1813 são acusados 18 crimes de prostituição, todos cometidos por mulheres, sendo um outro pecado contra o 6.º mandamento, “não cometerás adultério”, a mancebia, praticado por 143 mulheres e 152 homens. Em 1813, duas devassas são claras quanto ao “grandíssimo número de públicas e escandalosas prostitutas” (Id., Ibid., 139). Uma outra questão surge ligada à prostituição: a colonização do Brasil. No princípio do séc. XVII, eram organizados embarques de pequenos grupos de jovens órfãs para casarem no Brasil e, deste modo, povoarem o espaço. Não sabemos, contudo, se havia jovens madeirenses nestas condições. Sabemos, apenas, que a Coroa terá apoiado um recolhimento para apoiar estas donzelas à chegada, evitando que a incerteza do futuro que as esperava as fizesse cair na indigência e na prostituição. O assunto “Brasil” volta a ser tratado no séc. XIX, num momento difícil, “uma crise medonha”, numa reunião da Junta Geral do Distrito, no dia 4 de maio de 1854, pela voz de António Gil Gomes. Nesta “malfadada terra sem governo que lhe dê vida”, onde se verificam “cenas dolorosas e de amarguras por que têm passado os Madeirenses, que desconsolados gemem no seu drama de agonia desde a fatal época de 1852”, apresenta algumas propostas no sentido da “salvação comum […] a salvação desta bela porção do território português, à qual estamos presos pelos vínculos mais sagrados”. A primeira proposta é de carácter moral e reporta-se ao tráfico da escravatura branca, “esse tráfico de sangue”. O deputado acusa a “vergonha das vergonhas” da emigração ilegal e refere-se especificamente a mulheres e ao Brasil, assim: “que trafica escandalosamente com as mulheres, convertidas em objetos comerciáveis, fazendo das cidades uns lupanares de abominável devassidão, como nós temos presenciado no nosso Funchal que deve ser limpo desta praga, e como temos notícia de estar acontecendo no Brasil onde a beleza da mulher imigrante é posta em hasta pública, para fins de brutal sensualidade!” (ABM, Governo Civil, liv. 269, fls. 98-101v.). Na verdade, e mesmo durante o séc. XX, sobretudo no princípio, a emigração clandestina foi um dos motores da prostituição de madeirenses no Brasil. Uma monografia sobre gentes de Gaula que embarcaram para a terra prometida indica-nos casos de moças que, para pagarem a passagem, se fizeram criadas de servir, e que sobreviveram graças à prostituição exercida nas baiucas e pensões da cidade de Santos (FREITAS, 2000, 248). Outros documentos, assim como notícias de jornal, dão conta de casos de prostituição em terras de acolhimento de emigração. É o caso de uma nota publicada no Diário de Notícias de 30 de julho de 1889, referente à colónia portuguesa das ilhas Sandwich, em que se transcreve o Luso Hawaiano, jornal que se publicava em Honolulu, que apresentava a “decadência moral” da comunidade, a perda de todas as noções de moralidade e o lançamento na prostituição das filhas pelos pais. Na Ilha, ao longo do tempo, continuou a ser à volta do porto que a prostituição se operava com maior relevância, sobretudo nas alturas de crise económica. Dizia-se que, na Madeira, havia gente a morrer de fome. Em 1847, muitos mendigos da cidade foram recolhidos, à força, num armazém da Fazenda Nacional, sito à R. dos Medinas, para onde também tinham sido afastadas as prostitutas por ordem da Câmara, de 1838. Sabe-se, porém, dos poucos resultados deste afastamento, na medida em que há registos de que elas continuaram a escandalizar as boas famílias, nomeadamente no teatro, que estavam proibidas de frequentar. Vários autores, efetivamente, relacionam o aumento do número de meretrizes com os momentos mais dramáticos da história do arquipélago: as primeiras décadas do séc. XVIII, quase todo o séc. XIX e os primeiros decénios do séc. XX. Por outro lado, e para além da necessidade de sobrevivência – um dos grandes móbiles da prostituição –, às crises económicas costumam juntar-se outras, nomeadamente de ordem moral e social, bem patentes na quantidade de expostos nas misericórdias e conventos e no engrossar das fileiras de mendigos e prostitutas. De acordo com António Loja, citado por Rui Nepomuceno, “as instituições ruem”, referindo-se ao momento da crise vitivinícola, o mesmo acontecendo em outros momentos. Essa é também a interpretação de Rui Nepomuceno, que associa falências, despedimentos, assaltos, furtos, violência ao aumento do número de prostitutas na Ilha (NEPOMUCENO, 1994, 209). Nas Pastorais do bispo Manuel Agostinho Barreto, prelado do Funchal entre 1877 e 1911, é clara a preocupação com este problema. Aí se critica o “vício que emurchece a flor da vida, arrancando a pudicícia da alma e o verniz das faces” e se afirma serem poucos aqueles que “estigmatizam a escandalosa e pública prostituição, os fundos golpes dados na moral dos esposos e dos filhos, a purulenta relaxação dos costumes” (BARRETO, 558). Depois da aluvião de 1856, as meretrizes começaram a estabelecer-se em ruas que, dantes, pertenciam a famílias ilustres da cidade, ou, mesmo, à Escola Lancastriana – as ruas do Ribeirinho de Baixo e dos Medinas. As crianças são, neste tempo, uma preocupação: “Acossados pela necessidade e dificuldade da existência, os proletários impelem os filhos para a rua muito antes que estes estejam preparados para o conflito da vida; e o resultado é a vagabundagem, a mendicidade e a prostituição em uma proporção assombrosa e deplorável” – pode ler-se no Diário de Notícias de 17 de agosto de 1889, sob o título “Protecção e educação ás creanças”, tema desenvolvido na rubrica “Assuntos gerais” (“Protecção e educação ás creanças”, DN, 17 ago. 1889, 1). O mesmo diário, datado de 5 de janeiro de 1896, num artigo sobre “Hygiene publica”, dirigido ao visconde de Cacongo, e a propósito da necessidade de melhorar as ruas da cidade, refere alguns dos “vícios sociais e físicos” da “população infeliz” do Funchal: “o crime da embriaguez, a prostituição, a escrófula e o raquitismo” (“Hygiene publica”, DN, 5 jan. 1896, 1). A questão sanitária é um dos aspetos que, desde o séc. XVI, preocupa as autoridades civis e religiosas. O contágio e a propagação de doenças como a sífilis tornam-se, desta forma, um problema de saúde pública. Parece, assim, que esta preocupação é a verdadeira razão pela qual surge, pela mão de Pina Manique, em Lisboa, a 27 de abril de 1781, a obrigatoriedade da inspeção das meretrizes. Na Madeira, porém, apesar das recomendações de Mouzinho de Albuquerque, em 1843, e do Cons. José Silvestre Ribeiro, em 1846, só em 1854 estas mulheres estão obrigadas a vigilância médica. A preocupação com as doenças sexualmente transmissíveis foi, deste modo, uma constante, conforme se pode inferir das informações seguintes: a 5 de novembro de 1834, a Câmara terá recebido da parte do prefeito da província a decisão de pagar ao Hospital da Misericórdia o tratamento das mulheres públicas entre 21 de outubro e 4 de novembro daquele ano; em 1836, no dia 8 de março, o Governo mandou entregar 1:000$000 réis à Comissão da Misericórdia do Funchal, para ajudar o curativo das meretrizes afetadas por doenças venéreas, assim como os pobres que as tivessem apanhado, sugerindo mesmo que a referida Comissão se socorresse de subscrições para angariar os meios que fossem necessários para evitar a propagação das doenças (ABM, Governo Civil, liv. 1, 2.ª repartição). Em Lisboa, são produzidos regulamentos, em 1858 e 1865, que servirão de modelo a outras cidades do país. Esta regulamentação parece indiciar uma relativa compreensão pública pelas razões que teriam levado muitas mulheres à prostituição – sempre entendida como uma atividade feminina. O discurso legislativo, “tolerante”, reúne preceitos morais, preocupações sanitárias e um esforço de regular a atividade. É assim que, desde meados do séc. XIX, a prostituição, reconhecida como profissão, é permitida em casas “toleradas” – casas autorizadas pelo Estado, sujeitas a periódicas inspeções sanitárias. No entanto, há vozes que se levantam, não propriamente contra a regulamentação desta atividade, mas contra o imposto do consumo: nesse Estudo Offerecido à Comissão do Protesto Nacional na Reunião Popular Realisada em 9 de Outubro de 1906, fala-se na (falta de) lógica da moral oficial que consente, regula e tributa a prostituição, um “vício, e dos mais perigosos”, explicando o autor que o Estado considera esta prática um mal necessário, impossível de erradicar (LIGA DE DEFESA DOS INTERESSES PÚBLICOS, 1906, 18). Na Madeira, a 13 de fevereiro de 1908, o Diário de Notícias anuncia um crime de morte perpetrado contra M.ª Virgínia dos Passos, “mulher de fáceis costumes”, procurada na sua residência por mais de um homem. O teor da notícia lança algumas pistas sobre um dos motivos pelos quais algumas mulheres enveredavam pelo caminho da prostituição: “Dado o primeiro passo errado, a desgraçada não teve mão em si, deixando-se arrastar no caminho vicioso e desregrado que a levou à prostituição e à morte”. Consta que terá tido um filho, “fruto dos amores ilícitos da mísera, e que ela enjeitou para a freguesia da Ribeira Brava” (DN, 13 fev. 1908, 2). Vivia na mais completa miséria. Em 1900, o Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade de Lisboa segue o Regulamento de 1865 e inicia uma série de outros regulamentos para outras cidades do país. Conhece-se a referência a um para a cidade do Funchal, datado de 22 de março de 1886, que há de ser revogado por um novo, também específico, assinado pelo governador civil, o Cor. José Maria de Freitas, em 1931, e confirmado a 1 de julho de 1944. Este Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade do Funchal está dividido em 7 capítulos e 76 artigos: “Toleradas”, “Registo”, “Cancelamento”, “Casas de tolerância”, “Inspeções sanitárias”, “Disposições penais” e “Disposições gerais”. O texto começa por definir o que são meretrizes: todas as mulheres que habitualmente e como modo de vida se entregam à prostituição. De entre estas, havia aquelas que se achavam inscritas no registo policial, denominadas toleradas, podendo viver em domicílio próprio ou em comum com outras, sob direção de uma “dona da casa”. Estas “casas” não poderiam ficar situadas nas proximidades das igrejas, das escolas, dos jardins públicos, das residências das “pessoas honestas”, nos largos, praças ou ruas de muito trânsito ou, ainda, em rés do chão ou lojas. Entre outras restrições, como ausentar-se de casa por determinados períodos ou mudar de casa sem informar o comissariado de polícia, estavam proibidas de sair à rua vestidas de forma indecente, abrir janelas para a rua, permanecer à porta ou à janela de casa, escandalizar o público com palavras, gestos, ou atos e provocar quem passasse, atentando ao pudor, demorar-se para além do tempo necessário nas tabernas, botequins ou em quaisquer outros estabelecimentos. O artigo 10.º deste regulamento reporta-se à interdição de ter, em casa, filhos ou menores com mais de dois anos, assim como de receber menores de 18 anos. Muitas vezes, quando isto acontecia, havia denúncia e eram instaurados processos às “diretoras das casas”. No arquivo do Tribunal da Comarca do Funchal, um processo de 17 de outubro de 1925 dá conta, ao presidente do Tribunal da Tutoria da Infância da Comarca do Funchal, de um caso destes, em que, nos termos do § 4 do art. 4.º e do art. 12.º do dec. n.º 10.767, de 15 de maio, se prova que a menor de 14 anos, Antonieta Corrêa, filha de Sara Correa, moradora à rua Alferes Veiga Pestana, n.º 49, frequenta a casa de passe de que é diretora Filomena de Freitas, de 65 anos, viúva, sita à rua Latino Coelho, n.º 4 desta cidade, levada por Maria das Neves, mais conhecida por “barbuda”. A participação foi feita por uma concorrente, Amélia Augusta, que acusou Filomena de Freitas de consentir a entrada, na mesma casa, de menores de 16 anos. Um outro processo dá-nos conta de uma denúncia similar. Da análise destes processos se infere o nível socioeconómico destas meretrizes, a avaliar pelo das diretoras. São analfabetas, pelo que são as testemunhas presentes no Tribunal que assinam as declarações e as duas têm, apensos aos processos, atestados dos regedores das suas paróquias de residência, afirmando a sua extrema pobreza, isentando-as de pagar os 200 escudos de multa a que foram condenadas, por se terem provado os factos. As toleradas estavam impedidas de exercer a prostituição em hospedarias, lugares públicos ou em casas clandestinas, não obstante termos encontrado, na Matrícula das Meretrizes, observações como: “Hotel Benfica”, “pensão Moderna” ou “foi viver para casa particular, sob proteção de um indivíduo”. Percebe-se, pois, que a grande preocupação deste controlo apertado era a transmissão de “moléstia sifilítica, ou venérea” (art. 14.º). As meretrizes eram, então, inscritas num livro do comissariado da polícia, voluntária ou coercivamente, depois de realizado um interrogatório acerca da sua identidade – nome, filiação, naturalidade, estado, profissão anterior, instrução, sinais característicos, causas da prática da prostituição, devendo estes dados ser assinados pela própria ou por duas testemunhas, no caso de esta não saber escrever. No entanto, vistos os livros, não encontramos qualquer referência à profissão anterior ou às causas que terão levado estas raparigas para a prostituição. Quanto à instrução, na linha das “Observações”, há, a lápis, a inscrição “analfabeta”. Nenhuma das meretrizes assina a sua matrícula, sendo todos os verbetes assinados pelo comissário da polícia. Fora desta inscrição, deveriam ficar as menores de 18 ou de 21 anos, quando reclamadas pelos pais, maridos ou tutores. Por este regulamento se sabe da existência de casas de regeneração, entendidas como lugares onde são internadas as menores de 21 anos de nacionalidade portuguesa. Um processo judicial datado de 1935 dá conta de um caso destes: uma menor de 17 anos confessou frequentar casas suspeitas “a fim de ter relações com homens para ganhar a sua vida”. Na sentença pode ler-se que, “de acordo com o art. 7.º foi aconselhada a procurar vida honesta e prometendo a mesma deixar de ser prostituta e ir viver para casa de sua mãe e que se voltasse ao exercício da prostituição seria julgada como desobediente e mandou que a mesma fosse posta em liberdade” (ABM, Juízo de Direito da Comarca do Funchal, Autos Crime de Corpo de Delicto, 1935, 1.ª vara, 1.ª secção). No livro das meretrizes, encontramos, entre 1914 e 1924, 21 mulheres com idades inferiores a 18 anos. Não conseguimos apurar a razão pela qual puderam ser matriculadas com idade inferior à que a lei preconizava. Quanto às estrangeiras, deveriam ser repatriadas e, caso regressassem e continuassem a atividade, deviam ser presas e julgadas como desobedientes. A verdade, porém, é que se encontram muitas estrangeiras nas listas de meretrizes que residem nas casas toleradas, sobretudo espanholas e francesas que nos parecem ser “cabeças de cartaz” das casas. São, muitas vezes, governantes e têm, na generalidade, idades superiores às portuguesas. Um olhar sobre as fotografias que alguns livros ainda possuem, apesar de muitos retratos terem desaparecido, sido descolados ou cortados – situação para a qual não encontramos explicação –, permite-nos também perceber que se trata de mulheres com um outro tratamento e com uma forma de vestir mais cuidada e, quiçá, mais arrojada: decotes maiores, plumas e adereços diferentes das portuguesas. Num universo de 792 inscritas, 73 são estrangeiras, sobretudo espanholas, 43, e francesas, 19. Esta inscrição era gratuita, assim como um livrete sanitário atestando o bom estado de saúde da tolerada. Um dado deste regulamento faz-nos acreditar que, em alguns casos, a situação destas mulheres podia ser alterada e os registos cancelados ou suspensos: em caso de casamento, de ausência do país, de reclamação por parte de algum parente, de menoridade, de prova do abandono da prostituição, de mudança de residência ou de passagem a “teúda e manteúda”, quando se tornavam exclusivas de um determinado homem, réplicas das verdadeiras esposas, muitas vezes com o conhecimento das mesmas, a quem era montada casa e de quem tinham filhos. Já há indicações desta situação nas devassas das visitações, nomeadamente a que foi feita à freguesia de Santa Maria Maior, em 1813 (ABM, Arquivo do Paço Episcopal do Funchal, Devassa…, 1813). Qualquer destas situações era suscetível de ser alterada e, se a mulher recaísse na prostituição, seria reinscrita, coercivamente, sem mais formalidades. Um outro aspeto destas regras diz respeito às casas de tolerância, divididas, por lei, em três: casas sob a direção de uma dona da casa; casas em que as toleradas viviam em comum; casas de passe, onde as toleradas iam exercer a prostituição. Essas casas podiam ser sujeitas a inspeções frequentes, de forma a verificar as condições higiénicas, “a mobília e os utensílios indispensáveis ao bom regime e asseio” (Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade do Funchal, art. 22.º). Nessas casas, estava proibida a venda de bebidas alcoólicas. Entre 1888 e 1937, há registo, nos livros da Polícia, de 56 casas toleradas, com alvará, com o número de meretrizes que as dão como residência, fora outras casas, de menor dimensão, que têm o nome da dona da casa. Note-se que as casas mais importantes tinham nomes, sendo assim identificadas nos livros de registo: Casa da Varanda, Casa dos Envergonhados, Casa Nova, Casa Americana, Casa Encarnada, Palácio de Cristal, Casa do Cevada (ABM, Polícia de Segurança Pública, Registo de Alvarás de Casas Toleradas, liv. 47). As infrações eram punidas com multas pecuniárias que iam desde 10$00 a 100$00, podendo mesmo ir até à cassação das licenças e dos alvarás de funcionamento das casas. Para as casas de tolerância abertas sem as respetivas licenças, a multa ascendia aos 300$00. As casas eram dirigidas por uma governante que, em muitos casos, ia mudando de casa, o mesmo acontecendo com a maioria das mulheres que, geralmente, não permaneciam muitos meses no mesmo lugar. As “donas de casa”, ou “diretoras”, como aparece nos processos do tribunal, tinham a obrigação de zelar pela segurança das “suas toleradas”, não podendo explorá-las com empréstimos de dinheiro a juros ou com contratos que, de algum modo, as prejudicassem; não permitindo o acesso a “estranhas” ao serviço da casa ou de indivíduos alcoolizados; e visavam ainda o respeito pelos restantes habitantes da rua. Por isso, ficavam obrigadas a não consentir em jogos, danças, canto, toques de qualquer instrumento ou qualquer divertimento suscetível de produzir ruído, a não permitir o acesso a menores de 18 anos, de ambos os sexos, sob qualquer pretexto. Um dado interessante é relativo ao facto de ter de ser comunicada à polícia a tomada de criadas da parte das “donas” das casas: estas tinham de estar devidamente identificadas e não podiam ter menos de 45 anos de idade (Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade do Funchal, art. 61.º). O estabelecimento dos preços era, também, objeto de regulação, quer por parte do aluguer dos quartos das toleradas, quer dos serviços prestados, havendo, para o efeito, “em cada quarto uma tabela bem visível com os preços por visita ou dormida, sobre os quais não poderá ser exigida maior importância” (Ibid., art. 35.º). Todas as toleradas eram sujeitas a inspeções médicas. Uma ficha com fotografia ficava arquivada no dispensário, em dia, sendo nelas anotadas as informações relativas à saúde destas mulheres: baixas ao hospital, tratamentos, análises, etc. Eram obrigatórias e gratuitas, ficando apenas dispensadas as toleradas grávidas de sete ou mais meses, as convalescentes de doenças não contagiosas, as criadas e as donas das casas de tolerância que já tivessem completado 45 anos de idade. Podiam, ainda, ser solicitadas inspeções ao domicílio, custando, em 1944, 50$00 por cada mês de visitas, e 5$00 por cada visita do médico a casa, em caso de doença. Há informação de um dispensário ou posto médico, situado na R. Júlio da Silva Carvalho, que, no mesmo documento – um processo do Tribunal Judicial do Funchal (n.º 638/1935) –, aparece localizado na R. do Carmo. De referir que uma das testemunhas deste processo de agressão de uma tolerada, “pensionista do chamado Palácio de Cristal, à Rua dos Medinas”, a uma outra, tolerada também, era um criado do posto médico onde se deu a agressão, “por ocasião da Inspeção Sanitária feita semanalmente às meretrizes” (Tribunal Judicial do Funchal, proc. n.º 638/1935). Do registo policial, percebemos que a algumas meretrizes era concedida a possibilidade de serem revistadas no seu domicílio, pagando, para isso, 11$25, em selos constantes da respetiva folha. Quando grávidas, ficavam isentas de “revista” e os filhos eram entregues à ama geral dos expostos, que os dava a criar, conforme deliberação da Câmara; e.g., em sessão de 2 de julho de 1896, a filha da meretriz Maria Lasly, nascida a 23 de junho de 1896, “foi dada a uma ama para criação”, sendo este apenas um dos casos referidos (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações, n.º 1385). Uma multa de valor semelhante, acrescida de pena de prisão, acontecia quando qualquer mulher “não prostituída” ia para uma casa de tolerância “com falsas promessas de ser empregada noutro mister”. Nestes casos, a mulher era enviada à terra da sua origem e quem a recebera ou, de alguma maneira, tivesse sido responsável por tal facto, pagaria as despesas, a multa e a pena de prisão estabelecida pelo Código Penal, sendo, para esse fim, remetida ao juiz competente. O mesmo acontecia a qualquer indivíduo que procurasse lançar “no caminho da prostituição, qualquer mulher por coisas independentes da sua vontade, ou ainda por outra circunstância” (Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade do Funchal, art.º 61.º). Estas multas eram enviadas ao Governo Civil do Distrito. Por outro lado, os indivíduos – homens ou mulheres – que auferiam lucros da prostituição eram julgados como vadios e entregues ao Governo. As casas de prostituição estariam concentradas na zona urbana – no Funchal, portanto. Por outro lado, os números oficiais das prostitutas registadas não representariam a totalidade do conjunto. Um estudo da época apresentou uma estimativa de 5276 prostitutas e 485 casas situadas sobretudo em Lisboa, no Porto, em Coimbra e em Évora. No caso da Madeira, e tendo apenas os dados constantes da Matrícula das Meretrizes da Polícia de Segurança Pública, sabemos que, entre 1914 e 1931, foram matriculadas cerca de 760 mulheres, provenientes de várias freguesias da ilha da Madeira, mas sobretudo de Portugal continental, faltando, assim, livros respeitantes aos outros anos, não nos permitindo uma contabilização mais apurada. No dito regulamento, há algumas ruas indicadas como “lugares exclusivamente habitados por toleradas”: R. dos Medinas – quase todas as casas –, Trav. da Malta, R. do Monteiro, Trav. João d’Oliveira, R. do Ribeirinho de Baixo, R. do Anadia, R. da Figueira Preta, tendo, de acordo com estudo de Abel Marques Caldeira, algumas dessas artérias desaparecido, por efeito da urbanização (CALDEIRA, 1964, 35). As casas toleradas detinham um alvará, havendo delas registo em alguns livros da Polícia. Dos dados disponíveis, registamos, entre 1918 e 1936, 226 licenças para casas toleradas. Em pleno Estado Novo, houve, então, a necessidade de ordenar, sistematizar e funcionalizar uma atividade com que era necessário conviver, pelo que regressou, ao menos em termos oficiais, o discurso moralista e higienista de Oitocentos. Por outro lado, os pagamentos de licenças, multas e inspeções sanitárias eram mais uma contribuição para o erário público. Isto depois de, nos anos 20, alguns sectores político-sociais se erguerem contra aquilo que consideravam ser a dissolução dos costumes, associando o jogo, a prostituição e o crime. Em 1949, uma lei sobre a propagação das doenças infetocontagiosas (lei n.º 2036, de 9 de agosto) veio impor restrições à prostituição, fechando as casas que podiam ser um perigo para saúde pública e proibindo a abertura de novas casas de prostituição, o que apenas veio contribuir para o aumento da prostituição clandestina. Até 1963, a prostituição era, deste modo, regulamentada, e incluía consultas e exames médicos às prostitutas. Foi a lei n.º 44.579, de 19 de setembro de 1962, que tornou ilegal a prostituição a partir de 1 de janeiro, tendo sido encerrados os bordéis e outros lugares similares. No entanto, a lei teve pouco efeito prático e, no novo Código Penal de 1983, foi parcialmente alterada. O art. 6.º do dec.-lei n.º 400/82, de 29 de agosto, que revogou o art. 1.º do dec.-lei n.º 44.580, fez desaparecer a criminalização das prostitutas. De acordo com a revisão de 2005 da legislação europeia, Portugal foi considerado abolicionista, no sentido em que não apresenta proibição ou regulamentação nesta área, quer para a atividade particular quer para a pública, apesar de existirem restrições alfandegárias controladas pela Polícia: há zonas onde a atividade não pode ser exercida e restrições relativamente aos locais onde a prostituição pode ocorrer, não podendo nenhuma casa ser arrendada para negócio de prostituição, incorrendo os seus proprietários no crime de lenocínio (art. 169.º do Código Penal). A prostituição individual feminina (a masculina só foi reconhecida muito mais tarde) era permitida, apesar de se proibir a sua exploração. Era possível acusar as prostitutas de ofensas à moral e à decência públicas, o que raramente acontecia, e o cumprimento da lei estava na mão das autoridades locais. Geralmente em Portugal, tal como noutros países onde a atividade sexual das mulheres antes do casamento não era bem vista, sobretudo antes dos anos 70, era prática comum os rapazes, muitas vezes acompanhados pelo pai, iniciarem a sua vida sexual com uma prostituta, “evitando que os jovens rapazes caíssem em fantasias e experiências homossexuais entendidas como perversas, viciosas e doentias”, como explicou Isabel Freire (FREIRE, 2013, 57). Nos anos 60, um caso veio abalar a sociedade madeirense. O “caso Sandra”, ainda no resguardo da lei, ficou conhecido como o “ballet rose” do Funchal, envolvendo, segundo testemunhos de indivíduos ligados ao Tribunal Judicial do Funchal, gente da alta sociedade funchalense. Depois de 1974, com a liberalização dos costumes, encontramos referências a prostituição em algumas ruas do Funchal, nomeadamente em prédios abandonados e devolutos: é o caso de uma denúncia na última página do Diário de Notícias do dia 5 de outubro, sob o título “Rua do Sabão: prostituição ao ar livre!”. O que esta notícia nos traz de novo é o facto de (d)escrever o modo de angariar os clientes: “Frente à desembocadura da Rua dos Murças, no esqueleto dum prédio incendiado e seus anexos (sem tapume) recebem os seus clientes, angariados normalmente por menores (rapazitos a quem oferecem uma comissão sobre a receita angariada)”. Por outro lado, descreve a falta de condições e higiene verificada “nos covis imundos de lixo desse prédio derrubado, onde fazem ‘o leito do amor’ com palha e cartões de caixas que antes embalaram mercadorias que não o seu corpo”. Em 1995, 1998 e 2001, a lei foi alterada, de forma a abranger a prostituição infantil e o tráfico humano. O mês de março de 1998 traz a lume uma série de informações sobre pedofilia na Madeira: estudos, denúncias, ligações a redes pedófilas estrangeiras; questões sociais; envolvimentos de personalidades da Ilha. Por entre as páginas de jornais, alguns relatos permitem localizar em Câmara de Lobos a origem de grande parte das crianças que se prostituem no Funchal, muitas com idade inferior a 12 anos e com conhecimento dos pais. As causas apresentadas ligam-se, sobretudo, a fatores de ordem socioeconómica: famílias numerosas, má gestão do orçamento familiar, consumismo excessivo, falta de valores. Dos locais assinalados para a prática ou o aliciamento dos jovens, destacam-se: o Funchal, algumas artérias e jardins da cidade, Câmara de Lobos, o bairro da Nogueira, na Camacha, e o Caniçal. Encontraram-se referências a boîtes ou casas de alterne, que o tempo foi fechando: o Fugitivo, o Campolide, o Royal, o Mambo, o Executive Club. Explica Lília Bernardes, num artigo sobre as noites da Madeira, que a realidade da prostituição tem novos contornos: “Faz-se em apartamentos com contactos por telemóvel. Mas a rede está montada” (BERNARDES, DN, 19 ago. 2009). Faz-se com madeirenses e com gente do mundo inteiro. A atividade é, ainda, exercida em diversos lugares da cidade: em determinadas ruas e praças, em casas de massagens e bares, em discotecas, residenciais e pensões que, de forma mais ou menos discreta, servem de bordéis. Em 2013, a resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 24/2013/M (publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, 1.ª sér., n.º 176, de 17 de dezembro de 2013) vem deliberar sobre a prostituição e a abolição da escravatura do séc. XXI, no seguimento do 63.º aniversário da Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração de Outrem (1949). Num dos considerandos, afirma-se com clareza que “em Portugal, e, em especial, na Região Autónoma da Madeira, a prostituição é um fenómeno de dimensão nacional e transnacional que vitimiza, por forma dramática, muitas mulheres e crianças, havendo múltiplas redes de tráfico atuando no território nacional”. Sendo manifestamente reconhecido que as principais causas da prostituição são a pobreza e a discriminação social das mulheres e das crianças, mais vulneráveis, deliberou-se a tomada de medidas de apoio às prostitutas e às vítimas de tráfico para efeitos de exploração sexual, nomeadamente linhas de atendimento, criação de redes de apoio e abrigo, adoção de estratégias de integração social das vítimas de prostituição.   Graça Alves (atualizado a 15.02.2018)

História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social

avifauna

As aves são animais vertebrados com o corpo coberto de penas; possuem bico e membros anteriores transformados em asas. Tem sido grande o interesse manifestado por numerosos naturalistas e investigadores pela avifauna do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens. No entanto, tendo em conta esse facto, a bibliografia existente tem ficado um pouco aquém do esperado. Na realidade, faltam estudos de ecologia, de sistemática e de outros aspetos biológicos. As primeiras referências às aves da Madeira são de Ca’ da Mosto (1455) e de Frutuoso (1590), às quais se acrescentam, bastantes anos mais tarde, as de Sloane (1707), em que são apresentadas pequenas listas de aves observadas. Em 1851, surge a primeira lista, propriamente dita, de aves do arquipélago da Madeira, elaborada por Harcourt. Do séc. XIX, há ainda a referir o trabalho de Hartwig, “Die Voegel der Madeira Inselgruppe” (1891). Na transição do séc. XIX para o séc. XX, surgem vários trabalhos do P.e Ernesto Schmitz, provavelmente um dos estudiosos que mais contribuiu para o conhecimento da avifauna madeirense (Zoólogos e Naturalistas Zoólogos). Já em pleno séc. XX, foram vários os trabalhos publicados, entre os quais se destaca o livro, em quatro volumes, escrito por David Bannerman e Winifred Mary Bannerman, intitulado Birds of the Atlantic Islands; esta obra, dedicada à avifauna da Macaronésia, aborda as aves das ilhas Selvagens no primeiro volume (do ano de 1963 e da autoria de David Bannerman apenas) e as aves das ilhas da Madeira, Desertas e do Porto Santo no segundo volume (do ano de 1965); ultrapassa, de longe, em termos de conteúdo, os trabalhos anteriores, que consistiam essencialmente em listas de aves e em referências a locais de observação; nela, além da listagem das espécies nidificantes e visitantes ocasionais, são incluídos aspetos relevantes referentes à distribuição, à taxonomia e à ecologia. Após este trabalho de referência, aumentou o número de publicações sobre aves (e de autores nesta área), os quais abordam vários aspetos da biologia, do comportamento, da distribuição, da taxonomia e da conservação das aves no arquipélago da Madeira (e.g., o Guia de Campo das Aves do Parque Ecológico do Funchal e do Arquipélago da Madeira, publicado em 1997 pela Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, da autoria de Duarte Câmara, e A Conservação e Gestão das Aves do Arquipélago da Madeira, publicado pelo Parque Natural da Madeira (PNM) em 1999, da autoria de Paulo Oliveira). Vários outros trabalhos foram publicados na segunda metade do séc. XX e nos inícios do séc. XXI (v.g., o artigo “Birds of the Archipelago of Madeira and the Selvagens. New Records and Checklist”, publicado por Francis Zino, Manuel Biscoito e Paul Alexander Zino e pelos seus colaboradores, em 1995, que veio atualizar a lista das aves nidificantes de Bernstrom, de 1957). Esta lista, por sua vez, é atualizada, em 2010, num trabalho de Hugo Romano, Catarina Correia-Fagundes, Francis Zino e Manuel Biscoito. Importante é também o livro Aves do Arquipélago da Madeira, de Manuel Biscoito e Francis Zino, publicado em 2002. The EBCC Atlas of European Breeding Birds (Atlas das Aves Nidificantes na Europa), publicado em 1997 pelo European Bird Census Council, referia as aves dos arquipélagos da Madeira e Selvagens. Em 2011, o ornitólogo Garcia-del-Rey publicou o livro Field Guide to the Birds of Macaronesia. Azores, Madeira, Canary Islands, Cape Verde, relevante para o conhecimento e a divulgação da avifauna macaronésica. Outro livro a referir é o da autoria de Tony Clarke, intitulado Birds of the Atlantic Islands, publicado em 2006. Existe uma página na Internet, Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, que é mantida pelo Serviço do PNM e pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves. O número de espécies de aves nidificantes nos arquipélagos da Madeira e Selvagens ronda as quatro dezenas, mas, se considerarmos as espécies migradoras e as ocasionais, o número ultrapassa as 300 espécies. Destacam-se quatro espécies pelo seu carácter endémico: Pterodroma madeira, Pterodroma deserta, Columba trocaz e Regulus madeirensis. As aves marinhas são, nalguns casos, difíceis de observar junto à costa durante o dia. Geralmente, aproximam-se da costa ao anoitecer e durante a nidificação, sendo que pelo menos um dos progenitores está escondido no ninho durante este período. Durante a sua evolução, estas aves escolheram ilhas como locais de nidificação por não existirem predadores nelas. Com a chegada do Homem a muitas destas ilhas, chegaram também com ele vários predadores, entre os quais se destacam as ratazanas e os murganhos. Desde então, são inúmeras as espécies e populações de aves marinhas que enfrentam o perigo de extinção. As aves marinhas mais comuns nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens são: Freira-da-madeira (Pterodroma madeira (Mathews, 1934)), também conhecida como alma-penada do-cidrão, devido aos sons que emite, semelhantes a uivos, inclui-se na família Procellariidae, ordem Procellariiformes. É muito parecida com a freira-do-bugio e com o gongon das ilhas de Cabo Verde. É uma ave endémica da ilha da Madeira e encontra-se em perigo de extinção. Já o P.e Ernesto Schmitz referia a sua presença na Ilha em 1903; no entanto, posteriormente, e durante muito tempo, foi dada como extinta, sendo “redescoberta” em meados do séc. XX. Vários aspetos da sua biologia são ainda pouco conhecidos. Com um comprimento total entre 32 e 34 cm e envergadura entre 80 e 86 cm, é mais pequena, mais leve, e possui bico e asas menores do que a freira-do-bugio. É uma ave com bico curto, grosso e escuro. É cinzento-escura no dorso e mais clara na fronte. Em voo, nota-se que a região ventral é clara e os bordos da cauda são escuros. A cauda é clara. As asas formam um V pronunciado e a parte inferior e interna das asas é escura. Isto diferencia-a de outras aves, exceto da freira-do-bugio (Pterodroma deserta). Nidifica essencialmente no maciço montanhoso central da Madeira, uma zona de proteção especial (ZPE) integrada na Rede Natura 2000. Chega a esta zona normalmente em fevereiro ou março; entre março e abril, limpa o ninho, volta em seguida ao mar, e só depois retorna para fazer a postura – este fenómeno é designado por êxodo pré-postura. Um único ovo é posto em maio, em túneis geralmente não retilíneos com mais de 1 m de comprimento, construídos em solo fofo nas encostas escarpadas dos picos mais altos. Nesta espécie, os machos e as fêmeas alternam na incubação. Deixa o ninho em setembro ou outubro. As crias nascidas nesse ano só atingem a maturidade ao fim de seis anos. O efetivo é muito baixo – 60 a 75 casais reprodutores (de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira) –, tendo eventualmente ocorrido alguma redução do mesmo aquando dos incêndios de 2012. É uma das aves mais ameaçadas de extinção, tendo o estatuto de conservação “em perigo” (nos termos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), de setembro de 2012). Têm sido realizados vários esforços com vista à proteção da ave – Alexander Zino e João Gouveia, juntamente com Gunther Maul e Francis Zino, deram os primeiros passos neste sentido com o Freira Conservation Project. Programas LIFE e outros projetos têm decorrido e envolvido a recuperação do habitat, a eliminação de vertebrados exóticos (gatos, ratos, coelhos) e a compra de terrenos nos picos mais altos. As principais ameaças à sobrevivência da freira-da-madeira são a predação de ovos e de juvenis pelos gatos e ratos e a destruição do coberto vegetal pelos herbívoros introduzidos (que leva à erosão dos solos e, consequentemente, à redução da área potencialmente apropriada à construção dos ninhos). No passado, os colecionadores de ovos e de aves constituíam uma ameaça de peso. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. O seu habitat consta do anexo I da diretiva “Habitats”. O local onde nidifica está inserido no PNM e é uma zona da Rede Natura 2000. Apesar dos avanços no conhecimento da espécie, muito há ainda por conhecer, nomeadamente sobre a distribuição espacial da ave ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno. Freira-do-bugio (Pterodroma deserta (Mathews, 1934)). Ave da família Procellariidae, ordem Procellariiformes. Nidifica apenas nas Desertas (na ilha do Bugio e, possivelmente, na extremidade sul da Deserta Grande). É muito semelhante à freira-da-madeira. Tem entre 33 e 36 cm de comprimento total e entre 86 e 94 cm de envergadura. É cinzento-escura no dorso e mais clara na região ventral e na fronte. Em voo, as asas formam um V pronunciado e nota-se que a parte inferior e interna das asas é escura – isto diferencia-a de outras aves, exceto da freira-da-madeira. Nidifica entre junho e dezembro, em ninhos escavados no solo, formando túneis não retilíneos, alguns com mais de 2 m; ocasionalmente, pode nidificar em cavidades nas rochas ou em zonas com pedras soltas. Outrora, as populações nidificantes da ilha do Bugio e de algumas ilhas de Cabo Verde (Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo) eram incluídas na mesma espécie (Pterodroma feae); durante anos, considerou-se existirem duas subespécies, a Pterodroma feae feae, nidificando em Cabo Verde, e a Pterodroma feae deserta, no Bugio. Em 2009, no âmbito do Projeto LIFE SOS Freira-do-Bugio, foram realizados estudos, utilizando marcadores genéticos moleculares, que demonstraram não haver indícios de cruzamento entre as formas do Bugio e de Cabo Verde e que a distância genética conseguia ser maior do que a existente entre alguns pares de outras espécies definidas. Por isto, as duas formas passaram a ser consideradas espécies distintas, Pterodroma feae e Pterodroma deserta. Segundo o Atlas das Aves das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 160 e 180 casais reprodutores e a população é aparentemente estável. Este número é muito baixo. Tendo em conta a área muito reduzida de nidificação (<20 km2 numa única localização), esta ave é, provavelmente, tal como a freira-da-madeira, uma das espécies que apresenta maior risco de extinção na Macaronésia e na Europa. O estatuto de conservação é “vulnerável”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. As principais ameaças à sobrevivência da espécie são, além da reduzida área de nidificação, a degradação do habitat e a perturbação das aves por animais introduzidos (como os murganhos, as cabras e os coelhos). O aumento da população de cagarra poderá constituir um perigo (dado que esta espécie poderá competir com a freira-do-bugio pelos lugares de nidificação), bem como a poluição em alto mar. Até à criação da Reserva Natural das Desertas em 1990, a captura ilegal constituía um risco significativo. Após esta data, as ameaças a esta espécie têm sido progressivamente debeladas pelo Serviço do PNM por meio de programas específicos focados na conservação da espécie e do seu habitat. Em 2006, foi iniciado o Projeto SOS Freira-do-Bugio, do Programa LIFE-Natureza, que envolveu, entre outras tarefas, a retirada dos herbívoros introduzidos e a colocação de ninhos artificiais. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna e do anexo I da diretiva “Aves”. O local onde nidifica é reserva integral e é uma zona da Rede Natura 2000. Tal como acontece no caso da freira-da-madeira, apesar dos avanços no conhecimento da espécie, muito há ainda por saber acerca dela (designadamente sobre a sua distribuição espacial ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno). Cagarra ou pardela-de-bico-amarelo (Calonectris diomedea borealis (Cory, 1881)). Em algumas obras, como no já mencionado Field Guide to the Birds of Macaronesia, de Eduardo Garcia-del-Rey, e na base de dados Avibase, disponível online, há uma alteração de nome, sendo considerada como Calonectris borealis. Inclui-se na família Procellariidae e na ordem Procellariiformes. É a ave marinha mais avistada entre março e novembro nos mares do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens, nidificando em todas as suas ilhas. Tem cerca de 50 cm de comprimento total, sendo a ave marinha de maior porte dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens, e é facilmente identificável pelo seu voo rápido e planado, rente às ondas. As asas longas diferenciam-na da gaivota; outra característica que a diferencia de outras aves marinhas que nidificam nestes arquipélagos é a cor amarela do seu bico. Esta ave é branca nas superfícies inferiores e acastanhada nas superiores. Nidifica em cavidades de rochas e por baixo de grandes pedras, nas falésias rochosas ou nos planaltos; nas ilhas Selvagens, nidifica também no solo, entre a vegetação rasteira. A postura compreende apenas um ovo, do qual eclode uma ave que só atingirá a maturidade ao fim de nove anos. Entre dezembro e fevereiro encontra-se no hemisfério Sul, perto da costa nordeste do Brasil. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira existem, no mínimo, 40.000 indivíduos, amplamente concentrados nas ilhas Selvagens (38.000 indivíduos). Embora não seja considerada uma ave ameaçada, a captura ilegal, a destruição do habitat e a predação por gatos e ratos constituem fatores limitantes da espécie. De acordo com o Livro Vermelho e a IUCN, o seu estatuto é “pouco preocupante”. Na Madeira, alguns locais de nidificação da cagarra estão em áreas do PNM e são zonas da Rede Natura 2000. Esta ave faz parte do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Durante muito tempo, a cagarra foi caçada, principalmente nas ilhas Desertas e nas Selvagens; segundo o Elucidário Madeirense, eram capturados, por homens de São Gonçalo e do Caniço, cerca de 18.000 indivíduos por ano nas Selvagens. A cagarra era salgada e levada para a Madeira para ser vendida às classes mais desfavorecidas; as suas penas eram utilizadas sobretudo no fabrico de colchões. A última expedição para a captura de cagarra nas ilhas Selvagens partiu do Funchal a 15 de setembro de 1967. A caça à cagarra foi proibida. Patagarro (Puffinus puffinus puffinus (Brunnich, 1764), ou simplesmente Puffinus puffinus (Brunnich, 1764)). Também conhecido como fura-bucho, pardela-sombria, estapagado, papagarro e boieiro; alguns destes nomes são designações onomatopeicas, que imitam os sons característicos desta ave. Pertence à família Procellariidae, ordem Procellariiformes. Distribui-se pelos arquipélagos da Madeira, das Canárias e dos Açores, ilhas Britânicas, costa da Bretanha, Islândia e ilhas Faroé. No arquipélago da Madeira, o patagarro nidifica apenas na ilha da Madeira, em particular nas encostas da ribeira de Santa Luzia, mas também noutras regiões do interior, em vales profundos, em zonas húmidas e cobertas de vegetação, podendo atingir altitudes muito elevadas. O patagarro é negro no dorso e branco nas partes ventrais; o seu bico é longo, preto e direito. O patagarro é frequentemente confundido com o pintainho (Puffinus baroli), diferindo dele pela plumagem preta da cabeça, que desce até abaixo dos olhos (a pelagem que rodeia os olhos do pintainho é branca). Normalmente, o patagarro chega à ilha da Madeira em fevereiro ou março, altura em que começa a escavar e a limpar as tocas (chegando estas a ter mais de 1 m de comprimento). Às vezes, mal chega, parte novamente (êxodo pré-postura). Julga-se que o principal objetivo deste comportamento é a acumulação de reservas para os períodos de incubação do ovo, alternados, entre macho e fêmea, de quatro ou cinco dias de jejum. Por regra, parte em agosto. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 2500 e 10.000 indivíduos. Um dos perigos para o patagarro é a predação por ratos e gatos. No passado, a captura e a perseguição ilegais representavam uma ameaça importante. Segundo a crença popular, era uma ave de mau agoiro: haveria uma morte entre os moradores de uma habitação sempre que um patagarro pousasse sobre ela. Alguns locais onde esta subespécie ocorre fazem parte de zonas da Rede Natura 2000 e do PNM. Alguns dos habitats constam do anexo i da diretiva “Habitats”; a ave está no anexo II da Convenção de Berna. Fig. 1 – Fotografia de patagarro (Puffinus puffinus puffinus). Funchal. Fonte: © José Jesus Pintainho (Puffinus baroli (Bonaparte, 1857)). Considerado por alguns cientistas como a subespécie Puffinus assimilis baroli, é uma ave da familia Procellariidae, ordem Procellariiformes. É uma ave endémica da Macaronésia, sendo que nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens nidifica nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Desertas e Selvagens. Tem patas azuis, dorso muito escuro e ventre claro. O pintainho poderá ser confundido com o patagarro; no entanto, diferencia-se dele pelo facto de a plumagem preta da cabeça não rodear os olhos e por estes serem no pintainho mais pequenos. O voo caracteriza-se por batimentos frequentes das asas. Nidifica entre janeiro e junho em cavidades de rochas ou por baixo de pedras soltas, nas falésias de pequenas ilhas e ilhéus. Geralmente, está presente na área durante quase todo o ano, não se afastando muito dos locais de nidificação. Ocorre em maior número nas ilhas Selvagens (estima-se que haja mais de 2000 casais) e em muito menor número nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. O seu estatuto de conservação é “vulnerável” no arquipélago da Madeira. A predação por espécies introduzidas pelo Homem poderá representar a principal ameaça à sua sobrevivência; no entanto, em alguns dos locais onde existe (e.g., nas Selvagens) essa ameaça foi debelada pela erradicação de vertebrados introduzidos. A proteção do pintainho é garantida pelo facto de ocorrer em áreas de reserva integral e da Rede Natura 2000 e por estar sob vigilância permanente nas ilhas Desertas e Selvagens. Esta ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Alma-negra (Bulweria bulwerii (Jardine & Selby, 1828)). Ave da família Procellariidae, ordem Procellariiformes, apresenta uma ampla distribuição mundial, ocorrendo desde a Macaronésia ao Havai. Na Macaronésia, nidifica nos arquipélagos da Madeira, das Selvagens, dos Açores, das Canárias e de Cabo Verde. Trata-se da ave marinha de menor porte do arquipélago da Madeira. Completamente negra e com asas pontiagudas (de grande envergadura em relação ao tamanho do corpo), apresenta um voo rápido e planado. Entre abril e setembro nidifica em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras. A postura consiste em apenas num ovo, que é posto no chão, em buracos no solo ou em cavidades nas rochas, por baixo de grandes pedras e em muros artificiais. Nas ilhas Desertas e Selvagens, existem mais de 10.000 casais, sendo provavelmente as Desertas o lugar com a maior concentração mundial de indivíduos (no entanto, pouco se sabe sobre o número de aves que poderá ocorrer na Madeira e em Porto Santo). Antes dos programas de recuperação de habitats das Desertas e Selvagens, os ratos constituíam um sério perigo para a sobrevivência da espécie, assim como a captura de juvenis para servirem como isco (prática entretanto extinta). Os ratos, os gatos e as gaivotas constituem ameaças em algumas áreas não sujeitas a programas de recuperação. Já em finais do séc. XX, inícios do séc. XXI, uma ameaça, a formiga-argentina, cresceu e começou a tornar-se preocupante, principalmente nas Desertas. A elevada pressão turística, a degradação do habitat e a erosão dos solos constituem também importantes fatores de risco. O maior número de aves que ocorre e nidifica no arquipélago da Madeira concentra-se em zonas de reserva integral e da Rede Natura 2000. Esta espécie consta do anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Roque-de-castro, paínho-da-madeira, roquinho ou angelito (Hydrobates castro (Harcout, 1851)). Ave da família Hydrobatidae, ordem Procellariiformes. A nível mundial, distribui-se entre as regiões tropicais do Pacífico e do Atlântico, ocupando áreas como o arquipélago da Madeira, o arquipélago das Selvagens e outros arquipélagos da Macaronésia, as ilhas de Ascensão e de Santa Helena, os arquipélagos das Galápagos e do Havai. Trata-se de uma ave de pequeno porte, de coloração negra e com uma faixa branca no uropígio, sendo a cauda ligeiramente bifurcada. No arquipélago da Madeira, existem duas populações com tempos de nidificação diferentes (verão e inverno) e este facto poderá corresponder à coexistência de duas espécies, a exemplo do que acontece nos Açores. No arquipélago dos Açores, o grupo que nidifica no verão tem a designação de Hydrobates monteiroi (Bolton et al., 2008), sendo que o outro se denomina Hydrobates castro. A população total nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens poderá ser superior a 10.000 indivíduos. A postura (de um ovo), em ninhos, é efetuada em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras e muros de pedra artificiais; nas Selvagens, o roque-de-castro utiliza também ninhos de calcamar abandonados. As principais ameaças à sobrevivência da espécie são a iluminação artificial existente ao longo a costa (principalmente na ilha da Madeira), a predação por animais exóticos (como os ratos) e a perda do habitat em algumas áreas da sua ocorrência. Boa parte da área em que ocorre é reserva integral e corresponde a zonas da Rede Natura 2000. A espécie está incluída no anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Calcamar (Pelagodroma marina hypoleuca (Webb, Berthelot & Mouquin-Tandon, 1841)). Esta ave, da família Hydrobatidae, ordem Procellariiformes, é uma subespécie endémica da Macaronésia e ocorre no arquipélago das Canárias e no arquipélago das Selvagens (as ilhas Selvagens constituem o extremo norte da sua distribuição geográfica). É a ave que nidifica em maior número no arquipélago das Selvagens, fazendo-o na primavera, em ninhos profundos escavados no solo. Chega geralmente após o fim do inverno, abandonando as ilhas entre junho e agosto. A postura é constituída por um ovo apenas. Trata-se de uma ave de pequeno porte com o dorso muito escuro e ventre claro. A plumagem do topo superior da cabeça é escura; já as penas em redor dos olhos são brancas, apresentando uma marca linear escura “transversal” ao olho. As patas são amarelas e longas. O seu nome deve-se ao seu voo característico (a ave parece calcar o mar). O efetivo populacional deverá ser superior a 36.000 indivíduos na Selvagem Grande e a 25.000 na Selvagem Pequena, o que representa a quase totalidade da população europeia da espécie. No passado, antes da recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande, que incluiu a erradicação dos murganhos e coelhos, a predação pelos ratinhos constituía uma ameaça muito importante à sobrevivência da espécie. As áreas de nidificação no arquipélago são reservas integrais e constituem zonas da Rede Natura 2000. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Apesar da sua abundância e da sua importância, as aves marinhas são muito menos observadas durante o dia do que as aves terrestres. Efetivamente, quem está nas ilhas da Madeira e do Porto Santo observa muito mais aves terrestres do que marinhas. Entre as aves terrestres, destacam-se as seguintes: Pombo-trocaz ou pombo-da-madeira (Columba trocaz Heineken, 1829). Trata-se de uma ave da família Columbidae, ordem Columbiformes, endémica da Madeira. De aspeto corpulento, tem entre 38 e 45 cm de comprimento, sendo maior do que pombo-das-rochas. É facilmente identificável pela cor cinzento-azulada, tendo o peito tons de cor de vinho, bico vermelho-vivo, patas de cor carmim (com dedos bastante compridos) e barra clara na cauda (visível à distância). As penas do pescoço apresentam um brilho metálico esverdeado. A fêmea é ligeiramente mais pequena e menos corpulenta do que o macho. Tem como espécies próximas a Columba junoniae, a Columba bollii (ambas das ilhas Canárias) e a Columba palumbus (Europa). Habita essencialmente a laurissilva, mas desce com frequência até aos campos agrícolas, onde provoca grandes danos. Fósseis encontrados na Ponta de São Lourenço sugerem que tinha maior área de distribuição no passado. A sua dieta é muito variada, consistindo em partes de pelo menos 40 espécies de plantas (v.g., bagas de loureiro e de til, agrião selvagem) e ainda em várias plantas cultivadas (e.g., couves). O facto de várias sementes se manterem viáveis, i.e., com capacidade germinativa, após passarem pelo trato digestivo sugere uma ação importante do pombo na dispersão de plantas. Esta espécie nidifica durante todo o ano, sobretudo em alturas em que há alimento suficiente no período entre março e junho. No ninho, camuflado ou escondido numa laje de uma rocha ou numa árvore, é posto geralmente um ovo por casal. Em 2009, existiam entre 8500 e 10.000 indivíduos. Em 2005, o estatuto de conservação desta espécie era “vulnerável”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal; no entanto, como em 2011 foi confirmada a diminuição do grau de ameaça, o estatuto de conservação passou a “pouco preocupante”. O envenenamento, a captura ilegal e a destruição do habitat da laurissilva constituem riscos para a sua sobrevivência. Esta espécie foi caçada legalmente até 1989, ano a partir do qual passou a ter proteção integral. De acordo com o relato da obra Ilhas de Zargo, a espécie era, no passado, vendida no mercado, sendo a sua carne de excelente qualidade. O Instituto das Florestas e Conservação da Natureza realiza sessões de abate com o objetivo do controle populacional, pois de vez em quando a população aumenta de tal forma que se torna uma praga nos campos agrícolas. Do ponto de vista da proteção, a espécie consta do anexo I da diretiva “Aves” (ao abrigo desta diretiva, o seu habitat, a laurissilva, foi proposto para zona de proteção especial (ZPE)). Grande parte da sua área de distribuição está incluída nas reservas naturais integrais e parciais do PNM e abrange sítios da Rede Natura 2000. O pombo-trocaz foi espécie-alvo de dois projetos LIFE: “Medidas para a Gestão e Conservação da Floresta Laurissilva da Madeira” e “Recuperação de Espécies e Habitats Prioritários da Madeira”. Fig. 2 – Fotografia de pombo-trocaz (Columba trocaz). Espécie endémica da ilha da Madeira. Ribeiro Frio. Fonte: © Carlos Góis-Marques Pombo-claro ou pombo-torcaz (Columba palumbus maderensis, Tschusi, 1904). É uma subespécie endémica que é dada como extinta. Ainda existia no início do séc. XX, tendo o P.e Ernst Schmitz capturado alguns indivíduos. Habitava as montanhas da Madeira, onde fazia ninho nas árvores. Era semelhante às populações europeias da espécie, Columba palumbus, mas um pouco mais escura dorsalmente e com a mancha púrpura do peito maior. Uma das causas de extinção terá sido a caça intensa. Pombo-bravo (Columba livia atlantis, (Bannermann, 1931)). (Espécies cinegéticas e caça). Galinhola (Scolopax rusticola, (Linnaeus, 1758)). (Espécies cinegéticas e caça). Codorniz (Coturnix coturnix confisa, (Hartert, 1917)). (Espécies cinegéticas e caça). Bis-bis (Regulus madeirensis, (Harcourt, 1851)). Trata-se de uma ave da família Regulidae, ordem Passeriformes. É endémica da ilha da Madeira. Existem dúvidas sobre a sua presença e nidificação no Porto Santo. É a ave nidificante mais pequena do arquipélago da Madeira, medindo aproximadamente 8,5 cm de comprimento total. É facilmente identificável pelo tamanho, mas também por ter cabeça listada e pelo seu trino característico (nota aguda e curta, repetida várias vezes). O macho tem a lista da cabeça alaranjada, ao passo que a da fêmea é amarela. Habita essencialmente áreas de maior altitude. Na costa Norte, onde parece ser mais abundante, pode ser encontrada a altitudes menores; aparece com frequência em zonas de floresta indígena, mista e exótica, por vezes em terrenos agrícolas ou áreas rurais; mas é mais comum em zonas de urzais. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população deverá exceder os 10.000 indivíduos. Nidifica em arbustos, em ninhos formados por musgo e líquenes, geralmente nos meses de maio e junho. É essencialmente insectívora. Esta ave consta do anexo II da Convenção de Berna; algumas das áreas onde ocorre são zonas da Rede Natura 2000 e/ou do PNM. Fig. 3 – Fotografia de bis-bis (Regulus madeirensi). Espécie endémica da ilha da Madeira. Bica da Cana, Paúl da Serra, dez. 2011. Fonte: © José Jesus Pardal-da-terra (Petronia petronia madeirensis (Erlanger, 1899)). É uma ave da família Passeridae, ordem Passeriformes. Petronia petronia petronia é a designação atribuída por alguns cientistas à subespécie na Madeira. Em razão desta indefinição de nomes, discute-se o seu estatuto de subespécie endémica da Macaronésia (Madeira, Porto Santo e Canárias). Tendo entre 15 e 17 cm de comprimento, esta ave apresenta cabeça larga e bico relativamente grosso. É de plumagem pardo-acastanhada, com regiões de castanho e branco-sujo no corpo, exibindo uma mancha amarela debaixo da garganta (observável em especial nos machos). Observam-se também listas escuras na zona da cabeça e manchas brancas nas penas exteriores da cauda, bem visíveis durante o voo, as quais lhe são características. Outrora abundante, nos começos do séc. XXI está representada por uma população muito reduzida (entre 250 e 2500 aves, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira). Mesmo em pequeno número, avistam-se alguns bandos, nomeadamente nas freguesias dos Prazeres e da Ponta do Pargo e na ilha do Porto Santo. Distribui-se por áreas abertas com vegetação rasteira, zonas rochosas, falésias sobre o mar e áreas cultivadas, sendo mais frequente nas regiões costeiras e nalguns pontos mais altos das ilhas. Nidifica entre os meses de fevereiro e junho. Alimenta-se essencialmente de sementes e insetos. Devido à sua dieta, esta ave poderá ter tido um impacto negativo sobre os campos agrícolas (ao nível dos grãos) – foi por este motivo que algumas câmaras tentaram combater a espécie. Assim, todos os anos, a Câmara Municipal do Porto Santo obrigava cada chefe de família a apresentar 25 cabeças de pardal durante o mês de junho. Estima-se que as principais ameaças sobre esta subespécie sejam a competição com outras espécies (como o pardal-espanhol) e a predação. O estatuto de conservação é “vulnerável”, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Lamentavelmente, desconhece-se o seu verdadeiro estatuto taxonómico, assim como vários aspetos da sua biologia, e não existe um plano de conservação dirigido a esta ave. A sua proteção é garantida pelo facto de algumas das áreas onde ocorre estarem incluídas no PNM e em áreas da Rede Natura 2000. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna. Fig. 4 – Fotografia de pardal-da-terra (Petronia petronia madeirensis). Porto Santo. Fonte: © José Jesus Pardal-espanhol (Passer hispaniolensis hipaniolensis (Temminck 1820)). Trata-se de uma ave da família Passeridae, ordem Passeriformes. A subespécie ocorre no Sul da Europa, no Norte de África, nas Canárias e em Cabo Verde. Nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, tem uma distribuição descontínua, vivendo em grupos. Prefere os habitats humanizados (jardins, praças urbanas, zonas agrícolas) e as áreas onde se misturam campos abandonados com vegetação rasteira. Esta ave apresenta dimorfismo sexual: o macho tem cabeça castanha, com partes laterais inferiores brancas e com a parte anterior do pescoço e peito negros, enquanto a fêmea é de coloração mais discreta, mais ou menos uniforme e castanha. O seu comprimento total situa-se entre os 14 e os 16 cm. Entre o final do séc. XX e os começos do séc. XXI, a população de pardal-espanhol decresceu significativamente na ilha da Madeira; no entanto, o Porto Santo manteve uma população numerosa, que deve superar largamente a estimativa de 250 a 2500 indivíduos do Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Corre-caminhos (Anthus berthelotii madeirensis, (Hartert, 1905)). De acordo com o Elucidário Madeirense, é também chamado carreiró, carreirote, melrinho de Nosso Senhor, melrinho de Nossa Senhora, em certos locais da Madeira, e pode ser conhecido por bica, no Porto Santo. É uma subespécie da família Motacillidae, ordem Passeriformes, endémica das ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. Nas Selvagens, ocorre a subespécie Anthus berthelotii bertheloti (Bolle, 1962), que também se encontra nas Canárias. A subespécie Anthus berthelotii maderensis tem um bico mais longo do que a subespécie típica das Canárias e Selvagens; no entanto, a sua plumagem é muito semelhante à daquela. Na Madeira, é mais frequente na Ponta de São Lourenço, no Pico do Arieiro e na Ponta do Pargo, facto que se deve à sua preferência por terrenos secos e por zonas com vegetação rasteira, desde a costa às cotas mais elevadas. Nas Selvagens, a subespécie Anthus berthelotii bertheloti ocorre essencialmente nos locais de planalto, e menos nas falésias. O corre-caminhos nidifica no chão, no outono e na primavera, e é facilmente identificável pelo seu comportamento. Costuma correr e faz voos curtos, facto que está na origem do seu nome vulgar. Em voo notam-se as retrizes externas brancas. A população de Anthus berthelotii madeirensis situa-se entre as 2500 e as 10.000 aves e parece estável. Faz ninho no solo, entre fevereiro e agosto, pondo cerca de quatro ovos. A população existente nas Selvagens é considerada “vulnerável” devido ao número reduzido de indivíduos que a constitui. Ambas as subespécies podem ocorrer em áreas de reserva integral e parcial do PNM e em zonas da Rede Natura 2000. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Fig. 5 – Fotografia de corre-caminhos (Anthus berthelotii madeirensis). Ponta de São Lourenço, abr. 2011. Fonte: © José Jesus Lavandeira (Motacilla cinerea schmitzi (Tschusi, 1900)). De acordo com a obra Elucidário Madeirense, era chamada papamoscas em certos locais do Porto da Cruz. É uma subespécie endémica do arquipélago da Madeira, da família Motacillidae, ordem Passeriformes. Ocorre na Madeira e no Porto Santo. Esta ave é facilmente identificável pela sua forma “esguia”, pelo peito amarelo e pelo movimento característico, vertical e cadenciado, da cauda, quando a ave está assente no solo. Apresenta um voo ondulado acompanhado de chamamento agudo e metálico. Tem entre 17 e 20 cm de comprimento total e encontra-se sobretudo na proximidade de cursos de água e de poços, desde cotas mais baixas até zonas de maior altitude. Põe entre três e cinco ovos em ninho construído em cavidades de paredes ou barrancos. Diferencia-se das outras formas da espécie por ter o dorso mais escuro. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o efetivo populacional situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. Boa parte da população ocorre em sítios da Rede Natura 2000 e do PNM, o que lhe confere alguma proteção. A espécie consta do anexo ii da Convenção de Berna. Fig. 6 – Fotografia de lavandeira (Motacilla cinerea schmitzi). Subespécie endémica do arquipélago da Madeira. Ribeira Brava. Fonte: © José Jesus Papinho (Erithacus rubecula rubecula (Linnaeus, 1758)). É uma subespécie da família Muscicapidae, ordem Passeriformes, que se distribui por Marrocos, pelos Açores, pelo Oeste das Canárias, pela ilha da Madeira e pela ilha do Porto Santo (onde é rara). Na Madeira, pode ocorrer desde a beira-mar até aos 1700 m de altitude. É facilmente identificável pelo seu peito ruivo. O adulto é castanho no dorso e castanho-claro no abdómen e nos flancos; os juvenis são claros com peito manchado. Mede entre 12,5 e 14 cm de comprimento total. A ave tem um canto melodioso. Ocorre essencialmente em zonas de floresta indígena, floresta exótica, floresta de transição, urzais, áreas agrícolas e jardins urbanos. Alimenta-se de insetos, caracóis e minhocas. Nidifica em arbustos, entre março e julho, pondo dois ou três ovos (raramente quatro ou cinco). O efetivo populacional deverá ser superior a 10.000 indivíduos, segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Algumas zonas onde ocorre são áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. Consta do anexo II da Convenção de Berna. Melro-preto (Turdus merula cabrerae Hartert, 1901). Subespécie endémica da Macaronésia da família Turdidae, ordem Passeriformes. Distribui-se pela Madeira, pelo Porto Santo (onde é rara) e pelas Canárias (existe em algumas ilhas). É facilmente identificável pelo seu tamanho – é o maior passeriforme nidificante (tendo entre 19 e 23,5 cm de comprimento total) –, pelo seu bico (amarelo no macho e acastanhado na fêmea) e pela sua coloração (o macho é uniformemente preto e a fêmea é castanho-escura com algumas manchas). Encontra-se por toda a ilha da Madeira, numa grande variedade de habitats, desde áreas de floresta indígena, floresta exótica, até zonas urbanas e áreas de cultivo. É muito rara nas áreas secas com vegetação rasteira do litoral. Nidifica em pequenas árvores, bananeiras, jardins e campos agrícolas. A postura ocorre geralmente em maio e junho; a época de reprodução pode estender-se entre janeiro e agosto. Alimenta-se de minhocas, insetos, bagas e sementes. O efetivo populacional da Madeira poderá exceder as 10.000 aves. Algumas áreas do seu habitat estão incluídas em zonas de reserva integral e parcial do PNM e em áreas da Rede Natura 2000. O melro-preto da Madeira consta do anexo II da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. Cigarrinho (Sylvia conspicillata orbitalis (Wahlberg 1854)). Sylvia conspicillata bella (Tschusi, 1901) é outro nome científico dado à subespécie (caído em desuso). Alguns cientistas atribuíram-lhe o nome de Curruca conspicillata orbitalis. Há dúvidas sobre se constitui uma subespécie endémica da Macaronésia. Ocorre nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, nas Canárias e em Cabo Verde. É uma ave da família Sylvidae, ordem Passeriformes. Mede cerca de 12 a 13 cm de comprimento total e tem dimorfismo sexual (a fêmea tem, em geral, uma tonalidade mais acastanhada, sendo efetivamente castanha na cabeça e no dorso, e o macho tem cabeça cinzenta, garganta esbranquiçada, abdómen claro e rosado e dorso castanho). As formas da subespécie da ilha Madeira são mais escuras do que as das Canárias. O cigarrinho ocorre em núcleos espalhados pela ilha da Madeira, em zonas arbustivas densas com pouca perturbação humana. No Porto Santo, é frequente em áreas com alguma vegetação arbustiva, mas também em terreno aberto. O efetivo desta subespécie “tímida” ou pouco conspícua rondará os 2500 indivíduos (no entanto, esta estimativa deve ser considerada com alguma reserva por faltarem estudos sobre esta ave). A população de cigarrinhos do arquipélago da Madeira, embora apresente um estatuto de conservação “vulnerável”, não é alvo de medidas de conservação. Alguns dos locais em que ocorre são sítios da Rede Natura 2000 e do PNM. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Toutinegra (Sylvia atricapilla heinecken (Jardine, 1830)). Trata-se de uma ave da família Sylvidae, ordem Passeriformes. É uma subespécie que ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Canárias e em algumas zonas da península Ibérica (principalmente no Sudoeste). Possui um típico barrete – preto nos machos e vermelho-escuro (ou acastanhado) nas fêmeas –, sendo também possível encontrar algumas aves melânicas em que a cor preta do barrete do macho desce abaixo da nuca (pelo que recebem, em alguns locais, a denominação de toutinegras de capelo). O comprimento total no adulto varia entre 13,5 e 15 cm. Pode ser observada em vários habitats (áreas com arbustos densos, clareiras, zonas florestais de transição e jardins), sendo rara na laurissilva. Não ultrapassa os 1400 m de altitude, sendo pouco frequente a partir dos 800 m. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélagos do Madeira, deverão existir mais de 10.000 indivíduos. Entre março e junho, constrói o seu ninho nos ramos das árvores e nos arbustos e põe até cinco ovos. No passado, devido aos seus dotes canoros (o típico “tac-tac”), eram capturadas e aprisionadas em gaiolas; nos começos do séc. XXI, esta prática está proibida. Algumas áreas onde ocorre são zonas da Rede Natura 2000 e do PNM, o que confere alguma proteção à subespécie. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Tentilhão (Fringilla coelebs maderensis (Sharpe, 1888)). Trata-se de uma subespécie pertencente à família Fringillidae, ordem Passeriformes, endémica da ilha da Madeira. Tendo entre 14 e 16 cm, possui faixas alares e parte externa da cauda brancas. O dimorfismo sexual é evidente: os machos são mais vistosos, têm tonalidades mais vivas (o peito é rosado ou cor de tijolo, o dorso verde-acastanhado e a cabeça azulada); a fêmea é menos colorida, tendo geralmente tonalidade verde-acastanhada e sendo castanho-clara no peito e na região ventral. Existe apenas na ilha da Madeira, sendo observada em toda a sua extensão, exceto a mais baixa altitude. É frequente em zonas arborizadas, com vegetação indígena ou exótica, em áreas agrícolas e rurais habitadas e em regiões com vegetação arbustiva ou mesmo rasteira; também se observa com regularidade em zonas de merenda (onde “petisca” os restos de comida deixados pelas pessoas). Alimenta-se de sementes e insetos. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população é numerosa (superior a 100.000 indivíduos). Algumas das áreas em que ocorre pertencem à Rede Natura 2000 e ao PNM. Faz parte do anexo III da Convenção de Berna. Tal como acontece relativamente a outras aves do arquipélago da Madeira, são necessários estudos para conhecê-la melhor. Fig. 7 – Fotografia de tentilhão (Fringilla coelebs maderensis). Subespécie endémica da ilha da Madeira. Macho. Ribeiro Frio, abr. 2016. Fonte: © José Jesus Canário-da-terra ou canário (Serinus canaria (Linnaeus, 1758)). É um endemismo macaronésico da família Fringillidae, ordem Passeriformes. Tem entre 12,5 e 13,5 cm de comprimento. Apresenta dimorfismo sexual: os machos são mais coloridos e têm cores mais vivas – são mais amarelados – e definidas do que as fêmeas, que são mais discretas (têm cores menos vivas e mais acastanhadas). Distribui-se pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. É também encontrada nos arquipélagos dos Açores e das Canárias. O habitat da espécie é variado, compreendendo zonas rurais agrícolas, jardins, áreas urbanas, zonas com vegetação rasteira ou arbustiva. Pode ser observada desde o nível do mar, nas proximidades da zona entremarés, como é frequente nas Desertas, até aos picos mais elevados da ilha da Madeira. É frequente observar-se bandos de canários; de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o efetivo populacional deverá ser superior a 10.000 indivíduos. A nidificação inicia-se em janeiro (ou fevereiro) e a época prolonga-se provavelmente até junho. Num ano, pode fazer duas ou três posturas. O seu canto é melodioso e muito variado. Algumas áreas de ocorrência e de nidificação estão incluídas em zonas da Rede Natura e do PNM. A espécie consta do anexo III da Convenção de Berna. Aparentemente, desloca-se entre as várias regiões de uma mesma ilha, o que leva à ocorrência de flutuações locais. Fig. 8 – Fotografia de canário (Serinus canaria) fêmea. Deserta Grande, jun. 2011. Fonte: © José Jesus Pintassilgo (Carduelis carduelis parva (Tschusi, 1901)). Esta ave, da família Fringillidae, ordem Passeriformes, distribui-se pelas ilhas da Madeira e do Porto Santo, pelos Açores, pelas Canárias, pela península Ibérica, pela região ocidental do Mediterrâneo e pelo Noroeste de África. É inconfundível pela sua coloração, tendo cabeça vermelha (ao redor dos olhos e do bico), negra e branca. Possui uma barra alar amarela e larga nas asas pretas. A cauda é preta com manchas brancas. Não tem dimorfismo sexual e o seu comprimento total varia entre os 12 e os 13,5 cm. Os juvenis são mais discretos, sem mancha facial. Pode ser encontrada desde a beira-mar até às grandes altitudes, em áreas cultivadas, abertas ou com vegetação rasteira, com gramíneas e compostas, em jardins, na floresta exótica e indígena degradada. Devido à forma como usa o habitat, sofre grandes flutuações a nível local, verificando-se uma forte sazonalidade. Pode formar bandos e a sua população na Região Autónoma da Madeira situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. No passado, esta ave era capturada e mantida em gaiolas; no entanto, nos começos do séc. xxi esta prática está proibida. Alguns habitats onde ocorre estão incluídos em sítios da Rede Natura 2000 e em áreas do PNM. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna. Pintarroxo (Carduelis cannabina guentheri (Wolters, 1953)). Na base de dados Avibase, o pintarroxo tem o nome científico de Linaria cannabina guentheri. Subespécie endémica do arquipélago da Madeira, pertence à família Fringillidae, ordem Passeriformes. Esta ave mede entre 12,5 e 14 cm de comprimento total e tem uma cauda relativamente comprida e bico curto, cinzento. Nesta subespécie, ocorre dimorfismo sexual: o macho apresenta peito e fronte avermelhados, nuca cinza e dorso de um castanho homogéneo; a fêmea é de coloração mais discreta, tendo uma tonalidade mais acastanhada do que o macho. Habita em áreas com vegetação rasteira ou com poucos arbustos (onde predominam as gramíneas e as compostas), em terrenos cultivados, jardins e outras áreas humanizadas, tanto em zonas de baixa como de elevada altitude. Pode ser observada em bandos igualmente formados por canários e pintassilgos. As estimativas indicam a existência de 2500 a 10.000 indivíduos, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Boa parte dos indivíduos desta subespécie relativamente pouco conhecida ocorre em áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A ave faz parte do anexo II da Convenção de Berna. Verdilhão (Chloris chloris (Linnaeus, 1758)). Tem sido muitas vezes referido que o verdilhão da Madeira pertence à subespécie Chloris chloris aurantiiventri (Cabanis, 1850). Trata-se de uma ave da família Fringillidae, ordem Passeriformes. A espécie distribui-se pelo Sul da Europa e pelo Norte de África, tendo sido introduzida em vários outros locais (e.g., Açores, Nova Zelândia, Sul da Austrália e Argentina). Não se sabe se terá sido introduzida no arquipélago da Madeira, tendo-se conhecimento de que aí nidifica a partir da déc. de 60 do séc. XX, exclusivamente na ilha da Madeira. Aparece em áreas de floresta exótica pouco densa, em regiões marginais de floresta, perto de áreas de cultivo, ou em zonas abertas com arbustos, eventualmente em áreas urbanas, em parques e jardins. Esta ave amarelo-esverdeada tem entre 14 e 16 cm de comprimento total; o corpo, a cabeça e o bico são mais robustos do que os de espécies que lhe são próximas. Há dimorfismo sexual: a fêmea tem uma coloração bastante mais discreta do que o macho. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população deverá ser superior a 2500 indivíduos. Tem-se pouco conhecimento do modo como a espécie ocorre no arquipélago da Madeira. Lugre (Carduelis spinus (Linnaeus, 1758)). É-lhe também atribuído o nome científico de Spinus spinus (Linnaeus, 1758). É uma ave da família Fringillidae, ordem Passeriformes. Encontra-se na região paleártica, nomeadamente entre a Europa Ocidental e a Rússia Meridional, até à costa do Oceano Pacífico. Só em 2002 foi confirmada a sua nidificação na Madeira, e desde então tem-se assistido a um incremento do efetivo populacional, sendo frequente observá-la na região do Poiso e na dos Estanquinhos (Paúl da Serra), entre outras. Este fringilídeo, que mede entre 11 e 12,5 cm de comprimento total, distingue-se pelas suas asas escuras, com marcas branco-amareladas, e pelos lados da cauda, amarelos essencialmente na base (como no verdilhão). A coroa e o babete são pretos. Tem cabeça pequena e cauda curta. Poupa (Upupa epops (Linnaeus, 1758)). Trata-se provavelmente da subespécie Upupa epops epops. É uma ave da família Upupidae, ordem Upupiformes. No arquipélago da Madeira, é frequente no Porto Santo e ocasional na ilha da Madeira (onde ocorre principalmente na Ponta de São Lourenço) e nas ilhas Desertas. A espécie distribui-se pela Europa, pelo Noroeste de África e pela Ásia. Vive em áreas secas, com vegetação rasteira herbácea ou arbustiva pouco densa, e em zonas agrícolas. É inconfundível pela sua silhueta e pelo padrão preto e branco das asas, pelo bico comprido e curvo e pela crista bastante evidente, mesmo quando em voo. Tem um comprimento total que varia entre os 25 e os 29 cm. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 250 e 2500 indivíduos. Alimenta-se de invertebrados, como insetos e minhocas. Ocorre em algumas áreas da Rede Natura 2000. Andorinhão-da-serra, andorinha-da-serra ou andorinha (Apus unicolor (Jardine, 1830)). Trata-se de uma ave da família Apodidae, ordem Apodiformes, endémica da Macaronésia, ocorrendo na ilha do Porto Santo, na ilha da Madeira e nas ilhas Canárias. Nidifica em falésias, a qualquer altitude. É observada sobretudo no verão. A maioria dos indivíduos parece migrar, no inverno, para o Norte de África. Esta ave, medindo entre 14 e 15 cm de comprimento total e tendo coloração negra, apresenta um voo rápido bastante característico e uma silhueta em meia-lua (por analogia com fases da lua, parece um quarto crescente ou um quarto minguante). Come essencialmente insetos, pelo que o uso de inseticidas pode constituir uma ameaça para a espécie. Distingue-se de Apus pallidus por ter uma coloração mais homogénea e escura. Ocorre em vários locais, incluindo em áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 2500 e 10.000 indivíduos. Andorinhão ou andorinha-do-mar (Apus pallidus brehmorum (Hartert, 1901)). Trata-se de uma ave da família Apodidae, ordem Apodiformes, que ocorre nas ilhas da Madeira e do Porto Santo e também em algumas ilhas das Canárias, podendo ser igualmente observada nas costas da Europa Meridional (entre a península Ibérica e a Turquia) e no Norte de África. Com um comprimento total que varia entre os 16 e os 18 cm, distingue-se do andorinhão-da-serra (Apus unicolor) por ser um pouco maior do que ele, pela mancha clara na garganta e pela sua coloração menos homogénea. No inverno, parece migrar para regiões situadas a sul do Saara. Embora haja algum desconhecimento quanto à sua distribuição e abundância, sabe-se que esta ave ocorre em vários habitats, desde falésias e ilhéus (onde nidifica) a zonas de interior, entre as quais as regiões de montanha, áreas rurais ou áreas suburbanas. É menos abundante do que a Apus unicolor. A exemplo do que acontece noutras ilhas oceânicas, as aves de rapina estão representadas por um baixo número de espécies, quando comparado com o existente em áreas continentais com características semelhantes. No arquipélago da Madeira e no arquipélago das Selvagens nidificam a manta, o francelho, o fura-bardos e a coruja-das-torres. Manta. Alguns madeirenses conhecem-na como milhafre. Trata-se de uma ave da família Accipitridae, ordem Accipitriformes. Durante muito tempo, foi considerada como a subespécie Buteo buteo harterti (Swan, 1919); no entanto, é considerada por alguns cientistas como Buteo buteo buteo (Linnaeus, 1758). Se considerarmos esta ave de rapina como Buteo buteo harterti, podemos afirmar que a subespécie ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas, sendo endémica do arquipélago da Madeira. No entanto, se considerarmos a ave como Buteo buteo buteo, então a população do arquipélago deixa de ser tida como endémica, havendo que considerar as populações ocidentais da região paleártica e da África Ocidental como constituintes da mesma subespécie (Buteo buteo buteo). Independentemente das dúvidas taxonómicas quanto ao estatuto da manta, esta é a maior das aves de rapina que nidificam no arquipélago da Madeira, tendo um comprimento total que poderá superar os 50 cm e uma envergadura que poderá chegar aos 130 cm. É frequente observá-la voando, com batimentos de asa lentos, ou planando em círculos, aproveitando as correntes matinais de ar ascendente (pode também efetuar voos curtos e picados). Ocorre em vários habitats: falésias costeiras e interiores, zonas com pouca vegetação rasteira, áreas florestais indígenas e exóticas, áreas agrícolas e suburbanas. A parte superior do corpo é geralmente castanho-escura; o peito é uniformemente castanho-escuro, listado ou manchado de creme-amarelado. Em voo, as asas mostram cinco rémiges primárias soltas (que parecem dedos) e manchas claras e orlas escuras na parte inferior. A cauda é relativamente curta e a cabeça de pequena dimensão. Esta ave alimenta-se de roedores, coelhos, algumas aves (como a perdiz), lagartixas e insetos. Nidifica a média ou elevada altitude, em precipícios e em árvores de grande porte. A construção do ninho começa em fevereiro ou março. Os pintos deixam o ninho nos meses de julho e agosto. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população é superior a 2500 indivíduos, essencialmente localizados na ilha da Madeira. No entanto, em 2006 a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves tinha uma estimativa distinta (cerca de 300 aves nas ilhas da Madeira e do Porto Santo). As ameaças que pairam sobre a manta são o envenenamento secundário por pesticidas, a captura e o abate ilegais. No passado, era perseguida e caçada, pelo facto de predar galinhas (e outras aves domésticas) e coelhos. Parte da sua área de ocorrência está incluída em zonas da Rede Natura 2000 e em algumas regiões com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. A manta desapareceu das Desertas em 1996, provavelmente vítima de envenenamento secundário, por predação de coelhos envenenados. De facto, nessa altura decorria o projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, que envolvia a erradicação de coelhos através do envenenamento. No entanto, posteriormente foram feitos alguns avistamentos da manta nas Desertas. Francelho (Falco tinnunculus canariensis (Koenig, 1980)). Na Madeira, há pessoas que os chamam de milhafres. Ave da família Falconidae, ordem Falconiformes, é uma subespécie endémica da Macaronésia que ocorre sobretudo nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Canárias. Na Madeira e no Porto Santo, podemos observar francelhos desde o nível do mar até às altas montanhas, em diversos habitats (como falésias, espaços urbanos e suburbanos, zonas florestais, superfícies com pouca vegetação ou com vegetação rasteira, e áreas agrícolas). É a ave de rapina nidificante mais abundante e a mais pequena do arquipélago da Madeira, facilmente identificável em voo pelas suas longas asas, pontiagudas e arqueadas em forma de foice, e pela sua longa cauda, assim como pelo seu típico “peneirar”, ou seja, pelo bater de asas em voo sem deslocamento (o chamado “parado no ar”). No geral, possui dorso e região ventral malhados; porém, as fêmeas, de maior porte, são castanhas na parte superior e têm listas escuras na cabeça, possuindo cauda listada e dorso mais malhado do que o do macho; o macho tem cabeça e cauda cinzentas, uma barra preta subterminal na cauda, parte inferior de tonalidade acastanhada e clara e asas escuras nas extremidades. O comprimento total dos indivíduos da espécie varia entre 31 e 37 cm e a envergadura entre 68 e 78 cm. O francelho é mais pequeno e mais escuro do que os seus congéneres europeus. Devido ao projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, e a exemplo do que aconteceu com a manta, o francelho desapareceu da Deserta Grande em 1996, mas voltou a ser posteriormente detetado na Deserta Grande e no Bugio. A sua dieta é variada e condicionada pela disponibilidade das presas principais (a qual, por sua vez, depende do habitat). Come essencialmente roedores, lagartixas, insetos e pequenas aves. Põe quatro a seis ovos em buracos ou fendas de escarpas rochosas. A estimativa do efetivo varia entre 2500 e 10.000 indivíduos, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. As principais ameaças à sobrevivência do francelho são o envenenamento secundário por pesticidas e a perseguição humana (e.g., por meio da captura ilegal). Parte da região da ocorrência da espécie está incluída em zonas que integram a Rede Natura 2000 e em algumas áreas com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo i da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. No passado, a caça a estas aves era uma realidade habitual: o povo temia-as, pois predavam os pintos de galinha que andavam à solta. Fura-bardos (Accipiter nisus granti (Sharpe, 1890)). Ave da família Accipitridae, ordem Accipitriformes. No arquipélago da Madeira, ocorre apenas na ilha da Madeira, com uma distribuição dispersa. Esta subespécie macaronésica também ocorre nas Canárias. A espécie a que pertence, Accipiter nisus, é conhecida como gavião no continente português e tem vasta distribuição europeia. Por ter hábitos discretos, é difícil de observar. Esta ave habita áreas florestais densas (exóticas ou indígenas), mas também pode ser observada em campos agrícolas. Nidifica nas árvores. Apresenta um porte intermédio entre o do francelho e o da manta e asas arredondadas e relativamente curtas. A fêmea é maior e mais acinzentada do que o macho, tendo o peito e abdómen listados; o macho apresenta tons rosa no peito e no abdómen, cor cinza-azulada no dorso e barras finas e avermelhadas na parte inferior do corpo; ambos os sexos têm corpo estreito, pernas longas e cauda comprida. É a ave de rapina menos conhecida do arquipélago madeirense, pelo que qualquer apreciação a seu respeito deve ser considerada com o devido cuidado. O Elucidário Madeirense refere que é “indígena mas pouco frequente, não tendo sido mencionada na lista de Harcourt” (SILVA e MENESES, 1978, II, 158). Contudo, segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 1000 e 2500 fura-bardos. As principais ameaças à sobrevivência da subespécie são a caça (o abate ilegal) e a destruição do habitat por incêndios e corte de árvores. Parte da área de ocorrência da subespécie está incluída em sítios da Rede Natura 2000 e em algumas zonas com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. O projeto LIFE Fura-Bardos, compreendendo os anos de 2013 a 2017, tem como fito a conservação da espécie e dos habitats em que ocorre. Coruja ou coruja-das-torres (Tyto alba schmitzi (Hartert, 1900)). Trata-se de uma ave da família Tytonidae, ordem Strigiformes. É uma subespécie endémica do arquipélago da Madeira, ocorrendo nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. É a única ave de rapina noturna que nidifica no arquipélago da Madeira, sendo facilmente identificada pela sua silhueta durante o voo, pelo disco facial conspícuo e pelo chamamento agudo e estridente. Mede entre 33 e 39 cm de comprimento e tem entre 80 e 95 cm de envergadura. Apresenta um corpo relativamente delgado, asas para o longo e patas compridas. Embora seja mais escura do que as outras formas da espécie, apresenta uma significativa variação na sua coloração, sendo mais invulgar ter aparência clara. A face é pálida, em forma de coração, e os olhos são rodeados de penas escuras. Ocorre em vários tipos de habitat, desde zonas urbanas a áreas de floresta com clareiras, desde o litoral aos vales profundos do interior. Nidifica essencialmente entre abril e junho, em falésias costeiras e interiores. A coruja alimenta-se essencialmente de roedores, insetos e, eventualmente, de algumas pequenas aves. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o seu efetivo situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. Embora esta subespécie não conheça sérias ameaças à sua sobrevivência, a poluição do ambiente por pesticidas, a perseguição e o abate ilegal, bem como as crenças e as superstições em torno dela (são consideradas por muita gente como aves de mau agoiro – segundo a crença, sempre que uma delas passa por cima de uma casa, algo de mau irá acontecer, v.g., o falecimento de uma pessoa) constituem sem dúvida potenciais riscos para ela. No passado, o maior perigo era a perseguição pelas pessoas que as consideravam animais de mau agoiro. Esta ave consta do anexo II da Convenção de Berna e ocorre em muitas áreas do PNM e da Rede Natura 2000. Devido ao projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, a coruja desapareceu da Deserta Grande em 1996 (tal como aconteceu com a Manta e o francelho). Posteriormente, voltou, porém, a ser detetada. Gaivota ou gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis michahellis (Naumann, 184)0). “Gaio” ou “gaivoto” são os nomes atribuídos aos indivíduos juvenis, que se distinguem dos adultos pela plumagem escura. Trata-se de uma ave da família Laridae, ordem Charadriiformes. A atribuição de nome científico a estas gaivotas tem sido polémica, e a sua classificação tem variado ao longo do tempo. De todo o modo, vamos considerar que as gaivotas do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens pertencem à subespécie Larus michahellis michahellis. Esta ave ocorre nas várias ilhas dos dois arquipélagos, em todo o tipo de terreno próximo do mar, em locais desabitados, falésias costeiras, zonas de lixeiras e de despejos de resíduos orgânicos e perto de áreas de descarregamento de peixe (lotas). As áreas preferenciais de nidificação são o ilhéu dos Desembarcadouros e o ilhéu de Fora. A postura, até três ovos, dá-se nos meses de abril e maio. Esta gaivota caracteriza-se por ser branca. O dorso e a parte superior da asa são cinzentos (com um pouco de cor branca na extremidade da asa). As patas são amarelas. O anel orbital é vermelho e há uma mancha vermelha no bico. Esta ave alimenta-se de grande variedade de presas, como peixes (muitos obtidos nos desperdícios da pesca, pelo que é considerada oportunista em termos de dieta), micromamíferos, aves marinhas, passeriformes, e de lixo orgânico, etc. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas o número de casais é superior a 3900; nas Selvagens, não ultrapassa os 30. As populações desta gaivota têm crescido devido à sua associação com o Homem. Excetuando nas Selvagens, não está ameaçada. Garajau ou garajau-rosado ou gaivina-rosada (Sterna dougallii dougallii (Montagu, 1813)). Trata-se de uma ave da família Sternidae, ordem Charadriiformes. Ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Selvagens, no arquipélago dos Açores, na Europa, na América do Norte, nas Índias Ocidentais e em África. O seu habitat preferido são as falésias localizadas a baixa altitude e os ilhéus situados em zonas remotas. Esta ave possui o peito ligeiramente rosado na primavera, bico de ponta preta; quando pousada, as penas da cauda ultrapassam as asas estendidas para trás. Nidifica essencialmente na Ponta de São Lourenço, nas Selvagens, nos ilhéus rochosos ou arenosos dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens, e longe da perturbação humana. Provavelmente, as principais ameaças à sua sobrevivência são a destruição do seu habitat e os predadores introduzidos. Quanto ao estatuto de conservação, a população regional desta subespécie é “vulnerável”; apesar desta classificação, não há qualquer programa de conservação dirigido à espécie. A sua proteção é conferida pelo facto de algumas zonas em que ocorre constarem de áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A ave encontra-se no anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Garajau ou gaivina (Sterna hirundo hirundo (Linnaeus, 1758)). Trata-se de uma ave da família Sternidae, ordem Charadriiformes. Ocorre em todas as ilhas do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens, com maior incidência nas zonas costeiras, a baixa altitude, e em pequenos ilhéus, onde nidifica. Na Selvagem Pequena e no ilhéu de Fora nidifica em praias de areia. Nestes arquipélagos, ocorre essencialmente entre os meses de março e setembro, em colónias de dimensão reduzida. Com um comprimento total entre os 34 e os 37 cm e uma envergadura entre os 70 e os 80 cm, o bico é vermelho e robusto e o peito é branco. Distingue-se do garajau-rosado, entre outros aspetos, pelo facto de, quando pousada, a sua cauda não ultrapassar a ponta das asas compridas e estreitas. Esta ave de patas curtas alimenta-se essencialmente de pequenos peixes, crustáceos e insetos. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 250 e 2500 aves. As principais ameaças à sua sobrevivência são a ocupação, a alteração e a destruição do litoral. Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal do ano de 2005 tem o estatuto de conservação “vulnerável”. Esta ave ocorre e nidifica em áreas do PNM e em áreas da Rede Natura 2000. Encontra-se no anexo I da diretiva “Aves” e no anexo II da Convenção de Berna. Galinha-de-água (Gallinula chloropus (Linnaeus, 1758)). Trata-se provavelmente da subespécie Gallinula chloropus chloropus. É uma ave da família Rallidae, ordem Gruiformes. Esta espécie ocorre na Europa, na Ásia, na África e na América. Na Macaronésia, podemos observá-la nos Açores, na Madeira, nas Canárias e em Cabo Verde. No arquipélago da Madeira, a ave nidifica nas ilhas da Madeira e do Porto Santo. O habitat desta ave inclui charcos e lagoas com vegetação densa nas margens, e ela pode ser ocasionalmente vista na foz de algumas ribeiras. Podemos observá-la na lagoa do Lugar de Baixo (ilha da Madeira), na lagoa do Dragoal e na lagoa da Serra de Dentro (ilha do Porto Santo). Também poderá ser observada noutras massas de água com características semelhantes às anteriores. Ave de médio porte, com cerca de 37 cm de comprimento total, facilmente identificável pela plumagem em tons de castanho, azulado e preto, fronte vermelha – tal como o bico, de ponta amarela – e patas claras e esverdeadas. A parte inferior da cauda é branca. Os dedos são bastante compridos. É omnívora, tendo uma dieta à base de plantas aquáticas e suplementada com pequenos animais e ovos de outras aves. Existem poucos indivíduos na Madeira e no Porto Santo, provavelmente menos de 50. Essencialmente pelo reduzido efetivo, mas também pelo baixo número de potenciais locais de nidificação no arquipélago da Madeira, a espécie apresenta o estatuto “em perigo”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal na sua edição de 2005. Galeirão-comum (Fulica atra (Linnaeus, 1758)). É uma ave da família Rallidae, ordem Gruiformes. A espécie distribui-se pelas regiões paleártica, indo-malaia e australo-asiática. No arquipélago da Madeira, nidifica, pelo menos, na lagoa do Lugar de Baixo, na Foz da Ribeira do Faial e no Porto Santo. É uma ave de 36 a 42 cm de comprimento total e é facilmente identificável pelo bico e placa da fronte brancos e pelo corpo largo de cor cinzenta fuliginosa (parece preta). A cauda é curta e pequena e a cabeça arredondada e preta. No arquipélago da Madeira, o habitat disponível escasseia e é geralmente intervencionado pelo homem, pelo que o efetivo populacional deverá ser muito reduzido. Há ainda a referir a nidificação frequente da rolinha-da-praia ou borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus (Linnaeus, 1758)) no Porto Santo, onde a espécie tem o estatuto “em perigo”. As construções sobre dunas e a circulação de veículos sobre elas constituem as principais ameaças. Outra ave nidificante do arquipélago da Madeira, não referida acima, considerada na listagem de Romano e colegas do ano de 2010 (mas não considerada noutras fontes, como o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira), é o pato-real (Anas platyrhynchus (Linnaeus, 1758)). Há algumas espécies nidificantes ocasionais, como é o caso do garajau-escuro (Onychoprion fuscatus (Linnaeus, 1766)) e do pato mandarim (Aix galericulata (Linnaeus, 1758)). Fig. 9 – Fotografia de galeirão-comum (Fulica atra). Espécie com uma população reduzida na Madeira e Porto Santo e com distribuição restrita a pequenas massas de água. Lagoa do Lugar de Baixo, jan. 2014. Fonte: © José Jesus   Rola-turca (Streptopelia decaocto (Frivaldszky, 1838)). Trata-se de uma ave da família Columbidae, ordem Columbiformes. Provavelmente introduzida no arquipélago da Madeira, a espécie é originária do subcontinente indiano. Ocorre nas regiões paleárticas ocidental e oriental. O primeiro registo de nidificação na ilha da Madeira (na Ponta de São Lourenço) data de 2009. É uma ave de média dimensão, de 31 a 34 cm de comprimento total, e elegante. A cauda é longa. A plumagem é pálida; no entanto, existe uma barra preta estreita, delineada a branco, nos lados do pescoço. Alimenta-se essencialmente de matéria vegetal, como grãos. Foram já registados casos de nidificação de outra espécie do género, a rola-comum (Streptopelia turtur), possivelmente também introduzida pelo Homem. Não se conhecem os efeitos da introdução destas duas espécies de rolas. Para prevenir possíveis impactos graves, seria necessário o controlo destas aves e, eventualmente, a sua erradicação. Outras aves nidificantes, presumivelmente introduzidas pelo Homem, são o bico-de-lacre (Estrilda astrild (Linnaeus, 1758)), o pato-mudo (Cairina moschata (Linnaeus, 1758)) e o periquito-de-colar (Psittacula krameri (Scopoli, 1769)). Há ainda outras espécies, possivelmente introduzidas, cuja nidificação na ilha da Madeira não está confirmada, como a caturra (Nymphicus hollandicus (Kerr, 1792)) e o papagaio-do-senegal (Poicephalus senegalus (Linnaeus, 1766)). Fig. 10 – Fotografia de pato-mudo (Cairina moschata). Espécie provavelmente exótica e em plena expansão da área de distribuição. Lagoa do lugar de Baixo, dez. 2011. Fonte: © José Jesus   Muitas espécies de aves foram introduzidas para a caça, mas algumas foram depois dadas como extintas, como é o caso da galinha-d’Angola (Numida meleagris (Linnaeus, 1758)), da perdiz-moura (Alectoris barbara (Bonnaterre, 1792)), do faisão (Phasianus colchicus (Linnaeus, 1758)) e do pavão (Pavo cristatus (Linnaeus, 1758)). Outras espécies, de que existem referências, encontram-se extintas no meio selvagem do arquipélago da Madeira. Têm sido encontradas e descritas espécies fósseis, especialmente encontradas nas dunas da Piedade e no Porto Santo, tais como o mocho (Otus mauli (Rando et al., 2012)), o ralídeo, (Rallus lowei (Alcover et al., 2015)), uma espécie robusta que possuía asas pequenas e não voava, ambas encontradas na ilha da Madeira, e o Rallus adolfocaesaris (Alcover et al., 2015), uma espécie menos robusta do que a anterior e encontrada na ilha do Porto Santo. Muitas outras espécies fósseis das dunas da Piedade e do Porto Santo poderão estar por descobrir ou descrever. A organização BirdLife International tem um programa cujo objetivo é identificar, proteger e gerir uma rede de áreas relevantes para a viabilidade, a longo prazo, de populações naturais de aves, mediante critérios estabelecidos internacionalmente. Estas áreas recebem a designação de Important Bird and Biodiversity Areas [Áreas Importantes para as Aves e Biodiversidade] (IBAs). As IBAs do arquipélago da Madeira e as principais espécies em cada uma delas encontram-se a seguir referidas: Laurissilva (código: PT083, área: 15.242 ha): alma-negra, cagarra, fura-bardos, pombo-trocaz, andorinhão-da-serra e canário-da-terra. Maciço montanhoso oriental (código: PT084, área: 3411 ha): freira-da-madeira, fura-bardos, pombo-trocaz, andorinhão-da-serra e corre-caminhos. Ilhas Desertas (código: PT085, área: 1384 ha): freira-do-bugio, alma-negra, cagarra, pintainho, roquinho, andorinhão-da-serra, corre-caminhos e canário-da-terra. Ilhas Selvagens (código: PT086, área: 265 ha): alma-negra, cagarra, pintainho, calcamar, roquinho, corre-caminhos. Ponta de São Lourenço (código: PT087, área: 321 ha): alma-negra, pintainho, roquinho, gaivina-rosada, gaivina, andorinhão-da-serra, canário-da-terra e corre-caminhos. Ponta do Pargo (código: PT088, área: 1161 ha): roquinho, fura-bardos, andorinhão-da-serra, corre-caminhos e canário-da-terra. Ilhéus do Porto Santo (código: PT089, área: 204 ha): pintainho, andorinhão-da-serra, corre-caminhos, canário-da-terra. Porto Santo-Oeste (código: PT090, área: 929 ha): roquinho, gaivina, gaivina-rosada, andorinhão-da-serra, corre-caminhos, canário-da-terra. [table id=101 /] [table id=102 /]   *Registos dúbios ou não confirmados **Possibilidade/indícios de nidificação   José Jesus (atualizado a 23.01.2017)

Biologia Terrestre

radiodifusão portuguesa / rdp - madeira

A 28 de maio de 1941, o Diário de Notícias da Madeira, citando o Diário dos Açores, com uns dias de atraso, compreensível para a época, anunciava na 1.ª página que “um emissor regional da Emissora Nacional está a ser instalado na cidade de Ponta Delgada”. O matutino da rua da Alfândega acrescentava que “a Madeira também espera igual melhoramento’’. Estava então em marcha um plano do Ministério das Obras Públicas e Comunicações “para remodelar amplamente os serviços de radiodifusão”, que incluía a Madeira entre as terras que vão ser dotadas com um emissor regional. ‘‘Embora ainda nada conste sobre essa instalação” – adianta a notícia –, “é de admitir que ela venha a ser um facto palpável num próximo futuro, tanto mais que a Madeira representa um alto valor no quadro dos domínios da soberania portuguesa” (“Um Emissor…”, DNM, 28 maio 1941, 1). Só que o futuro, que se desejava breve, tardou 26 anos. Na costa norte, com o auxílio de grandes antenas, era possível ouvir a Emissora Nacional e o Rádio Clube Português com alguma qualidade, o que não acontecia no sul e sudoeste. Face à deficiente eletrificação nos concelhos rurais, os poucos aparelhos de rádio (telefonias) aí existentes eram, em muitos casos, alimentados por baterias de automóveis. Mais tarde, com a regionalização da Empresa de Eletricidade da Madeira (EEM), através do dec.-lei n.º 31/79, de 24 de fevereiro, ‘‘são lançadas as grandes obras com vista à completa eletrificação da ilha da Madeira’’ que só se veio a atingir nos anos 80. Sem rádio nem televisão, e com imensas carências de múltipla ordem, nomeadamente ao nível da rede rodoviária, a Madeira sentia-se limitada pela sua secular insularidade. A chamada “pérola do Atlântico” dividia-se de forma vincada em cidade e campo; dê-se como exemplo o aeroporto, inaugurado apenas a 8 de julho de 1964, com uma pista de 1600 metros e sem capacidade para receber voos intercontinentais. A grande porta dos madeirenses era o mar, mas o alargamento do porto só ficou concluído em 1961, 48 anos depois de ter sido criada a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal, a 13 de agosto de 1913. A Emissora Nacional de Radiodifusão (EN), inaugurada oficialmente a 4 de agosto de 1935, instalou o Emissor Regional da Madeira a 22 de outubro de 1967, quase 26 anos depois do início da radiodifusão nos Açores que ocorreu a 28 de maio de 1941. Um ano antes, fora publicada a primeira Lei Orgânica da EN (dec.-lei n.º 30.572), que consagrou a criação dos emissores regionais do Porto, Coimbra e Faro. O Funchal ficou esquecido durante quase três décadas até que, finalmente entrou em funcionamento um emissor de 1 kW em onda média (OM), na frequência de 1332 quilociclos por segundo, na Escola do Tanque, na freguesia do Monte, para a cobertura da cidade durante um período experimental. Rui Ivo Nunes Pereira foi o primeiro diretor (designado por Intendente), tendo sido empossado, em Lisboa, com mais de dois anos de antecedência, a 28 de maio de 1965. A abertura da primeira emissão coube ao locutor Virgílio Gonçalves. Os estúdios ficavam na rua dos Netos, n.º 27, havendo dois pequenos períodos diários de emissão: de segunda-feira a sábado das 11.30 h às 14.00 h e das 19.00 h às 23.00 h; e aos domingos, entre as 12.00 h e as 23.00 h. Na altura, o país ouviu pela primeira vez a reportagem em direto da passagem do ano na Madeira. A 24 de março de 1968, assistiu-se à transmissão do primeiro relato de um jogo futebol (entre o Marítimo e o Lusitânia dos Açores) por Artur Agostinho e Armindo Abreu, no Estádio dos Barreiros, a contar para a Taça de Portugal. Em 1969, teve lugar a ampliação dos estúdios e entrou em funcionamento uma Central Técnica, procedendo-se ao aumento da potência para 10 kW, na Estação do Monte. Fez-se a primeira emissão em frequência modelada (FM) (na frequência de 96.0) para o Funchal com um emissor de 50 W, instalado nos estúdios. Em 1971, alargou-se ligeiramente o tempo de programação, normalmente preenchido com gravações vindas em bobinas do Serviço de Intercâmbio de Lisboa, passando-se a emitir um espaço regional de produção própria, apresentado por Armindo Abreu, entre as 10.00 h e as 11.30 h, de segunda a sexta-feira. Em 1974 a EN consegue outro estatuto, abrindo-se a antena entre as 07.00 h e as 24.00 h. No dia 25 de abril de 1974 (o dia da Revolução dos Cravos), e igualmente no dia seguinte, o responsável pelo Emissor Regional da Madeira da EN, revelando incerteza ou desconfiança sobre o que se passava na capital, mas que já se refletia bastante nas ruas do Funchal, não aderiu prontamente ao Movimento das Forças Armadas (MFA), para o que lhe bastava transmitir em cadeia com a emissão a nível nacional. Em consequência dessa tomada de posição, e depois de os funcionários terem enviado um telegrama ao MFA, alertando para a situação, verificou-se o afastamento do Intendente, António Vermelho Corral, substituído pelo locutor de 2.ª classe Duarte Manuel da Câmara Brito Gomes (Duarte Canavial), conforme noticiou, na abertura, o Diário Sonoro das 20.00 h do dia 27 de Abril. Tempos depois, no decorrer do chamado Verão Quente de 1975, período de grande tensão política entre a esquerda e a direita, houve um atentado bombista no centro emissor do Monte, a 22 de agosto, que provocou a interrupção da emissão em OM durante dez dias. A 7 de outubro, os estúdios são ocupados durante cerca de quatro horas por um grupo que se intitulou de “retornados” (portugueses regressados das antigas províncias ultramarinas) que exigia uma emissora livre, fora do controlo de fações esquerdistas, e a readmissão dos locutores Armindo Abreu, Duarte Canavial e Juvenal Xavier; horas depois, deu-se uma contrainvasão por um grupo do Sindicato da Construção Civil, que ficava nas traseiras do prédio do Emissor Regional. O Comando Militar da Madeira ordenou a desocupação das instalações, garantindo a sua vigilância durante um mês. A 2 de dezembro de 1975, o governo de Pinheiro de Azevedo nacionalizou a rádio “no território continental” (decreto-lei n.º 674-C/75) e foi constituída uma empresa pública de radiodifusão (EPR), depois denominada Radiodifusão Portuguesa, EP (RDP), com o objetivo de “reconduzir a atividade de radiodifusão às dimensões e características de um serviço público que sirva o povo e a Revolução”. Por não haver qualquer referência às ilhas adjacentes por parte do legislador (era ministro da Comunicação Social Almeida Santos), não são abrangidos pelo diploma o Posto Emissor do Funchal e a Estação Rádio da Madeira. A 24 de maio de 1980, a delegação da Madeira tornou-se um Centro Regional (dec.-lei n.º 155/80), funcionando como representação descentralizada, dotada de autonomia de gestão e financeira. Segundo o artigo 6.º, o diretor era nomeado pelo conselho de gerência da RDP, precedendo acordo do governo regional que, por sua vez, através do departamento competente, poderia propor, também, a sua exoneração. A 1 de julho de 1982, com a inauguração do centro emissor do Arieiro, atingiu-se a cobertura total do arquipélago em OM (10 kW) e em FM (5 kW). Em 1983, principiaram as emissões em estereofonia. Data de 1984 a construção de um estúdio que possibilitou o desdobramento da programação em OM e FM. Em 1986, ocorre a ampliação da rede de FM com a estação do Paul da Serra, estendendo-se o sinal a parte da costa oeste. Com a instalação da estação do Porto Santo, em 1987, reforçou-se a penetração nesta ilha e também na costa norte da Madeira. Com a entrada em atividade de um estúdio auto-operado, em 1988, foi criado o 2.º Canal, com a designação de Super FM, que emitia entre as 10.00 h e as 02.00 h. Em 1989, prossegue a ampliação da rede de FM com a estação de Gaula (300 kW). Em 1990, houve novo aumento da potência do Monte para 500 W e do Paul da Serra para 200 W. Em 1991, arrancaram as obras do novo centro de produção do Funchal, na rua tenente-coronel Sarmento, num terreno com 1 265 m2 que fora adquirido em 1977. Em 1992, leva-se a efeito a ampliação da rede de FM do Canal 2, através das estações do Cabo Girão, Ribeira Brava, Pico do Facho (Machico) e Achadas da Cruz. Em dezembro, o mesmo sucedeu com a rede de FM do Canal 1, com as estações do Cabo Girão e do Monte. Em 1993, coloca-se um novo feixe hertziano em direção ao Pico do Arieiro e amplia-se a rede de FM do Canal 1, a partir do centro emissor do Monte e das estações do Paul da Serra, Achadas da Cruz, Ponta do Pargo, Pico do Facho (Machico), Porto Santo e Ribeira Brava. Em 1994, são montadas as estações de Gaula e da Encumeada. A abertura de um novo centro de produção era uma grande aspiração do Centro Regional da Madeira, sob a direção de Manuel Correia. A rádio pública funcionava num edifício da baixa da cidade, sem qualidade e sem condições, que sofreu uma série de obras de adaptação para se obter uma maior funcionalidade. O processo iniciou-se em maio de 1987, quando a RDP apresentou uma candidatura ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) para a edificação do novo centro. Em dezembro de 1988, a Comissão das Comunidades Europeias aprovou a concessão de um financiamento para o projeto, da autoria dos arquitetos Pedro Santos Costa e José Calheiros, celebrado a 9 de abril de 1990 (a primeira pedra foi lançada a 1 de setembro) e concluído no início de 1991. O edifício compunha-se de dois elementos contíguos de quatro e cinco pisos, interligados por uma galeria e terminando numa torre na zona oposta à entrada, para a colocação de antenas de feixes hertzianos. A área total de construção correspondia a 2985 m2. O centro foi equipado com três estúdios auto-operados, dois convencionais e um de média produção, além de uma central técnica de programas automática, programável e de comutação digital. A inauguração do primeiro centro de produção de rádio em Portugal construído de raiz registou-se a 14 de abril de 1993. A 28 de maio de 2011, e uma vez que se tinha efetivado, em 2004, a incorporação da RTP e da RDP na Rádio e Televisão de Portugal, a rádio transferiu-se para o edifício do Centro Regional da Televisão. A 5 de dezembro de 2012, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, “legítima representante dos cidadãos da Madeira e do Porto Santo, recomenda ao Governo da República que a verba referente à alienação das antigas instalações da RDP-M, à rua Tenente Coronel Sarmento, no Funchal, que se encontram encerradas desde 28 de Maio de 2011, reverta inteiramente em favor do reequipamento da RTP-M e da RDP-M”. A resolução n.º 2/2013/M da Assembleia Legislativa da Madeira foi publicada no Diário da República, I Série, n.º 6, de 9 de janeiro de 2013. A rádio do Estado mudou de residência pela terceira vez, passando a coabitar com a televisão, em Santo António. Com o aparecimento da televisão, a rádio deixou de ser a protagonista dos serões que reuniam a família à sua volta, embora na Madeira, onde as novidades demoravam muito mais tempo a entrar na moda, a sua idade da fama tenha sido mais prolongada, atingindo e porventura ultrapassando os anos 80 do séc. XX ainda com considerável vigor e penetração no tecido social. O transístor das grandes vozes foi perdendo audiências, mas continuou a ser uma força fundamental e indispensável no campo da nova informação, sobretudo pela sua inegável mobilidade e rapidez. Com o mundo novo da internet, a rádio mundializou-se, globalizou-se, deixou a aldeia e ganhou outra gama de ouvintes, que redescobriu a intimidade de um som antigo. No caso tipicamente madeirense, devido à orografia bastante acidentada que dificulta a propagação das ondas, a RDP teve de transformar-se, lançando uma vasta rede de emissores de FM para garantir a cobertura, que é assegurada na sua totalidade por 31 frequências MHz: Antena 1 (13 frequências): 90.2 (Ponta do Pargo), 92.0 (Massapez), 93.1 (Encumeada/Pico do Facho), 95.5 (Pico do Arieiro), 96.7 (Cabo Girão), 98.5 (Gaula), 100.5 (Porto Santo), 101.6 (Caniço), 101.9 (Paul da Serra), 104.3 (Achadas da Cruz), 104.6 (Monte/Santa Clara/Funchal), 105.4 (Calheta), 105.6 (Ribeira Brava); Antena 2 (5 frequências): 99.0 (Caniço), 99.4 (Cabo Girão), 102.4 (Funchal), 103.3 (Porto Santo), 106.3 (Gaula); Antena 3 (13 frequências): 89.3 (Caniço), 89.8 (Monte/Santa Clara/Funchal), 90.8 (Encumeada/Pico do Facho), 91.3 (Gaula), 93.3 (Paul da Serra), 94.1 (Pico do Arieiro), 94.6 (Ponta do Pargo), 94.8 (Cabo Girão), 95.7 (Massapez), 96.5 (Porto Santo), 103.1 (Ribeira Brava), 105.0 (Achadas da Cruz), 107.5 (Calheta). Mesmo com toda esta substantiva rede de emissores por vales e serras, a rádio deparou com uma grande e intransponível “parede” à sua transmissão com a construção, a partir de 1989, de 116 túneis rodoviários, que atingiram uma extensão de quase 80 km. Em setembro de 1997, o Serviço Técnico da RDPM, chefiado por Paulo Brazão, elaborou um estudo técnico-científico para a cobertura radiofónica do túnel da via rápida entre o Funchal e a Ribeira Brava. O projeto contemplava spotes (pequenas antenas de emissão) e traçados de cabos radiantes, capazes de difundir vários programas de FM e comunicações de um ou mais operadores. A administração da RDP autorizou a sua instalação nos túneis de Santa Clara, do Cabo Girão e da Ribeira Brava. Depois de autorizado pela Câmara Municipal do Funchal, em 22 de outubro de 1999, teve início a instalação desse sistema, que começou a funcionar a 5 de maio de 2000, sendo o túnel de Santa Clara o primeiro a possuir este tipo de cobertura no país. Alguns programas da rádio pública, sobretudo das décs. de 80 e 90 do séc. XX, têm um lugar especial no baú das recordações dos madeirenses que os ouviam: “Quotidiano”, “Duche da Manhã”, “Interferências de Verão”, “Quatro Linhas”, “AZERT” e a radionovela “Neto Herói”.   Estação Rádio da Madeira CSB 90 A Estação Rádio da Madeira (ERM), que teve origem no Rádio Clube da Madeira, calou-se definitivamente no dia 6 de agosto de 2000; a sua casa, no Pico dos Barcelos, foi demolida em agosto de 2013, encerrando a história de mais de meio século da chamada “emissora do cambado”. O seu fundador, Mário de Sousa Portela Ribeiro, vivera o aparecimento, em 1930, do Rádio Clube Português (RCP), propriedade de Botelho Moniz, onde exercera o cargo de diretor técnico; a mulher, Isabella Ferreira, fora locutora nas emissões da noite em inglês, em 1936, no início da Guerra Civil em Espanha. Contudo, divergências com Botelho Moniz fizeram-no partir para a Índia em 1940, regressando à Madeira depois da Segunda Guerra Mundial. Influenciado pelo facto de a Emissora Nacional não ser ouvida nas melhores condições, Mário de Sousa Portela Ribeiro pôs em marcha a ERM juntamente com o filho, Manuel Dayrell Marrecas Portela Ribeiro. Começaram pela construção artesanal de um pequeno emissor tecnicamente rudimentar em casa, depois mudaram-se para uma vivenda ali perto. As emissões experimentais dão os primeiros passos no dia 6 de janeiro de 1946, com Portela Ribeiro, Isabella Ferreira e os filhos, Edgar e Manuel. A cabina de locução era forrada com sacas de serapilheira para melhorar as condições de acústica. Mas havia um grave problema – não tinham licença dos Serviços Radioelétricos. Na resolução da situação, empenhou-se o governador do distrito autónomo do Funchal, João Abel de Freitas, que aprovara os estatutos do Rádio Clube da Madeira a 31 de dezembro de 1947, em conformidade com o parecer do Conselho Permanente da Ação Educativa, homologado pelo subsecretário de Estado da Educação Nacional. O Rádio Clube da Madeira tinha como fim “reunir os amadores que se interessam pela radiotécnica, promovendo assim o desenvolvimento da radiodifusão em Portugal”. Segundo a alínea b) do art. 2.º dos Estatutos, um desses fins seria “construir ou adquirir uma estação emissora de amador no Funchal e todas as outras que as circunstâncias aconselharem e permitirem” (ARM, GC, “Estatutos…”, cx. 3, 57, 1947). De início, funcionaria na referida sede do RCM, com 300 W. O alvará foi entregue a 3 de janeiro de 1948 e a tomada de posse sucedeu a 30 de março, na Associação Protetora dos Estudantes Pobres do Funchal. A primeira Assembleia Geral, sob a presidência do capitão Carlos Silva, realizou-se no Ateneu Comercial do Funchal a 14 março de 1948, tendo sido eleita a seguinte direção: Mário Portela Ribeiro, José Rafael Basto Machado, Vasco Paiva Brites, Mário Matos, Carlos Silva, Jaime Albuquerque Gonçalves e Luís Sacadura. Como suplentes, Pedro Pires e Carlos Santos. Em dezembro de 1959, começaram as obras de construção da nova sede, no Pico dos Barcelos. Para financiar o investimento, em grande parte suportado pelas economias da família, surgiu a ideia de transmitir um programa de discos pedidos que ocupava uma grande fatia da programação entre as 10.00 h e as 24.00 h, pagando os ouvintes 2$50 por cada vez que a música tocasse. Chegavam a ser 200 por dia, sendo as mais conhecidas para várias pessoas ao mesmo tempo. O rei dos discos pedidos era o brasileiro Teixeirinha – um gaúcho que não parava de cantar “Coração de Luto” e “Canarinho Cantador”. O auditório pedia cantigas para celebrar aniversários, casamentos e batizados; e muitas vezes os emigrantes dedicavam discos à família. Outra fonte de receita era, sem dúvida, os anúncios publicitários, a 15$00 por cada leitura. A programação procurou ter um papel de relevo na defesa dos interesses locais, com ênfase na divulgação de temas sobre agricultura, a cargo da revista Frutas da Madeira e da Junta Nacional dos Lacticínios. A história da Estação Rádio da Madeira CSB 90, comprimento de onda de 202 m e frequência de 1484 quilociclos por segundo, foi marcada por vários diferendos familiares entre Mário de Sousa Portela Ribeiro e os filhos. Mais tarde, com a legalização das rádios locais e a consequente distribuição de novas licenças, a ERM, que já possuía a frequência 96.0, motivou o interesse de José Paulo Ribeiro Moura e de Pedro Cirílio Freitas Gonçalves, que adquiriram o respetivo alvará e todos os meios técnicos. Porém, a nova empresa não conseguiu encontrar uma sede no Funchal, pelo que a Rádio Madeira – como era conhecida na sua fase final – acabou por desligar o seu emissor a 6 de agosto de 2000. Ficará lembrada como a estação jovem que abriu os seus microfones a estudantes e a produtores particulares. Na memória permanecerão programas como “Funchal-65”, “Quando o Telefone Toca”, “Comboio da Noite” e “Rádio Totobola” – o mais antigo em Portugal (com início em 1974).   Posto Emissor do Funchal C.S.3U.A. Em 1946, Eduardo António Santos Pereira propôs ao Conselho Diretivo da Sociedade de Concertos da Madeira que se criasse no Funchal uma emissora regional, proposta que foi aprovada por unanimidade, tendo-se dado todos os passos para se obter a respetiva autorização. A Direção dos Serviços Radioelétricos, entidade que concedia a licença para o funcionamento dos postos emissores, sugeriu que, uma vez que se encontrava pendente outro pedido feito no mesmo sentido pela firma Ramos & Ramos, se juntassem, criando-se uma só estação de radiodifusão particular no Funchal e evitando-se a dispersão de despesas. A 4 de julho de 1947, o projeto mereceu a aprovação do ministro das Comunicações; seria a primeira estação de rádio devidamente autorizada. Assim – depois de um período experimental –, em 28 de maio de 1948, às 18.00 h, com a presença de autoridades civis e militares da Madeira, eram oficialmente lançadas para o éter as palavras: “Aqui Funchal, Posto Emissor C.S.3U.A. a transmitir na frequência de 1529 quilociclos dos seus estúdios no Teatro Baltazar Dias” (CLODE, 2000, 154). Nascia assim o Posto Emissor do Funchal C.S.3 U.A. (PEF). No entanto, segundo a imprensa do dia 30, a data e a hora desta primeira emissão não foram as referidas. Com efeito, O Jornal (antecessor do Jornal da Madeira) escrevia que “fazendo parte das comemorações da data gloriosa da Revolução Nacional, realizou-se ontem às 12 horas a inauguração solene do Emissor Regional do Funchal, propriedade da Sociedade de Concertos da Madeira e da firma Ramos & Ramos” (O Jornal, 30 maio 1948,). Para o Diário de Notícias, a cerimónia teve lugar no dia 29, “integrada no programa comemorativo da data do 28 de maio, constituindo, sem dúvida, um dos números de maior audiência para o público” (“O acto inaugural…”, DN, 30 maio 1948, 6). Após a cerimónia, houve a transmissão de um concerto por Wera da Cunha Teles (canto), Lizetta Zarone (piano) e Pedro Lamy dos Reis (violino), professores da Academia de Música da Madeira. A insuficiente cobertura da Madeira pela Emissora Nacional, que “a maioria das vezes, transmitia mais ruídos do que novidades” (CLODE, 2000, 153), provocava o descontentamento dos ouvintes. Era preciso fazer alguma coisa para acompanhar a evolução da nova tecnologia da rádio. Impunha-se congregar esforços, conhecimentos e técnicas. Corriam então os primeiros meses de 1947. Um encontro de quem se dedicava à música e à sua divulgação (William Edward Clode e Luís Peter Clode) com quem estava ligado pelo saber e pelo comércio à eletrotecnia (Herculano Ramos e Arlindo Ramos) propiciou o nascimento do Posto Emissor de Radiodifusão do Funchal. Um técnico de rádio e rádio amador de reconhecido mérito nacional e internacional (João Higínio Acciaioly Ferraz) deu uma apreciável colaboração a esta iniciativa, à qual se juntou também, com entusiasmo, um apaixonado homem de teatro (Mário Basílio de Abreu), que foi o primeiro locutor. A primeira locutora do PEF, Maria Guida Gonçalves Câmara, era estudante da Escola Industrial e Comercial António Augusto Aguiar tendo sido “notada pela sua bela dicção” numa festa de alunos no Teatro Municipal. Guida Câmara “achava mais difícil falar ao microfone do que em palco em frente de toda a gente” (ANA MARIA, 1952, 14). Durante três anos, estúdios e emissor (este com a potência de150 W) estiveram localizados num dos camarins do Teatro Baltazar Dias. As emissões eram às terças, quintas e sábados das 20.00 h às 23.00 h, e aos domingos das 16.00 h às 19.30 h. Em 1952, os estúdios foram transferidos para a rua Fernão de Ornelas e a potência aumentou para 500 W. A 27 de abril de 1958, assinalou-se a primeira transmissão direta de um relato de futebol do Continente para a Madeira, por Joaquim Santos: tratou-se do encontro entre o Futebol Clube do Porto e o Club Sport Marítimo, no Estádio das Antas, para a 2.ª mão dos quartos de final da Taça de Portugal. Em 1959, o PEF instalou-se na rua da Ponte São Lázaro, subindo a potência para 1 KW e emitindo do centro instalado no Livramento, na freguesia do Monte. Em Lisboa já tinham começado as emissões regulares da RTP e o PEF tornou-se seu acionista, sendo depois eleito Presidente da Assembleia Geral. Em 1964, foi outorgada a escritura pública da Sociedade. Em 1967, formou-se a primeira estação de FM com 250 W, matrícula CSB 220, na frequência de 91.9 MHz, colocando-se o emissor no mesmo local dos estúdios. Com o aumento da potência para 1 KW (quatro vezes mais), saltou no quadrante para 92.0 MHz Em 1972, abriu novo centro nas Encruzilhadas (Santo António), onde foi montado o emissor de OM, substituído por outro de 10 KW em 30 de abril de 1987. O emissor de FM esteve no sítio da Barreira (Santo António), com a potência alterada para 2 KW. A 23 de abril de 2013, operou-se a concentração destes emissores no Chão da Lagoa. No seu Estatuto Editorial, constante do art. 34.º da lei 54/2010, o PEF, sob a direção de Teresa Clode, John Ramos, Luís Clode e António Ramos, define-se como “uma rádio privada, independente de quaisquer poderes políticos, económicos ou sociais, inspirando a sua atividade no quadro de valores e princípios da doutrina cristã”. Segundo o ponto 4 do mesmo Estatuto, “procura informar de forma isenta, rigorosa e pluralista, com respeito pelos princípios da ética e da deontologia, privilegiando os factos, os temas e as questões próprias da Região Autónoma da Madeira ou os que a ela se referem, sem prejuízo da restante informação de caráter nacional e internacional” (“A Rádio”, Posto Emissor do Funchal). Dezenas de programas enriqueceram a sua existência, como: “A Semana Passada Aconteceu”, “Enciclopédia Sonora”, “Paralelo 32”, “Vamos Todos Cirandar”, “Meia Hora dos Estudantes” e “Ao Cantar do Galo”. Membro da Associação de Rádios de Inspiração Cristã, o PEF passou a ser uma sociedade por quotas, com um capital social de 115.500 euros, distribuído pelo Seminário Maior de Nossa Senhora de Fátima (50.000), a Diocese do Funchal (50.000), Maria Francisca Teresa Clode (15.000) e a Sociedade de Concertos da Madeira (500).   Das rádios piratas às rádios locais A Rádio SOLMAR – Cooperativa de Radiodifusão CRL, fundada por Luís Ornelas Vasconcelos, surgiu como primeira “rádio pirata” da Madeira a 16 de junho de 1987, tendo o seu Conselho de Administração informado o diretor regional dos Serviços de Radiocomunicações, a 14 de outubro desse ano, de que passava a emitir na frequência de 88.8 MHz, todos os dias, com caráter experimental, utilizando um equipamento da marca RVR, modelo PTX 20. A 9 de janeiro de 1988, a SOLMAR solicitou o licenciamento de uma estação de radiodifusão em FM e estereofonia. Com um pequeno emissor de 15 W, emitiu inicialmente entre as 19.00 h e as 24.00 h e depois entre as 08.00 h e as 24.00 h, na freguesia do Imaculado Coração de Maria, no concelho do Funchal. Mas, por imperativos legais, as emissões terminaram a 24 de dezembro, durante o XI Governo Constitucional de Cavaco Silva, que mandou encerrar todas as «piratas» – um movimento que acabara com o monopólio do Estado. Escreveu-se uma breve história somente com 18 meses, porque a SOLMAR foi excluída dos concursos. Com a lei n.º 87/88, de 30 de julho (a lei da rádio), foram legalizadas as rádios locais, cabendo à Região Autónoma da Madeira 13 frequências. A 6 de março de 1989, são atribuídas apenas 8, 3 das quais para o Funchal – Estação de Rádio/Jornal da Madeira (88.8), Clube Desportivo Nacional/Rádio Clube (106.8) e Estação Rádio da Madeira FM (96.0) – e 5 aos concelhos rurais de Câmara de Lobos (Grupo Desportivo do Estreito/Rádio Girão 98.8), Machico (Rádio Zarco 89.6), Ponta do Sol (Rádio Sol 103.7), Ribeira Brava (Rádio Brava 98.4) e Santa Cruz (Rádio Palmeira 96.1). Em 2000, foram legalizadas as 5 restantes: Rádio S. Vicente (89.2), propriedade dos Bombeiros Voluntários de São Vicente e do Porto Moniz; Rádio Porto Moniz (102.9) da Associação de Desenvolvimento da Costa Norte da Madeira-IPSS (ADENORMA); Rádiourbe (91.6/Calheta), da Empresa de Produção e Comércio de Publicidade Lda.; Rádio Santana (92.1), da Empresa de Radiodifusão e Publicidade Lda; e Rádio Praia (91.6/Porto Santo), da Betamar Lda/Grupo Porto Santo Line. A Estação Rádio da Madeira, que já transmitia em OM desde 6 de janeiro de 1947, arrancou com as emissões em FM a 1 de setembro de 1989. Seguiram-se a Girão, no dia seguinte (a primeira fora do Funchal); a 6, a Jornal da Madeira; e a 9 de dezembro, o Rádio Clube. A 30 de maio de 1990, foi a vez da Rádio Zarco e da Rádio Palmeira; e a 15 de janeiro de 1993, da Rádio Brava e da Rádio Sol. A lei “sobre o exercício de atividade de radiodifusão” estabelece, no seu art. n.º 2, que a mesma pode ser exercida, também, por entidades privadas ou cooperativas. No entanto, o art. n.º 3 proíbe essa atividade aos “partidos ou associações políticas, organizações sindicais, patronais e profissionais, bem como autarquias locais, por si ou através de entidades em que detenham participação de capital”. Aprovado em 31 de maio de 1988, o concurso público para a atribuição das frequências foi lançado em janeiro de 1989. Passados 25 anos, observavam-se várias alterações em relação ao panorama inicial. A Girão, do Grupo Desportivo do Estreito, foi adquirida, em setembro de 1997, pelo Diário de Notícias e pela TSF, sendo autorizada a alteração da frequência 98.8 para 101.0. Com o decorrer das emissões, a Rádio Diário/TSF, verificando que a cobertura do Funchal, através de uma frequência de Câmara de Lobos, não tinha a qualidade desejada, vendeu a 101.0 ao Rádio Clube e comprou a 96.0 à Estação Rádio da Madeira, tendo sido alterada para 100.0. A Comunicamadeira-SGPS, SA adquiriu a totalidade do capital social do operador Brum Pacheco e Filhos, Unipessoal, Lda e a SPN-Sociedade Produtora de Notícias, Lda., detentora da Rádio Popular da Madeira (101.0), em Câmara de Lobos. A frequência 98.4 (ex-Rádio Brava) mudou para a Girão, que se tornou a Rádio Festival do Grupo RMV (Ramos, Marques & Vasconcelos, Lda.), dono da Zarco, Palmeira e Sol. Numa nova vaga de concursos, Manuel Pedro da Silva Freitas, utilizando a denominação Rádio Girão, de que foi diretor e um dos seus fundadores, ganhou a Rádio Santana FM (92.5), com o objetivo de colocar estrategicamente a antena no Pico do Arieiro (concelho de Santana) e deste modo chegar ao Funchal e a Câmara de Lobos. A Rádio do Clube Desportivo Nacional (106.8) passou para o Rádio Clube (Madeira), Lda., com a denominação de Rádio Clube, pertencendo a totalidade do capital social à Comunicamadeira que tem uma participação no Grupo RMV e assim atinge o limite das seis licenças. A 11 de maio de 2001, principiam as emissões da Rádio Porto Moniz e a 14 da Rádio S. Vicente, com microcoberturas para Boaventura e Ponta Delgada (99.2). A Rádiurbe, cujo capital social pertencia à SOSOL, passou para o Grupo AFA (AFAVIAS - Engenharia e Construções, SA), que fundou a Rádio Calheta a 10 de agosto de 2001, com três microcoberturas para Ponta do Pargo e Fajã de Ovelha (107.1), Paul do Mar e Jardim do Mar (104.3) e a zona baixa do concelho (102.7). No ano seguinte, este Grupo comprou a Santana FM, fundada por Manuel Pedro da Silva Freitas, que havia formado uma sociedade com Filomena Pereira Pestana Figueira de Freitas e João da Silva de Azevedo Freitas, que era titular do alvará desde 1 de setembro de 2001. A Santana FM, de 4 de maio de 2002, possui uma microcobertura para o Arco de São Jorge, São Jorge e Ilha (105.5 MHz).   Rádio Renascença Por causa da necessidade da ocupação legal de duas frequências na Madeira, propriedade da Rádio Renascença, as suas emissões – RR (88.0) e RFM (93.6) – tiveram início, a 19 de julho de 2010, através do centro emissor do Pico da Silva, na Camacha. Para o presidente do Grupo r/com, Cón. João Aguiar Campos, foi o culminar de um projeto antigo, “que vai permitir servir melhor os madeirenses que querem acompanhar as emissões da Renascença” (“Madeira: Renascença…”, Diário Digital, 21 jul 2010). Acrescente-se que o Posto Emissor do Funchal e a Rádio Jornal da Madeira já transmitiam, em simultâneo, alguns programas da Emissora Católica Portuguesa.   TSF-Madeira 100 FM A Rádio DIÁRIO-TSF, mais tarde TSF-Madeira, abriu os microfones no Funchal, no dia 4 de novembro de 1977, sob a direção do ex-jornalista da RDP-Madeira António Ivo Caldeira. Posteriormente, a Telefonia Sem Fios passou a ser dirigida por Ricardo Miguel Oliveira, também diretor do Diário de Notícias do Funchal, tendo como sócios José Bettencourt da Câmara, membro executivo do Conselho de Gerência da Empresa do Diário de Notícias, Lda., e Carlos Alberto Batalha de Oliveira, que possui a participação total no capital social da Rádio Comercial dos Açores, Lda., em Ponta Delgada. A Notícias 2000 FM – Atividade de Radiodifusão Sonora, Lda. – possui o alvará para a cobertura local desde 6 de março de 1989, estando o serviço de programas registado sob a denominação Rádio Notícias TSF Madeira, frequência 100.00 MHz, no concelho do Funchal. Em 2015, os estúdios estavam integrados nas instalações do Diário de Notícias. A emissão da TSF é preenchida, na segunda década de 2000, com produção regional e simultâneos com a TSF nacional, desenvolvendo um projeto centrado mais no jornalismo do que no entretenimento.   Juvenal Xavier (atualizado a 17.13.2017)

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