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susan harriet vernon harcourt

Lady Susan Harriet Vernon Harcourt nasceu em 1824 e recebeu o nome de Susan Harriet Holroyd. Era filha do 2.º conde de Sheffield (1802-1876) e casou-se, em agosto de 1849, com Edward William Vernon Harcourt (1825-1891). No ano anterior ao do seu casamento, lady Susan acompanhou o noivo à Madeira com sua mãe, a condessa de Sheffield. Edward já tinha estado na Madeira de outubro de 1847 a abril de 1848., e esteve com a noiva de novembro de 1848 a maio de 1849. Volta à Ilha depois do casamento, de novembro de 1849 a maio de 1850 e de novembro de 1850 a abril de 1851. Na família Harcourt parece ter sido tradição, entre os que apresentavam debilidades físicas, a passagem do inverno na Madeira, onde esteve o pai de Edward, Rev. William Vernom Harcourt, e, no inverno de 1847 para 1848, seu irmão William George Granville Venables Vernon Harcourt (1827-1904), depois ministro do Interior de um dos governos da rainha Vitória e uma das figuras políticas determinantes do seu tempo; mais tarde, o filho deste também frequentaria a Madeira (Turismo terapêutico). O álbum de lady Susan Harcourt Sketch of Madeira, editado em Londres, em 1851, por Thomas McLean, espelha a educação das classes abastadas da sua época, a que não escapava a autora e o marido, que edita na mesma data e pelo mesmo editor A Sketch of Madeira, Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitor, dedicado à sogra, condessa de Sheffield. Edward também se interessava por ornitologia e daria à estampa as suas observações sobre as aves da Madeira, igualmente editadas em Londres, em 1855. Trocava, inclusivamente, correspondência com Charles Darwin; da qual se extraíram as informações sobre as suas deslocações à Madeira. O conjunto de litografias de lady Susan reúne 22 vistas da Madeira, litografadas pela própria ou pelo menos com a sua colaboração. Destas litografias 3 são em grande formato, demonstrando muito boa qualidade de desenho, com um traço suave, delicado e feminino, abarcando os grandes planos gerais e esboçando somente os pequenos detalhes. Desconhece-se o destino dos originais, bem como de posteriores trabalhos da autora, que terá passado a dedicar-se inteiramente à educação dos dois filhos. Morre aos 64 anos, em abril de 1894. A documentação da família encontra-se hoje integrada na Bodleian Library da Universidade de Oxford, onde, em conformidade com o que foi dito não constam os desenhos originais nem referência a trabalhos posteriores, que talvez se mantenham na posse da família. O conjunto editado do casal Harcourt enquadra-se no “grand tour” de educação das sociedades europeias abastadas, que olhavam para a Madeira como um destino no leque de possibilidades do turismo terapêutico. Ao mesmo tempo, este conjunto retrata uma nova posição e atitude da mulher ao longo do séc. XIX, que não só desenha em público, o que até então era quase impossível, como edita depois as suas obras, podendo, inclusivamente, trabalhar na sua passagem à litografia. Poucos anos antes, em 1845, também Jane Wallas Penford (1821-1884) editara os seus trabalhos em Londres, no conjunto Madeira Flowers, Fruits, and Ferns, este elaborado a partir de aguarelas feitas na sua propriedade da quinta da Achada – e não em público – e de litografias posteriormente aguareladas pela sua mão, também na sua quinta do Funchal. Edward Harcourt tece algumas considerações sobre os desenhos da sua então ainda noiva lady Susan, onde descreve a dificuldade em captar o cenário grandioso da paisagem madeirense, face à contínua mudança de luminosidade. Ao contrário da permanente neblina dos ambientes nórdicos, na Madeira a constância dos brilhos alterava-se constantemente pela simples passagem de uma nuvem. O autor conta ainda as dificuldades em que se via a pintora ao iniciar o seu trabalho, por ser de imediato rodeada de inúmeros observadores que, parecendo não ter mais nada para fazer, ali se mantinham inabaláveis durante horas a fio. Informa e alerta também os futuros leitores sobre a taxa imposta pela Alfândega do Funchal aos desenhos levados da Ilha, 6 xelins e 8 pences por libra de peso, o que considerava um verdadeiro exagero, mas que configura a consciência do interesse económico dos mesmos por parte das autoridades aduaneiras insulares.   Rui Carita (atualizado a 30.12.2017)

Artes e Design Madeira Global Sociedade e Comunicação Social

grupo de folclore da casa do povo de gaula

O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula foi fundado a 16 de setembro de 1978 e tem por objetivo principal divulgar e preservar as tradições da sua terra, através das danças, dos cantares, dos trajes, da reconstituição de costumes e de atividades culturais. Conta com uma intensa atividade, com atuações diversas em festas tradicionais, arraiais e vários eventos culturais, e com a participação em festivais e encontros de folclore. Dos seus registos musicais fazem parte a edição de dois CD (2009 e 2015) e a participação, com o tema “Chama-Rita de Gaula”, no DVD O Melhor do Folclore da Madeira (2014). Palavras-chave: folclore; trajes; música; dança; tradições populares.   O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula foi fundado a 16 de setembro de 1978, por alturas da festa de N.ª Sr.ª da Luz, padroeira da freguesia de Gaula. A iniciativa de formar um grupo de folclore partiu de um conjunto de jovens, com o apoio do P.e Alfredo Aires de Freitas. Chamava-se “Grupo de Folclore de Gaula”. Em 1987, passa a denominar-se “Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula”, ao integrar a Casa do Povo de Gaula, recentemente constituída. De 1987 até 2013, o Grupo foi dirigido por M.a de Fátima Vieira Quintal, substituída depois por Manuel Sena, que assume a liderança em 2014. Na sua formação inicial, contava com cerca de 25 elementos, número que foi aumentando ao longo dos anos, até chegar a cerca de 40 elementos em fevereiro de 2016. As suas idades variam entre os 4 e os 64 anos, predominando a faixa etária dos 15 aos 30 anos. O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula tem como principal objetivo divulgar e preservar as tradições locais, através das danças, dos cantares, dos trajes e da reconstituição de costumes. Gaula é uma freguesia pertencente ao concelho de Santa Cruz e foi fundada a 13 de setembro de 1509. Supõe-se que a origem do seu nome possa estar associada às novelas de cavalaria que têm como protagonista a figura de Amadis de Gaula. Gaula é conhecida por ser a freguesia dos adelos e das amoras. Antigamente, existiam muitos homens, conhecidos por “adelos”, que se dedicavam ao comércio ambulante, vendendo a crédito pelas freguesias da Madeira, e que eram provenientes de Gaula. Os adelos vendiam, principalmente, tecidos (a metro), mercadoria que já se comercializava na Ilha nos princípios do séc. XVII. Eram tidos como homens bem-educados, bem-falantes e bem vestidos. O seu traje típico é constituído por camisa branca, casaco e chapéu escuros e botas chãs. Além da figura do adelo, característica da freguesia, o Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula procura representar, na sua indumentária, a variedade cultural típica da sua terra, e testemunhar a vivência dos seus antigos habitantes. Assim, apresenta o “traje de trabalho”, o “traje de cote” (quotidiano), o “traje de romaria” e o “traje domingueiro”, em uso desde o séc. XVIII até princípios do séc. XX, algo que resulta de investigações em livros e gravuras e de recolhas orais junto dos residentes mais idosos da localidade. No traje feminino, sobressaem as saias compridas, listadas ou de cor única. As saias listadas apresentam várias cores: fundo vermelho, com listas de cor verde, amarela e azul (o típico padrão madeirense); verde e branca; castanha e laranja; preta e branca; branca e castanha. As saias compridas de cor única apresentam também cores variadas, podendo ser de tonalidade castanha, vermelha, cor de vinho, branca, rosa, amarela ou ainda preta. Algumas saias lisas têm um ornamento de outra cor na roda, como a saia de cor castanha, debruada a vermelho, ou a saia vermelha, com um apontamento branco. As saias compridas, listadas ou de cor única, são acompanhadas por blusas brancas, abotoadas à frente, junto ao pescoço, com botões dourados, e por coletes, vermelhos ou pretos, bordados. Alguns elementos femininos usam uma capa, que pode ser vermelha, preta ou amarela. A indumentária complementa-se com um ornamento para a cabeça, a carapuça feita em lã, de cor azul, forrada a vermelho, ou vermelha, debruada a azul. Algumas mulheres também usam um lenço branco, por baixo da carapuça, designado popularmente por “cobre nuca” ou “toalha de cabeça”, sendo este o acessório que diferenciava as casadas das solteiras. Os trajes femininos mais simples são compostos de saias compridas de cor única, acompanhadas de blusas com motivos florais e um lenço na cabeça. No traje masculino, imperam as cores escuras ou o branco (em fatos de linho ou de seriguilha). Os homens vestem: calças pretas e colete preto; calção e colete preto; calças brancas e colete preto ou casaco preto; e ainda calção branco largo, com franzido sobre o joelho. A indumentária masculina completa-se com camisa branca em todas as variantes do traje. Na cabeça, os homens usam carapuça azul, chapéu preto ou barrete de orelhas feito com lã de ovelha. Homens e mulheres usam a tradicional bota chã, confecionada com pele de cabra e sola em pele de vaca, nos modelos masculino e feminino (com uma tira vermelha à volta do cano, no caso das mulheres). Como adereços, o grupo ostenta um cesto de bordado, uma cesta de almoço, um garrafão de cinco litros, uma banheira da lavadeira, um aguador e uma foice. A atividade do Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula tem sido profícua e variada. Na Madeira, regista-se a sua presença em arraiais e em festas tradicionais e religiosas, como nos cantares dos Reis, nas visitas do Espírito Santo, nas missas do parto, nos cantares de Natal, nas festas de Santo Amaro, em Santa Cruz, e nas festas de Natal e fim de ano, no Funchal. Tem participado em diversos eventos culturais realizados na Ilha, como a Festa da Castanha e o Arraial da Ginja, no Curral das Freiras, a Feira das Sopas do Campo, em Boaventura, a Festa da Cebola, no Caniço, a Expo Madeira, no Funchal, entre muitas outras comemorações e festas populares. O Grupo conta também com atuações em unidades hoteleiras e em restaurantes madeirenses, onde usa, sobretudo, o traje típico madeirense, mais conhecido pelo turista. A participação em festivais e encontros de folclore, regionais e nacionais, tem sido uma constante na dinâmica do Grupo, proporcionando-se intercâmbios culturais com outros agrupamentos de folclore e etnográficos. Na Madeira, além da presença regular no Festival Regional de Folclore, destaca-se, em agosto de 2004, a atuação na IV Gala Internacional de Etnografia e Folclore Manuel Ferreira Pio, realizada no Monte, Funchal, que contou também com a participação de grupos de fora da Ilha, v.g., o Grupo Amigos de Punta Rasca (Canárias) e o Grupo Dr. Gonçalo Sampaio (Braga). No âmbito nacional, destacam-se as suas representações em intercâmbios culturais, com os seguintes grupos: Grupo Folclórico e Etnográfico de Fermentelos, em Aveiro (1995 e 2001); Rancho Folclórico “Podas e Vindimas”, em Arruda dos Vinhos (1996); Rancho Folclórico “Os Rurais”, de Água Derramada, no concelho de Grândola, distrito de Setúbal (1997); Grupo Folclórico e Etnográfico de Corredoura, em Guimarães (1998); Grupo de Folclore da Relva, em São Miguel, Açores (1999); e Grupo Folclórico de Fajarda, em Santarém (2002). O Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula, em colaboração com iniciativas da Junta de Freguesia de Gaula, recriou antigas tradições da freguesia, e.g., em 2011, a representação “Levar Comer aos Hômes”, uma tarefa do quotidiano de Gaula, dos anos 50 e 60 do séc. XX, e, em 2013, a “Reconstituição Histórica de Lavar Roupa nos Lavadouros dos Anos 60 do Século XX”, ambas integradas nas festas da freguesia de Gaula. Do seu repertório musical fazem parte bailados e canções recolhidos na localidade – destacando-se o “Chama-Rita de Gaula”, um dos bailados mais antigos da freguesia, executado em roda, e que apresenta características mouriscas –, bem como temas comuns à ilha da Madeira. Os instrumentos musicais do Grupo incluem os cordofones tradicionais madeirenses (viola de arame, braguinha e rajão), tréculas, ferrinhos, brinquinho, bombo, reco-reco, pandeireta, violino e acordeão. Em 2009, contribuíram para o engrandecimento do acervo musical do folclore madeirense, com a edição do seu primeiro CD, composto de 14 peças musicais, nomeadamente “Brinco de Oito”, “ABC do Amor”, “Chama-Rita”, “Pum-pum, Dá-lhe, Dá-lhe”, “Cantiga dos Reis”, “Bate Viradinho ao Chão”, “Mourisca”, “Os Dez Mandamentos”, “Homenagem ao Sr. Marino Marujo (Mourisca)”, “O Paspalhão”, “Dona Alberta”, “Menina Que Sabe Ler”, “Vamos Saltar ao Pau” e “Minha Terra é a Madeira”. Em setembro de 2015, lançaram o segundo CD (no âmbito das comemorações do seu 37.º aniversário e do arraial de N.ª Sr.ª da Luz), composto de 14 temas, alguns dos quais já editados no primeiro. A título coletivo participam, em 2014, com o tema “Chama-Rita de Gaula”, no DVD O Melhor do Folclore da Madeira, um projeto da Secretaria Regional da Cultura, Turismo e Transportes, que juntou 14 grupos folclóricos madeirenses.   Sílvia Gomes (atualizado a 13.12.2017)

Cultura e Tradições Populares Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

indústrias do turismo

O alerta oficial para o turismo e todas as futuras indústrias relacionadas com o mesmo ficou a dever-se ao Gov. José Silvestre Ribeiro (1807-1891), que, a partir de 1847, desenvolveu uma intensa pressão sobre toda a sociedade insular nesse sentido. O governador implantou, inclusivamente, a iluminação pública no centro da cidade, no que envolveu a Câmara Municipal e os comerciantes, tentou criar normas de relação cívica “com os inúmeros estrangeiros que nos visitam”, propôs a edição de “memórias históricas” (MENESES, 1849, I, 607-608), no âmbito dos anais municipais e chegou mesmo a propor a sua publicação em várias línguas, e, no palácio de S. Lourenço, em 1850, realizou uma exposição industrial que foi a base da representação madeirense na célebre Exposição Universal de Londres do ano seguinte. Datam dessa época o desenvolvimento dos serviços de instalação e transporte dos forasteiros, que deixam de alugar prioritariamente as antigas quintas madeirenses para optarem por instalações hoteleiras, e dos transportes locais, como os carros de cesto do Monte e os carros de bois, e o lançamento das indústrias de artesanato, como bordados, vimes e embutidos, que atingiram depois padrões de certa qualidade na Madeira, dada a sua ligação à indústria geral do turismo. Com profundas raízes na cultura e nas tradições locais, o seu aproveitamento económico, com o aumento dos índices de turismo na Ilha, apresentou aspetos totalmente novos e até inesperados, como é o caso dos bordados, cujo peso económico chegou, pontualmente, a ultrapassar o dos vinhos. A indústria dos bordados na Madeira, enquanto indústria, foi introduzida pelos Ingleses; não que não houvesse já trabalhos de bordado, mas foi com os comerciantes ingleses que este trabalho se adaptou progressivamente aos vários mercados internacionais. As primeiras referências que temos na Ilha à sua existência datam de 1849, quando o futuro conselheiro José Silvestre Ribeiro os refere como “produtos e artefactos de algum merecimento”, numa nota exarada do Governo Civil do Funchal em 23 de novembro desse ano, depois transcrita num periódico continental (Revista Univesal Lisbonense, 1849, 133-134). Com a crise de 1847, o célebre “ano da fome”, o Gov. José Silvestre Ribeiro reativara a anterior “Comissão Central de Auxílio”, que funcionara entre 1843 e 1844. A ideia foi lançada na “Assembleia-geral” realizada a 4 de fevereiro desse ano de 1847, no palácio de S. Lourenço, reunindo os elementos do Conselho do Distrito, e então alargada a outras autoridades. Foi nessa assembleia que se propôs a reativação da antiga “Comissão de Auxílio”, o que se efetivou no dia 6 seguinte, com o título de “Comissão de Socorros Públicos”, e que se constituiu ainda comissões concelhias. A comissão central foi constituída pelo prelado D. José Xavier Cerveira e Sousa (1810-1862), como presidente, Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcelos, John H. Holloway, William Grant e João Francisco Florença, como vogais, e, como secretário, Joseph Selby, então vice-cônsul inglês no Funchal e depois também cônsul da Dinamarca (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 39). Os fundos recolhidos por esta comissão haveriam de ser investidos em obras públicas e, também, no artesanato dos bordados, reconhecendo o trabalho já efetuado por algumas mulheres madeirenses e que as mesmas, através do seu trabalho, poderiam contribuir para o sustento dos seus agregados familiares. Em 1850, na exposição industrial de S. Lourenço, já há referências à presença de panos e de bordados e, para a célebre Exposição Universal de Londres, na representação madeirense dos objetos manufaturados, seguiram igualmente panos de linho, guardanapos, rendas de linho, xaile de meia e obras de croché, demonstrando a visibilidade dessa nova atividade. No entanto, na exposição seguinte, de 1853, descrita, embora sumariamente, por Isabella de França, que a visitou a 29 de abril, a atenta escritora não refere a presença de bordados, limitando-se à descrição das giestas em flor que decoravam os currais, de fetos muito bonitos, etc. A sua apresentação como produto para venda aparece na exposição industrial do Funchal de 1850, e, no ano seguinte, alguns bordados eram expostos em Londres, na Exposição Universal, embora a sua divulgação só ocorra a partir de 1854 e 1856, com as “meninas” Phelps, filhas de Joseph Phelps (1791-1876), antigo presidente da Associação de Comerciantes do Funchal, e de Elisabeth Dickinson (1796-1876). Na correspondência e nos diários das irmãs Mary Phelps (1822-1893) e Bella Phelps (1820-1893) não existe, no entanto, qualquer referência a esse respeito, nem ao ensino de bordados, nem à sua comercialização, como a tradição inglesa tem transmitido. O comércio de bordados seria seguido pelos irmãos Robert e Franck Wilkinson, também Ingleses, estabelecidos na Madeira a partir de 1862 – nesse ano, segundo a “Estatística Industrial do Distrito do Funchal”, de Francisco de Paula de Campos e Oliveira, existiriam mais de 1000 bordadeiras na Madeira, rendendo a venda anual de bordados cerca de 100 contos de réis (SILVA e MENESES, 1998, I, 162). Ao mesmo tempo, diariamente consumiam-se em bordados cerca de 15 kg de linhas. No entanto, a exportação registada pela Alfândega era somente de 6 a 7 contos de réis, pelo que a sua saída se dava, essencialmente, por meio dos turistas, que os transportavam na bagagem, o que justifica que este assunto se torne, depois, um cavalo de batalha da Associação Comercial do Funchal. Elizabeth e Joseph Phepls. 1875. Arquivo Rui Carita. Na Madeira, o bordado para exportação começou por ser executado em tiras de pano, e estimava-se que uma bordadeira trabalhava um dia inteiro para produzir 0,5 m de bordado. Estas tiras destinavam-se a ser aplicadas em roupa branca, confecionadas nos sítios de destino, quer nas casas da cidade do Funchal, quer no estrangeiro. Esta época representou na Europa um novo interesse pela indumentária, especialmente feminina, mesmo íntima, que dominou os hábitos de vestir das classes mais favorecidas e que se estendeu à restante roupa, como a de cama, com lençóis e almofadas, cortinados, etc. Esta fase correspondeu a criações ingénuas e rudimentares, da responsabilidade da própria bordadeira, que, inspirada em temas antigos e tradicionais, utilizava riscos próprios. Mais tarde, as bordadeiras passaram a criar outros modelos a partir de pequenos carimbos ou rodízios feitos em madeira de buxo, muitos fornecidos pelas casas comerciais do Funchal, com os quais imprimiam o desenho sobre o pano, utilizando como material de impressão papel químico ou as antigas almofadas de carimbo embebidas em tinta azul. Vestido de manhã. 1887 O bordado da Madeira sofreu uma certa concorrência na déc. de 80, especialmente do bordado suíço, parcialmente mecanizado e com uma outra qualidade de execução, de acordo com os padrões internacionais. O bordado madeirense, entretanto, mantinha-se perfeitamente artesanal, sem qualquer inovação nos desenhos e nos padrões apresentados. Embora a sua execução continuasse dentro de bons padrões de qualidade, como atesta Helen Taylor, cidadã inglesa que residiu na Madeira durante algum tempo e que, em 1882, referia que “muito bom bordado” era vendido de porta em porta (TAYLOR, 1882, 27), o produto não atingia, ainda, um patamar que lhe permitisse ser internacionalmente apresentado nas grandes lojas de moda. Mesmo assim, os níveis de exportação conseguiram manter-se, somente com alguma quebra, embora não em valores exponenciais, como até então, e nos quais não é possível contabilizar, acrescente-se, nem o bordado vendido de porta em porta, nem o vendido nos navios que estacionavam na baía do Funchal. Datam do final do séc. XIX, por volta de 1890, as primeiras casas alemãs exportadoras de bordados e as principais responsáveis pela divulgação, na Europa Central e na América, deste produto. O mercado inglês, por razões várias, tinha deixado de se mostrar interessado nos bordados da Madeira, mas estes passaram a encontrar uma boa recetividade nos mercados centrais europeus e americanos. Dos finais do séc. XIX data também a fixação no Funchal de uma importante comunidade de sírio-americanos, que igualmente iriam apostar fortemente na exportação dos bordados, principalmente para a América do Norte. Este aumento tem por base as alterações introduzidas no mercado internacional pela Alemanha, que passa a apoiar, sob o ponto de vista fiscal, num sistema aduaneiro denominado drawback, os tecidos que, exportados da Alemanha, eram reimportados estando valorizados com elementos vários, como seja o bordado, sendo então novamente reexportados, preferencialmente para o mercado americano. Nesse quadro, entre 1893 e 1910, e.g., as casas de exportação de bordados no Funchal quase triplicaram, alterando profundamente o seu esquema de distribuição e produção anteriores. As casas de bordados passaram a elaborar os desenhos que pretendiam, distribuindo assim às bordadeiras do campo o tecido já estampado através de maquinaria própria, que era depois recolhido semanalmente pelos seus agentes. As casas de bordados passaram ainda a possuir serviços especiais para executarem os desenhos e a estampagem, assim como depois para alguns acabamentos finais, que incluíam as lavagens que apagavam os vestígios dos desenhos, o engomar e o empacotar do produto final. De um global de exportação de pouco mais de 200 contos de réis, nos inícios do séc. XX, passava-se, em 1919, para mais de 600 contos. Por esta altura, no Funchal, existiriam cerca de 34 casas exportadoras de bordados, parte das quais na mão de firmas norte-americanas, orientadas no Funchal por elementos de origem síria. A questão da sobrevivência do bordado da Madeira apaixonou alguns historiadores, não sendo fácil explicar a sua capacidade de sobrevivência perante a crescente industrialização de outros centros de produção. A defesa da sua qualidade com base no pressuposto de que, por ser manual, era superior ao mecânico, não resiste à mínima análise, pois os bordados mecânicos revelavam-se idênticos, não sendo facilmente destrinçáveis dos manuais, salvo um ponto mais encorpado no “bordado Madeira”, o que não deixa de ser um pormenor. Acresce ainda que muito do bordado manual apresenta imperfeições de execução. Também o mito da sua originalidade não resiste à análise, pois a maior parte dos desenhos eram enviados pelos importadores e os pontos utilizados são comuns a muitos outros bordados, como o “Richelieu”, “garanitos”, “estrelas abertas” ou “fechadas”, “caseado”, “pesponto”, “cavacas”, “ilhós”, etc., pouco ou nada se tendo inovado nesse campo, com base na alardeada “tradição do bordado Madeira”. A questão assenta assim, essencialmente, no preço da mão de obra, excecionalmente barata (CÂMARA, 2002, 203-221). Bomboto de vimes e bordado. 1936. Arquivo Rui Carita No mesmo caminho se encontram os trabalhos de vime, essencialmente efetuados na área da freguesia da Camacha, mas cujos valores económicos nunca se aproximaram dos do bordado, até porque este se chegou a estender por quase toda a Ilha, enquanto o vime foi pouco mais longe que a Camacha. Estes trabalhos eram construídos a partir dos ramos do vimeiro, salis fragilis, arbusto que se cultiva até uma altitude de cerca de 800 m, em locais húmidos e com abundância de água, quase sempre perto de ribeiras. As tarefas de preparação da planta, embora complexas e utilizando alguma mão de obra, eram compensadas pelo baixo preço da mesma nas freguesias rurais, como era a da Camacha. O tratamento exigia mergulhar as pontas das hastes do vimeiro nas ribeiras, ou em tanques, onde ficava cerca de três meses, para rebentar ou refilar o caule, após o que podia ser descascado. Esta operação era da responsabilidade dos produtores, muitos dos quais estavam na costa norte da Ilha, que assim o vendiam quase sempre já descascado. Após esta operação, o vime era seco ao sol durante cerca de dois meses, após o que era novamente humedecido para poder ser trabalhado. O trabalho de verga é comum em toda a Europa e noutros locais do mundo, como no Oriente, já sendo mencionado na Madeira, nos meados do séc. XVI, por Gaspar Frutuoso. Refere assim o cronista, por interposta pessoa, pois nunca foi à Madeira, que, “nas faldas da serra da banda do Sul”, existia muita giesta, “que é mato baixo, como urzes”, e que dá flor amarela. Era gasto nos fornos e dele se colhia “a verga que esbulham como vime”, de que se fazem “os cestos brancos muito galantes e frescos para servir de mesa, e oferta de batismo, e outras coisas, por serem muito alvos, e limpos”. Por isso se vendiam então para fora da Ilha e do reino de Portugal, porque se faziam “muitas invenções de cestos muito polidos e custosos, armando-se às vezes sobre um dez, e doze diversos, ficando todos” como uma “peça só”. Acrescenta ainda que “para se fazerem mais alvos do que a verga é de sua natureza, ainda que é muito branca, os defumam com enxofre” (FRUTUOSO, 1968, 138). Seriam obras deste género as enviadas para a já mencionada Exposição Universal de Londres de 1852 por José Silvestre Ribeiro, citando-se então “cestos de verga de giestas”. Bomboto de vimes. 1950. Arquivo Rui Carita.   Bomboto de vimes. 1936. Arquivo Rui Carita Refere o Elucidário Madeirense, por certo Carlos Azevedo de Meneses, que se debruçou mais especialmente sobre esta área, que o desenvolvimento e a industrialização deste tipo de trabalhos se ficou a dever a William Hinton (1817-1904), que incentivou alguns trabalhadores a executá-lo, aproveitando as especiais e húmidas condições climáticas do local. Um dos primeiros artífices teria sido António Caldeira, o qual, desmanchando uma cesta importada pela família Hinton, a utilizou como modelo para fazer outra idêntica em vime. No entanto, parece que na freguesia da Camacha já se executavam trabalhos semelhantes em vime por volta de 1812, por certo mais rudes e sem o vime descascado, como a cestaria que se utiliza ainda hoje nas vindimas e para obras várias de construção civil, sobretudo para transporte de pedras e madeiras. As obras de vime tiveram larga utilização na Madeira, fornecendo um género de mobiliário adaptado ao clima um tanto húmido da Madeira, vulgarizando-se nos lugares ao ar livre. Foram ainda o mobiliário de eleição para os visitantes temporários do Funchal, especialmente no inverno, que deste modo mobilavam as suas casas por preços módicos e em conformidade com um certo exotismo apreciado em meados e finais do séc. XIX. O seu fabrico disparou na déc. de 80, com o exponencial aumento da navegação atlântica, sendo vendido por bomboto e acumulando-se nos decks dos grandes paquetes, como é patente em inúmeros registos fotográficos da época, servindo, inclusivamente, de mobiliário de bordo, leve e facilmente transportável. Miss Henriette Wilhelmina Montgomery Cadogan na Quinta da Saudade. 1888. Arquivo Rui Carita. A procura motivada pelo fluxo turístico fez crescer a produção, assim como a população da freguesia da Camacha que se dedicava a este artesanato, mas não criou novas relações de produção, como nos bordados, que melhorassem e favorecessem a atividade com algumas inovações mecânicas. O aparecimento, em 1902, no Funchal, de uma oficina da firma britânica Raleigh C. Payne & C.ª, que chegou a mecanizar alguns segmentos da produção, não teve grande seguimento, sendo o grosso da produção efetuado na Camacha e de modo totalmente manual. A produção envolvia quase toda a população daquela freguesia, incluindo mulheres e crianças, cabendo mesmo a algumas mulheres, as cesteiras, transportar parte da produção à cabeça para o Funchal. Salvo a já referida Raleigh C. Payne & C.ª, as restantes firmas eram essencialmente constituídas por capitais locais, com as oficinas na Camacha e um ou outro escritório no Funchal. A produção ficou assim entregue, até aos meados do séc. XX, aos camponeses camachenses, não tendo havido qualquer intervenção mais especializada que lhes melhorasse a qualidade visual e lhes organizasse a produção. Consultando um catálogo dos inícios do século, dos poucos que foram produzidos nesta área, da firma A. F. Nóbrega & Filho, com escritório no Funchal e “com fábrica na origem, na pitoresca freguesia da Camacha”, constata-se que, embora apresentando uma espantosa coleção de mais de 420 obras de vimes (RODRIGUES, 2000, 3-4), não passam os seus modelos do pitoresco e do engenhoso. As obras de marcenaria na Madeira foram quase contemporâneas do povoamento, tendo tido por base o excecional parque arbóreo encontrado na Ilha. Em 1506, e.g., Valentim Fernandes descrevia a utilização das madeiras da Ilha, fazendo uso, por certo, de informações referentes ao século anterior. Assim, refere que se explorava a madeira de cedro, sendo então possível obter tabuado de sete palmos de largo, ou seja, cerca de 1,5 m, referindo que quase parecia madeira para mastros de navios (Arsenal de S. Tiago). Desta madeira fabricavam-se caixas para casa, mesas e cadeiras, conforme também acrescenta. Os trabalhos de preparação das madeiras são igualmente descritos por Gaspar Frutuoso mais de 70 anos depois, com um muito interessante apontamento sobre o trabalho da serra de água do Faial, também referindo que se exportavam móveis e bufetes. Nos meados do séc. XVII, existem inclusivamente cartas de examinação do mestre das obras reais Bartolomeu João (c. 1590-1658), de 28 de setembro de 1656, registada na Câmara do Funchal, certificando que Filipe Correia fora examinado como mestre de ofício de “marceneiro e ensamblador”, e que o mestre das obras “o achara muito destro e hábil em fazer escrivaninhas e bufetes ao mosaico, guarda-roupas marchetados de ébano”, tal como mosquetes (PEREIRA, 1968, II, 788). Estes trabalhos tiveram assim continuidade nos sécs. XVII e XVIII, então utilizando-se madeiras de outras proveniências, como do Brasil, de que os mais importantes exemplos deverão ser o para-vento e os púlpitos, assim como os vários móveis de parede da sacristia da igreja do Colégio dos Jesuítas do Funchal, trabalho efetuado pela mesma data, como consta no para-vento: 1725. Na continuidade desse trabalho, na listagem dos produtos enviados para a Exposição Universal de Londres por José Silvestre Ribeiro, nas “Obras de marcenaria”, figuram mesas, caixas, tabuleiros de xadrez, estantes e facas para cortar papel (FREITAS, 1852, 404-407), não sendo fácil identificar os trabalhos e os artesãos. É provável que uma das peças enviadas a Londres tenha sido a garrafeira de José António de Sousa, que assinava também como “artista madeirense”, a qual se encontra na coleção do Museu Quinta das Cruzes, e que esteve na exposição de 1850 realizada no palácio de S. Lourenço, onde o ensamblador premiado foi António José de Abreu. Outros nomes de embutidores ou ensambladores madeirenses aparecem mais tarde, já perto dos finais do século, com a integração destes mestres no ensino profissional, oficialmente por volta de 1893, na então Escola de Desenho Industrial, na R. de Santa Maria, cujo edifício subsiste, com a sua alta torre. O primeiro elemento de certa notoriedade teria sido Manuel Rodrigues Gaspar, com oficina própria junto ao eremitério da Penha de França, mestre da oficina daquela escola. Já então se distinguiam outros mestres embutidores, entre os quais João de Sousa, José Gregório de Sousa e Eduardo Pereira (c. 1860-1940), que se tornaram notórios a partir dessa data. O último criou uma mesa decorada com os monogramas reais, que foi oferecida ao casal real D. Carlos e D. Amélia na visita que fizeram às ilhas em 1901, e depois depositada na Fundação D. Manuel II, em Lisboa. Os temas dos trabalhos de embutidos, tal como acontecia nos bordados, eram essencialmente vocacionados para os visitantes estrangeiros, repetindo até à exaustão pares de vilões a dançar, carrinhos de bois e cestos do Monte, mais ou menos envolvidos por flores e monótonas cercaduras, como refere, por volta de 1906, Vitorino José dos Santos. Refere o mesmo que havia então na Madeira alguns operários e embutidores “por ensino técnico”, dispondo de “talento para a composição artística, que produzem trabalhos de reconhecido merecimento, procurados e apreciados por pessoas entendidas”. Não deixa, no entanto, de mencionar que, em geral, aos “operários madeirenses falta cultura intelectual e gosto artístico”, o que os desinteressa da ideia de “progredir, variando e melhorando a composição dos seus trabalhos”, e, por isso, a maioria dos embutidos continua “rotineiramente a apresentar-se segundo os mesmos modelos”, quase sempre figurando os tradicionais “vilões madeirenses”, os carros de bois, redes e “carrinhos do Monte”, guarnecidos de “cercaduras de desenhos simétricos e pouco variados” (SANTOS, 1907). Mesa com cabeças de vilºoes. 1930 Miguéis e Franco. Arquivo Rui Carita. O diploma de 4 de setembro de 1916 determinou a oficialização da marcenaria na então Escola Industrial e Comercial do Funchal, através da constituição de uma oficina de “incrustação e embutidos”, que só viria a funcionar em outubro de 1919, sendo seu primeiro regente o ensamblador Manuel dos Passos Aguiar, depois medalha de ouro da grande Exposição Industrial Portuguesa de 1939 (PEREIRA, 1968, II, 789). Com este regente, aparecem a trabalhar o já citado Eduardo Pereira, o marceneiro Francisco Franco (pai), cujo diploma se encontra no espólio do Museu Henrique e Francisco Franco, os pintores Henrique Franco (1883-1961) e Alfredo Miguéis (1883-1943), assim como, provavelmente, também o escultor Francisco Franco (1888-1955). Devem datar dessa época os desenhos “arte nova” com cabeças de menino com barrete de vilão, bem ao gosto de Henrique Franco, ou algumas mesas com cabeças de senhoras, indubitavelmente da autoria de Alfredo Miguéis. A saída dos irmãos Franco para Lisboa nos anos 30 e o falecimento de Alfredo Miguéis em 1943 levaram à estagnação criativa desta atividade. A indústria dos embutidos manter-se-ia nas primeiras décadas do séc. XX, mas acusaria algum cansaço nos meados do século. Apesar da introdução do pintor Américo Tavares de Oliveira e Silva, a lecionar na Escola Industrial entre 1945 e 1950, a situação de impasse manteve-se, como é patente pela tentativa de revitalização da então Delegação de Turismo, de 20 de abril de 1948, no sentido de “difundir o gosto pelas artes, ofícios e curiosidades de produção local, reintegrando-os no seu pitoresco e na pureza das suas características” (Id., Ibid., 170), cujos termos enunciados são já de perfeita morte anunciada. Passeio de rede. Pico dos Barcelos. Fotografia sem data. Os meados do séc. XIX assistiram ao nascimento da fotografia, inicialmente tímido, a qual, porém, a partir dos inícios da segunda metade desse século, iniciou a sua progressiva internacionalização e democratização, o que, de certa forma, alteraria e condicionaria, a partir de então, toda a forma de estar das sociedades urbanas. O séc. XIX foi um século ávido da fixação da imagem, primeiro através da litografia, mais ou menos animada a aguarela (Andrew Picken, Frank Dillon, Pitt Springet e Lady Susan Vernon Harcourt), e, depois, da fotografia, também essa muitas vezes igualmente animada, e que fornecia o que se entendia ser a inteira verdade da realidade captada, tão cara ao positivismo. Se, numa primeira fase, os viajantes internacionais adquiriram nos fotógrafos locais as principais imagens da Ilha, como fez o médico Carl Passavant (1854-1887), em 1883, muito provavelmente no estúdio de Augusto Maria Camacho (1838-1927), e, em 1887, o marquês de Albizzi, para depois as passar a gravura e ilustrar os seus “Six mois à Madère”, publicados em Paris em 1888, em breve muitos chegavam à Ilha como fotógrafos amadores, tirando as suas próprias fotografias, como, inclusivamente, o Rei D. Carlos, na visita régia de junho de 1901. Nessa altura, já se encontravam estabelecidos no Funchal os fotógrafos Vicente Gomes da Silva (1827-1906) e já saíra para Lisboa João Francisco Camacho (1833-1898), que passara o atelier ao irmão Augusto Maria Camacho, estúdio onde se viria a instalar, depois, Joaquim Augusto de Sousa (1853-1905), embora sempre se dando como amador, e, ainda, Manuel de Olim Perestrelo (1854-1929), a que se seguiram os filhos, netos, bisnetos e trisnetos. Sé do Funchal. Georges Balat. 1901. Arquivo Rui Carita. A fotografia desempenhou e desempenha um muito especial papel num destino turístico como a Madeira. Primeiro, com a possibilidade de registar a passagem pela Ilha dos inúmeros doentes, dos quais, por vezes, só regressavam a casa as fotografias, mas também as paisagens, de que avidamente os muitos visitantes levavam fotografias, quer como prova de ali terem estado quer como recordação do que ali tinham visto, ou que gostariam de ter visto. A instalação dos estúdios fotográficos e a posterior divulgação das máquinas fotográficas, assim como da indústria das reproduções, associada ainda à divulgação dos correios, criará igualmente uma outra indústria totalmente nova, a do bilhete-postal, que se tornará uma novidade que promoverá a imagem da Madeira um pouco por todo o mundo e dará origem a uma moda de colecionismo romântico excecionalmente importante, que entrará pelos meados do séc. XX; e, no séc. XXI, pela divulgação do digital, aparecem quase todos os dias nos diversos fóruns destas áreas novas fotografias tiradas na ilha da Madeira.   Rui Carita (atualizado a 18.12.2017)

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universidade da madeira

Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF Na Madeira, ao longo do Antigo Regime, o ensino esteve entregue, quase exclusivamente, à igreja, nomeadamente, através das paróquias ou, na sede da diocese, do mestre-escola da sé, e depois, do Colégio dos Jesuítas e do seminário, fundados nos finais do séc. XVI. Para o acesso ao ensino superior, os madeirenses tinham que deslocar-se ao continente, como aconteceu a muitos, formando-se nas universidades de Coimbra, Salamanca, Paris e Roma, entre outras, com todos os custos daí advindos e nem sempre regressando à Ilha. Com a fundação do Colégio dos Jesuítas, por carta régia de D. Sebastião, a 20 de agosto de 1569, nasceu a primeira instituição de ensino nacional na Madeira. As aulas tiveram início a 9 de maio de 1570, na então albergaria de S. Sebastião; sendo o dia dedicado ao martírio de S. João Evangelista, este passou a ser o orago da igreja e do colégio do Funchal. Em 1599, iniciou-se a construção do grande edifício do colégio, no centro da cidade, onde se encontra hoje instalada a reitoria da Universidade da Madeira (UMa), que também veio a escolher o dia 9 de maio para data festiva. Ao mesmo tempo, foi instituído o seminário diocesano, cujas aulas vieram a funcionar sempre em certa articulação com as do colégio. Após a extinção da Companhia de Jesus, em 1768, no edifício do antigo colégio, ainda funcionou a aula de geometria e desenho, essencialmente dedicada ao ensino militar. A atividade desta Aula foi mais ou menos efémera, mas o ensino militar manteve-se, depois, nas dependências do quartel do colégio e no quadro de formação dos vários regimentos ali aquartelados. A primeira instituição de ensino superior na Madeira foi a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal. Por dec. de 29 de dezembro de 1836, determinava-se a abertura de uma escola médico-cirúrgica no hospital da Santa Casa da Misericórdia (SCM) de cada uma das capitais dos distritos administrativos do ultramar. A do Funchal, criada em 1837, mas correspondendo a uma aspiração com mais de 20 anos da SCM, foi encerrada nos primeiros meses da República, por dec. de 11 de novembro de 1910, tendo, ao longo de 73 anos, formado 250 médicos, que exerceram clínica em Portugal e no estrangeiro, incluindo, em 1902, duas médicas. O ensino das artes plásticas na Ilha remonta, pelo menos, aos meados do séc. XVIII, com o ateliê ou escola de pintura de Nicolau Ferreira Duarte. Entre os finais da centúria e os inícios de Oitocentos, esse mestre e os seus alunos executaram uma quantidade excecional de trabalhos, embora de qualidade muito irregular, obras que ainda se encontram na Madeira, dispersos por quase todas as igrejas e capelas do arquipélago. Nos inícios do séc. XIX, com a carta régia de 7 de julho de 1809, foi criada uma aula de desenho e pintura na Madeira que começou a funcionar em março do ano seguinte. A regência foi confiada ao pintor Joaquim Leonardo da Rocha, cujo pai lecionara no estabelecimento congénere de Lisboa, decorrendo as aulas até à sua morte, em 1824. Cândido Pereira – autorretrato a carvão, assinado, datado de 1930 e com dedicatóriaFonte: acervo da Escola Secundária Francisco Franco. O ensino das belas-artes, sob perspetiva diversa, seria reinstalado na Madeira em setembro de 1889, quando foi fundada, no Funchal, uma escola de desenho industrial (Escola Industrial do Funchal), então dirigida pelo professor Cândido Pereira (1872-c. 1935), que regressaria ao continente em 1903. A ideia que motivou a fundação desse estabelecimento, designado Escola de Desenho Industrial Josefa de Óbidos, nome que veio a ser mudado para António Augusto de Aguiar, foi a de “ministrar o ensino do desenho com aplicação à indústria ou indústrias predominantes na localidade” (SILVA e MENESES, I, 1998, 399). A instituição instalou-se num bom prédio da família Acciauoli, ainda existente e hoje devoluto, na R. de Santa Maria Maior. Nos anos cinquenta do século passado, em 1955, a Sociedade de Concertos da Madeira criou uma secção de belas-artes no âmbito da Academia de Música, instituição que teve alvará definitivo em 1947 e cujos cursos seguiam os programas oficiais do conservatório nacional. Assim, os cursos complementares de belas-artes que eram lecionados em Lisboa e no Porto passaram a ser igualmente lecionados na Madeira, deslocando-se os professores daquelas escolas continentais até ao Funchal para que fossem realizados os exames finais na Ilha. Esta situação verificou-se até 1974, quando a Academia de Música e Belas-Artes da Madeira passou a gozar de total autonomia científica e pedagógica e a ministrar integralmente os referidos cursos. Pelo dec.-lei n.º 450/77, de 27 de outubro de 1977, foi criado, enquanto estabelecimento de ensino superior público, o Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), até então, privado; era dotado de personalidade jurídica e autonomia próprias, sucedendo assim à antiga secção de belas-artes da Academia de Música. Nos inícios de 1975, as aulas e as atividades relacionadas com os trabalhos práticos do ISAPM passaram a ocupar a antiga Quinta das Angústias, hoje Quinta Vigia, mudando, no final do ano, para um prédio na R. da Carreira onde vivera o pintor Alfredo Miguéis (1883-1943). Pouco depois, foi adquirido o prédio anexo, a poente, para ampliar as instalações, procedendo-se também à integração daquele instituto na UMa, a que ainda hoje pertence. O ISAPM esteve em regime de instalação até outubro de 1985, com quadros e regime de pessoal definidos pelo dec.-lei n.º 55/84, de 16 de fevereiro, sendo a sua estrutura orgânica, os serviços e o regime de funcionamento determinados pelo dec.-lei n.º 423/85, de 22 de outubro, completando-se assim a constituição do estatuto específico dessa instituição, em inteira paridade com o das suas congéneres no continente, as escolas superiores de Lisboa e Porto. O assunto da instalação de uma universidade na Madeira era ventilado desde os meados do séc. XX, chegando a ser objeto de uma intervenção na Assembleia Nacional, a 2 de abril de 1965, pelo deputado Dr. Agostinho Cardoso (1908-1979), que aborda a questão dos “estudos universitários na Madeira” (Diário das Sessões..., n.º 203, 4853). Foi necessário esperar pela época da autonomia política e administrativa para o assunto voltar a ser equacionado, estabelecendo-se, em 1975, a extensão de alguns cursos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa à Madeira e, depois, em 1982, da Faculdade de Ciências da mesma universidade e da Universidade Católica. A 19 de dezembro de 1975, na Assembleia Constituinte, o deputado Dr. Emanuel Rodrigues tinha já apresentado um requerimento ao ministro da Educação e Investigação Científica a solicitar a constituição de um instituto universitário na Madeira, à semelhança do que havia disso feito nos Açores. Assim, sucessivos diplomas alargaram o campo do ensino na Ilha: o dec.-lei n.º 664/76, de 4 de agosto, criou o Instituto Universitário da Madeira; o n.º 322/77, de 6 de agosto, o Conservatório de Música da Madeira; o n.º 450/77, de 27 de outubro, o Instituto de Artes Plásticas da Madeira; e o n.º 205/81, de 10 de junho, instituiu oficialmente na Região Autónoma da Madeira (RAM) os centros de apoio dos estabelecimentos de ensino superior universitário. O dec.-lei n.º 332/83, de 13 de julho, por sua vez, veio estabelecer as normas gerais sobre o ensino superior na RAM, levando a um despacho conjunto, com a data de 4 de novembro de 1983, da Secretaria de Estado do Ensino Superior e da Secretaria Regional da Educação, então tutelada por Eduardo Brazão de Castro, no sentido de se criar “uma comissão com vista ao estudo da viabilidade de criação e funcionamento de uma universidade na Região Autónoma da Madeira e/ou outras alternativas institucionais” (VERÍSSIMO e SANTOS, 2015, 26). A comissão tinha um mandato de seis meses e seria constituída por cinco membros, sendo nomeados, de imediato, como presidente, Fernando Alves Cristóvão, e, como vogais, José Freitas Ferreira e Victor Hugo Lecoq Forjaz. Alguma instabilidade governativa em Lisboa e a nomeação do presidente para outras funções levaram a um certo atraso nos trabalhos desse grupo. A comissão veio a agregar àqueles dois vogais o Eng. Rui Manuel da Silva Vieira (1926-2009), antigo presidente da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal e membro da primeira Junta Governativa da Madeira, de 1974. O trabalho do grupo veio a ser apresentado em 1985 como estudo sobre a viabilidade da Universidade da Madeira, contrapondo ao modelo napoleónico de universidade um outro, supostamente mais adaptado à realidade da Madeira, mas que levaria alguns anos a ser aprovado, verificando-se que acabaria por não se afastar especialmente dos modelos implementados no continente. Três anos mais tarde, através do dec.-lei n.º 319-A/88, de 13 de setembro de 1988, nasceu a UMa. Por despacho conjunto do ministro da República para a RAM e do ministro da Educação, de 15 de dezembro desse ano e publicado a 29 seguinte, fizeram parte da primeira comissão instaladora, como presidente, o Prof. Doutor Raul de Albuquerque Sardinha, como vogais, os Profs. Doutores Fernando Santos Henriques e José Luís Morais Ferreira Mendes, e, como administradora, a Dr.ª Ana Isabel de Portugal Almada Cardoso. A partir de então, foram sendo integrados os cursos de letras e de ciências que, desde 1978, tinham funcionado nos centros da extensão universitária, embora nesses primeiros documentos se considerasse que a UMa, pelo menos no que dizia respeito aos cursos de letras, e dada a diversidade de variantes, não poderia assumir a finalização dos cursos, tendo os seus alunos de se deslocar ao continente para obter o diploma. Em 1989-1990, começou a funcionar o 1.º ano do curso de educação física e desporto, o primeiro curso de licenciatura da UMa, criado pela portaria n.º 861-A/89, de 4 de outubro, do ministério da Educação, então sob a orientação do Prof. Fernando Ferreira. Com a extinção da Escola Superior de Educação da Madeira e a subsequente criação do Centro Integrado de Formação de Professores, através do Dec.-lei n.º 391/89, de 9 de novembro, a formação inicial dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico passou para o âmbito da UMa. Foram aprovados, ainda durante o período de vigência da primeira comissão instaladora, a primeira versão dos estatutos da UMa. Dado o peso institucional da educação física e desporto na UMa e na RAM, e a necessidade de se encontrarem espaços com determinada liberdade e independência, adequados àquela realidade, foi equacionada, durante esses anos, a instalação da reitoria da universidade na célebre Quinta do Monte, passando as várias reuniões de trabalho a decorrerem nesse espaço emblemático madeirense. Iniciaram-se, assim, contatos vários e equacionou-se o projeto de instalar nos limites do bom parque daquela quinta as instalações de educação física, reservando-se a antiga residência para a reitoria. Em maio de 1990, todo o espaço do parque da Quinta do Monte foi demoradamente visitado por Aníbal Cavaco Silva, então primeiro-ministro do Governo central, acompanhado pelo ministro da República para a RAM e por Alberto João Jardim e Eduardo Brasão de Castro, respetivamente presidente do Governo Regional da Madeira (GRM) e secretário regional da Educação, entre outras individualidades. A quinta veio a ser adquirida pelo GRM e o seu recheio pela UMa, numa complexa negociação com os inúmeros herdeiros daquela propriedade. Porém, num curto espaço de tempo, foram tomadas outras opções, passando a comissão instaladora seguinte para o antigo Colégio dos Jesuítas. Na sequência de um período conturbado, que levou a que o vogal presidente pedisse a sua exoneração, foi indigitada uma nova comissão instaladora. Esta segunda comissão, nomeada por despacho conjunto de 25 de julho de 1991, era constituída pelo Prof. Doutor Fernando Santos Henriques, vogal da anterior que assumia agora a presidência, pelos vogais Prof. Doutor Jorge Manuel Morais Barbosa, Prof. Doutor Carlos Alberto Nieto de Castro e Prof. Doutor Joaquim José Borges Gouveia, e pela administradora Mestre Elizabete Maria Azevedo Olim Marote Oliveira. O regime de instalação foi prorrogado por mais um ano e com esta comissão a UMa comprometia-se a garantir a totalidade das licenciaturas. No entanto, os estatutos aprovados durante o mandato da primeira comissão ainda não tinham sido homologados, prolongando-se, assim, uma vez mais, a fase de instalação da universidade. O ano letivo de 1990-1991 assistiu aos primeiros passos de grande parte dos cursos da UMa, nomeadamente, biologia; física; matemática; química; línguas e literaturas modernas; variantes de estudos portugueses; estudos portugueses e franceses; estudos portugueses e ingleses; estudos portugueses e alemães; estudos portugueses e espanhóis; estudos ingleses e alemães; e estudos franceses e ingleses; todos com o ramo científico e de ensino. Em 1992-1993, começaram a funcionar os cursos de gestão e de engenharia de sistemas e computadores. Através do protocolo de integração de 30 de setembro de 1992, publicado no Diário da República, n.º 280, II série, de 4 de dezembro de 1992, o ISAPM passou a estar integrado na UMa sob a denominação de Instituto Superior de Arte e Design, da Universidade da Madeira (ISAD/UMa), devendo adotar uma organização semelhante à dos restantes departamentos e secções autónomas da instituição. Em 1991, criou-se a Associação Académica da Universidade da Madeira (AAUMa), com o intuito de responder às necessidades dos estudantes. As eleições para os corpos sociais foram marcadas para 10 de dezembro desse ano, dia em que se comemorava o aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos por parte da Organização das Nações Unidas. Participaram no sufrágio 416 estudantes, tendo sido eleito presidente da direção Jorge Carvalho, da mesa da assembleia geral, Deodato Rodrigues e, do conselho fiscal, António Cunha; tomaram posse a 2 de janeiro seguinte. A partir de então, a AAUMa seria uma parceira privilegiada de toda a vida universitária, colaborando na elaboração da sigla, na criação do trajo académico, de várias tunas e de um grupo de fados, entre outros. Assumiu um protagonismo excecional, no plano interno e externo, lançando mesmo uma revista e criando uma imprensa académica, e mantendo exposições regulares, na área do edifício do colégio, onde montou uma das suas lojas Gaudeamus; também organizou visitas guiadas e outras atividades. O aumento exponencial dos cursos lecionados pela UMa e do número de alunos obrigou a procurar novas instalações, chegando-se, inclusivamente, a arrendar dois complexos: um no edifício Oudinot, onde passaram a funcionar alguns dos cursos das áreas das ciências exatas e naturais, e o piso térreo do edifício José Maria Branco, à R. Bela de Santiago, que fora equacionado para servir de centro comercial, para os cursos de Línguas e Literaturas Modernas e Clássicas. Entretanto, as Ciências da Educação, a Matemática e outras instalaram-se no antigo quartel do Colégio, onde vieram a ser realizados os primeiros exames, além de outras provas académicas, e.g., em 1993, a de aptidão pedagógica e capacidade científica de Mário Dionísio Cunha, e a de agregação de António Manuel Esteves dos Santos Casimiro. A primeira prova de doutoramento ocorreu a 15 de dezembro de 1994, sendo candidata Rita Maria César e Sá Fernandes de Vasconcelos, com a tese Contribuição à Análise de Dados Categorizados, inscrita em estatística matemática. A primeira prova de mestrado foi em 1999, quatro anos após a abertura o primeiro curso de mestrado da UMa, com o candidato João José Abreu de Sousa e a tese A Revolução Liberal na Madeira. Em 1993, entretanto, fora nomeada uma terceira comissão instaladora, constituída pelo vogal presidente Prof. Doutor João David Pinto Correia, pelos vogais Profs. Doutores José Manuel Castanheira da Costa e Ruben Antunes Capela, e pelo administrador Prof. Doutor António Augusto Marques de Almeida. Da sua unidade de planeamento e informação surgiu o documento Plano de Desenvolvimento: 1994-1998. Delineado em termos de proposta, este plano partiu do diagnóstico da situação então vigente (dezembro de 1994), respeitante a alunos, pessoal docente e não docente, para apresentar, a partir dessa análise, uma estratégia, tendo em vista dois grandes objetivos: o equilíbrio, em termos de rácios, em 1999 e o melhoramento da qualidade científica e pedagógica dos cursos da UMa. Datam da fase inicial da terceira comissão instaladora as primeiras obras de reabilitação do velho edifício do colégio, procedendo-se à adaptação das salas do piso superior da ala sobre a R. do Castanheiro para gabinetes e salas de reunião, e à construção de uma entrada independente desta ala para o Lrg. do Município. A área foi partilhada com a diocese do Funchal, que tinha conseguido a cedência da ala sobre aquele largo e o chamado Pátio dos Padres para instalar a Universidade Católica, havendo assim que isolar algumas paredes, construir escadas interiores e balaustradas, equipar a entrada (onde foi recuperado um antigo oratório, para o qual se adquiriu uma imagem do orago) e fechar parte do corredor grande em cima, que deixou assim de percorrer visualmente todo o edifício, desde a antiga cerca ao Lrg. do Município. Foi durante a vigência desta terceira comissão instaladora que começaram a funcionar os cursos de línguas e literaturas clássicas (ramo científico e de ensino) e que se realizaram eleições para a nova Assembleia Constituinte, tendo-se em vista a elaboração e a aprovação dos estatutos. Os seus trabalhos foram iniciados a 5 de setembro de 1995 e prolongaram-se até 25 do mesmo mês, dia em que os estatutos da UMa foram aprovados. Reenviados de novo àquela instituição de ensino e depois de analisados pela comissão de apreciação dos estatutos (a chamada Comissão Ferrer), a fim de se proceder a algumas alterações, reiniciaram-se os trabalhos, a 9 de fevereiro de 1996, até estar completa a versão final, lida e aprovada a 14 de março seguinte. Com a homologação dos estatutos da UMa pelo ministro da Educação, o Prof. Doutor Marçal Grilo, no anfiteatro do edifício do colégio, a 13 de maio de 1996, e com a consequente eleição do responsável da instituição para os dois anos seguintes, o reitor José Manuel Castanheira da Costa, que tomou posse a 28 de julho de 1996, a UMa entrou numa nova e crucial fase da sua existência. Uma fase que pressupunha a sua afirmação no contexto nacional como universidade de pleno direito, e o atingir, a nível interno, as variações mínimas nos seus balanços e números, para que pudesse enfrentar os grandes desafios que se apresentavam a qualquer instituição de ensino superior no limiar do séc. XXI. A partir de 1992/1993, a RAM assumiu a alteração da articulação do novo Complexo Tecnológico da Penteada ou Madeira Tecnopolo. Este complexo foi projetado pelo ateliê João Francisco Caires, entre 1985 e 1991, para acomodar a UMa, transitando para ali vários departamentos, no ano letivo de 1998-1999. Entre eles, o de arte e design, que, por deliberação do senado universitário, em reunião de 11 de junho de 1997, definiu a sua organização à imagem da das restantes secções autónomas. Assim, em reunião do mesmo senado, a 29 de abril de 1998, foi aprovado o novo regulamento desta unidade, com a denominação institucional de Arte e Design. Com a passagem dos departamentos para o edifício da Penteada, iniciaram-se as obras de reabilitação do outro velho edifício, nos primeiros meses de 2000, para acolher a reitoria. Esta era então liderada pelo Prof. Doutor José Manuel Castanheira da Costa, ainda no exercício do seu primeiro mandato, ficando a intervenção a cargo dos arquitetos Rui Campos Matos e Vasco Cardoso Marques (ateliê CM Arquitectos). O projeto destes assentou na abertura da antiga cantina militar à R. dos Ferreiros, como havia sido no séc. XVIII, libertando as enormes portas entaipadas, provavelmente, desde o terramoto no Funchal, em 1748. A abertura deste espaço permitiu o acesso imediato ao antigo Pátio dos Estudantes, então ajardinado, e a reabilitação do antigo ginásio militar para servir como sala de atos da UMa. Os gabinetes da reitoria passaram para o antigo Corredor do Eirado, sobre a R. dos Ferreiros. As principais cerimónias universitárias, que até então haviam decorrido, primeiro, no salão nobre da antiga Junta Geral e, depois, no congénere salão da Assembleia Legislativa, passaram a ser feitas na sala de atos da reitoria. De igual forma, todo o piso térreo à volta do Pátio dos Estudantes, quer a sala de atos, quer o conjunto de salas da antiga cooperativa militar, reabilitadas em 2005, e as salas de simulação empresarial e empreendedorismo, onde era o antigo refeitório militar, que foram reabilitadas em 2011, passaram a ter um muito especial protagonismo na vida regional, ali decorrendo encontros e congressos, mesmo organizados por outras instituições, que por vezes utilizam o espaço para receções oficiais. Não deixou de ser paradigmático que as primeiras obras de reabilitação tivessem sido inauguradas na visita do Presidente Jorge Sampaio e as segundas na do Presidente Cavaco Silva, e que, inclusivamente, fosse feita uma grande exposição alusiva aos trabalhos de reabilitação da igreja do colégio, efetuados sob a coordenação da Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC). As eleições de 2000 foram ganhas por uma equipa liderada pelo Prof. Doutor Ruben Antunes Capela, que tomou posse a 19 de julho. Findo o seu mandato, assumiu a reitoria o decano da UMa, Prof. Doutor José Manuel Cunha Leal Molarinho do Carmo, exercendo funções entre 1 de junho e 19 de julho de 2004. Realizadas novas eleições, tomou posse como reitor, nesse dia 19 de julho, o Prof. Doutor Pedro Telhado Pereira, tendo sido durante a sua vigência no cargo que ocorreu a adequação dos cursos ao denominado Processo de Bolonha e que foram criados novos ciclos de estudo, de acordo com esse paradigma; em 2006 e no ano seguinte, a UMa foi objeto de avaliação externa pela European University Association. Em 2009, o serviço de ação social da UMa abriu a residência universitária N.ª S.ª das Vitórias, na R. de Santa Maria, obra que se arrastou alguns anos e, a 15 de abril desse ano, voltou a tomar posse como reitor o Prof. Doutor José Manuel Castanheira da Costa. Sucedeu-o, a 18 de abril de 2013, o Prof. Doutor José Manuel Cunha Leal Molarinho do Carmo. O Processo de Bolonha e a progressiva capacidade de mobilidade dos estudantes, especialmente europeus, aliados à fama da Madeira como destino turístico, graças à benignidade do clima, mas não só, levou à presença exponencial de estudantes estrangeiros na UMa, quer em estágios pontuais e na frequência de determinadas cadeiras, como até em cursos. Já anteriormente, as qualidades gerais do destino Madeira haviam captado um importante lote de professores e investigadores de outras nacionalidades, chegando os departamentos a contar, somente nos quatros docentes, 30 nacionalidades diferentes. O número de estudantes da UMa, entretanto, subiu para cerca de 3000 alunos e o corpo docente para cerca de 250 professores, dos quais, apenas cerca de 15 não se encontram ainda doutorados em 2014/2015, embora quase todos perto disso. A UMa cobria áreas do conhecimento que iam das ciências exatas, às engenharias, às artes e humanidades, oferecendo 18 cursos de 1.º ciclo, 18 de 2.º ciclo e 6 de doutoramento no ano letivo 2014/2015. Neste mesmo período, forneceu ainda 2 diplomas de estudos avançados, 3 pós-graduações, 9 de especialização tecnológica, e também cursos livres. Tinha, então, em funcionamento 10 unidades de investigação com 25 projetos em curso, mantendo os seus docentes e investigadores presença em inúmeras redes nacionais e internacionais de investigação científica. O trabalho de internacionalização foi especialmente iniciado e cimentado pelo Prof. Doutor Ludwing Streit, fundador do Centro de Ciências Matemáticas que soube atrair para a Madeira uma série de investigadores internacionais notáveis. Culminou com a criação, em 2009, de um instituto de investigação, o M-ITI, Madeira Interactive Technologies Institute, criado em parceria com o Tecnopolo Madeira e a Carnegie Mellon University, consolidando a internacionalização necessária e almejada por qualquer universidade. Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF   Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF A ideia veio a ser apresentada na abertura das aulas do ano letivo 2010/2011, comemorada no Funchal a 13 de setembro, que serviu para o ministro da Ciência e Tecnologia, o Prof. Doutor Mariano Gago (1948-2015), assinar o Contrato de Confiança no Ensino Superior com as universidades portuguesas. Na ocasião, o ministro revelou ainda a ideia trazer para a RAM uma escola de categoria internacional, na área da medicina, em rede com instituições de prestígio mundial, uma ideia que contou com o apoio do GRM. Na cerimónia esteve igualmente presente o primeiro-ministro José Sócrates, que traçou rasgados elogios ao trabalho desenvolvido na UMa, afirmando: “Estou aqui na Madeira para dizer à Universidade da Madeira e ao senhor reitor que temos orgulho no vosso trabalho e que […] sendo a mais pequena e mais jovem [das universidades portuguesas] esse trabalho foi mais custoso” (DN, Funchal, 13 set. 2010). Em 2014/2015, passados mais de 25 anos sobre o dia 13 de setembro de 1988, data do decreto que criou a UMa, esta instituição corporizava o espaço e o ponto de encontro político oficial da República e da Região, com uma progressiva afirmação nacional e internacional, tal como a conquista de uma determinada afirmação de universalidade a que todas as universidades aspiram. Nesse panorama de crescente consolidação, foi-se assistindo à colocação de elementos dos quadros docentes da UMa à frente de secretarias regionais do GRM e dos seus antigos alunos nos mais diversos postos de chefia, confirmando assim o trabalho desenvolvido nos últimos tempos.   Rui Carita (atualizado a 08.12.2017)

Educação História da Educação

modelo regional de organização das escolas de ensino não superior

Buscar a origem da vontade regional em afirmar um modelo próprio de organização de escolas é assistir à implementação do dec.-lei n.º 115-A/98, de 4 de maio (que aprovou, ao tempo, o modelo estatal de autonomia, administração e gestão das escolas de ensino não superior), mas sobretudo constatar que esta ocorre num momento crucial que decorre das revisões da Constituição da República Portuguesa (CRP), que vieram crescentemente alargar o âmbito das competências das regiões autónomas portuguesas. Foram elas, sobretudo, a revisão constitucional de 1989, na qual houve a preocupação de aprofundar os poderes legislativos regionais, admitindo-se mesmo a possibilidade de as leis regionais não terem de respeitar as leis gerais da República (através do instituto das autorizações legislativas regionais), e a revisão constitucional de 1997, mais importante, com o crescimento da autonomia regional através da inclusão, no texto constitucional, das matérias de interesse específico regional, bem como a clarificação do exercício de algumas das suas competências; isto além da articulação das leis regionais com os princípios fundamentais das leis gerais da República. Mas também se poderá aditar uma “convicção [política], crescentemente assumida na Madeira e na área da Educação, em aprofundar, consequência dos 20 anos de experiência do decreto-lei n.º 364/79 e das matérias transferidas nesta área” (ALVES, 2012, 150), uma vontade, sobretudo de política educativa regional, que cresce e se afirma de forma inelutável. O marco relevante para compreender este impulso radica no desp. n.º 29/98, de 4 de junho, do secretário regional de Educação. Este despacho determina, tendo como norma habilitante o dec.-lei n.º 364/79 e a consagração competencial regional na supervisão da área organizativa e do funcionamento das escolas, manter o regime de funcionamento das escolas da Madeira constante do instrumento legal anterior ao dec.-lei n.º 115-A/98; i.e., condicionando a aplicação deste decreto do Estado ao território da Madeira, que se continuará a reger, assim, ao nível do funcionamento das escolas, pelo dec.-lei n.º 769-A/76, enquanto não for publicado um modelo regional de organização e funcionamento das escolas. De resto, esta convicção assumida no citado despacho alicerça-se no programa do VII Governo regional da Madeira (GRM), com mandato entre 1997 e 2000, que, na área da educação, dispunha como objetivo: “Assegurar, em termos jurídico-legislativos, a introdução a nível regional, de novos mecanismos de gestão e administração escolar” (Programa do VII Governo Regional, 1997-2000, 14). Todo este processo de vontade de não aplicar o modelo do Estado (dec.-lei n.º 115-A/98) à organização e ao funcionamento das escolas da Madeira por, em contraposição, se pretender ensaiar as competências constitucionais e legais ao dispor da Região tem como marco deveras assinalável o envio da proposta de decreto legislativo regional, pelo GRM (resolução n.º 1159/98, aprovada em plenário do GRM, de 7 de setembro de 1998), para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), em virtude de este ser um ato de natureza legislativa, e para este poder ser aprovado nos termos do arts. 227.º, n.º 1, al. a) e 228.º, al. o) da CRP, conjugados com o art. 37.º do Estatuto Político-administrativo definitivo da Madeira (lei n.º 130/99, de 21 de agosto). Após conveniente tramitação parlamentar, a referida proposta veio a ser aprovada e publicada como dec. leg. regional n.º 4/2000/M, de 31 de janeiro, detendo a designação de “Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino públicos da Região Autónoma da Madeira”, marcando aquilo que se poderá considerar, definitivamente, como a consagração de um modelo regional de organização das escolas da Madeira. O regime previsto neste decreto legislativo viria, no entanto, a ter uma aplicação, nas escolas da Madeira, não imediata nem simultânea, dado o momento da sua entrada em vigor (o ano letivo já se encontrava a decorrer), e fundamentalmente pelo facto de o decreto ter ficado, desde a sua aprovação, condicionado pelo pedido de fiscalização sucessiva abstrata de algumas das suas normas (solicitado pelo ministro da República, que terá mesmo vetado o decreto legislativo, aprovado inicialmente em sessão plenária da ALRAM de 28 de julho de 1999). Na realidade, tendo o ministro da República de assinar por força constitucional (art. 233.º da CP) – já que o mesmo foi reconfirmado na íntegra por maioria absoluta dos deputados em funções –, este recorreu às suas competências constitucionais e suscitou a fiscalização sucessiva abstrata junto do Tribunal Constitucional (TC). Por determinação administrativa, através do desp. n.º 26/2000, do secretário regional de Educação, de 25 de maio (difundido junto das escolas da Madeira através de ofício circular da Direção Regional de Administração e Pessoal, da Secretaria Regional de Educação, n.º 21/2000, de 29 de maio de 2000), foi mandado aplicar o modelo regional, exclusivamente no ano escolar 2000/2001, apenas a duas escolas, as escolas básicas dos 2.º e 3.º ciclos do Caniçal e do 3.º ciclo do Funchal (extinta), e mantido o regime de prorrogação da experiência pedagógica (na altura ao abrigo do dec.-lei n.º 172/91, de 10 de maio) da Escola Secundária de Francisco Franco, permanecendo as restantes escolas abrangidas pelo regime constante do dec.-lei n.º 769-A/76, de 23 de outubro. Acresce, todavia, que a aplicação plena do regime constante do dec. leg. regional n.º 4/2000/M viria também a ficar limitada, no ano seguinte, pelo atraso nas tomadas de posse dos membros dos órgãos de gestão das escolas, o que motivou uma determinação administrativa em prorrogar, por desp. n.º 30/2001, de 22 de agosto (do subsequente secretário regional de Educação, do VIII GRM – 2000-2004), até à tomada de posse dos novos membros dos órgãos de gestão das escolas, os mandatos dos seus atuais membros e o respetivo regime legal de funcionamento das escolas, que se regiam, como se viu, pelo dec.-lei n.º 769-A/76. Marcado por todo este circunstancialismo, o dec. leg. regional n.º 4/2000/M acabou por surgir na sua plenitude a partir do ano escolar de 2001/2002 (ainda que na pendência da assinalada fiscalização sucessiva de constitucionalidade junto do TC) como afirmação plena das competências estatutárias da Madeira, na área da educação e, simultaneamente, como vontade de implementar um modelo regional que, não escondendo a sua referência ao modelo do Estado, fosse no entanto diferente e adequado à realidade regional. Pelo ac. n.º 161/2003 – proc. n.º 64/2000, de 6 de maio de 2003 –, o TC viria a concluir (no contexto do pedido de fiscalização sucessiva) que, apesar de os poderes das regiões autónomas integrarem o poder de desenvolver as leis de bases, em função do interesse específico das regiões em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República (AR), a Lei de Bases do Sistema de Ensino estaria, todavia, na reserva absoluta de competência desta Assembleia do Estado (art. 164.º, al. i), da CRP). Com efeito, apesar de a revisão constitucional de 1989 ter reconhecido poderes muito amplos às regiões autónomas, no sentido do desenvolvimento de leis de bases da AR, entendia o TC que a competência para desenvolver a Lei de Bases do Sistema Educativo caberia em exclusivo ao Governo da República (GRe). Assim, e nesta matéria, declarou o TC que os poderes legislativos das regiões autónomas estariam particularmente limitados ao ser atribuído ao GRe o exclusivo do desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo, nos termos do preceituado no art. 198.º, n.º 1, al. c), da CRP. Acresce ainda que o próprio dec.-lei n.º 115-A/98 (art. 13.º) se assumia para valer como lei geral da República, prescrevendo mesmo a sua aplicação territorial às regiões autónomas. Nesta decorrência, o TC acabaria, por fim, por se pronunciar pela desconformidade de algumas das normas do dec. leg. regional n.º 4/2000/M, fundamentalmente da fórmula de recrutamento dos então designados direção executiva ou diretor mediante procedimento concursal a decorrer na escola (e não eleição), e impor que o mesmo fosse alterado por contrariar a CRP. Perante esta decisão do TC, de imediato se ensaiou a necessária aprovação da alteração ao dec. leg. regional n.º 4/2000/M, de novo sob o impulso do GRM (resolução n.º 998/2005, aprovada em plenário do GRM, de 14 de julho de 2005). Concomitantemente, a ALRAM viria a aprovar, em sessão plenária de 22 de março de 2006, aquilo que seria o dec. leg. regional n.º 21/2006/M, de 21 de julho, que veio alterar o dec. leg. regional n.º 4/2000/M, tendo aqui como normativos habilitantes os arts. 227.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4, conjugados com os arts. 37.º e 81.º, do Estatuto Político-administrativo definitivo da Madeira e no desenvolvimento da Lei Bases do Sistema Educativo. Contudo, o representante da República (por força da revisão constitucional de 2004, substituto constitucional do ministro da República) suscitou a apreciação do diploma através da fiscalização preventiva da constitucionalidade, por entender que a Madeira estaria ainda persistindo em diferenças, no regime de funcionamento e organização, que seriam introduzidas no modelo de organização e funcionamento das escolas. Aspetos que conflituariam agora com as suas competências constitucionais e com a unidade do sistema nacional. Isto, curiosamente, apesar de, ao contrário do que acontecia no quadro constitucional anterior, com a assinalada revisão de 2004, a AL, por força do disposto no art. 227.º, n.º 1, al. c), da CRP, passar a dispor de competência para “desenvolver para o âmbito regional os princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos, contidos em lei que a eles se circunscrevam”, mesmo quando, como na situação em apreço, tais bases do sistema de ensino se inscrevam no âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da AR. Não obstante a evolução de competências das regiões, aberta pela revisão da Constituição de 2004, e a possibilidade de a Madeira ensaiar uma iniciativa legislativa regional numa área antes reservada ao GRe (por força da já assinalada reserva absoluta do Estado – Lei de Bases do Ensino), bem como a convicção clara do TC de que a “[…] razão pela qual o juízo a proferir pelo Tribunal Constitucional sobre a questão que agora lhe é submetida haverá de confrontar-se com um quadro jurídico-normativo substancialmente distinto daquele que vigorava aquando da aprovação do Acórdão n.º 161/2003” (ac. n.º 262/2006, proc. n.º 358/2006 do TC, DR, I Série-A, n.º 107, 2 de junho de 2006, p. 3685); ainda assim, aquele Tribunal considerou que a proposta de alteração do dec. leg. regional n.º 4/2000/M continha normas, concretamente o caso do recrutamento do órgão de gestão (direção executiva/diretor, renomeado posteriormente como conselho executivo/diretor), contrárias à própria Lei de Bases do Sistema Educativo, com a qual se deveria conformar, na medida em que esta, no seu entender, exige a eleição democrática dos órgãos que asseguram a direção das escolas. Não se pode deixar de referir que este acórdão foi aprovado com algumas declarações de voto vencido (não concordância) de alguns do seus juízes conselheiros, entre eles Benjamim Rodrigues, que era favorável à proposta de decreto legislativo regional apresentada, pois no seu entender: “É que não conseguimos descortinar ­– mesmo aceitando, por inteiro, um dos pressupostos de que parte o acórdão, de que ‘bases’ correspondem às ‘opções político-legislativas fundamentais respeitantes à matéria’ do sistema de ensino –, que as normas em questão contrariem as ‘bases do sistema de ensino’, definidas pela referida LBSE, no que aqui importa, ouse seja, ‘as bases’ relativas à ‘administração do sistema de ensino’ e à ‘administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino’ [arts. 46.º e 48.º]” (ac. n.º 262/2006, p. 3694). Sobre o papel do TC na dimensão regional do modelo regional de autonomia, administração e gestão escolar, assistem-se a duas intervenções jurisprudenciais, ambas incidindo sobre o modelo, mas descortinando neste apenas aspetos que não o comprometem na sua integralidade, nem mesmo aquilo que consideramos a sua matricialidade, quedando-se fundamentalmente sobre a forma de escolha do órgão de gestão. Porém, esta conclusão merece contestação, pois parece discutível não só poder concluir-se por esta desconformidade, tout court, face à Lei de Bases, como caracterizar esta suposta desconformidade como tratando-se de uma matéria de natureza de inconstitucionalidade per se. De facto, o TC entendeu que haveria uma desconformidade da legislação regional, não por contrariedade ao desenho legal fixado na Lei de Bases (único parâmetro conformador, como se viu, após a revisão de 2004), mas por não conformação à lei nacional, ao tomar como parâmetro referencial o dec.-lei n.º 115-A/98. Acontece que ao adotar esta opção interpretativa, e discutível, acabou o TC por neutralizar a competência constitucional da RAM para desenvolver a Lei de Bases do Sistema Educativo. Além disso, o TC, ao tomar como referência conformadora o citado dec.-lei n.º 115-A/98, criou mesmo, ao arrepio da CRP, uma nova categoria de leis reforçadas, indo além do art. 112.º, n.º 3, in fine, da CRP. Ora, a ser assim, trata-se aqui de introduzir nesta lógica de pensamento jurídico, do TC, o fenómeno típico dos ordenamentos jurídicos federais: a preempção, ainda que não aplicável em Portugal, figura em virtude da configuração constitucional de Estado unitário, com regiões. Em síntese, esta análise coloca em evidência o sentido restrito que o TC em Portugal tem tido em matéria de repartição constitucional de competências, entre o Estado e a RAM, na área da administração educacional, procurando contornos restritivos que a arquitetura jurídica, saída da revisão de 2004, claramente não coloca. No início do séc. XXI, vigora no espaço continental português, no âmbito da autonomia e administração das escolas, um modelo nacional criado com a publicação do dec.-lei n.º 75/2008, de 22 de abril (subsequentemente alterado, ainda que pontualmente, pelos decs.-lei n.os 224/2009, de 11 de setembro, e 137/2012, de 2 de julho). Este diploma nacional assume-se como aprovando um novo regime nacional de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos. São definidos, no preâmbulo do dec.-lei n.º 75/2008, objetivos estratégicos que suportam as mudanças que se pretendem implementar: “reforçar a participação das famílias e comunidades” na direção estratégica dos estabelecimentos de ensino; “reforçar a liderança das escolas” e “reforçar a autonomia das escolas”. Neste sentido, propõe-se que a obtenção desses objetivos será conseguida por via de alterações a introduzir na organização e gestão das escolas através de: aumento da representação parental e comunitária, no órgão de direção estratégica (posteriormente denominado conselho geral (CG)); ampliação dos poderes deste órgão, em especial no que respeita à eleição do diretor e à supervisão da sua atividade de gestão; criação do cargo de diretor, o seu recrutamento por via de um procedimento concursal e o reforço dos seus poderes (presidência por inerência do conselho pedagógico, faculdade de designar os responsáveis pelas estruturas de gestão intermédia); ampliação da margem de manobra das escolas na definição da sua organização interna, em função da especificidade do serviço de educação que prestam. No essencial é absolutamente paramétrico, e não deixa de ser característica que marca especialmente este novo modelo, aquilo que diz respeito ao órgão de gestão da escola: o diretor. A opção por esta figura, que se caracteriza não só pelo facto de não se prever sequer a possibilidade de aquele órgão ser colegial, por opção da escola (como em todos os modelos anteriores e como no modelo regional da Madeira previsto no dec. leg. regional n.º 4/2000/M, de 31 de janeiro, alterado pelo dec. leg. regional n.º 21/2006/M, de 21 de julho), passando a ser de imposição unipessoal (pela primeira vez desde o 25 de Abril, quiçá repristinando, apesar de impropriamente, a célebre figura dos diretores das escolas do Estado Novo), como na forma de o seu recrutamento assentar num procedimento concursal desencadeado pelo CG (art.º 22.º), a que se segue um procedimento eletivo (art.º 23.º). Ora, no essencial e na forma de recrutamento, não pode deixar de mencionar-se a clara aproximação que se introduz neste modelo estatal face ao modelo regional da Madeira (constante da versão inicial do dec. leg. regional n.º 4/2000/M e sem a alteração que este viria a sofrer pelo dec. leg. regional n.º 21/2006/M, consequência das decisões do TC). Isto porque a forma de recrutamento que o dec.-lei n.º 75/2008 vem introduzir assenta num procedimento concursal conduzido pelo CG (art.º 22.º n.os 3-5), sendo em tudo semelhante àquele que o dec. leg. regional n.º 4/2000/M (mencionada versão inicial) previa em processo conduzido pelo Conselho da Comunidade Educativa (art.º 17.ºss.). De resto, e a este propósito, não pode aqui deixar de se acompanhar João Barroso, ao questionar-se até a “legalidade deste procedimento” (BARROSO, 2008, 7) a propósito do dec.-lei n.º 75/2008, face à Lei de Bases do Sistema Educativo, quando a mesma, no âmbito do dec. leg. regional n.º 4/2000/M, foi considerada contrária a esta Lei de Bases tendo em conta os fundamentos antes destacados, sobretudo do ac. n.º 262/2006 do TC. Realizando finalmente uma análise morfológica, merecem destaque, no modelo regional: o órgão de gestão, inicialmente designado por direção executiva e dependente de “provas de mérito” (recrutamento através de procedimento concursal interno na escola – isto na versão original constante do dec. leg. regional n.º 4/2000/M), e subsequentemente a escolha deste mesmo órgão, já designado por conselho executivo, mediante eleições a cujo mandato os docentes da escola se candidatam por lista junto de toda comunidade escolar (isto na versão do dec. leg. regional n.º 21/2006/M); a realidade dos agrupamentos de escolas (não aplicável na Madeira, ao contrário do modelo nacional); os contratos de autonomia (sem existência regional) e o âmbito de aplicação do próprio modelo (aplicável na Madeira apenas a escolas dos 2.º e 3.º ciclos, e do secundário). Tudo aspetos que convergem claramente no sentido de poder afirmar-se que estamos, de facto, perante características matriciais fundamentais no modelo da Madeira, que se distinguem, globalmente, do regime estatal. Tudo isto é potenciado pelas realidades existentes nesta Região ao nível dos quadros jurídicos de pessoal docente, que existem por escola e por zona pedagógica, contrariamente ao continente, em que existem por agrupamento. Ainda, o permitir-se que para o desempenho das funções de direção escolar releve, não apenas a qualificação académica específica, como também, e em igualdade, o anterior desempenho destas funções por um mandato diretivo completo, sempre com a obrigatoriedade de os docentes serem do quadro da própria escola a que se candidatam (ao contrário do modelo do Estado). Estes aspetos confluem, assim, enormemente no sentido de também aqui existir, e de forma reforçada, uma dimensão matricial regional própria. Em rigor, temos por convicção que, na Madeira, naquilo que à organização das escolas diz respeito, seguir um modelo regional idiossincraticamente vocacionado para a realidade regional permite à administração educativa ser conduzida no sentido de abordagens que, no limite, deverão abandonar (não caindo na mera declaração reformista do Estado) a tentação tecnocrática da visão do papel da escola e das suas relações com a administração, através de um diretor nos moldes descritos anteriormente pelo modelo estatal. Não obstante, parece-nos apesar de tudo que esta fórmula, assim concebida, tudo terá a ganhar se ficar aliada a uma política educativa regional que pressuponha uma nova estratégia no funcionamento das organizações escolares, considerando-as na dimensão que Erhard Friedberg entende, como sistemas de ação concreta, e em cujas lógicas de funcionamento interno as escolas se apresentem na posse de plenas capacidades de perceção e realinhamento em relação à intervenção normativista da administração educacional.     J. Eduardo M. Alves (atualizado a 30.07.2017)

Educação História da Educação

atividades marítimo-turísticas

As empresas de animação turística são as entidades que exercem regularmente atividades lúdicas, culturais, desportivas ou de lazer, destinadas a turistas ou visitantes. O licenciamento, o exercício da atividade e a fiscalização das empresas de animação turística na Região Autónoma da Madeira (RAM) é regulamentado pelo dec. leg. regional n.º 30/2008/M, de 12 de agosto, o qual subdivide as atividades em três grandes áreas: 1 – Atividades de animação turística geral; 2 – Atividades de animação marítimo-turística; 3 – Atividades de animação turístico-ambiental. As atividades de animação marítimo-turística são as seguintes: passeios marítimo-turísticos organizados; mergulho, escafandrismo, caça submarina e snorkeling; observação e natação com cetáceos; observação de aves; pesca turística ou pesca desportiva; pesca-turismo (pesca artesanal dirigida a turistas efetuada em embarcações de pesca); passeios em submersível; aluguer de embarcações com ou sem tripulação; serviços efetuados por táxis marítimos; esqui aquático, vela, remo, canoagem, windsurf, surf, bodyboard, wakeboard e kite surfing; serviços de natureza náutica prestados mediante a utilização de embarcações atracadas ou fundeadas e sem meios de locomoção próprios ou selados; aluguer de motos de água e de pequenas embarcações dispensadas de registo e outros serviços, nomeadamente os de reboque de equipamento de carácter recreativo. O regime de acesso e exercício da atividade das empresas de animação turística, incluindo os operadores marítimo-turísticos, encontra-se regulamentado pelo dec.-lei n.º 108/2009, de 15 de maio, alterado pelo dec.-lei n.º 95/2013, de 19 de julho e pelo dec.-lei n.º 186/2015, de 3 de setembro. Em 2014, foi publicado o dec.-lei n.º 149/2014 de 10 de outubro, que aprova o Regulamento das Embarcações Utilizadas na Atividade Marítimo-Turística e estabelece as regras aplicáveis às embarcações utilizadas por empresas de animação turística e operadores marítimo-turísticos, no âmbito da atividade marítimo-turística, em todo o território nacional. Na Madeira, as atividades marítimo-turísticas surgiram com o mergulho e a pesca desportiva. O primeiro compressor de ar comprimido apareceu no posto náutico do Clube Naval do Funchal em 1968, clube que no ano seguinte organizou o I Curso de Mergulho Amador, dirigido por João Caldeira, da Federação Portuguesa de Atividades Subaquáticas, e contou com a participação de 40 pessoas e com a colaboração de Jorge de Castro e João Borges, já experientes no mergulho. A primeira escola de mergulho a surgir na Madeira foi o Garajau Madeira Diving, em 1980, no Garajau, propriedade de Rainer Waschkewitz que ficou para sempre associado à conservação e divulgação do mar da Madeira. Juntamente com seu amigo e parceiro de negócios Jorge de Castro, realizaram um sonho de criar a primeira reserva marinha em Portugal, a Reserva Natural Parcial do Garajau, em 1986, pressionando as autoridades e pedindo apoio a personalidades como Jacques-Yves Costeau. No início do séc. XXI, existiam 17 centros de mergulho na RAM, estando 15 localizados na Madeira e 2 na ilha do Porto Santo. A pesca desportiva na ilha da Madeira teve a sua origem com a fundação do Clube Naval do Funchal, em 1952, e a sua adesão à International Game Fish Association (IGFA) em 1953. A partir desta data o Clube Naval passou a estar associado à organização de pequenas provas desta modalidade. Em 1954, António Ribeiro (sócio fundador do Clube Naval) bate dois recordes nacionais de pesca, um a 19 de setembro com a captura de um espadim branco de 37,5 kg e outro a 24 de setembro com a captura de um atum patudo de 94,5 kg. Mas o grande impulso desta modalidade deu-se na déc. de 1970 onde inúmeros recordes foram alcançados, entre os quais o recorde da Europa, conquistado por António Ribeiro, ao capturar um espadim azul de 510 kg em 1977. Embora historicamente a prática desta modalidade esteja associada a este médico que ao longo da sua vida capturou os maiores exemplares de que há memória, nomes como o de Jorge Brum do Canto, realizador cinematográfico e escritor, e Américo Durão, também médico, não podem ser esquecidos, pelo importante contributo que deram para o desenvolvimento desta atividade na região. No início do séc. XXI, ainda existiam recordes mundiais obtidos na Madeira, como o recorde feminino para o espadim azul com 321 kg (708 libras) obtido em 1996 por Nikki Campbell (mulher do lendário pescador de records IGFA Stewart Campbell) ao largo da Madeira. Os fantásticos resultados obtidos no passado, tanto em provas nacionais como internacionais, em muito contribuíram para a dinamização de uma atividade que passou a ser considerada como um produto turístico distintivo da ilha da Madeira, fazendo dela um local único para a prática desta modalidade desportiva. Embora o turismo representasse a principal atividade económica da região, resultado do clima ameno e da posição geográfica privilegiada, a influência da corrente quente do Golfo mantinha a ilha da Madeira na lista dos destinos europeus de eleição para a prática da pesca grossa. Na época de pesca desportiva, que decorre entre os meses de maio e agosto, muitos eram os turistas que viajavam até à ilha da Madeira com a ambição de capturar uma das grandes espécies pelágicas e migratórias, como os espadins e os atuns, entre outros. A primeira empresa de pesca desportiva na Madeira, a Turispesca, surgiu na déc. de 1970 na marina do Funchal; a ela se juntaram outras oito empresas nesta marina e três na marina da Calheta. Na déc. de 1990, assim como nos inícios do séc. XXI, apareceram na Madeira várias empresas de passeios marítimo-turísticos organizados, empresas para observação e natação com cetáceos e observação de aves marinhas, operando em embarcações tão diversas como catamarans, embarcações semirrígidas, veleiros, e mesmo numa réplica em tamanho real da nau Santa Maria, de Cristóvão Colombo, propriedade de Rob Wijntje; este holandês construiu a nau no estaleiro de Câmara de Lobos com a ajuda de calafates locais, lançando-a à agua em junho de 1998. Este Santa Maria tem 22,30 m de comprimento, 3 mastros, o mais alto com 16 m, e foi construído em mogno. Operando com catamarans com mais de 100 pessoas, existiam duas empresas. A empresa VMT Madeira surgiu em 2004 com o nome Prazer do Mar, cujo objetivo inicial era proporcionar aos visitantes da Madeira uma viagem costeira para a observação da beleza morfológica da costa a bordo do seu primeiro catamarã, o Sea Pleasure. Quatro anos mais tarde surge o segundo catamarã, o Sea The Best, aumentando o número de lugares disponíveis para 168. Em 2013, a empresa mudou de nome, lançando a marca comercial VMT Madeira (Viagens Marítimo Turísticas da Madeira), e adquiriu o Sea Nature, um catamarã de dois decks, construído em Lagos, no Algarve, com capacidade para 220 pessoas. Existiam ainda empresas especializadas em nichos como a observação de aves marinhas, das quais se destacam a Ventura do Mar e a Madeira Windbirds. Surgiram igualmente empresas dedicadas a organizar atividades como formação e passeios de vela, canoagem, windsurf, surf e bodyboard. De referir o crescimento que se verificou nos primeiros anos do séc. XXI no que diz respeito a empresas e escolas de surf. Por último, resta mencionar as empresas que se dedicam ao coasteering, atividade que combina rappel, escalada, saltos para o mar, natação e mergulho, tudo numa única atividade que permite descobrir as escarpas sobre as baías, as grutas e os recantos com água translúcida existentes na Ilha. Um dos locais mais procurados para esta atividade é a Reserva Natural da Ponta de São Lourenço onde se pode desfrutar do percurso de coasteering que permite conhecer as belezas naturais da baía d’Abra.   Teresa Mafalda Freitas (atualizado a 09.10.2017)

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