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melo, antónio júlio de santa marta do vadre de mesquita e

António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1833-c. 1900), 3.º visconde de Andaluz, foi para a Madeira como secretário-geral do governador, D. Tomás de Sousa e Holstein, marquês de Sesimbra; porém, o marquês de Sesimbra não estaria um ano no lugar. António Melo foi nomeado para o lugar de governador civil do Funchal em setembro de 1879. Coube ao seu Executivo tentar acalmar a agitação política, que se devia à nomeação de nobres da Corte, o que não se enquadrava já na vida política portuguesa. Palavras-chave: Arranjos familiares; Governo civil; Partidos Políticos; Regeneração; Tumultos populares.   O governador civil do Funchal D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), do Partido Regenerador, foi exonerado em 1868 pelo Executivo do açoriano conde de Ávila, António José de Ávila (1806-1881), do Partido Reformista ou Partido Popular, então uma cisão do Partido Histórico (Partido Histórico e Partidos políticos). As complexas alianças entre estes partidos levaram o Governo de Lisboa a colocar em S. Lourenço duas figuras da aristocracia da Corte de Lisboa: o marquês de Sesimbra, D. Tomás de Sousa e Holstein (1839-1887), filho do duque de Palmela (1781-1850), como governador civil, e o 3.º visconde de Andaluz, António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1833-c. 1900), como secretário-geral. Estas duas escolhas foram alicerçadas em vagas ligações familiares às antigas famílias insulares e foram por certo resultado da pressão dos elementos do Partido Histórico, incapazes de compreender as novas realidades dos meados e da segunda metade do séc. XIX. O marquês de Sesimbra era casado com uma filha dos marqueses da Ribeira Grande, descendentes de Zarco, mas dos Açores, e viria a ser sogro do futuro conselheiro Aires de Ornelas e Vasconcelos (1866-1930); o visconde de Andaluz estaria para se casar com uma filha do barão da Conceição, Fortunato Joaquim Figueira (1809-1885), abastado proprietário que se havia fixado no Funchal nesse mesmo ano de 1868. O marquês de Sesimbra – ou de Cezimbra, como então aparece escrito – foi nomeado por decreto de 9 de setembro e viria a tomar posse a 17 de outubro de 1868, após Te Deum na catedral do Funchal celebrado à uma da tarde; disso nos dá conta o visconde de Andaluz, seu secretário-geral, que o comunicou às autoridades do Funchal, convidando-as para o evento. A administração do marquês ir-se-ia pautar por uma simples gestão administrativa, sendo praticamente toda a correspondência assinada pelo secretário-geral. Realizadas eleições em maio do seguinte ano de 1869, e passado o verão, o marquês de Sesimbra retirou-se, nos primeiros dias de setembro, para o continente, não completando um ano de governo na Madeira. Palácio e Fortaleza de São Lourenço. 1870. Arquivo Rui Carita O visconde de Andaluz tinha sido nomeado governador civil do Funchal por decreto de 4 de setembro, tomando posse a 8 do mesmo mês. Faria então uma proclamação aos “Habitantes do distrito do Funchal! Por decreto de 4 do corrente Houve por Bem Sua Majestade” nomeá-lo governador civil. Apelava então: “Auxiliai-me com o seu conselho e com as suas luzes […] pela prosperidade desta Terra, que eu hei de esforçar-me em promover os interesses dela com solicitude e dedicação” (ABM, Alfândega do Funchal, circular de 9 set. 1869). Era um discurso um pouco ultrapassado para a época, semelhante às proclamações liberais dos anos 30 e 40, conhecidas no Funchal durante a vigência da Junta Governativa de 1847 e o conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891) – proclamações que alguns anos depois ainda viriam a surgir, então ainda mais estranhas ao contexto político da época. O novo governador tentou fazer face à situação algo agitada que se vivia, não só política, como geral. No arquipélago, nem sempre se encontrava gente à altura para os vários locais diretivos e, ao mesmo tempo, não se conseguiam definir especificamente estruturas partidárias, daí resultando vagas organizações articuladas em relações pessoais em torno dos membros mais influentes das elites locais. Em maio de 1870, e.g., tendo o visconde de Andaluz suspendido o administrador do concelho de Santana, “não havendo naquela localidade pessoa com os requisitos necessários para, na atual conjetura entrar na referida vagatura”, solicitava à Casa Fiscal da Alfândega do Funchal a disponibilização do funcionário Joaquim Pinto Coelho (1817-1885) para ocupar o lugar (Ibid., Alfândega do Funchal, of. 23 abr. 1870) – uma nomeação acertada, considerando o tempo em que aquele funcionário ocupou o lugar da Alfândega. Nos inícios de 1870, por decreto de 2 de janeiro, procedeu-se à dissolução das Cortes e, a 3 de fevereiro seguinte, à reunião das assembleias eleitorais. Na Madeira, as eleições decorreram a 1 de maio, voltando a sair os nomes de Luís Vicente de Afonseca (1803-1878) e Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901). Porém, as eleições decorreram muito mal e, especialmente em Machico, ocorreram tumultos graves. Acontece que o governador destacara para os principais centros eleitorais forças de Caçadores 12, nem sempre comandados por elementos capazes de manter o sangue frio. As forças militares acabaram por se refugiar na igreja matriz e, acossadas pela populaça, fizeram fogo sobre a multidão, o que resultou em vários mortos (Tumultos populares). Houve também incidentes em outros locais, inclusivamente no Funchal. O Partido Popular, que se achava na oposição, tinha um certo domínio sobre as massas populares e quando Joaquim Ricardo da Trindade e Vasconcelos (1825-1906), então membro do Partido Fusionista, desembarcou no Funchal, ido precisamente de Machico, foi preso na Pontinha e conduzido à Pr. da Constituição para justiça popular. Evitou o assassinato o jovem Álvaro Rodrigues de Azevedo (1825-1898), uma das figuras prestigiadas do Partido Popular, que se interpôs entre os populares e Trindade e Vasconcelos. Como o visconde de Andaluz tinha feito vários contactos e estabelecido um pacto de não intervenção nos assuntos do Partido Popular, foi isso que aconteceu em relação a novas alterações da ordem pública em Machico, aquando dos funerais das vítimas do dia 1 de maio. Os acontecimentos de Machico produziram grande sensação na imprensa madeirense e, de imediato, no continente, sendo o visconde violentamente atacado nas Cortes e na imprensa de Lisboa. Em julho ainda apareciam na comunicação social de Lisboa abaixo-assinados respeitantes aos acontecimentos de Machico e à maneira pouco ortodoxa como haviam sido encaminhados juridicamente. Um conjunto de cinco guardas da Alfândega do Funchal, e.g., fora indiciado e preso “pelo crime de cumplicidade nas mortes e ferimentos feitos pela força militar dentro do templo de Machico” (A Revolução de Setembro, n.º 8416, Lisboa, 5 jul. 1870, 1). O despacho fora emitido pelo juiz da comarca oriental do Funchal, Cassiano Sepúlveda Teixeira, e os guardas não entendiam como podiam ser acusados de “crimes eleitorais e políticos” e de “crimes de violência contra membros da assembleia eleitoral” (Ibid.), quando o que estava em causa era uma série de mortes entre a população local, cujos autores tinham sido os soldados de Caçadores 12, como se queixam então os guardas António José Nunes, Jacinto Augusto Ferreira, Januário Esteves de Sousa, Augusto Celestino Lacerda e António Vieira. O visconde de Andaluz foi exonerado em poucos dias, por dec. de 14 de maio de 1870. Foi nomeado como governador do distrito do Funchal Afonso de Castro (1824-1885), que tomou posse a 19 desse mês de maio, mas que não estaria na Madeira senão oito dias, face a mais uma intentona militar do duque de Saldanha (1790-1876) em Lisboa. Poucos meses depois, e face ao insucesso das nomeações, D. João Frederico da Câmara Leme voltava a ocupar o lugar de governador civil. O 3.º visconde de Andaluz era bacharel em Direito e herdou o título de seu pai, Joaquim José dos Mártires de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1806-1863), que o tinha recebido por doação de sua tia materna, Maria Bárbara do Vadre de Almeida Castelo Branco, viúva do 1.º visconde, António Luís Maria de Mariz Sarmento, dado do casamento não ter havido descendência. Embora tenha sido uma situação algo insólita, o 3.º visconde de Andaluz, um ano depois do falecimento do pai, conseguiu a confirmação do título por carta régia do D. Luís (1838-1889), de 17 de dezembro de 1864. Casou-se no Funchal com D. Ana Joaquina Figueira, filha dos barões da Conceição. Desse casamento houve quatro filhas, tendo-se a mais velha casado com o conde de Vila Verde, D. Pedro de Almeida e Noronha Portugal Camões Albuquerque Moniz e Sousa (1865-1908). A 4 dezembro de 1890, o 3.º visconde de Andaluz ainda seria nomeado governador civil de Santarém, lugar que ocupou até 2 de janeiro de 1892. Terá falecido cerca de 10 anos depois.   Rui Carita (atualizado a 01.02.2018)

Direito e Política História Política e Institucional Personalidades

heberden, thomas

Thomas Heberden (1703-1769) foi um médico e naturalista inglês, membro da Royal Society desde 1761. Viveu muitos anos nas ilhas Canárias e, posteriormente, mudou-se para a Madeira, onde exerceu medicina até à sua morte, em 1769. Irmão do eminente médico londrino William Heberden (1710-1801), Thomas foi um dos primeiros médicos a recomendar o Funchal como destino para as pessoas que sofriam de doenças pulmonares, tendo prestado importantes serviços durante a epidemia de sarampo que eclodiu na Ilha em 1751. Publicou numerosos artigos sobre a Madeira na Philosophical Transactions of the Royal Society entre 1751 e 1770, entre eles, as primeiras observações meteorológicas da Madeira, “Observations of the Weather in Madeira, A continuation of the account of the weather in Madeira”, com medições de pressão atmosférica e temperatura ao longo dos anos; um relatório pormenorizado sobre o terramoto acontecido na Ilha em 1761, “An account of the earthquake felt in the Island of Madeira, March 31, 1761”; e um artigo sobre o aumento da mortalidade dos habitantes da Madeira, “Of the increase and mortality of the inhabitants of the Island of Madeira”. Na Madeira, Heberden conheceu o naturalista e botânico inglês Joseph Banks, durante a primeira viagem do capitão James Cook a bordo do Endeavour, em 1768, e deu assistência a Banks e ao seu colega Daniel Solander, botânico suíço, na sua atividade de recolha de plantas na Ilha. Estas coleções botânicas foram depositadas no herbário do Museu de História Natural de Londres. Banks dedicou a Thomas um novo género de plantas, Heberdenia, pertencente à família Myrsinaceae. Estas plantas são endémicas à Laurisilva e conhecidas vulgarmente como aderno. Thomas Heberden morreu no Funchal, em 1769. Obras de Thomas Heberden: “Observations of the Weather in Madeira, A continuation of the account of the weather in Madeira” (1754); “An account of the earthquake felt in the Island of Madeira, March 31, 1761” (1761); “Of the increase and mortality of the inhabitants of the Island of Madeira” (1767).     Pamela Puppo (atualizado a 23.02.2018)

Biologia Terrestre Ciências da Saúde Personalidades

pelourinhos

O pelourinho, inicialmente designado por picota, é uma coluna de pedra colocada num lugar público de uma cidade ou vila como símbolo do município e da sua jurisdição. Tudo parece indicar que deriva de costumes muito antigos, designadamente, da ereção nas cidades do ius italicum das estátuas de Mársias ou de Sileno, símbolos das liberdades municipais na Roma da Antiguidade. Remete também para a columna ou columna moenia romana, um poste ereto em praça pública no qual os sentenciados eram expostos No nordeste de Portugal, alguns pelourinhos aparecem associados aos berrões, estátuas de pedra da tribo pré-céltica dos vetões, mas essa associação pode ter sido induzida por acontecimentos posteriores e, muito provavelmente, pelas campanhas românticas de recuperação patrimonial, nos meados do séc. XIX. Nas épocas mais recuadas, eram pendurados nos pelourinhos alguns avisos municipais e, pontualmente, eram punidos e expostos os criminosos locais, embora na Madeira tal fosse feito, em princípio, no tronco. Este último termo significava “cepo com olhais, onde se prende o pé ou o pescoço” de um criminoso (SILVA, 1958, XI, 303), mas passou, logo nos finais do séc. XV e inícios do XVI, a indicar também prisão e cárcere, pelo que não é muito fácil entender a diferenciação entre tronco e prisão, parecendo utilizar-se a primeira palavra para os casos de reclusão de um alegado criminoso municipal e a segunda já para o cumprimento efetivo da pena. Os pelourinhos foram, pelo menos desde os finais do séc. XV, considerados o padrão ou o símbolo da liberdade municipal. Embora alguns historiadores, na sequência de Alexandre Herculano, entendam que o termo só começou a aparecer no séc. XVII, em substituição de “picota”, dado como sendo de origem popular, nos meados do séc. XVI, já existia na Madeira. Com efeito, “pelourinho” consta na planta do Funchal de Mateus Fernandes (III) (c.1520-1597) (BNB, Cart., 1090203), no largo que com essa denominação chegou até ao séc. XXI, sendo também referido assim, por volta de 1586-1590, em Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso (1522-1591). A ida de um pelourinho para o Funchal deve-se ao jovem duque, futuro Rei D. Manuel (1469-1521), que enviou o seu ouvidor Brás Afonso Correia e o seu contador Luís de Atouguia, com provimento e regimento de 4 de julho de 1485, para demarcarem o chamado chão do Duque, o que foi feito a 5 de novembro do mesmo ano. O documento em causa referia que o duque, “por nobreza e honra” e “para boa ordem” da Ilha, cedia o chão para o concelho fazer uma praça “e nela uma boa câmara para o concelho, sobradada e que fosse tão grande e tal, que na lógia debaixo se pudessem fazer as audiências”. Além disso, queria que na dita praça “se fizesse uma casa para paço dos tabeliães, e por conseguinte se fizesse nela” também “uma muito boa picota” (ARM, Câmara..., fls. 25-25v.) (Urbanismo). O pelourinho do Funchal foi enviado pelo duque D. Manuel, por certo nesse ano de 1485, e foi colocado no largo em frente à igreja de S.ta Maria do Calhau, embora do outro lado da ribeira, que passou a ser designado “do Pelourinho”. Ao saber disso, em 1486, D. Manuel determinou que o pelourinho fosse levado para o largo previsto, junto da futura Câmara, no chamado chão do Duque, conforme a sua determinação anterior. Insistiu então: “E a picota onde a pusestes não me parece que esteja bem, porque não deve estar senão na praça onde está em todos” os outros municípios, assim, “ainda que nisso se faça algum gasto, encomendo-vos que para lá a mandes mudar” (Id., Ibid., 25v.-26). O pelourinho inicial era em madeira, pois na vereação de 23 de dezembro de 1488 o juiz Álvaro de Ornelas, os restantes vereadores e homens-bons, entre os quais Garcia da Vila, que tinha o pelouro das obras, determinaram “que se fizesse de pedraria o pé da picota na praça do campo do Duque, onde ora está a picota de pau”, mandando arrecadar para isso os 2$000 réis “que eram julgados pelo ouvidor para a dita picota” (COSTA, 1995, 228). Um mês e pouco depois, a 7 de fevereiro 1489, na vereação camarária do mesmo dia, pagou-se ao pedreiro Antão de França “o acarretar as pedras da picota ao chão do Duque, e de desfazer e tornar a fazer no dito chão onde ora está feito, e pôr a pedra miúda, e pôr cal, e de suas mãos armar o pé da dita picota, como está na praça junto com a Alfândega” velha (Id., Ibid., 238). Tudo parece indicar que chegou a haver dois pelourinhos, um em madeira e que seria o inicialmente enviado por D. Manuel, na praça junto da Alfândega, ou seja, na futura praça do pelourinho, e outro que tinha, pelo menos, uma base de pedra (em calcário-brecha da Arrábida) e que terá sido expedido do continente e das oficinas régias, sendo montado em fevereiro de 1489, no campo do Duque. Nos anos seguintes, com a construção da nova igreja, cujas obras começaram nos finais da déc. de 90 do séc. XV (Sé do Funchal), o pelourinho de pedra terá voltado ao seu antigo lugar, tal como está representado na planta do Funchal de 1567-1570. A 11 de fevereiro de 1492, o procurador recebeu de “André serralheiro” dois colares e duas algemas estanhadas para a picota (Id., Ibid., 336). Parece assim que se preparava a picota para servir de local de justiça. Mas, logo na vereação de 19 de setembro 1495, Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530), futuro terceiro capitão do Funchal, foi convocado para que, como “alcaide-mor” (Alcaide e Alcaide-mor), “desse e fizesse tronco, em que se metessem todos os que fossem presos de noite e outros que se levariam perante os juízes, por dívidas e outras coisas leves e civis” (Id., Ibid., 389). O futuro capitão respondeu que tal já estava assegurado, utilizando-se para o efeito a casa do alcaide pequeno; não há mais referências a esse respeito, nem à utilização do pelourinho, habitual em casos de justiça municipais. Com a União Ibérica, deu-se um caso algo inédito em relação ao pelourinho no Funchal. Nos inícios de 1583, ocorreram vários incidentes implicando soldados do presídio castelhano (Presídio) e funchalenses, tendo intercedido o juiz da cidade, Manuel Vieira e sendo libertados os soldados envolvidos. No entanto, a 6 de março, envolveram-se soldados e populares, num confronto físico que passou a fazer-se à espada, resultando um português morto, Tomé Andrea, natural de Aveiro e tripulante da frota do Brasil retida na Ilha, e três soldados veteranos do presídio feridos, um deles com gravidade. Nas prisões efetuadas, encontravam-se os três veteranos envolvidos e um dos principais autores do desacato, o soldado Francisco de Espinosa. Os juízes do Funchal acabaram por determinar a pena de morte para este soldado, entregando Gaspar Afonso de Magalhães a sentença ao governador, o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598). O conde não aceitou de ânimo leve o veredicto, mas ao cabo de várias pressões acabou por mandar sentenciar Francisco de Espinosa no pelourinho, algo perfeitamente inédito no Funchal, referindo-se que tal se fazia pela sua ascendência de fidalgo, pois qualquer pena de morte era executada fora da cidade, em princípio, no Lg. da Forca. Acresce que a pena de morte era da exclusiva responsabilidade régia e não encontrámos documentação da sentença ter ido à aprovação do monarca. No século seguinte, existe outra referência a uma sentença executada no pelourinho, mas simbólica e em efígie. Um jovem de famílias sem especiais pergaminhos, o estudante Francisco Rodrigues Jardim, em maio de 1629, apaixonara-se por uma jovem das principais famílias madeirenses, sua vizinha na R. dos Netos: D. Maria de Moura, filha do morgado Aires de Ornelas de Vasconcelos, já falecido, e de D. Catarina de Moura, entretanto casada em segundas núpcias com um primo do ex-marido, Miguel Rodrigues Neto de Atouguia. A família do estudante apoiara o mesmo, participando no rapto da jovem, mas ambos acabaram por ter de fugir para o Brasil. O processo foi levantado pelo corregedor Estevão Leitão de Meireles (Alçadas) e o jovem estudante foi condenado à morte na forca, logo, fora da cidade, em 1631. Dado não se encontrar na Madeira, a família da jovem promoveu o seu enforcamento em estátua no pelourinho da cidade. Pelos últimos anos do séc. XV, o duque D. Manuel enviou, com certeza, exemplares de pelourinho idênticos, e talvez também em madeira, para as vilas e sedes das capitanias de Machico e do Porto Santo, tal como enviou depois, em 1501, para a Ponta do Sol, então elevada a vila, e, em 1502, para a Calheta, e, em 1515, para Santa Cruz. Este último pelourinho era bastante semelhante ao do Funchal e, muito provavelmente, era também em calcário-brecha da serra da Arrábida, pedra utilizada na capela-mor da igreja matriz do Salvador de Santa Cruz. Conhecemos o pelourinho do Funchal através de um desenho de um viajante inglês, datado de 1832 e de dois fragmentos que foram depositados no parque arqueológico do Museu Quinta das Cruzes (MQC). O pelourinho de Santa Cruz foi litografado a partir de um desenho do reverendo James Bulwer (1794-1879), editado em Londres, em 1827, encontrando-se então no local hoje ocupado pelo cruzeiro com as armas dos Freitas (Cruzeiros), que, nessa litografia, ficava mais a poente. A imagem mostra o pelourinho de Santa Cruz com dois fustes de coluna torsos, à semelhança do pelourinho do Funchal, e unidos por um anel relevado, porém, já sem a base, elemento que subsiste nos fragmentos originais do do Funchal. Os pelourinhos de Machico e de Santa Cruz ainda vêm apontados nas plantas do major Inácio Joaquim de Castro, levantadas em 1799, mas do de Machico nada se sabe, devendo ter sido destruído pela aluvião de 9 de outubro de 1803 (Aluvião de 9 de outubro de 1803; Aluviões). Algo idêntico acontecera ao pelourinho da vila da Ponta do Sol, segundo relata Francisco Libânio de Cárceres em texto sobre aquela vila publicado na Revista Madeirense, indicando que, no dia 2 de novembro de 1799, um repentino golpe de mar arrasou a vigia e derrubou o antigo pelourinho que ficava à ilharga da praça. Sobre o pelourinho da Calheta, o Ten.-Cor. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), na planta da Madeira de agosto de 1819, refere que era necessário reativar a bateria do Paul e colocar uma peça militar junto ao pelourinho da Calheta, que ficava a uma dezena de metros abaixo da igreja matriz (Fortes da Calheta), num largo que dava acesso ao caminho que levava ao convento franciscano (Convento de S. Sebastião da Calheta). Como a vila fora parcialmente destruída por uma “grande levadia do mar”, que arrasara o forte e 30 casas, levando ao abandono quase geral da mesma povoação (CARITA, 1982, 64), o pelourinho terá sido destruído por esse fenómeno, em 1799 ou então pela aluvião de 1803. Nada se sabe sobre o pelourinho da vila do Porto Santo, salvo que existe esse topónimo para o largo em frente ao edifício da antiga Câmara Municipal. Mas, como observámos antes, tendo D. Manuel enviado um pelourinho para o Funchal, com certeza que os enviou também para as restantes vilas sedes de capitania. O abandono e os inúmeros saques corsários a que esta Ilha foi entretanto sujeita devem ter feito desaparecer o pelourinho muito mais cedo que nos restantes municípios madeirenses. O pelourinho do Funchal foi mandado demolir pela vereação camarária, em novembro de 1835, dentro da ideologia, então vigente, de que os pelourinhos eram manifestações do Antigo Regime. Em 1989, toda a área foi sujeita a uma completa remodelação e voltou-se a instalar ali um pelourinho, réplica do antigo, mas em calcário de Molianos, tendo-se ainda restaurado o passo de procissão daquela praça. Como restavam dois pequenos fragmentos do pelourinho original no parque do MQC, como adiantámos, em calcário-brecha da Arrábida, um material que se tornara dificilmente disponível, com base neles e no desenho efetuado poucos meses antes da sua demolição, procedeu-se à execução da réplica, inaugurada no dia 21 de agosto desse ano de 1989. A aluvião de 20 de fevereiro de 2010 voltou a afetar gravemente toda a baixa da cidade, mas o pelourinho foi posteriormente restabelecido no local.   Rui Carita (atualizado a 19.11.2015)

Património História Política e Institucional

posturas

Regulamentos provindos dos corpos administrativos locais, as câmaras municipais, no sentido de adaptar a legislação geral às condições específicas do espaço municipal, visando sempre o benefício da conservação da Ilha. A primeira informação que temos sobre a sua existência na Madeira resulta de uma recomendação feita pelo infante D. Fernando ao capitão do Funchal, a 3 de agosto de 1461, com a indicação de que não interferisse nas posturas e de que estas fossem impostas a todos os funchalenses. Palavras-chave: município; legislação; administração. Ocupam o lugar mais baixo da hierarquia da legislação; são regulamentos locais, provindos dos corpos administrativos, as câmaras municipais, que se faziam “na forma da lei”, no sentido de adaptar a legislação geral às condições específicas do espaço municipal e tinham sempre, como princípio fundamental, o “benefício da conservação da Ilha” (PACHECO, 2002, 96), como se afirmava em 1724. Tal como se dizia em 1524, a todos acometia a obrigação de guardar a ordenação régia e as posturas da câmara. A primeira informação que temos sobre a existência de posturas na Madeira resulta de uma recomendação feita pelo infante D. Fernando ao capitão do Funchal, a 3 de agosto de 1461, no sentido de este não interferir nas posturas e de todos os funchalenses as cumprirem. Depois, em 1468, o infante D. Fernando refere as posturas que Dinis Anes de Grãa, ouvidor do duque, dera aos moradores de Câmara de Lobos. Acrescente-se que, em 21 de junho de 1481, foi feita uma postura para apregoar as posturas. As posturas eram aprovadas em vereação, tombadas em livro próprio e depois divulgadas em público, pelo porteiro da Câmara, através de pregão. A 1 de abril de 1598, fez-se reunião da nobreza e do povo para ler as posturas, que foram depois apregoadas em praça pública. Foram também publicitadas através de edital ou na imprensa, a partir do séc. XIX. Até ao regime liberal, as mesmas eram lidas na praça do pelourinho pelo porteiro da câmara, como referimos, fazendo-o este com alguma frequência e por determinação da vereação. A primeira ordem nesse sentido é de 21 de julho de 1481. Esta faculdade manteve-se sempre como uma prerrogativa fundamental do direito e poder municipais. As alterações de regime, nos sécs. XIX e XX, não retiraram ao município esta capacidade de elaborar as suas posturas e regulamentos. A novidade mais significativa prende-se, certamente, com a sua impressão. Com a República, estas passaram a ser destinadas a regulamentar as situações de polícia urbana e rural, atendendo especialmente às medidas de salubridade pública. A Madeira usufruía, no séc. XV, de condições particulares, com o senhorio e as capitanias, que diferenciavam a sua administração da das demais partes do reino. Todavia, as cartas de doação definem a precariedade deste processo e a capacidade de mandar e julgar, e nunca de legislar. Neste último aspeto, deveriam os capitães sujeitar-se aos forais ou regimentos gerais do reino. A capacidade de legislar surgiu apenas com a afirmação do município. As posturas são a materialização desse anseio, sendo os seus capítulos uma tentativa de dar voz às aspirações de uma região, no caso, o município. A ela se reconhece, assim, o caráter autónomo da administração, sendo o poder assente na jurisdição local (foral e posturas) e no exercício dos magistrados eleitos, destes últimos, os juízes com alguma capacidade jurisdicional. As posturas municipais, mercê da sua dupla fundamentação, refletem, no enunciado, as ordenações régias, reescritas de acordo com as particularidades de cada município e os sentimentos comunitários do justo e do conveniente. A par disso, de acordo com as ordenações afonsinas, o legislador deveria atender “ao prol e bom regimento da terra”. Deste modo, o seu articulado era o espelho da vivência quotidiana do município e da adequação das ordenações e regimentos do reino às novas e particulares condições políticas e económicas locais. Tais condicionantes justificam o seu caráter precário e a permanente mudança desse código, o que conduziu a diversas compilações e originou constantes alterações do articulado; a reforma das posturas sucedeu-se com frequência, como se poderá verificar pela leitura das atas das vereações. Talvez, por isso, em muitos municípios, não se fez a necessária compilação em livro, ficando as posturas apenas lavradas nas atas das vereações em que foram aprovadas. Por outro lado, o facto de serem, por vezes, medidas legislativas de ocasião promovia a sua rápida inadequação e a necessidade da sua reformulação ou revogação. Note-se que, em 18 de julho de 1738, o município do Funchal reuniu em sessão para reformar as posturas, “por não se poderem observar em parte as posturas antigas” (Id., Ibid., 66). As posturas são a fonte mais importante para o estudo do direito local. A circunstância de refletirem, no seu enunciado, as preocupações e domínios de intervenção locais leva-nos a valorizá-las fortemente como fonte para o estudo e conhecimento da realidade municipal. Ao surgirem como normas reguladoras dos múltiplos aspetos do quotidiano do município, são o indício mais marcante da mundividência local. De acordo com as ordenações e regimentos concedidos, o município tinha atribuições legislativas particulares resultantes, nomeadamente, da necessidade de adaptação das disposições gerais do reino às condições do espaço a que seriam aplicadas; por um lado, tínhamos as disposições gerais, estabelecidas pela Coroa e, por outro, as normas de conduta institucionalizadas no direito consuetudinário, que impregna e define as particularidades da vivência local. O município português, nos sécs. XVI e XVII, dispunha de uma ampla autonomia e de uma elevada participação das gentes na governança. Todavia, com o decorrer da prática municipal, essa autonomia acabou por revelar alguns atropelos, que levaram a Coroa a limitar a sua alçada por meio da intervenção de funcionários régios como o corregedor. Tendo em consideração essa ambiência, os monarcas filipinos, aquando da união das coroas peninsulares (1580-1640), procuraram cercear os poderes dos municípios portugueses, procedendo a algumas alterações na sua orgânica. A intervenção e alçada dos cargos municipais definidas nas ordenações e regimentos régios não careciam de uma redefinição no código de posturas e, deste modo, o código das posturas apenas estabelecia normas para a intervenção dos funcionários municipais empenhados na sua aplicação: os rendeiros do verde e os almotacés. As normas para serviço destes funcionários municipais eram da exclusiva competência da vereação e homens-bons e surgem nas posturas. Aos almotacés competia a fiscalização do normal cumprimento das posturas. No ato de juramento deste ofício, insistia-se na necessidade de guardar as posturas e proceder a pregões. Por outro lado, os almotacés davam juramento aos jurados dos lugares para as fazerem cumprir. A partir da República, esta função de fiscalização passou para os guardas cívicos. No Antigo Regime, o município, representado através dos vereadores, eleitos de entre os homens-bons, detinha amplos poderes. Através do código de posturas, normas gerais de conduta aplicáveis a toda a jurisdição, o município intervinha na economia, por meio da regulação do abastecimento local, do aproveitamento das terras e das águas, da definição dos locais de compra e venda dos produtos, do controlo do armazenamento, transporte e distribuição de bens essenciais, como os cereais, do controlo dos preços, pesos e medidas. São poucos os registos e códigos de posturas para os municípios madeirenses. Muitos se perderam ou as compilações não aconteceram na forma da lei. De uma maneira geral, estes encontram-se avulsos em atas das vereações, sendo impressos, como referimos antes, apenas a partir da segunda metade do séc. XIX. Eis as posturas que estão disponíveis em compilações: para o Funchal, posturas, contas e taxas para contas, relativas aos anos de 1481, 1512, 1550, 1572, 1587, 1598, 1598, 1599, 1620, 1625, 1627, 1631, 1649, 1675, 1738, 1745, 1746, 1755, 1769, 1780, 1869-1885, 1920; e registo de regimentos e posturas, relativas a 1789-1851; para Câmara de Lobos, as respeitantes aos anos de 1852, 1855, 1859, 1860, 1863, 1864, 1865; para Machico, as posturas de 1598, 1627, 1780; para o Porto Santo, as de 1780, 1791, 1796. Desde o séc. XIX que a sua publicação é obrigatória, porém, só temos conhecimento da impressão das do Funchal (1849, 1856, 1890, 1895, 1912, 1954), Machico (1598, 1627, 1780, 1856), Porto Moniz (1859, 1890), Santana (1837, 1841), Calheta (1842), Porto do Moniz (1890), São Vicente (1897) e Ponta do Sol (1900). Recorde-se que, na República, a lei n.º 88 de 7 de agosto de 1913 (art. 100.º, n.os 3, 4, 5, 6 e 7; art. 104.º, n.os 1, 3 e 4) determina a obrigatoriedade da comissão executiva municipal proceder à sua publicação. O texto das posturas estabelece as normas que regulam o funcionamento dos cargos municipais e da administração da fazenda municipal, como já indicámos, as atividades económicas, desde a mundividência rural, oficinal e mercantil, às condutas de sociabilidade, através da regularização dos costumes e dos comportamentos de alguns grupos marginais, como as meretrizes, escravos e mancebos, e ainda as regras de salubridade dos espaços públicos. As caraterísticas ou vetores das sociedades e economias insulares refletem-se no articulado das posturas, vale a pena referi-lo de novo. Deste modo, a maior ou menor valoração de determinado tópico é, sem dúvida, resultado da sua premência no quotidiano insular. De acordo com a divisão em sectores de atividade económica, constata-se o predomínio do sector terciário. Esta tendência para a terciarização da realidade socioeconómica deverá resultar, por um lado, do facto de o meio urbano gerar um maior número de situações que carecem da intervenção do legislador e, por outro, da expressão plena do seu domínio na vida económica. É necessário ter em consideração que esta realidade varia nos diversos municípios. No Funchal, os sectores secundário e terciário encontram-se numa situação muito próxima, ao contrário do que sucede com Angra, onde o último tem uma posição dominante. O predomínio dos sectores secundário e terciário poderá resultar de diversos fatores. Em primeiro lugar, convém referenciar que as posturas incidem preferencialmente sobre a urbe, espaço privilegiado para a afirmação do sistema de trocas e oferta de serviços, reanimado pelo seu carácter atlântico e europeu. Além disso, a animação oficinal e comercial do burgo, pelo seu ritmo acelerado, implicava uma maior atenção, mercê também do maior número de situações anómalas. A mundividência rural perpetuava técnicas e relações sociais ancestrais, sendo a sua atividade regulada pela rotina e ritmo das colheitas e estações do ano. De facto, no meio rural, pouco ou nada mudava com o decorrer dos anos. Deste modo, o legislador municipal canalizou a sua atenção para o quotidiano do burgo, marcado pela sucessão de mudanças. Para as sociedades em que a faina rural se tornou importante e definidora dos vetores socioeconómicos, esse espaço não poderia ser menosprezado. A ocupação e exploração do espaço insular fez-se de acordo com os componentes da dieta alimentar do íncola (o trigo e o vinho) e dos produtos impostos pelo mercado europeu para satisfação das necessidades das praças europeias (o açúcar e o pastel). Todavia, o primeiro grupo agrícola, pela sua importância na vivência quotidiana das populações insulares, solicitava maior atenção do município, pelo que 58% das posturas relacionadas com a faina rural incidiam sobre esses produtos, enquanto o grupo sobrante merecia atenção de apenas 15%. A distribuição dos referidos produtos obedecia às orientações da política expansionista da Coroa e dos vetores de subsistência e condições climáticas de cada ilha. Tais condicionantes implicaram uma ambiência peculiar dominada pela complementaridade agrícola das ilhas ou arquipélagos. Deste modo, as posturas organizar-se-ão de acordo com essa característica do mundo insular atlântico, refletindo, no seu articulado, a importância desses produtos na vivência de cada burgo. A abundância ou carência do produto em causa definia situações diversas na intervenção do legislador. No primeiro caso, essa intervenção abrangia todos os aspetos da vida económica do produto. No segundo, incidia preferencialmente sobre o abastecimento do mercado interno, definindo aí normas adequadas ao normal funcionamento desses circuitos de distribuição e troca. Assim se justifica a similar importância atribuída às posturas sobre o vinho. A pecuária assumia, em todo o espaço agrícola insular, uma dimensão fundamental, graças à sua tripla valorização económica (faina agrícola, dieta alimentar e indústria do couro). O seu incentivo conduziu a uma valorização da intervenção municipal na venda de carne nos açougues municipais, bem como das indústrias de curtumes e calçado. Note-se que, ao nível da intervenção do legislador local, essa situação é apresentada na inversa, uma vez que a sua carência implicava uma regulamentação mais cuidada e assídua do senado do que a sua abundância. O desenvolvimento da indústria de couro tinha implicações ao nível da salubridade do burgo, pelo que o senado sentiu a necessidade de regulamentar rigorosamente esta atividade, definindo os locais para curtir e lavar os couros e o modo de laboração dos mesteres ligados a essa indústria. A par disso, procurava-se assegurar a disponibilidade desta matéria-prima para a indústria do calçado, proibindo-se a sua exportação. Esta situação, aliada a outras medidas tendentes à defesa da salubridade do burgo, revela que a pecuária tinha uma importância fundamental nestas ilhas; era daí que se extraiam a carne para a alimentação, os couros para a indústria de curtumes e o estrume para fertilizar as terras, além do usufruto da sua força motriz no transporte ou lavra das terras. Na realidade, era uma grande fonte de riqueza. Uma das mais destacadas preocupações dos municípios insulares resultava dos danos quotidianos do gado solto, não apastorado, sobre as culturas, nomeadamente nas vinhas, searas e canaviais. Daí a necessidade de delimitação das áreas de pasto e a obrigatoriedade de cercar as terras cultivadas. Além disso, um conjunto variado de pragas infestava, com frequência, as culturas, o que obrigava a uma participação conjunta de todos os vizinhos. No domínio agrícola, a atenção do município variava segundo as culturas predominantes. Assim, no Funchal, que abarcava uma das mais importantes áreas de produção açucareira da ilha da Madeira, essa preocupação incidiu sobre os canaviais e engenhos, definindo a cada um o complexo processo de cultura e transformação. Os componentes da dieta alimentar insular adquiriram uma posição relevante na intervenção dos municípios madeirenses, o que demonstra as grandes dificuldades no assegurar dessa necessidade vital. Tal preocupação, no entanto, era muito variável no tempo e no espaço, adequando-se à realidade agrícola de cada urbe e à sua conjuntura produtiva. Deste modo, o seu articulado, para além de refletir a dupla dimensão espaciotemporal, evidencia uma das componentes mais destacadas da alimentação das gentes insulares. Tudo isto resultará, certamente, do facto de a dieta alimentar manter a sua ancestral origem mediterrânica, sendo, deste modo, pouco variada, o que colocava inúmeras dificuldades no abastecimento do meio urbano e justificava o consumo reduzido de legumes e peixe, potenciando o consumo abusivo de pão e vinho. Sendo os mares insulares ricos em peixe e marisco, e toda a vivência dessas populações dominada pelo mar e extensa costa, não se percebe bem o desinteresse pelas riquezas alimentares marítimas em favor da carne. Note-se que as posturas referentes à carne são praticamente o dobro das que referem o peixe. Apenas no Funchal o peixe merece a atenção do legislador; aí regulamenta-se não só a sua venda, mas também a pesca. A importância relevante do pão e da carne na alimentação insular implicou uma redobrada atenção das autoridades municipais sobre a circulação e venda destes produtos, pelo que o código de posturas acompanha todo o processo de criação, transformação, transporte e venda dos mesmos. De igual modo, é atribuída particular atenção ao quotidiano que envolve a atividade das azenhas, dos fornos e do açougue municipal. O moleiro deveria ser habilitado e diligente no seu ofício, tornando-se obrigatório o exame e o juramento anual em vereação. Na sua ação diária, atribuía-se particular atenção ao peso do cereal e da farinha, bem como ao ato de maquiar; na Madeira, essa tarefa estava a cargo de um rendeiro dos moinhos. No Funchal, este domínio mereceu uma cuidada atenção nas posturas. A necessidade de precaver danos na farinha e farelo levou o legislador a proibir a existência de pocilgas e capoeiras nas imediações dos moinhos. Além disso, a animação do espaço circundante tornava necessária a intervenção do município na definição de normas de conduta social, no sentido de moralizar e disciplinar o comportamento dos frequentadores habituais do moinho. Deste modo, não era permitido às mulheres casadas ou mancebas permanecerem aí, ao mesmo tempo que lhes era vedada a prestação de qualquer serviço na moenda. Ao moinho sucedia o forno, coletivo ou privado, que assegurava a cozedura do pão consumido no burgo. A afirmação pública deste espaço resultava da existência das condições do ecossistema insular; na Madeira, após uma fase inicial em que estes eram privilégio do senhorio, assistiu-se a uma excessiva proliferação de fornos no burgo e arredores. Todavia, a maior parte do pão aí consumido era oriundo dos fornos públicos. Deste modo, o município procurava exercer um controlo rigoroso sobre o peso e preço do pão; ambos eram fixados em vereação, de acordo com as reservas de cereais existentes nos celeiros locais. Além disso, em momentos de penúria, era a vereação que procedia à distribuição dos cereais pelas padeiras. A preocupação com o abastecimento de pão surgiu apenas no Funchal, onde foi ativa a intervenção dos almotacés sobre o fornecimento dos cereais e farinha, fabrico do pão, verificação do seu peso, e estabelecimento do preço de venda ao público. Tenha-se em consideração que este município foi pautado, desde finais do séc. XV, por uma extrema carência de cereais, o que gerou, como é óbvio, esta especial atenção por parte da vereação. O açúcar, ao invés, afirmou-se na economia insulana como o principal incentivo para a manutenção e desenvolvimento do sistema de trocas. Tal situação, associada ao caráter especializado da safra do açúcar, tornou necessária a sua coordenação pelo código de posturas na Madeira. A intervenção municipal não se resumiu apenas aos canaviais e ao complexo processo de laboração do açúcar, mas também integrou outros domínios que contribuíam, de modo indireto, para o desenvolvimento da indústria em causa. Assim se justifica a extrema atenção concedida às águas e madeiras, elementos imprescindíveis para a cultura e indústria açucareiras. Neste domínio, a intervenção municipal adequou-se às condições mesológicas de cada área produtora, variando as suas iniciativas de acordo com a maior ou menor disponibilidade de ambos os fatores de produção. Na Madeira, desfrutando a Ilha de um vasto parque florestal e de abundantes caudais de água, não houve necessidade de intervir exageradamente neste domínio, reservando-se a atenção para a safra do engenho. As posturas definem os cuidados a ter com a cultura dos canaviais, o transporte da cana e lenha pelos almocreves, bem como a ação dos diversos mesteres no engenho. A esse numeroso grupo de agentes de produção que asseguravam a laboração do engenho era exigido o máximo esforço para que o açúcar branco extraído apresentasse as qualidades solicitadas pelo mercado consumidor europeu. Deste modo, concedeu-se especial atenção à formação dos mestres de açúcar, refinadores e purgadores, ao mesmo tempo, exigiu-se ao senhor uma seleção criteriosa dos seus agentes, que deveriam prestar juramento em vereação, todos os anos. Essa atuação era reforçada com a intervenção do lealdador, um oficial concelhio que tinha por missão fiscalizar a qualidade do açúcar laborado. O uso abusivo, por parte dos seus agentes, levou o município a estipular pesadas coimas para o roubo de cana, socas, mel e bagaço. Além disso, procurava-se evitar a existência de condições que apelassem ao furto, definindo-se a proibição de posse de porcos a qualquer agente que laborasse no engenho ou a impossibilidade do pagamento dos serviços ser feito em espécie. O processo de laboração e transformação de artefactos era um sector destacado de animação do burgo, ocupando um numeroso grupo de mesteres com assento em áreas ou arruamentos estabelecidos pelo município. A necessidade de um apertado sistema de controlo sobre a classe oficinal, no sentido de promover a qualidade dos artefactos produzidos, e de tabelar os produtos e as tarefas, condicionou essa enorme atenção do legislador insular, ocupando cerca de 20 % das posturas em análise. De acordo com as posturas do séc. XVI, podia-se adquirir potes, alguidares, panelas, tigelas, vasos, púcaros, fogareiros, luminárias, canjirões, mealheiros, talhas. As posturas do séc. XVI referem a prática corrente de alagar o linho nas ribeiras da cidade, com muito dano das águas, pelo que se recomendava o uso de poços separados. A sua cultura espalhou-se por toda a Ilha, ganhando uma posição de destaque nas freguesias do norte, como foi o caso de São Jorge e Santana. Os alfaiates localizam-se na cidade do Funchal, o que poderá significar que, no meio rural, o corte do vestuário era caseiro. Aliás, é aqui que encontramos maior informação sobre esta atividade nas posturas municipais. O município não só regulamentava o feitio das diversas peças de vestuário, como também determinava os preços do produto. É necessário ter em consideração que essa expressão da vida oficinal do burgo não é igual em todas as posturas dos municípios estudados. Apenas no Funchal é patente a sua maior incidência e a variedade dos ofícios abrangidos, sendo menor nos municípios açorianos. A maioria dos ofícios referenciados pertence ao sector secundário e terciário, tendo o primário fraca representatividade. Tal situação expressa a importância que ambos os sectores de atividade assumiam nos municípios e resulta do facto de estes domínios serem mais vulneráveis às mudanças do devir histórico e propiciadores da fraude e furto. Os ofícios são o esqueleto em que assenta a vivência do burgo, pois vivificam e animam toda a atividade dos arruamentos e praças. Donde o grande empenhamento demonstrado pelo código de posturas, onde se destaca a atividade transformadora e o sector da alimentação, sendo maior, no primeiro caso, na indústria do calçado e, no segundo, na moenda do cereal e venda de carne. Também nos sécs. XVI e XVII, os ofícios indicados nas posturas incidem sobre os sectores secundário e terciário, com especial destaque para a atividade transformadora e sector alimentar. O facto vai ao encontro da visão geral do articulado das posturas, mantendo-se, aqui, o predomínio do sector terciário. Apenas no Funchal o secundário se aproxima deste, mercê do elevado desenvolvimento da estrutura oficinal, situação contrastante com a exígua referência e sobriedade dos municípios açorianos, por exemplo. A intervenção do legislador municipal na faina oficinal orientava-se no sentido da regularização dessa atividade. Aí se definia, de modo rigoroso, o processo de laboração e a tabela de preços para as tarefas e artefactos. A qualidade do serviço e produto não resultava apenas da concorrência na praça, mas, fundamentalmente, da vigilância das corporações e da exigência do exame ao aprendiz. O juramento anual associado à necessidade de prestação de fiança completava o controlo municipal. Todavia, na Madeira, os ourives e tanoeiros deveriam apresentar, em vereação, a sua marca, para que constasse nos livros da câmara. A oficina dá lugar ao mercado ou praça, espaço privilegiado para a distribuição e escoamento dos artefactos. Aí, o município redobrava a sua atenção, de modo a estabelecer regras regulamentares do sistema de trocas. Esta surge como uma das suas principais preocupações, pois das posturas que consideramos, cerca de 28% incidem sobre o mercado, repartindo-se essa atuação entre o abastecimento de bens alimentares e artefactos. Nesse domínio, é dada particular atenção aos pesos, medidas e preços. A praça domina o espaço urbanizado, estabelecendo uma peculiar compartimentação dessa área, de acordo com as exigências dos vetores internos e externos da vida económica. Aos edifícios da fiscalidade sucedem-se os armazéns e lojas de venda, orientados a partir desse centro. A importância deste espaço no quotidiano está justificada por uma dupla intervenção, primeiro, submetendo os diversos ofícios à prestação anual de juramento e fiança, depois, por meio de uma intervenção permanente dos almotacés. À vereação estava acometida também a tarefa de estabelecer os preços de venda ao público dos diversos géneros de produção local. Todos os anos, entre outubro e janeiro, eram estabelecidos preços para os produtos colhidos no concelho: vinho, cereais, cebolas, feijão, favas, batata, carne, laranjas, limões, inhame, vimes, cana doce. As atas das vereações e as posturas municipais revelam-nos muitos dos problemas resultantes do abastecimento de bens alimentares e artefactos no mercado madeirense. As posturas são a face visível da intervenção reguladora do município no mercado e comércios interno e externo. Para o mercado local, a intervenção assentava num apertado sistema de vigilância, como antes afirmámos, incidindo sobre os preços de venda de mais bens alimentares e artefactos, fixados em vereação. Já para o mercado externo, a intervenção ia no sentido de limitar as trocas com o exterior aos excedentes ou produtos a isso destinados, de forma a evitar situações de rotura com o abastecimento local, mas quase sempre com grande insucesso, pois, num edital da Câmara do Funchal de 1784, refere-se “o abuso inveterado e a extraordinária relaxação que praticam infinitas pessoas em fraude das posturas deste senado, estabelecidas contra os que exportam para fora da terra géneros que a ela são precisos” (ARM, Câmara Municipal..., Editais, lv. 235, fls. 27-28v.). Mas, porque as posturas e regulamentos protecionistas entravam em conflito com os interesses dos comerciantes e até do próprio Estado, as câmaras perderam estas prerrogativas, em 1836. A ação do município delineava-se de acordo com o nível de desenvolvimento socioeconómico de cada cidade. Os espaços de grande animação comercial necessitavam de maior atenção e de uma regulamentação exaustiva do movimento de entrada e saída, orientada de diferentes formas. A defesa da produção interna implicava, necessariamente, condicionamentos no movimento de entrada. Por outro lado, a carência, nomeadamente de bens alimentares, conduziu ao estabelecimento de medidas incentivadoras da sua entrada e de um controlo rigoroso do seu transporte e armazenamento. Estas últimas posturas estavam apoiadas na limitação imposta à sua saída ou reexportação. Estão incluídos neste caso: cereais, vinho, azeite, pescado, gado, carne, biscoito, linho e couro. Todavia, a intervenção dos municípios insulares foi variável, em consequência de uma situação socioeconómica diversa. Pela importância que têm na vivência das populações insulares, os cereais merecem redobrada atenção no código de posturas. Com efeito, as posturas adaptaram-se à conjuntura cerealífera municipal e insular, o que conduziu a uma permanente mobilidade do seu articulado: de facto, foram das poucas posturas que se alteraram com uma periodicidade mensal ou anual. A fragilidade do plano económico insular, associado à sua extrema dependência do mercado europeu e atlântico, condicionou o nível de desenvolvimento do sistema de trocas, marcado por múltiplas dificuldades no abastecimento. Deste modo, as autoridades municipais fizeram incidir a sua ação sobre o sistema de trocas, de maneira a assegurar a subsistência das populações insulares. Como referimos, o articulado das posturas frumentárias ia ao encontro da conjuntura particular de cada município e, no geral, do mundo insular. Aí definiam-se medidas compatíveis com as reservas de cereais existentes nos granéis públicos e privados, dando-se particular atenção ao preço, peso do pão e contingentes para exportação. É de salientar que, em todos os municípios, quanto ao fabrico da farinha e à necessária intervenção do moleiro, era comum a preocupação dos munícipes e governantes. O vinho faz parte do grupo de culturas ou produtos atingidos por este tipo de medidas protecionistas, mercê da sua importância na dieta e sistema de trocas insulares. As posturas estipulavam medidas de proteção da cultura, nomeadamente em face da depredação do gado nos vinhedos e dos furtos de uvas, bem como normas para a venda do vinho atavernado. No primeiro caso, fixaram a proibição da venda de uvas sem indicação ou licença do dono. No segundo, procuraram evitar os processos fraudulentos na sua venda, com a fuga ao pagamento da imposição e à baldeação de vinhos de diferentes qualidades. Assim, cada taberna só podia dispor de duas pipas de vinho (branco e tinto) e ambas varejadas e abertas por um oficial concelhio, o rendeiro do vinho. A época de abertura do vinho novo, que, de acordo com a tradição, se celebrava pelo S. Martinho (patrono dos alcoólicos, em parceria com S. Plácido e S.ta Bebiana), tinha também expressão nas posturas municipais, definindo, desde tempos recuados, a proibição de beber e vender vinho novo antes desta data (11 de novembro). A carne e o peixe, produtos cuja venda e manuseio exigiam especiais cuidados, ocupam também um lugar de destaque nas posturas. Estabeleceram-se normas reguladoras de todo o processo de circulação e venda. Assim, não era permitida a sua venda fora da praça e, mesmo aí, teria que ser feita por agentes habilitados pela vereação. Deste modo, aos proprietários de barcos, arrais ou pescadores estava vedado o comércio a retalho. Ambos os produtos deveriam ser almotaçados e, depois, postos à venda. A carne, para além do seu corte obrigatório no açougue pelo marchante, que arrematava semanalmente o seu fornecimento ao concelho, tinha a venda permanentemente vigiada por um oficial concelhio. A venda por peso ou medida facilitava o dolo dos vendedores pouco honestos que falsificavam os meios de medição. Deste modo, o município era obrigado a redobrar a sua vigilância sobre o retalhista, sendo o seu alvo principal as vendedeiras. Daí o estipular-se o uso obrigatório de pesos e medidas aferidos pelo padrão municipal, em todas as ilhas, sendo a respetiva conferência anual e a cargo do almotacel. A preocupação do legislador insular incidia mais sobre as questões económicas, que, pela sua importância na vivência quotidiana, justificavam redobrada atenção. A sociabilidade, no acanhado espaço insular, não implicava uma intervenção permanente do município. Além disso, a marginalidade não era preocupante, mercê da coação exercida pela limitação espacial, que impossibilitava uma fácil evasão e proliferação. Em certa medida, essa relativa mobilidade das sociedades insulares, abertas às influências do meio exterior, contribuiu para que se desvanecessem as cambiantes típicas. A urbe, espaço compartimentado da realidade insular, era animada com a ação dos diversos agentes económicos nos domínios da produção, transformação, transporte e comércio. Essa múltipla sociabilidade, resultante de uma escala de estratos socioprofissionais, de forasteiros, vizinhos e marginais, implicava a necessária definição de convivência social adequada à normalidade do quotidiano e relacionamento social. A marginalidade, em terras onde a mão de obra detém uma importante componente escrava, resulta deste grupo social ou daqueles que a ele já pertenceram, os libertos. A eles associam-se os vadios, os mancebos de soldada e as meretrizes. Enquanto os escravos estavam relacionados, preferencialmente, à safra do açúcar, as meretrizes abundavam nas cidades portuárias como o Funchal. Os escravos constituíam, todavia, a principal preocupação dos municípios no domínio social. Deste modo, no articulado das posturas, estabeleceram-se minuciosamente os padrões de comportamento do grupo, estipulando-se os limites da sua sociabilidade, além de outras formas de delimitação ou segregação social. Assim, ao escravo era vedado o acesso a casa própria e mesmo a possibilidade de coabitar na urbe: deveria residir nos anexos da fazenda ou quinta do senhor, não podendo ausentar-se sem a anuência do mesmo. Fora do seu apertado circuito de movimentação, o escravo deveria ser identificável pelo sinal e não podia usar arma, nem permanecer fora de portas após o toque para recolher. Em face disto, o seu quotidiano deveria restringir-se ao serviço da casa e terras do senhor. Acresce que ninguém, nem mesmo os libertos, poderia acolher, alimentar ou esconder qualquer escravo foragido. A defesa da moral pública, devidamente regulamentada nas ordenações do reino, mereceu as necessárias adaptações nas sociedades atlânticas, definindo o espaço e as formas de convívio social locais. Com a finalidade de proteger a reputação da mulher casada, delimitou-se a área de intervenção e convívio da mancebia e coagiu-se o sexo oposto a manter um comportamento regrado com as mulheres na fonte, ribeira e via pública. A promoção das necessárias condições de vida do burgo completou-se com a já referida procura de um nível adequado de salubridade do espaço de convívio e de labor social. A premência das doenças, nomeadamente a peste, colocava a obrigação de o município intervir com medidas sanitárias. Estas acentuaram-se em determinadas áreas, de acordo com o nível de salubridade e de ruralidade associado à animação da atividade oficinal predominante. Da intervenção do município nesse domínio, é de destacar o facto de as preocupações sanitárias resultarem, em parte, da presença considerável de animais no burgo e da sua circulação no local, do uso abusivo da água das fontes, poços, levadas e ribeiras para lavar ou beber e para o uso industrial, mais o necessário asseio das ruas e praças públicas. Daí a necessidade de pôr termo a essa tendência exacerbada de ruralização do meio urbano, delimitando a área de circulação e, no caso da Madeira, a construção de abrigos para os animais, conhecidos como palheiros. A água doce, elemento vital do quotidiano e faina agrícola, particularmente nas ilhas, mereceu atenta regulamentação por parte dos municípios, onde se procurou regularizar o uso do bem, de modo a evitar o seu furto e dano com as atividades artesanais, sobretudo, aquelas que trabalhavam com o linho e o couro. A fonte, espaço privilegiado do quotidiano da urbe, teve especial atenção neste contexto, restringindo-se o seu uso como bebedouro para animais ou estendal de roupa. O Funchal era, sem dúvida, de todos os municípios, aquele que desfrutava de melhores condições de salubridade. A sua situação geográfica, talhada por três ribeiras, associada à delimitação do espaço agrícola, assim o permitem afirmar. Note-se que, nas atas das vereações, bem como no código de posturas, a preocupação com o asseio das ruas e praças é pouco relevante. A adesão da população a estas normas de conduta é atestada pelas infrações, prontamente combatidas pela vereação através das coimas. Por um lado, esta fiscalização repressiva e, por outro, a assídua divulgação das regras, através dos pregões do porteiro da câmara, fizeram com que estas medidas fossem do conhecimento dos munícipes. Aos infratores das normas era imposta uma coima, que consistia em açoites, na prisão ou numa pena pecuniária, que revertia como receita para a câmara. O rendeiro e o alcaide tinham o encargo de aplicar as penas. A coima estabelecida no código de posturas reforçava o articulado da postura, mercê da relação existente entre o valor da mesma e a importância atribuída pelo município a cada aspeto regulamentado. Este regime penal municipal estava a cargo dos rendeiros e do alcaide, procedendo o primeiro à cobrança e o segundo à captura do transgressor, com a prisão estipulada. Note-se que a coima não se resumia apenas ao pagamento pecuniário, podendo ser um misto de moeda e prisão, perda do produto em causa ou, ainda, pagamento dos danos. Com o Estado Novo, as multas aplicadas aos transgressores das posturas passaram a ser partilhadas com o Estado, que arrecadava 25 % do seu valor. Ainda ao nível das sanções, no caso das posturas sobre os danos provocados pelo gado, acumulava à pena o pagamento dos danos. A partir do séc. XIX, com o aparecimento da imprensa periódica, a lista dos infratores, como as posturas, passou a ser publicada nos jornais. A intervenção do município, a este nível, era implacável, conforme se poderá verificar, consultando o resumo das receitas municipais e das intervenções assíduas da vereação. O código de penalizações variou com o decorrer dos tempos, de acordo com as áreas em questão, adequando-se à realidade socioeconómica que lhe servia de base. A taxa era estabelecida de acordo com o grau de gravidade e transgressão. As penas assumiam uma forma diversa na sua aplicação, que podia ser, como antes, o pagamento em dinheiro, variando entre 50 a 6000 reis; uma pena de prisão, que podia ir até 30 dias e era complementada pela indemnização pelos danos causados, nomeadamente, pelo gado nas culturas agrícolas, implicando a perda do produto ou artefacto produzido ou transacionado. A primeira reincidência dos infratores podia conduzir à oneração da coima. Usualmente, a primeira vez era punida com pena dobrada e a segunda podia implicar açoites, desterro perpétuo ou temporário. O valor da pena pecuniária, bem como o número de dias de prisão eram estabelecidos pela vereação, segundo uma tabela ou matriz que deveria existir em cada município. Esta oscilava entre os 500 e os 2000 réis, podendo, em situações excecionais, atingir um valor superior a 1500 réis. As penas extraordinárias incidiam preferencialmente sobre os aspetos que assumiam maior importância para a vivência do burgo ou que eram suscetíveis de fácil infração. Assim, os ofícios de moleiro, vendeiro, carniceiro e boieiro situam-se entre os mais onerados pela coima. O mesmo sucedia com a regulamentação do comércio externo, sobretudo, em relação à saída do vinho, cereais, linho e couro. A eficácia da aplicação e arrecadação das coimas dependia, em certa medida, do empenho do denunciante, mercê do usufruto de parte da coima. Em todas as localidades, o denunciante recebia parte significativa da pena, entre 1/3 e 1/2. As frações sobrantes eram aplicadas de modo diverso: quando em três partes, essa quantia era dividida pelo acusador, cativos e concelho; quando em duas, atribuía-se metade ao acusador e a restante ao concelho. A formulação destas posturas não é original, uma vez que tem o seu fundamento na legislação do reino, por um lado, e no código de posturas de Lisboa, por outro, tendo-lhe servido ambos, de certo modo, como matriz. As ordenações régias definiram os parâmetros de atuação do legislador insular. O facto de o modelo institucional do município de Lisboa ter sido a base para a constituição do madeirense e de este ter, por sua vez, influenciado o articulado institucional da nova sociedade madeirense que teve repercussão nos Açores, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Brasil, conduziu a essa influência em cadeia. A partir daqui, conclui-se que o município de Angra foi o que manteve maior fidelidade ao postulado das ordenações do reino, embora se tenha afastado do articulado das posturas de Lisboa, ao invés do que sucedeu nos municípios do Funchal e Ponta Delgada. Tendo em conta a anterioridade do processo de ocupação madeirense e o facto de o código de posturas funchalense ser o mais antigo, é natural que este tenha influenciado, de forma importante, a elaboração das de Angra e Ponta Delgada. Confirma-se assim que a influência do modelo institucional madeirense foi decisiva para a organização da estrutura institucional açoriana e que essa não se limitou aos aspetos formais. É de salientar o número significativo de posturas específicas de cada município que, a par da maior incidência em alguns domínios, se diferenciam dessa realidade. Estas situam-se maioritariamente no domínio da agricultura e da produção artesanal, aspetos típicos do múltiplo processo de desenvolvimento socioeconómico de cada município ou ilha. Um dos seus traços mais peculiares assenta nos sectores da faina açucareira, do pastel, do pascer do gado e do aproveitamento dos recursos do meio. As situações resultantes dessas formas variadas de exploração dos recursos implicavam uma maior atenção do legislador local, até porque não se encontravam situações similares em Lisboa. Nesta última cidade, insistia-se mais no asseio do espaço urbano e na atividade oficinal e de troca do que na faina agrícola. Os códigos de posturas das novas sociedades do Atlântico português resultaram de uma simbiose das ordenações régias com os usos e costumes de cada burgo, como ficou exposto. A influência das posturas do reino ter-se-á verificado nos primórdios da criação destas novas sociedades, mercê da transplantação das normas de sociabilidade continental e dos usos e costumes dos locais de origem dos primeiros povoadores. Naturalmente, o devir do processo histórico condicionou uma evolução peculiar destas sociedades, o que conduziu a uma sistematização original deste direito nas ilhas, algo evidente nas posturas insulares, sobretudo, quinhentistas e seiscentistas. De facto, o código de posturas insulares dos sécs. XV e XVI surge como a expressão mais lídima do direito local do novo mundo. A sua elaboração fez-se, pois, de acordo com as condições subjacentes à criação das novas sociedades insulares e atlânticas. Convém referenciar, ainda, que, se considerarmos as posturas como reflexo das manifestações multiformes da vivência socioeconómica, será lógico admitir uma diversa formulação em relação ao articulado das cidades litorais e interiores do continente. Assim, as cambiantes peculiares da mundividência insular definem, como vimos, o código e articulado das posturas insulares. Confrontadas as posturas das ilhas portuguesas com as das Canárias, neste domínio, surgem algumas diferenças pontuais, pois o direito municipal não se adequa à relativa autonomia definida pelos alvarás e regimentos régios. Deste modo, na Madeira e nos Açores, onde as autoridades locais usufruíam de amplos poderes e a sua capacidade legislativa estava entravada pela insistência das ordenações régias e regimentos, o legislador (açoriano-madeirense) foi forçado a afinar pelo mesmo diapasão peninsular, submetendo-se ao articulado das posturas de Lisboa. Ao invés, nas Canárias, os munícipes beneficiavam de ampla capacidade legislativa, elaborando o código de posturas de acordo com as solicitações da vida local. Esse rasgo de originalidade acentuou-se, em todos os municípios, apenas no domínio socioeconómico.   Alberto Vieira (atualizado a 15.02.2018)

Direito e Política

portão dos varadouros

Antiga entrada da cidade, o portão foi construído em 1689, no tempo do governador D. Lourenço de Almada, na muralha defensiva do Funchal. A partir do séc. XIX, sobretudo quando a entrada da cidade passou para junto do palácio e fortaleza de S. Lourenço, foi perdendo progressivamente o interesse. Foi demolido, entre abril e maio de 1911, na sequência da implantação da República e das questões de poder entre os novos e os velhos grupos de republicanos. Acabou por ser reposto no mesmo local, quase 100 anos depois, em setembro de 2004, no quadro do início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal. Palavras-chave: defesa; muralhas; República; anticlericalismo.   O portão dos Varadouros, antiga entrada da cidade, foi construído em 1689, no tempo do Gov. D. Lourenço de Almada (1645-1729) e encerrou aparatosamente a muralha defensiva do Funchal. Deixou de ter interesse, progressivamente, a partir dos inícios do séc. XIX, sobretudo dos meados da centúria, quando a entrada da cidade passou para junto do palácio e fortaleza de S. Lourenço, na sequência das obras do cais regional. Com a implantação da República e as questões de poder entre os novos e os velhos grupos republicanos, foi demolido, entre abril e maio de 1911. Acabou por ser reposto no mesmo local, quase 100 anos depois, em setembro de 2004, no quadro do início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal. Portão dos Varadouros. Arquivo Rui Carita O regimento de fortificação de 1572, logo após o preâmbulo, definia muito concretamente a espessura das muralhas, a maneira de as fazer (de forma a resistirem ao clima marítimo) e o número de portas que a cintura deveria ter (Muralhas da cidade). Assim, o número de portas estabelecido era cinco: duas para serventia do mar, entre a fortaleza existente e a da Pç. do Pelourinho, e três para serviço da cidade, uma junto à ponte de N.ª Sr.ª do Calhau, outra junto às casas de Gaspar Correia, a poente da fortaleza, e a última junto a S. Paulo, na entrada da R. da Carreira, por onde haviam surgido os corsários franceses. O regimento remata com a indicação: “E não haverá mais portas” (ARM, Câmara..., Registo Geral, tombo 2, fl. 140v.). A muralha estaria sumariamente levantada na primeira metade do séc. XVII, com as portas indicadas em cima. Citando o cronista Gaspar Frutuoso, por volta de 1590, “no muro da banda do mar tem uma porta de serventia, junto de Nossa Senhora do Calhau, e outra, mais no meio da cidade, junto dos açougues, e outra, que é a mais principal, aos Varadouros, defronte da rua dos Mercadores” (FRUTUOSO, 1968, 111), mais tarde, da Alfândega. Mas nem a muralha nem a porta estavam prontas, concluindo-se quase 100 anos depois. Ao longo da segunda metade do séc. XVII, terminou-se, com dificuldade, o troço da frente mar da muralha, entre as fortalezas de S. Filipe do Lg. do Pelourinho e de S.to António da Alfândega (Reduto da Alfândega). Embora ao longo desse século vários governadores e provedores da Fazenda, como António Nunes Leite (em referência ao ano de 1621), escrevessem que “toda a cidade estava murada” (ANTT, Corpo Cronológico, parte I, mç. 118, doc. 151), a verdade é que não foi bem assim. O espaço compreendido entre as fortificações mencionadas, onde se situava o cabrestante, os açougues e o mercado municipal de peixe, não possuía muro de defesa na verdadeira aceção da palavra. A muralha era então constituída pelos muros das próprias casas, com uma ou outra obra mais ou menos improvisada, como se veio a afirmar. Com efeito, em carta enviada em 1664 pelo provedor Ambrósio Vieira de Andrade, considerando o emprego do dinheiro atribuído às fortificações, o autor refere que quando o Gov. Diogo de Mendonça Furtado (c. 1620-c. 1680) chegara ao Funchal, em 1660, não havia muralha alguma na frente mar, tendo-se até enviado um rascunho do que deveria ser feito para Lisboa, documento que não chegou até nós. Portão dos Varadouros. Arquivo Rui Carita Não sabemos qual foi a resposta enviada ao pedido de 1664, pois só temos informações a esse respeito mais de 20 anos depois. Com efeito, em setembro de 1688, a corte insistiu para que fossem concluídos os “fortes e com boa posição” (ANTT, Provedoria..., liv. 968, fl. 61), iniciando-se então as obras, sob o Gov. João da Costa de Brito (c. 1640-c. 1700), com a indicação de que fossem auscultados os oficiais de guerra mais práticos no assunto. Nesse documento, foi ainda feita uma chamada de atenção para os vários redutos e plataformas que necessitavam de reparo e outros elementos que poderiam precisar de ser revistos ou totalmente reconstruídos. Durante a vigência do governador seguinte, D. Lourenço de Almada, houve uma nova insistência de Lisboa no sentido de se concluírem as intermináveis obras da fortificação do Funchal. Terá sido neste contexto que, em março de 1689, certos técnicos continentais aportaram à cidade: o Cap. de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e um ajudante, o estudante de engenharia Manuel Gomes Ferreira, que completaram finalmente a muralha da frente mar da cidade e construíram um portão dentro do gosto maneirista internacional, justamente, o portão dos Varadouros. Este portão representa um certo empolamento para a cidade do Funchal, embora tenha um desenho muito simples, em comparação com os inúmeros portões congéneres levantados por essa época nas praças-fortes continentais. Apresenta dois pares de colunas meias-colunas de cada lado da porta, esta com um arco de volta perfeita e as armas do Funchal ao centro; tem ainda cornija e um largo frontão redondo, encimado pelas armas reais. Sob estas, encontra-se uma inscrição em latim: “Perfecta haec varii praefecti / maenia frusta, praeteriti cu / piunt tempore quisque suo, sed / domino Laurentio ea est seruata / voluptas. D. Almada qui istud fi / ne coronat opus. Anno 1689”, que pode ser traduzir por: “Cada um dos antecedentes governadores de balde se esforçou por concluir estas muralhas; ao senhor Lourenço de Almada estava reservada a satisfação da sua conclusão. Ano de 1689” (SILVA e MENESES, II, 1998, 467). Portão dos Varadouros, 1909. Arquivo Rui Carita O Elucidário Madeirense indica que era por este portão que os governadores e prelados faziam a sua entrada solene na cidade e que tal cerimónia se “revestia sempre de extraordinário luzimento, com a presença do elemento oficial, todas as tropas da guarnição, as pessoas mais gradas da terra, o clero, fidalgos, cavaleiros e muito povo” (Id., Ibid., 468), algo repetido depois por outros autores. Não encontrámos, no entanto, registo coevo de tais cerimónias, nomeadamente na correspondência dos governadores e dos bispos alusivas à sua chegada à Ilha. Assim, a terem acontecido nos moldes descritos, terão sido entradas de carácter excecional. Com a implantação da República, o portão foi alvo de complicada polémica, pretendendo os mais novos a sua demolição imediata, alegando a necessidade de limpeza da área. Efetivamente, grassava na cidade uma epidemia de cólera, mas as razões para esse ato iconoclasta eram essencialmente políticas. O portão ostentava as armas reais e possuía, em anexo, uma pequena capela dedicada a N.ª Sr.ª do Monte dos Varadouros, tudo elementos que os republicanos mais novos queriam fazer desaparecer rapidamente. Os mais velhos, como era o caso do Gov. civil Manuel Augusto Martins (1867-1936), aconselhavam alguma contenção, mas, entre abril e maio de 1911, na preparação das primeiras e polémicas eleições republicanas, efetuadas a 28 de maio daquele ano, o portão foi demolido. As pedras foram guardadas nas arrecadações camarárias, transitando depois para as arrecadações do palácio de S. Pedro (Palácios) e, mais tarde, para o parque arqueológico do Museu Quinta das Cruzes. O recheio da capela, com o retábulo e a imagem de N.ª Sr.ª do Monte, foi entregue à Sé do Funchal, encontrando-se a capela remontada na antiga sacristia desta Catedral, sob a sua torre sineira (Sé do Funchal). Rua da Praia e Varadouros. Arquivo Rui Carita A ideia de remontar o portão foi ensaiada várias vezes pela Câmara Municipal do Funchal, tendo-se iniciado o estudo da recolocação dos materiais e executado os desenhos prévios em junho de 1993. O projeto levantou então alguma polémica, pelo que, somente em setembro de 2004, em parceria com entidades privadas, foi levada a cabo a remontagem, no âmbito e no início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal.     Rui Carita (atualizado a 18.02.2018)

Património

avifauna

As aves são animais vertebrados com o corpo coberto de penas; possuem bico e membros anteriores transformados em asas. Tem sido grande o interesse manifestado por numerosos naturalistas e investigadores pela avifauna do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens. No entanto, tendo em conta esse facto, a bibliografia existente tem ficado um pouco aquém do esperado. Na realidade, faltam estudos de ecologia, de sistemática e de outros aspetos biológicos. As primeiras referências às aves da Madeira são de Ca’ da Mosto (1455) e de Frutuoso (1590), às quais se acrescentam, bastantes anos mais tarde, as de Sloane (1707), em que são apresentadas pequenas listas de aves observadas. Em 1851, surge a primeira lista, propriamente dita, de aves do arquipélago da Madeira, elaborada por Harcourt. Do séc. XIX, há ainda a referir o trabalho de Hartwig, “Die Voegel der Madeira Inselgruppe” (1891). Na transição do séc. XIX para o séc. XX, surgem vários trabalhos do P.e Ernesto Schmitz, provavelmente um dos estudiosos que mais contribuiu para o conhecimento da avifauna madeirense (Zoólogos e Naturalistas Zoólogos). Já em pleno séc. XX, foram vários os trabalhos publicados, entre os quais se destaca o livro, em quatro volumes, escrito por David Bannerman e Winifred Mary Bannerman, intitulado Birds of the Atlantic Islands; esta obra, dedicada à avifauna da Macaronésia, aborda as aves das ilhas Selvagens no primeiro volume (do ano de 1963 e da autoria de David Bannerman apenas) e as aves das ilhas da Madeira, Desertas e do Porto Santo no segundo volume (do ano de 1965); ultrapassa, de longe, em termos de conteúdo, os trabalhos anteriores, que consistiam essencialmente em listas de aves e em referências a locais de observação; nela, além da listagem das espécies nidificantes e visitantes ocasionais, são incluídos aspetos relevantes referentes à distribuição, à taxonomia e à ecologia. Após este trabalho de referência, aumentou o número de publicações sobre aves (e de autores nesta área), os quais abordam vários aspetos da biologia, do comportamento, da distribuição, da taxonomia e da conservação das aves no arquipélago da Madeira (e.g., o Guia de Campo das Aves do Parque Ecológico do Funchal e do Arquipélago da Madeira, publicado em 1997 pela Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, da autoria de Duarte Câmara, e A Conservação e Gestão das Aves do Arquipélago da Madeira, publicado pelo Parque Natural da Madeira (PNM) em 1999, da autoria de Paulo Oliveira). Vários outros trabalhos foram publicados na segunda metade do séc. XX e nos inícios do séc. XXI (v.g., o artigo “Birds of the Archipelago of Madeira and the Selvagens. New Records and Checklist”, publicado por Francis Zino, Manuel Biscoito e Paul Alexander Zino e pelos seus colaboradores, em 1995, que veio atualizar a lista das aves nidificantes de Bernstrom, de 1957). Esta lista, por sua vez, é atualizada, em 2010, num trabalho de Hugo Romano, Catarina Correia-Fagundes, Francis Zino e Manuel Biscoito. Importante é também o livro Aves do Arquipélago da Madeira, de Manuel Biscoito e Francis Zino, publicado em 2002. The EBCC Atlas of European Breeding Birds (Atlas das Aves Nidificantes na Europa), publicado em 1997 pelo European Bird Census Council, referia as aves dos arquipélagos da Madeira e Selvagens. Em 2011, o ornitólogo Garcia-del-Rey publicou o livro Field Guide to the Birds of Macaronesia. Azores, Madeira, Canary Islands, Cape Verde, relevante para o conhecimento e a divulgação da avifauna macaronésica. Outro livro a referir é o da autoria de Tony Clarke, intitulado Birds of the Atlantic Islands, publicado em 2006. Existe uma página na Internet, Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, que é mantida pelo Serviço do PNM e pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves. O número de espécies de aves nidificantes nos arquipélagos da Madeira e Selvagens ronda as quatro dezenas, mas, se considerarmos as espécies migradoras e as ocasionais, o número ultrapassa as 300 espécies. Destacam-se quatro espécies pelo seu carácter endémico: Pterodroma madeira, Pterodroma deserta, Columba trocaz e Regulus madeirensis. As aves marinhas são, nalguns casos, difíceis de observar junto à costa durante o dia. Geralmente, aproximam-se da costa ao anoitecer e durante a nidificação, sendo que pelo menos um dos progenitores está escondido no ninho durante este período. Durante a sua evolução, estas aves escolheram ilhas como locais de nidificação por não existirem predadores nelas. Com a chegada do Homem a muitas destas ilhas, chegaram também com ele vários predadores, entre os quais se destacam as ratazanas e os murganhos. Desde então, são inúmeras as espécies e populações de aves marinhas que enfrentam o perigo de extinção. As aves marinhas mais comuns nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens são: Freira-da-madeira (Pterodroma madeira (Mathews, 1934)), também conhecida como alma-penada do-cidrão, devido aos sons que emite, semelhantes a uivos, inclui-se na família Procellariidae, ordem Procellariiformes. É muito parecida com a freira-do-bugio e com o gongon das ilhas de Cabo Verde. É uma ave endémica da ilha da Madeira e encontra-se em perigo de extinção. Já o P.e Ernesto Schmitz referia a sua presença na Ilha em 1903; no entanto, posteriormente, e durante muito tempo, foi dada como extinta, sendo “redescoberta” em meados do séc. XX. Vários aspetos da sua biologia são ainda pouco conhecidos. Com um comprimento total entre 32 e 34 cm e envergadura entre 80 e 86 cm, é mais pequena, mais leve, e possui bico e asas menores do que a freira-do-bugio. É uma ave com bico curto, grosso e escuro. É cinzento-escura no dorso e mais clara na fronte. Em voo, nota-se que a região ventral é clara e os bordos da cauda são escuros. A cauda é clara. As asas formam um V pronunciado e a parte inferior e interna das asas é escura. Isto diferencia-a de outras aves, exceto da freira-do-bugio (Pterodroma deserta). Nidifica essencialmente no maciço montanhoso central da Madeira, uma zona de proteção especial (ZPE) integrada na Rede Natura 2000. Chega a esta zona normalmente em fevereiro ou março; entre março e abril, limpa o ninho, volta em seguida ao mar, e só depois retorna para fazer a postura – este fenómeno é designado por êxodo pré-postura. Um único ovo é posto em maio, em túneis geralmente não retilíneos com mais de 1 m de comprimento, construídos em solo fofo nas encostas escarpadas dos picos mais altos. Nesta espécie, os machos e as fêmeas alternam na incubação. Deixa o ninho em setembro ou outubro. As crias nascidas nesse ano só atingem a maturidade ao fim de seis anos. O efetivo é muito baixo – 60 a 75 casais reprodutores (de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira) –, tendo eventualmente ocorrido alguma redução do mesmo aquando dos incêndios de 2012. É uma das aves mais ameaçadas de extinção, tendo o estatuto de conservação “em perigo” (nos termos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), de setembro de 2012). Têm sido realizados vários esforços com vista à proteção da ave – Alexander Zino e João Gouveia, juntamente com Gunther Maul e Francis Zino, deram os primeiros passos neste sentido com o Freira Conservation Project. Programas LIFE e outros projetos têm decorrido e envolvido a recuperação do habitat, a eliminação de vertebrados exóticos (gatos, ratos, coelhos) e a compra de terrenos nos picos mais altos. As principais ameaças à sobrevivência da freira-da-madeira são a predação de ovos e de juvenis pelos gatos e ratos e a destruição do coberto vegetal pelos herbívoros introduzidos (que leva à erosão dos solos e, consequentemente, à redução da área potencialmente apropriada à construção dos ninhos). No passado, os colecionadores de ovos e de aves constituíam uma ameaça de peso. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. O seu habitat consta do anexo I da diretiva “Habitats”. O local onde nidifica está inserido no PNM e é uma zona da Rede Natura 2000. Apesar dos avanços no conhecimento da espécie, muito há ainda por conhecer, nomeadamente sobre a distribuição espacial da ave ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno. Freira-do-bugio (Pterodroma deserta (Mathews, 1934)). Ave da família Procellariidae, ordem Procellariiformes. Nidifica apenas nas Desertas (na ilha do Bugio e, possivelmente, na extremidade sul da Deserta Grande). É muito semelhante à freira-da-madeira. Tem entre 33 e 36 cm de comprimento total e entre 86 e 94 cm de envergadura. É cinzento-escura no dorso e mais clara na região ventral e na fronte. Em voo, as asas formam um V pronunciado e nota-se que a parte inferior e interna das asas é escura – isto diferencia-a de outras aves, exceto da freira-da-madeira. Nidifica entre junho e dezembro, em ninhos escavados no solo, formando túneis não retilíneos, alguns com mais de 2 m; ocasionalmente, pode nidificar em cavidades nas rochas ou em zonas com pedras soltas. Outrora, as populações nidificantes da ilha do Bugio e de algumas ilhas de Cabo Verde (Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo) eram incluídas na mesma espécie (Pterodroma feae); durante anos, considerou-se existirem duas subespécies, a Pterodroma feae feae, nidificando em Cabo Verde, e a Pterodroma feae deserta, no Bugio. Em 2009, no âmbito do Projeto LIFE SOS Freira-do-Bugio, foram realizados estudos, utilizando marcadores genéticos moleculares, que demonstraram não haver indícios de cruzamento entre as formas do Bugio e de Cabo Verde e que a distância genética conseguia ser maior do que a existente entre alguns pares de outras espécies definidas. Por isto, as duas formas passaram a ser consideradas espécies distintas, Pterodroma feae e Pterodroma deserta. Segundo o Atlas das Aves das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 160 e 180 casais reprodutores e a população é aparentemente estável. Este número é muito baixo. Tendo em conta a área muito reduzida de nidificação (<20 km2 numa única localização), esta ave é, provavelmente, tal como a freira-da-madeira, uma das espécies que apresenta maior risco de extinção na Macaronésia e na Europa. O estatuto de conservação é “vulnerável”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. As principais ameaças à sobrevivência da espécie são, além da reduzida área de nidificação, a degradação do habitat e a perturbação das aves por animais introduzidos (como os murganhos, as cabras e os coelhos). O aumento da população de cagarra poderá constituir um perigo (dado que esta espécie poderá competir com a freira-do-bugio pelos lugares de nidificação), bem como a poluição em alto mar. Até à criação da Reserva Natural das Desertas em 1990, a captura ilegal constituía um risco significativo. Após esta data, as ameaças a esta espécie têm sido progressivamente debeladas pelo Serviço do PNM por meio de programas específicos focados na conservação da espécie e do seu habitat. Em 2006, foi iniciado o Projeto SOS Freira-do-Bugio, do Programa LIFE-Natureza, que envolveu, entre outras tarefas, a retirada dos herbívoros introduzidos e a colocação de ninhos artificiais. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna e do anexo I da diretiva “Aves”. O local onde nidifica é reserva integral e é uma zona da Rede Natura 2000. Tal como acontece no caso da freira-da-madeira, apesar dos avanços no conhecimento da espécie, muito há ainda por saber acerca dela (designadamente sobre a sua distribuição espacial ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno). Cagarra ou pardela-de-bico-amarelo (Calonectris diomedea borealis (Cory, 1881)). Em algumas obras, como no já mencionado Field Guide to the Birds of Macaronesia, de Eduardo Garcia-del-Rey, e na base de dados Avibase, disponível online, há uma alteração de nome, sendo considerada como Calonectris borealis. Inclui-se na família Procellariidae e na ordem Procellariiformes. É a ave marinha mais avistada entre março e novembro nos mares do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens, nidificando em todas as suas ilhas. Tem cerca de 50 cm de comprimento total, sendo a ave marinha de maior porte dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens, e é facilmente identificável pelo seu voo rápido e planado, rente às ondas. As asas longas diferenciam-na da gaivota; outra característica que a diferencia de outras aves marinhas que nidificam nestes arquipélagos é a cor amarela do seu bico. Esta ave é branca nas superfícies inferiores e acastanhada nas superiores. Nidifica em cavidades de rochas e por baixo de grandes pedras, nas falésias rochosas ou nos planaltos; nas ilhas Selvagens, nidifica também no solo, entre a vegetação rasteira. A postura compreende apenas um ovo, do qual eclode uma ave que só atingirá a maturidade ao fim de nove anos. Entre dezembro e fevereiro encontra-se no hemisfério Sul, perto da costa nordeste do Brasil. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira existem, no mínimo, 40.000 indivíduos, amplamente concentrados nas ilhas Selvagens (38.000 indivíduos). Embora não seja considerada uma ave ameaçada, a captura ilegal, a destruição do habitat e a predação por gatos e ratos constituem fatores limitantes da espécie. De acordo com o Livro Vermelho e a IUCN, o seu estatuto é “pouco preocupante”. Na Madeira, alguns locais de nidificação da cagarra estão em áreas do PNM e são zonas da Rede Natura 2000. Esta ave faz parte do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Durante muito tempo, a cagarra foi caçada, principalmente nas ilhas Desertas e nas Selvagens; segundo o Elucidário Madeirense, eram capturados, por homens de São Gonçalo e do Caniço, cerca de 18.000 indivíduos por ano nas Selvagens. A cagarra era salgada e levada para a Madeira para ser vendida às classes mais desfavorecidas; as suas penas eram utilizadas sobretudo no fabrico de colchões. A última expedição para a captura de cagarra nas ilhas Selvagens partiu do Funchal a 15 de setembro de 1967. A caça à cagarra foi proibida. Patagarro (Puffinus puffinus puffinus (Brunnich, 1764), ou simplesmente Puffinus puffinus (Brunnich, 1764)). Também conhecido como fura-bucho, pardela-sombria, estapagado, papagarro e boieiro; alguns destes nomes são designações onomatopeicas, que imitam os sons característicos desta ave. Pertence à família Procellariidae, ordem Procellariiformes. Distribui-se pelos arquipélagos da Madeira, das Canárias e dos Açores, ilhas Britânicas, costa da Bretanha, Islândia e ilhas Faroé. No arquipélago da Madeira, o patagarro nidifica apenas na ilha da Madeira, em particular nas encostas da ribeira de Santa Luzia, mas também noutras regiões do interior, em vales profundos, em zonas húmidas e cobertas de vegetação, podendo atingir altitudes muito elevadas. O patagarro é negro no dorso e branco nas partes ventrais; o seu bico é longo, preto e direito. O patagarro é frequentemente confundido com o pintainho (Puffinus baroli), diferindo dele pela plumagem preta da cabeça, que desce até abaixo dos olhos (a pelagem que rodeia os olhos do pintainho é branca). Normalmente, o patagarro chega à ilha da Madeira em fevereiro ou março, altura em que começa a escavar e a limpar as tocas (chegando estas a ter mais de 1 m de comprimento). Às vezes, mal chega, parte novamente (êxodo pré-postura). Julga-se que o principal objetivo deste comportamento é a acumulação de reservas para os períodos de incubação do ovo, alternados, entre macho e fêmea, de quatro ou cinco dias de jejum. Por regra, parte em agosto. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 2500 e 10.000 indivíduos. Um dos perigos para o patagarro é a predação por ratos e gatos. No passado, a captura e a perseguição ilegais representavam uma ameaça importante. Segundo a crença popular, era uma ave de mau agoiro: haveria uma morte entre os moradores de uma habitação sempre que um patagarro pousasse sobre ela. Alguns locais onde esta subespécie ocorre fazem parte de zonas da Rede Natura 2000 e do PNM. Alguns dos habitats constam do anexo i da diretiva “Habitats”; a ave está no anexo II da Convenção de Berna. Fig. 1 – Fotografia de patagarro (Puffinus puffinus puffinus). Funchal. Fonte: © José Jesus Pintainho (Puffinus baroli (Bonaparte, 1857)). Considerado por alguns cientistas como a subespécie Puffinus assimilis baroli, é uma ave da familia Procellariidae, ordem Procellariiformes. É uma ave endémica da Macaronésia, sendo que nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens nidifica nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Desertas e Selvagens. Tem patas azuis, dorso muito escuro e ventre claro. O pintainho poderá ser confundido com o patagarro; no entanto, diferencia-se dele pelo facto de a plumagem preta da cabeça não rodear os olhos e por estes serem no pintainho mais pequenos. O voo caracteriza-se por batimentos frequentes das asas. Nidifica entre janeiro e junho em cavidades de rochas ou por baixo de pedras soltas, nas falésias de pequenas ilhas e ilhéus. Geralmente, está presente na área durante quase todo o ano, não se afastando muito dos locais de nidificação. Ocorre em maior número nas ilhas Selvagens (estima-se que haja mais de 2000 casais) e em muito menor número nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. O seu estatuto de conservação é “vulnerável” no arquipélago da Madeira. A predação por espécies introduzidas pelo Homem poderá representar a principal ameaça à sua sobrevivência; no entanto, em alguns dos locais onde existe (e.g., nas Selvagens) essa ameaça foi debelada pela erradicação de vertebrados introduzidos. A proteção do pintainho é garantida pelo facto de ocorrer em áreas de reserva integral e da Rede Natura 2000 e por estar sob vigilância permanente nas ilhas Desertas e Selvagens. Esta ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Alma-negra (Bulweria bulwerii (Jardine & Selby, 1828)). Ave da família Procellariidae, ordem Procellariiformes, apresenta uma ampla distribuição mundial, ocorrendo desde a Macaronésia ao Havai. Na Macaronésia, nidifica nos arquipélagos da Madeira, das Selvagens, dos Açores, das Canárias e de Cabo Verde. Trata-se da ave marinha de menor porte do arquipélago da Madeira. Completamente negra e com asas pontiagudas (de grande envergadura em relação ao tamanho do corpo), apresenta um voo rápido e planado. Entre abril e setembro nidifica em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras. A postura consiste em apenas num ovo, que é posto no chão, em buracos no solo ou em cavidades nas rochas, por baixo de grandes pedras e em muros artificiais. Nas ilhas Desertas e Selvagens, existem mais de 10.000 casais, sendo provavelmente as Desertas o lugar com a maior concentração mundial de indivíduos (no entanto, pouco se sabe sobre o número de aves que poderá ocorrer na Madeira e em Porto Santo). Antes dos programas de recuperação de habitats das Desertas e Selvagens, os ratos constituíam um sério perigo para a sobrevivência da espécie, assim como a captura de juvenis para servirem como isco (prática entretanto extinta). Os ratos, os gatos e as gaivotas constituem ameaças em algumas áreas não sujeitas a programas de recuperação. Já em finais do séc. XX, inícios do séc. XXI, uma ameaça, a formiga-argentina, cresceu e começou a tornar-se preocupante, principalmente nas Desertas. A elevada pressão turística, a degradação do habitat e a erosão dos solos constituem também importantes fatores de risco. O maior número de aves que ocorre e nidifica no arquipélago da Madeira concentra-se em zonas de reserva integral e da Rede Natura 2000. Esta espécie consta do anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Roque-de-castro, paínho-da-madeira, roquinho ou angelito (Hydrobates castro (Harcout, 1851)). Ave da família Hydrobatidae, ordem Procellariiformes. A nível mundial, distribui-se entre as regiões tropicais do Pacífico e do Atlântico, ocupando áreas como o arquipélago da Madeira, o arquipélago das Selvagens e outros arquipélagos da Macaronésia, as ilhas de Ascensão e de Santa Helena, os arquipélagos das Galápagos e do Havai. Trata-se de uma ave de pequeno porte, de coloração negra e com uma faixa branca no uropígio, sendo a cauda ligeiramente bifurcada. No arquipélago da Madeira, existem duas populações com tempos de nidificação diferentes (verão e inverno) e este facto poderá corresponder à coexistência de duas espécies, a exemplo do que acontece nos Açores. No arquipélago dos Açores, o grupo que nidifica no verão tem a designação de Hydrobates monteiroi (Bolton et al., 2008), sendo que o outro se denomina Hydrobates castro. A população total nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens poderá ser superior a 10.000 indivíduos. A postura (de um ovo), em ninhos, é efetuada em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras e muros de pedra artificiais; nas Selvagens, o roque-de-castro utiliza também ninhos de calcamar abandonados. As principais ameaças à sobrevivência da espécie são a iluminação artificial existente ao longo a costa (principalmente na ilha da Madeira), a predação por animais exóticos (como os ratos) e a perda do habitat em algumas áreas da sua ocorrência. Boa parte da área em que ocorre é reserva integral e corresponde a zonas da Rede Natura 2000. A espécie está incluída no anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Calcamar (Pelagodroma marina hypoleuca (Webb, Berthelot & Mouquin-Tandon, 1841)). Esta ave, da família Hydrobatidae, ordem Procellariiformes, é uma subespécie endémica da Macaronésia e ocorre no arquipélago das Canárias e no arquipélago das Selvagens (as ilhas Selvagens constituem o extremo norte da sua distribuição geográfica). É a ave que nidifica em maior número no arquipélago das Selvagens, fazendo-o na primavera, em ninhos profundos escavados no solo. Chega geralmente após o fim do inverno, abandonando as ilhas entre junho e agosto. A postura é constituída por um ovo apenas. Trata-se de uma ave de pequeno porte com o dorso muito escuro e ventre claro. A plumagem do topo superior da cabeça é escura; já as penas em redor dos olhos são brancas, apresentando uma marca linear escura “transversal” ao olho. As patas são amarelas e longas. O seu nome deve-se ao seu voo característico (a ave parece calcar o mar). O efetivo populacional deverá ser superior a 36.000 indivíduos na Selvagem Grande e a 25.000 na Selvagem Pequena, o que representa a quase totalidade da população europeia da espécie. No passado, antes da recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande, que incluiu a erradicação dos murganhos e coelhos, a predação pelos ratinhos constituía uma ameaça muito importante à sobrevivência da espécie. As áreas de nidificação no arquipélago são reservas integrais e constituem zonas da Rede Natura 2000. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Apesar da sua abundância e da sua importância, as aves marinhas são muito menos observadas durante o dia do que as aves terrestres. Efetivamente, quem está nas ilhas da Madeira e do Porto Santo observa muito mais aves terrestres do que marinhas. Entre as aves terrestres, destacam-se as seguintes: Pombo-trocaz ou pombo-da-madeira (Columba trocaz Heineken, 1829). Trata-se de uma ave da família Columbidae, ordem Columbiformes, endémica da Madeira. De aspeto corpulento, tem entre 38 e 45 cm de comprimento, sendo maior do que pombo-das-rochas. É facilmente identificável pela cor cinzento-azulada, tendo o peito tons de cor de vinho, bico vermelho-vivo, patas de cor carmim (com dedos bastante compridos) e barra clara na cauda (visível à distância). As penas do pescoço apresentam um brilho metálico esverdeado. A fêmea é ligeiramente mais pequena e menos corpulenta do que o macho. Tem como espécies próximas a Columba junoniae, a Columba bollii (ambas das ilhas Canárias) e a Columba palumbus (Europa). Habita essencialmente a laurissilva, mas desce com frequência até aos campos agrícolas, onde provoca grandes danos. Fósseis encontrados na Ponta de São Lourenço sugerem que tinha maior área de distribuição no passado. A sua dieta é muito variada, consistindo em partes de pelo menos 40 espécies de plantas (v.g., bagas de loureiro e de til, agrião selvagem) e ainda em várias plantas cultivadas (e.g., couves). O facto de várias sementes se manterem viáveis, i.e., com capacidade germinativa, após passarem pelo trato digestivo sugere uma ação importante do pombo na dispersão de plantas. Esta espécie nidifica durante todo o ano, sobretudo em alturas em que há alimento suficiente no período entre março e junho. No ninho, camuflado ou escondido numa laje de uma rocha ou numa árvore, é posto geralmente um ovo por casal. Em 2009, existiam entre 8500 e 10.000 indivíduos. Em 2005, o estatuto de conservação desta espécie era “vulnerável”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal; no entanto, como em 2011 foi confirmada a diminuição do grau de ameaça, o estatuto de conservação passou a “pouco preocupante”. O envenenamento, a captura ilegal e a destruição do habitat da laurissilva constituem riscos para a sua sobrevivência. Esta espécie foi caçada legalmente até 1989, ano a partir do qual passou a ter proteção integral. De acordo com o relato da obra Ilhas de Zargo, a espécie era, no passado, vendida no mercado, sendo a sua carne de excelente qualidade. O Instituto das Florestas e Conservação da Natureza realiza sessões de abate com o objetivo do controle populacional, pois de vez em quando a população aumenta de tal forma que se torna uma praga nos campos agrícolas. Do ponto de vista da proteção, a espécie consta do anexo I da diretiva “Aves” (ao abrigo desta diretiva, o seu habitat, a laurissilva, foi proposto para zona de proteção especial (ZPE)). Grande parte da sua área de distribuição está incluída nas reservas naturais integrais e parciais do PNM e abrange sítios da Rede Natura 2000. O pombo-trocaz foi espécie-alvo de dois projetos LIFE: “Medidas para a Gestão e Conservação da Floresta Laurissilva da Madeira” e “Recuperação de Espécies e Habitats Prioritários da Madeira”. Fig. 2 – Fotografia de pombo-trocaz (Columba trocaz). Espécie endémica da ilha da Madeira. Ribeiro Frio. Fonte: © Carlos Góis-Marques Pombo-claro ou pombo-torcaz (Columba palumbus maderensis, Tschusi, 1904). É uma subespécie endémica que é dada como extinta. Ainda existia no início do séc. XX, tendo o P.e Ernst Schmitz capturado alguns indivíduos. Habitava as montanhas da Madeira, onde fazia ninho nas árvores. Era semelhante às populações europeias da espécie, Columba palumbus, mas um pouco mais escura dorsalmente e com a mancha púrpura do peito maior. Uma das causas de extinção terá sido a caça intensa. Pombo-bravo (Columba livia atlantis, (Bannermann, 1931)). (Espécies cinegéticas e caça). Galinhola (Scolopax rusticola, (Linnaeus, 1758)). (Espécies cinegéticas e caça). Codorniz (Coturnix coturnix confisa, (Hartert, 1917)). (Espécies cinegéticas e caça). Bis-bis (Regulus madeirensis, (Harcourt, 1851)). Trata-se de uma ave da família Regulidae, ordem Passeriformes. É endémica da ilha da Madeira. Existem dúvidas sobre a sua presença e nidificação no Porto Santo. É a ave nidificante mais pequena do arquipélago da Madeira, medindo aproximadamente 8,5 cm de comprimento total. É facilmente identificável pelo tamanho, mas também por ter cabeça listada e pelo seu trino característico (nota aguda e curta, repetida várias vezes). O macho tem a lista da cabeça alaranjada, ao passo que a da fêmea é amarela. Habita essencialmente áreas de maior altitude. Na costa Norte, onde parece ser mais abundante, pode ser encontrada a altitudes menores; aparece com frequência em zonas de floresta indígena, mista e exótica, por vezes em terrenos agrícolas ou áreas rurais; mas é mais comum em zonas de urzais. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população deverá exceder os 10.000 indivíduos. Nidifica em arbustos, em ninhos formados por musgo e líquenes, geralmente nos meses de maio e junho. É essencialmente insectívora. Esta ave consta do anexo II da Convenção de Berna; algumas das áreas onde ocorre são zonas da Rede Natura 2000 e/ou do PNM. Fig. 3 – Fotografia de bis-bis (Regulus madeirensi). Espécie endémica da ilha da Madeira. Bica da Cana, Paúl da Serra, dez. 2011. Fonte: © José Jesus Pardal-da-terra (Petronia petronia madeirensis (Erlanger, 1899)). É uma ave da família Passeridae, ordem Passeriformes. Petronia petronia petronia é a designação atribuída por alguns cientistas à subespécie na Madeira. Em razão desta indefinição de nomes, discute-se o seu estatuto de subespécie endémica da Macaronésia (Madeira, Porto Santo e Canárias). Tendo entre 15 e 17 cm de comprimento, esta ave apresenta cabeça larga e bico relativamente grosso. É de plumagem pardo-acastanhada, com regiões de castanho e branco-sujo no corpo, exibindo uma mancha amarela debaixo da garganta (observável em especial nos machos). Observam-se também listas escuras na zona da cabeça e manchas brancas nas penas exteriores da cauda, bem visíveis durante o voo, as quais lhe são características. Outrora abundante, nos começos do séc. XXI está representada por uma população muito reduzida (entre 250 e 2500 aves, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira). Mesmo em pequeno número, avistam-se alguns bandos, nomeadamente nas freguesias dos Prazeres e da Ponta do Pargo e na ilha do Porto Santo. Distribui-se por áreas abertas com vegetação rasteira, zonas rochosas, falésias sobre o mar e áreas cultivadas, sendo mais frequente nas regiões costeiras e nalguns pontos mais altos das ilhas. Nidifica entre os meses de fevereiro e junho. Alimenta-se essencialmente de sementes e insetos. Devido à sua dieta, esta ave poderá ter tido um impacto negativo sobre os campos agrícolas (ao nível dos grãos) – foi por este motivo que algumas câmaras tentaram combater a espécie. Assim, todos os anos, a Câmara Municipal do Porto Santo obrigava cada chefe de família a apresentar 25 cabeças de pardal durante o mês de junho. Estima-se que as principais ameaças sobre esta subespécie sejam a competição com outras espécies (como o pardal-espanhol) e a predação. O estatuto de conservação é “vulnerável”, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Lamentavelmente, desconhece-se o seu verdadeiro estatuto taxonómico, assim como vários aspetos da sua biologia, e não existe um plano de conservação dirigido a esta ave. A sua proteção é garantida pelo facto de algumas das áreas onde ocorre estarem incluídas no PNM e em áreas da Rede Natura 2000. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna. Fig. 4 – Fotografia de pardal-da-terra (Petronia petronia madeirensis). Porto Santo. Fonte: © José Jesus Pardal-espanhol (Passer hispaniolensis hipaniolensis (Temminck 1820)). Trata-se de uma ave da família Passeridae, ordem Passeriformes. A subespécie ocorre no Sul da Europa, no Norte de África, nas Canárias e em Cabo Verde. Nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, tem uma distribuição descontínua, vivendo em grupos. Prefere os habitats humanizados (jardins, praças urbanas, zonas agrícolas) e as áreas onde se misturam campos abandonados com vegetação rasteira. Esta ave apresenta dimorfismo sexual: o macho tem cabeça castanha, com partes laterais inferiores brancas e com a parte anterior do pescoço e peito negros, enquanto a fêmea é de coloração mais discreta, mais ou menos uniforme e castanha. O seu comprimento total situa-se entre os 14 e os 16 cm. Entre o final do séc. XX e os começos do séc. XXI, a população de pardal-espanhol decresceu significativamente na ilha da Madeira; no entanto, o Porto Santo manteve uma população numerosa, que deve superar largamente a estimativa de 250 a 2500 indivíduos do Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Corre-caminhos (Anthus berthelotii madeirensis, (Hartert, 1905)). De acordo com o Elucidário Madeirense, é também chamado carreiró, carreirote, melrinho de Nosso Senhor, melrinho de Nossa Senhora, em certos locais da Madeira, e pode ser conhecido por bica, no Porto Santo. É uma subespécie da família Motacillidae, ordem Passeriformes, endémica das ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. Nas Selvagens, ocorre a subespécie Anthus berthelotii bertheloti (Bolle, 1962), que também se encontra nas Canárias. A subespécie Anthus berthelotii maderensis tem um bico mais longo do que a subespécie típica das Canárias e Selvagens; no entanto, a sua plumagem é muito semelhante à daquela. Na Madeira, é mais frequente na Ponta de São Lourenço, no Pico do Arieiro e na Ponta do Pargo, facto que se deve à sua preferência por terrenos secos e por zonas com vegetação rasteira, desde a costa às cotas mais elevadas. Nas Selvagens, a subespécie Anthus berthelotii bertheloti ocorre essencialmente nos locais de planalto, e menos nas falésias. O corre-caminhos nidifica no chão, no outono e na primavera, e é facilmente identificável pelo seu comportamento. Costuma correr e faz voos curtos, facto que está na origem do seu nome vulgar. Em voo notam-se as retrizes externas brancas. A população de Anthus berthelotii madeirensis situa-se entre as 2500 e as 10.000 aves e parece estável. Faz ninho no solo, entre fevereiro e agosto, pondo cerca de quatro ovos. A população existente nas Selvagens é considerada “vulnerável” devido ao número reduzido de indivíduos que a constitui. Ambas as subespécies podem ocorrer em áreas de reserva integral e parcial do PNM e em zonas da Rede Natura 2000. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Fig. 5 – Fotografia de corre-caminhos (Anthus berthelotii madeirensis). Ponta de São Lourenço, abr. 2011. Fonte: © José Jesus Lavandeira (Motacilla cinerea schmitzi (Tschusi, 1900)). De acordo com a obra Elucidário Madeirense, era chamada papamoscas em certos locais do Porto da Cruz. É uma subespécie endémica do arquipélago da Madeira, da família Motacillidae, ordem Passeriformes. Ocorre na Madeira e no Porto Santo. Esta ave é facilmente identificável pela sua forma “esguia”, pelo peito amarelo e pelo movimento característico, vertical e cadenciado, da cauda, quando a ave está assente no solo. Apresenta um voo ondulado acompanhado de chamamento agudo e metálico. Tem entre 17 e 20 cm de comprimento total e encontra-se sobretudo na proximidade de cursos de água e de poços, desde cotas mais baixas até zonas de maior altitude. Põe entre três e cinco ovos em ninho construído em cavidades de paredes ou barrancos. Diferencia-se das outras formas da espécie por ter o dorso mais escuro. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o efetivo populacional situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. Boa parte da população ocorre em sítios da Rede Natura 2000 e do PNM, o que lhe confere alguma proteção. A espécie consta do anexo ii da Convenção de Berna. Fig. 6 – Fotografia de lavandeira (Motacilla cinerea schmitzi). Subespécie endémica do arquipélago da Madeira. Ribeira Brava. Fonte: © José Jesus Papinho (Erithacus rubecula rubecula (Linnaeus, 1758)). É uma subespécie da família Muscicapidae, ordem Passeriformes, que se distribui por Marrocos, pelos Açores, pelo Oeste das Canárias, pela ilha da Madeira e pela ilha do Porto Santo (onde é rara). Na Madeira, pode ocorrer desde a beira-mar até aos 1700 m de altitude. É facilmente identificável pelo seu peito ruivo. O adulto é castanho no dorso e castanho-claro no abdómen e nos flancos; os juvenis são claros com peito manchado. Mede entre 12,5 e 14 cm de comprimento total. A ave tem um canto melodioso. Ocorre essencialmente em zonas de floresta indígena, floresta exótica, floresta de transição, urzais, áreas agrícolas e jardins urbanos. Alimenta-se de insetos, caracóis e minhocas. Nidifica em arbustos, entre março e julho, pondo dois ou três ovos (raramente quatro ou cinco). O efetivo populacional deverá ser superior a 10.000 indivíduos, segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Algumas zonas onde ocorre são áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. Consta do anexo II da Convenção de Berna. Melro-preto (Turdus merula cabrerae Hartert, 1901). Subespécie endémica da Macaronésia da família Turdidae, ordem Passeriformes. Distribui-se pela Madeira, pelo Porto Santo (onde é rara) e pelas Canárias (existe em algumas ilhas). É facilmente identificável pelo seu tamanho – é o maior passeriforme nidificante (tendo entre 19 e 23,5 cm de comprimento total) –, pelo seu bico (amarelo no macho e acastanhado na fêmea) e pela sua coloração (o macho é uniformemente preto e a fêmea é castanho-escura com algumas manchas). Encontra-se por toda a ilha da Madeira, numa grande variedade de habitats, desde áreas de floresta indígena, floresta exótica, até zonas urbanas e áreas de cultivo. É muito rara nas áreas secas com vegetação rasteira do litoral. Nidifica em pequenas árvores, bananeiras, jardins e campos agrícolas. A postura ocorre geralmente em maio e junho; a época de reprodução pode estender-se entre janeiro e agosto. Alimenta-se de minhocas, insetos, bagas e sementes. O efetivo populacional da Madeira poderá exceder as 10.000 aves. Algumas áreas do seu habitat estão incluídas em zonas de reserva integral e parcial do PNM e em áreas da Rede Natura 2000. O melro-preto da Madeira consta do anexo II da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. Cigarrinho (Sylvia conspicillata orbitalis (Wahlberg 1854)). Sylvia conspicillata bella (Tschusi, 1901) é outro nome científico dado à subespécie (caído em desuso). Alguns cientistas atribuíram-lhe o nome de Curruca conspicillata orbitalis. Há dúvidas sobre se constitui uma subespécie endémica da Macaronésia. Ocorre nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, nas Canárias e em Cabo Verde. É uma ave da família Sylvidae, ordem Passeriformes. Mede cerca de 12 a 13 cm de comprimento total e tem dimorfismo sexual (a fêmea tem, em geral, uma tonalidade mais acastanhada, sendo efetivamente castanha na cabeça e no dorso, e o macho tem cabeça cinzenta, garganta esbranquiçada, abdómen claro e rosado e dorso castanho). As formas da subespécie da ilha Madeira são mais escuras do que as das Canárias. O cigarrinho ocorre em núcleos espalhados pela ilha da Madeira, em zonas arbustivas densas com pouca perturbação humana. No Porto Santo, é frequente em áreas com alguma vegetação arbustiva, mas também em terreno aberto. O efetivo desta subespécie “tímida” ou pouco conspícua rondará os 2500 indivíduos (no entanto, esta estimativa deve ser considerada com alguma reserva por faltarem estudos sobre esta ave). A população de cigarrinhos do arquipélago da Madeira, embora apresente um estatuto de conservação “vulnerável”, não é alvo de medidas de conservação. Alguns dos locais em que ocorre são sítios da Rede Natura 2000 e do PNM. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Toutinegra (Sylvia atricapilla heinecken (Jardine, 1830)). Trata-se de uma ave da família Sylvidae, ordem Passeriformes. É uma subespécie que ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Canárias e em algumas zonas da península Ibérica (principalmente no Sudoeste). Possui um típico barrete – preto nos machos e vermelho-escuro (ou acastanhado) nas fêmeas –, sendo também possível encontrar algumas aves melânicas em que a cor preta do barrete do macho desce abaixo da nuca (pelo que recebem, em alguns locais, a denominação de toutinegras de capelo). O comprimento total no adulto varia entre 13,5 e 15 cm. Pode ser observada em vários habitats (áreas com arbustos densos, clareiras, zonas florestais de transição e jardins), sendo rara na laurissilva. Não ultrapassa os 1400 m de altitude, sendo pouco frequente a partir dos 800 m. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélagos do Madeira, deverão existir mais de 10.000 indivíduos. Entre março e junho, constrói o seu ninho nos ramos das árvores e nos arbustos e põe até cinco ovos. No passado, devido aos seus dotes canoros (o típico “tac-tac”), eram capturadas e aprisionadas em gaiolas; nos começos do séc. XXI, esta prática está proibida. Algumas áreas onde ocorre são zonas da Rede Natura 2000 e do PNM, o que confere alguma proteção à subespécie. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Tentilhão (Fringilla coelebs maderensis (Sharpe, 1888)). Trata-se de uma subespécie pertencente à família Fringillidae, ordem Passeriformes, endémica da ilha da Madeira. Tendo entre 14 e 16 cm, possui faixas alares e parte externa da cauda brancas. O dimorfismo sexual é evidente: os machos são mais vistosos, têm tonalidades mais vivas (o peito é rosado ou cor de tijolo, o dorso verde-acastanhado e a cabeça azulada); a fêmea é menos colorida, tendo geralmente tonalidade verde-acastanhada e sendo castanho-clara no peito e na região ventral. Existe apenas na ilha da Madeira, sendo observada em toda a sua extensão, exceto a mais baixa altitude. É frequente em zonas arborizadas, com vegetação indígena ou exótica, em áreas agrícolas e rurais habitadas e em regiões com vegetação arbustiva ou mesmo rasteira; também se observa com regularidade em zonas de merenda (onde “petisca” os restos de comida deixados pelas pessoas). Alimenta-se de sementes e insetos. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população é numerosa (superior a 100.000 indivíduos). Algumas das áreas em que ocorre pertencem à Rede Natura 2000 e ao PNM. Faz parte do anexo III da Convenção de Berna. Tal como acontece relativamente a outras aves do arquipélago da Madeira, são necessários estudos para conhecê-la melhor. Fig. 7 – Fotografia de tentilhão (Fringilla coelebs maderensis). Subespécie endémica da ilha da Madeira. Macho. Ribeiro Frio, abr. 2016. Fonte: © José Jesus Canário-da-terra ou canário (Serinus canaria (Linnaeus, 1758)). É um endemismo macaronésico da família Fringillidae, ordem Passeriformes. Tem entre 12,5 e 13,5 cm de comprimento. Apresenta dimorfismo sexual: os machos são mais coloridos e têm cores mais vivas – são mais amarelados – e definidas do que as fêmeas, que são mais discretas (têm cores menos vivas e mais acastanhadas). Distribui-se pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. É também encontrada nos arquipélagos dos Açores e das Canárias. O habitat da espécie é variado, compreendendo zonas rurais agrícolas, jardins, áreas urbanas, zonas com vegetação rasteira ou arbustiva. Pode ser observada desde o nível do mar, nas proximidades da zona entremarés, como é frequente nas Desertas, até aos picos mais elevados da ilha da Madeira. É frequente observar-se bandos de canários; de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o efetivo populacional deverá ser superior a 10.000 indivíduos. A nidificação inicia-se em janeiro (ou fevereiro) e a época prolonga-se provavelmente até junho. Num ano, pode fazer duas ou três posturas. O seu canto é melodioso e muito variado. Algumas áreas de ocorrência e de nidificação estão incluídas em zonas da Rede Natura e do PNM. A espécie consta do anexo III da Convenção de Berna. Aparentemente, desloca-se entre as várias regiões de uma mesma ilha, o que leva à ocorrência de flutuações locais. Fig. 8 – Fotografia de canário (Serinus canaria) fêmea. Deserta Grande, jun. 2011. Fonte: © José Jesus Pintassilgo (Carduelis carduelis parva (Tschusi, 1901)). Esta ave, da família Fringillidae, ordem Passeriformes, distribui-se pelas ilhas da Madeira e do Porto Santo, pelos Açores, pelas Canárias, pela península Ibérica, pela região ocidental do Mediterrâneo e pelo Noroeste de África. É inconfundível pela sua coloração, tendo cabeça vermelha (ao redor dos olhos e do bico), negra e branca. Possui uma barra alar amarela e larga nas asas pretas. A cauda é preta com manchas brancas. Não tem dimorfismo sexual e o seu comprimento total varia entre os 12 e os 13,5 cm. Os juvenis são mais discretos, sem mancha facial. Pode ser encontrada desde a beira-mar até às grandes altitudes, em áreas cultivadas, abertas ou com vegetação rasteira, com gramíneas e compostas, em jardins, na floresta exótica e indígena degradada. Devido à forma como usa o habitat, sofre grandes flutuações a nível local, verificando-se uma forte sazonalidade. Pode formar bandos e a sua população na Região Autónoma da Madeira situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. No passado, esta ave era capturada e mantida em gaiolas; no entanto, nos começos do séc. xxi esta prática está proibida. Alguns habitats onde ocorre estão incluídos em sítios da Rede Natura 2000 e em áreas do PNM. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna. Pintarroxo (Carduelis cannabina guentheri (Wolters, 1953)). Na base de dados Avibase, o pintarroxo tem o nome científico de Linaria cannabina guentheri. Subespécie endémica do arquipélago da Madeira, pertence à família Fringillidae, ordem Passeriformes. Esta ave mede entre 12,5 e 14 cm de comprimento total e tem uma cauda relativamente comprida e bico curto, cinzento. Nesta subespécie, ocorre dimorfismo sexual: o macho apresenta peito e fronte avermelhados, nuca cinza e dorso de um castanho homogéneo; a fêmea é de coloração mais discreta, tendo uma tonalidade mais acastanhada do que o macho. Habita em áreas com vegetação rasteira ou com poucos arbustos (onde predominam as gramíneas e as compostas), em terrenos cultivados, jardins e outras áreas humanizadas, tanto em zonas de baixa como de elevada altitude. Pode ser observada em bandos igualmente formados por canários e pintassilgos. As estimativas indicam a existência de 2500 a 10.000 indivíduos, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Boa parte dos indivíduos desta subespécie relativamente pouco conhecida ocorre em áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A ave faz parte do anexo II da Convenção de Berna. Verdilhão (Chloris chloris (Linnaeus, 1758)). Tem sido muitas vezes referido que o verdilhão da Madeira pertence à subespécie Chloris chloris aurantiiventri (Cabanis, 1850). Trata-se de uma ave da família Fringillidae, ordem Passeriformes. A espécie distribui-se pelo Sul da Europa e pelo Norte de África, tendo sido introduzida em vários outros locais (e.g., Açores, Nova Zelândia, Sul da Austrália e Argentina). Não se sabe se terá sido introduzida no arquipélago da Madeira, tendo-se conhecimento de que aí nidifica a partir da déc. de 60 do séc. XX, exclusivamente na ilha da Madeira. Aparece em áreas de floresta exótica pouco densa, em regiões marginais de floresta, perto de áreas de cultivo, ou em zonas abertas com arbustos, eventualmente em áreas urbanas, em parques e jardins. Esta ave amarelo-esverdeada tem entre 14 e 16 cm de comprimento total; o corpo, a cabeça e o bico são mais robustos do que os de espécies que lhe são próximas. Há dimorfismo sexual: a fêmea tem uma coloração bastante mais discreta do que o macho. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população deverá ser superior a 2500 indivíduos. Tem-se pouco conhecimento do modo como a espécie ocorre no arquipélago da Madeira. Lugre (Carduelis spinus (Linnaeus, 1758)). É-lhe também atribuído o nome científico de Spinus spinus (Linnaeus, 1758). É uma ave da família Fringillidae, ordem Passeriformes. Encontra-se na região paleártica, nomeadamente entre a Europa Ocidental e a Rússia Meridional, até à costa do Oceano Pacífico. Só em 2002 foi confirmada a sua nidificação na Madeira, e desde então tem-se assistido a um incremento do efetivo populacional, sendo frequente observá-la na região do Poiso e na dos Estanquinhos (Paúl da Serra), entre outras. Este fringilídeo, que mede entre 11 e 12,5 cm de comprimento total, distingue-se pelas suas asas escuras, com marcas branco-amareladas, e pelos lados da cauda, amarelos essencialmente na base (como no verdilhão). A coroa e o babete são pretos. Tem cabeça pequena e cauda curta. Poupa (Upupa epops (Linnaeus, 1758)). Trata-se provavelmente da subespécie Upupa epops epops. É uma ave da família Upupidae, ordem Upupiformes. No arquipélago da Madeira, é frequente no Porto Santo e ocasional na ilha da Madeira (onde ocorre principalmente na Ponta de São Lourenço) e nas ilhas Desertas. A espécie distribui-se pela Europa, pelo Noroeste de África e pela Ásia. Vive em áreas secas, com vegetação rasteira herbácea ou arbustiva pouco densa, e em zonas agrícolas. É inconfundível pela sua silhueta e pelo padrão preto e branco das asas, pelo bico comprido e curvo e pela crista bastante evidente, mesmo quando em voo. Tem um comprimento total que varia entre os 25 e os 29 cm. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 250 e 2500 indivíduos. Alimenta-se de invertebrados, como insetos e minhocas. Ocorre em algumas áreas da Rede Natura 2000. Andorinhão-da-serra, andorinha-da-serra ou andorinha (Apus unicolor (Jardine, 1830)). Trata-se de uma ave da família Apodidae, ordem Apodiformes, endémica da Macaronésia, ocorrendo na ilha do Porto Santo, na ilha da Madeira e nas ilhas Canárias. Nidifica em falésias, a qualquer altitude. É observada sobretudo no verão. A maioria dos indivíduos parece migrar, no inverno, para o Norte de África. Esta ave, medindo entre 14 e 15 cm de comprimento total e tendo coloração negra, apresenta um voo rápido bastante característico e uma silhueta em meia-lua (por analogia com fases da lua, parece um quarto crescente ou um quarto minguante). Come essencialmente insetos, pelo que o uso de inseticidas pode constituir uma ameaça para a espécie. Distingue-se de Apus pallidus por ter uma coloração mais homogénea e escura. Ocorre em vários locais, incluindo em áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 2500 e 10.000 indivíduos. Andorinhão ou andorinha-do-mar (Apus pallidus brehmorum (Hartert, 1901)). Trata-se de uma ave da família Apodidae, ordem Apodiformes, que ocorre nas ilhas da Madeira e do Porto Santo e também em algumas ilhas das Canárias, podendo ser igualmente observada nas costas da Europa Meridional (entre a península Ibérica e a Turquia) e no Norte de África. Com um comprimento total que varia entre os 16 e os 18 cm, distingue-se do andorinhão-da-serra (Apus unicolor) por ser um pouco maior do que ele, pela mancha clara na garganta e pela sua coloração menos homogénea. No inverno, parece migrar para regiões situadas a sul do Saara. Embora haja algum desconhecimento quanto à sua distribuição e abundância, sabe-se que esta ave ocorre em vários habitats, desde falésias e ilhéus (onde nidifica) a zonas de interior, entre as quais as regiões de montanha, áreas rurais ou áreas suburbanas. É menos abundante do que a Apus unicolor. A exemplo do que acontece noutras ilhas oceânicas, as aves de rapina estão representadas por um baixo número de espécies, quando comparado com o existente em áreas continentais com características semelhantes. No arquipélago da Madeira e no arquipélago das Selvagens nidificam a manta, o francelho, o fura-bardos e a coruja-das-torres. Manta. Alguns madeirenses conhecem-na como milhafre. Trata-se de uma ave da família Accipitridae, ordem Accipitriformes. Durante muito tempo, foi considerada como a subespécie Buteo buteo harterti (Swan, 1919); no entanto, é considerada por alguns cientistas como Buteo buteo buteo (Linnaeus, 1758). Se considerarmos esta ave de rapina como Buteo buteo harterti, podemos afirmar que a subespécie ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas, sendo endémica do arquipélago da Madeira. No entanto, se considerarmos a ave como Buteo buteo buteo, então a população do arquipélago deixa de ser tida como endémica, havendo que considerar as populações ocidentais da região paleártica e da África Ocidental como constituintes da mesma subespécie (Buteo buteo buteo). Independentemente das dúvidas taxonómicas quanto ao estatuto da manta, esta é a maior das aves de rapina que nidificam no arquipélago da Madeira, tendo um comprimento total que poderá superar os 50 cm e uma envergadura que poderá chegar aos 130 cm. É frequente observá-la voando, com batimentos de asa lentos, ou planando em círculos, aproveitando as correntes matinais de ar ascendente (pode também efetuar voos curtos e picados). Ocorre em vários habitats: falésias costeiras e interiores, zonas com pouca vegetação rasteira, áreas florestais indígenas e exóticas, áreas agrícolas e suburbanas. A parte superior do corpo é geralmente castanho-escura; o peito é uniformemente castanho-escuro, listado ou manchado de creme-amarelado. Em voo, as asas mostram cinco rémiges primárias soltas (que parecem dedos) e manchas claras e orlas escuras na parte inferior. A cauda é relativamente curta e a cabeça de pequena dimensão. Esta ave alimenta-se de roedores, coelhos, algumas aves (como a perdiz), lagartixas e insetos. Nidifica a média ou elevada altitude, em precipícios e em árvores de grande porte. A construção do ninho começa em fevereiro ou março. Os pintos deixam o ninho nos meses de julho e agosto. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população é superior a 2500 indivíduos, essencialmente localizados na ilha da Madeira. No entanto, em 2006 a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves tinha uma estimativa distinta (cerca de 300 aves nas ilhas da Madeira e do Porto Santo). As ameaças que pairam sobre a manta são o envenenamento secundário por pesticidas, a captura e o abate ilegais. No passado, era perseguida e caçada, pelo facto de predar galinhas (e outras aves domésticas) e coelhos. Parte da sua área de ocorrência está incluída em zonas da Rede Natura 2000 e em algumas regiões com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. A manta desapareceu das Desertas em 1996, provavelmente vítima de envenenamento secundário, por predação de coelhos envenenados. De facto, nessa altura decorria o projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, que envolvia a erradicação de coelhos através do envenenamento. No entanto, posteriormente foram feitos alguns avistamentos da manta nas Desertas. Francelho (Falco tinnunculus canariensis (Koenig, 1980)). Na Madeira, há pessoas que os chamam de milhafres. Ave da família Falconidae, ordem Falconiformes, é uma subespécie endémica da Macaronésia que ocorre sobretudo nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Canárias. Na Madeira e no Porto Santo, podemos observar francelhos desde o nível do mar até às altas montanhas, em diversos habitats (como falésias, espaços urbanos e suburbanos, zonas florestais, superfícies com pouca vegetação ou com vegetação rasteira, e áreas agrícolas). É a ave de rapina nidificante mais abundante e a mais pequena do arquipélago da Madeira, facilmente identificável em voo pelas suas longas asas, pontiagudas e arqueadas em forma de foice, e pela sua longa cauda, assim como pelo seu típico “peneirar”, ou seja, pelo bater de asas em voo sem deslocamento (o chamado “parado no ar”). No geral, possui dorso e região ventral malhados; porém, as fêmeas, de maior porte, são castanhas na parte superior e têm listas escuras na cabeça, possuindo cauda listada e dorso mais malhado do que o do macho; o macho tem cabeça e cauda cinzentas, uma barra preta subterminal na cauda, parte inferior de tonalidade acastanhada e clara e asas escuras nas extremidades. O comprimento total dos indivíduos da espécie varia entre 31 e 37 cm e a envergadura entre 68 e 78 cm. O francelho é mais pequeno e mais escuro do que os seus congéneres europeus. Devido ao projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, e a exemplo do que aconteceu com a manta, o francelho desapareceu da Deserta Grande em 1996, mas voltou a ser posteriormente detetado na Deserta Grande e no Bugio. A sua dieta é variada e condicionada pela disponibilidade das presas principais (a qual, por sua vez, depende do habitat). Come essencialmente roedores, lagartixas, insetos e pequenas aves. Põe quatro a seis ovos em buracos ou fendas de escarpas rochosas. A estimativa do efetivo varia entre 2500 e 10.000 indivíduos, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. As principais ameaças à sobrevivência do francelho são o envenenamento secundário por pesticidas e a perseguição humana (e.g., por meio da captura ilegal). Parte da região da ocorrência da espécie está incluída em zonas que integram a Rede Natura 2000 e em algumas áreas com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo i da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. No passado, a caça a estas aves era uma realidade habitual: o povo temia-as, pois predavam os pintos de galinha que andavam à solta. Fura-bardos (Accipiter nisus granti (Sharpe, 1890)). Ave da família Accipitridae, ordem Accipitriformes. No arquipélago da Madeira, ocorre apenas na ilha da Madeira, com uma distribuição dispersa. Esta subespécie macaronésica também ocorre nas Canárias. A espécie a que pertence, Accipiter nisus, é conhecida como gavião no continente português e tem vasta distribuição europeia. Por ter hábitos discretos, é difícil de observar. Esta ave habita áreas florestais densas (exóticas ou indígenas), mas também pode ser observada em campos agrícolas. Nidifica nas árvores. Apresenta um porte intermédio entre o do francelho e o da manta e asas arredondadas e relativamente curtas. A fêmea é maior e mais acinzentada do que o macho, tendo o peito e abdómen listados; o macho apresenta tons rosa no peito e no abdómen, cor cinza-azulada no dorso e barras finas e avermelhadas na parte inferior do corpo; ambos os sexos têm corpo estreito, pernas longas e cauda comprida. É a ave de rapina menos conhecida do arquipélago madeirense, pelo que qualquer apreciação a seu respeito deve ser considerada com o devido cuidado. O Elucidário Madeirense refere que é “indígena mas pouco frequente, não tendo sido mencionada na lista de Harcourt” (SILVA e MENESES, 1978, II, 158). Contudo, segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 1000 e 2500 fura-bardos. As principais ameaças à sobrevivência da subespécie são a caça (o abate ilegal) e a destruição do habitat por incêndios e corte de árvores. Parte da área de ocorrência da subespécie está incluída em sítios da Rede Natura 2000 e em algumas zonas com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. O projeto LIFE Fura-Bardos, compreendendo os anos de 2013 a 2017, tem como fito a conservação da espécie e dos habitats em que ocorre. Coruja ou coruja-das-torres (Tyto alba schmitzi (Hartert, 1900)). Trata-se de uma ave da família Tytonidae, ordem Strigiformes. É uma subespécie endémica do arquipélago da Madeira, ocorrendo nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. É a única ave de rapina noturna que nidifica no arquipélago da Madeira, sendo facilmente identificada pela sua silhueta durante o voo, pelo disco facial conspícuo e pelo chamamento agudo e estridente. Mede entre 33 e 39 cm de comprimento e tem entre 80 e 95 cm de envergadura. Apresenta um corpo relativamente delgado, asas para o longo e patas compridas. Embora seja mais escura do que as outras formas da espécie, apresenta uma significativa variação na sua coloração, sendo mais invulgar ter aparência clara. A face é pálida, em forma de coração, e os olhos são rodeados de penas escuras. Ocorre em vários tipos de habitat, desde zonas urbanas a áreas de floresta com clareiras, desde o litoral aos vales profundos do interior. Nidifica essencialmente entre abril e junho, em falésias costeiras e interiores. A coruja alimenta-se essencialmente de roedores, insetos e, eventualmente, de algumas pequenas aves. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o seu efetivo situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. Embora esta subespécie não conheça sérias ameaças à sua sobrevivência, a poluição do ambiente por pesticidas, a perseguição e o abate ilegal, bem como as crenças e as superstições em torno dela (são consideradas por muita gente como aves de mau agoiro – segundo a crença, sempre que uma delas passa por cima de uma casa, algo de mau irá acontecer, v.g., o falecimento de uma pessoa) constituem sem dúvida potenciais riscos para ela. No passado, o maior perigo era a perseguição pelas pessoas que as consideravam animais de mau agoiro. Esta ave consta do anexo II da Convenção de Berna e ocorre em muitas áreas do PNM e da Rede Natura 2000. Devido ao projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, a coruja desapareceu da Deserta Grande em 1996 (tal como aconteceu com a Manta e o francelho). Posteriormente, voltou, porém, a ser detetada. Gaivota ou gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis michahellis (Naumann, 184)0). “Gaio” ou “gaivoto” são os nomes atribuídos aos indivíduos juvenis, que se distinguem dos adultos pela plumagem escura. Trata-se de uma ave da família Laridae, ordem Charadriiformes. A atribuição de nome científico a estas gaivotas tem sido polémica, e a sua classificação tem variado ao longo do tempo. De todo o modo, vamos considerar que as gaivotas do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens pertencem à subespécie Larus michahellis michahellis. Esta ave ocorre nas várias ilhas dos dois arquipélagos, em todo o tipo de terreno próximo do mar, em locais desabitados, falésias costeiras, zonas de lixeiras e de despejos de resíduos orgânicos e perto de áreas de descarregamento de peixe (lotas). As áreas preferenciais de nidificação são o ilhéu dos Desembarcadouros e o ilhéu de Fora. A postura, até três ovos, dá-se nos meses de abril e maio. Esta gaivota caracteriza-se por ser branca. O dorso e a parte superior da asa são cinzentos (com um pouco de cor branca na extremidade da asa). As patas são amarelas. O anel orbital é vermelho e há uma mancha vermelha no bico. Esta ave alimenta-se de grande variedade de presas, como peixes (muitos obtidos nos desperdícios da pesca, pelo que é considerada oportunista em termos de dieta), micromamíferos, aves marinhas, passeriformes, e de lixo orgânico, etc. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas o número de casais é superior a 3900; nas Selvagens, não ultrapassa os 30. As populações desta gaivota têm crescido devido à sua associação com o Homem. Excetuando nas Selvagens, não está ameaçada. Garajau ou garajau-rosado ou gaivina-rosada (Sterna dougallii dougallii (Montagu, 1813)). Trata-se de uma ave da família Sternidae, ordem Charadriiformes. Ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Selvagens, no arquipélago dos Açores, na Europa, na América do Norte, nas Índias Ocidentais e em África. O seu habitat preferido são as falésias localizadas a baixa altitude e os ilhéus situados em zonas remotas. Esta ave possui o peito ligeiramente rosado na primavera, bico de ponta preta; quando pousada, as penas da cauda ultrapassam as asas estendidas para trás. Nidifica essencialmente na Ponta de São Lourenço, nas Selvagens, nos ilhéus rochosos ou arenosos dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens, e longe da perturbação humana. Provavelmente, as principais ameaças à sua sobrevivência são a destruição do seu habitat e os predadores introduzidos. Quanto ao estatuto de conservação, a população regional desta subespécie é “vulnerável”; apesar desta classificação, não há qualquer programa de conservação dirigido à espécie. A sua proteção é conferida pelo facto de algumas zonas em que ocorre constarem de áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A ave encontra-se no anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Garajau ou gaivina (Sterna hirundo hirundo (Linnaeus, 1758)). Trata-se de uma ave da família Sternidae, ordem Charadriiformes. Ocorre em todas as ilhas do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens, com maior incidência nas zonas costeiras, a baixa altitude, e em pequenos ilhéus, onde nidifica. Na Selvagem Pequena e no ilhéu de Fora nidifica em praias de areia. Nestes arquipélagos, ocorre essencialmente entre os meses de março e setembro, em colónias de dimensão reduzida. Com um comprimento total entre os 34 e os 37 cm e uma envergadura entre os 70 e os 80 cm, o bico é vermelho e robusto e o peito é branco. Distingue-se do garajau-rosado, entre outros aspetos, pelo facto de, quando pousada, a sua cauda não ultrapassar a ponta das asas compridas e estreitas. Esta ave de patas curtas alimenta-se essencialmente de pequenos peixes, crustáceos e insetos. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 250 e 2500 aves. As principais ameaças à sua sobrevivência são a ocupação, a alteração e a destruição do litoral. Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal do ano de 2005 tem o estatuto de conservação “vulnerável”. Esta ave ocorre e nidifica em áreas do PNM e em áreas da Rede Natura 2000. Encontra-se no anexo I da diretiva “Aves” e no anexo II da Convenção de Berna. Galinha-de-água (Gallinula chloropus (Linnaeus, 1758)). Trata-se provavelmente da subespécie Gallinula chloropus chloropus. É uma ave da família Rallidae, ordem Gruiformes. Esta espécie ocorre na Europa, na Ásia, na África e na América. Na Macaronésia, podemos observá-la nos Açores, na Madeira, nas Canárias e em Cabo Verde. No arquipélago da Madeira, a ave nidifica nas ilhas da Madeira e do Porto Santo. O habitat desta ave inclui charcos e lagoas com vegetação densa nas margens, e ela pode ser ocasionalmente vista na foz de algumas ribeiras. Podemos observá-la na lagoa do Lugar de Baixo (ilha da Madeira), na lagoa do Dragoal e na lagoa da Serra de Dentro (ilha do Porto Santo). Também poderá ser observada noutras massas de água com características semelhantes às anteriores. Ave de médio porte, com cerca de 37 cm de comprimento total, facilmente identificável pela plumagem em tons de castanho, azulado e preto, fronte vermelha – tal como o bico, de ponta amarela – e patas claras e esverdeadas. A parte inferior da cauda é branca. Os dedos são bastante compridos. É omnívora, tendo uma dieta à base de plantas aquáticas e suplementada com pequenos animais e ovos de outras aves. Existem poucos indivíduos na Madeira e no Porto Santo, provavelmente menos de 50. Essencialmente pelo reduzido efetivo, mas também pelo baixo número de potenciais locais de nidificação no arquipélago da Madeira, a espécie apresenta o estatuto “em perigo”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal na sua edição de 2005. Galeirão-comum (Fulica atra (Linnaeus, 1758)). É uma ave da família Rallidae, ordem Gruiformes. A espécie distribui-se pelas regiões paleártica, indo-malaia e australo-asiática. No arquipélago da Madeira, nidifica, pelo menos, na lagoa do Lugar de Baixo, na Foz da Ribeira do Faial e no Porto Santo. É uma ave de 36 a 42 cm de comprimento total e é facilmente identificável pelo bico e placa da fronte brancos e pelo corpo largo de cor cinzenta fuliginosa (parece preta). A cauda é curta e pequena e a cabeça arredondada e preta. No arquipélago da Madeira, o habitat disponível escasseia e é geralmente intervencionado pelo homem, pelo que o efetivo populacional deverá ser muito reduzido. Há ainda a referir a nidificação frequente da rolinha-da-praia ou borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus (Linnaeus, 1758)) no Porto Santo, onde a espécie tem o estatuto “em perigo”. As construções sobre dunas e a circulação de veículos sobre elas constituem as principais ameaças. Outra ave nidificante do arquipélago da Madeira, não referida acima, considerada na listagem de Romano e colegas do ano de 2010 (mas não considerada noutras fontes, como o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira), é o pato-real (Anas platyrhynchus (Linnaeus, 1758)). Há algumas espécies nidificantes ocasionais, como é o caso do garajau-escuro (Onychoprion fuscatus (Linnaeus, 1766)) e do pato mandarim (Aix galericulata (Linnaeus, 1758)). Fig. 9 – Fotografia de galeirão-comum (Fulica atra). Espécie com uma população reduzida na Madeira e Porto Santo e com distribuição restrita a pequenas massas de água. Lagoa do Lugar de Baixo, jan. 2014. Fonte: © José Jesus   Rola-turca (Streptopelia decaocto (Frivaldszky, 1838)). Trata-se de uma ave da família Columbidae, ordem Columbiformes. Provavelmente introduzida no arquipélago da Madeira, a espécie é originária do subcontinente indiano. Ocorre nas regiões paleárticas ocidental e oriental. O primeiro registo de nidificação na ilha da Madeira (na Ponta de São Lourenço) data de 2009. É uma ave de média dimensão, de 31 a 34 cm de comprimento total, e elegante. A cauda é longa. A plumagem é pálida; no entanto, existe uma barra preta estreita, delineada a branco, nos lados do pescoço. Alimenta-se essencialmente de matéria vegetal, como grãos. Foram já registados casos de nidificação de outra espécie do género, a rola-comum (Streptopelia turtur), possivelmente também introduzida pelo Homem. Não se conhecem os efeitos da introdução destas duas espécies de rolas. Para prevenir possíveis impactos graves, seria necessário o controlo destas aves e, eventualmente, a sua erradicação. Outras aves nidificantes, presumivelmente introduzidas pelo Homem, são o bico-de-lacre (Estrilda astrild (Linnaeus, 1758)), o pato-mudo (Cairina moschata (Linnaeus, 1758)) e o periquito-de-colar (Psittacula krameri (Scopoli, 1769)). Há ainda outras espécies, possivelmente introduzidas, cuja nidificação na ilha da Madeira não está confirmada, como a caturra (Nymphicus hollandicus (Kerr, 1792)) e o papagaio-do-senegal (Poicephalus senegalus (Linnaeus, 1766)). Fig. 10 – Fotografia de pato-mudo (Cairina moschata). Espécie provavelmente exótica e em plena expansão da área de distribuição. Lagoa do lugar de Baixo, dez. 2011. Fonte: © José Jesus   Muitas espécies de aves foram introduzidas para a caça, mas algumas foram depois dadas como extintas, como é o caso da galinha-d’Angola (Numida meleagris (Linnaeus, 1758)), da perdiz-moura (Alectoris barbara (Bonnaterre, 1792)), do faisão (Phasianus colchicus (Linnaeus, 1758)) e do pavão (Pavo cristatus (Linnaeus, 1758)). Outras espécies, de que existem referências, encontram-se extintas no meio selvagem do arquipélago da Madeira. Têm sido encontradas e descritas espécies fósseis, especialmente encontradas nas dunas da Piedade e no Porto Santo, tais como o mocho (Otus mauli (Rando et al., 2012)), o ralídeo, (Rallus lowei (Alcover et al., 2015)), uma espécie robusta que possuía asas pequenas e não voava, ambas encontradas na ilha da Madeira, e o Rallus adolfocaesaris (Alcover et al., 2015), uma espécie menos robusta do que a anterior e encontrada na ilha do Porto Santo. Muitas outras espécies fósseis das dunas da Piedade e do Porto Santo poderão estar por descobrir ou descrever. A organização BirdLife International tem um programa cujo objetivo é identificar, proteger e gerir uma rede de áreas relevantes para a viabilidade, a longo prazo, de populações naturais de aves, mediante critérios estabelecidos internacionalmente. Estas áreas recebem a designação de Important Bird and Biodiversity Areas [Áreas Importantes para as Aves e Biodiversidade] (IBAs). As IBAs do arquipélago da Madeira e as principais espécies em cada uma delas encontram-se a seguir referidas: Laurissilva (código: PT083, área: 15.242 ha): alma-negra, cagarra, fura-bardos, pombo-trocaz, andorinhão-da-serra e canário-da-terra. Maciço montanhoso oriental (código: PT084, área: 3411 ha): freira-da-madeira, fura-bardos, pombo-trocaz, andorinhão-da-serra e corre-caminhos. Ilhas Desertas (código: PT085, área: 1384 ha): freira-do-bugio, alma-negra, cagarra, pintainho, roquinho, andorinhão-da-serra, corre-caminhos e canário-da-terra. Ilhas Selvagens (código: PT086, área: 265 ha): alma-negra, cagarra, pintainho, calcamar, roquinho, corre-caminhos. Ponta de São Lourenço (código: PT087, área: 321 ha): alma-negra, pintainho, roquinho, gaivina-rosada, gaivina, andorinhão-da-serra, canário-da-terra e corre-caminhos. Ponta do Pargo (código: PT088, área: 1161 ha): roquinho, fura-bardos, andorinhão-da-serra, corre-caminhos e canário-da-terra. Ilhéus do Porto Santo (código: PT089, área: 204 ha): pintainho, andorinhão-da-serra, corre-caminhos, canário-da-terra. Porto Santo-Oeste (código: PT090, área: 929 ha): roquinho, gaivina, gaivina-rosada, andorinhão-da-serra, corre-caminhos, canário-da-terra. [table id=101 /] [table id=102 /]   *Registos dúbios ou não confirmados **Possibilidade/indícios de nidificação   José Jesus (atualizado a 23.01.2017)

Biologia Terrestre