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Em termos de contabilidade, devemos considerar a Conta do Ano Económico, a Conta de Gerência e a Conta Geral de Administração Financeira do Estado (CGAFE), que engloba as duas. Ao nível das diversas operações orçamentais, podemos, ainda, definir as contas ordinária, extraordinária, dos serviços autónomos e uma exceção, a chamada “conta excecional”, resultante da guerra, que existiu nos períodos de 1914-15 e de 1927-28, tendo sido criada pela Lei n.º 372, de 31 de agosto de 1915. A CGAFE é o resultado da execução do orçamento. De acordo com a constituição de 1822, estas deveriam ser apresentadas para aprovação em Cortes, juntamente com o orçamento do ano seguinte. Na Carta Constitucional de 1926 e na Constituição de 1838, alude-se ao mesmo, sendo referido como o balanço geral da receita e despesa do tesouro público. Por lei de 18 de setembro de 1844, foi determinado que a Conta deveria ser submetida a parecer do Tribunal do Conselho Fiscal de Contas. A partir do ato adicional à Carta de 1852, ficou definida a separação entre a Conta e o orçamento. Durante a República, não tivemos qualquer alteração, o que só veio a ocorrer com a Constituição de 1933, que determinou que a sua submissão ao Parlamento deveria ser acompanhada de relatório e decisão sobre a mesma exarados pelo Tribunal de Contas (TCo). A CGAFE foi substituída, a 21 de novembro de 1936, pela Conta Geral do Estado. De acordo com a lei de 20 de março de 1907, existiam dois tipos de conta: a Conta do Ano Económico e a Conta de Gerência do mesmo. Enquanto a primeira ficava aberta por um período de cinco anos, a segunda deveria ser encerrada a cada ano e ser o registo de todas as operações financeiras realizadas. Esta segunda conta deveria igualmente ser publicada no prazo de quatro meses após o final do ano, enquadrada na CGAFE, que englobava as duas. Como já referido, a partir de 1936, esta Conta passou a designar-se Conta Geral do Estado (CGE). Com o Dec. n.º 3519, de 8 de maio de 1919, somos confrontados com a falta de cumprimento desta determinação que estabeleceu normas, no sentido de simplificar o processo, reduzindo para dois anos o período em que as contas dos anos económicos estariam abertas e o alargamento do prazo de publicação da conta para sete meses. Mesmo assim, não foi solução, e, em novo decreto, com força de lei, n.º 18381, de 24 de maio de 1930, estabeleceram-se novas regras, no sentido de obviar esta situação. Assim, o ano económico ficaria aberto apenas por 45 dias e acabava-se com as duas contas, passando a figurar apenas a Conta de Gerência. Em 1935, alargou-se o prazo da sua publicação para 12 meses e, no ano seguinte, insistiu-se na prioridade que deveria ser dada à publicação da CGE. A publicação regular das contas iniciou-se com as do ano económico de 1833-34, mas a agitação política levou, por vezes, ao não cumprimento desta ordem, como sucedeu nos anos económicos de 1845-46 a 1859-1950. Antes disso, deveremos assinalar a apresentação de três contas à Câmara dos Deputados juntamente com o orçamento respeitante aos anos económicos de 1926, 1832 e 1832-33. A partir de 1850, juntaram-se à Conta do Tesouro as contas dos Exercícios, as dos Ministérios e a da Junta de Crédito Público. Como já referido, a CGE surgiu, a 21 de novembro de 1936, para substituir a CGAFE, sendo o resultado da execução financeira do orçamento. A conta é preparada pela Direção-Geral de Contabilidade, que deveria apresentar, até 15 de março de cada ano, os mapas de execução e publicar a conta até 31 de dezembro do ano seguinte. Esta, depois de parecer do TCo, é apresentada à Assembleia para votação. A Constituição de 1976 refere, a exemplo da de 1933, que a submissão ao Parlamento deveria ser acompanhada de relatório e decisão sobre a mesma, exarados pelo TCo, e acrescenta o prazo de 31 de dezembro para a sua apresentação à Assembleia. A partir de 1977, a lei determinou a publicação mensal de contas provisórias, o que, em 1991, passou a ter uma periodicidade trimestral. A Conta da Região é a conta das regiões autónomas, tendo surgido para o ano fiscal de 1976. De acordo com a Lei n.º 98/97, de 27 de agosto, o Governo Regional é obrigado a submeter, à Secção Regional do TCo, esta Conta, que, depois de julgada, é submetida à aprovação da Assembleia Legislativa Regional, conforme lei n.º 28/92, de 1 de setembro. A Conta da Região assinala a execução orçamental da Região Autónoma da Madeira (RAM) e apresenta, detalhadamente, os valores constatados em agrupamentos como as Receitas e as Despesas do Arquipélago. Dados da Direção Regional de Orçamento e Contabilidade permitem identificar a evolução favorável das receitas, tanto as correntes como as de capital. Em 1977, o total de receitas correntes era de 8932 milhões de euros, sendo que o total de receitas de capital cifrava-se em 232 mil euros, fazendo com que a receita total se quantificasse em 9374 milhões de euros. Em 1981, o total de receitas de capital aumentou para 44.348 milhões de euros, um crescimento de cerca de 191 vezes quando comparado com o valor verificado em 1977. Ainda no mesmo ano, foi igualmente notória a evolução das receitas correntes, já que no seu total somaram o valor de 26.325 milhões de euros. Em 1985, a receita total atingiu o valor de 139.023 milhões de euros, e, no ano seguinte, o valor quase duplicou, passando para 252.542 milhões de euros, muito por conta de as receitas de capital terem passado de 32.955 milhões de euros, em 1985, para 130.162 milhões de euros, em 1986, quase igualando o valor da receita total do ano anterior. Todavia, cabe destacar que as receitas correntes aumentaram, neste período, em 14.211 milhões de euros. Para a déc. de 90, os montantes verificados foram reflexo de um aumento das receitas da RAM, tendo especial destaque o ano de 1990, em que a receita total assumiu o valor de 733.975 milhões de euros. Este valor justifica-se pelo montante assumido pelas receitas de capital, que no seu total foi de 500.346 milhões de euros, valor que atingiu tais proporções devido a um passivo financeiro assumido pela RAM de 439.473 milhões de euros. Em 1991, embora inferior à do ano anterior, que não constitui um bom elemento de comparação por conta da excecionalidade verificada, a receita total foi superior à de 1989, devido ao aumento das receitas correntes, impulsionado pelo incremento das receitas fiscais. A partir de 1995, a receita total da RAM superou os 700 milhões de euros, assumindo, nesse ano, o valor de 703.678 milhões de euros, sendo que o valor das receitas correntes foi de 337.777 milhões de euros e o das receitas de capital de 214.729 milhões de euros. Em 1996, a receita total foi de 822.373 milhões de euros, sendo que no ano seguinte o valor diminuiu para 765.446 milhões de euros, voltando a aumentar, em 1998, para 782.498 milhões de euros. No início do novo século, as receitas da RAM atingiram valores nunca antes verificados. Em 2001, a receita total da RAM foi de 1105.302 milhões de euros, aumentando no ano seguinte para 1129.110 milhões de euros e tomando o valor de 1167.048 milhões de euros em 2003. As receitas correntes em 2001 foram de 545.424 milhões de euros, tendo-se verificado um aumento das mesmas em 2002 e 2003 para 671.637 e 672.472 milhões de euros, respetivamente. As receitas de capital, pelo contrário, reduziram de 2001 para 2002, na medida em que no primeiro ano as mesmas somavam o valor de 364.151 milhões de euros e no segundo diminuíram para 271.664 milhões de euros. 2008 marca a primeira década do século no que concerne à receita total, que se cifrou em 1317.770 milhões de euros, ano em que as receitas correntes foram de 931.883 milhões de euros e as receitas de capital de 385.887 milhões de euros. Os anos seguintes foram marcados por diminuições constantes. A partir de 2009, inicia-se uma tendência que é caracterizada pelo decréscimo das receitas totais, sendo que, para esse ano, o valor das mesmas foi de 1074.878 milhões de euros. Em 2010, com uma receita total de 1201.411 milhões, é claro o aumento em relação ao ano anterior, situação que não se verificou em 2011, com uma diminuição para 1076.962 milhões de euros. Em 2012, a receita total cifrou-se em 1597.936 milhões de euros, um aumento significativo relativamente ao do ano anterior, ocasionado pelo valor assumido pela rubrica das receitas advindas de passivos financeiros, de 635.070 milhões de euros. Em 2013, os dados provisórios apontavam para um valor das receitas totais de 2492.607 milhões de euros. Para o mesmo ano, as receitas correntes eram de 1091.643 milhões de euros e as receitas de capital de 1400.964 milhões de euros. No que diz respeito à estrutura da receita, cabe destacar o peso que as receitas fiscais foram assumindo ao longo do tempo. Para 1977, as receitas fiscais eram de 6721 milhões de euros, representando 75,2 % das receitas correntes e 71, 7% das receitas totais. O ano seguinte deu início a um período que se prolongou até 1981, caracterizado pela diminuição da proporção das receitas fiscais nas receitas totais. Note-se que, em 1981, as receitas fiscais representaram 21,6 % do total das receitas e 67,7 % das receitas correntes, sendo que as mesmas mantiveram uma percentagem relativamente baixa no que concerne à receita total em 1982 e 1983, com 28,7 % e 31,0 %, respetivamente. 1989 é um ano de destaque para as receitas fiscais, já que as mesmas ascenderam aos 155.862 milhões de euros, o que se traduziu em 92,3 % das receitas correntes e 55,4 % das receitas totais. A déc. de 90 apresentou receitas orçamentais com um peso superior a 40 % das receitas totais, com exceção de 1990, ano em que a receita fiscal representou apenas 23,8 % das receitas totais. De destacar o ano de 1992, em que as receitas fiscais foram de 293.702 milhões de euros, cerca de 61,0 % da receita total desse ano. No novo século, a proporção das receitas fiscais nas receitas totais aumentou significativamente. Esta situação é identificada com maior realce no período compreendido entre 2008 e 2013. Em 2008, as receitas fiscais foram de 786.249 milhões de euros, e, embora nos anos seguintes o valor absoluto das mesmas tenha sido inferior, tomando os valores de 643.499, 682.954, 666.690 e 651.970 milhões de euros em 2009, 2010, 2011 e 2012, respetivamente, o impacto nas receitas totais foi superior em algumas ocasiões. Isto porque, se em 2008 as receitas fiscais representavam 59,7 % das receitas totais, em 2009 a proporção aumentava para 59,9 %. Em 2010, a proporção diminuía para 56,8 %, voltando a aumentar no ano seguinte, representando 61,9 %. As previsões para 2013 deixavam antever um aumento do valor absoluto das receitas fiscais, já que a estimativa apontava para um valor a rondar os 847.255 milhões de euros, substancialmente superior ao verificado no ano anterior. Todavia, e apesar do aumento do valor da mesma, a sua influência na receita total decresceu para 33,99 %. Cabe destacar que, desde 1977 até 2012, para cada um dos anos em apreço a receita fiscal apresentou-se sempre superior à receita fiscal do ano imediatamente anterior, com exceção de 1994, 2003, 2007, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013. Nesse espaço temporal, o valor mais elevado da receita fiscal, considerando os dados definitivos, foi constatado em 2008, ano em que foi verificada, de igual forma, a maior receita total, que ascendeu aos 1317.770 milhões de euros. No que concerne à componente de capital, as receitas associadas à mesma ganharam uma importância relativa bastante significativa, já que, enquanto em 1977 representavam aproximadamente 2,5 % da receita total e assumiam o valor de 232.000 mil euros, em 2012, o valor absoluto ascendia aos 703.562 milhões de euros, com um peso de 44,0 %. Não obstante, é de ressaltar que a conjuntura com a qual a RAM se viu confrontada a partir de 2008, com a crise financeira, e especialmente desde 2012, ano em que foi assinado o PAEF-RAM – Programa de Ajustamento Económico e Financeiro da RAM, deturpou, em certa medida, os pesos das receitas de capital nas receitas totais verificados em anos anteriores. Se foi notável o aumento das receitas da RAM, a evolução das despesas foi semelhante. Em 1977, a despesa total da RAM rondava os 7490 milhões de euros, passando no ano seguinte a ser de 16.827 milhões de euros, ultrapassando o dobro do ano anterior. O total da despesa aumentou anualmente até ao fim da déc. de 80, com exceção de 1984, ano em que tomou o valor de 106.213 milhões de euros, e de 1987, ano no qual a despesa total foi de 224.099 milhões de euros. Na déc. de 90, sobressai o valor verificado em 1990, em que a despesa ascendeu aos 728.808 milhões de euros. Contudo, e apesar de em 1991 se ter verificado uma diminuição do total da despesa para 392.018 milhões de euros, o período entre 1991 e 1996 apresentou um crescimento anual da mesma, tomando o valor de 816.206 milhões de euros no último ano considerado. No início do séc. XXI, a despesa total assumiu um valor nunca antes verificado, de 1100.651 milhões de euros. Não obstante o facto de em 2001 se ter atingido tal patamar, nos três anos seguintes foram constatados aumentos de tal variável, chegando, em 2004, a ser de 1306.510 milhões de euros. Os anos seguintes são caracterizados por uma diminuição da despesa total, quando comparada com a constatada em 2004, salvo em 2008, em que foi atingido um novo máximo de 1317.102 milhões de euros. 2012 marca um novo máximo da variável de 1533.094 milhões de euros, sendo que os dados provisórios de 2013 permitem vislumbrar um aumento significativo, que situa a despesa total em 2368.748 milhões de euros. A estrutura da despesa total modificou-se parcialmente ao longo dos anos em apreço, embora continue a ser maior o peso das despesas correntes, comparativamente com o das despesas de capital. Em 1983, as despesas correntes representavam, aproximadamente, 52,55 % da despesa total, sendo de cerca de 62,12 % em 2012, enquanto o peso das despesas de capital variou de 33,33 % para 37,79 % no mesmo período. Analisando as componentes que conformam cada um dos agregados da despesa, é possível constatar o peso significativo das despesas afetas ao pessoal. As mesmas cresceram cerca de 24,43 vezes entre 1983 e 2012, chegando a tomar o valor de 375.070 milhões de euros, o seu valor mais elevado, em 2009. Relativamente às despesas de capital, a rubrica que se apresenta com maior relevância é aquela que diz respeito às aquisições de bens de capital, embora em 2012 se tenha verificado uma situação na qual a despesa referente aos ativos financeiros, e que em si engloba as operações financeiras com a aquisição de títulos de crédito e com a concessão de empréstimos e subsídios reembolsáveis, foi superior à referente às aquisições de bens de capital. Não obstante, não é possível subestimar a evolução desta última rubrica, já que em 1983 a mesma tomava o valor de 2.422 milhões de euros, enquanto em 2012 o mesmo era de 217.947 milhões de euros, o que representa um aumento de cerca de 89,99 vezes. Em 1983, representava 2,18 % da despesa total, e em 2012, 14,22 %. Para efeitos da análise efetuada anteriormente, foram consideradas as despesas e as receitas orçamentais executadas afetas ao subsector do Governo Regional da Madeira, por permitir uma análise temporal mais ampla. O saldo efetivo, que reflete a diferença entre as receitas e as despesas efetivas, permite verificar a relação entre ambas as variáveis. Entre 1977 e 2012, o saldo foi negativo, com exceção dos anos: 1977, com 1896 milhões de euros; 1989, com 167 mil euros; 1992, com 1694 milhões de euros; e 2005, 2006 e 2007, com um saldo de 1302, 1070 e 1105 milhões de euros, respetivamente. Os valores deficitários mais importantes, pela expressividade que assumiram, foram os constatados nos anos: 2012, com as despesas a superarem em 491.703 milhões de euros as receitas; 2008, quando o saldo efetivo foi de -255.113 milhões de euros; e 1990, em que o diferencial entre as receitas efetivas e as despesas efetivas foi de -220.349 milhões de euros. O saldo efetivo calculado não inclui a utilização do produto da emissão de empréstimos, nem os encargos com a amortização da dívida pública.   Alberto Vieira  Sérgio Rodrigues (atualizado a 30.12.2016)

Economia e Finanças História Económica e Social

cidra

A cidra é o fruto da cidreira [Citrus medica], planta nativa do Oriente que chegou à Madeira em data desconhecida, sendo usada no fabrico de conservas e utilizada na doçaria da Ilha e na exportação para o exterior em forma de conserva. Não confundir com o vocábulo “sidra”, que pode significar o chamado vinho de peros que, na Madeira, teve grande incremento e ainda continua a estar presente em alguns locais da Ilha, como o Santo da Serra. Para além disso, o seu consumo, como o da casca de outras frutas cítricas, vulgarizou-se por força da necessidade de suprir a dieta das tripulações, que quase sempre sofriam de deficiência de vitamina C, sendo vítimas do escorbuto. Palavras-chave: cidra; escorbuto; casquinha. A cidra é o fruto da cidreira (Citrus medica), planta nativa do Oriente que chegou à Madeira em data que desconhecemos, sendo usada para o fabrico de conservas, com utilização na doçaria da Ilha e na exportação para o exterior em forma de conserva. Não confundir com o vocábulo “sidra”, que pode significar o chamado vinho de peros que, na Madeira, teve grande incremento e continua a estar presente em alguns locais, como o Santo da Serra. Para além disso, o seu consumo, como o da casca de outras frutas cítricas, vulgarizou-se, desde o séc. XVI, por força da necessidade de suprir a dieta das tripulações, que quase sempre sofria de deficiência de vitamina C, sendo vítimas do escorbuto. A cidra pertencia ao grupo das frutas de espinho que, segundo edital camarário de 28 de dezembro de 1842, estavam sujeitas ao respetivo dízimo, devendo os proprietários proceder ao seu manifesto no ato da venda. Na cidade do Funchal, existe a chamada rampa do Cidrão, que não deve estar associada diretamente à cidra, mas sim a João Cidrão. Com nomes relacionados, temos Pedro Gonçalves Cidram e o Cón. Simão Gonçalves Sidrão. Ainda na Ilha, temos a destacar a ribeira Cidral, no Funchal, e o pico do Cidrão, junto ao pico Ruivo. A cultura da cidreira encontra-se no Curral das Freiras, mas também na Ponta do Sol, Ribeira Brava e Machico. Gaspar Frutuoso refere também para o Porto da Cruz a presença de limões e cidras. Como mercado produtor de açúcar, a Madeira especializou-se desde muito cedo neste tipo de indústrias de conservas para abastecimento das armadas da Coroa e de outras embarcações que demandavam a Ilha à sua procura. Desta forma, a partir da segunda metade do séc. XV, uma escala na Ilha fazia-se obrigatória para refresco, o qual incluía abastecimento de água, vinho, víveres frescos e estas frutas secadas em açúcar, que também faziam parte da dieta de bordo, para combater o escorbuto. Desta forma, esta provisão era entendida como uma necessidade. Luxo era o que acontecia na mesa da Casa Real portuguesa e de algumas outras famílias das nobrezas nacional e europeia, onde os manjares doces, de alfenim, casca seca e cidra, estavam sempre presentes, mas aqui apenas por gula.   Alberto Vieira (atualizado a 29.12.2016)

História Económica e Social

feiticeiro da calheta (joão gomes de sousa)

O “Feiticeiro da Calheta”, como ficou conhecido, foi um dos maiores poetas populares madeirenses. É autor dos versos que mais tarde originaram a música Bailinho da Madeira. João Gomes de Sousa era analfabeto, mas revelou ter uma grande capacidade para criar versos e rimas, relatando diversas histórias, acerca do quotidiano insular e acontecimentos do seu tempo, que imprimia em folhetos. Da sua obra conhecida fazem parte quarenta e dois títulos, reunidos em 2015 no livro de edição póstuma Feiticeiro da Calheta: vida e obra, João Gomes de Sousa. Palavras-chave: “Feiticeiro da Calheta”; poesia popular; folhetos, cultura, tradições populares.   Na Madeira, dava-se o nome de “feiticeiro” à figura do poeta popular que, com aparência estranha ou marginal, tinha a capacidade de versejar relatos e pensamentos, de trovar, de cantar ao despique e de exercer poder através da palavra cantada, obtendo grande impacto e encantamento junto do público. Feiticeiro da Calheta fig 1. Imagem da colecção da autora João Gomes de Sousa, o “feiticeiro da Calheta”, como ficou conhecido, foi um poeta popular madeirense, analfabeto e agricultor, considerado, depois do “feiticeiro do Norte”, o maior dos poetas populares da Madeira. Nasceu a 30 de novembro de 1895, no sítio do Lombo do Atouguia, freguesia e concelho da Calheta, e faleceu a 8 de julho de 1974, no Lombo do Brasil, Calheta. Descendente de uma família pobre e humilde, que vivia da lavoura, era filho de João Gomes de Sousa e de Maria Rodrigues dos Santos. Em 1918, casou-se com Catarina Pestana, que faleceu em maio de 1945. Tendo ficado viúvo, casou em segundas núpcias, em dezembro desse mesmo ano, com Augusta Gomes, de quem teve uma filha. Evidenciou-se pela sua grande capacidade para criar versos e rimas sobre factos e gentes da Madeira, e é recordado como um homem que animava as festas e os arraiais realizados na Ilha, a cantar e a tocar viola de arame. O “feiticeiro da Calheta” relatava em verso diversas histórias, nas quais descrevia as vivências do povo e acontecimentos do seu tempo. O registo das suas composições na literatura de cordel surge em 1938, após a participação na primeira Festa da Vindima ocorrida no Funchal, nos dias 18 e 19 de setembro daquele ano, com o grupo folclórico do Arco da Calheta, ao qual pertencia. A ideia de realizar a festa surgiu de uma iniciativa solidária, em favor da Escola de Artes e Ofícios (criada em 1921, pelo P.e Laurindo Leal Pestana, para apoio aos menores desfavorecidos ou abandonados), que estava a passar por dificuldades, correndo o risco de fechar. A iniciativa ficou a cargo da Estação Agrária da Madeira. Os organizadores acabaram por tornar o evento mais abrangente, aproveitando para promover o vinho e a uva, e para exaltar as tradições e a ruralidade, numa estratégia de propaganda do regime do Estado Novo. Instituíram um concurso e um prémio para o grupo folclórico que, participando no cortejo, melhor se apresentasse. Os grupos de toda a Ilha, convidados a participar no certame, desfilaram pelas ruas do Funchal, apresentando as suas músicas, cantares e trajes tradicionais. O rancho folclórico do Arco da Calheta, liderado por João Gomes de Sousa, destacou-se pela sua animação, a sua indumentária e o seu rigor, e acabou por arrecadar o primeiro lugar. O grupo do Arco da Calheta chegou ao Funchal a bordo do barco Gavião, que partiu do Porto Moniz, passou pelo Paul do Mar e apanhou o rancho no porto da Fajã do Mar, freguesia do Arco da Calheta. Consigo levavam produtos agrícolas, vinho e muita animação. No primeiro dia do evento, durante o desfile, ao passar junto à tribuna, em frente do Governador da Madeira e dos membros da organização, João Gomes de Sousa cantou as seguintes quadras: “Deixai passar/ Esta nossa brincadeira/ Que nós vamos cumprimentar/ o Governo da Madeira. Eu venho de lá tão longe/ Venho sempre à beira mar/ Trago aqui estas coivinhas/ Para amanhã o seu jantar. [...]” No dia 19, quando foi anunciado o vencedor do concurso, o poeta avança, a cantar: “Deixa passar/ o homem da capa preta/ Quem ganhou o primeiro lugar/ Foi o rancho da Calheta. [...] Deixa passar/ Esta linda brincadeira/ Que a gente vamos bailar/ Pr’a gentinha da Madeira”   Feiticeiro da Calheta fig 2. Imagem da colecção da autora A partir de então, perante os vários elogios obtidos no Funchal, o “feiticeiro da Calheta” começa a produzir versos acerca de situações do quotidiano dos madeirenses e de acontecimentos ocorridos na época. Como não sabia ler nem escrever, foi Manuel Baeta de Castro quem registou, entre os anos de 1938 e 1955, as criações literárias de João Gomes de Sousa. Depois, passou a ser Maria de Jesus, a única filha do “feiticeiro da Calheta”, a escrever os versos que o pai lhe ditava. Ganhando fama como artista popular e trata da impressão das suas histórias em folhetos na tipografia Madeira Gráfica, no Funchal, vendendo-os depois, com a ajuda de Augusta, a mulher, no Funchal, nos arraiais, no final das missas, nos autocarros da Rodoeste e nas vendas (mercearias de bairro). Esta era também uma forma de o artista popular sustentar a família, que vivia com dificuldades financeiras. Apesar disso, o “feiticeiro” prometeu oferecer à sua única filha um cordão em ouro, de três voltas, como tinham as raparigas da altura. Promessa que cumpriu depois de vender 1500 folhetos no Funchal, com a história do assalto ao paquete Santa Maria, criada por ele e passada ao papel pela mão de Maria de Jesus. O “feiticeiro da Calheta” foi um observador atento do quotidiano insular e dos assuntos do seu tempo. O trovador popular conta as suas histórias em verso, retratando o dia a dia do seu povo, do meio rural, as suas emoções, opiniões e anseios, mas também relata acontecimentos que marcam a vida política e social do meio urbano. Os seus temas versam a religião, a política e a sociedade, incidindo especialmente sobre os comportamentos sociais, a moral e diversos acontecimentos insólitos ocorridos na Ilha. Conta histórias da vida do pescador e da vida do comerciante, refere tipos sociais e expõe virtudes e vícios. Num tom de crítica social faz vários reparos: ao luxo das raparigas; às meninas e mulheres vaidosas; às mulheres que têm os maridos embarcados e que os não respeitam; às bilhardeiras; aos caloteiros à loucura dos rapazes que andam para casar; às desordens causadas pelas bebedeiras e pelos bêbados; à doença e ao médico; e à escassez de carne devida à falta do gado da serra. O “feiticeiro” também faz versos acerca de tragédias, acidentes, crimes e tempestades. Relata, entre outras histórias, a de uma mulher que envenenou o marido no Chão da Loba, a de dois assassinos do Arco da Calheta e São Jorge, a de um homem que queria matar a mulher e os filhos e apareceu morto, a de um acidente trágico que resultou na morte de cinco pessoas, na Praia Formosa, a de dois irmãos que faleceram num desastre de automóvel, na freguesia do Estreito da Calheta, e a de um ciclone que ocorreu nos Açores e que vitimou alguns pescadores madeirenses. João Gomes de Sousa publicou as suas quadras durante a vigência do Estado Novo, revelando-se um defensor desse regime político. Em 1946, em Versos do Estado Novo, Obras do Porto, Estradas da Madeira, elogiava o Governo pelas obras realizadas para o desenvolvimento da Ilha, particularmente a construção do porto, de escolas e estradas. Diversos acontecimentos ligados ao sistema político vigente, bem como algumas figuras do regime, inspiraram muitos dos seus poemas. O cardeal patriarca Cerejeira, e.g., foi referido como “o pai da religião”, enquanto Óscar Carmona, num folheto datado de 1951, foi mencionado como o “grande Presidente”. Em 1955, cantava a visita do Presidente da República, Craveiro Lopes, à Madeira. O trovador gostava de saber o que se publicava nos jornais. Quando ia ao Funchal, pedia aos amigos para lhe lerem as notícias e ouvia as histórias dos acontecimentos da Madeira e do mundo, que lhe ficavam na memória, para depois criar versos sobre esses assuntos. Por vezes, era a filha que lhe lia o jornal que chegava ao Lombo do Brasil, na Calheta. O poeta popular, apesar de analfabeto, era um homem informado. Viveu numa época de grandes alterações e acontecimentos que marcaram o séc. XX e aproveitou esses marcos da história mundial para fazer as suas rimas. A Segunda Guerra Mundial e a chegada do homem à lua foram momentos registados nas suas originais reportagens em verso. Segundo Eugénio Perregil “a partilha de todo este conhecimento, nos seus arredores, facilmente o conduziam a ser reconhecido e apontado como alguém mais sabedor, como um adivinha dos tempos e dos acontecimentos. Era conhecedor de todas as ocorrências locais, nacionais e, também, as que aconteciam no estrangeiro, o que lhe valeu ser batizado com a alcunha de Feiticeiro” (PERREGIL, 2015, 41). Produziu ainda versos de teor religioso, invocando a vida de Jesus Cristo, reunidos sob o título Versos da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, e de Nossa Senhora, intitulados Despedida do ano Santo – versos da vida de Nossa Senhora e do Nascimento do Menino Jesus – Peregrinação de Roma – A Assunção da Virgem Maria nos Céus. Em 1948, dedica um poema à passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima pela Madeira. Também deixou um folheto de cariz autobiográfico, intitulado Vida do Feiticeiro da Calheta, porém, os versos apresentam semelhanças aos deixados por Manuel Gonçalves (o “feiticeiro do Norte”), com o título A vida do Feiticeiro do Norte. Da sua obra conhecida fazem parte 42 títulos, de versos e de histórias, publicados entre 1938 e 1971. Como se referiu atrás, João Gomes de Sousa foi o autor das estrofes principais que originaram, mais tarde, o famoso “Bailinho da Madeira”, celebrizada pelo cantor madeirense Max, com arranjo musical de António do Amaral e M. Gonçalves Teixeira. Em 1949, Max grava esta canção em Lisboa, na produtora Valentim de Carvalho; a música, divulgada nas rádios, foi ouvida pelo “feiticeiro da Calheta”, que se sentiu defraudado por ouvir cantar as suas letras sem ter dado autorização para tal. Deslocou-se, então, ao Funchal, esperando o regresso de Max, para confrontar o cantor com a situação. Max acabou por lhe pagar uma quantia irrisória, no intuito de remediar o caso. Para assinalar os 120 anos do nascimento do “feiticeiro da Calheta”, foi lançado, em julho de 2015, o livro Feiticeiro da Calheta: vida e obra, João Gomes de Sousa, coordenado por Eugénio Perregil e editado pela Câmara Municipal da Calheta. O livro relata alguns acontecimentos relevantes da vida do “feiticeiro” e apresenta uma compilação da sua obra conhecida, publicada em folhetos. A maior parte dos folhetos reunidos na obra foram cedidos pela filha, Maria de Jesus. Também para assinalar a efeméride, formulou-se o projeto de uma longa-metragem para contar a vida e obra de João Gomes de Sousa, com realização de Miguel Jardim e produção de Eugénio Perregil e Eva Gouveia. João Gomes de Sousa foi ainda recordado numa exposição que esteve patente ao público no Funchal, no âmbito da Festa do Vinho da Madeira de 2015, no Espaço InfoArte, na Secretaria Regional do Turismo, entre 31 de agosto e 6 de setembro. A mostra evocou a primeira Festa da Vindima, realizada em 1938, homenageando o P.e Laurindo Leal Pestana, promotor do evento, e também João Gomes de Sousa, por ter participado e vencido o concurso de grupos folclóricos. Obras de João Gomes de Sousa (“feiticeiro da Calheta”): Versos Cantados na Exibição do Rancho do Arco da Calheta no Campo Almirante Reis Sobre A Vinda do Presidente Carmona (1938); A Revolução da Madeira (1939); O Desastre da Ponte da Madalena (1939); Versos da Catástrofe que se Deu na Madalena do Mar – 30 de Dezembro de 1939 (1940); Versos A Sua Eminência O Senhor Cardeal Patriarca de Volta d' África Passou pela Madeira em 29 de Setembro e Foi Até À Ribeira Brava (1944); Versos da Atual Guerra Mundial (1945); Versos da Paz da Guerra da Europa (1945); Versos da Vida do Feiticeiro da Calheta Feitos por Ele Próprio (1945); Versos do Ciclone dos Açores em que Morreram Alguns Pescadores Madeirenses (1946); Versos do Comércio da Madeira Depois da Guerra Acabar (1946); Versos da Guerra que Acabou (1946); Versos da Mulher que Envenenou o Marido no Chão da Lôba (1946); Versos do Estado Novo – Obras do Porto – Estradas da Madeira (1946); Versos do Lavrador (1947); Versos da Malícia das Mulheres (1947); Versos das Facadas que se Deram no Natal por Causa da Ruína do Vinho (1948); Versos da Passagem pela Madeira de Nossa Senhora de Fátima (1948); Versos da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo (1948); História, em Verso, dos Dois Assassínios do Arco da Calheta e São Jorge – João Mau e Catingueiro (1949); Versos da Vida do Pescador (1949); Despedida do Ano Santo – Versos da Vida de Nossa Senhora e do Nascimento do Menino Jesus – Peregrinação de Roma – A Assunção da Virgem Maria nos Céus (1950); A Epopeia dum Grande Herói – O Senhor Carmona (1951); História dos Vendeiros e Caloteiros e da Vendeirinha Mimosa (1951); História Sentimental – Das Cinco Mortes no Trágico Desastre da Praia Formosa em Dia de São Pedro (1952); Versos da Máquina de Coser das de Duas Lançadeiras, Atribuída às Mulheres Vaidosas que Têm Os Maridos Embarcados (1952); A História do Frangainho Loiro (1953); História do Desastre do Fogo que Se Deu no Arco da Calheta (1953); Continuação da História das Meninas Vaidosas e das Mulheres que Têm os Maridos Embarcados e que Os Não Respeitam (Segunda Parte) (1954); História em Versos dum Inimigo Vencido – A Doença e o Médico (1954); A Visita de Sua Excelência o Senhor Presidente da República – General Craveiro Lopes à Madeira (1955); Versos das Bilhardeiras que Não Cumprem Com A Lei dos Seus Ministros (1958); História das Mulheres que Aproximam O Fim do Mundo (1958); A Falta de Carne Devido À Falta do Gado da Serra – Os Bichos que Desterram O Lavrador (1959); História em Verso da Agonia dos Passageiros do Barco “Santa Maria” (1961); História em Verso dum Caso que Sucedeu na Freguesia da Calheta – Um Homem que Queria Matar A Mulher e Os Filhos e Apareceu Morto! (1961); História dos Bêbedos – Das Desordens que Se Dão por Causa da Bebedeira e do Bêbado que Jogou A Panela de Milho para A Ladeira (1962); História em Verso – Dum Desastre de Automóvel que Aconteceu No Sítio da Ribeira Funda, Freguesia do Estreito da Calheta. Dois irmãos, Ambos solteiros que Morreram No Mesmo Dia (1963); História Em Verso – O Engrandecimento de Portugal – O Festejo que Houve Para As Obras do Hospital da Calheta (1964); História da Maior Virtude e Das Mulheres que A Perdem – que Tendo Seus Maridos Embarcados Os Não Respeitam (1965); História Maravilhosa dos Três Astronautas Americanos que Foram no «Apolo-11» e Desembarcaram na Lua (1969); História em Versos – das Meninas Vaidosas e das Mulheres que Têm Os Maridos embarcados… (1971); O Luxo das Raparigas e A Loucura dos Rapazes que Andam para Casar (s.d.).   Sílvia Gomes (atualizado a 06.01.2017)

Cultura e Tradições Populares Literatura

urbanismo do estado novo

A arquitetura em Portugal sofreu alguma estagnação entre o final do século XIX e a Primeira República, em parte motivada por um certo isolamento da sociedade da época e, neste caso particular, pelo frequente aproveitamento e adaptação dos edifícios das comunidades religiosas extintas para alojar serviços e repartições públicas. Para tal, muito terá contribuído a crescente contestação à governação monárquica e a afirmação dos ideais republicanos, que preconizavam o afastamento da Igreja do poder político, bem como a cativação de muitos dos seus bens, que passaram para a posse do Estado. Cumulativamente, podia constatar-se que os arquitetos, como classe profissional, tinham então também escassa relevância social e cultural, por um lado devido à escassez de projetos, mas também à concorrência com os engenheiros civis, que lhes disputavam as encomendas. Entre arquitetos e engenheiros travou-se um contínuo debate, pois considerava-se que aos primeiros se associavam, fundamentalmente, as questões formais e estéticas, minimizando os problemas construtivos, meramente técnicos ou estruturais. Deste modo, inicialmente os arquitetos não exploraram devidamente as potencialidades dos novos materiais e sistemas construtivos, dando oportunidade aos engenheiros de ensaiarem e concretizarem nas obras públicas e utilitárias os novos elementos como o ferro, o vidro, o aço e o betão armado. Assim, os engenheiros assumiram particular importância, pois a aposta estava na criação de um mundo moderno, baseado nas potencialidades e inovações da máquina. Em Oitocentos o contributo para o aparecimento de obras, sobretudo utilitárias, deveu-se ao avanço da industrialização no país, onde se evidenciou a arquitetura do ferro. Este material, conjugado com materiais tradicionais e trabalhado com desenhos e formas revivalistas, contribuiu para a expansão de uma arquitetura eclética, sendo gradualmente substituído pelo betão armado. A diversidade que se podia observar na arquitetura portuguesa de então traduzia bem as incertezas estilísticas da época. A esse ecletismo o arquiteto Raul Lino (1879-1974) soube contrapor, com grande intuição cultural, o seu princípio de casa portuguesa. Ao apelar para um romântico ruralismo e até mesmo eclético nacionalismo, a casa portuguesa de Raul Lino procurou a definição do sentido da cultura e da alma portuguesas. Lino baseava-se, sobretudo, na nostalgia e na procura metafísica das raízes culturais e mentais do nosso país, sendo contra a importação de modas estrangeiras, nomeadamente francesas, protagonizadas pelos arquitetos Ventura Terra (1866-1919) e Marques da Silva (1869-1947). O singular modo de Raul Lino abordar a arquitetura, bem diferente das ideias que Marques da Silva e Ventura Terra tinham adquirido em Paris, terá, certamente, provindo da sua educação repartida por Portugal, Inglaterra e, especialmente, a Alemanha. Ali, Raul Lino frequentou a Handwerker und Kunstgewerbeschule e a Technische Hochshule de Hannover tendo praticado no atelier de Albrecht Haup (1852-1932), arquiteto conhecedor e apreciador da arte portuguesa da Renascença. Com ele, certamente, terá aprendido que a reinvenção da arquitetura deveria basear-se no conhecimento da mais brilhante época de cada país, que em Portugal se situava por volta dos séculos XVII e XVIII. Na sua obra sente-se a procura constante por uma perfeita integração no meio, que o levou a adotar técnicas e materiais das regiões às quais se destinavam os projetos. Deste modo valorizou, por um lado, o nacionalismo, por outro, uma arquitetura de caráter regional. Miguel Ventura Terra e Marques da Silva, arquitetos da mesma geração, protagonizavam um outro modo de ver e projetar. De regresso a Portugal, ambos em 1896, fixaram-se o primeiro em Lisboa e o segundo no Porto. Ventura Terra, republicano convicto, ganha nesta data o concurso internacional de adaptação do velho convento de S. Bento a Palácio das Cortes e inicia assim o seu percurso de arquiteto em Portugal projetando a transformação de um espaço religioso às suas novas funções. Estes dois arquitetos cosmopolitas desenvolveram os seus projetos numa linha mais conforme com o gosto dos grandes centros europeus, aliando-os a uma prática eclética dominante na arquitetura portuguesa de inícios do século XX. Da sua produção destaca-se essencialmente a introdução de um racionalismo e de um sentido europeizante numa arquitetura que passara por um período de pouco desenvolvimento. À volta destes pressupostos construía-se o percurso da arquitetura moderna em Portugal. Foi um percurso com avanços e recuos, numa adesão formal a vários revivalismos historicistas ou ecletismos mais académicos, que se articulavam com uma progressiva utilização de novos materiais. Num país política e culturalmente conturbado, a aprendizagem parisiense não pôde ser plenamente exercida, apesar dos esforços por encontrar caminhos de prosperidade para a sua implantação. A burguesia que se afirmava nos grandes centros urbanos não se revia numa arquitetura de feição europeia nem se ajustava ao gosto parisiense. Nos inícios da década de 20 de Novecentos alguns fatores contribuíram para relativas mudanças no domínio da arquitetura portuguesa. Por um lado, o registo de uma ligeira recuperação no setor económico português, que originou algum investimento na arquitetura, especialmente na de caráter particular. Por outro lado, a acompanhar este desenvolvimento esteve um fator de ordem política, mais concretamente a substituição do governo republicano pelo governo do Estado Novo, que apoiou a construção de alguns edifícios modernistas, apostou nas obras públicas e contribuiu para a crescente relevância e ascensão da classe dos arquitetos. A progressiva utilização do betão armado, inicialmente em paralelo com processos tradicionais de construção, favoreceu a assimilação de novas formas arquitetónicas ligadas a uma estética modernista. O betão armado permitiu uma grande flexibilidade na construção de elementos com maior simplicidade formal, numa clara adesão à art deco de características internacionais. Assistimos, nesta fase, a uma renovação técnica e estilística da arquitetura, a que correspondem edifícios que ainda ostentam uma estrutura convencional, com linhas verticais nas fachadas, paredes de alvenaria e tijolo, pavimentos de madeira e uso esporádico do betão. A decoração adotada é geometrizante e de alguma forma sublinha o abandono do gosto barroquizante, característico dos finais de século XIX. Ao longo dos anos 20 inicia-se a atuação da primeira geração de arquitetos modernistas, conhecida por Geração do Compromisso e constituída pelos cinco grandes: Cassiano Branco (1897-1970), Pardal Monteiro (1897-1957), Cristino da Silva (1896-1976), Carlos Ramos (1897-1969) e Jorge Segurado (1898-1990). As suas propostas deram o arranque para uma nova mentalidade arquitetural que se afirmou nos anos 30, sobretudo associada a programas fomentados pelo Estado Novo, que se caracterizou por um forte investimento em obras públicas, como programa de melhoramentos materiais e estratégia de absorção do desemprego. O engenheiro Duarte Pacheco (1900-1943) foi o grande impulsionador deste vasto programa, até à sua inesperada morte em 1943, tendo sido criadas novas oportunidades para os jovens artistas e arquitetos que foram chamados a intervir. Segundo José Manuel Fernandes, é evidente a apropriação de uma estética vanguardista com conotações diversificadas, que passam pelo futurismo italiano e o nacionalismo funcionalista alemão, se algumas vezes de forma superficial, noutras já bem eclética (OLIVEIRA, 2000, 10). Este programa estético encontrou obstáculos nos autores que pugnavam por uma arquitetura mais conservadora e nacionalista, que deveria mostrar a especificidade portuguesa com referências genuinamente retiradas dos chamados estilos nacionais. Em 1933, Raul Lino defendia que «o internacionalismo na arquitetura devia ser proibido superiormente, se não houvesse já razões de ordem técnica e material para ser condenado». E afirmava mesmo que deveria ser imposta a máxima: «Façam-se casas portuguesas em Portugal» (Ibid.). A discussão iria gerar ainda mais polémica nos anos 40, quando Arnaldo Ressano Garcia (1880-1947), presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes e seguidor das teorias estéticas nazis, se opôs determinantemente aos modernismos suspeitos de internacionalismo marxista e preconizou uma arte de regime celebrativa, monumental e fortemente académica. Com esta atitude, nos anos 40 ganharam força o gosto revivalista e um certo retrocesso estilístico que foi ao encontro de encomendas estatais de obras de representação com a sua monumentalidade, algo bem patente na arquitetura dos pavilhões da Grande Exposição do Mundo Português, de 1940. Esta iniciativa concretizou-se em Lisboa, na zona de Belém, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, tendo reunido trabalhos dos principais arquitetos, artistas e decoradores portugueses e obedecendo plasticamente a um estilo português de 1940. É um estilo oficial, de cariz historicista e monumentalista, que associa elementos representativos da arquitetura nacional com elementos de tendências clássicas. Com este evento, sobressaiu não apenas o aspeto retrospetivo, mas também a celebração da política do Estado Novo. Duarte Pacheco [Campo] e António Ferro (1895-1956) foram os grandes mentores deste acontecimento, incluído num vasto programa de comemorações centenárias que aconteceram por todo o país. É a fase da exaltação do portuguesismo, em que a arquitetura é chamada a expressar os valores da tradição, ordem e autoridade, com António Ferro no Secretariado da Propaganda Nacional. Surgem assim projetos urbanísticos de grandes espaços, como o Parque Eduardo VII e a Fonte Luminosa, e nas cidades portuguesas os prédios de habitação dos anos 40 a 50 seguem este modelo. No caso de Lisboa, «A Câmara fornecia as plantas, convidava certos projetistas e obrigava à inspiração em fachadas de três ou quatro imóveis do século XVIII existentes em Lisboa» (FERNANDES, 1990, 279). Também na construção da habitação individual se recorre a uma gramática decorativa de cariz regionalista e ruralizante, bem como no equipamento das províncias, em escolas primárias ou edifícios dos correios. Muitas das intervenções dos primeiros anos da década de 40 espelham a busca do rigor clássico, da monumentalidade, de estádios e alamedas, de uma retórica de poder. São de assinalar, como núcleos de excelência, a construção da Cidade Universitária (1940 a 1953), da Biblioteca Nacional (finais da década de 50) ou do Estádio Nacional (1943-1944) de Miguel Jacobetty Rosa (1901-1970). Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a condenação internacional dos fascismos, instala-se um clima de agitação cultural e afirma-se um grupo de arquitetos oposicionistas liderados por Keil do Amaral (1910-1975). Forma-se o grupo ICAT (Iniciativas Culturais Arte e Técnica) e constitui-se no Porto a Organização dos Arquitetos Modernos (ODAM). Com a realização do I Congresso Nacional de Arquitetura, em 1948, que coincide com a Exposição Quinze anos de Obras Públicas, dá-se o ponto de viragem, pois são feitas ácidas críticas à arte oficial e exige-se a liberdade de criação e a valorização da modernidade. A década de 50 irá ser confrontada com a resistência dos modelos da Europa pós-guerra e de Brasília, que tiveram grande peso, enquanto se mantém o estilo oficial na construção dos hospitais escolares de Lisboa e Porto, do alemão H. Distel, ou da Cidade Universitária de Coimbra, de José Ângelo Cottinelli Telmo (1897-1948). Como sinais de uma certa renovação, são de salientar o plano de urbanização de Alvalade, do arquiteto urbanista João Guilherme Faria da Costa (1906-1971), também com obra no Funchal, em 1945, o cinema S. Jorge, em 1947, e o cinema Império, de 1949 a 1951, de Cassiano Branco. Na Madeira, no campo da arquitetura, poder-se-ão constatar idênticas facetas na evolução da arquitetura urbana de 1900. Tal como no Continente, poucas obras de vulto se edificaram nas duas primeiras décadas. Na cidade do Funchal, surgiram projetos de menor vulto, sobretudo de adaptação de edifícios urbanos a estabelecimentos comerciais ou pequenos projetos de habitação civil, que ficavam a cargo de mestres-de-obras ou desenhadores técnicos com formação adquirida na antiga Escola António Augusto de Aguiar, que passou a designar-se por Escola Francisco Franco. Fernando Augusto Câmara (1880-1949), nascido na freguesia de Santa Luzia, e António Agostinho Câmara (1872-1949), nascido em Machico, eram então desenhadores técnicos da edilidade funchalense que se ocupavam daquele tipo de projetos. No Funchal já os autores do Elucidário Madeirense referiam, em pleno Estado Novo, que «o número dos seus moradores vai diminuindo consideravelmente, porque o movimento comercial tende sempre a desenvolver-se e as casas de habitação vão-se transformando em estabelecimentos de comércio» (SILVA e MENESES, 1998, I, 183). Estes profissionais respondiam às solicitações do mercado regional traçando o panorama regional da arquitetura urbana. Eram escassos os edifícios de utilidade pública construídos para a função a que se destinavam, apesar das necessidades sentidas pela população. Com a visita dos reis de Portugal, D. Carlos e D. Amélia, ao Funchal, em 1901, surgiram novas promessas e no ano seguinte foi criado o Auxílio Maternal do Funchal. Ganhou força também a necessidade de construir sanatórios de altitude para tratamento de tuberculosos, constituindo-se no ano de 1904 a Companhia dos Sanatórios da Madeira. Foram adquiridos terrenos para esse efeito e no ano seguinte foi lançada a primeira pedra do edifício do Sanatório dos Marmeleiros, na freguesia do Monte. Já no ano de 1906 foi criado em São Gonçalo o Manicómio Câmara Pestana, cujos doentes do sexo masculino foram transferidos para a Casa de Saúde de João de Deus, no sítio do Trapiche, em 1924. No centro da urbe funchalense, tem lugar, em 1906, a demolição de edifícios na embocadura da Rua dos Ferreiros, para permitir o prolongamento da Rua do Príncipe, posteriormente chamada Rua 5 de Outubro, até à Ponte do Bettencourt e a conclusão do prolongamento da Rua do Bom Jesus, desde a Rua das Hortas até ao Campo da Barca, troço que passou a designar-se por Avenida João de Deus. Também nesse ano, efetuaram-se obras junto ao Forte de São Filipe do Pelourinho, ao lado do qual se ergueu um estabelecimento de moagem denominado Fábrica de São Filipe, e foi demolido o Portão da Rua dos Aranhas, localizado na confluência desta artéria com a Rua da Ponte de São Lázaro. Em 1911, um ano após a implantação da República, a Câmara do Funchal procedeu à demolição do Portão dos Varadouros e do Mercado da União, erguido em 1835 no local onde se levantava a Igreja de Nossa Senhora do Calhau, para alargamento da rua. Na sequência das alterações introduzidas pelos republicanos, o edifício do Paço Episcopal, situado na Rua do Bispo, e a respetiva cerca foram cedidos à Direção-Geral de Instrução Secundária no ano de 1913, para ali ser instalado o Liceu do Funchal, que funcionava na Rua dos Ferreiros desde 1881.  No âmbito urbanístico, as obras que se implementaram na cidade do Funchal nas duas primeiras décadas de 1900 seguiram o modelo de crescimento ditado na capital portuguesa. Ao conceituado arquiteto Miguel Ventura Terra, as entidades regionais solicitaram um Plano de Melhoramentos para o Funchal. Em 1915 a Câmara acusou a receção de uma das cópias; a segunda ficou com a então Junta Agrícola. Nos primeiros anos da República, se em Lisboa houvera a abertura da Avenida da Liberdade, assente na destruição do Passeio Público, no Funchal procedeu-se à demolição do velho edifício que servira de Cadeia, possibilitando o prolongamento do Largo da Sé até à Rua da Praia, dando origem à então Avenida António José de Almeida. Esta Avenida beneficiou de novo prolongamento em 1920, altura em que, com a necessária autorização do Ministério da Guerra, se procedeu à demolição de um troço da muralha da cidade. Neste arquipélago, o gosto pelas grandes vias públicas prosseguiu com a construção da Avenida Elias Garcia e de parte da Avenida de Oeste, projetada por Ventura Terra no seu Plano de Melhoramentos. Na primavera de 1914, a edilidade funchalense colocou-se em acordo com a Junta Geral do Distrito, tendo decidido destacar do projeto apenas a construção da parte compreendida entre a Sé e o Jardim Pequeno, troço que se concluiu em maio de 1916 e que foi designado por Avenida Dr. Manuel de Arriaga, altura em que a Junta Geral oficiou ao comandante militar da Madeira pedindo para que a banda regimental ali atuasse, visto «se acharem concluídos os trabalhos» (VASCONCELOS, 2008, 35). A instabilidade política da época, com sucessivas quedas de governo e a entrada de Portugal na Primeira Grande Guerra, a partir de março de 1916, fez agravar as dificuldades já sentidas no arquipélago madeirense, deixando para trás a concretização do plano de Ventura Terra que se revelou «demasiado luxuoso» para a época (Id., Ibid., 40). As circunstâncias da época arrastariam no tempo a concretização parcial de um projeto demasiado arrojado e megalómano que não foi capaz de reunir as condições para a sua efetivação, e que por isso, não passaria de uma intenção, tal como foi projetado. Precisamente no ano em que Ventura Terra conclui o seu Plano de Melhoramentos, que propunha uma profunda remodelação urbana do Funchal, a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal, criada em 1913, solicitou ao engenheiro Furtado de Mendonça a elaboração de um projeto para o prolongamento e alargamento do cais da Entrada da Cidade. Enquanto se projetavam estas ideias, vão realizar-se no Funchal imponentes festejos e um cortejo histórico comemorativo do V Centenário do Descobrimento da Madeira, que se prolongou até janeiro de 1923. Numa fase de amplo debate acerca do alargamento da autonomia insular e de grande instabilidade republicana, diversas personalidades difundiram na imprensa local a sua opinião, destacando-se o fundador do Jornal da Madeira, Luís Vieira de Castro (1898-1954), que defendia que a Madeira deveria “poder impor a sua vontade às orelhas demasiadamente surdas do Terreiro do Paço” (GUERRA, 2010, 194). Sobretudo, contestavam-se as precárias condições do porto do Funchal, os reduzidos recursos financeiros da Junta Geral e a excessiva carga tributária, acrescida de um adicional de 5% sobre os direitos de exportação para custear as obras do porto de Leixões. Muitas publicações de periódicos animavam as discussões em torno das questões políticas da época e faziam eco da visita ao Funchal do Presidente da República, António José de Almeida, bem como da participação de António de Oliveira Salazar (1889-1970), que visitou o Funchal, na qualidade de conferencista, por convite de Juvenal Henriques de Araújo (1892-1976), presidente da Juventude Católica do Funchal, em abril de 1925. Após o golpe militar de maio de 1926, chefiado pelo general Gomes da Costa, foi assinado o decreto que aprovou a reparação dos estragos causados no molhe do porto de abrigo da pontinha e seus cais, sendo a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal autorizada a negociar, com a Fumasil Company, de Londres, um contrato para a construção do porto do Funchal. No ano seguinte, foi inaugurado o primitivo Estádio dos Barreiros, construído por iniciativa do Clube Desportivo Nacional, e foram publicados vários decretos do Governo com disposições específicas sobre diferentes setores da vida dos madeirenses. Surgem assim novas determinações sobre o regime do açúcar, do álcool e da aguardente, e extinguem-se as administrações do concelho, revogando legislação anterior. Determina-se nessa altura a ligação do Caminho do Til com a Levada de Santa Luzia e o edifício do Sanatório dos Marmeleiros, que era pertença do Estado, é concedido à Misericórdia do Funchal. Os acontecimentos da época fizeram nascer, em 1929, o humorístico Re-Nhau-Nhau, com a promessa de deixar como grande obra a capacidade de acompanhar e criticar, com sabedoria e sentido de humor, tudo o que estivesse relacionado com a vida dos funchalenses. Nesse mesmo ano, a Câmara do Funchal pretendeu transformar a Quinta Vigia num jardim público com campos de jogos, tendo sido autorizada a contrair um empréstimo de 7000 contos destinados às diversas obras de saneamento da cidade. A vontade de transformar fazia-se sentir e a Junta Geral do Distrito deliberou o prolongamento da Avenida Dr. Manuel de Arriaga, desde a confluência com a Rua de São Francisco até à Ribeira de São João. Estas obras implicavam um corte na parte sul do Jardim Municipal para possibilitar o crescimento da nova avenida. No seguimento desta importante obra e no mesmo ano de 1930, a Junta Geral do Distrito, em parceria com a Câmara Municipal do Funchal, pretendeu ainda proceder à abertura da Avenida Zarco para norte. O projeto suscitou uma imensa polémica, pois implicava a demolição parcial do edifício seiscentista da Misericórdia, pelo que não se concretizou de imediato. A falta de verbas para o efeito serviu também de argumento, numa fase de crise generalizada com que se debatia o arquipélago, e que iria prolongar-se pelos anos 30. Logo em finais de 1930, com efeito, faliram as duas principais casas bancárias desta Ilha, Henrique Figueira da Silva e o Banco Sardinha & Ca. Foi criada uma Comissão Liquidatária e determinou-se que a liquidação da casa bancária de Henrique Figueira da Silva (1868-1956) se efetuasse no prazo de dois anos. O vasto património do banqueiro foi arrematado em praça e incluía a Fábrica de São Filipe do Pelourinho. Os ingleses Harry Hinton (1859-1948) e John Ernest Blandy (1866-1940) foram comprando o que puderam, não só do seu espólio mas também de algumas firmas que o banco financiava. No início do ano seguinte, entre 4 e 8 de fevereiro, surgiram perturbações de ordem pública que ficaram conhecidas pela Revolta da Farinha e associadas ao decreto que concedia aquele monopólio a um grupo específico de moageiros. Dois meses mais tarde, surgia novo levantamento, então um pronunciamento militar, conhecido pela Revolta da Madeira, levando o governo a declarar o estado de sítio na Madeira e a determinar o encerramento do porto a toda a navegação e comércio até ao final do ano. Em 1936, nova perturbação que ficou conhecida pela Revolta do Leite. Perante estes acontecimentos, e considerando o descontentamento acumulado, as vozes de mudança falaram mais alto. A Câmara do Funchal pretendia a modernização da cidade e, em parceria com a Junta Geral do Distrito, encarregou o arquiteto Carlos Ramos, após a sua passagem pela Madeira, em dezembro de 1930, de elaborar um projeto de embelezamento da cidade. Carlos Ramos fora aluno de Ventura Terra e não é de estranhar que tenha retomado algumas propostas do seu mestre e as tenha aplicado no Plano de Urbanização para o Funchal de 1931-1932. Os vários trabalhos que constituíam este plano de 1931-1932, de Carlos Ramos, ficaram expostos, no início de fevereiro de 1932, primeiramente no atelier do arquiteto, em Lisboa, e, logo a 29 do mesmo mês, nos Paços do Concelho, no Funchal. O plano de Carlos Ramos para o Funchal deu seguimento à linha de atuação do novo regime que, sobretudo na sua fase de desenvolvimento e consolidação (1933-1938), já Estado Novo, utilizou o Ministério das Obras Públicas, liderado pelo engenheiro Duarte Pacheco, como veículo de propaganda ideológica, com uma série de realizações que apoiaram e desenvolveram uma política de combate ao desemprego e de fomento económico do país. Este Ministério constituiu, desde logo, a grande aposta do novo poder, em tantos aspetos comparável ao fontismo oitocentista. Mas, enquanto naquele período a política de obras assentou sobretudo em investimentos particulares e na iniciativa privada, no novo regime estas obras foram, acima de tudo, um investimento do Estado e uma forma de combate ao desemprego. Faziam parte do plano de Carlos Ramos o estudo de fontenários para a cidade e a construção de um Pavilhão para Tuberculosos, destinado a construir-se no terreno junto aos Marmeleiros, pertencente à Misericórdia do Funchal. O Plano contava, igualmente, com a abertura de avenidas, onde o arquiteto retomou algumas propostas do seu mestre Ventura Terra quando pretendeu fechar a Ribeira de João Gomes, cobrindo-a de betão, assim como a de S. João e de Santa Luzia, transformando-as em avenidas. Apontava o prolongamento da Avenida Arriaga, para a qual projetou um conjunto de quatro moradias modernistas, tendo-se iniciado o processo de expropriações para o efeito. Tratava-se aqui da Avenida Oeste do projeto de Ventura Terra, reformulado por Carlos Ramos em 1931. Para dar continuidade a esta avenida, em 1934 são concedidos 293 contos à Junta Geral do Distrito para os trabalhos do segundo lanço da obra, entre a Rua do Jasmineiro e a Rua do Favila. Por via do mesmo plano iniciam-se também os trabalhos preliminares para as obras da Avenida Marginal, na Rua da Praia, cuja proposta inicial surgira com Ventura Terra, realizando-se levantamentos topográficos nessa área da cidade e mandando retirar as barracas da praia fronteira à Praça do Marquês de Pombal, antiga Praça da Rainha. Nesta data, iniciaram-se ainda as obras do porto do Funchal com a perfuração do Ilhéu de Nossa Senhora da Conceição e foi apresentado na Junta Geral o projeto de prolongamento da Avenida Zarco até ao Largo da Igrejinha, da responsabilidade do arquiteto Edmundo Tavares (1892-1983) e do engenheiro Abel Vieira (1898-1972) tendo a mesma Junta, devido às polémicas em torno desta obra, oficiado ao ministro das Obras Públicas e Comunicações a vinda ao Funchal de uma comissão para que emitisse em definitivo a sua opinião sobre a abertura ou não desta artéria no prolongamento da entrada da cidade. Determinou, igualmente, esta comissão da Junta Geral que no cruzamento destas duas avenidas seria colocada a estátua de Gonçalves Zarco, da autoria do escultor madeirense Francisco Franco (1885-1955), vindo a inaugurar-se nos inícios de setembro de 1937 esta nova avenida, que seguiu a direito, não obstante implicar a demolição da parte oeste do frontispício do edifício da Misericórdia do Funchal. Enquanto isto, o engenheiro Aníbal Augusto Trigo (1865-1944) procedia a uma revisão do projeto da rede geral de esgotos elaborado por ele e seu irmão Adriano Augusto Trigo (1862-1926), em 1899. Para rever o projeto, foi chamado também o diretor das obras públicas municipais, em março de 1933. O plano de Carlos Ramos previa outros melhoramentos, como a plantação de árvores no Largo do Socorro e a colocação de bancos de jardim. Previa ainda um jardim público do litoral entre o Savoy e o Hotel Atlantic, até ao Largo António Nobre, com miradouros, relógios de sol, relvados, bar e espaços destinados às crianças. Integrado também neste plano de urbanização de Carlos Ramos estava o projeto, de pesado gosto neopombalino, para a Câmara Municipal de S. Vicente, que nunca chegou a realizar-se. A crise generalizada que persistiu no arquipélago ao longo dos anos 30 teve reflexos no bem-estar da população madeirense. No campo da saúde, perante o crescente número de casos de tuberculose, a Direção da Assistência Nacional aos Tuberculosos resolveu estender à Madeira a sua ação, deliberando mandar edificar no Funchal um dispensário cuja planta foi da autoria do arquiteto Carlos Ramos, que obteve o primeiro lugar no concurso. Com efeito, se analisarmos as características formais do Dispensário Antituberculoso, chamado depois Dr. Agostinho Cardoso (1908-1979), situado no Campo da Barca, no Funchal, concluído em abril de 1933, verificaremos que o mesmo obedece ao estilo adotado para todos os dispensários da Associação Nacional de Tuberculosos. Ali observam-se elementos típicos da arquitetura regional, numa adesão aos conceitos do português suave, de Raul Lino, apoderados pelo Estado Novo, como a utilização de alpendres e floreiras, mas também o uso sistemático de cantaria rija, material abundante na Ilha. O estudo da arquitetura na Madeira nos anos 30 de 1900 passa também por uma análise à obra do professor e arquiteto Edmundo Tavares que, em 1932, se fixou no Funchal após ter sido nomeado professor efetivo na antiga Escola Industrial e Comercial de António Augusto de Aguiar, depois Francisco Franco. Aquela nomeação estará certamente relacionada com a criação, por parte do engenheiro Duarte Pacheco, então ministro das Obras Públicas, de delegações nas diversas regiões do país para cuidarem da introdução do novo figurino oficial do Estado Novo. A obra de Edmundo Tavares é relevante no Funchal, nomeadamente no que respeita ao desenvolvimento da arquitetura moderna, pois são dele os primeiros exemplares arquitetónicos ao gosto moderno construídos na Ilha. O seu percurso no arquipélago reflete uma larga amplitude de opções estilísticas, que traduz uma procura constante e uma oscilação de gosto que então caracterizava o panorama da arquitetura nacional. Tavares assinou alguns exemplares dentro do gosto português suave, dos quais se destaca o Liceu Jaime Moniz, tendo privilegiado uma linguagem mais historicista, ou revivalista, no edifício da agência do Banco de Portugal, inaugurado em 1940, e na Capela de Nossa Senhora da Conceição, de 1936. Por outro lado não deixou de atender ao gosto art deco, com o qual assinou alguns exemplares de habitação doméstica, como a Vivenda Fátima, implantada na Avenida Infante, e o Mercado dos Lavradores, inaugurado em 1940. Edmundo Tavares publicou vários livros de carácter técnico-construtivo e outros sobre temas da arquitetura portuguesa dos quais se destaca a sua participação na obra de Reis Gomes (1896-1950) Casas Madeirenses, com ilustrações de modelos de habitações. Trata-se de uma publicação que coloca em debate a problemática da existência de uma arquitetura madeirense através da apresentação de elementos típicos regionais recolhidos a partir da observação de edifícios existentes na cidade do Funchal. O arquiteto deixou também as suas impressões sobre a Ilha no artigo «Quadros, Presépios e Lapinhas», de 1948. Liderado pelo dinâmico autarca Fernão de Ornelas (1908-1978), este programa de obras contribuiu para a renovação dos edifícios públicos da cidade do Funchal e nele estiveram também incluídos, entre outros, vários edifícios destinados a escolas primárias, o Liceu do Funchal, Bairros Económicos, o edifício do Banco de Portugal, erguido na esquina do novo troço da Avenida Zarco com a Avenida Arriaga, e o Sanatório Dr. João de Almada, edificado na antiga quinta de Santa Ana, no Monte. Foi também a oportunidade para alargamento da rede de água potável, com a construção de fontenários nas freguesias suburbanas, cujo modelo seguiu o projeto-tipo de Carlos Ramos, enviado à edilidade funchalense e redesenhado por Tavares, considerado, então, o arquiteto da Câmara do Funchal. Aproveitou-se o programa para se levarem a efeito importantes obras no porto do Funchal, que passa a ter um molhe com 464 m, e para se efetuarem reparações no Palácio de S. Lourenço, na Avenida Marginal e Avenida do Infante. Procedeu-se à demolição da antiga praça do peixe, denominada Praça de São Pedro, do antigo Matadouro e do Mercado de D. Pedro V, transferindo-se para o átrio dos Paços do Concelho Leda e o Cisne, escultura que remata o chafariz ali existente. Este conjunto de obras destaca-se de entre as muitas iniciativas levadas a cabo por toda a Ilha como forma de mostrar que o Estado Novo respondia às reivindicações da população, tendo sido disponibilizados todos os recursos materiais e humanos disponíveis para a sua efetivação. No âmbito cultural, aproveitaram-se as comemorações centenárias para lançar a obra As Ilhas de Zargo, de Eduardo Clemente Nunes Pereira (1887-1976), depois com várias edições e de excecional importância na cultura madeirense. A Madeira seguia assim, efetivamente, a tendência nacional e, com Fernão de Ornelas na presidência da Câmara Municipal do Funchal, e ao serviço do regime de Salazar, Raul Lino é convidado, em março de 1941, a dar o seu parecer sobre novas alas a edificar a norte e a sul do corpo principal do edifício camarário, que se encontrava em profundas remodelações, com vista a uma integração harmoniosa. Para dar lugar a estas obras, foi expropriado, a norte, o antigo Palácio Torre Bela, permitindo a abertura de nova rua e, mais tarde, em 1962, a construção do Palácio da Justiça do Funchal, da autoria de Januário Godinho Sousa. As preocupações urbanísticas levam a que Raul Lino seja convidado a visitar novamente o Funchal em novembro do mesmo ano, a fim de se pronunciar sobre diversos problemas de estética citadina, designadamente no que respeita às obras das fachadas laterais do edifício dos Paços do Concelho. Aproveitando a nova passagem do arquiteto pela Madeira, em janeiro de 1942, acompanhado pelo engenheiro agrónomo Francisco Caldeira Cabral (1908-1992) e respetivas famílias, por ocasião dos estudos para a Praça do Município, a Junta Geral encarregou-o de efetuar o anteprojeto para o edifício que daria continuidade ao Palácio da Junta, a edificar na Avenida Zarco. Todavia, em dezembro do mesmo ano, Raul Lino escusou-se, oficiando à Junta que os serviços oficiais de que já ficara encarregado o ocupariam durante vários meses, não podendo deslocar-se à Madeira. A Junta lastimou a situação, tendo pedido de imediato à Direção dos Monumentos Nacionais a indicação de outro arquiteto, que veio a ser Januário Godinho. Em abril de 1943, este apresentou à Junta Geral ofício com as condições pretendidas para prosseguir a tarefa. Decorridos dois anos, o arquiteto esteve na Madeira a fim de assinar o contrato para a realização do projeto das novas instalações e assistir à execução das obras. A Câmara Municipal do Funchal resolveu, no entanto, a 11 de novembro de 1943, autorizar o presidente a assinar o contrato com o arquiteto urbanista João Guilherme Faria da Costa, tendo em conta o plano de urbanização desta cidade e as deliberações de 15 de julho e 5 de agosto respeitantes ao projeto de alinhamento da Rua dos Ferreiros, troço entre as Ruas dos Netos e Severiano Ferraz. Mais tarde, já em abril de 1945, é aprovado o projeto de urbanização da cidade do Funchal da autoria de Faria da Costa, que apresenta o seu estudo do arranjo da Praça do Município e sua zona imediata. O contributo deste arquiteto iria deixar a sua marca numa das principais praças da cidade, transformando toda a área entre a Igreja do Colégio, o edifício da Câmara Municipal e o Paço Episcopal numa das zonas mais privilegiadas da urbe funchalense. As obras de transformação deste quarteirão central são visíveis desde 24 de julho de 1941, data em que foi aprovada a terraplanagem e o calcetamento do largo do município, mas continuam depois de, a 23 de abril de 1942, se ter resolvido adjudicar o trabalho de forrar a parede da escada da Igreja do Colégio e demais trabalhos de arranjo da mesma escadaria. No seguimento destas transformações, em julho de 1942 foi resolvido aprovar e abrir concurso para a execução do projeto de uma Fonte Pelourinho no Largo do Município, da autoria de Raul Lino, obra que foi adjudicada a 17 de setembro do mesmo ano, depois de o chefe de gabinete do Ministro das Obras Publicas e Comunicações ter solicitado, uma cópia do referido projeto, que lhe foi enviada. Trata-se de um chafariz em cantaria rija, considerado uma bela peça de arquitetura civil ao gosto Estado Novo, onde se manifesta uma boa integração dos materiais regionais. Para que a transformação desta ampla praça fosse possível, foi pedida autorização à Junta Geral para ocupar a cerca do edifício do antigo Paço Episcopal, onde funcionava então o liceu Jaime Moniz. Esta obra de Raul Lino, datada de 1942, foi construída no centro da Praça do Município projetada por Faria da Costa em fevereiro de 1945. A planta da nova organização da Praça do Município e o projeto da Fonte Pelourinho deixam perceber as modificações que se pretendiam introduzir na nova praça, como espaço central do município e verdadeiro retrato da vereação de Fernão Ornelas. Outra obra emblemática da vereação camarária que ficou associada a Faria da Costa foi a nova rua de ligação entre a Ponte do Bettencourt e o Mercado dos Lavradores, rua que constava do seu projeto de urbanização para a cidade do Funchal, pensada para ser denominada Rua dos Mercadores e posteriormente conhecida como Rua Fernão Ornelas. Em abril de 1945, o presidente da Câmara foi autorizado a outorgar e assinar, com os respetivos proprietários, os contratos referentes às expropriações, demolições, reconstruções, indemnizações e vendas de terrenos sobrantes para ratificação dos alinhamentos dos prédios, não só nesta rua mas também no alargamento da Rua do Aljube, no Largo do Chafariz, na Rua do Bettencourt, na Rua do Phelps, na Rua do Monteiro e na Rua dos Medinas, e respetivas imediações. Para execução do plano de urbanização da cidade, foi necessário demolir o edifício onde estava instalado o Banco da Madeira, no Largo do Chafariz, levando a edilidade a adquirir o prédio da rua João Gago n.º 16, n.º 18 e n.º 20 de polícia, para demolição e posterior entrega do terreno ao Banco da Madeira, a fim de, conjuntamente com o sobrante do seu edifício, se proceder à sua reconstrução. Dada a importância e localização deste prédio, junto da Sé, torna-se conveniente a aplicação de cantarias que guarnecerão o edifício. A Câmara compromete-se a pagar o custo orçamentado das cantarias e o Banco da Madeira obriga-se a requerer imediatamente o projeto da obra, que será fornecido pela Câmara mediante o pagamento de 2% sobre o orçamento das obras, devendo a reconstrução iniciar-se em junho e estar concluída no prazo de um ano, tudo em harmonia com as indicações da Câmara, designadamente quanto a alinhamentos. Faria da Costa ficaria associado a diversas obras da cidade do Funchal aprovadas sob a presidência de Fernão Ornelas, mas concretizadas já depois do seu afastamento da governação camarária, em finais de outubro de 1946. As muitas obras de urbanização e modernização que se sucederam ao longo dos seus mandatos permitiram uma transformação sem precedentes na organização do espaço citadino do Funchal. Permitiram também a vinda de importantes figuras da arquitetura e da engenharia portuguesa, que deixaram na ilha as marcas do seu conhecimento e da sua arte, construindo com base nos ideais do regime. A continuidade das grandes obras de urbanização do Funchal vai ser uma realidade, apesar da saída do presidente que ficou conhecido como “o terramoto”, porque destruiu para reconstruir, erguendo uma nova cidade, moderna e virada para o progresso. Na tomada de posse do seu último mandato, a 2 de janeiro de 1946, e que se prolongaria até 1949, a equipa camarária propunha-se intensificar ainda mais a sua ação. Para além da conclusão da Rua dos Mercadores, do arranjo e alargamento do Chafariz, da Rua do Bettencourt e do Largo do Phelps, iria retomar as obras interrompidas da Avenida do Mar, concluir a Praça do Infante e sua ligação à Avenida do Mar e a parte municipal do Parque da Cidade. A nível social propõe-se iniciar a construção de mais um bairro para as classes pobres da Madalena em Santo António, propõe-se instalar o Posto Clínico Central em novos edifícios a construir, onde funcionará também a Sede do Serviço de Saúde Municipal. Será também construído um novo edifício para instalação dos Bombeiros Municipais, vários edifícios para instalação de escolas e o novo Cemitério Oriental, e concluído o estudo do abastecimento completo de água ao Funchal e freguesias suburbanas, bem como o estudo da urbanização dos Ilhéus até à Cruz de Carvalho e o estudo do bairro da Ajuda. Nos novos projetos, foi apresentado o da cobertura da Ribeira de Santa Luzia, da Avenida do Mar ao Torreão, onde era construído um largo, que seria o topo desta avenida e da Avenida Zarco. Como complemento das obras de urbanização da parte central do Funchal, estudava-se uma artéria que delimitava a parte baixa da cidade, sendo a continuação da Rua Elias Garcia até ao Torreão e daí pelas Capuchinhas e pelas Cruzes até São Paulo. Com estas ações devem considerar-se concluídas as grandes obras de urbanização do Funchal, reforçando-se a grandeza dos melhoramentos que marcam uma época na história da cidade. Alguns desses melhoramentos destacam-se quer pela sua grandeza e significado, quer pela importância e dimensão dos seus autores. O arquiteto Adelino Nunes (1903-1948) foi o responsável pelo projeto do edifício dos correios na Avenida Zarco, inaugurado em 1942, enquanto Januário Godinho elabora em 1945 um projeto de remodelação do edifício da Junta Geral do Distrito, na sequência da abertura do troço norte da Avenida Zarco. Este projeto englobava também as novas instalações adjacentes à antiga Misericórdia, com entrada pela mencionada avenida. Moreira da Silva (1909-2002), arquiteto urbanista do Porto, envia a sua proposta para a elaboração do projeto do Parque de Santa Catarina em março de 1944, mas após ponderada apreciação, a Câmara classifica de inaceitável o anteprojeto apresentado, desinteressando-se do mesmo. Todavia, em julho de 1946, o engenheiro Raul Andrade de Araújo (1918-1957) propõe a contratação de um técnico especializado para orientar a preparação dos terrenos e plantações do Parque de Santa Catarina. Este mesmo engenheiro é encarregado de ir a Lisboa adquirir o material necessário para a repartição de obras e contratar o pessoal técnico necessário para os serviços de urbanização do Funchal e plano complementar do abastecimento de águas ao concelho. Em 1949, é elaborado novamente um anteprojeto para o mesmo Parque de Santa Catarina, desta vez da autoria de Miguel Jacobetty (1901-1970). A 28 de maio de 1947, é inaugurado o monumento ao Infante D. Henrique, na rotunda do Infante, e, no ano seguinte, o fontenário da mesma rotunda. Já em 1951, é inaugurada a Ponte do Mercado, estabelecendo-se a ligação entre as obras pensadas ao tempo de Fernão Ornelas e a sua efetiva concretização nos anos posteriores à sua saída. Na verdade, nem todas as obras acabariam por ser realizadas mas a transformação do Funchal, essa ficaria manifesta aos olhos dos seus habitantes. Quando, em 1934, se nomeou Fernão de Ornelas para a presidência da Câmara Municipal do Funchal, abria-se uma nova era no município, colocando na praça pública a discussão das grandes obras de arquitetura e urbanismo, dos grandes projetos e dos seus autores, que moldaram a cidade do Funchal na primeira metade do século XX, com uma assinalável transformação da malha urbana do Funchal que teve a colaboração de importantes personalidades. Com a afirmação do Estado Novo e a nomeação de novos dirigentes à frente dos principais destinos da Madeira, vamos assistir, de facto, a um controlo da ação política local e a um estreitar do relacionamento entre a região e o continente. Para essa aproximação muito contribuíram as ideias políticas, mas também a visão de personalidades como Duarte Pacheco e Fernão Ornelas. O primeiro criou condições para o aparecimento de grandes obras de arquitetura e urbanismo que se destacaram a nível nacional, enquanto o segundo teve a dinâmica e ousadia necessárias para implementar no Funchal programas de modernização da arquitetura e do urbanismo que redesenharam a imagem da cidade para o século XXI.   Agostinho Lopes Teresa Vasconcelos (atualizado a 04.01.2017)

Arquitetura Património

palácio e fortaleza de são lourenço

A fortaleza de S. Lourenço constituiu-se como uma das primeiras fortificações da extensa rede de feitorias portuguesas, base da expansão europeia do séc. XVI; depois, tornou-se num dos mais importantes conjuntos edificados do território nacional. Foi, assim, palco dos inúmeros combates travados entre as principais potências mundiais da Época Moderna, chegando a ser ocupada por franceses, canários e castelhanos e, ainda, por ingleses, que ali estabeleceram os seus governos pontuais. Crescendo como afirmação emblemática de um poder precário, fechou-se à cidade e abriu-se ao mar, num esquema militar que antecede, como paradigma na função, a cidadela de Cascais e a fortaleza de S. Julião da Barra, na área de Lisboa, mas também certas residências fortificadas, eleitas simbolicamente, ainda hoje, para afirmação de poder. Primeiro, residência dos capitães do Funchal (Capitães), S. Lourenço passou, em seguida, aos encarregados dos negócios da guerra e aos governadores e capitães-generais (Governadores), ultrapassando as suas simples funções iniciais de defesa e enquadrando-se nas novas necessidades de representatividade do poder. Com efeito, construído um palácio no seu interior, não deixou, no entanto, de manter as suas linhas originais de fortaleza para o exterior, exemplares do melhor que o engenho português dos sécs. XVI e XVII ergueu pelo mundo. Nos inícios do séc. XX, quando da visita dos Reis de Portugal à Madeira, foi também residência régia. Nos meados do mesmo século, o imóvel foi dotado com um importante acervo dos palácios e museus nacionais, instituindo-se assim como “Palácio Nacional”, entroncando a sua história na história do país e da região de que tem sido palco. É, igualmente, uma das mais importantes referências da arquitetura militar e civil portuguesas; além disso, possui um dos bons recheios de artes decorativas existentes no território nacional. A fortaleza de S. Lourenço nasceu de um pedido efetuado pelos moradores em 1528; a construção foi determinada em 1529, mas só foi levantada entre 1540 e 1541, dirigindo a obra o pedreiro Estêvão Gomes, a quem se conhecem os pagamentos atribuídos pelo trabalho. Era uma fortificação de transição, como a Torre de Belém, em Lisboa, ou as inúmeras torres então levantadas nos domínios ultramarinos portugueses. O conjunto do baluarte do Funchal envolvia uma torre semioval, assente nos afloramentos rochosos da praia, ostentando os emblemas e as armas reais, articulada com uma muralha que corria sobre o chamado “altinho das fontes” de João Dinis (Fontes de João Dinis), que envolvia as casas do capitão. Ao lado das fontes, possuía um torreão-cisterna que, flanqueando a muralha, protegia a aguada dos navios e a população na praia do Funchal. Todos estes elementos, com alguns melhoramentos, chegaram aos nossos dias. A fortaleza, a 20 de outubro de 1553, não se apresentava ainda concluída, como indica a queixa de Diogo Cabral, neto de Zarco, a declarar que não estava “acabada pela parte da cidade; está baixa e nem tem baluarte que a cubra” (ANTT, Corpo Cronológico, parte i, mç. 91, n.º 31). Também não se encontrava montada a organização geral defensiva militar (Ordenanças), pelo que a obra se mostrou totalmente incapaz perante o ataque corsário francês de outubro de 1566. A fortaleza foi então acometida por terra, onde quase não possuía proteção; existindo residências com torres mais altas muito próximas e não sendo possível movimentar as pesadas bocas-de-fogo apontadas para o mar, não resistiu ao ataque, sofrendo a cidade um pesado saque que durou cerca de 15 dias e a que praticamente nada escapou. Logo na armada de socorro à Madeira, juntaram-se ao capitão do Funchal e futuro herdeiro da capitania alguns padres da Companhia (Colégio dos Jesuítas e Jesuítas). Em princípio, também integrou a mesma armada um arquiteto militar altamente habilitado, Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), ligado à família dos principais arquitetos do mosteiro da Batalha. Em março de 1567, Mateus Fernandes (III), recebeu na Ilha a visita e o apoio de dois arquitetos italianos que lhe entregaram um primeiro regimento de fortificação para o Funchal, datado de 14 de março do mesmo ano. Com esta colaboração, o designado fortificador e mestre das obras da ilha da Madeira levantou uma planta do Funchal, hoje na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, e imaginou uma enorme fortaleza para o morro da Pena, construção que desceria até à praia do Funchal, ocupando toda a atual zona velha ou bairro de S.ta Maria Maior. Porém, o seu projeto não foi aceite em Lisboa. As primeiras obras na fortaleza do Funchal foram para ampliar as casas do capitão, intervenção de que conhecemos auto datado de 15 de março de 1571, embora não se entenda bem que obras se estavam a fazer. Cerca de 10 anos depois, o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598), queixava-se de que a fortaleza era essencialmente um bom palácio residencial, infelizmente cercado de edificações muito próximas e mais altas, pouco valendo, assim, como construção de defesa. A opção determinada pela provedoria das obras de Lisboa, em 1572, foi de reduzir a um terço a fortaleza projetada para o morro da Pena e repô-la sobre a fortificação inicial, joanina. Com efeito, a fortaleza manteve o torreão joanino, datado de 1540 a 1542, e viu aumentada para poente a parada da frente mar, incorporando o baluarte-cisterna primitivo e as fontes de João Dinis, e rematando com um baluarte quadrangular. Para o lado da cidade, foi dilatada com dois baluartes pentagonais gémeos, virados a norte, no meio dos quais ficava a porta. Mais tarde, por volta de 1600, veio a ser ampliada com um novo baluarte pentagonal e cavaleiro, ou seja, mais alto do que os baluartes gémeos laterais, conforme projeto do novo mestre das obras reais, Jerónimo Jorge (c. 1555-1617), para proteger a porta. Data desses primeiros anos do séc. XVII a atribuição da designação “S. Lourenço” à construção, sendo este santo da especial veneração dos Filipes de Castela e então também de Portugal. Assim, e antes de estar terminado o baluarte-cavaleiro de S. Lourenço, o governador mandou adquirir uma grande pedra de moinho a João Berte de Almeida para serem lavradas as armas com que seria encimada a obra. A “pedra que lhe foi tomada do seu engenho para as armas que se lavraram para a fortaleza” foi paga em setembro de 1601, por 4$000 réis (ARM, Câmara..., Livro da Receita e Despesa da Fortificação, 1600-1611, fl. 38v.). Este grande brasão de armas que encima o cordão do primeiro baluarte de S. Lourenço e hoje do Castanheiro é uma peça inédita no espaço nacional, pois os reis de Castela sempre usaram o escudo de Portugal neste reino. Provavelmente, alguém terá trazido de Castela um desenho das armas castelhanas e, num esmero exagerado, comprou-se uma mó de moinho para melhor entalhar o conjunto envolvido pela ordem do Tosão de Ouro. Mais tarde, depois de 1640, picaram-se essas armas e colaram-se em cima as nacionais, executadas em cantaria do Porto Santo. No entanto, ficou o colar do Tosão de Ouro e a coroa imperial de Castela a lembrar o escudo anterior. Este baluarte foi ligeiramente amputado, em 1916, para a abertura da Av. Arriaga, apeando-se então o brasão, que viria a ser recolocado no lugar, em junho de 1993. Para além destas obras, devem ter ocorrido trabalhos na capela da fortaleza de S. Lourenço, em 1635, conforme atesta a lápide ainda hoje existente no local, no canto da parede sobre o balcão da residência, frente à parada interior, ostentando a inscrição “DVND. 1635”, que deve significar “Deo Vota Nostro Domino”, ou seja, que a construção fora consagrada a Deus Nosso Senhor naquele ano. No entanto, a capela é, por certo, anterior, pois o governador, segundo cremos, não deixaria de ter ali um templo para uso pessoal e privado. Pelo menos, desde 1623 que haveria um capelão no local, pois quando algumas testemunhas depuseram, perante a câmara, sobre as necessidades dos soldados da fortaleza (que estariam a passar fome na altura), surgiu a depor o padre capelão Bento Doussim, no dia 9 de fevereiro. Nesses anos teria havido um certo movimento de obras, uma vez que a imagem de S. Lourenço que encimava a porta, e que hoje está do Museu Militar da Madeira (Museu Militar da Madeira), se encontra datada, na base, de 1639. A capela da fortaleza de S. Lourenço ficava, no séc. XVII, no piso médio da residência do governador, no canto oriental da parada interior, dando para esta mesma área, onde se mantém a inscrição de 1635 antes referida. O templo tinha acesso interior para o governador e família, e acesso exterior para possível uso do pessoal da fortaleza, pelo balcão corrido no sentido norte/sul e também por um lanço de escadas voltadas para a parada. O portal da capela, por certo bastante mais tardio, foi transferido, em princípio, nos inícios do séc. XIX, para o centro do edifício principal, onde está virado a norte, para a parada interior, construindo-se então uma larga escadaria em madeira, substituída por uma de pedra, nos anos 40 do séc. XX. Este portal é hoje a porta principal de acesso ao palácio, dando entrada para a chamada sala dos retratos.  O “Livro da fortificação” de 1642 (ANTT, Provedoria..., liv. 837, fl. 37v.) permite entender as preocupações e a ação do primeiro governador em funções no novo quadro político da Restauração: Nuno Pereira Freire. O novo governador começou logo por pagar as obras realizadas em março desse ano, quando se desentulharam as bombardeiras de S. Lourenço, pouco depois, mandou fazer obras na residência da fortaleza. Foi então comprada meia-dúzia de tabuado de pinho ao mercador flamengo Martim Filter, por 3$000; foram remunerados os dois negros que trouxeram esta madeira para a fortificação e os carpinteiros que fizeram “o frontal na varanda das casas grandes da fortaleza” (ANTT, Provedoria..., liv. 837, fl. 37v.); e foram pagos 1$570 réis ao serralheiro Gaspar Gonçalves, por um ferrolho, que, embora não se mencione se era para a residência, pelo preço, deve ter sido. Em meados de dezembro, aparece a informação de se ter pago a Brás Rodrigues da Silva, entre outras coisas, pregos para três adufas das frestas da igreja da fortaleza de S. Lourenço: $430 réis. Infelizmente, não há qualquer outra notícia que permita saber se se tratava da pequena capela interior, fundada em 1635, se de uma outra capela maior, para então ter a designação de igreja da fortaleza. Ao mesmo tempo, deu-se $320 réis a Benito Catalão, por uma fechadura e ferrolho que vendeu para a casa da fortaleza de S. Lourenço. Embora, em 1632, se falasse num capelão e, em 1635, se lavrasse a lápide evocativa da capela, a instituição do cargo de capelão da fortaleza e dos soldados do presídio, bem como de outros cargos, com os respetivos mandados do Conselho da Fazenda, alvarás ou ordens reais, só começou a verificar-se a partir dos finais de 1641. Foi nessa altura que se emanou a ordem a favor do P.e José da Costa de Lima, capelão de S. Lourenço, para ter de ordenado o que “montasse uma praça de soldado” (BNP, Índice..., cód. 8391, fl. 9v.). No ano seguinte, um novo alvará especificava que se deveria pagar ao capelão “os 4$000 que se costumam dar a qualquer soldado quando assenta praça, sobre o seu ordenado; com obrigação de dizer missa aos domingos e [dias] santos aos da fortaleza” (Id., Ibid.). Este capelão deve ter falecido em 1644, ano em que foi emitido um novo alvará, visando agora o licenciado P.e João de Saldanha e especificando que teria de ordenado $080 por dia; falecido em 1689, foi substituído pelo P.e António da Silva, no ano seguinte. Em junho de 1642, o governador mandou elaborar uma planta da Ilha “para enviar a Sua Majestade” (ANTT, Provedoria..., liv. 837, fl. 51), encarregando para o efeito, certamente, o mestre das obras Bartolomeu João (c. 1590-1658) (João, Bartolomeu); pagou-se então $960 réis a Inocêncio Fortes por quatro pergaminhos, um montante nada módico. Saliente-se que essa seria uma primeira versão da planta integrada na coleção dos herdeiros de Paul Alexander Zino (1916-2004), no Funchal, e executada mais de 10 anos depois, em papel. Esta planta da Ilha, de 1654, apresenta ainda as principais fortalezas do Funchal em traços um tanto ingénuos. A descrição geral da fortificação da cidade começa com a seguinte informação: “Tem a fortaleza de S. Lourenço, aonde residem os governadores e soldados do presídio, a qual tem 12 peças de bronze de 12 até 24 libras de bala, e outras tantas de ferro; tem uma companhia de soldados e as fontes da cidade estão debaixo da dita força”, isto é, da fortificação (CHPAZ, 1654). Deve ter ficado uma cópia desta planta em S. Lourenço, pois temos a indicação de ali se encontrar um exemplar em 1799, data em que é referida como “um mapa geográfico, seis vezes maior que o de William Johnston” (AHU, Madeira..., n.º 1089). As dimensões correspondem sensivelmente às da planta de Bartolomeu João, que terá sido levada para Londres pelo Cor. William Henry Clinton (1769-1846), quando da sua permanência em S. Lourenço, entre 1801 e 1802 (Cartografia). O desenho de S. Lourenço, sob a designação de “Fortaleza de São Lourenço aonde está o presídio”, ou seja, a guarnição militar “& governador” da ilha da Madeira, apresenta já a fortaleza contendo um palácio dentro, com fachada de três pisos virada para o mar, um jardim para poente e uma parada interna (CHPAZ, 1654). A fachada virada para o mar mostra o torreão joanino também como atualmente se vê, possuindo um corpo articulado com o torreão, parecendo destinar-se a “privadas”, como então se designavam as latrinas. O corpo em apreço apresenta o último piso com varandas à face, o que não acontece com os corpos seguintes, com embasamento de cantaria à vista, como ainda aparece nas fotografias dos finais do séc. XIX. O último piso articula-se, por um passadiço, com o torreão cisterna, avançado ao mar, tal como chegou aos nossos dias, embora hoje com telhado. Para poente, o edifício apresenta uma janela geminada, desaparecida com as obras dos finais do séc. XVIII. Na gola do baluarte noroeste há o pormenor curioso de figurar uma alta torre, assente em embasamento de cantaria aparente, com quatro pisos e telhado cónico. Tudo leva a crer que esta é uma edificação mais antiga, contemporânea do baluarte joanino e depois incorporada no baluarte executado por Mateus Fernandes, em 1572. Nesse caso, podemos estar perante a torre das Gamas, que Gaspar Frutuoso (c. 1522-c. 1591) refere ter uma altura superior à primitiva fortaleza e ter sido o local de onde os franceses, no assalto de outubro de 1566, alvejaram o interior da mesma fortificação. Pela dimensão em altura que possuía, a torre dificultava o tiro dos baluartes adjacentes, não se percebendo como a deixaram chegar aos meados do séc. XVII.   A torre das Gamas deve ter sido derrubada pouco tempo depois da execução da planta, mas subsistiu, no entanto, o seu piso térreo, depois denominado Casa do Fresco, tal como o vemos representado no desenho de 1654, com a porta de acesso no jardim interior da residência. As antigas janelas, ao gosto dos meados do séc. XVI, parecem subsistir no desenho de Bartolomeu João, talvez entaipadas, a marcar as escadas interiores e os pisos, apontando no sentido de ser essa uma estrutura anterior ao baluarte onde se insere. A referida casa teve obras de reabilitação entre 1999 e 2000, período em que foram recolocados alguns restos de painéis de azulejos dos inícios e meados do séc. XVII que existiam no palácio.  No ano de 1672, tomou posse como governador João de Saldanha de Albuquerque, filho do mestre de campo Aires de Saldanha, falecido na batalha de Montijo, em 1644. Considerando que João de Saldanha de Albuquerque era um fidalgo de certa estripe, que veio a ser governador de Mazagão, vedor da Casa Real e presidente do Senado de Lisboa, não espantam as várias obras, determinadas em 1689, que mandou executar. Como novidade, registe-se que apareceram, a partir desta época, as despesas respeitantes ao bergantim em que se deslocava o governador e que também fazia outros serviços, sendo necessário calafetá-lo, deslocá-lo para o calhau da praia e depois voltar a rebocá-lo para dentro das muralhas. Nos finais do século, em 1689, após diversos pedidos de vários governadores, o Conselho da Fazenda deu autorização ao governador D. Rodrigo da Costa para que se fizessem “as obras das casas do castelo de S. Lourenço, em que vivem os governadores que vêm a esta Ilha” (ANTT, Provedoria..., liv. 968, fl. 62). As obras acabaram por ser arrematadas por um dos militares da guarnição, o Cap. António Nunes, então condestável dos bombardeiros do Funchal e, pouco tempo depois, capitão da artilharia da ilha da Madeira.  Foi durante a vigência de D. Rodrigo da Costa que foi ampliada a sala de armas da fortaleza, que, entretanto, recebera 100 espingardas de pederneira francesas, 100 quintais de pólvora e mais apetrechos de guerra, tendo o Conselho da Fazenda atribuído mais verbas para a ampliação da sala e para outras instalações. Neste quadro, foi igualmente necessário proceder a um reforço de pessoal para controlo do material em causa, surgindo então a nomeação de Pascoal Lopes para ajudante do condestável de S. Lourenço e o referido Cap. António Nunes, que veio a ser o novo mestre das obras reais, assumindo o controlo e a direção dos trabalhos que decorreram durante o mandato dos governadores seguintes. Na noite de 14 de maio de 1699, um incêndio devorou o que tinha sido feito sob orientação de António Nunes, sendo então voz corrente que se tratara de fogo posto. Entretanto, já se encontrava na Madeira o novo governador, D. António Jorge de Melo (c. 1640-1704) e a situação de S. Lourenço teve de ser totalmente repensada. António Jorge de Melo tinha tomado determinadas precauções em Lisboa, solicitando informações detalhadas sobre a vida militar, social e económica na Ilha. Deve ter recorrido ao madeirense e desembargador António de Freitas Branco (1639-c. 1700), figura da confiança de D. Pedro II, cujo casamento com D. Maria Sofia Isabel da Baviera, em 1687, tratara. Acresce ainda que esta possível fonte era membro do Conselho de Estado, logo, tinha acesso a uma vasta informação, imprescindível para a execução das “Instruções” dadas a D. António Jorge de Melo (BNP, reservados, Col. Pombalina, cód. 526, fl. 275). Parece que o novo governador teve em consideração estas instruções, pelo menos parte. Nesse sentido, na sequência do incêndio que consumiu uma porção das casas da guarnição da fortaleza de S. Lourenço, logo em novembro de 1698, mandou lavrar um auto para que o armazém da pólvora da fortificação fosse transferido para a fortaleza de S. João do Pico, mais isolada e afastada da cidade (Paiol geral). Mais tarde, foi a vez do forno e da casa da cal se deslocarem para S.ta Catarina; ao longo do séc. XVIII, foram mesmo os soldados que saíram da fortaleza com as suas bocas-de-fogo para o reduto de S. Lázaro, depois reformulado e designado Bateria das Fontes (Muralhas da cidade). A partir dessa época, começou a falar-se em palácio, palavra que até então quase não tivera uso (Palácios). Durante o séc. XVIII, as obras de engrandecimento não pararam, sendo a obra de S. Lourenço cada vez mais referida como palácio, e menos como fortaleza. Com efeito, em Setecentos, aumentou o número de armadas internacionais a passar pelo Funchal, pelo que se acentuou a necessidade de o governador receber condignamente os altos comandos das mesmas (Hearne, Thomas). Nas informações dos finais do séc. XVII não existem referências especiais a estas cerimónias, mas, a partir do governo de João António de Sá Pereira (1730-1804), que assumiu funções entre 1767 e 1777, são contínuas as informações sobre a passagem de armadas e sobre as respetivas receções em S. Lourenço, com aquele governador aos comandos das mesmas. Destaque-se que o ministro de França, duque de Choiseul (1719-1785), escreveu de Paris a João António de Sá Pereira, em 1768, a agradecer a forma como recebera a tripulação e os passageiros da fragata Balança, procedente da Martinica e naufragada nos mares da Madeira, referindo “a urbanidade do acolhimento” e tratando o governador como “Senhor conde de Sá” (ARM, Governo Civil, liv. 526, fl. 27). A historiografia regional regista também, a partir dos meados do séc. XVIII, as festas realizadas por ocasião dos aniversários régios, indicando que compreendiam geralmente jantar e baile e que eram antecedidas por um ato de vassalagem aos monarcas, prestado diante dos retratos dos mesmos, devidamente apeados das paredes e colocados sob um dossel para o efeito. Na realidade, somente temos ecos deste cerimonial no século seguinte e apenas em relação a D. João VI. Até então, não existiriam retratos régios em S. Lourenço; mesmo as efígies dos governadores são trabalhos dos finais do séc. XVIII e inícios do XIX. De facto, os retratos de João Gonçalves Zarco e do seu filho, segundo capitão do Funchal, embora figurem trajados ao gosto dos finais de Quinhentos e dos meados de Seiscentos, salvo melhor opinião, são trabalhos muito mais recentes, sendo que não lhe conhecemos referências diretas ao longo do séc. XIX. No último quartel do séc. XVIII e durante a vigência de D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (c. 1781-1798) como governador, ter-se-á tentado novamente reparar a fortaleza e palácio, encontrando-se o imóvel quase a ameaçar ruína. A coroa foi sensível aos pedidos do governador em relação suas às necessidades de representação; inclusivamente, a rainha D. Maria I aumentou-lhe o ordenado, citando que tomara em consideração “que o soldo que venceis nesse governo não é suficiente para o trato da vossa pessoa, e decência que deveis conservar nele”, pelo que, “do primeiro de janeiro do presente ano” de 1790, passaria a receber, a cada ano, um vencimento de quatro contos de réis, tal como “os mais governadores e capitães-generais que vos sucederem” (ANTT, Provedoria..., liv. 977, fl. 185). Foi por iniciativa deste governador que se alterou o conjunto de salas viradas ao mar, então dotadas de grande pé direito e feitas à custa dos dois pisos superiores anteriormente existentes. Para compensar o espaço perdido, ter-se-á optado por fazer avançar o então denominado palácio para cima do torreão oeste, composto por Mateus Fernandes, por volta de 1575. Construiu-se assim uma ala ao gosto neoclássico do final do séc. XVIII, debruada por varanda corrida de sacada, tendo a intervenção sido dirigida, certamente, pelo então mestre das obras reais, António Vila Vicêncio (c. 1730-1796); verifica-se que existe, aliás, um certo paralelo com outros trabalhos que orientou pela Ilha, em concreto, a reforma de algumas igrejas. O tipo de janelas e a varanda corrida vieram a servir de modelo a toda a fachada virada para o mar, nos meados do séc. XIX, na parte civil do imóvel, e também na campanha de obras de 1936 a 1939, na parte militar do mesmo. O governador e Cap.-Gen. Florêncio José de Melo e o bispo de Meliapor, D. Joaquim de Meneses e Ataíde (1765-1828), administrador apostólico do Funchal, receberam na cidade a futura princesa do Reino Unido de Portugal e do Brasil, a arquiduquesa D. Maria Leopoldina de Áustria (1797-1826), em 1817, que rumava em direção ao Rio de Janeiro para se casar com o infante D. Pedro (1789-1834). Deve ter sido com base nas dificuldades sentidas durante essa visita, com a princesa a ser quase sempre recebida fora do palácio e em condições por certo superiores às que ali teria, que o governador seguinte, Sebastião Xavier Botelho (1768-1840), promoveu novas obras em S. Lourenço. As obras constam de uma carta que este enviou, a 25 de maio de 1820, ao conde dos Arcos, que se encontrava no Rio de Janeiro, referindo ter construído “uma barraca de pau, com madeira bruta, e que cortava o pátio em dois” (AHU, Madeira..., n.º 97). A construção nasceria na atual sala de entrada do palácio, hoje com escadaria e balaustrada de pedra, que sabemos terem sido levantadas depois, em 1940. Ao nível do andar nobre haveria “um passadiço” (Id., Ibid.) que uniria esses edifícios, através do pátio, com os edifícios em frente, hoje ocupados com repartições do quartel-general e então com as repartições do trem, e que serviria de sala de jantar em grandes receções; por baixo, ficavam arrecadações várias para apetrechos militares. O governador Sebastião Xavier Botelho enviava a planta, por certo feita por Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), explicando que o pátio ocupado já não era preciso, porque a fortaleza estava “desguarnecida de artilharia, e o batalhão aquartelado no colégio, que fora dos jesuítas” (Id., Ibid.). Assim, pedia a aprovação expressa do rei para a obra e indicações sobre se deveria conservar “o passadiço no mesmo estado” ou “se o devia abater e empregar os barrotes e tábuas nos usos e aplicações, que sobrevierem”, embora entendesse que a melhor opção era “mandar emboçar de cal e fechar pela parte de baixo” (Id., Ibid.). Pensamos que a ordem foi no sentido de demolir o barracão, decisão que foi executada depois, por D. Manuel de Portugal e Castro (1787-1854) e em resultado da qual só deve ter restado a base de apoio do passadiço, sobre a qual se vieram a montar os lanços de escadas hoje existentes para aceder à sala dos retratos. Deve ter sido também durante esta campanha de obras que se procedeu à mudança do portal, que Paulo Dias de Almeida desenhou, em 1804, na entrada do piso térreo dos edifícios, a poente do pátio e que hoje vemos na atual entrada para o palácio, no espaço que depois conhecido como sala dos retratos. Com a instauração da república (República) alteraram-se as armas que encimavam o portal, em princípio, concernentes ao Reino Unido de Portugal e do Brasil, perdendo-se a coroa, mas mantendo-se a esfera armilar. A antiga parte superior das mesmas deve ser a que se conserva hoje no parque arqueológico do Museu da Quinta das Cruzes. Nesse caso, também serão dessa época os estuques da antiga sala de baile ou sala dourada, a cujo escudo aconteceu o mesmo. Com a implantação do governo liberal, a 6 de fevereiro de 1836, publicaram-se umas “Instruções” que dividiam as funções dos antigos governadores e capitães-generais por duas novas autoridades, uma civil e uma militar, e o palácio de S. Lourenço entre elas. Por razões de ordem vária, relacionadas com a precariedade de instalação de ambas as entidades durante esses anos, passando a civil de prefeito a administrador-geral, e a militar de comandante a governador, e sendo os cargos, por vezes, desempenhados pelas mesmas pessoas, a divisão do palácio e a especificação concreta das funções governativas só aconteceu verdadeiramente em 1846, com a tomada de posse do governo do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891). Deve-se assim ao governo de José Silvestre Ribeiro a separação efetiva entre a parte civil e a parte militar, assinalando-se várias obras na civil, designadamente, a construção em cantaria da escada central do pátio de acesso ao palácio (embora sem a balaustrada que hoje vemos) e o alpendre no andar superior, desaparecendo a entrada lateral para o balcão poente e com ela a capela de N.ª S.ª do Faial. As imagens foram então entregues à igreja de S. João Evangelista, que o governador mandara restaurar e abrir ao público, e as pratas recolheram ao cofre central do Governo, a 3 de outubro de 1846, tendo-se procedido ao seu inventário, que foi repetido a 3 de dezembro de 1856, ano em que os paramentos da antiga capela foram oferecidos à capela das Achadas da Cruz, devendo o cálice de prata dourada dos primeiros anos do séc. XVI ter pertencido a S. Lourenço. Também deverá datar destes anos a progressiva abertura do palácio à cidade, iniciada um pouco antes, com a construção do cais de madeira em que tinha desembarcado a futura imperatriz Leopoldina do Brasil e depois, em 1838, com a demolição das casas da saúde. Ganhava forma a progressiva transformação da área de implantação do palácio de S. Lourenço em entrada da cidade (Entrada da cidade), embora tal levasse quase 100 anos até se concretizar completamente, com a construção em pedra do cais regional e, depois, com a abertura da Av. Zarco e da Av. do Mar (Urbanismo). Nos meados de Oitocentos, várias visitas importantes concorreram para melhorar a fisionomia do palácio, mas, a avaliar pela descrição de Isabella de França (1795-1880), exteriormente, pelo menos, o aspecto não era o melhor. Embora existam algumas referências no Funchal com elogios ao edifício, essa atenta inglesa teria razão. Opiniões como a de Paulo Perestrelo da Câmara, em 1841, afirmando que “o palácio de São Lourenço tem salões maiores que os paços reais das Necessidades, Queluz, ou Sintra, mobilados e construídos à moderna moda inglesa” (MONTEIRO, 1950, 51), não são para levar em linha de conta, conforme demonstra o relato de Isabella de França. A observadora e bem informada mulher do morgado José Henrique de França (1802-1886), no relato da sua visita à Madeira, em 1853, descreveu a visita que fez ao palácio de S. Lourenço quando ali decorria a exposição agrícola e industrial, destinada a angariar fundos para o Asilo de Mendicidade do Funchal. Isabella terá entrado no palácio por um túnel escuro, que pensamos ser a antiga casa da guarda, onde hoje se encontra o Museu Militar (Museu Militar da Madeira), acedendo assim ao pátio. Explica a inglesa que, subindo as escadas, “a primeira porta abre-se para uma sala quadrada com pinturas em toda a volta” (FRANÇA, 1970, 57), das quais nenhuma terá chegado até nós. Refere ainda que a “sala seguinte, outrora de baile, mostrava em toda a volta os retratos dos antigos governadores, de corpo inteiro – e que grandes patuscos que eles eram! Estes retratos, e o de D. João VI, que está na sala de visitas, e ainda as pinturas que descrevi, da antecâmara, são todos de um estilo que desacreditaria uma tabuleta” (Id., Ibid., 58). Nos meados do mesmo século foi determinado colocar o edifício à disposição de duas figuras importantes da aristocracia europeia: o príncipe Maximiliano de Leuchtenberg (1817-1852) e a imperatriz Isabel da Áustria (1837-1898), rainha da Hungria, mulher do imperador Francisco José da Áustria, popularizada como Sissi, tendo-se autorizado as respetivas obras. As respeitantes à visita de Maximiliano decorreram em 1848, tendo o príncipe aportado à Madeira no ano seguinte, com uma importante comitiva (Briullov, Karl); a visita da imperatriz Isabel ocorreu mais tarde, em 1860. Contudo, nenhum dos dois chegou a ocupar o palácio. Daquela última estadia na Ilha chegaram-nos mesmo as contas das obras executadas em S. Lourenço, aparecendo, entre as referências a caiações e arranjos interiores, uma menção ao arranjo do toldo e dos varões da escadaria principal, que chegaria com a mesma figuração aos inícios do século seguinte. Neste quadro, revelador de uma certa penúria do palácio, em 1861, o conde de Farrobo, então governador civil do Funchal, pediu autorização a Lisboa para realizar várias obras no imóvel, na sequência dos pequenos reparos que tinham sido executados para receber a imperatriz Isabel. A intervenção solicitada incluía a uniformização da fachada do palácio virada para o mar. A autorização só chegaria em 1878, altura em que foram iniciadas as obras, tomando como modelo a sala construída sobre o baluarte sudeste nos finais do séc. XVIII e passando a varanda corrida a marcar todo o andar nobre da dita fachada virada para o mar. No entanto, e porque a tal se opôs o então governador militar, o Cor. António Augusto Macedo e Couto, a parte do palácio sob o seu comando manteve-se ao gosto dos anos anteriores, dos períodos em que fora edificada, só se vindo a uniformizar no século seguinte. É possível que o gosto neoclássico não agradasse aos comandos militares, mais virados para outros revivalismos então em moda. Entre 1894 e 1896, p. ex., esteve na Madeira o jovem tenente de engenharia Carlos Roma Machado de Faria e Maia (c. 1870-c. 1942), que deixou nos arquivos do Funchal vários trabalhos gráficos sobre as propriedades do Ministério da Guerra. Já em Lisboa, em 1897, executou uma proposta revivalista de reabilitação da fortaleza e palácio de S. Lourenço, em neomanuelino. O seu projeto não foi aceite e, pouco depois, seguiu para Moçambique, onde ficou alguns anos, tendo levantado, nesse estilo, o célebre Museu de História Natural; deslocou-se ainda para Angola, onde veio a tornar-se um dos autores mais prolíferos da literatura ultramarina portuguesa. No início do séc. XX, o palácio de S. Lourenço foi objeto de atenção especial, visando o acolhimento do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia, a primeira visita de soberanos portugueses à Madeira em quatro séculos de história. Pela primeira vez, S. Lourenço foi oficialmente palácio real, embora por ele já tivessem passado príncipes de vários países e, inclusivamente, o infante D. Luís, por duas vezes, mas antes de ser rei de Portugal. Os soberanos chegaram a 23 de junho e, no dia seguinte, os fotógrafos da Madeira tiveram autorização para fotografá-los na varanda do palácio. Não temos notícias de terem sido feitas obras de vulto nessa altura, apenas pequenas reparações e, sobretudo, arranjos de interiores, de que ficaram, inclusivamente, amplos registos fotográficos, tendo-se a recorrido a mobiliário particular, pertencente às principais famílias do Funchal, para montar os quartos do rei e da rainha, devidamente afastados, tal como era hábito. A proclamação da República teve lugar em S. Lourenço, a 6 de outubro de 1910. A notícia tinha chegado à Madeira na tarde do dia 5, mas só no dia seguinte tomou posse como autoridade do distrito o Dr. Manuel Augusto Martins (1867-1936). Após a sua investidura como novo governador civil, sem especiais complicações, foi hasteada a bandeira republicana em S. Lourenço, com honras militares. Mais tarde, o palácio sofreu alguns atropelos, mas de forma alguma aqueles que foram depois alardeados pelos monárquicos. Em 1911, foram apeadas as armas reais e foi igualmente apeada, e lançada ao mar, por um grupo de marinheiros, a imagem de S. Lourenço que existia sobre a porta principal. A imagem só voltou ao seu lugar em 1940, embora sem a cabeça original, que não se conseguiu localizar, tendo sido refeita. No ambiente de certa euforia que então se vivia, a Câmara Municipal do Funchal encomendou um projeto de urbanização da cidade ao gabinete do arquiteto Ventura Terra (1866-1919). Dentro dos conceitos da época, o plano praticamente não respeitava qualquer preexistência. S. Lourenço era parcialmente cortada, assim como um dos braços do transepto da sé, criando-se grandes avenidas e um casino no antigo cais da cidade. Ao que se saiba, não foi dada qualquer publicidade ao projeto, embora, em linhas gerais e sem os exageros enunciados, o mesmo se viesse a concretizar ao longo das décadas seguintes. A única recomendação que conheceu implantação à época, logo em 1915, foi a construção da então Pç. da República, que, depois de ter sido ampliada para oeste, deu origem à Av. Dr. Manuel de Arriaga. Para esse efeito, foi amputado o cunhal do baluarte do Castanheiro, cortado na perpendicular da base da guarita, que nos desenhos que chegaram até nós já não apresenta o interessante brasão de armas, recolocado, entretanto, em junho de 1993. Com a consolidação do Estado Novo foram nomeados para a Madeira figuras da inteira confiança do regime, sendo designado, em 1935, presidente da Câmara do Funchal, o Dr. Fernão de Ornelas Gonçalves (1908-1978) e, em 1938, governador civil, o Dr. José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão. Já em 1935, tinha assumido a presidência da comissão administrativa da Junta Geral um amigo pessoal do Prof. António de Oliveira Salazar, o Dr. João Abel de Freitas (1893-1948), presidente da comissão distrital da União Nacional que, mais tarde, em 1947, seria nomeado governador civil, acabando por falecer no exercício dessas funções, no palácio de S. Lourenço. Neste quadro, a Madeira, especialmente a cidade do Funchal, foi palco de uma ampla campanha de obras a que o palácio e fortaleza de S. Lourenço, como emblema paradigmático do poder central do Estado Novo, não poderia escapar. As obras tiveram início em 1939, na parte militar do imóvel, que foi objeto de um reforço de verba por parte da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Foi então executada a uniformização da fachada virada para o mar, que não fora completada nos finais do século anterior. Assim, embora mantendo os dois pisos no interior, salvo na primeira sala, reservada ao gabinete do comandante militar e contígua à sala de entrada do palácio, exteriormente, esta fachada passou a apresentar-se toda uniforme, ao gosto dos finais do séc. XVIII. No entanto, para a parada interior, manteve a sua antiga fenestração, inclusivamente com molduras de janela dos finais do séc. XVI. Nesta campanha de obras foi também passada a cantaria rija regional a antiga balaustrada de ferro das escadas de acesso à entrada do palácio, tomando por modelo a balaustrada embutida da varanda poente, em cantaria vermelha de Cabo Girão. Com idêntico modelo de balaustrada foram também dotadas as janelas do governador militar e das salas de receção do governo civil para a parada interior. Dessa época data também a recolocação dos merlões e ameias na muralha da bateria baixa, elementos que tinham sido eliminados entre 1860 e 1863, assim como o alargamento da entrada pela atual Av. Zarco, que terá perdido o muro e o gradeamento, ficando aberto o acesso a viaturas ao pátio interior de S. Lourenço. Nas obras de 1878 terá sido aberto um arco de entrada na muralha, que já aparece nas fotografias de 1880, mas que não permitia a entrada a viaturas no pátio, pois tinha-se mantido uma estreita passadeira de comunicação à entrada da cidade. Na sequência dessas obras, pela ação do governador civil do Funchal, Dr. José Nosolini, foi o palácio dotado com um bom acervo de mobiliário, pintura e vários objetos decorativos, vindos dos palácios nacionais, como atrás se disse, designadamente de Queluz e de Belém, e também das reservas do Museu Nacional de Arte Antiga, tendo as salas de receção sido retocadas e pintadas por Max Römer (1878-1960). Com estas alterações, o palácio de S. Lourenço, em atenção a ter sido residência dos governadores e capitães-generais, foi classificado como Monumento Nacional, por Decreto-lei de 24 de setembro de 1940. Nos anos seguintes, na sequência das grandes obras do Estado Novo, a fortaleza ganhou, a norte, um chafariz, no antigo Lg. da Restauração, inaugurado em 1941, mas acabou por perder grande parte da sua imponência na marinha do Funchal devido à construção da Av. do Mar. As obras desta nova avenida, subindo cerca de dois a três metros à sua frente, relegaram para um pequeno fosso ajardinado a velha R. das Fontes, deixando ainda encobertas as antigas fontes de João de Dinis, que serviram de aguada às armadas que fundearam no Funchal durante quase 500 anos. É dessa época a demolição dos alpendres e de outras construções levantadas entre os baluartes norte e noroeste, como parques de artilharia e, inclusivamente, o antigo estúdio dos Prestrellos Photographos, local onde, depois, a 28 de dezembro de 1954, veio a ser inaugurado o busto do governador civil Dr. João Abel de Freitas, falecido em S. Lourenço. Nos anos seguintes, com a vigência como governador do comandante Inocêncio Camacho de Freitas (1899-1969), o palácio ainda adquiriu, pontualmente, mobiliário proveniente do espólio de famílias madeirenses e de diversas instituições, p. ex., o antigo Casino Vitória. Igualmente nesta época, ou alguns anos antes, incorporou o mobiliário dos sécs. XVIII e XIX da antiga alfândega do Funchal. Ao longo do séc. XX o palácio foi visitado pelo presidente da República Dr. António José de Almeida, em outubro de 1922, pelo marechal Óscar Fragoso Carmona, em 1942 e pelo almirante Américo de Deus Tomás, várias vezes, tal como pelo presidente do conselho, o Prof. Doutor Marcello Caetano. Com o pronunciamento militar de 25 de abril de 1974, os dois últimos, bem como outros membros do último governo do Estado Novo, vieram a ser deportados para a Madeira, sendo-lhe fixada residência em S. Lourenço, o que projetou então o palácio na comunicação social internacional. Na transição do séc. XX para o XXI o palácio foi alvo de obras especiais para se adequar ao funcionamento do Ministério da República e, depois, do Representante. Veio a ser nomeada uma conservadora para o palácio e a estabelecer-se uma colaboração mais estreita com a então Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, procedendo-se ao restauro sistemático do importante acervo de pintura e de mobiliário das salas nobres, que, praticamente, desde a sua vinda para o Funchal, em 1940, não tinham tido qualquer manutenção. Procedeu-se igualmente à consolidação geral de outras estruturas, como o importante painel de azulejos com a imagem de S. Lourenço, no jardim interior e a já referida Casa do Fresco, provável base da torre noroeste levantada nos meados do séc. XVI e que havia sido incorporada no baluarte virado ao convento de S. Francisco, em 1572-1575. Para proteção da Casa do Fresco e do painel citado, foram também realizadas obras no baluarte de S. Francisco, visando evitar as infiltrações, tendo-se adotado o mesmo procedimento no baluarte do Castanheiro. Durante os trabalhos de consolidação do baluarte do Castanheiro, em 1998, descobriram-se pinturas a fresco no interior da antiga guarita sobre a Av. Arriaga, de certa forma simples, procedendo-se à sua consolidação preventiva e restauro pontual. Dentro de um novo espírito, a partir de 1995, o palácio de S. Lourenço passou a estar aberto ao público, mediante marcação, editando-se alguns prospetos informativos; a partir de 2001, começaram a realizar-se visitas diárias sem marcação, a horas previamente determinadas, embora se tenha mantido a marcação antecipada para grupos ou para visitas especialmente orientadas.    Rui Carita (atualizado a 01.01.2017)

Arquitetura Património

urzela

Roccella tinctoria DC. é um fungo do género Roccella, pertencente à família Roccellaceae, comum nas rochas sobranceiras do litoral dos arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde, podendo também ser encontrada nas Berlengas, na Provence e Languedoc, nas ilhas da Córsega, Elba e Sicília. É o orcinol – um composto com valor corante que origina, no processo de tingimento de tecidos, a cor púrpura ou azul violáceo – que atribui importância e valor comercial a este líquen. Já Theophrastus, filósofo e naturalista grego (371-287 a. C.), o destacou por originar a perfeição da cor púrpura. A sua valorização na economia atlântica aconteceu muito cedo. A partir do séc. XIII, os povos peninsulares tiveram como ponto de mira a costa ocidental africana, aquém do Bojador, dando continuidade à tradição da pesca e à busca das infindáveis riquezas deste espaço. Aos recursos piscícolas disponíveis nos mares circundantes, juntou-se a oferta de plantas tintureiras (urzela) e o resgate de escravos canários. Insiste-se mesmo na ideia de que os cartagineses haviam chegado a estas ilhas, nomeadamente a Lanzarote e Porto Santo, à procura de um molusco que lhes permitisse extrair os elementos necessários para a cor púrpura. Aquando da ocupação europeia dos espaços atlânticos no séc. XV, a estrutura do sector produtivo moldou-se às exigências económicas e necessidades dos colonos e regiões de origem. Assim, em consonância com a atividade agrícola, tivemos a valorização dos recursos que integravam a dieta alimentar (pesca e silvicultura) ou as trocas comerciais (urzela, sumagre, madeiras). É neste último domínio de aproveitamento dos recursos que as ilhas contribuíram, de forma clara, para o enriquecimento dos empreendedores europeus. A atividade recoletora adquiriu igual importância na atividade dos insulares, mercê da elevada valorização, no mercado europeu, dos seus produtos, como a urzela, que aparecia com abundância nas ilhas da Madeira, Porto Santo, Desertas, Selvagens, S. Jorge, Corvo, Flores, Santa Maria e La Gomera. Nas Canárias, nomeadamente em Gran Canaria e Tenerife, a sua colheita e comércio faziam-se já na altura da conquista, tendo-se, depois, concedido o exclusivo da sua apanha aos vizinhos e o do comércio aos genoveses, sendo Francisco Lercar o seu promotor em Gran Canaria. O interesse do homem em colorir os tecidos levou-o, assim, ao encontro de plantas que satisfizessem tal função. Algumas delas, como o sangue-de-drago, a urzela, o pastel e a cochonilha adquiriram valor comercial nas trocas externas, enquanto outras, como a ruivinha, fustete, índigo e casca de noz, mantiveram-se apenas na tinturaria caseira. A urzela e o sangue-de-drago atraíram para a ilha da Madeira italianos e flamengos interessados no seu comércio. Para além deles, destacava-se também a cochonilha, um inseto, originário do México, parasita das tabaibeiras (opuntia tuna) de que se extrai a matéria corante vermelha. Este surgiu na Madeira a partir de 1836, trazido das Canárias por Miguel de Carvalho e Almeida Júnior, mas só a partir de 1855 passou a ser explorado, sem, no entanto, se ter atingido qualquer sucesso comercial. O dragoeiro  era  uma  planta  que  medrava  em  abundância nas ilhas e cujo valor económico cedo foi percebido pelos europeus com a extração da seiva e o uso dado aos próprios troncos na construção de embarcações e utensílios de uso caseiro. O sangue-de-drago das ilhas foi explorado antes da ocupação portuguesa. Alguns cronistas referem que os castelhanos procediam desde o séc. XIV à sua extração no Porto Santo, sendo a seiva do dragoeiro usada na farmacopeia e as suas sementes na tinturaria. A urzela foi um dos primeiros produtos a serem comercializados nas ilhas. Com ela, conseguia-se uma cor amarela ocre e castanha. A sua exploração manteve-se ativa até ao séc. XIX, mas foi no séc. XVIII que revelou grande importância e pujança económica, sendo exportada para a Inglaterra e Flandres. A planta era abundante nas Selvagens, Desertas, Porto Santo e Madeira, nomeadamente na Ponta de S. Lourenço. A este propósito, diz-nos Diogo Gomes: «As caravelas do Senhor Infante descobriram esta ilha [Selvagem] e descendo em terra acharam muita urzela, que é uma erva que tinge os panos de cor amarela, e acharam-na em grande abundância. Depois alguns pediram ao Senhor Infante que lhes desse licença para irem ali com as suas caravelas e pudessem transportar a urzela a Inglaterra e Flandres, onde tem grande valor. O Senhor Infante deu-lhes licença, com a condição de lhes darem a quinta parte do lucro, o que fazem» (GOMES, 2002, 100-101). Em finais do séc. XVI, Gaspar Frutuoso, ao referir a construção da Levada dos Socorridos por Luís de Noronha, destaca a perigosidade de tais construções, feita por ravinas muito elevadas e perigosas que expunham os que as construíam a elevados perigos, comparando-a à situação a que estavam sujeitos aqueles que colhiam a urzela.  A partir deste comentário, sabemos da dificuldade do trabalho de recolha da urzela e do perigo que oferecia à própria vida dos apanhadores e dos construtores de levadas: «além de muitas mortes de homens que trabalhavam nela em cestos amarrados com cordas penduradas pela rocha, como quem apanha urzela» (FRUTUOSO, 1979, 121). O perigo foi uma constante para os urzeleiros, os apanhadores de urzela, pois as ravinas e a falta de segurança provocavam diversos acidentes. Nos registos de óbito das paróquias, é possível encontrar estas situações quando o vigário tinha em conta a justificação do falecimento. Em 1735, temos notícia da morte de Manuel Rodrigues de Santa Cruz no ilhéu do Bugio. Para além disso, os Anais do Município do Porto Santo assinalam, ainda que contemplando apenas o séc. XIX, alguns acidentes provocados por esta situação: Francisco de Aguiar, que faleceu em 1850 com 93 anos, ficou entravado de uma queda na rocha quando apanhava urzela; em 24 de outubro de 1860, regista-se a morte de Emiliano das Neves, por uma queda na rocha do sítio do Pedregal quando procedia à apanha de urzela. Jerónimo Dias Leite havia afirmado, na déc. de 70 do séc. XVI, que a urzela das Desertas era um importante rendimento destas ilhas, porque a que aí se colhia era fina. Aliás, as pequenas ilhas das Selvagens, Desertas e mesmo do Porto Santo ganham importância económica através deste líquen. Desta forma, vemos Simão Gonçalves da Câmara, em 1507, a arrendar as Desertas a João Rodrigues por 200 cruzados, porque aí, para além da criação de gado, se colhia abundância de urzela, situação que é corroborada por Gaspar Frutuoso, que refere a permanência de oito homens nestas ilhas com tal função. Valentim Fernandes refere, sobre as Selvagens, que a urzela, um importante rendimento do Infante D. Henrique, estava entregue a particulares. Já na ilha do Porto Santo, as secas quase constantes faziam com que a apanha da urzela fosse uma atividade importante para os seus habitantes. No séc. XVII, vemos, em vários documentos, informações que valorizam a sua importância na economia da ilha. Assim, no ano de 1683, a esterilidade das culturas foi elevada, mas a colheita da urzela, considerada a riqueza da ilha, foi muito boa. O aproveitamento deste recurso está no lote inicial daqueles que aportaram à ilha com os povoadores. Note-se que a urzela é assinalada, em 1493, ao lado do vinho e cereais, com o rendimento de 200$000. Aliás, são várias as referências que atestam o comércio da urzela com os principais mercadores europeus do norte da Europa e do Mediterrâneo. Diogo Gomes, quando refere as Selvagens, dá conta desse comércio com Inglaterra e a Flandres. A atestar este facto está a saída, em 1525, de 30 quintais de urzela para Londres, a cargo do mercador Pedro Anes. Mais tarde, com a criação da feitoria inglesa, esta continuou a pagar 300 rs por cada saca exportada por mercadores ingleses. Depois, em 1698, William Bolton dá conta do envio de algumas folhas de urzela para Roterdão. A partir de 9 de julho de 1739, a urzela das ilhas dos três arquipélagos (Cabo Verde, Açores, Madeira) passa a estar sujeita a um regime de monopólio régio, que depois era contratado a particulares. Na Madeira, o provedor da fazenda era o chamado “conservador da erva urzela” e, assim, quem estabelecia os contratos de apanha e comércio da mesma pelo período de 3 anos. Em 1743, o contrato foi estabelecido com Filipe Balesty & Co por um período de seis anos, no valor de 70.000 cruzados, enquanto em 1751 o contrato foi feito com José Gomes da Silva por um período de três anos e com o valor de 23.000 cruzados. A partir de 1769, o contrato da urzela foi entregue a Pedro Jorge Monteiro. É, no entanto, de destacar que, no período de 1739 a 1849, durante o qual a urzela esteve sujeita a um sistema de monopólio, a intervenção dos particulares continuou através do contrabando, sendo sinalizadas situações em 1827 e 1835. No último caso, foram apreendidas, na alfândega, duas pipas de urzela, apesar de, por decreto de 20 de dezembro de 1773, a coroa ter insistido na proibição da apanha e comércio da mesma. A situação de monopólio foi testemunhada, em 1850, por Isabella de França, mas a liberalização da apanha e comércio já acontecera por lei de 6 de julho de 1649. Aliás, com a revolução liberal, há recomendações no serviço da sua liberalização, reclamando os porto-santenses pelo rendimento deste produto, cuja colheita chegava às 400 arrobas. Após a liberalização, surgem referências à continuidade da apanha no ilhéu do Bugio por homens de Machico e S. Gonçalo, sendo o seu rendimento, na déc. de 60, de 450.000 réis. A importância desta riqueza do grupo das Desertas deverá estar também na origem do interesse do mercador inglês Guilherme Thompson por este grupo de ilhas. Tal alteração do regime de monopólio ficou assinalada com o decreto de 17 de janeiro de 1837, que declarava livre a exportação da urzela de Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe, situação que levou os arrematantes a denunciarem o contrato. Porém, pelo decreto de 5 de junho de 1844, o comércio da urzela ficava, em todas as províncias portuguesas de África, exclusivamente reservada ao governo, que depois concedê-lo-á, por contrato, a particulares. Assim, logo em 1849, a liberalização da apanha e comércio acabou com o regime de monopólio. Aos poucos, a urzela perdeu importância económica e foi substituída por outros produtos na tinturaria. Mesmo assim, ainda vemos assinalado o seu comércio no Funchal em 1860 e mesmo em 1901.   Alberto Vieira (atualizado a 31.12.2015)

História Económica e Social