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pelourinhos

O pelourinho, inicialmente designado por picota, é uma coluna de pedra colocada num lugar público de uma cidade ou vila como símbolo do município e da sua jurisdição. Tudo parece indicar que deriva de costumes muito antigos, designadamente, da ereção nas cidades do ius italicum das estátuas de Mársias ou de Sileno, símbolos das liberdades municipais na Roma da Antiguidade. Remete também para a columna ou columna moenia romana, um poste ereto em praça pública no qual os sentenciados eram expostos No nordeste de Portugal, alguns pelourinhos aparecem associados aos berrões, estátuas de pedra da tribo pré-céltica dos vetões, mas essa associação pode ter sido induzida por acontecimentos posteriores e, muito provavelmente, pelas campanhas românticas de recuperação patrimonial, nos meados do séc. XIX. Nas épocas mais recuadas, eram pendurados nos pelourinhos alguns avisos municipais e, pontualmente, eram punidos e expostos os criminosos locais, embora na Madeira tal fosse feito, em princípio, no tronco. Este último termo significava “cepo com olhais, onde se prende o pé ou o pescoço” de um criminoso (SILVA, 1958, XI, 303), mas passou, logo nos finais do séc. XV e inícios do XVI, a indicar também prisão e cárcere, pelo que não é muito fácil entender a diferenciação entre tronco e prisão, parecendo utilizar-se a primeira palavra para os casos de reclusão de um alegado criminoso municipal e a segunda já para o cumprimento efetivo da pena. Os pelourinhos foram, pelo menos desde os finais do séc. XV, considerados o padrão ou o símbolo da liberdade municipal. Embora alguns historiadores, na sequência de Alexandre Herculano, entendam que o termo só começou a aparecer no séc. XVII, em substituição de “picota”, dado como sendo de origem popular, nos meados do séc. XVI, já existia na Madeira. Com efeito, “pelourinho” consta na planta do Funchal de Mateus Fernandes (III) (c.1520-1597) (BNB, Cart., 1090203), no largo que com essa denominação chegou até ao séc. XXI, sendo também referido assim, por volta de 1586-1590, em Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso (1522-1591). A ida de um pelourinho para o Funchal deve-se ao jovem duque, futuro Rei D. Manuel (1469-1521), que enviou o seu ouvidor Brás Afonso Correia e o seu contador Luís de Atouguia, com provimento e regimento de 4 de julho de 1485, para demarcarem o chamado chão do Duque, o que foi feito a 5 de novembro do mesmo ano. O documento em causa referia que o duque, “por nobreza e honra” e “para boa ordem” da Ilha, cedia o chão para o concelho fazer uma praça “e nela uma boa câmara para o concelho, sobradada e que fosse tão grande e tal, que na lógia debaixo se pudessem fazer as audiências”. Além disso, queria que na dita praça “se fizesse uma casa para paço dos tabeliães, e por conseguinte se fizesse nela” também “uma muito boa picota” (ARM, Câmara..., fls. 25-25v.) (Urbanismo). O pelourinho do Funchal foi enviado pelo duque D. Manuel, por certo nesse ano de 1485, e foi colocado no largo em frente à igreja de S.ta Maria do Calhau, embora do outro lado da ribeira, que passou a ser designado “do Pelourinho”. Ao saber disso, em 1486, D. Manuel determinou que o pelourinho fosse levado para o largo previsto, junto da futura Câmara, no chamado chão do Duque, conforme a sua determinação anterior. Insistiu então: “E a picota onde a pusestes não me parece que esteja bem, porque não deve estar senão na praça onde está em todos” os outros municípios, assim, “ainda que nisso se faça algum gasto, encomendo-vos que para lá a mandes mudar” (Id., Ibid., 25v.-26). O pelourinho inicial era em madeira, pois na vereação de 23 de dezembro de 1488 o juiz Álvaro de Ornelas, os restantes vereadores e homens-bons, entre os quais Garcia da Vila, que tinha o pelouro das obras, determinaram “que se fizesse de pedraria o pé da picota na praça do campo do Duque, onde ora está a picota de pau”, mandando arrecadar para isso os 2$000 réis “que eram julgados pelo ouvidor para a dita picota” (COSTA, 1995, 228). Um mês e pouco depois, a 7 de fevereiro 1489, na vereação camarária do mesmo dia, pagou-se ao pedreiro Antão de França “o acarretar as pedras da picota ao chão do Duque, e de desfazer e tornar a fazer no dito chão onde ora está feito, e pôr a pedra miúda, e pôr cal, e de suas mãos armar o pé da dita picota, como está na praça junto com a Alfândega” velha (Id., Ibid., 238). Tudo parece indicar que chegou a haver dois pelourinhos, um em madeira e que seria o inicialmente enviado por D. Manuel, na praça junto da Alfândega, ou seja, na futura praça do pelourinho, e outro que tinha, pelo menos, uma base de pedra (em calcário-brecha da Arrábida) e que terá sido expedido do continente e das oficinas régias, sendo montado em fevereiro de 1489, no campo do Duque. Nos anos seguintes, com a construção da nova igreja, cujas obras começaram nos finais da déc. de 90 do séc. XV (Sé do Funchal), o pelourinho de pedra terá voltado ao seu antigo lugar, tal como está representado na planta do Funchal de 1567-1570. A 11 de fevereiro de 1492, o procurador recebeu de “André serralheiro” dois colares e duas algemas estanhadas para a picota (Id., Ibid., 336). Parece assim que se preparava a picota para servir de local de justiça. Mas, logo na vereação de 19 de setembro 1495, Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530), futuro terceiro capitão do Funchal, foi convocado para que, como “alcaide-mor” (Alcaide e Alcaide-mor), “desse e fizesse tronco, em que se metessem todos os que fossem presos de noite e outros que se levariam perante os juízes, por dívidas e outras coisas leves e civis” (Id., Ibid., 389). O futuro capitão respondeu que tal já estava assegurado, utilizando-se para o efeito a casa do alcaide pequeno; não há mais referências a esse respeito, nem à utilização do pelourinho, habitual em casos de justiça municipais. Com a União Ibérica, deu-se um caso algo inédito em relação ao pelourinho no Funchal. Nos inícios de 1583, ocorreram vários incidentes implicando soldados do presídio castelhano (Presídio) e funchalenses, tendo intercedido o juiz da cidade, Manuel Vieira e sendo libertados os soldados envolvidos. No entanto, a 6 de março, envolveram-se soldados e populares, num confronto físico que passou a fazer-se à espada, resultando um português morto, Tomé Andrea, natural de Aveiro e tripulante da frota do Brasil retida na Ilha, e três soldados veteranos do presídio feridos, um deles com gravidade. Nas prisões efetuadas, encontravam-se os três veteranos envolvidos e um dos principais autores do desacato, o soldado Francisco de Espinosa. Os juízes do Funchal acabaram por determinar a pena de morte para este soldado, entregando Gaspar Afonso de Magalhães a sentença ao governador, o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598). O conde não aceitou de ânimo leve o veredicto, mas ao cabo de várias pressões acabou por mandar sentenciar Francisco de Espinosa no pelourinho, algo perfeitamente inédito no Funchal, referindo-se que tal se fazia pela sua ascendência de fidalgo, pois qualquer pena de morte era executada fora da cidade, em princípio, no Lg. da Forca. Acresce que a pena de morte era da exclusiva responsabilidade régia e não encontrámos documentação da sentença ter ido à aprovação do monarca. No século seguinte, existe outra referência a uma sentença executada no pelourinho, mas simbólica e em efígie. Um jovem de famílias sem especiais pergaminhos, o estudante Francisco Rodrigues Jardim, em maio de 1629, apaixonara-se por uma jovem das principais famílias madeirenses, sua vizinha na R. dos Netos: D. Maria de Moura, filha do morgado Aires de Ornelas de Vasconcelos, já falecido, e de D. Catarina de Moura, entretanto casada em segundas núpcias com um primo do ex-marido, Miguel Rodrigues Neto de Atouguia. A família do estudante apoiara o mesmo, participando no rapto da jovem, mas ambos acabaram por ter de fugir para o Brasil. O processo foi levantado pelo corregedor Estevão Leitão de Meireles (Alçadas) e o jovem estudante foi condenado à morte na forca, logo, fora da cidade, em 1631. Dado não se encontrar na Madeira, a família da jovem promoveu o seu enforcamento em estátua no pelourinho da cidade. Pelos últimos anos do séc. XV, o duque D. Manuel enviou, com certeza, exemplares de pelourinho idênticos, e talvez também em madeira, para as vilas e sedes das capitanias de Machico e do Porto Santo, tal como enviou depois, em 1501, para a Ponta do Sol, então elevada a vila, e, em 1502, para a Calheta, e, em 1515, para Santa Cruz. Este último pelourinho era bastante semelhante ao do Funchal e, muito provavelmente, era também em calcário-brecha da serra da Arrábida, pedra utilizada na capela-mor da igreja matriz do Salvador de Santa Cruz. Conhecemos o pelourinho do Funchal através de um desenho de um viajante inglês, datado de 1832 e de dois fragmentos que foram depositados no parque arqueológico do Museu Quinta das Cruzes (MQC). O pelourinho de Santa Cruz foi litografado a partir de um desenho do reverendo James Bulwer (1794-1879), editado em Londres, em 1827, encontrando-se então no local hoje ocupado pelo cruzeiro com as armas dos Freitas (Cruzeiros), que, nessa litografia, ficava mais a poente. A imagem mostra o pelourinho de Santa Cruz com dois fustes de coluna torsos, à semelhança do pelourinho do Funchal, e unidos por um anel relevado, porém, já sem a base, elemento que subsiste nos fragmentos originais do do Funchal. Os pelourinhos de Machico e de Santa Cruz ainda vêm apontados nas plantas do major Inácio Joaquim de Castro, levantadas em 1799, mas do de Machico nada se sabe, devendo ter sido destruído pela aluvião de 9 de outubro de 1803 (Aluvião de 9 de outubro de 1803; Aluviões). Algo idêntico acontecera ao pelourinho da vila da Ponta do Sol, segundo relata Francisco Libânio de Cárceres em texto sobre aquela vila publicado na Revista Madeirense, indicando que, no dia 2 de novembro de 1799, um repentino golpe de mar arrasou a vigia e derrubou o antigo pelourinho que ficava à ilharga da praça. Sobre o pelourinho da Calheta, o Ten.-Cor. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), na planta da Madeira de agosto de 1819, refere que era necessário reativar a bateria do Paul e colocar uma peça militar junto ao pelourinho da Calheta, que ficava a uma dezena de metros abaixo da igreja matriz (Fortes da Calheta), num largo que dava acesso ao caminho que levava ao convento franciscano (Convento de S. Sebastião da Calheta). Como a vila fora parcialmente destruída por uma “grande levadia do mar”, que arrasara o forte e 30 casas, levando ao abandono quase geral da mesma povoação (CARITA, 1982, 64), o pelourinho terá sido destruído por esse fenómeno, em 1799 ou então pela aluvião de 1803. Nada se sabe sobre o pelourinho da vila do Porto Santo, salvo que existe esse topónimo para o largo em frente ao edifício da antiga Câmara Municipal. Mas, como observámos antes, tendo D. Manuel enviado um pelourinho para o Funchal, com certeza que os enviou também para as restantes vilas sedes de capitania. O abandono e os inúmeros saques corsários a que esta Ilha foi entretanto sujeita devem ter feito desaparecer o pelourinho muito mais cedo que nos restantes municípios madeirenses. O pelourinho do Funchal foi mandado demolir pela vereação camarária, em novembro de 1835, dentro da ideologia, então vigente, de que os pelourinhos eram manifestações do Antigo Regime. Em 1989, toda a área foi sujeita a uma completa remodelação e voltou-se a instalar ali um pelourinho, réplica do antigo, mas em calcário de Molianos, tendo-se ainda restaurado o passo de procissão daquela praça. Como restavam dois pequenos fragmentos do pelourinho original no parque do MQC, como adiantámos, em calcário-brecha da Arrábida, um material que se tornara dificilmente disponível, com base neles e no desenho efetuado poucos meses antes da sua demolição, procedeu-se à execução da réplica, inaugurada no dia 21 de agosto desse ano de 1989. A aluvião de 20 de fevereiro de 2010 voltou a afetar gravemente toda a baixa da cidade, mas o pelourinho foi posteriormente restabelecido no local.   Rui Carita (atualizado a 19.11.2015)

Património História Política e Institucional

provérbios e outros ditos populares

Não existindo nenhum dicionário de provérbios madeirenses, mas apenas algumas recolhas avulsas, este texto procura contribuir para um melhor conhecimento do património linguístico e cultural da Madeira. Pretende-se ainda participar na discussão sobre a questão colocada por Cabral do Nascimento, em 1950, acerca da “existência de palavras e locuções madeirenses”, através da análise de exemplos concretos de usos proverbiais atestados no arquipélago da Madeira e de reflexões provenientes de vários estudiosos madeirenses. Palavras-chave: Cabral do Nascimento; gentílicos; regionalismos; topónimos; variações madeirenses do português. Não havendo dicionários específicos sobre os provérbios e outros ditos populares em uso no arquipélago da Madeira, foram analisados vários dos trabalhos publicados sobre vocábulos madeirenses (v.g., monografias dialetais), alguns dos quais remontam a 1916, e também estudos de especialistas em linguística que se têm debruçado sobre os vocábulos regionais. Outros dados foram reunidos na ilha do Porto Santo, junto de fontes orais, após a seleção de pessoas de faixa etária muito avançada. Durante o processo de recolha, e por não haver conhecimento de qualquer registo proverbial referente a esta ilha, começou por se contactar Manuel Avelino Melim, cantor repentista de 90 anos, conhecido como “o peru”. Quando questionado, não sabia o significado do termo “provérbio”, mas posteriormente veio a dar dele a definição de “falar por tabela”, adiantando que aquilo que se pretendia saber poderia ser resumido naquela expressão, cuja referência também se encontra na obra Dizeres da Ilha da Madeira, de Luís de Sousa, que define “falar por tabela” como “referir-se indiretamente” a algo (SOUSA, 1950, 74). Foram igualmente realizadas recolhas orais em várias localidades da ilha da Madeira, junto de pessoas com idades superiores a 60 anos. Estas recolhas permitiram atestar o uso dos provérbios e dos ditos populares selecionados, muitos dos quais se encontram registados em monografias dialetais sobre o arquipélago. Na freguesia do Porto da Cruz, v.g., um ancião afirmou, com o sentido de dar tempo ao tempo ao assunto que ali nos tinha levado: Tenha calma. Antes da meia-noite não lhe irá dar sono. Assim, aplica-se às recolhas orais realizadas no arquipélago da Madeira o que disse Raphael Bluteau: “Recolhi Palavras anticadas, como relíquias de Portugal o velho e acrescentei vozes modernas, como enfeites de Portugal o novo” (BLUTEAU, 1712, I, 33). Após esta fase preliminar de pesquisa, em que nos questionámos sobre a existência de provérbios madeirenses, seguiu-se um processo muito importante do ponto de vista metodológico: confrontar os dados coligidos com os que se encontram publicados em dicionários da especialidade, a fim de aferir, através do método da comparação, a sua especificidade madeirense (no caso de não se encontrar atestado o uso dos provérbios e dos ditos populares em outras partes do país). António Carvalho da Silva considera esta questão muito importante e refere que: “A grande questão é que trabalhos anteriores ao de Luís de Sousa (Emanuel Ribeiro, Antonino Pestana, Jaime Vieira dos Santos ou Urbano Canuto Soares) já consideravam madeirenses alguns termos usados em todo o território nacional” (SILVA, 2008, 65). Neste trabalho, foram excluídos muitos dos provérbios recolhidos, pelo facto de também se encontrarem citados em dicionários de provérbios nacionais, como estando em uso noutras regiões de Portugal. Sobre este critério de seleção – o vínculo do uso proverbial às comunidades insulares do arquipélago da Madeira –, já Cabral do Nascimento questionava, a propósito do referido trabalho de Luís de Sousa, a existência de palavras e locuções madeirenses. Relativamente às 140 páginas por ele analisadas, referia que o autor não teria tido o tempo suficiente para saber se os vocábulos por ele recolhidos seriam também utilizados no território nacional. O próprio Luís de Sousa o admitia: “Quero fazer sentir a enorme dificuldade com que se depara quem, tendo nascido na Madeira e sempre na Madeira vivendo, só em rápidas e trabalhosas digressões pelo continente português e pelos Açores, teve ensejo de entrar em contacto com os naturais dessas paragens, faltando-lhe, portanto, o tempo para averiguar se determinada palavra ou locução é original desta ilha ou só aqui empregada, pois a consulta dos nossos dicionaristas e a leitura dos nossos escritores, mesmo daqueles que, como Aquilino, mais se comprazem com os dizeres do povo, não são, em muitos passos, o suficiente para a elucidação de um curioso, às voltas com um trabalho deste género” (SOUSA, 1950, 7-8). Este é um trabalho do qual se irá encarregar o próprio Cabral do Nascimento, ao comparar alguns dos vocábulos de Sousa com outros semelhantes, usados em certas regiões de Portugal continental, muitas vezes, como o próprio afirma, com desvios semânticos. A amostra de provérbios e de ditos populares atestados na Madeira, que a seguir se apresenta, tem em conta esta questão central: a sua originalidade insular. Para além deste condicionamento metodológico, que leva a reter apenas o uso atestado de um provérbio ou de um dito popular numa comunidade linguística situada num determinado território, é de salientar a opção pela descrição linguística, indo de encontro ao que referem Gabriela Funk e Matthias Funk: “Após mais de um século de estudo sobre o Provérbio, seria de esperar que este género da Literatura Oral se encontrasse devidamente caracterizado. No entanto, nas publicações da especialidade, não encontramos nem uma definição global nem uma caracterização consensual de Texto Proverbial” (FUNK e FUNK, 2008, 15). No seu dicionário, Bluteau regista algumas obras que tratam da definição de “provérbio”; descreve o adágio como “sentença comum popular e breve com alusão a alguma coisa”, acrescentando que o licenciado António Delicado reduziu a lugares-comuns os adágios portugueses, e que “os adágios são as mais aprovadas sentenças, que a experiência achou nas ações humanas, ditas em breves e eloquentes palavras” (BLUTEAU, 1712, I, 237). O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Editora Objetiva, 2001) define “provérbio” como sendo uma “frase curta, ger. [geralmente] de origem popular, freq. [frequentemente] com ritmo e rima, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social ou moral (p. ex.: Deus ajuda a quem madruga) […] na Bíblia, pequena frase que visa aconselhar, educar, edificar; exortação, pensamento, máxima”. Em Adagios, Proverbios, Rifãos e Anexins da Lingua Portugueza… encontramos a seguinte definição: “Ora todas as Nações têm ajuizado, que os Provérbios ou Adágios, são de grande utilidade para os Homens […]. Muitas cerimónias, e costumes antigos se encerram nos Provérbios. Eles são o depósito de toda a Antiguidade” (ROLLAND, 1780, 6). Este trabalho visou essencialmente selecionar os provérbios e os ditos populares usados na Região Autónoma da Madeira (RAM), registados ou não, que são verdadeiramente insulanos, ou seja, que mencionam características do arquipélago ou que a ele se referem, bem como às suas gentes e aos seus costumes. Na opinião de Manuel Nóbrega, “a cultura popular nunca pode competir com a erudita. Desaparecendo a atividade agrícola, desaparece a eira, o forno, a matança dos porcos, a lareira de aquecimento, a lenha, bem como o serão que se concentra em volta da televisão em vez de ser em volta da lareira. Por isso mesmo, a preservação da riqueza e cultura popular perde-se de modo irreversível. Perde-se a cultura popular dos provérbios, sobrepondo-se a cultura escrita à oral” (NÓBREGA, 2005-2006, 74). Esta observação leva-nos a pensar se – dado que não existe nenhum dicionário específico de provérbios e ditos populares insulanos, como inicialmente referido – será possível assegurar que determinado provérbio ou dito usado na ilha da Madeira ou de Porto Santo tem efetivamente aí a sua origem, apesar de existirem obras, exclusivamente dedicadas a adágios, ditos e provérbios nacionais, que não o afirmem. Trata-se de uma tarefa muito difícil e complexa. Relativamente a esta exigência metodológica, vale a pena referir de novo o clérigo Bluteau, que, em 1712, escreveu que estava há 30 anos a recolher vocábulos portugueses e lhe disseram que a língua portuguesa não merecia tanto trabalho, pois a maioria dos estrangeiros considerava-a como uma corruptela do castelhano, mas que ele próprio considerava isso um disparate: “Também houve, quem com rústica simplicidade me disse, que não merecia a língua Portuguesa tanto trabalho. A razão desse disparate é, que na opinião da maior parte dos estrangeiros, a língua Portuguesa não é língua de per si, como é o francês, o italiano e Cia mas língua enxacoca e corrupção do castelhano, como os dialetos, ou linguagens particulares das províncias, que são corrupções da língua” (BLUTEAU, 1712, I, 35). Na crítica publicada no Arquivo Histórico da Madeira, em 1950, Nascimento comunga da opinião de Sousa, ao referir a importância de “não nos fiarmos nos dicionários, porque atualmente alguns deles registam (como o de Cândido de Figueiredo) certos termos colhidos por estes monografistas, sem lhes aditar o pormenor da sua origem, o que determina ainda maior confusão” (NASCIMENTO, 1950, 207). V.g., são de salientar termos como “vilão”, vocábulo tipicamente madeirense, e “balalau”, tipicamente porto-santense, ambos em uso nas duas ilhas, mas porventura com diferentes conotações consoante os dicionários. Emanuel Ribeiro dizia: “Desde o primeiro dia em que desembarquei na Madeira resolvi tomar nota dos diversos e variadíssimos vocábulos que têm o uso aqui e para mim, forasteiro, formavam uma linguagem estranha e extravagante” (RIBEIRO, 1929, 10). A classificação da amostra selecionada a partir do corpus de provérbios e ditos populares recolhidos fez-se de acordo com o critério “marcador de regionalidade”, ou de “madeirensidade” (RODRIGUES, 2010, 210-226), o que permitiu formar dois conjuntos. De um primeiro conjunto, de forte grau de regionalidade, fazem parte os dois subconjuntos a seguir especificados: os provérbios e ditos populares que contêm um topónimo (Toponímia) ou um gentílico (Gentílicos), cujo nome de lugar e nome de origem sejam identificados como existentes no espaço do arquipélago, e aqueles provérbios e ditos que recorrem a regionalismos e que, a nível semântico, estão relacionados, direta ou indiretamente, com usos e costumes, com diversos aspetos culturais e sociais insulanos (alguns deles já se encontram registados desde 1950). Neste conjunto, é de salientar, v.g., o uso dos termos “vilão” e “palheiro”. Um segundo conjunto, com grau de regionalidade mais fraco, cuja classificação (autenticidade local) se prende com o facto de ter sido registado, nas obras consultadas, como sendo de carácter regional, ou de estar atestado como estando em uso na região, decorre de recolhas orais efetuadas em 2013. Este grupo contém provérbios ou ditos populares – por vezes carregados de ironia, ou com o intuito de admoestação ou de conselho – ligados a vários aspetos da condição humana e insular (meteorologia, festividades e costumes religiosos, etc.). Na mostra, os provérbios e ditos populares são apresentados com indicação da sua fonte e do seu sentido. Nem sempre a sua significação foi retirada da respetiva fonte, como é o caso das expressões que constam dos trabalhos de João da Cruz Nunes (Os Falares da Calheta…, de 1965), de Horácio Bento de Gouveia (A Canga, de 1976) e de Gabriel de Jesus Pita (A Freguesia dos Canhas, de 2003), uma vez que estes autores não fornecem os significados das expressões por si registadas. Provérbios Provérbios com topónimos e gentílicos regionais De São Vicente, nem bois nem gente (MOREIRA, 1996; RIBEIRO, 2007): antigo, em desuso; nem uma coisa nem outra. De São Vicente, nem bom vento nem bom casamento (MOREIRA, 1996): conselho; o vento de Norte significa mau tempo (São Vicente localiza-se no Norte da Madeira, sendo outrora dificilmente acessível); aplicado ao matrimónio contraído com naturais de São Vicente e à necessidade de prudência a esse respeito. Deserta descoberta, chuva certa (fonte oral, Madeira): referência a uma das ilhas que faz parte do conjunto de ilhas desabitadas que são área de reserva natural do arquipélago; quando a ilha Deserta está extremamente visível e o mar calmo, pode ser sinal de chuva. Onde está um machiqueiro, está um engenheiro (fonte oral, Madeira): capacidade de vencer obstáculos, atribuída aos habitantes de Machico. Porto Santo alerta, bonança certa (SANTOS, 1995): referência à segunda ilha do arquipélago; calmaria no mar, boa viagem marítima, sinal de bom tempo. Provérbios com regionalismos e referências diretas ou indiretas à Madeira Do Leste à chuva vai um salto de pulga (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965; PITA, 2003): indica que o tempo é imprevisível; do vento Leste (que está associado ao tempo quente e seco) à chuva pode ser uma mudança brusca. É como o vilão, que dá o pé e toma a mão (NUNES, 1965): João da Cruz Nunes não regista a definição; no entanto, poderá exprimir o facto de alguém que tenta vincar a sua importância; exprime o facto de o vilão (o colono, o trabalhador) não respeitar o seu senhor (o dono da terra). Ao vilão dá-se o pé para ele dar a mão (CALDEIRA, 1961): diz-se quando alguém se impõe na troca de cumprimentos, para evitar que o vilão abuse; neste uso, parece existir um sentido de superioridade, uma tentativa de demonstrar ao vilão quem é mais importante. Filho de balalau, balalau é! (fonte oral, Porto Santo): o vocábulo “balalau” é tradicional da ilha do Porto Santo; este adjetivo avalia ou qualifica alguém com menos capacidade, alguém com dificuldades, que não é rápido nem eficaz nas decisões que toma; v.g., “Ah, rapaz! Tás ficando balalau?”; “Bem disse que filho de balalau, balalau é!”. Variante: Filho de balalau é balalau em cheio! (fonte oral, Porto Santo). O Leste nunca morreu à sede (CALDEIRA, 1961): diz-se quando há estiagem e, a certa altura, sopra vento de Leste; v.g., “Isto é que é um Leste para queimar as plantas! Mas, como se costuma dizer, o Leste nunca morreu à sede”. As primeiras chuvas de verão são para enganar o vilão (fonte oral, Madeira): o vocábulo “vilão” tem uma conotação específica na RAM, sendo tanto o vilão que baila (sentido etnográfico), como aquele que usa de esperteza em determinadas alturas, que trabalha na agricultura ou ainda aquele que usa o tradicional barrete de orelhas, feito de lã de ovelha; no passado, o termo “vilão” servia para diferenciar socialmente o camponês do habitante da cidade; significa que as primeiras chuvas de verão não regam nada, servem apenas para enganar o agricultor. Quem quer ver vilão, ponha-lhe o mando na mão (NUNES, 1965): exibir-se; determinadas situações revelam a natureza das pessoas. Com o mesmo sentido, Bluteau regista: Se queres saber quem é o vilão, mete-lhe a vara na mão (BLUTEAU, 1720, VII, 541). Relativamente ao termo “vilão”, Bluteau tem ainda vários provérbios, e.g.: Se o vilão soubesse o sabor da galinha em janeiro, nenhuma deixaria no poleiro (BLUTEAU, 1721, VIII, 512). O vocábulo “vilão”, em Bluteau (BLUTEAU, 1721, VIII, 512), apresenta a seguinte definição: “Homem do campo, dedicado aos mais humildes ofícios da agricultura”. Quem quiser ver o vilão confiado, dê-lhe a chave da retrete (CALDEIRA, 1961): diz-se das pessoas que, sem motivo, se tornam petulantes; v.g., “Ah! Ele fala assim agora… pois é… quem quiser ver o vilão confiado, dê-lhe a chave da retrete”. Provérbios sem marcador lexical explícito de “madeirensidade” atestados na Madeira (registados e/ou em uso) Existem outros provérbios relacionados com várias realidades e atividades do quotidiano, muitas delas interligadas, como é o caso da meteorologia e da agricultura, ou ainda da alimentação e da agricultura. Da lista a seguir apresentada, apenas alguns provérbios se encontram registados. Agricultura Alqueire muito cheio é mexer no que é alheio (fonte oral, Porto Santo): alguém tirou mais do que devia. Ciúmes a sudoeste, se lavraste bem no cedo, bem fizeste (fonte oral, Porto Santo): indícios de que irá chover, o que será bom para a agricultura, se a terra tiver sido cultivada a tempo. Enquanto há água na fazenda é que se rega (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que enquanto se tem o artigo na mão é que se deve aproveitá-lo. O trabalho faz cansar, mas o descanso não faz alterar (fonte oral, Porto Santo): sobre a relação trabalho-descanso; o descanso não é suficiente para recuperar do cansaço. Quando ameaça mijar, o campo vai regar (fonte oral, Porto Santo): emprega-se quando a previsão é de chuva. Quando há água na fazenda é que se rega (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que quando há ocasião é que se faz, ou se diz. Vermelho ao nascente, é picar os bois e andar sempre (NUNES, 1965): com o nascer do sol, é andar depressa para a lavoura. Outros provérbios, de estrutura semelhante, fazem referência à vida no campo e à ocupação do dia, desde a aurora até ao entardecer, com diversas atividades: Vermelho ao nascente, é amassar e trazer gente (PITA, 2003): quando está a nascer o sol, é hora de começar a trabalhar. Vermelho ao poente, é amassar e trazer gente (NUNES, 1965): quando está a anoitecer, é hora de fazer o pão. Vermelho ao poente, é picar os bois e andar sempre (PITA, 2003): quando está a anoitecer, é hora de guardar os bois. Existe uma particularidade em cada um destes provérbios. Alimentação Nem sempre é pão com fel, nem sempre é pão com mel (CALDEIRA, 1961): nem sempre mau, nem sempre bom. Pão e vinho fazem o velho menino (PITA, 2003): expressão popular que manifesta dois fatores de satisfação na vida – o pão alimenta e o vinho dá alegria e rejuvenesce. Para a serra leva pão e gabão (PITA, 2003): espécie de alerta; recomendação de que para a serra se leve comida e agasalho. Uns comem os figos, outros arregalam os beiços (NUNES, 1965): uns comem, outros não; aplicada quando, na mesma circunstância, uns saem beneficiados e outros prejudicados; v.g., “Ah! Então é assim? Uns comem ui figues, outros arregalam ui beiços”. Aviso/ameaça Alto vareta, quem não quer dar não prometa (SANTOS, 1995): advertência a quem promete e não cumpre. Burro velho é melhor matar que ensinar (fonte oral, Camacha): diz-se de quem não consegue aprender nada. Variante: Burro velho não aprende línguas. Cachorro macho só é capado uma vez (CALDEIRA, 1961): refere-se à pessoa que nem se deixa levar por intrigas nem permite ser vigarizada; o mesmo que dizer: “Enganado, só uma vez”. Há muita maneira de matar pulgas (CALDEIRA, 1961): diz-se a alguém que duvida da forma como aconteceu ou se fez alguma coisa; v.g., “Ah! Não acreditas nisso? Olha que há muita maneira de matar pulgas”. Homem que bate muito com a mão no peito, é fugir dele como o diabo da cruz (fonte oral, Madeira): incitação a desconfiar de quem muito se queixa; v.g., “Não acredites nele nem nas suas cantigas [falas/queixumes], porque homem que bate muito com a mão no peito, é fugir dele como o diabo da cruz”. Os piores venenos guardam-se nos frascos mais pequenos (SANTOS, 1995): as pessoas são capazes de atitudes inesperadas e drásticas; a maldade revela-se, muitas vezes, onde menos se espera. Pragas sem razão nem sequer ao maior cão (CALDEIRA, 1961): conselho que se dá a quem roga pragas. Variante: Praga sem razão não se pede nem ao maior cão. Quem dá e tira, quando morrer, nasce-lhe uma tira (NUNES, 1965; CALDEIRA, 1961): aviso a quem dá e depois se arrepende de o ter feito; servia como forma de assustar as crianças, para não pedirem a devolução daquilo que davam umas às outras; v.g., “Ah, menino! Quem dá e tira, nasce-lhe uma tira”. Quem dá e tira, nasce-lhe uma tira (CALDEIRA, 1961): aplica-se a quem dá e depois se arrepende. Quem diz o que quer ouve o que não quer (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre os que censuram outros; diz-se quando alguém dirige insultos ou palavras insinuadoras e se mostra melindrado se a outra pessoa retribui da mesma maneira; o mesmo que dizer: “Se não querias ouvir, não dissesses”. Quem fala no barco é que quer embarcar (CALDEIRA, 1961; PITA, 2003): sobre a revelação implícita de um desejo; alguém fala num assunto que lhe interessa, mas de forma indireta; o mesmo que dizer: “Estás falando nisso, faz tu ou paga tu”. Quem não tem que fazer, descosa a saia e torne a coser (CALDEIRA, 1961): velho aforismo que se usa quando alguém maça ou perturba outra pessoa; diz-se da pessoa que nada faz e que incomoda, com insistência, os outros. Quem quiser empobrecer sem Deus querer, chame gente e não vá ver (PITA, 2003): aplica-se a quem perdeu os seus bens por não os saber administrar e que por isso poderá receber comentários negativos a seu respeito. Quem tem rabo não se assenta (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se pisa o rabo de um gato ou de um cão e eles emitem sons de dor; diz-se de quem foi castigado por ter prejudicado alguém; v.g., “Oh, diabo! Quem tem rabo não se assenta!”. Conselhos A rico não devas e a pobre não prometas (SANTOS, 1995): conselho para que se não fique a dever a pessoas abastadas, porque se ficará dependente delas, e para que se não prometam bens a um pobre, porque ele ficará dependente deles. Boca calada não entra moscas (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se aconselha alguém a estar calado; v.g., “O melhor que tens a fazer é ficar calado, porque boca calada não entra moscas”. Casa quanto caibas e bens que não saibas (PITA, 2003): conselho para se ser feliz – ter uma vida modesta e não pôr os bens materiais em primeiro lugar. Fala pouco e bem e ter-te-ão por alguém (PITA, 2003): estímulo à boa educação. No mesmo sentido: Fala pouco e bem e ter-te-ás por alguém (MILHANO, 2008; RIBEIRO, 2007). Mulher desconfiada vigia-se como gavião (fonte oral, Camacha): é necessário ter uma visão apurada; é necessário vigiar muito bem a reação de terceiros perante os próprios atos. Mulher santeira não queiras à tua beira (fonte oral, Porto Santo): sobre a importância de se ter uma mulher honesta e sensata. Para quem tem boa ideia não há mulher feia (fonte oral, Madeira): expressão que exorta a ter apreço pelos valores e pelas qualidades humanas. Quem casa com mulher bonita tem o diabo à porta (fonte oral, Madeira): diz-se do facto de a beleza atrair pretendentes. Quem tem olhos, tem abrolhos (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer “quem tem olhos tem o direito de ver”; sobre o dever de observar as coisas tal como são. Se queres um bom conselho, toma com quem é mais velho (PITA, 2003): sobre a importância da experiência de vida. Sim ou não duas coisas são (CALDEIRA, 1961): incitamento à resolução imediata, afirmativa ou negativa, de algum assunto; v.g., “Então, vais ou não vais? Sim ou não, duas coisas são!”. Destino Boa romaria faz quem em casa fica em paz (PITA, 2003; MILHANO, 2008; MOREIRA, 1996): é melhor ficar em casa que envolver-se em confusões; v.g., “Ah, rapaz! O que é aquela romaria? Vão todos para a tasca?! Aquilo vai acabar mal. Boa romaria faz quem em casa fica em paz”. Cada um rega com a água que tem (NUNES, 1965): cada um sabe de si. Casa acrescentada, morte chegada (PITA, 2003): expressão que se usa quando os idosos investem na recuperação das suas habitações. Variante: Casa nova, velho para a cova. Esta vida é mais larga que comprida (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se comentam factos da vida de outras pessoas, quando as coisas não correm bem. Meninos feitos à pressa saem cabeçudos (CALDEIRA, 1961): diz-se das coisas que são realizadas de forma precipitada e não se concluem com perfeição. Nem sempre o que diz a boca o coração sente (GOUVEIA, 1976): não revelar o que se sente ou pensa; esconder a verdade; ser precipitado nas observações. Quem caçoa também morre (SANTOS, 1995): expressão dirigida a quem ri de algo que se passou com outrem, sem perceber que lhe pode acontecer a mesma coisa. Quem chora menos urina (SANTOS, 1995): forma popular de se endereçar às crianças quando choram. Quem dá o que tem fica no caminho do concelho (CALDEIRA, 1961): sobre a necessidade de prudência para não se ficar pobre; não se deve doar os bens antes de morrer. Quem morre nã volta a este mundo (GOUVEIA, 1976): acerca do destino e da importância da vida. Quem nasce prove nunca espera sê rico (GOUVEIA, 1976): sobre a fatalidade. Quem o seu cu aluga não se senta quando quer (fonte oral, Porto da Cruz): sobre a situação de dependência de algo ou de alguém. Ter uma no coiro, outra no lavadoiro (fonte oral, Madeira): sobre aquele que tem poucas posses; v.g., “Ah! Aquele só tem uma no coiro e outra no lavadoiro”. Esperteza Bezerrinho manso mama a sua e mama a alheia (SANTOS, 1995): sobre aqueles que usam do silêncio e da calma quando querem lucrar com alguma situação. Bezerro manso mama a sua e mama a alheia (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre o jeito para negociar; v.g., “Olha p’ra ele, já viste o que tem? Sempre caladinho, é assim mesmo, bezerro manso mama a sua e mama a alheia”. O mesmo que: Bezerro manso mama o seu e o alheio; Boi manso mama o seu e o alheio (PITA, 2003). Burro dado não se olha para os dentes (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): coisa dada aceita-se prontamente. O mesmo que: Burro dado não se olha para as orelhas (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965). O cão ladra, é a porta do dono (CALDEIRA, 1961): quando alguém provoca outrem, estando protegido. Outros temas A noivos e a batizados só vai quem é convidado (PITA, 2003): sobre as formalidades; v.g., “Então, não vais c’a gente? – Não fui convidado e, ademais, a noivos e a batizados só vai quem é convidado”. Atrás de maio vem S. João (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): depois de uma coisa, vem outra. Cachorro que aveza a sangue de ovelhas nunca mais larga (fonte oral, Madeira): sobre os indivíduos que têm vícios; pode ser também aplicado a homem mulherengo. Comer e coçar, o mais é começar (NUNES, 1965): equiparação entre a fome e a comichão. Dia de S. Tomé, quem mata o porco amarra a mulher pelo pé (CALDEIRA, 1961): aforismo caído em desuso; dizia-se quando havia discussões por ocasião da matança do porco. Dum poço sujo não se tira água limpa (CALDEIRA, 1961): ditado de uso comum; define as qualidades de alguém; v.g., “Não devia meter-me contigo; dum poço sujo não se tira água limpa”. Mijo e urina são a mesma coisa (NUNES, 1965): forma de se referir depreciativamente a alguém; duas coisas iguais. Muita festa para a festa e nada para a véspera (CALDEIRA, 1961): sobre quem ostenta ser melhor do que, na realidade, é. Ouve-se cantar o galo, mas não se sabe aonde ou adonde (CALDEIRA, 1961): sobre quem não é frontal, não tendo a coragem de assumir o que diz, não se conseguindo saber dessa pessoa a verdade dos factos. Para quem não tem vergonha, todo o mundo é seu (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): expressão que manifesta uma forma de apreciação das pessoas indiscretas e atrevidas. As primeiras mulheres são trapos, as segundas guardanapos (CALDEIRA, 1961): provérbio antigo, aplicado a algum tipo de doença que vitimava as mulheres. Quando os porcos bailam adivinham chuva (CALDEIRA, 1961): expressão muito usada no caso de crianças que estão eufóricas e têm gestos chamativos, maliciosos ou travessos; muito utilizado também no caso dos adultos, quando há grande entusiasmo numa determinada situação de natureza pouco clara. Santos que cagam e mijam não são santos, ou não merecem devoção (SANTOS, 1995): classificação, de sentido pejorativo, de determinado comportamento. Tu não sabes da missa metade (fonte oral, Madeira): diz-se quando determinada pessoa julga saber tudo sobre determinado assunto, mas, na realidade, não sabe. Meteorologia e tempo Abril chuvoso, maio ventoso, S. João calmoso faz o ano bondoso (CALDEIRA, 1961): sobre o estado do tempo nos meses do ano. Cerco na Lua, sinal de chuva (NUNES, 1965): previsão popular do tempo. Céu pedrado, mau tempo e mar bravo (fonte oral, Madeira): diz-se quando as nuvens se apresentam fragmentadas, sendo isso sinal de tempestade. Chovendo dia de S. Braz, chove quarenta dias e mais (CALDEIRA, 1961): previsão popular do tempo. Chuva de maio nem sequer no rabo de um gato (CALDEIRA, 1961): menção do facto de que a chuva deste mês estraga as culturas. Chuva que no mar faz alvarinho com bom vento de terra se avizinha (fonte oral, Porto Santo): referência aos chuviscos que, do mar, serão arrastados até à costa pelo vento. Chuvinha de Ascensão, até das pedras se faz pão (SANTOS, 1995): sobre a importância da chuva pela Páscoa no fortalecimento das culturas. Conceição enxuta, Festa molhada (NUNES, 1965): previsão popular do tempo, segundo a qual, quando não chove pela festa da Imaculada Conceição, irá chover no Natal. Diferente de: Senhora da Conceição, dai-me sol e chuva não. Dia de Santa Luzia, minga a noite e cresce o dia (CALDEIRA, 1961): indica a data em que os dias começam a crescer. Dos Santos ao Natal, é inverno natural (PITA, 2003; RIBEIRO, 2007; MILHANO, 2008): diz-se para indicar que, entre o dia de Todos os Santos (1 de novembro) e o Natal, sendo fim de outono e início de inverno, é normal que chova. Em abril vai a velha aonde tem de ir e volta ao seu covil (fonte oral, Madeira): significa que em abril ainda está muito frio para sair de casa a não ser para coisas mesmo necessárias. Em abril, a velha queima o canzil (fonte oral, Madeira) e Em março, a velha está no espinhaço (fonte oral, Porto Santo): sobre a doença e a idade; exprimem o presságio de que alguma coisa grave irá acontecer. Fevereirinho quente traz o diabo no ventre (SANTOS, 1995): expressão regional definindo o clima, possivelmente também usada noutras paragens. Fevereirinho é garotinho (NUNES, 1965): alusão ao facto de se tratar do mês com menor número de dias. Gaivotas na serra é sinal de mau tempo (CALDEIRA, 1961): expressão de presságio usada pelo povo, quando vê gaivotas voarem em direção à serra. Janeiro, mete ombreiro (NUNES, 1965): sobre a necessidade andar bem agasalhado. O Leste de S. Braz, não vindo adiante, vem sempre atrás (PITA, 2003): mais tarde ou mais cedo, chega o calor. Março é cachorrinho (NUNES, 1965): alusão ao facto de que neste mês há, por vezes, grande variação de temperaturas. Natal com chuva, Páscoa com sol (CALDEIRA, 1961): previsão popular do tempo. Profano e religioso Ave-marias em casa, meia-noite na rua (CALDEIRA, 1961): diz-se de alguém que encobre o hábito de chegar a casa tarde; antigamente, ao anoitecer, os sinos da torre das igrejas tocavam as ave-marias, indicando que eram horas de recolher. Bem com Deus, mal com o diabo (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que devemos estar bem com quem mais nos interessa; devemos estar voltados para o bem e de costas para o mal. Deus não castiga nem com pau nem com pedra (CALDEIRA, 1961): aplica-se quando acontece alguma infelicidade a alguém, depois de ter praticado uma má ação. Deus não fecha uma fonte que não abra outra (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer: vai uma coisa mas vem outra; apelo a que se não perca a fé e se tenha esperança. Deus o deu, o diabo o levou (CALDEIRA, 1961): alusão ao carácter mutável da existência; tão depressa se ganha como se perde. Em dia de S. João toda a água é benta (fonte oral, Madeira): existe a crença de que as águas são purificadas no dia deste santo popular. Variante: Em noite de S. João, a água é lampa: nesta ocasião, há o costume de as pessoas se deslocarem até ao mar, ou para se banharem, ou para tocarem na água. Outra variante: Em noite de S. João, todas as ervas são bentas (SANTOS, 1995): sobre a fé sanjoanina; as ervas são purificadas, ficam benzidas pelo santo popular. Não há romaria sem cambado (CALDEIRA, 1961): aplica-se quando, em qualquer festa, reunião ou ocasião social, aparece uma pessoa a cambalear. Nunca se é velho para pagar pecados (NUNES, 1965): o castigo pelo mal cometido tarda, mas sempre chega. Quem pela murta passou, o seu raminho não apanhou, de Nossa Senhora não se lembrou (FREITAS e MATEUS, 2013): alusão ao sentido do gesto de apanhar um ramo de murta para oferecer a Nossa Senhora na igreja. Quem se emenda agrada a Deus (GOUVEIA, 1976): sobre a importância do arrependimento de coisa mal feita. Rata de sacristia, difícil ficar na ratoeira (fonte oral, Madeira): diz-se de mulher experiente e discreta. Santo da casa não faz milagres (NUNES, 1965): sobre quem, apesar dos seus esforços, nada consegue fazer para modificar a conduta e os costumes dos que lhe são próximos. Santo que não conheço, não lhe rezo nem ofereço (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se quer mostrar que não se tem interesse em falar com pessoa a quem não se conhece ou deve atenções. Saúde e doença Chá de alfavaca, se não morrer escapa (FREITAS e MATEUS, 2013): o chá de alfavaca é aconselhado em determinado tipo de doenças. Quem está doente vai ao médico (NUNES, 1965): sobre quem se queixa mas não procura solução para o seu problema. Sorte Dar sem proveito faz mal ao peito (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): diz-se quando alguém oferece com algo com boa intenção e não lhe é dado o devido valor. Debaixo dos pés se levantam os trabalhos (SANTOS, 1995): os problemas aparecem quando menos se espera. Donde menos se espera é que saem os coelhos (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que conseguiu obter-se algo de forma inesperada; outro sentido será: alguém assume a culpa de alguma coisa, causando espanto. Filho de aselha não dá carreira certa (fonte oral, Porto Santo): prenúncio de insucesso na vida por falta de formação. Fui de balde e vim de celha (fonte oral, Porto Santo): Celha significa a bandeja que os vendedores de peixe usavam antigamente à cabeça, por cima da molhelha, para transportar o peixe (mais tarde, surgiu a canastra); refere-se a quem fez algo inutilmente, ou de que não obteve proveito. Furtar a quem tem não é pecado (CALDEIRA, 1961): diz-se como resposta a alguém que lamenta furtos feitos a pessoas com haveres. Nem todos os dias são dias de festa (CALDEIRA, 1961): não se faz sempre a mesma coisa. Nem todos têm sorte longe da sua terra (GOUVEIA, 1976): sobre a emigração. Quem espera, mais tarde ou mais cedo sempre alcança (GOUVEIA, 1976): sobre a importância de se ser paciente. Quem mata um gato ladrão tem sete anos de perdão (CALDEIRA, 1961): em desuso; aplicado a quem mexe no que é alheio. Quem não pode queixa-se da molhelha (NUNES, 1965): sobre o servir-se de desculpas; diz-se de quem fala muito, mas depois nada faz, arranjando para isso muitas justificações. Quem não sabe vender fecha a loja (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre a arte de ser comerciante. Trabalho Barco parado (varado) não ganha frete (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965; MOREIRA, 1996; PITA, 2003; MILHANO, 2008): o mesmo que: “Quem não trabalha não ganha”. Contas feitas, barco lavado (PITA, 2003): acabado o trabalho, é hora de fazer a limpeza; aplica-se também aos negócios concretizados. Moleiro que carrega na maquia não tem freguesia amiga (fonte oral, Madeira): sobre o valor a cobrar; quem cobra montantes excessivos, perde a clientela. O mesmo que: “É muito caro, não volto lá para comprar”. Quem faz um cesto faz um cento (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): quem aprende a fazer um trabalho pode voltar a fazê-lo; provérbio que evoca o artesanato regional, em particular a obra de vimes, com forte ligação à Camacha. Quem lava um prato, lava dois (CALDEIRA, 1961): quem lava um prato, facilmente lava dois, dispensando ajuda; a expressão tem também um sentido não literal. Trabalhas como um preto e gastas como um fidalgo. O provérbio remonta ao tempo da escravatura no arquipélago, pode ter dois sentidos: trabalhas muito e não poupas, ou trabalhas pouco e gastas muito. O vendeiro tem de beber para o cliente não desconfiar (fonte oral, Madeira): conselho sobre como vender; quando o vendeiro bebe, demonstra que o produto é bom, é genuíno, não está adulterado, de modo que gera a confiança dos clientes. Outros ditos Outros ditos com topónimos e gentílicos regionais Boa para pregar no Pilar de Banger (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): expressão que se empregava quando uma história não era completamente verdadeira e, por esse motivo, deveria ser afixada no Pilar de Banger, de forma a ser conhecida por toda a gente. O Pilar de Banger, com 30 m de altura e 3 de diâmetro, foi mandado construir por John Light Banger. Concluído em 1798 na marginal da cidade do Funchal, servia essencialmente para ajudar a transportar carga do mar para terra e vice-versa. Mais tarde, tornou-se um posto de vigia e de sinais. Em 1939, foi demolido. Em 1990, a base foi reposta. Os ceguinhos morreram no Caniçal (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): não se deixar intrujar; não ir no logro; modismo que exprime “não ir nessa”. Enxergar um mosquito nas Desertas, Ser capaz de (PITA, 2003): diz-se de alguém que tem a capacidade de ver a grande distância. Também pode ser dito com ironia, nesta variante: És capaz de enxergar um mosquito nas Desertas. Justiça da Ponta do Sol (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): ficar sem os haveres e sem apelo; com sentido de expressão idiomática, é uma referência a uma forma de justiça popular referenciada como sendo daquela localidade da Madeira. Na freguesia da Ponta Delgada, sê colono é sê digraçado (GOUVEIA, 1976): alude à situação de dependência de algo; referência à Lei da Colonia, segundo a qual o colono teria de entregar parte da produção ao senhorio; segundo Fernando Augusto da Silva, colonia é um regime agrícola de propriedade em que as terras pertencem ao chamado “senhorio e as benfeitorias ao colono, fazendo este toda a cultura com direito à dimidia da produção” (SILVA, 1950). Peru velho da Calheta quer casar não tem jaqueta (CALDEIRA, 1961): expressão antiga, utilizada nos tempos em que se vendiam perus pelas ruas da cidade, podendo referir-se a alguém que, tendo uma certa idade, quer contrair matrimónio mas não tem bens nem dinheiro. Variante: Peru velho do ilhéu quer casar não tem chapéu (CALDEIRA, 1961). Ribeira Tem-Te Não Caias (fonte oral, Madeira): nome, em forma de apelo, atribuído a uma ribeira existente no Porto da Cruz; consoante o seu caudal, é necessário ter atenção ao atravessar (“Tem-te”) e manter o equilíbrio (“Não Caias”); este nome foi atribuído à estrada que circunda a montanha onde está situada a ribeira; espécie de alerta. São Braz do Arco (Calheta) matou sete e afogou quatro (CALDEIRA, 1961): rifão popular de origem desconhecida; usado como gracejo. São Vicente, boa gente (fonte oral, Madeira): alude à existência de boas pessoas em São Vicente, com as quais vale a pena fazer amizade. O Senhor dos Milagres aceita a brincadeira (CALDEIRA, 1961): referente a Machico; a propósito de promessa não cumprida. Valha-me São Braz do Arco (Calheta) (SANTOS, 1995): vocativo implorando a ajuda divina. Valha-me o Senhor dos Milagres (SANTOS, 1995): referente a Machico; vocativo implorando a ajuda divina. Outros ditos com regionalismos e referências diretas ou indiretas à Madeira As camacheiras estão abanando as saias (CALDEIRA, 1961): diz-se quando o vento, vindo da direção nordeste, é bastante agreste; as camacheiras são na realidade as habitantes da freguesia da Camacha, na ilha da Madeira, apesar de haver também um sítio denominado Camacha na ilha do Porto Santo; a população do Funchal proferia este provérbio sempre que soprava o vento de Nordeste; de realçar que as saias das camacheiras, aqui referidas, são as saias coloridas das floristas e das bailarinas, de cariz etnográfico. Camacheiro (SIMÕES, 1984; SILVA, 1950): é um regionalismo pelo qual se designa o vento de Leste, vento frio e agreste que sopra dos lados da freguesia da Camacha; apesar de este vocábulo identificar também o habitante da freguesia da Camacha, o seu sentido proverbial atribui-lhe a referência ao vento; Guilherme Augusto Simões, em Expressões Populares Portuguesas…, texto publicado em 1984, regista este provérbio, referindo que Artur Bivar já o tinha mencionado no Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa, em 1948; estamos perante um vocábulo da RAM registado fora da Ilha. És como o vilão, não vê nada sem tocar com a mão (CALDEIRA, 1961): diz-se quando uma pessoa toca numa coisa em que outra não quer que se mexa; v.g.: “Não toques nisso! És como o vilão, que não pode ver nada sem tocar com a mão?”. Estar como o vilão na casa do sogro (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): diz-se do indivíduo que está comodamente recostado, refastelado, à-vontade. Caldeira regista o seu sentido: aplica-se “quando um indivíduo está à vontade, bem encostado de perna estendida” (CALDEIRA, 1961, 59). Março marçagão, de manhã dente de cão, ao meio-dia sol de alegria e à tarde escapa vilão (NUNES, 1965): sobre a esperteza; comer bem, apanhar sol e passear. Ser galo do palheiro ou galinho do palheiro (CALDEIRA, 1961): pessoa esperta, atrevida; pessoa que fala muito. As canelas de João Blandy ou do senhor Blandy (SOUSA, 1950): no jogo do loto, aquele a quem sai o 77 grita, em vez do número, “as canelas de João Blandy” ou “as canelas do senhor Blandy” (de forma semelhante, quando se diz “boca da peça” os jogadores sabem imediatamente que se trata do número 1, e quando se profere “duas irmãzinhas” identificam logo ter saído o número 66); a família Blandy reside na Madeira há centenas de anos, onde se dedica ao comércio e serviços. Outros ditos sem marcador lexical explícito de “madeirensidade” atestados na Madeira (registados e/ou em uso) Agricultura É mais fácil o céu produzir abóboras, e a terra estrelas, do que virar o nosso feitor (“Provérbios populares”, 1969): forma de se expressar por meio da qual os agricultores se referiam ao modo de ser do feitor da quinta. Mijai, senhor, que a terra está seca (SANTOS, 1995): não é certo que esta expressão seja do arquipélago; de cariz jocoso, é um comentário perante uma situação inesperada; referência à necessidade de chuva. Santa Isabel está a abanar as saias (fonte oral, Camacha): diz-se sobre o vento no verão; em tempos, o povo queria que houvesse vento em julho, mês de S.ta Isabel, para ajudar a ajoeirar o trigo, depois de passar pelo mangual e antes de o guardar; v.g., “Parece que Santa Isabel já está a abanar as saias”. São Pedro bem-disposto, campo regado com gosto (fonte oral, Porto Santo): referência à chuva pelo mês deste santo popular. Alimentação Casca fora, inhame dentro (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): comer com grande apetite, com sofreguidão; v.g., “Isto cá é assim. Casca fora, inhame dentro”. Castanhas com carepa faz o cú tocar rebeca (fonte oral, Camacha): alusão à flatulência provocada pela ingestão de castanhas cruas. Comer formigas faz bem à vista (CALDEIRA, 1961): velho adágio que se pronuncia quando alguém se queixa de ter engolido uma formiga; v.g., “Estava a comer uma maçã e engoli uma formiga! Não faz mal, fez bem à vista”. Meio-dia, panela cheia, barriga vazia (SANTOS, 1995): diz-se para referir a hora da refeição. Aviso/ameaça O diabo quis cuidar de cem cabras e não quis cuidar duma só mulher (fonte popular, Porto Santo): diz-se a mulher que fala muito e continuamente; o mesmo que: “Vai lá p’Argel, o diabo quis cuidar de cem cabras e não quis cuidar duma só mulher”. Do coiro te sai as correias (CALDEIRA, 1961): sobre sofrer as consequências dos próprios atos. Ele com uma mão, eu com duas (CALDEIRA, 1961): usado para se alegar que, na celebração de um negócio, se foi mais sério do que a outra parte nele envolvida. Também se pode dizer: “Ele com duas mãos e eu com uma”. Fecha o aparelho que a burrinha espanta (fonte oral, Porto Santo): incitamento a fechar o guarda-chuva; v.g., “Ah, rapaz! Fecha o aparelho que a burrinha espanta”. Guarda o rir para quando chorares (CALDEIRA, 1961): conselho que se dá a quem ri de escárnio; v.g., “Olha, tás a rir? Guarda para quando chorares!”. A madeira onde o diabo se sujou (SANTOS, 1995): referência ao mau cheiro da madeira de til; era uma expressão muito usada pelos carpinteiros. Não dar cópia nem mandado (SOUSA, 1950): não dar notícia; estar em parte incerta. Não me venhas tirar o inhame da porta (SOUSA, 1950): aviso; frase que indica não ter medo de qualquer ameaça que vise os próprios bens ou bem-estar. Nem que te mates, nem que te esfoles (CALDEIRA, 1961): menção de algo de irreversível ou relativamente ao qual é inútil insistir; v.g., “Olha, eu já te disse que não te dou isso, nem que te mates e esfoles”. Variante: Nem que me mate nem que me esfole. Olho vivo, Santa Luzia (CALDEIRA, 1961; SOUSA, 1950): locução que indica ser preciso ter cautela. Quem me pica num dedo veja em que dedo me pica (CALDEIRA, 1961): admoestação, em tom de ameaça, no sentido de evitar qualquer ofensa; v.g., “Olha, toma cuidado, porque quem me pica no dedo veja em que dedo me pica, ouviste?”. Variante: Quem me pica num dedo, pica-me em dois: forma de alguém fazer sentir que não admite ofensas, que fica melindrado; v.g., “Já sabes. Quem me pica num dedo, pica-me em dois. Então vê lá como me tratas, ouviste?”. Se isso tem veneno, não me mata (CALDEIRA, 1961): sobre ser fiel; não tocar; expressão que supõe a recusa em contactar com algo que se deve evitar; o mesmo que: “Se isso tinha veneno, não me matou”. Vai pr’ Argel (fonte oral, Madeira): expressão usada desde os tempos remotos da pirataria e dos saques, em que a população do arquipélago era levada como refém para a Argélia e mais tarde pedido o seu resgate; alguns idosos costumam usar esta expressão quando se sentem importunados por alguém ou por coisa que querem que vá para longe. Conselhos Amarrem as filhas que os cabritos andam à solta (CALDEIRA, 1961): expressão que se ouvia algumas vezes quando as raparigas eram imprudentes e queriam sair com rapazes (“cabritos”). Come o que te dão e não sejas refilão (PITA, 2003): exortação a aceitar com humildade o que se recebe. Destino A cara não pode esconder o qu’a gente sente cá dentro (GOUVEIA, 1976): a face espelha o sofrimento, a angústia. A terra alheia nunca foi má madrasta p’ra quem quer andar à boa vida (GOUVEIA, 1976): sobre aquele que quer andar na boa vida nos terrenos de terceiros. Esperteza Olho atrás, olho adiante (CALDEIRA, 1961): ter cautela, estar precavido; v.g., “Lá com aquele tipo é preciso ter olho atrás, olho adiante”. Inveja Que d’inveja se comia: a expressão perpetua-se no romanceiro e nos dizeres populares. Na literatura que faz o retrato do mundo rural, como acontece em Horácio Bento de Gouveia, diz-se que entre os madeirenses havia “muita imveja im riba do lombo”, e que a gente “arrepelava-se de inveja” (VIEIRA, 2016). Como refere Alberto Vieira, “na ilha, a inveja diz-se e a invejidade vive-se”: trata-se de uma maneira de ser e de estar; segundo o autor, é uma característica comportamental, também conhecida como “dor de cotovelo”, que se torna mais notada nos espaços pequenos, onde ninguém larga os seus hábitos, usos e costumes, atitudes e sentimentos (VIEIRA, 2016, 26). Este autor cita ainda o Re-nhau-nhau (10 abr. 1952): Se a inveja fosse tinha toda a gente andava tinhosa (VIEIRA, 2016). Outros temas Andas vestida como uma rainha e descalça como uma galinha (fonte oral, Porto Santo): andar bem vestida, não tendo grandes posses. De rir e mijar gravetos (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): diz-se daquilo que desperta hilaridade; v.g., “Aquele estuporzinho diz coisas de rir e mijar gravetos”. Deixa-te de cramar (fonte oral, Madeira): expressão idiomática endereçada a quem está sempre a reclamar ou a queixar-se. Está um burro para cair pela rocha abaixo (CALDEIRA, 1961): diz-se quando acontece uma coisa boa de forma inesperada. Estar como o Belchior, cada vez pior (MILHANO, 2008; MOREIRA, 1996): expressão muito usada em Porto Santo, que faz alusão a Belchior Baião. “Belchior Baião, de linhagem nobre, foi o primeiro deste apelido que se estabeleceu na Madeira. Esta família teve um morgadio no Porto Santo e era padroeira duma capela na igreja paroquial, que ainda é conhecida pela capela da morgada” (SILVA e MENESES, 1998, 115). Maria, a “Atalaia”, tem o vestido mais comprido que a saia (CALDEIRA, 1961): diz-se à laia de crítica; quando se vê a roupa interior de alguém; v.g., “Olha-me pr’aquilo! Parece a Maria d’Atalaia!”. Para quem é, bacalhau basta (CALDEIRA, 1961): expressão que reflete menosprezo por alguém; diz-se quando não se quer dar a alguém mais do que aquilo que se julga que essa pessoa merece. O relógio da Sé é que se repete (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961), diz-se quando não se está disposto a voltar a dizer ou a fazer a mesma coisa. O mesmo que: O relógio da Sé é que dobra (CALDEIRA, 1961). A vida de João p’ra rua é comer, dormir e andar na rua (CALDEIRA, 1961): aplicado às pessoas que são mandrionas. Meteorologia e tempo Abril, manguil, canzil, maio, mamaio, marangaio, São João, São Joanás é o mês que nasce o nosso rapaz (PITA, 2003): dito de mulher grávida a explicar o estado adiantado da sua gravidez. Chuva em abril é a salvação da ilha (fonte oral, Porto Santo): sobre a importância da chuva para a subsistência. Sol e chuva, feiticeiras a se pentear (NUNES, 1965): diz-se quando simultaneamente ocorrem chuviscos, faz sol e aparece o arco-íris. Tenha calma. Antes da meia-noite não lhe vai dar o sono (fonte oral, Porto da Cruz): dar tempo ao tempo; não ter pressa. Profano e religioso Assim se canta na Sé. Uns assentados, outros de pé (SOUSA, 1950): sobre a ordem das coisas; o mesmo que dizer: “Ah! Assim, sim, está correto”. Dia de varrer os armários (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): referência ao dia 15 de janeiro, dia de S.to Amaro, Santa Cruz, Madeira, em cujos festejos, no mês de janeiro, se encerra o tempo natalício; e.g., “Venha a minha casa no dia de Santo Amaro, que é o dia de varrer os armários”. O mesmo que: Dia de S.to Amaro, varre os armários (fonte oral, Madeira). Sorte Criou fama e deitou-se na cama (fonte oral, Madeira): sobre quem teve êxito em alguma coisa e, depois disso, começou a levar uma vida ociosa. Desde que o mundo é mundo sempre houve ricos e pobres (GOUVEIA, 1976): sobre o destino. Livres de semear, prisioneiros das consequências (fonte oral, Madeira): sobre o uso da liberdade e as responsabilidades dele decorrentes. Não vejo moita por onde saia coelho (CALDEIRA, 1961): diz-se quando não há – ou não se vislumbra – qualquer possibilidade de se conseguir o que se quer. Quem falou pagou (NUNES, 1965): quem fala para desacreditar outrem, acaba por sofrer as consequências disso. Muitos dos provérbios e ditos populares apresentados, e atestados pelas recolhas orais realizadas, foram extraídos de obras publicadas, que constituem um património de grande valor. Convém salientar também que, no plano da linguística, esta amostra tem em consideração aquilo que especialistas de diversas épocas referiram. Em 1950, Cabral do Nascimento afirmava que, relativamente à língua, existia um “antepassado comum” (NASCIMENTO, 1950, 205), o que, anos mais tarde, foi aferido de igual modo por Lindley Cintra e Celso Cunha, que acrescentam: “os dialetos falados nas ilhas atlânticas […] são um prolongamento dos dialetos portugueses continentais” (CINTRA e CUNHA, 2005, 19). Muito antes, no séc. XVIII, Raphael Bluteau descrevera da seguinte forma a sua admiração pela língua portuguesa: “Da tua impaciência conheço, que és Português; como tal não podes deixar de estranhar, que se arrojasse um estranho a compor o teu idioma, o Dicionário. Entendamo-nos Amigo, e entende, que isto, que te parece arrojo, é veneração” (BLUTEAU, 1712, I, 33).   Manuel Justino de Freitas Rodrigues (atualizado a 15.02.2018)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

portão dos varadouros

Antiga entrada da cidade, o portão foi construído em 1689, no tempo do governador D. Lourenço de Almada, na muralha defensiva do Funchal. A partir do séc. XIX, sobretudo quando a entrada da cidade passou para junto do palácio e fortaleza de S. Lourenço, foi perdendo progressivamente o interesse. Foi demolido, entre abril e maio de 1911, na sequência da implantação da República e das questões de poder entre os novos e os velhos grupos de republicanos. Acabou por ser reposto no mesmo local, quase 100 anos depois, em setembro de 2004, no quadro do início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal. Palavras-chave: defesa; muralhas; República; anticlericalismo.   O portão dos Varadouros, antiga entrada da cidade, foi construído em 1689, no tempo do Gov. D. Lourenço de Almada (1645-1729) e encerrou aparatosamente a muralha defensiva do Funchal. Deixou de ter interesse, progressivamente, a partir dos inícios do séc. XIX, sobretudo dos meados da centúria, quando a entrada da cidade passou para junto do palácio e fortaleza de S. Lourenço, na sequência das obras do cais regional. Com a implantação da República e as questões de poder entre os novos e os velhos grupos republicanos, foi demolido, entre abril e maio de 1911. Acabou por ser reposto no mesmo local, quase 100 anos depois, em setembro de 2004, no quadro do início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal. Portão dos Varadouros. Arquivo Rui Carita O regimento de fortificação de 1572, logo após o preâmbulo, definia muito concretamente a espessura das muralhas, a maneira de as fazer (de forma a resistirem ao clima marítimo) e o número de portas que a cintura deveria ter (Muralhas da cidade). Assim, o número de portas estabelecido era cinco: duas para serventia do mar, entre a fortaleza existente e a da Pç. do Pelourinho, e três para serviço da cidade, uma junto à ponte de N.ª Sr.ª do Calhau, outra junto às casas de Gaspar Correia, a poente da fortaleza, e a última junto a S. Paulo, na entrada da R. da Carreira, por onde haviam surgido os corsários franceses. O regimento remata com a indicação: “E não haverá mais portas” (ARM, Câmara..., Registo Geral, tombo 2, fl. 140v.). A muralha estaria sumariamente levantada na primeira metade do séc. XVII, com as portas indicadas em cima. Citando o cronista Gaspar Frutuoso, por volta de 1590, “no muro da banda do mar tem uma porta de serventia, junto de Nossa Senhora do Calhau, e outra, mais no meio da cidade, junto dos açougues, e outra, que é a mais principal, aos Varadouros, defronte da rua dos Mercadores” (FRUTUOSO, 1968, 111), mais tarde, da Alfândega. Mas nem a muralha nem a porta estavam prontas, concluindo-se quase 100 anos depois. Ao longo da segunda metade do séc. XVII, terminou-se, com dificuldade, o troço da frente mar da muralha, entre as fortalezas de S. Filipe do Lg. do Pelourinho e de S.to António da Alfândega (Reduto da Alfândega). Embora ao longo desse século vários governadores e provedores da Fazenda, como António Nunes Leite (em referência ao ano de 1621), escrevessem que “toda a cidade estava murada” (ANTT, Corpo Cronológico, parte I, mç. 118, doc. 151), a verdade é que não foi bem assim. O espaço compreendido entre as fortificações mencionadas, onde se situava o cabrestante, os açougues e o mercado municipal de peixe, não possuía muro de defesa na verdadeira aceção da palavra. A muralha era então constituída pelos muros das próprias casas, com uma ou outra obra mais ou menos improvisada, como se veio a afirmar. Com efeito, em carta enviada em 1664 pelo provedor Ambrósio Vieira de Andrade, considerando o emprego do dinheiro atribuído às fortificações, o autor refere que quando o Gov. Diogo de Mendonça Furtado (c. 1620-c. 1680) chegara ao Funchal, em 1660, não havia muralha alguma na frente mar, tendo-se até enviado um rascunho do que deveria ser feito para Lisboa, documento que não chegou até nós. Portão dos Varadouros. Arquivo Rui Carita Não sabemos qual foi a resposta enviada ao pedido de 1664, pois só temos informações a esse respeito mais de 20 anos depois. Com efeito, em setembro de 1688, a corte insistiu para que fossem concluídos os “fortes e com boa posição” (ANTT, Provedoria..., liv. 968, fl. 61), iniciando-se então as obras, sob o Gov. João da Costa de Brito (c. 1640-c. 1700), com a indicação de que fossem auscultados os oficiais de guerra mais práticos no assunto. Nesse documento, foi ainda feita uma chamada de atenção para os vários redutos e plataformas que necessitavam de reparo e outros elementos que poderiam precisar de ser revistos ou totalmente reconstruídos. Durante a vigência do governador seguinte, D. Lourenço de Almada, houve uma nova insistência de Lisboa no sentido de se concluírem as intermináveis obras da fortificação do Funchal. Terá sido neste contexto que, em março de 1689, certos técnicos continentais aportaram à cidade: o Cap. de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e um ajudante, o estudante de engenharia Manuel Gomes Ferreira, que completaram finalmente a muralha da frente mar da cidade e construíram um portão dentro do gosto maneirista internacional, justamente, o portão dos Varadouros. Este portão representa um certo empolamento para a cidade do Funchal, embora tenha um desenho muito simples, em comparação com os inúmeros portões congéneres levantados por essa época nas praças-fortes continentais. Apresenta dois pares de colunas meias-colunas de cada lado da porta, esta com um arco de volta perfeita e as armas do Funchal ao centro; tem ainda cornija e um largo frontão redondo, encimado pelas armas reais. Sob estas, encontra-se uma inscrição em latim: “Perfecta haec varii praefecti / maenia frusta, praeteriti cu / piunt tempore quisque suo, sed / domino Laurentio ea est seruata / voluptas. D. Almada qui istud fi / ne coronat opus. Anno 1689”, que pode ser traduzir por: “Cada um dos antecedentes governadores de balde se esforçou por concluir estas muralhas; ao senhor Lourenço de Almada estava reservada a satisfação da sua conclusão. Ano de 1689” (SILVA e MENESES, II, 1998, 467). Portão dos Varadouros, 1909. Arquivo Rui Carita O Elucidário Madeirense indica que era por este portão que os governadores e prelados faziam a sua entrada solene na cidade e que tal cerimónia se “revestia sempre de extraordinário luzimento, com a presença do elemento oficial, todas as tropas da guarnição, as pessoas mais gradas da terra, o clero, fidalgos, cavaleiros e muito povo” (Id., Ibid., 468), algo repetido depois por outros autores. Não encontrámos, no entanto, registo coevo de tais cerimónias, nomeadamente na correspondência dos governadores e dos bispos alusivas à sua chegada à Ilha. Assim, a terem acontecido nos moldes descritos, terão sido entradas de carácter excecional. Com a implantação da República, o portão foi alvo de complicada polémica, pretendendo os mais novos a sua demolição imediata, alegando a necessidade de limpeza da área. Efetivamente, grassava na cidade uma epidemia de cólera, mas as razões para esse ato iconoclasta eram essencialmente políticas. O portão ostentava as armas reais e possuía, em anexo, uma pequena capela dedicada a N.ª Sr.ª do Monte dos Varadouros, tudo elementos que os republicanos mais novos queriam fazer desaparecer rapidamente. Os mais velhos, como era o caso do Gov. civil Manuel Augusto Martins (1867-1936), aconselhavam alguma contenção, mas, entre abril e maio de 1911, na preparação das primeiras e polémicas eleições republicanas, efetuadas a 28 de maio daquele ano, o portão foi demolido. As pedras foram guardadas nas arrecadações camarárias, transitando depois para as arrecadações do palácio de S. Pedro (Palácios) e, mais tarde, para o parque arqueológico do Museu Quinta das Cruzes. O recheio da capela, com o retábulo e a imagem de N.ª Sr.ª do Monte, foi entregue à Sé do Funchal, encontrando-se a capela remontada na antiga sacristia desta Catedral, sob a sua torre sineira (Sé do Funchal). Rua da Praia e Varadouros. Arquivo Rui Carita A ideia de remontar o portão foi ensaiada várias vezes pela Câmara Municipal do Funchal, tendo-se iniciado o estudo da recolocação dos materiais e executado os desenhos prévios em junho de 1993. O projeto levantou então alguma polémica, pelo que, somente em setembro de 2004, em parceria com entidades privadas, foi levada a cabo a remontagem, no âmbito e no início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal.     Rui Carita (atualizado a 18.02.2018)

Património

sociedade de desenvolvimento da madeira

A constituição da sociedade concessionária da administração e exploração da Zona Franca da Madeira (ZFM), o Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), inscreveu-se no quadro da Convenção de Quioto de 1973, que admite a gestão de zonas francas por autoridades públicas ou por pessoas singulares ou coletivas. Para esse efeito, a Região Autónoma da Madeira (RAM) assinou, em 1984, em Nova Iorque, um protocolo com a Pelican Finance Corporation, a qual se comprometeu a constituir a Madeira Investment Company como veículo para um investimento até 20 milhões de dólares na ZFM, enquanto sócia da sociedade a constituir em parceria com a RAM, ficando estipulado que a RAM deteria 25 % do capital social, com direitos especiais de voto. No desenvolvimento e aprofundamento do protocolo foi constituída a Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), em cerimónia decorrida a 30 de novembro de 1984 na Quinta Vigia, sede da Presidência do Governo Regional da Madeira (GRM), com a intervenção do notário privativo do Governo. Em 1986, a Assembleia Regional da Madeira autorizou o GRM a adjudicar a administração e exploração da ZFM em regime de concessão de serviço público, o que veio a acontecer em 1987. Nesse ano, a SDM transformou-se em sociedade anónima e o capital social detido pela Madeira Investment Company foi adquirido pelo empresário madeirense Dionísio Pestana. A opção por uma gestão em moldes empresariais privados derivou não só da aplicação dos princípios de simplificação e desburocratização administrativas, com reconhecimento da detenção de know-how por parte da concessionária, mas também da conveniência e vantagem de a interlocução com o mundo empresarial ser assegurada num plano e registo de igual natureza e pulsação. A concessão foi adjudicada por um prazo de 30 anos, sem prejuízo da sua renovação ou prorrogação. No exercício das suas competências, por força da lei e do contrato de concessão, a SDM procedeu à construção das infraestruturas internas da Zona Franca Industrial (ZFI), cabendo ao GRM adquirir os imóveis, que permanecem na sua titularidade, necessários à instalação da ZFI e assegurar o abastecimento dos serviços básicos até ao perímetro da ZFM. Após a celebração do contrato de concessão, a SDM iniciou a atividade concessionada e, em 1989, procedeu à primeira ação promocional do CINM, através de um seminário realizado na Law Society, na cidade de Londres, dando, assim, o primeiro passo formal para a promoção da Madeira em mercados onde o seu nome era desconhecido na sua qualidade de centro internacional de negócios. Esse trabalho foi desenvolvido por meio de seminários, de conferências, de reuniões com instituições, de empresários e escritórios de advogados, de auditores e consultores económicos e financeiros em todos os continentes, como também mediante uma rede de correspondentes e representantes contratados para o efeito pela SDM. Em 2012, a Assembleia Legislativa da Madeira, a propósito do processo de revisão dos limites máximos aos benefícios fiscais (plafonds), reconheceu o trabalho da SDM, numa resolução tomada sem votos contra e com os votos favoráveis dos três partidos do arco governamental (PSD, CDS e PS), considerando que a promoção efetuada era tão difícil como eficaz, tão complexa como eficiente e persistente. Além destas competências, a concessionária tem, ainda, a faculdade de emitir uma pronúncia sobre o mérito das candidaturas ao licenciamento de atividades, com emissão, por delegação de poderes, da respetiva licença, de aprovar os projetos de instalação, com emissão de licença de construção, das empresas na ZFI e de fiscalizar o exercício das atividades pelas entidades licenciadas. Para além das obrigações legais e contratuais, a concessionária, com o estatuto de parceiro institucional do Governo da República e do Governo Regional, participa, desde sempre, no processo de produção legislativa e de solução de questões emergentes, nas negociações dos regimes fiscais do CINM junto da Comissão Europeia, bem como na modelação inicial dos tratados, para evitar a dupla tributação, e ainda no Código de Conduta para a Fiscalidade das Empresas, no âmbito da União Europeia, e no Fórum para as práticas fiscais prejudiciais, que foi encetado no contexto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. A concessionária permitiu ao erário público, inclusivamente, a existência de um regime flexível e exequível de cobrança das taxas de instalação e anuais de funcionamento, pagas pelas empresas licenciadas no CINM, recebendo a RAM uma percentagem das mesmas, assim como a usufruição de dividendos, enquanto acionista da concessionária.   José António Câmara (atualizado a 31.12.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

impostos e direitos

É a principal fonte de receita do Estado. É uma das formas de o Estado fazer face à despesa pública. Incidem sobre o património, a renda e o consumo, de que resulta a designação de diretos, para os dois primeiros, e de indiretos para o último. De acordo com a distribuição da taxa ou quota, podemos, também, defini-los como de capitação, soma fixa, contingente ou repartição. Atente-se às designações: por um lado, temos a indicação de direitos, que aparece com frequência no período senhorial, que vai até 1497, e que define os privilégios que o senhorio tem sobre os colonos pelo facto de possuir determinada jurisdição. Já o imposto nos remete para a ideia de algo que é posto por força da autoridade. A lista de tributações que onerava o arquipélago é extensa e estas aparecem sob múltiplas designações ao longo do tempo. Assim, temos: contribuições − contribuição sumptuária, contribuição sobre as rendas de casa, contribuição predial, contribuição para a segurança social, contribuição pessoal, contribuição pessoal e única, contribuição industrial de seguros, contribuição para o fundo de desemprego, contribuição extraordinária para as estradas, contribuição industrial, contribuição de registo sobre transmissões a título gratuito, contribuição especial, contribuição autárquica, contribuição de juros, contribuição de registo ou de registo sobre transmissões a título oneroso, contribuição de registo sobre transmissões a título gratuito; impostos − imposto adicional (1882-1911), imposto automóvel, imposto complementar (1890-1911, 1928-1988), imposto de camionagem em transporte público de passageiros (1940-1986), imposto de capitais (1923-1988), impostos de chancelaria (1797-), imposto de circulação (-2007), imposto de compensação (1955-1990), imposto de consumo sobre bebidas alcoólicas (1985-), imposto de consumo sobre cerveja (1985-), imposto de consumo sobre o café (1986-1992), imposto de consumo sobre o tabaco (1986-), imposto de criados e cavalgaduras (1801-1860), imposto de estradas (1850-1860), imposto de jogo (1989-), imposto de justiça, imposto de mais-valias (1965-1988), imposto de pescado (-1970), imposto de produção relativo à industria extrativa de petróleos e minérios radioativos e afins (1970-), imposto de registo (1929-), imposto de rendimento (1880-1882), imposto de rendimento global (1922-), imposto de rendimento sobre juros (-1922), imposto de salvação nacional (1928-1941), imposto de 6 % sobre o pescado fresco (1843-), imposto de sisa, imposto de selo (1797-1988), imposto de selo sobre o património, imposto de selo sobre as especialidades farmacêuticas (-1984), imposto do selo sobre os produtos de perfumaria e de toucador (-1966), imposto do selo sobre aguardente ou álcool provenientes da destilação de vinho, borras de vinho, bagaço de uvas e água-pé, de produção alheia (-1966), imposto do selo sobre as cartas de jogar (-1966), imposto de trabalho, imposto de transações (1966-1984), imposto de transações sobre as prestações de serviços (1966-1984), imposto de transmissão de propriedade (1838-1860), imposto de turismo (-1984), imposto de uso, porte e detenção de arma (1949-), IVA (1984-), imposto de valorização (1935-), imposto de viação (1860-1880), imposto do cadastro (1945-), imposto especial sobre motociclos, barcos de recreio e aeronaves (1983-1991), imposto especial sobre o consumo (1999-), imposto especial sobre o jogo (1994-), imposto especial sobre veículos ligeiros de passageiros e mistos (-1990), imposto extraordinário (1898-1911), imposto ferroviário (1951-1984), imposto geral sobre as transações (1922-1929), imposto interno de consumo (-1991), imposto mineiro e de águas minerais (1967-1998), imposto municipal de prestação de trabalho (-1979), IMI – imposto municipal sobre imóveis (2003-), IMT – imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (2003-), imposto para a amortização das notas do banco de Lisboa (1848-1860), imposto para a defesa e valorização do ultramar (1961-), imposto para o serviço nacional de bombeiros (1979-), imposto para o serviço de incêndios (1949-1988), imposto pessoal sobre o rendimento (1922-1928), imposto profissional (1929-1988), imposto sobre a indústria agrícola (1963-1988), imposto sobre a aplicação de capitais (1922-1988), impostos sobre a despesa, imposto sobre a industria agrícola (1963-1988), imposto sobre a produção de petróleo (1971-), imposto sobre a venda de veículos automóveis (1973-2007), imposto sobre as rendas de casa, imposto sobre sucessões e doações (1838-2003), imposto sobre as transmissões de propriedade (1838-1860), imposto sobre as transmissões a título puramente benéfico, imposto sobre boîtes, night clubs, discotecas, cabarets, dancings e locais noturnos congéneres (1983-1992), imposto sobre derivados do petróleo (1928-), imposto sobre minas (1927-1964), imposto sobre o açúcar, imposto sobre o álcool (1992-), imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (1999-), imposto sobre o consumo (1867-), imposto sobre o consumo das bebidas alcoólicas (1993-), imposto sobre o consumo de bebidas engarrafadas e de gelados (-1966), imposto sobre o valor das transações (1922-1984), imposto sobre os lucros e fortunas (1920-), ISP – imposto sobre os produtos petrolíferos (1986-), imposto sobre veículos (1972-), imposto suplementar sobre os vencimentos (1941-), imposto sobre consumos supérfluo ou de luxo (1961-), impostos sobre o património, IRC – imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (1988-), IRS – imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (1988-), imposto sobre o rendimento global dos funcionários públicos (-1922), imposto sobre o rendimento pessoal global (1933-), imposto sobre o rendimento de capitais (1962-1988), imposto sobre os lucros excecionais ocasionados pelo estado de guerra (1942-), imposto sobre os prédios (1801-), imposto sobre o rendimento do petróleo (1971-1988), ISV – imposto sobre veículos (2007-), imposto sucessório (1870-2003), imposto suplementar (1940-1950), imposto suplementar sobre mercadorias importadas (1922-),; e taxas ou prestação pecuniária resultante de uma relação do contribuinte com o bem ou serviço público − custas judiciais, taxa burocrática, TCE – taxa de conservação dos esgotos, taxa de propriedade industrial, taxa de radiodifusão, taxa de salvação nacional, taxa municipal de transporte, taxa militar, taxa de regularização da situação militar, taxa social única. Também há impostos diretos e indiretos de acordo com a incidência. No grupo dos indiretos, a quota do imposto corresponde à razão direta dos produtos ou dos valores que o produto apresenta no mercado, incidindo sobre os valores permutados, pelo que as situações que estabelecem são passageiras e os valores incertos e invariáveis. São impostos indiretos: imposto de selo (1797-), contribuição pessoal (1860-1872), contribuição de rendas de casa (1872-1911), contribuição sumptuária (1872-1922), imposto de transações (1922-1929 e 1966-1987), taxa de salvação nacional (1928-1966) e imposto sobre o valor acrescentado (1987-). As leis n.º 64/77, de 26 de agosto e n.º 6791, de 20 de fevereiro, definem estes impostos como os que recaem sobre o consumo, onerando a utilização da riqueza ou do rendimento, estando neste grupo: IVA (imposto sobre o valor acrescentado), imposto sobre os produtos petrolíferos, imposto sobre os veículos, imposto sobre o tabaco, IUC (imposto único de circulação), IMT (imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis), imposto aduaneiro, imposto de selo, imposto automóvel, imposto sobre o consumo do tabaco, imposto sobre o consumo das bebidas alcoólicas, imposto sobre o álcool, imposto para o Serviço Nacional de Bombeiros. Deveremos considerar, ainda, os chamados direitos banais, resultantes do uso obrigatório de fornos, moinhos e lagares dos senhores mediante pagamento dos respetivos direitos de utilização. Com a Revolução Liberal, determinou-se a sua abolição, o que já havia acontecido em relação a alguns, por decreto de 20 de março de 1821, com expressão na Constituinte de 7 de abril de 1821. Outro decreto de 26 de abril de 1821 aboliu os serviços pessoais, os direitos banais e as prestações pagas pelos moradores de um lugar apenas em reconhecimento do senhorio, mas a abolição de todos estes só foi conseguida por lei de 22 de fevereiro de 1846. Com efeito, no início da ocupação da Madeira, o senhorio usufruía de direitos banais que passou para os capitães, por carta de doação. Na Carta de Doação da Capitania de Machico (1440), encontramos privilégios de fruição própria, como o domínio exclusivo dos moinhos exceto nos braçais, e a posse dos fornos de poia, exceto de fornalha para uso próprio e o exclusivo, sob condições da venda de sal. Já na Doação do Porto Santo (1446), são acrescentados direitos sobre serras de água e outros engenhos. Resquício disso é o Lg. dos Moinhos, no Funchal, onde o capitão detinha um conjunto de azenhas que se serviam da água da ribeira de Santa Luzia. O último moinho foi destruído em 1910. De acordo com as cartas de doação, os moinhos ficavam em poder dos capitães que cobravam a maquia, i.e., um alqueire em 12, sobre todos os que aí moessem cereais. Para além destes impostos de âmbito nacional, houve outros cuja incidência aconteceu apenas na Ilha, como foi o quarto/quinto/oitavo do açúcar, o imposto das estufas e da aguardente, a que se juntam alguns adicionais a diversos impostos, como forma de encontrar receitas para cobrir as despesas de instituições locais como a Junta Geral, a Junta Agrícola da Madeira e a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal. Formas de arrecadação A forma da coleta dos direitos da Fazenda Real variava entre a perceção direta, a cargo de funcionários da Fazenda, e o arrendamento feito por particulares. No primeiro caso, procedia-se ao lançamento e à arrecadação, efetuados diretamente pelos serviços respetivos da Fazenda Real, enquanto no segundo se entregava esta coleta aos chamados arrendatários ou rendeiros que haviam feito os lanços e que se obrigavam ao pagamento do valor arrematado em quartéis. A arrematação era o ato que determinava e conferia ao arrematante o poder de arrecadação das rendas, em troca do pagamento de um valor fixo em prestações, conforme estabelece o contrato de arrendamento. Desta forma, a Fazenda Real assegurava, anualmente, os réditos necessários para a sua despesa, deixando de estar dependente das boas ou más cobranças dos direitos. Para além disso, não necessitava de sustentar uma logística para a cobrança, a arrecadação e o armazenamento dos produtos tributados. Na primeira metade do séc. XVI, os direitos sobre o açúcar e os direitos da Alfândega despertaram o interesse de diversos comerciantes, que intervieram no seu arrendamento. Para o efeito, foram constituídas várias sociedades, sendo de referir que para o período de 1506-1508, os quartos foram arrendados a Martim de Almeida, Fernão Alvares, Benoco Amador, Quirino Catanho, Álvaro Dias, Feducho Lamoroto, João Lombarda e Henrique Vamdura. No mesmo período, os direitos da Alfândega ficaram nas mãos de Martim de Almeida, Benoco Amador, Onésimo Castanho, Álvaro Dias, João Lombardo, Francisco Viola Maroto. Finalmente. Para o período de 1516-18, quer os direitos do açúcar, quer os da Alfândega, foram arrematados por uma sociedade composta por Simão Acciaioli, Lopo de Azevedo, Luís Dória, Benedito Morelli, António Spínola, Duarte Fernandes, Gonçalo Pires e Gregório Álvares. Este processo era realizado de forma anual, mas, em 1581, a Provedoria estabeleceu um contrato de seis anos com Manuel Duarte e Heitor Mendes para os referidos tributos, no que mereceu a reprovação das Câmaras. O rendeiro deveria proceder à entrega do valor estabelecido e satisfazer o valor correspondente à redízima das capitanias. Estes rendeiros deveriam entregar ao almoxarife os produtos e o dinheiro necessários para o pagamento das despesas dos ordenados, das tenças, das ordinárias e dos padrões de juro, conforme lista prévia de autorização estabelecida pelo provedor da Fazenda. Depois disto, os mesmos rendeiros deveriam proceder a duas entregas da quantia estabelecida em Lisboa, na segunda metade do séc. XVI à Casa da Mina, em datas fixas: no dia de S. João Baptista e no fim de dezembro. Quando os rendeiros não satisfaziam o valor estabelecido para o arrendamento, o provador intimava os cinco recebedores eleitos pela Câmara a executar os bens do arrendatário. O contrato estabelecia a obrigatoriedade de apresentação de fiança, que funcionava como garantia do seu pagamento. Quanto às miunças, o arrendamento era feito na Câmara, na presença do provedor da Fazenda, sendo a atividade controlada pelos recebedores da Câmara, com poderes para aceitar ou rejeitar os lanços. O anúncio do lançamento destas rendas fazia-se em praça pública, pelo pregoeiro. A partir do aparecimento da imprensa diária, passou a ter divulgação nos jornais. Em 10 de junho de 1854, um anúncio do delegado do Tesouro no Funchal, publicado no Seminário Oficial n.º 6, informava que estavam em praça, para arrematação, os dízimos do vinho, dos cereais, dos legumes e da fruta de espinho. Esta primeva forma de perceção dos direitos, que assentava no arrendamento foi definida nas Ordenações Afonsinas (liv. 1, tit. 3). Apenas os direitos das alfândegas eram cobrados por funcionários (liv. 2, tit. 50). Por alvará de 9 de maio de 1654, foi determinado que a cobrança da décima passasse a ser feita por comissões populares, ficando proibido o seu arrendamento, para, segundo se diz, “não se acrescentar moléstia aos povos”. A partir do séc. XVIII, com Montesquieu, ganhou expressão a forma de perceção direta, considerada como mais justa e feita sem opressão. Entre nós, estas ideias fazem-se sentir a partir da lei de 22 de dezembro de 1761: “proíbo que em tempo algum sejam contratados, ou arrendados d’aqui em diante os direitos [...] e que estes passem ao tesoureiro geral dos seus recebimentos.” De acordo com a mesma lei, o regime de contratos abrange o da Alfândega da ilha da Madeira. A lei não anula as situações anteriores e continuaram a coexistir situações de contratos, sendo de referir, para a Madeira, os contratos da Alfândega, dos 2 %, dos dízimos e miunças da ilha da Madeira. O decreto n.º 22 de 16 de maio, que estabeleceu a nova forma de administração da Fazenda, não interfere no sistema de arrecadação tributária, embora refira a necessidade de criação de recebedores gerais de província e concelhios. Todavia, a partir de então, é quase nula a representação da forma de arrendamento, que se resume ao subsídio literário, do tabaco, do sabão, real de água e dízimos. A cobrança dos impostos passa a estar a cargo dos recebedores de comarca. Reformas fiscais A lei de 22 de dezembro de 1762, que criou o Erário Régio, marca um dos momentos mais significativos da reforma fiscal do Antigo Regime, em que se estabeleceu, de forma clara, a centralização da contabilidade pública. A partir da Revolução de 1820, esboçaram-se mudanças no sistema tributário que a instabilidade política e a guerra civil não permitiram concretizar em plenitude. A Revolução Liberal de 1820 veio determinar uma nova atitude da administração fiscal e tributária: as contas passaram a ser publicadas e o governo foi obrigado a submeter às Cortes, para aprovação, o Orçamento e as contas. A Constituição de 1822 abriu caminho a uma mudança total da administração financeira. A reforma estabelecida passou por uma uniformização dos diversos tributos e uma adequada racionalização das receitas. A faculdade de lançar imposto passou do rei para as Cortes (art.124.º, II), que passaram a fixar os impostos e a despesa pública e a determinar todos os aspetos relacionados com as alterações do sistema (art. 103.º), ficando ao rei atribuída apenas a função de decretar a sua aplicação (art. 123.º). A mesma estabelecia as regras financeiras pelas quais se regia, de acordo com o novo sistema (arts. 224.º a 236.º). Consagraram-se os princípios da generalidade e igualdade tributária (art. 225.º), sendo os impostos lançados de forma proporcional aos rendimentos (arts. 216.º, 223.º, 228.º). O secretário de Estado dos Negócios da Fazenda (arts. 152.º, 227.º) ficava com o encargo de preparar o orçamento, que deveria ser submetido às Cortes. A nova Constituição, outorgada por D. Pedro IV a 19 de abril de 1826, reafirmava e reforçava as normas da administração fiscal e da fazenda, consagrando o princípio de que ninguém estava isento do pagamento de contribuições. A principal alteração aconteceu no Regime Constitucional, com a reforma de José Xavier Mouzinho da Silveira (1780-1849), ministro da Fazenda, de maio a junho de 1823 e de março de 1832 a janeiro de 1833. Os primeiros passos foram dados nos Açores, em 1832, com a publicação dos primeiros decretos, seguiu-se o resto do país, a partir de 1834. A sisa foi reduzida à transmissão onerosa de imóveis (dec. n.º 13, de 19 de abril), os direitos aduaneiros foram reformados (dec. n.º 14, de 20 de abril), os dízimos abolidos (dec. n.º 40, de 30 de julho), bem como os foros (dec. n.º 42, de 13 de agosto). Esta reforma provocou uma profunda alteração, com o fim do sistema fiscal senhorial e dos privilégios e exclusivos da Igreja. Ao Estado foi dada, a partir de então, a faculdade de estabelecer e arrecadar impostos. Entretanto, estabeleceram-se algumas alterações em alguns impostos, mas a política, até à instauração da república, foi quase sempre marcada pelo aumento da tributação, através de diversos adicionais aos impostos diretos e indiretos. A Constituição de 1838 voltou a afirmar a generalidade dos tributos (art. 24.º). Por outro lado, era a Câmara dos Deputados quem tinha poderes sobre os impostos (art. 54.º), enquanto as Cortes ficaram com a missão de os votar e de estabelecer o valor da receita e da despesa (art. 37.º), bem como da forma de pagamento da dívida pública e da venda dos bens nacionais. Previa-se, já, a criação de um Tribunal de Contas para verificar e liquidar as contas do Estado (art. 135.º). O ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda ficava obrigado a apresentar, anualmente, as contas e o Orçamento, nos primeiros 15 dias da legislatura (art. 136.º). A partir de 1851, com a estabilização do regime político, apostou-se em reformas globais do sistema fiscal, que foram, porém, acontecendo de forma espaçada, ao longo do tempo. No Ato Adicional de 1852, estabeleceu-se que os impostos eram votados apenas por um ano. Já a Constituição de 1911 era clara ao afirmar que ninguém era obrigado a pagar um imposto que não tivesse sido aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Até as taxas e os impostos locais deveriam passar pelo Congresso da República. A prática dos governos foi distinta e, por diversas vezes, tivemos a criação de imposto sem o beneplácito do Congresso. Sucedeu assim em 1832 e, posteriormente, na situação de instabilidade vivida entre 1917 e 1926. Até à instauração da república, a principal novidade fora o imposto de rendimento, criado em 1880, mas que teve vida efémera por força das convulsões populares que gerou. Em 1911, a República debateu-se com várias dificuldades de carácter financeiro que não permitiram encarar soluções – que só viriam a acontecer em 1922. A lei n.º 1368, de 21 de setembro de 1922, reformou o sistema fiscal, apostando na sua modernização, no sentido da tributação do rendimento real e da criação de um imposto geral de rendimento. Ao mesmo tempo, a necessidade de equilibrar as contas do Estado obrigou à criação de um adicional de 25 % e depois, em 1924, de 40 % sobre a contribuição predial rústica, a contribuição industrial e o imposto sobre a aplicação de capitais. Com o Governo da Ditadura Militar e do Estado Novo, tivemos a mais importante reforma fiscal, resultado dos trabalhos de uma comissão presidida por Oliveira Salazar. Essas reformas surtiram efeito a partir de 1928, com especial destaque para o período em que Salazar foi ministro das Finanças; no essencial, repuseram a situação de 1922, ajustando-se, obviamente, à conjuntura da guerra e do processo de desenvolvimento económico, o que conduziu ao aparecimento de novos impostos. Esta reforma foi posta em prática em função de três decretos – n.º 15.290, de 30 de março de 1928, n.º 15.466. de 14 de maio de 1928 e n.º 16.731, de 13 de abril de 1929 – e perdurou no tempo, chegando até 1963. Desta forma, a Constituição de 1933 não alterou significativamente a Constituição Liberal, acentuando o princípio de que nenhum cidadão está obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados de acordo com a Constituição e aprovados pela Assembleia Nacional (art. 8º, n.º 16). A medida mais diferenciadora desta reforma diz respeito ao orçamento que assenta na Lei de Meios, autorizando a receita e despesa aprovada pela Assembleia Nacional e o Orçamento em si. No período de 1958 a 1965, houve nova reforma fiscal, ditando que a tributação passasse a ser feita sobre os rendimentos reais, da qual resultaram vários códigos publicados nos anos imediatos. Com o regime democrático, estabelecido em abril de 1974, a reforma fiscal só veio a acontecer na déc. de 80 do séc. XX, por força da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, o que obrigou a uma harmonização fiscal comunitária. Em 1984, surgiu o IVA e, em 1988, o IRS e o IRC. A Constituição de 1976 determina que é a Assembleia da República que tem o poder de fazer as leis sobre o orçamento; ao governo era dada a faculdade de legislar nesta matéria apenas quanto à sua regulamentação. Por outro lado, todos os textos constitucionais consagram o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei fiscal. Um dos aspetos que se evidencia aqui é o da integração da Segurança Social no orçamento e da integração do plano e do orçamento. Com a revisão constitucional de 1982, deixou de existir a Lei do Orçamento e o Orçamento Geral do Estado, passando a existir unicamente o Orçamento de Estado. Entretanto, a Segurança Social, que tinha orçamento autónomo desde 1977, passa a estar integrada no Orçamento de Estado. Quanto ao sistema tributário, a Constituição de 1976 é clara relativamente à criação de imposto, que só pode acontecer por lei da mesma. Também a legalidade da sua cobrança depende de autorização anual, estabelecida na Lei do Orçamento. Quanto à forma da sua aplicação, releva-se os princípios da generalidade e igualdade. O imposto é entendido, ao mesmo tempo, como uma forma de suprir as necessidades de financiamento das despesas públicas e de repartir com justiça a riqueza e os rendimentos. O principal enfoque tributário incide sobre a proposta de criação de um imposto sobre o rendimento, a necessidade de proceder a uma unificação dos impostos que incidem sobre as empresas, e normativas acerca do imposto sobre as sucessões e doações e dos impostos que incidem sobre o consumo. Instituições Para assegurar este quadro de arrecadação e administração das receitas dos impostos, foram surgindo, ao longo do tempo, estruturas adequadas, algumas assumindo carácter particular nas ilhas, ajustando-se às condições locais e aos tributos cobrados, que em algumas situações, no caso dos que incidiam sobre as culturas e aproveitamento dos recursos, eram distintos dos do continente do reino. A criação dos almoxarifados acontece, na Madeira, com a criação das capitanias, existindo um para cada uma. A esta repartição competia a arrecadação dos direitos devidos ao duque e senhor da Ilha. A partir do séc. XVI, estão integrados na Provedoria da Fazenda Real. Entretanto, na déc. de 80, do séc. XV, o almoxarifado do Funchal foi desdobrado em almoxarifados da Alfândega e dos Quartos, para superintender os serviços da Alfândega e da arrecadação dos direitos sobre a produção de açúcar. O da Alfândega funcionava na dependência da Contadoria, com o intuito de coordenar o trânsito de entrada e saída de mercadorias, existindo um no Funchal e outro em Machico. Na déc. de 50 do séc. XVI, estes foram, de novo, unidos, passando a chamar-se almoxarifado da Alfândega e dos Quartos. Nos começos da centúria seguinte, o almoxarife foi extinto, sendo substituído pelo feitor. Na Madeira, foi criado, em 1467, para proceder ao processo de lançamento e arrecadação do tributo, o quarto (1467) e, depois, quinto (1516) que recaía sobre o açúcar. A partir de 1508, surgem as comarcas para a administração do lançamento e da arrecadação do quinto sobre o açúcar. Foram criadas cinco comarcas, sendo uma em Machico (Santa Cruz) e quatro no Funchal (Funchal, Ribeira Brava, Câmara de Lobos e Ponta de Sol). A Contadoria encarregava-se de arrecadar as rendas e de proceder aos pagamentos. A primeira referência de que dispomos ao cargo de contador data de 1470, pelo que este organismo terá sido criado pelo senhor da Ilha, o infante D. Fernando, na déc. de 60. Tinha a superintendência dos almoxarifados, um para cada capitania. As Alfândegas, criadas posteriormente, estarão também sob a sua supervisão. Aliás, o contador do duque será também o juiz das Alfândegas. Com a reforma pombalina de 1761, foram criadas quatro contadorias com funções distintas. As Alfândegas foram criadas, na Madeira, por ordem de D. Beatriz, em 1477, como forma de combater a fuga aos direitos por parte dos madeirenses. Para o efeito, criou-se uma em cada capitania, mas foi a do Funchal que assumiu a função de primaz, a partir de 1509, passando a controlar todo o movimento de entradas e saídas. Entretanto, a partir de 1507, dá-se a criação de postos alfandegários em Ribeira Brava, Ponta de Sol, Calheta, Machico e Santa Cruz, como forma de facilitar a saída do açúcar produzido nestas localidades. Esta medida fora já autorizada por carta da infanta D. Beatriz, de 1483. Os dois últimos, Machico e Santa Cruz, foram extintos em 1515, para dar lugar à Alfândega de Santa Cruz. A partir de 1509, desaparecem todas as alfândegas e postos alfandegários fora do Funchal, passando a existir uma única Alfândega, com sede no Funchal, que centraliza todo o movimento de entrada e saída de mercadorias. Apenas Santa Cruz poderá, ainda, manter o despacho de mercadorias de exportação para Lisboa. Com D. Manuel, acontece uma profunda alteração na estrutura da Fazenda Régia, com o aparecimento da Provedoria da Real Fazenda do Funchal (1508-1755). A Provedoria era o órgão de cúpula de administração da Fazenda Régia na Ilha, com alçada sobre as capitanias do Funchal, de Machico e do Porto Santo; Francisco Álvares, que à data exercia o cargo de contador e juiz da Alfândega, foi nomeado provedor. A Provedoria da Fazenda superintendia a Alfândega, a Contadoria e exercia competência sobre os resíduos, os órfãos, as capelas e os concelhos. A Provedoria dependia do vedor da Fazenda e, a partir de 1591, do Conselho da Fazenda. Por resolução régia de 6 de abril de 1775, ordenou-se a substituição da Provedoria pela Junta da Real Fazenda. A Junta da Real Fazenda do Funchal (1775-1832) era presidida pelo governador e capitão-general, sendo composta pelos seguintes deputados: corregedor da comarca, juiz de fora, como procurador da Fazenda, um tesoureiro geral, eleito pela Junta, e um escrivão da Fazenda e da receita e despesa da Tesouraria Geral. Foi criada, também, a Contadoria Geral para uma adequada escrituração de todas as contas, de acordo com novas normas contabilísticas, a cargo de um contador geral, sob a supervisão de um deputado escrivão da Fazenda. A Junta da Real Fazenda do Funchal detinha a administração e arrecadação dos dinheiros e das rendas reais. Assim, a Contadoria Geral encarregava-se da arrecadação dessas rendas, nomeadamente a imposição do vinho e das estufas, enquanto ação do subsídio literário, e procedia à cobrança e administração dos dinheiros do subsídio literário; a repartição do Erário Régio superintendia todos os dinheiros das rendas reais da Ilha. A esta competia, através do Almoxarifado da Alfândega do Funchal, a arrecadação dos dinheiros e das dívidas que, ulteriormente, eram usados no pagamento dos ordenados aos militares, religiosos e demais oficiais régios, nas obras de fortificação e das igrejas, assim como nas suas alfaias e nos seus ornamentos. A Junta foi extinta com as demais existentes, no reino e nas províncias ultramarinas, pelos decs. n.os 22, de 16 de maio de 1832, e 65, de 28 de junho de 1833, mas, na Madeira, esta situação só aconteceu por decreto de 23 de junho de 1834, que a substituiu, interinamente, por uma Comissão. Durante o período de 1834 a 1843, a administração da Fazenda esteve a cargo desta Comissão Interina da Fazenda Pública da Província da Madeira e da Casa da Comissão Liquidatária das Dívidas de Estado no Distrito do Funchal. Estes serviços continuaram na superintendência do governador, adequando-se a nova estrutura administrativa a 7 de fevereiro de 1843, altura em que passaram para a Repartição de Fazenda do governo civil, em conformidade com as alterações estabelecidas pelo decreto de 12 de dezembro de 1842. Entretanto, foi criado, pelo dec. n.º 22, de 16 de maio de 1832, o cargo de recebedor geral, para superintender os negócios da Fazenda no distrito, o que se estendeu à Madeira em 1 de julho de 1835. Este passou a designar-se recebedor do distrito por decreto de 28 de julho de 1835. Por decreto de 12 de setembro de 1846, deu lugar ao de contador da Fazenda e, a 13 de dezembro de 1849, ao delegado do Tesouro. A Administração da Fazenda dos Distritos Administrativos foi criada por decreto de 10 de novembro de 1849, que estabeleceu a reforma da Fazenda Pública. Pelo regulamento de 28 de janeiro de 1850, estas repartições são separadas dos governos civis e ficam subordinadas ao delegado do Tesouro, que estava na dependência direta do Ministério da Fazenda.   Funcionários Às instituições supracitadas corresponde um quadro de funcionários que assumem diversos papéis na administração tributária. O almoxarife é o oficial do fisco, a quem estavam acometidas as tarefas de cobrar as rendas e proceder aos pagamentos. Com a doação das ilhas à Ordem de Cristo e a fundação das capitanias, o infante D. Henrique estabeleceu para cada uma delas um almoxarife, que tinha a seu cargo a administração dos direitos que eram devidos ao senhorio. Este era apoiado pelos chamados homens do almoxarifado, dois para cada almoxarifado. No período de arrendamento a particulares, deveremos apenas considerar o rendeiro, i.e., aquele que arremata as rendas. As rendas ou direitos eram arrecadados por rendeiros que as haviam arrematado através de lanços. Depois de lançada a renda, deveria conferir-se a seriedade dos credores e fiadores através de pregões, por nove dias, de forma a decidir-se pela arrematação. Concluído o processo da arrematação da renda, quer o rendeiro, quer os credores, ficavam com os seus bens cativos até ao momento em que saldassem o contrato. Terminado o contrato, e entregues todos os quartéis estabelecidos no ato do arrendamento, o almoxarife passava uma carta de quitação. Caso não tivesse acontecido a boa cobrança, a Fazenda Real mandava executar os bens do rendeiro, ou do seu fiador, até à sua total liquidação. De acordo com os Regimentos de 1516 e as Ordenações de 1521, quando arrematavam rendas superiores a 20$000, eram considerados rendeiros do rei e detinham privilégios especiais, sendo dispensados de servir na guerra e nas armadas, e não podendo ser presos, salvo em casos de homicídio ou de flagrante delito, durante o período de duração do contrato de renda. Devido aos problemas com a arrecadação das rendas, nomeadamente das sisas, eram autorizados a andar armados. Os estimadores estavam sob a alçada dos rendeiros do ramo dos direitos do açúcar. De acordo com a renda arrematada, temos o chamado rendeiro do verde, a quem competia arrecadar a renda do brabo ou do verde, proveniente do lançamento das coimas por incumprimento das posturas municipais e das ervagens, do corte de árvores e suas ramas. Para além disso, tinha a missão de salvaguarda das terras em face dos danos dos gados soltos. Nas suas obrigações incluía-se varrer a praça, em especial nos dias festivos, dar os ramos para o dia de Ramos e, no dia de Páscoa, apresentar uma dança das espadas. Após a sua eleição, o rendeiro devia prestar juramento e apresentar um fiador que se comprometesse, em caso de falha, a assegurar a renda arrematada; o fiador podia proceder à arrecadação da renda em caso de falta do rendeiro. Ao porteiro cabia proceder à cobrança das rendas dos foreiros; no entanto, quando surgiam pagadores mais renitentes, a decisão cabia à vereação, que mandava proceder contra os devedores. Foi, e.g., o que sucedeu com D. João de Herédia que, em 1681, devia ao concelho da Ponta de Sol 32$700, tendo sido intimado a pagar pelos oficiais camarários. O porteiro da Alfândega tinha à sua guarda o selo da Alfândega e as mercadorias que estavam depositadas nos armazéns da mesma. Na Capitania do Funchal, o cargo era acumulado com o de porteiro dos contos e do almoxarifado. O porteiro dos contos era o funcionário da Casa dos Contos, que tinha à sua guarda os livros dos contos, e que provia as diversas repartições do material necessário ao seu funcionamento. Acumulava as funções de porteiro da Alfândega, selador dos panos e porteiro do Almoxarifado. O porteiro das sisas, como o nome indica, era o funcionário que tinha por função executar as sisas. Alealdadores eram aqueles que procediam ao alealdamento do açúcar nos engenhos, uma operação de fiscalização destinada a atestar a qualidade de fabrico do produto. Eram eleitos, anualmente, pelo Senado da Câmara. Ainda, em 1505, D. Manuel estabeleceu que os canaviais dos estimadores deveriam ser avaliados pelos antecessores no cargo. O contador era o funcionário que presidia à contadoria, competindo-lhe defender os interesses reais. Era o oficial do topo da Fazenda senhorial na Ilha e tinha sob a sua alçada o almoxarife e o escrivão. Tal como o almoxarife, era nomeado pelo duque. De acordo com estas obrigações, os contadores procediam, em janeiro, às arrematações das rendas, providenciando o envio do caderno dos registos aos vedores da Fazenda até finais do mês. Deviam deslocar-se ao reino para prestar contas, sendo substituídos por pessoas da sua confiança. Na ilha da Madeira, a primeira indicação da presença deste cargo é de 1470, estando provido Diogo Afonso, que passou a acumular com o de juiz da Alfândega a partir de 1477. Em 1498, exercia o cargo Francisco Álvares que, na sua ausência em Lisboa, foi substituído por João Roiz Parada. Em 1508, com a criação da Provedoria da Fazenda, o contador passa a acumular o cargo de provedor, passando a designar-se provedor da Fazenda. Com a reforma pombalina da Fazenda, em 1761, foram criadas quatro contadorias no Erário Régio, cada uma presidida por um contador geral. Este estava obrigado a entregar ao tesoureiro-mor dois balanços anuais das contas, de acordo com o sistema das partidas dobradas, um a 10 de janeiro e outro a 10 de julho. Com a reforma liberal, aparece a figura do contador de Fazenda, nomeado pelo Rei, sob proposta do Conselho de Estado, que tinha como missão superintender a Contadoria Geral. Para a Madeira, pela resolução régia de 6 de abril de 1775, foi estabelecida uma Contadoria Geral sob a inspeção do deputado escrivão da Fazenda, a cargo de um contador geral, para escrituração das contas. Este cargo foi mudando de designação em consonância com as reformas tributárias. A Constituição de 1822 estabelecia, para cada distrito, um contador de Fazenda, de nomeação régia, para superintender, nos distritos, os serviços da Contadoria da Fazenda. O cargo foi criado por decreto de 12 de setembro de 1836. O provedor da Fazenda tinha atribuições e posição semelhantes ao ouvidor-mor, que perdeu essa qualidade a partir de 1478. Em 1508, com a criação da Provedoria da Fazenda no Funchal, o então contador Francisco Álvares passa a acumular com o cargo de juiz da Alfândega e provedor, passando a designar-se provedor da Fazenda. Competia-lhe, também, a supervisão do arrendamento dos direitos reais e da sua cobrança e os pagamentos feitos pelo almoxarife, tendo como subalternos um escrivão e um porteiro. Encontrava-se, igualmente, na sua alçada a resolução de alguns pleitos relacionados com o processo de arrendamento das rendas da Alfândega até ao valor de 2$000. De acordo com o Regimento de 1550, deveria superintender o processo de arrecadação dos direitos do açúcar, proceder ao arrendamento das miunças, elaborar a folha de pagamento de ordenados, côngruas, tenças e padrões, por onde o almoxarife deveria proceder aos pagamentos, e examinar os livros de contas de receita e despesa dos almoxarifes e recebedores. Feita esta conferência, o provedor passava aos almoxarifes e recebedores a quitação do seu recebimento pelo vedor da Fazenda, em Lisboa. Também a partir de então, o cargo perde o carácter patrimonial e passa a ser ocupado em regime de comissão de serviço. Esta situação resultou dos abusos cometidos por Simão Esmeraldo, que conduziram a uma reclamação da Câmara do Funchal, em 1542. Desta forma, em 1554, a Coroa enviou à Ilha o doutor Pedro Fernandes, na qualidade de juiz de fora e provedor e juiz da Alfândega. Mas esta situação excecional deixou de ser possível passados oito anos, uma vez que a Coroa, em 1562, proibiu a acumulação, pelo juiz de fora, dos cargos de provedor e juiz da Alfândega, sendo o licenciado Lourenço Correia o último a acumular estas funções, por provimento de 1559. Em 1582, com a nomeação do licenciado João Leitão para o cargo, a Coroa filipina associou-o ao de corregedor. Mas em 1606, com a nomeação do novo provedor da Fazenda, Manuel de Araújo de Carvalho, volta-se à separação dos cargos. O provedor é o interlocutor direto na Ilha, dos vedores da Fazenda e, depois de 1581, no Conselho da Fazenda. De acordo com informação de 1768, sabemos que este continuava a servir de vedor da Fazenda na ausência do seu proprietário ou seu ouvidor. Por feitor da Alfândega, entende-se aquele que a administrava e que veio substituir o almoxarife, tendo a seu cargo a coordenação do serviço de vigilância das atividades da Alfândega, como sejam o despacho das mercadorias e a cobrança da dízima de entrada e saída. Ainda, a partir de 1550, o feitor da Alfândega do Funchal tinha a função de mandar confecionar as conservas para guarda-reposte do Rei e o despacho do açúcar dos direitos reais na Ilha. Por alvará de 2 de julho de 1550, o Rei enviou João Simão de Sousa ao Funchal, com a função de feitor da Alfândega do Funchal, para tratar de assuntos deste serviço, com poderes de despacho com o juiz dos feitos da Fazenda. Era coadjuvado por um escrivão. Na segunda metade do séc. XVI, a Alfândega do Funchal apresentava dois feitores, enquanto a de Santa Cruz tinha apenas um. A primeira referência documental a este cargo surge apenas em 1532, relativamente à Alfândega do Funchal. Papel fundamental tinha o escrivão, pois dele dependia a escrituração das contas. Também aqui vamos encontrar uma variedade de designações, de acordo com a instituição ou atividade. Assim tivemos o escrivão da Alfândega, que escriturava todos os registos. No séc. XVI, a Alfândega do Funchal dispunha de dois, sendo um encarregado do registo dos despachos de entrada e o outro de saída. Acumulavam funções na Alfândega de Santa Cruz. O escrivão do almoxarife era o oficial subalterno do almoxarife que procedia ao lançamento em livro das rendas. O escrivão do contador era o oficial subalterno do contador que tinha por função lançar as contas; quando o contador acumulava as funções de juiz de Alfândega, este era também escrivão do juiz da Alfândega. O escrivão da Fazenda e contos era o funcionário da Provedoria da Fazenda, subalterno do provedor, que assistia aos despachos, emitia os mandados de pagamento despachados pelo provedor, e registava as provisões régias sobre os pagamentos e outros assuntos da Fazenda no livro do registo dos contos; este oficial acumulava, desde 1521, as funções do escrivão das execuções. O soldo era de 6$407 reais em dinheiro e emolumentos, devidos pelos mandatos de pagamento. O escrivão da renda da imposição tinha por função escriturar as rendas da imposição, i.e., os direitos pagos pela venda do vinho em público nas tabernas. O escrivão da ribeira tinha por função, a partir de 1513, fazer o registo de todos os bens que não passavam pela Casa da Alfândega; tinha despacho na ribeira ou calhau. O escrivão das execuções tinha funções acumuladas pelo escrivão da Fazenda e contos. O escrivão das sisas realizava o registo de todos os atos relacionados com o tributo, como da repartição do cabeção e, no caso de não estar encabeçado, todas as transações sujeitas a sisa. O escrivão do almoxarifado da Alfândega e quintos era o funcionário subalterno do almoxarifado que auxiliava o almoxarife em todas as operações do expediente; era ele quem fazia o registo de todo o movimento financeiro, das provisões régias que determinavam os pagamentos, nos livros de receita e despesa, e passava os conhecimentos de quitação dos pagamentos realizados. No Almoxarifado de Machico, acumulava as funções do escrivão dos quintos; estava associado ao quintador, correspondendo, igualmente, um a cada, pelo que houve quatro no Funchal e um em Santa Cruz. Deveria estar presente no processo de arrecadação dos direitos do açúcar para lançar, em livro próprio, as quantidades e qualidades entregues pelo lavrador ao quintador. O escrivão das pipas de vinho para o donativo vem referenciado, em 1647, na lista de funcionários do município do Funchal, tendo a função de lançamento das pipas relacionadas com o donativo de guerra. A execução das dívidas competia ao alcaide, que poderia designar-se de acordo com a sua esfera de ação. Assim o alcaide das sisas era o oficial que tinha por missão executar as dívidas das sisas. O alcaide do mar tinha como missão coordenar o serviço marítimo de carga e descarga das mercadorias, de forma a evitar qualquer extravio. Em Machico, existiram dois com estas funções sendo um para a sede da capitania e outro para a vila de Santa Cruz. Na primeira localidade, o mesmo acumulava as funções de guarda da ribeira. O procurador da Fazenda ou solicitador da Fazenda era o oficial da Fazenda que tinha o encargo de proceder à arrecadação das dívidas à Fazenda Real. Em 26 de novembro de 1561, Fernão Lopes foi nomeado para este cargo. Era apoiado, nas suas funções de execução das dívidas, pelo alcaide do mar e pelo inquiridor dos feitos da Alfândega. Em algumas situações, temos a nomeação de solicitadores para missões específicas de cobrança de dívidas, como sucedeu, em 1558, com Manuel de Figueiró, a quem foi atribuída a missão de proceder à cobrança das dívidas não satisfeitas ao almoxarife Simão Rodrigues. Em 1573, o mesmo foi nomeado executor de todas as dívidas da Madeira. Para proceder à execução das dívidas, o executor deveria notificar os devedores e colocar os seus bens em execução, através de pregão público. Passados os 30 dias, se não houvesse nenhum lanço, o executor atribuía um valor ao produto em causa, e este passava a fazer parte dos próprios da Coroa. Ao procurador dos feitos da Fazenda competia a defesa dos interesses da Fazenda Real em todas as situações de contencioso sobre os direitos reais. Desta forma, estava informado sobre os feitos que corriam com o provedor da Fazenda, o vedor e o juiz da Alfândega. Deveria ser licenciado. Com a mesma alçada, temos ainda outros funcionários, como o juiz da Alfândega, que superintendia a administração da Alfândega. Encontramos o Regimento para estes cargos em Lisboa (1520) e no Porto (1535). Na Madeira, este cargo aparece em 1477, com a criação das Alfândegas, sendo exercido pelo contador do duque, pelo que era acumulado pelo mesmo. A ele competia, não só o julgamento dos casos sobre a administração da Fazenda, como a coordenação da ação dos oficiais da repartição, estabelecendo o horário de serviço e os produtos que podiam ser despachados, no calhau, sob a sua supervisão. A partir do séc. XVI, esta função de despacho passa para o feitor, que assume a função de coordenação e supervisão das questões ou pleitos que envolvam a Alfândega. Existiram dois: um para cada Alfândega da Ilha, apenas a partir de 1563, altura em que foi provido o primeiro juiz da de Santa Cruz sendo, até então, o cargo acumulado com o do Funchal. Todavia, em meados do séc. XVI, o do Funchal acumulava as funções com o de Machico, separando-se, a partir de 1563, com a nomeação de Tomé Alvares Usadamar. O juiz da imposição do vinho tinha o encargo de julgar as causas relacionadas com a imposição do vinho, um direito lançado para as despesas de funcionamento das câmaras municipais. O juiz das sisas, encarregado de julgar os feitos relacionados com o rendeiro ou recebedor das sisas e era eleito pela câmara para mandatos trienais. Tinha ao seu serviço um escrivão. Para a Madeira, temos referência a alguns cargos específicos, como o estimador, o quintador e o arrieiro-mor. O estimador do açúcar ou avaliador era aquele que procedia à estimativa ou avaliação da produção dos canaviais para, sobre a mesma, ser lançado o tributo. O ofício foi criado em 1467, sendo quatro o número de postos, em que se incluía o escrivão do Almoxarifado. Com a reforma do sistema de tributação de 1515, este cargo foi extinto pois a cobrança do quinto do açúcar deixou de estar baseada no estimo. Os estimadores eram eleitos pela vereação, de entre a lista de homens bons do concelho, para um período de três anos, devendo ser confirmados pelo senhor da Ilha. Recebida a confirmação, deveriam prestar juramento em Câmara, na presença do contador. No estimo de 1494, refere-se um João Adão, com a indicação de estimador por parte do povo e Martim Gomes, escrivão e estimador por parte do duque. A partir de 1495, a sua indicação passou a ser feita por sorteio, com o método dos pelouros. Os eleitos eram residentes na localidade onde deveriam proceder ao estimo e atuavam em conjunto com o almoxarife e seu escrivão. Em casos em que fossem suspeitos de favorecerem alguns dos agricultores, o almoxarife podia substituí-los. O arrieiro-mor era o funcionário encarregado de conduzir os vinhos às tabernas. Era uma forma de controlo da venda do vinho em público, para se lançar a imposição deste produto. Este ofício ainda se mantinha em 1804, altura em que João Pombo solicitou a propriedade vitalícia do mesmo. O quintador ou recebedor dos quintos era o funcionário que arrecadava o quinto, criado em 1515, para substituir o quarto sobre os açúcares, que recaía sobre a produção dos engenhos. O quintador dispunha de um livro (livro dos quintos) onde lançava todo o movimento de arrecadação do imposto. Competia-lhe, ainda, passar os respetivos comprovativos de pagamento, documentos que permitiam a saída do açúcar do engenho e que deveriam ser apresentado na Alfândega no momento de saída, ficando depois arquivados na Casa dos Contos, com acesso limitado ao provedor da Fazenda, ao almoxarife e ao feitor da Alfândega. No início, estes eram escolhidos pelos oficiais régios de entre os moradores e não tinham carta de ofício; depois, passaram a ser providos por carta régia. Pedro Fernandes teve nomeação régia para o cargo em 1545, funções que já exercia há 12 anos. O seu número era equivalente em Machico. No séc. XVI, na Calheta, existiu um regime especial em que um oficial régio e um morador se substituíam, de forma trienal, no exercício do cargo. Para cada uma das antigas comarcas – Funchal, Calheta, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Santa Cruz – era provido um quintador. Nas primeiras localidades, era apoiado por um escrivão. Ambos tinham de soldo um moio de trigo por ano. O seu provimento manteve-se no séc. XVII, mesmo com a produção reduzida ou sem qualquer significado comercial. Nos sécs. XVII e XVIII, manteve-se a mesma estrutura de arrecadação dos direitos da Coroa, mas adaptada à dimensão da cultura. Por mandado de 20 de dezembro de 1686, foi ordenada a extinção, a partir de 30 de julho, dos quintadores do açúcar de Santa Cruz, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta, pelo facto de a Ilha já não produzir açúcar. Mas cedo se reconheceu o erro de tal medida, uma vez que o açúcar continuou a produzir-se, ainda que em quantidades inferiores. O recebedor ou rendeiro é o funcionário que recebe as rendas. Há outros recebedores, relacionados com as instituições: o recebedor do almoxarife, oficial subalterno encarregado do recebimento das rendas e o recebedor da Fazenda dos distritos, criados por decreto de 24 de abril de 1836, com o objetivo de procederem à cobrança das receitas da Fazenda e enquadrados numa política que facilitasse a sua cobrança; o recebedor das alfândegas, que tinha o encargo de receber e arrecadar os direitos alfandegários; o recebedor dos direitos e das rendas do rei, que tinha o encargo de receber todos os direitos do rei; o recebedor dos contratadores das rendas, que era o funcionário encarregado pelos contratadores das rendas de proceder à sua arrecadação; beneficiavam da mesma jurisdição que estava acometida aos almoxarifes, podendo o cargo referir-se a uma renda específica – daí o recebedor da imposição, que tinha o encargo de receber e arrecadar o dinheiro da imposição do vinho, e o recebedor da miunça, ou carreteiro, que recebia o dízimo ou miunça e o transportava ao local de recolha. Em caso de contrato de arrendamento, era apresentado pelos rendeiros ao provedor da Fazenda, perante o qual prestava juramento; noutras circunstâncias, era nomeado pelo próprio provedor. Para além disso, deveria dar conta ao escrivão dos quintos da recebedoria da sua área, em relação aos produtos arrecadados e seus proprietários. A Fazenda Real tinha celeiros e adegas para a recolha dos cereais e do vinho, de onde procedia à sua distribuição, de acordo com as ordinárias estabelecidas por alvará régio, em género. Muitas vezes, os clérigos recebiam as suas ordinárias na terra. No caso em que a sua arrecadação era feita por rendeiros, esta função de redistribuição das ordinárias da lista era desempenhada pelo próprio rendeiro. Por fim, o recebedor da sisa tinha o encargo de receber e arrecadar as sisas.   Documentação e Impostos A 14 de julho de 1836, o Palácio da Inquisição ao Rossio, edifício onde estava instalada a Junta de Juros e a Contadoria do Tribunal do Tesouro, foi alvo de um incêndio que destruiu toda a documentação, tendo sido esta, depois, transferida para o Palácio dos Almadas, também no Rossio. O dec.-lei n.º 28.187, de 17 de novembro de 1937, criou o Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, que teve como fundo principal toda a documentação existente na Direcção-Geral da Fazenda Pública, proveniente de diversos serviços, extintos em 1934, da secretaria geral do Ministério dos Negócios da Fazenda, dos Cartórios da extinta Casa Real e das Companhias Geral, de Comércio e Navegação para o Brasil, a Índia e Macau. Com a sua extinção, pelo dec.-lei n.º 106-G/92, de 1 de junho, o acervo foi integrado nos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. A cultura contabilística em Portugal foi muito precária, atingindo, de forma particular, as políticas arquivísticas de preservação de fundos documentais a ela ligados. Olhando aos espólios disponibilizados pelos arquivos públicos, nota-se esta pouca atenção e uma insuficiente preservação do património documental relacionado com a atividade financeira e contabilística do Estado e das instituições públicas. A documentação da Provedoria da Fazenda do Funchal (1508-1775) e da Junta da Real Fazenda do Funchal (1775-1832), um dos principais suportes para este tipo de informação, é muito incompleta. A documentação deste núcleo é posterior a 1640, com particular incidência para o período que vai de meados do séc. XVIII ao fim desta instituição, em 1834. Mesmo assim, as disponibilidades documentais são limitadas. Assim, para os rendimentos globais, a informação é mais completa a partir das últimas décadas do séc. XVIII. Quanto aos diferentes impostos cobrados e sob a sua administração, o panorama é idêntico. Há informação sobre os direitos do açúcar (1600, 1689-1766), para um período em que o mesmo tem uma importância relativa. Dos demais tributos, temos a assinalar apenas: bula da santa cruzada (1611), dízimos (1766-1768, 1775-1833), dízima (1768-1773, 1775-1838), décimas (1809-1833), novos direitos (1649-1833), papel selado (1803-1825), selo (1810-1834), sisa (1810-1842), subsídio literário (1776-1834) e 4,5 % da imposição da carne (1775-1842). Das alfândegas da Ilha, aquilo que resta da documentação prende-se com a do Funchal e é ainda mais incompleto. Na Torre do Tombo, estão os documentos recolhidos no séc. XIX, que vão até ao ano de 1834; no Arquivo Regional da Madeira, está disponível a documentação posterior a esta data e até 1970, recolhida entre 1951 e 1975. A Alfândega do Funchal apresentava, por força da atividade de exportação do açúcar e do vinho, uma receita significativa no quadro das alfândegas nacionais. Mas a informação sobre os direitos de entrada e saída da mesma, a principal receita da instituição e da Ilha, aparece de forma lacunar desde 1650. Para o período anterior, e que medeia entre a sua criação em 1477 e esta centúria, faltam dados. Temos dados avulsos para os anos de 1505, 1506, 1523-1524. Atente-se ao facto de que, para o período áureo do açúcar, não dispomos de documentação que permita com exatidão asseverar o rendimento do senhorio e da Coroa; para além desta ausência dos registos da receita de entrada e saída, não dispomos de informação capaz para saber da importância do rendimento com outras cobranças de direitos, nomeadamente o quarto (1467), o quinto (1515) e o oitavo (1675). Faltam, ainda, registos e documentos importantes das instituições mais recentes, como a Junta Geral do Funchal (1832-1895, 1901-1976), não dispondo os arquivos da Região de todos os orçamentos e contas, e.g.. É evidente uma indisciplina financeira, uma confusão e falta de eficácia tributária, com inúmeros tributos, taxas e impostos, muitos dos quais nunca foram cobrados, a que se soma a incúria na preservação da documentação. O panorama é deveras desolador e torna quase impossível um trabalho, no âmbito da história financeira para os sécs. XV a XVIII, um dos períodos mais pujantes da economia madeirense. Para além disso, é notória uma disparidade dos dados financeiros apresentados nas publicações e nos documentos das várias entidades. A primeira questão prende-se com a deficiente cultura contabilística que sempre existiu. Por outro lado, as informações estatísticas só permitem seriações a partir do séc. XIX e, mesmo nesta centúria, os dados são, muitas vezes, escassos. No que diz respeito ao período até ao séc. XIX, as lacunas são imensas. No que diz respeito aos séculos anteriores a XIX, como referimos, os dados são avulsos e não permitem as necessárias seriações. Até à altura em que foi criado o Erário Régio, em 1761, carecemos de uma contabilidade centralizada, para além de não dispormos de orçamentos ou cômputos, quer da receita, da despesa ou da dívida pública. Faltam os livros dos contadores da Provedoria da Fazenda, os registos completos da Alfândega. No caso da despesa, são de significativa importância os orçamentos do Estado a partir de 1834, que, embora estivessem já estabelecidos na Constituição Liberal de 1822, só tiveram execução a partir desta data. Entretanto, os dados estatísticos são posteriores, uma vez que, só a partir de 1875, temos a informação oficial através do Anuário Estatístico. Recorde-se que o Instituto Nacional de Estatística só foi fundado em 1935, embora seja evidente, a partir de 1836, uma preocupação das estruturas de poder central no sentido da recolha de informação estatística. Deste modo, em 1836, surgiu, no Ministério do Reino, o primeiro serviço oficial de estatística, que ficou conhecido como Comissão Permanente de Estatística e Cadastro do Reino. Também o Código Administrativo de Passos Manuel, publicado no mesmo ano, impunha a todas as autoridades dos distritos a recolha deste tipo de informação. O Código de Costa Cabral (1842) segue as mesmas orientações, atribuindo aos governadores civis responsabilidade quanto ao cadastro e à estatística dos distritos. Em 1857, foi criada a Comissão Central de Estatística, que tinha como objetivo dirigir os vários níveis institucionais e centralizar a publicação de dados. Poucos anos depois, em 1859, foi criada a Repartição de Estatística do Ministério das Obras Públicas. Relativamente aos períodos anteriores, a informação disponível é, deste modo, avulsa.   Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

Direito e Política Economia e Finanças História Económica e Social

orçamento

Análise da forma e da evolução dos orçamentos, tendo em consideração os nacionais e os locais, através da Junta Geral e do Governo Regional. Palavras-chave: Orçamento; Junta Geral; Governo Regional. O orçamento é a previsão da receita e despesa para o ano económico. É a partir da Lei do Orçamento, aprovada pelo Parlamento, que o Estado está autorizado a cobrar receitas e a efetuar as despesas. Os orçamentos são uma realidade recente, em termos de contabilidade, pois iniciam-se, formalmente, em Portugal, em 1533. No entanto, há quem aponte a sua existência a partir de 1473. Até então, não passavam de meros relatórios de contas realizados por um contador, sob a supervisão do vedor da Fazenda. Nos sécs. XVI e XVII, eram apenas registos de previsão da despesa realizados pelo vedor da Fazenda; tratava-se de documentos de carácter irregular, que só eram feitos mediante solicitação superior. No que diz respeito ao Reino, temos referências a documentos orçamentais dos anos de 1526, 1534, 1557, 1607 e 1619. Destes, podemos referir para o Estado da Índia os de 1574, 1581, 1588, 1588-90, 1607, 1609-12, 1620, 1635, 1680 e 1687. O orçamento e modelo de gestão orçamental que vigora no começo do séc. XXI, como ato jurídico, foi estabelecido na Constituição de 1822, mas só teve execução a partir de 1834. De acordo com a Constituição de 1822 (arts. 103 e 227), a Carta constitucional de 1826 (arts. 15, 136 e 138) e a Constituição de 1838 (art. 37, 54, 132 e 136), competia às Cortes determinar a despesa pública e os impostos a arrecadar, assim como fiscalizar a sua execução anual. O orçamento foi reformado pela Constituição de 1911 (art. 23, 26 e 54) estabelecendo-se, no art. 54, que deveria ser entregue ao Congresso, para discussão e apresentação, até ao dia 15 de janeiro. Mas nem sempre esta situação aconteceu, por força da instabilidade política que se viveu durante a Primeira República. Assim, entre 1918 e 1926, apenas dois foram aprovados e, ainda assim, com algum atraso. Nestas circunstâncias, recorria-se às Leis de Meios e aos duodécimos. Com a Constituição de 1933 – que surge como resultado do golpe militar de 1926 e da reforma fiscal apresentada por Salazar –, retira-se à Assembleia Nacional a capacidade de aprovar e fiscalizar o orçamento, que passa a ser elaborado e posto em execução pelo Governo. Desta forma, a Assembleia aprova uma Lei de Meios genérica e, ao Governo, fica a liberdade de estabelecer o Orçamento Geral do Estado, que será publicado sob a forma de decreto orçamental. Em algumas circunstâncias, a situação passa por uma norma legal que estabelece o orçamento do ano anterior, como aconteceu entre 1896 e 1910. São aqui referidos os anos económicos sem orçamento definitivo: o período de 1821-1836, 1838-39, 1840-41, 1842-43, 1843-44, 1844-45, 1847-48, 1851-52, 1856-57, 1858-59, 1859-60, 1861-62, 1862-63, 1865-66, 1868-69, 1869-70, 1870-71, 1871-72, 1879-80, 1905-06, 1906-07, 1910-11, 1919-20, 1920-21, 1921-22, 1924-25 e 1925-26. Nesta enumeração, deveremos diferenciar o orçamento das propostas governamentais e dos diplomas de aprovação do mesmo: as propostas governamentais de orçamento reportam-se a 1913-14, 1917-18, 1919-20, 1925-26, 1926-27 e 1936-347. De acordo com os preceitos constitucionais do Estado Novo, a aprovação do orçamento pelo Parlamento fazia-se através de uma lei, chamada Lei da Receita e da Despesa. Assim, o Parlamento deveria aprovar, antes do início do ano económico, o respetivo Orçamento, apresentado pelo Governo. Antes de o submeter à apreciação da Assembleia, o Governo deveria aprová-lo por decreto-lei. Com a Constituição de 1976, foi criada uma Lei do Orçamento de Estado, e o Governo tem de aprovar o Orçamento através de um decreto orçamental. Junta Geral da Madeira (1903-1976) Com a definição da autonomia distrital a partir de 1901 surgiu a figura institucional da Junta Geral, que gere o Governo do distrito do Funchal. Era esta junta que exercia a administração do espaço do arquipélago, mediante competências delegadas. Os orçamentos desta Junta Geral eram elaborados e propostos pela Comissão Distrital do Funchal para aprovação à Junta Geral na última sessão ordinária do ano civil, devendo entrar em execução a partir do dia 2 de janeiro do ano a que se reportavam. A não existência do mesmo na data era considerada motivo para a demissão da comissão que presidia à Junta. Os orçamentos das Juntas Gerais eram equiparados, em termos de contabilidade, aos orçamentos a que estavam obrigados os concelhos de primeira ordem (art. 33), isto é, os mais importantes no quadro da administração municipal. Esta ideia, determinada no Estatuto, implicava uma exigência em termos procedimentos contabilísticos. A lei n.º 88 de 1913 dedica o capítulo II aos orçamentos, onde estão definidas as regras da sua estrutura e elaboração, bem como dos tipos de orçamentos que a Junta pode elaborar: ordinários e suplementares. Os últimos acontecem apenas como resultado de alterações que sucedam no decurso da execução dos primeiros, não havendo qualquer limite quanto ao número dessas alterações. Esta situação e a transferência de verbas orçamentais eram autorizadas pelo governador civil, depois de ouvida a Comissão Distrital. Em termos de política orçamental, a comissão executiva da Junta apenas estava autorizada a proceder a transferências de verbas entre as diversas rubricas. O valor anual do orçamento era imutável, i.e., os orçamentos suplementares não aumentavam nem diminuíam o valor inicial atribuído à receita e à despesa, a não ser que ocorresse uma receita extraordinária e existisse a necessidade de aplicá-la. As principais fontes de receita da Junta Geral eram os impostos (impostos distritais, contribuições diretas e adicionais, imposto do vinho de estufa, imposto para hospitalização de alienados e socorros a náufragos, impostos sobre o açúcar, o álcool e a aguardente, imposto sobre os combustíveis, fundo de viação e turismo, contribuição predial, contribuição industrial, imposto sobre capitais, imposto sobre transações, imposto de camionagem, imposto profissional, imposto de trânsito, imposto de compensação, imposto do tabaco, imposto do selo, imposto de circulação, as cobranças estabelecidas no art. 1.º do dec.-lei n.º 34051 e no art. 2.º do dec--lei n.º 34051, bem como os emolumentos, as multas e taxas, as receitas de diversos serviços, o rendimento das levadas do Estado, os recebimentos para outras entidades, os subsídios, os empréstimos, as dívidas, os subsídios do fundo de desemprego e outras receitas. Devemos ainda assinalar, desde 1956, o adicional de 10 % sobre o imposto profissional, assim como diversos adicionais consignados a certas despesas. Assim, por despacho ministerial de 30 de dezembro de 1953, foi estabelecida uma taxa sobre a entrada e saída de mercadorias para a assistência distrital. A isto acrescentara-se, em 1933, as comparticipações de 50 % do fundo de Desemprego para as obras de utilidade pública. As principais despesas obrigatórias eram: os vencimentos do pessoal; as pensões de aposentação; os encargos de empréstimos; o pagamento de dívidas exigíveis; as despesas com os litígios; as despesas de dotação dos serviços distritais; a hospitalização de alienados. Ainda temos as despesas relacionadas com o funcionamento do Governo Civil, com as escolas do ensino liceal e técnico; com a delegação do Tribunal do Trabalho e Previdência; com o Tribunal do Trabalho; com a direção do distrito escolar; com o Arquivo Distrital; e as despesas de representação do presidente da Comissão e do Governo do distrito. Governo Regional da Madeira A Constituição de 1976 estabelece um regime híbrido entre a Constituição de 1933 e os anteriores textos constitucionais. Deste modo, ao Governo compete elaborar o orçamento, publicado por decreto-lei orçamental, enquanto à Assembleia compete aprovar a Lei do Orçamento. O plano de atividades, que fundamenta a despesa e que até então era apresentado de forma separada, passou a estar integrado no orçamento. Com a revisão constitucional de 1982, a Assembleia aprova o orçamento, e ao Governo compete executá-lo. Na revisão de 1989, a mudança mais significativa prende-se com o regime do plano de atividades. A integração de Portugal na União Europeia implicou alterações da política orçamental, nomeadamente a partir da assinatura do Tratado de Roma, a 7 de Fevereiro de 1992, que determinou a necessidade de convergência económica e financeira. Nesse quadro, releva-se a fiscalização, pela Comissão Distrital, da evolução da situação orçamental, designadamente no que concerne à dívida pública, que, suplantando os limites estabelecidos, implicava pesadas penalizações de carácter financeiro. O orçamento regional é elaborado, desde 1976, pelas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A elaboração e execução destes orçamentos baliza-se pelo Estatuto Administrativo da Região, a legislação de enquadramento do orçamento e das finanças regionais, o programa do Governo regional, o Quadro Comunitário de Apoio e o Orçamento Geral do Estado. De acordo com o primeiro Estatuto, dito provisório enquanto o definitivo não é elaborado pela Assembleia Regional da Madeira, a Região deve elaborar um orçamento e plano económico regional, a enquadrar no Orçamento do Estado, que deve ser submetido à aprovação da Assembleia Regional. Recorde-se que o orçamento regional começou por ser integrado no Orçamento do Estado, o que implicava que a sua plena execução estava sempre pendente do orçamento nacional. A proposta de orçamento é elaborada pela Secretaria Regional das Finanças, aprovada em plenário do Governo por resolução, assinada pelo presidente e pelo secretário das Finanças, e depois submetida à aprovação da Assembleia Regional, quer sob a forma de decreto regional (apenas nos anos de 1977-1978), quer passando depois a resolução desta Assembleia (a partir de 1979), dando lugar a decreto legislativo regional (desde 1988). A execução deste documento é definida por decreto regulamentar regional, sendo as alterações ao mesmo orçamento feitas através de decreto legislativo regional. A situação de dependência do orçamento regional em relação à aprovação do Orçamento Geral do Estado, por forças das verbas, consideradas de acordo com o princípio de solidariedade do Estatuto de 1976 (art. 56), conduzirá a que seja aprovado muitas vezes de forma tardia, como sucedeu entre 1977 e 1986. Até 1988, o orçamento, depois de aprovado pela Assembleia Regional e assinado pelo ministro da República, era remetido ao Governo da República para ser integrado no Orçamento do Estado. A partir desta data, com base no artigo n.º 22 da Constituição, o Governo Regional passou a submeter o orçamento à Assembleia Regional sob a forma de proposta de decreto legislativo regional, que, depois de aprovado pela Assembleia, era assinado pelo presidente da mesma e pelo ministro da República, sendo depois publicado em Diário da República. Esta fórmula era também seguida quanto aos programas e projetos plurianuais do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração da RAM. As alterações orçamentais, que até 1990 estavam sujeitas à apresentação e aprovação, pela Assembleia Regional, de um orçamento suplementar, deixam de existir (de acordo com o art. 20 do dec.-lei 40/83, de 13 de dezembro), estando o Governo autorizado a realizá-las, desde que não impliquem alteração na despesa, procedendo à sua publicação no Jornal Oficial da RAM. Em termos de execução orçamental, surgiram alguns instrumentos legislativos. A lei n.º 28/92 DR 201/92 Série I-A, de 1 de setembro, estabeleceu as regras referentes ao Orçamento da Região Autónoma da Madeira, os procedimentos para a sua elaboração, discussão, aprovação, execução, alteração e fiscalização, e a responsabilidade orçamental. Foi alterada pela lei n.º 53/93 DR 177/93 Série I-A, de 30 de julho. A lei n.º 91/2001, de enquadramento do Orçamento do Estado, estabelece “as disposições gerais e comuns de enquadramento dos orçamentos e contas de todo o setor público administrativo”. Assim, define “as regras e os procedimentos relativos à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação, alteração e execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social, e a correspondente fiscalização e responsabilidade orçamental, e à organização, elaboração, apresentação, discussão e votação das contas do Estado, incluindo a da segurança social”. A orgânica da Direcção Regional de Orçamento e Contabilidade foi aprovada pelo dec. reg. n.º 21/93/M DR 157/93 Série I-B, de 7 de julho. A falta de controlo sobre o sistema tributário e a sua arrecadação, associada à insuficiência de recursos financeiros, por parte do Estado, para satisfazer as necessidades de funcionamento das instituições, nomeadamente dos setores da saúde e da educação, criou insistentes problemas de tesouraria às finanças regionais, obrigando a constantes recursos a empréstimos. Assim, as políticas orçamentais geraram conflitos entre os Governos regional e central. A isto associa-se, muitas vezes, a aprovação tardia do Orçamento Geral do Estado, mecanismo que estipula o valor anual das verbas correspondentes às transferências do Estado, que conduz a atrasos na aprovação do Orçamento regional, bem como na definição de políticas orçamentais. Os anos de 1985 e 1986 foram de particular significado para esta conjuntura de difícil execução orçamental, tendo levado à negociação de um programa de reequilíbrio financeiro com o Governo da República. Desta forma, pela resolução 9/86, de 16 de janeiro, o Governo mandatou o ministro da República e o ministro das Finanças para estabelecerem com o Governo Regional um programa de reequilíbrio financeiro da RAM, assinado a 26 de fevereiro de 1986. A 22 de setembro de 1989, houve novo programa de recuperação financeira, que vigorou até 31 de dezembro de 1997.   Alberto Vieira Eduardo Jesus (atualizado a 15.12.2017)

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