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câmara de lobos

Câmara de Lobos apresenta uma ligação muito evidente com a família do primeiro capitão do Funchal e com o início da ocupação do arquipélago. O nome da baía e do lugar terá sido inspirado pela abundância de lobos-marinhos (monachus monachus) que os navegadores, acompanhantes de João Gonçalves, teriam visto numa furna. Este primeiro encontro marcou o nome do lugar, que passou a chamar-se Câmara de Lobos, em homenagem a este grupo de lobos-marinhos e à sua atitude de repouso. Depois, o Cap. João Gonçalves, também conhecido pelo apelido de Zarco, que alguns identificam como “zarolho”, quando recebeu carta de armas de 4 de julho de 1460, assumiu o apelido de “Câmara de Lobos”, embora, depois, tenha usado apenas o de “Câmara”. Diz o cronista Gaspar Frutuoso que “em uma rocha delgada à maneira de ponta baixa, que entra muito no mar; e entre esta rocha e outra fica um braço de mar em remanso, onde a natureza fez uma grande lapa, ao modo de câmara de pedra e rocha viva. Aqui se meterem com os batéis e acharam tantos lobos marinhos, que era um espanto; e não foi pequeno refresco,  e  passatempo  para  a gente;  porque  mataram  muitos  deles,  e tiveram  na matança  muito  prazer  e  festa.  Pelo  que  o  Cap. João  Gonçalves  deu  nome a  este  remanso  Câmara  de  Lobos,  donde  tomou  o  apelido,  por  ser a derradeira  parte,  que  descobria  deste  giro  e  caminho,  que  fez:  e deste  Jogar  tomou  suas  armas,  que  El-Rei  lhe  deu,  tornando  ao  reino” (FRUTUOSO, 2008, 39-40). Para além deste episódio, deve-se considerar que o território deste concelho foi marcado pela imponência do Cabo Girão, uma referência no turismo madeirense. A designação resultou do fato de os navegadores, no séc. xv, ao chegarem à Ilha na primeira viagem de reconhecimento, terem feito o retorno ou giro ao ponto de partida. Um dos testemunhos mais importantes foi dado em 1854, por Isabella de França: “É impressionante olhar para tamanha altura, com os  penhascos vermelhos a brilhar a luz, como se fossem os limites de um céu que pendesse sobre outro mundo para lá do nosso. Sucedia-se uma longa fila de rochas sobranceiras ao mar, de altitude variável e aqui e ali aplanadas em manchas de vinhedos e outras culturas.  Havia camponeses a trabalhar em sítios onde parecia não existir espaço para assentar um pé; dir-se-ia que estavam colados à rocha. Na verdade, só os poderia comparar a moscas deslocando-se num espelho, e, no entanto, moviam-se cá e lá e andavam acima e abaixo como se tivessem o poder de sustentar-se no ar, independentes de todas as leis da locomoção humana” (FRANÇA, 1970, 90-91). A proximidade deste território ao Funchal sempre impediu que ganhasse a importância devida em termos administrativos, mantendo-se como uma periferia agrícola distante do município funchalense até 1835, altura em que assumiu autonomia municipal. Em 1817, Paulo Dias de Almeida referiu que, embora sendo “um  dos  lugares  mais  bem  povoados  e  o  mais  próximo da  cidade,  está  inteiramente sem defesa e muito  sujeito a ser saqueado por qualquer corsário de pequena força” (CARITA, 1982, 60), provando a pouca atenção e a situação de abandono que persistiam em princípios do séc. XIX. Porém, a criação do município, em 1835, seria um caminho para a sua valorização e rápida afirmação.   O concelho de Câmara de Lobos A separação do Funchal é uma das mais antigas, mas tardou muito a acontecer. O Funchal era muito distante e acarretava danos aos interesses dos seus moradores; o facto de “haverem de ir pelas coisas da  justiça  cada  dia  tão  longe  lhes  é  grande  opressão  e perdimento de suas fazendas”, daí o terem querido “fazer jurisdição sobre si”, mas o infante D. Fernando, em sentença de 6 de agosto de 1468, determinou que o lugar de Câmara de Lobos deveria continuar a ser “termo e jurisdição da vila do Funchal” (SILVA, 1995, I, 661). A pretensão das populações de Câmara de Lobos a um estatuto concelhio só veio a ser concretizada pela portaria de 25 de maio de 1835, que estabeleceu uma reestruturação à estrutura municipal madeirense. Até então, os funcionários com jurisdição para atuar naquele território  limitavam-se a um juiz e a um alcaide do lugar, documentados a partir de princípios do séc. XVI. É com a alteração da situação do poder local que foram criados os novos municípios de Câmara de Lobos: Santana e Porto Moniz. De acordo com o Elucidário Madeirense (1978), a instalação do concelho ocorreu a 16 de outubro, mas as investigações de Manuel Pedro de Freitas conduziram à retificação desta data, estabelecendo, como fundador, o dia 4 de outubro, data de registo da primeira ata das eleições e de juramento dos oficiais eleitos. Esta sessão decorreu na sacristia da igreja de S. Sebastião, em Câmara de Lobos, sendo a mesa eleitoral presidida por João Crisóstomo Urel, vereador da Câmara do Funchal. Por força desta circunstância, o dia do concelho, que, desde 1977, era assinalado a 16 de outubro, passou a ser celebrado no dia 4 de outubro. Com o tempo, a sua jurisdição territorial foi sendo alterada. A 6 de maio de 1914, a freguesia do Campanário passou para a jurisdição do concelho da Ribeira Brava, entretanto criado. A 15 de setembro de 1994, a sede da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos foi elevada à categoria de vila, e, a 3 de agosto de 1996, a sede do concelho passou à categoria de cidade. O município foi constituído pela freguesia do Jardim da Serra (5 de julho de 1996) e pelas paróquias, depois também transformadas em freguesias, de Câmara de Lobos (1430?), do Estreito de Câmara de Lobos (1509?), do Curral das Freiras (17 de março de 1790), e da Quinta Grande (24 de julho de 1848). As freguesias/paróquias estavam integradas no concelho do Funchal, sendo desanexadas à medida da sua valorização social e das reclamações dos fregueses. Há um dilema sobre a atribuição do estatuto de vila à sede do concelho de Câmara de Lobos. Fernando Augusto da Silva, a propósito de Câmara de Lobos, escreveu: “Apesar de comummente se chamar vila de Câmara de Lobos ao agrupamento de casas que constitui a parte mais central e importante da freguesia, a verdade é que a capital deste concelho nunca foi vila, mas simplesmente lugar, que era noutro tempo designação dada à povoação intermediária entre vila e paróquia”. E, mais adiante, ao referir a criação do concelho, que considera ter acontecido em 1832, revela que “as repartições concelhias estão instaladas no sítio chamado da vila” (SILVA, 1978, I, 213). Noutro passo sobre os concelhos, o autor reafirma o já dito: “As antigas denominações de vila, município ou concelho, eram sinónimos da nossa antiga legislação, ao menos na sua aplicação à Madeira, mas o mesmo se não dá no direito moderno do período constitucional em que vila e concelho ou município representam coisas muito distintas. E, assim temos que Câmara de Lobos, Santana e Porto Moniz são apenas concelhos ou municípios e não vilas, pois não existe nenhuma lei ou decreto especial que os tivesse elevado a esta categoria, havendo entretanto no continente várias vilas que não são cabeças ou sedes de concelho” (Id., Ibid., 296). Desta forma, pode-se afirmar que esta situação contradiz aquilo que o código administrativo afirma, aprovado pelo dec.-lei n.º 31.095, de 31 de dezembro de 1940, sobre as sedes dos concelhos. Assim, no seu parágrafo n.º 1, do n.º 3 do art. 12, diz-se: “Têm a categoria de vila todas as povoações que forem sedes de concelho”. Esta é a última referência direta a uma relação entre a vila e o concelho, pois, a partir daqui, o divórcio foi total, sendo a sua consumação institucional estabelecida pela lei de 1982. A criação do concelho é uma reivindicação muito antiga, pelo que, no momento em que aconteceu, surgiu uma elite local que assumiu as rédeas do poder municipal e que viu com bons olhos esta descentralização que aconteceu no séc. XIX, retirando o território da alçada do Funchal. A valorização económica do espaço e a consciência política dessa elite favoreceram esta nova realidade e a afirmação do município. Assim, de acordo com recolha de Manuel Pedro de Freitas (1999), a galeria de todos aqueles que exerceram o cargo de presidente é maioritariamente originária das freguesias de Câmara de Lobos e do Estreito de Câmara de Lobos. Por outro lado, a tardia valorização dos elementos heráldicos não resultou de qualquer desinteresse, mas da pouca valorização que os mesmos assumiam em termos práticos no quotidiano. Daí que o seu aparecimento e a sua exibição resultassem de uma exigência ou necessidade sentida num momento especial. Embora se tenha documentado o brasão de armas do concelho desde 1921, num dos tetos pintados do antigo salão do Seminário da Encarnação no Funchal, só em 1940, por ocasião da exposição Mundo Português, se sentiu a necessidade de dispor da heráldica do concelho, que foi aprovada em sessão camarária de 6 de setembro de 1944, e do estandarte, em março de 1949. Mas o brasão de armas só foi publicado no Diário do Governo n.º 3, série II, de 4 de janeiro de 1957. A última alteração foi de 9 de janeiro de 1997, por força da elevação do lugar de Câmara de Lobos à categoria de cidade, surgindo as quatro torres acasteladas. Destas armas, são emblemáticos os dois lobos-marinhos, a testemunhar o primeiro encontro dos portugueses com esta baía.   De lugares a paróquias e freguesias Nos princípios do séc. XXI, o município foi constituído pelas freguesias de Câmara de Lobos (1430?), do Estreito de Câmara de Lobos (1509?), do Curral das Freiras (17 de março de 1790), da Quinta Grande (24 de julho de 1848), e do Jardim da Serra (5 de julho de 1996). O arciprestado de Câmara de Lobos apresentou 9 paróquias, resultantes da reforma de 24 de novembro de 1960, por iniciativa de D. David de Sousa (1957-1965), bispo da Diocese do Funchal (Sousa, D. David de). Assim, das quatro paróquias existentes (paróquia de Câmara de Lobos, orago de S. Sebastião; paróquia do Estreito de Câmara de Lobos, com invocação a N.ª Sr.ª da Graça; paróquia do Curral das Freiras, com invocação a N.ª Sr.a do Livramento; e paróquia da Quinta Grande, com invocação a N.ª Sr.ª  dos Remédios) surgiram, em 1960, outras cinco, sendo a de Câmara de Lobos dividida em três novas (paróquia de Câmara de Lobos, com invocação a S. Sebastião; paróquia do Carmo, com invocação a N.ª Sr.ª do Carmo; paróquia de S.ta Cecília, com invocação a S.ta Cecília), a do Estreito de Câmara de Lobos em quatro (paróquia do Estreito de Câmara de Lobos, com invocação a N.ª Sr.ª da Graça; paróquia da Encarnação, com invocação a N.ª Sr.ª da Encarnação; paróquia do Garachico, com invocação a N.ª Sr.ª do Bom Sucesso; e paróquia de S. Tiago). Quanto à paróquia da Quinta Grande, ela só viria a ser alvo de alterações em termos de área geográfica. Câmara de Lobos demarca-se por uma importante baía, por um ilhéu e pela desembocadura de uma ribeira, tendo assinalado, em termos geográficos, um sítio adequado à fixação dos primeiros povoadores. Certamente, estas condições levaram a família do capitão a considerar a hipótese de nela estabelecer a sua primeira morada, sendo, depois, preteridas em favor do Funchal. Diz o cronista: “Chegando a  um  alto  sobre a Câmara de  Lobos, traçou ali  onde  se fizesse  uma  igreja  do  Espírito  Santo;  passando mais  abaixo  a  umas  serras  muito  altas,  ali  traçou  outra igreja  da  Vera  Cruz. E todos estes altos tomou para seus herdeiros”. A proximidade e o crescimento do Funchal conduziu à dependência de Câmara de Lobos, cuja zona urbanizada se caracterizava, segundo  Gaspar Frutuoso, como pequena, tendo “duzentos  fogos e  uma  só  rua  principal  e muito comprida, e, no  cabo  dela, a  igreja,  muito  boa e  bem consertada” (FRUTUOSO, 1968, 87 e 122). O processo de povoamento começou a partir da baía e foi, com o tempo, subindo a encosta e alargando-se para poente. Assim, o lugar do Estreito de Câmara de Lobos deverá ter começado em 1440, com o eremitério dos Franciscanos, tendo rapidamente ganhado importância, pois, em 1460, já existia uma capelania, e a paróquia terá sido criada por volta de 1515. A freguesia da Quinta Grande foi criada a 24 de julho de 1848, definindo-se o seu território por áreas desanexadas às freguesias de Câmara de Lobos e do Campanário. A 8 de fevereiro de 1820, havia sido elevada à categoria de curato. A designação de “Quinta Grande” é anterior aos Jesuítas, pois, em 1501, a área era já referida como a Quinta do Cabo Girão, sendo propriedade de João Gonçalves da Câmara, filho de Zarco, que a passou ao seu filho Manuel de Noronha. Sobre esta quinta, refere o cronista: “Tem  esta  quinta  boas  terras  de  canas e  de  trigo  e centeio,  mas  vinhas  poucas,  por ser a  terra  alta,  ainda  que ao longo do mar tem o mesmo Luís de Noronha uma fajã de grande pomar e  vinhas de muito preço, e passatempo, que dá cada ano 40, 50 pipas de malvasias. E está a  ribeira dos Melões, que parece que os há naquela parte muitos e, sobretudo, estremados, que dá também muitas canas e,  em  parte,  algumas  vinhas”(Id., Ibid., 123). A capela da Vera Cruz é atribuída à família dos capitães do Funchal. Mas, certamente, o facto de a área ter sido toda uma propriedade dos Jesuítas, entre os sécs. XVI e XVIII, não deverá ser alheio à perpetuação do seu nome de “Quinta dos Jesuítas”. Esta foi-lhes vendida a 27 de abril de 1595, por Fernão Gonçalves da Câmara. Diz-se que o sítio da quinta era onde estava situada a casa e capela dos Jesuítas. Todavia, em 1770, depois do confisco dos bens daqueles, passou ao domínio privado, por venda em hasta pública. O Curral das Freiras foi buscar o nome ao facto de a propriedade ter integrado o dote de freiras da família Câmara, quando do seu ingresso no recém-fundado convento de S.ta Clara.  O sítio estava dedicado a pastagens de gado, donde as freiras do convento passaram a tirar um elevado benefício em carne e manteiga para o seu consumo diário. A tradição aponta que, em 1566, aquando do assalto de B. de Montluc ao Funchal, as freiras se teriam escondido nesta sua quinta. Diz o cronista: “As freiras e o Curado, com alguns frades e o homem que  as  defendeu,  enquanto  isto  do  baluarte  passou,  saíram por entre  os  canaviais  e  se  acolheram  e  não  pararam  até  o seu  Curral,  que  dista  bom  pedaço  da  cidade,  e,  assim,  se foram,  deixando  tudo  no  mosteiro,  sem  salvar nenhum  ornamento;  salvo  a  custódia  do  Santíssimo  Sacramento,  que um  padre  comungou,  e  alguns  cálices,  que  puderam  levar nas  mangas,  tudo  o  mais  foi  roubado” (Id., Ibid., 345). As terras do Curral haviam sido doadas por João Gonçalves Zarco a João Ferreira, mas, em 1480, passaram, por venda, para a posse do Cap. donatário João Gonçalves da Câmara, que as  entregou ao convento, como dote das filhas Elvira e Joana, dando assim início à posse pelo convento. Em termos de jurisdição paroquial, pertencia à freguesia de Santo António, mas, em 17 de março de 1790, assumiu o estatuto de paróquia independente. O Jardim da Serra deve o nome à Qt. do Jardim da Serra, propriedade de Henry Veitch, que este fizera erguer, de forma imponente, para a sua última morada após a morte, sendo o único caso de um mausoléu fora do recinto de uma igreja ou cemitério justificado pelo facto de ser protestante. A freguesia só foi criada a 5 de julho de 1996, no local da paróquia de S. Tiago, criada em 1961.   Sociedade O lugar de Câmara de Lobos começou o povoamento em torno da figura do capitão do Funchal e manteria esta ligação, fazendo com que alguns criados ou apaniguados do mesmo assumissem, com o tempo, uma posição de destaque. Foram diversas as famílias que estabeleceram um vínculo a este lugar e que ganharam importância social. Através dos livros de manifesto da produção do  vinho  e  da receita  do  subsídio  literário, que recaía sobre o mesmo, é possível rastrear esta realidade e estabelecer uma ideia da elite fundiária. Recorde-se que a área que vai do  Funchal ao Campanário, que inclui a área de Câmara de Lobos, foi dominada por terras de morgadio. Assim, num registo para 1819-1834, estabeleceram-se 12 morgados em Câmara de Lobos, que representaram metade dos existentes. Podemos destacar os mais importantes: o visconde de Torre Bela, João de Carvalhal, Ayres de Ornellas de Vasconcellos, João da Câmara Leme, José Ferreira,  António  Ferreira,  Carlos  Vicente,  Henrique  Fernandes, e Fernando  da Câmara. Nestas terras, predominou o  contrato  de  colonia, sendo de assinalar que, em 1829, o número de senhorios era superior a 30, com especial realce para Pedro Santana, o visconde de Torre Bela, e João da Câmara. O crescimento demográfico da área do concelho foi atestado em diversos momentos por múltiplos testemunhos, desde que Frutuoso a descrevera como tendo duzentos fogos. Em 1598, o “recenseamento dos fogos” diz que: “No  Lugar de  Câmara  de  Lobos  há  a  igreja principal de  S.  Sebastião  e  duas  ermidas:  N.ª Sr.ª  da  Conceição,  que  foi  a  segunda igreja  que  nesta  se fez,  e  a  do  Espírito  Santo.  Tem  logo  fora  do  lugar um  mosteiro  de  S.  Bernardino,  com  10  a  12  religiosos.  Daqui  tomaram  os  capitães, os  Câmaras,  os  lobos  por  armas,  por  acharem  lobos marinhos  metidos  numa furna,  quando  aqui  desembarcaram. Tem este lugar 134 fogos e 510 almas de  sacramento […]. No  Estreito  sobre  Câmara  de  Lobos  está  a  freguesia  de  Nossa Senhora  da  Graça,  que  tem  97 fogos  e  404 pessoas  de  confissão” (CARITA, 1991, II, 235 e 239). Em 1722, Henrique Henriques de Noronha, natural do lugar, descreveu assim Câmara de Lobos: “No  seu  porto  faz  este  lugar  uma baía,  acompanhada  por  uma e outra parte de rocha, com 170 passos de largo, a tiro de mosquete pelo  mar dentro,  compõem-se  de  uma só,  mas  grande rua,  que  principia no desembarcadoiro,  onde  está uma boa  Igreja de  N.ª  Sr.ª  da  Conceição,  e  se termina  na  da  Paróquia  da  invocação  de  S.  Sebastião,  Igreja  colegiada hoje  de  moderno  reedificada.  Tem  Vigário,  Cura,  quatro  Beneficiados, Tesoureiro,  e  organista;  compreende 390 fogos, com 1820 almas […] Por cima  deste  lugar  fica outra  freguesia que chamam do Estreito de Câmara de Lobos, mais para o sertão;  cuja  paróquia  é  da  invocação  de N.ª Sr.ª da Graça; tem  um Vigário, e Cura; que administram os Sacramentos a 1048 almas, em 288 casas dispersas; no seu distrito estão as ermidas de S. António, de N.ª  Sr.ª da Encarnação, e do Socorro” (NORONHA, 1996, 223-224). Paulo Dias de Almeida, em princípios do séc. XIX, referiu o lugar de Câmara de Lobos como: “Sendo  este  um  dos  lugares  mais  bem  povoados  e  o  mais  próximo da  cidade […] Compreende  duas  freguesias  com  6550  habitantes, 1348  fogos,  1642  pipas  de  vinho  e  92  moios  de  trigo  e  centeio” (CARITA, 1982, 60 e 79).   Economia e riqueza dos recursos Câmara de Lobos é um concelho que se divide entre o mar e a terra. As populações ribeirinhas, aproveitando as condições da baía, têm-se dedicado à pesca, nomeadamente do peixe-espada. É tradição do local a indústria da secagem da gata, um peixe que vem com a captura do principal. No princípio, porém, era um local agrícola, dizendo-se mesmo que aqui se plantaram as primeiras videiras, a que se seguiram os canaviais. A maior valorização agrícola do território aconteceu, de forma particular, a partir de 1952, com a abertura da Levada do Norte, que possibilitou o desenvolvimento de culturas de regadio. Daí que o ato de inauguração da levada tivesse sido muito celebrado pela população da Quinta Grande, do Estreito, e de Câmara de Lobos. Refere, assim, Gaspar Frutuoso: “Tem  mais  dois  engenhos  de  açúcar,  um,  que  foi de  António  Correia,  e  outro  de  Duarte  Mendes,  e  muitas canas  e  vinhas  de  boas  malvasias,  e  muitas  frutas  de toda sorte,  e  muita  água”. E, encosta acima, assinala “os pomares do Estreito, que  têm muita castanha e noz, e peros de toda sorte muito doces, e vinhas e criações” (FRUTUOSO, 1968, 120 e 122). A concorrência do açúcar das restantes áreas produtoras do Atlântico, bem como a peste de 1526 e a falta de mão-de-obra apenas vieram a agravar a situação de queda. A tudo isto acresceu, em finais do século, os efeitos do bicho sobre os canaviais, como foi testemunhado para os anos de 1593 e  1602. O último quartel do século foi o momento de viragem para culturas de maior rendibilidade, como a vinha. A documentação testemunha a mudança. Assim, em 1571, Jorge Vaz, de Câmara de Lobos, declarou, em testamento, um chão que “sempre andou de canas e agora  mando que se ponha de malvasia para  dar  mais proveito” (ABM, Juízo dos Resíduos e Capelas,  fls. 499v.-500v.). Há, mesmo assim, uma continuidade da cultura açucareira nas centúrias seguintes. Em Câmara de Lobos, verificou-se a presença de vários engenhos, de que não restam vestígios. Um dos mais  antigos estava no sítio da Palmeira, erguido em 1847, por ação de Manuel Martins e João da Silva. Na vila, mais propriamente na Rua da Carreira, havia, em 1854, o segundo  engenho de  Tibúrcio Justino Henriques, preparado para aguardente e melaço. Na déc. de 50, assinalaram-se ainda outros dois. Em 1857, João Figueira Quintal construiu um no sítio do Ribeiro Real, e, no ano imediato, Joaquim Figueira & Co. construiu o do sítio de Jesus Maria José.  Na linha de fronteira,  na  margem  da  Ribeira  dos  Socorridos, que  separa o  município do  Funchal  do  de Câmara de Lobos, construiu-se  o  engenho dos Socorridos, o único que se manteve em atividade no decurso do  séc. XVIII, demonstrativo  da persistência da  cana nas  proximidades.  De entre os inúmeros proprietários, assinala-se a figura de Guiomar Madalena de Sá Vilhena. Da estrutura, persistiu apenas a capela. No princípio do séc. XXI, a agricultura continuou a assumir um papel destacado na economia do concelho. Assim, na freguesia de Câmara de Lobos, dominou a banana, mas, na freguesia do Estreito, tornou-se evidente a viticultura, tal como a horticultura na Quinta Grande, no Jardim da Serra e no Curral das Freiras. Em 1854, Andrade Corvo afirmou que “o  concelho  de Câmara  de Lobos  é um  dos concelhos,  em  que  se produz  mais  vinho  e  de  melhor  qualidade.” No enunciado das castas disponíveis na área, refere a sercial, a tinta negra mole e a malvasia que dá “um  vinho muito precioso, e estimado” (CORVO, 1855, 23). Em 1884, Henri Vizetelly considerou que a melhor área para a produção de vinho na Ilha se situava na Torre, em Câmara de Lobos. Há uma ideia muito divulgada da excelência dos vinhos do concelho que está divulgada entre os nacionais e estrangeiros. Deste modo, Eward Harcourt, em 1851, afirmou que “os melhores vinhos da Madeira são produzidos nas freguesias de Câmara de Lobos, São Martinho e São Pedro, nas partes mais baixas de Santo António, no Estreito de Câmara de Lobos, no Campanário, em São Roque e em São Gonçalo. As partes mais altas das últimas cinco freguesias produziam apenas vinhos de segunda e terceira qualidade. Os melhores Malvasia e Sercial são da Fajã dos Padres no sopé do Cabo Girão e do Paul e Jardim do Mar. As parras de malvasia são as melhores para suportar um enxerto. A melhor vinha para plantar no sul é a verdelho, obtida tanto do norte como do Curral das Freiras” (VIEIRA, 1993, 362). Uma memória sobre o vinho, publicada em 1851 por José Silvestre Ribeiro, reafirma a importância da área do concelho de Câmara de Lobos na produção de muitos e bons vinhos: “O melhor vinho que a Madeira produz é a malvasia e sercial da Fajã dos Padres. Na freguesia de Campanário, concelho de Câmara de Lobos [...] Dizem que o bual e o verdelho de Campanário são os melhores vinhos da Madeira; há preferência ao de Câmara de Lobos. Câmara de Lobos é a freguesia que produz o melhor vinho da Madeira, exceto malvazia e sercial. A freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, do sítio do Salão para baixo, dá vinho igual, ou quase igual, ao de Câmara de Lobos” (Id., Ibid., 170). Henri Vizetelly, em 1880, traçou o quadro da Ilha após a filoxera, dizendo que Câmara de Lobos, terra de produção de mais de 3000 pipas de vinho, agora só produzia 100, porque “quase todas as vinhas deterioraram-se e plantou-se cana de açúcar no seu lugar” (Id., Ibid., 382), mas, por certo mantiveram-se as vinhas nas terras mais altas do Estreito. Esta situação marcou uma viragem que conduziu à valorização e ao retorno da antiga cultura da cana-de-açúcar e, depois, no séc. XV, da bananeira. A recuperação definitiva de muitos dos vinhedos só aconteceu de forma clara a partir dos anos 80 do séc. XX, por incentivo do Governo regional. A ligação do concelho ao vinho é muito evidente. Primeiro, com os vinhedos que dominam a paisagem; depois, com as instalações de apoio da firma Barbeito de Vasconcelos e os armazéns da firma Henriques Henriques. No Estreito de Câmara de Lobos, existiu, ainda, desde 17 de agosto de 1990, um armazém de vinhos Madeira, propriedade da empresa Silva Vinhos Lda., que foi desativado, e apenas se regista um outro armazém da empresa Henriques e Henriques. A família Henriques está ligada aos primórdios da ocupação e ao cultivo da vinha no arquipélago. Até à década de 70 do séc. XX, foi detentora de importantes terras de colonia, ocupadas com vinha, nos sítios da Torre e da Quinta Grande. A partir de 1850, João Joaquim Gonçalves Henriques, com base nas propriedades de família em Belém (Câmara de Lobos), instalou-se como partidista do vinho Madeira, fornecendo as principais casas. Em 1913, surgiu a atual empresa, resultado da fusão da Casa de Vinhos da Madeira Lda., Belém’s Madeira Lda., Carmo Vinhos Lda., António Eduardo Henriques Sucrs. Lda., e António Filipe Vinhos Lda. Em 1960, foi a vez de Freitas Martins Caldeira & Cia. Se juntar ao grupo. A  firma  esteve, no princípio do séc. XXI, em  mãos  dos  sócios  A.  N.  Jardim,  Peter  Cossart  e  Nunes Pereira. Em 1992, iniciou um processo de modernização, transferindo-se do Funchal para o concelho de Câmara de Lobos. Na vila, junto à ribeira do Vigário, ficaram as instalações de vinhos, as lojas de vendas e o escritório, enquanto na Quinta Grande ficavam 10 ha de vinha das diversas castas nobres e as instalações de receção da uva, vinificação e estufa. Na época das vindimas, o Estreito era um local de grande atividade e animação. Neste contexto, assinala-se a primeira festa das vindimas realizada em 1963, que foi realizada de novo em 1979,  com grande animação e continuidade até aos princípios do séc. XXI. Os Jesuítas  foram  detentores  de  extensas  áreas  de  vinha no Funchal e na Quinta Grande. No séc. XIX, a Quinta Grande foi uma das freguesias que não foi molestada pelos efeitos nefastos da filoxera, persistindo, inclusive, na Fajã dos Padres, os bacelos da primitiva casta de malvasia. A Companhia de Jesus está ligada à Fajã dos Padres e à malvasia aí produzido. Entre todos os tipos de vinho, o mais celebrado foi o malvasia. A malvasia cândida manteve-se, por muito  tempo, a rainha das videiras, quer no  Mediterrâneo, quer no Atlântico, tendo, por assento, e.g. a Madeira e as Canárias. Na Europa do séc. XV, este vinho foi celebrado por poetas e dramaturgos, e.g. Shakespeare. A fama condicionou  a  opção  do  infante D. Henrique em  recomendar  aos  povoadores  as  videiras  de malvasia de cândida. O senhor da Ilha pretendia cultivar o vinho no novo espaço. Todavia, nunca previu que havia de se tornar no mais afamado da Madeira, levando o seu nome aos quatro cantos do mundo. Em meados do séc. XV, o veneziano Cadamosto fazia fé dessa realidade. Aliás, em 1530, outro italiano, Giulio Landi, proclamava que o malvasia madeirense era reputado melhor do que o vinho de cândida. A fama persistiu até ao presente, sendo o malvasia o mais considerado de todos os vinhos da Ilha. A produção foi sempre reduzida, mas a procura foi sempre elevada. Em 1757, a produção foi de apenas 50 pipas, muito disputadas pelos mercadores funchalenses. Ali, incluíam-se algumas pipas da Fajã dos Padres. A Fajã confunde-se com o malvasia, que foi o mais cobiçado vinho entre todos os mercadores. Os Jesuítas destacaram-se na produção de vinho, sendo acusados, em 1689, por John Ovington, de quase monopólio da malvasia: “Eles asseguram aqui o monopólio do malvasia do que existe em toda a Ilha apenas uma boa e grande vinha - na dita fajã - de que são os únicos possuidores” (ARAGÃO, 1993, 198). A malvasia foi plantada por iniciativa do P.e Sebastião de Lima. Foi dele a ordem de 1663 para  plantar  7000  bacelos  de  malvasia,  a maioria em latada. A  Fajã  deveria  ser  uma  referência  para  os estrangeiros,  pois,  em  1825,  Edward  Bowdich descreveu a viagem por barco à descoberta deste recanto. Por outro lado, para John Driver, aquilo que o entusiasmara, em 1834, tinha sido o malvasia, considerado o melhor entre todos. Em meados do séc. XIX, a fama da malvasia persistia ainda, como afirma Isabella de França: “há um sítio chamado Fajã dos Padres, por  ter  pertencido  antigamente  aos  jesuítas: cresce aqui a melhor malvasia, famosa em todo o mundo” (FRANÇA, 1970, 91). Em 1873, Henry Vizetelly referiu a celebridade do local em virtude das mesmas uvas, mas salienta que a família Neto, proprietária da Fajã, plantou aí verdelho. Os  Jesuítas,  desde  a  fixação  na  Ilha  na  2.ª metade do séc. XVI, foram detentores de fartas fazendas  onde  medravam  culturas  ricas, e.g. a cana de açúcar e a vinha. As suas quintas estendiam-se por toda a Ilha, ficando célebre a que se situava na freguesia de Campanário. Em  1759,  os  bens  da companhia  foram  confiscados  e  arrematados  em hasta  pública  por  João  Francisco  de  Freitas Esmeraldo, no ano de 1770. Na déc. de 70 do séc. XIX, a Fajã estava em poder do Cor. Manuel de França Dória, que a vendeu, em 1919, a Joaquim  Carlos de  Mendonça. A  Qt.  dos Jesuítas  de  Campanário,  definida  pela Quinta Grande, indiciava uma faixa de terreno que ia até ao mar, contemplando a ubérrima Fajã, isolada no litoral, cujo acesso se fazia apenas por mar. Não há muitas informações sobre a Fajã,  para  além  do  afamado  malvasia  que  aí  se  produziu. O isolamento do lugar e os vestígios sobre o  terreno  indiciam  a  presença  permanente  de colonos,  tendo-se  construído, para  o  efeito, uma capela  da  invocação  de  N.ª  Sr.ª  da  Conceição. Apenas sabemos da sua existência em 1626, quando foi  profanada  por  corsários,  mas  a  construção deverá  ser  de  inícios  da  centúria, se tivermos em consideração a data da aquisição pelos Jesuítas, em 1595. A  ermida  foi  referida,  em  1722,  por  Henrique Henriques  de  Noronha,  sendo deixada, 40 anos depois, ao abandono, com a expulsão e o sequestro dos bens dos Jesuítas na Ilha. A memória material da presença quase se apagou no tempo, tendo restado, numa das habitações, a pia para a água benta. Aí, deveria existir uma pequena comunidade de Jesuítas e colonos, que tratavam do amanho da terra, sendo certamente um local de veraneio dos frades, como sucedia na Qt.  do  Cardo, no  Funchal. As  construções  existentes  são  testemunho  disso. Certamente que os piratas argelinos não assaltariam um lugar ermo, sem vivalma e sem interesse económico e religioso. O assalto provocou uma devassa, pelo facto de as gentes de Câmara de  Lobos,  nomeadamente  os  pescadores,  não  terem  acudido  ao  rebate dos sinos. Saíram os Jesuítas, mas ficou o nome na designação do local, Fajã dos Padres, e o interesse pelo vinho aí produzido continuou até 1920, altura em que a Fajã logrou o último afamado malvasia, sobrevivendo apenas algumas parreiras. Em 1940, encontrou-se uma donde se retiraram bacelos que foram plantados em Câmara de Lobos, nas terras de Dermot  Francis  Bolger. Em  1979,  a  operação  foi  repetida  pelo  então proprietário, Mário Jardim Fernandes, que enviou um exemplar ao Instituto Gulbenkian para proceder à clonagem e para o plantar no local. Nos princípios do séc. XXI, a Fajã estava rejuvenescida, e os largos e dourados cachos de uvas regressaram ao recanto junto ao precipício. Recuperou-se a memória e a técnica do afamado malvasia, ao mesmo tempo que se  redescobriu  um  recanto  paradisíaco,  refúgio  de  locais  e  estrangeiros. Desta forma, a cultura da vinha tornou-se um importante recurso para o concelho, como atestam os números de produção em hectolitros: 6838 hl em 1787, 8850 hl em 1813, 11.960 hl em 1837, 8208 hl em 1851, 1455 hl em 1852, e 53.891 hl em 1986. Note-se, ainda, que, em 1863, o concelho dispunha de 23 lagares. A importância agrícola do concelho não se resumia à vinha e a esta localidade, pois também se expandiu a outras localidades, atividades e produções.  A construção da Levada do Norte, inaugurada no dia 1 de junho de 1952, foi um fator importante no maior aproveitamento dos solos, permitindo culturas de regadio. Também na sequência da existência desta infraestrutura, houve a inauguração da iluminação em 14 de dezembro de 1956. Destaca-se a importância que assumiu a cultura da banana, que conviveu com a vinha, com produtos hortícolas e com outras atividades, e.g. a pesca. Na verdade, o concelho de Câmara Lobos, demarcou duas áreas diferenciadas de atividade, a zona baixa, definida pela vila, e o antigo ilhéu, onde dominou a atividade piscatória. Por outro lado, no âmbito do aproveitamento dos recursos do meio, merece referência o aproveitamento da cereja do Jardim da Serra e da castanha, ginja e cidra do Curral das Freiras. De notar as festividades alusivas a estes recursos, e.g. a festa da Cereja e a da Castanha, destacando-se a primeira, por se realizar desde 1953. O Curral das Freiras, dadas as suas condições orográficas, gerou uma realidade económica separada que, por tradição, sempre esteve ligada ao Funchal, por pertencer ao património do Convento de S.ta Clara desde finais do séc. XV. Considere-se que, aqui, como em outras áreas, ainda existem lagariças cavadas na pedra que, no passado, foram usadas para fazer o vinho. A riqueza da área do concelho era diversificada e muito importante para a economia da Ilha. Do mar, vinha o peixe que se vendia para o Funchal, nomeadamente para os conventos. Em terra, verificavam-se as disponibilidades de lenhas e madeiras das zonas altas, das pedreiras do Estreito e do Cabo Girão para a construção de edifícios no Funchal. Acoplado a estas atividades, existia um forno de cal em laboração, que se abastecia de matéria-prima no Porto Santo ou em S. Vicente. A pedra explorada nas diversas pedreiras do concelho (Covão, Gimbreiros, Laurencinha, Palmeira, Cabo Girão) era muito usada na construção dos edifícios da cidade. Desde o séc. xv que a exploração das pedreiras foi um recurso importante para o concelho. Assim, desde finais desse século, as obras da construção da Sé do Funchal alimentaram-se da exploração da cantaria em pedra mole do Cabo Girão. Da pedreira no Estreito, certamente do Sítio do Covão, nos sécs. XVI e XVII “se  arrancou  grande  quantidade  de pedra  de  cantaria  fina, a  qual  se  acarretou  até  Câmara  de  Lobos  e  de  Câmara de  Lobos  até ao  Colégio,  com grande trabalho e extraordinário dispêndio,  e muitas e  grandes  pedras  e  colunas,  que  estavam  em  Câmara de  Lobos  há  muitos  anos, e  parecia  a  todos  impossível  acarretar-se  em  barco” (CARITA, 1987, 50). Note-se que a construção da igreja de S. João  Evangelista  do  Colégio  dos  Jesuítas  do Funchal começou em 1624 e, em 1664, ainda não estavam concluídas as obras. A indústria piscatória foi importante nesta área, abastecendo muitas vezes os conventos do Funchal, como o da Encarnação. Na freguesia de Câmara de Lobos, por força da proximidade do mar e da baía que a serve, criou-se um núcleo muito importante de homens ligados ao mar, que atuaram como barqueiros ou pescadores. E, segundo Maria Lamas, “os  pescadores  de  Câmara  de  Lobos [eram] considerados, desde os tempos do Descobrimento, os principais abastecedores  da  Madeira, especializados, além  disso, na pesca  do  espada” (LAMAS, 1956, 146). Por toda a Ilha, estes barqueiros e pescadores estavam na mira dos oficiais do contrabando, pois eram os interlocutores diretos e ativos deste processo. Desde o Caniçal ao Paul do Mar, as comunidades piscatórias faziam desta sua participação uma compensação lucrativa à sua ação. Na primeira metade do séc. XIX, era evidente este conluio dos pescadores  de  Câmara  de Lobos  com  esta  atividade,  fazendo  da  baía  do  lugar  um  destacado centro de contrabando. Deste modo, em 1838, o diretor da Alfândega apelava ao governador civil, no sentido de se estabelecer uma vigilância  permanente nesta baía com oito praças. Na verdade, os terços auxiliares e as tropas regulares de artilharia, cumpriam também esta função de vigilância auxiliar à Alfândega. Por outro lado, é manifesta a imagem que o lugar sempre transmitiu da sua ligação à pesca e ao mar. Santelmo sempre foi a invocação óbvia em momentos de tempestade. A ele se associava as  centelhas luminosas que apareciam nas extremidades dos mastros dos navios, provocadas pela eletricidade atmosférica. Este fenómeno ficou conhecido como fogo de santelmo. A devoção ao santo ocorria com particular incidência no Funchal, junto ao cabo do Calhau, e em  Câmara de  Lobos. Em  ambos os  portos piscatórios, existiu uma  capela da  sua  invocação, cujo culto  era assegurado por  uma confraria da responsabilidade dos mesmos pescadores. Todavia, a  confraria em questão apostava mais no auxílio mútuo aos pescadores e familiares. Cada barco deveria entregar uma cotização à confraria, para a possibilidade de auxílio em caso de naufrágio ou de morte. Assim sucedeu no Funchal, em Câmara de Lobos e na Calheta, onde funcionou esta confraria. Todo esse apoio passou a estar, desde 1939, centralizado na Casa dos Pescadores. O quotidiano do ilhéu e da vila marcou, durante muitos anos, a imagem de Câmara de Lobos. Maria Lamas descreve assim esse mundo: “Lá do seu bairro, construído sobre o Ilhéu e nas ruelas onde as suas habitações se comprimem,  constituíam uma colónia fechada. Pouco expansivos, mas solidários nas grandes ocasiões, como na desafronta de ofensas que atingem alguns da sua classe, casam sempre dentro do seu meio, têm o seu dialeto, o seu código e o seu conceito de honra, que lhes dita as atitudes. Pena é o hábito de esbanjar nas tabernas o ganho de dias e dias de trabalho, de que resulta tanta miséria. Vêm do mar com os membros lassos, o cérebro entorpecido, a boca a saber a sal; e a excitante poncha de aguardente aquece-lhes o sangue e dá-lhes a sensação de se libertarem, momentaneamente, dos barcos, das redes, das maresias e da penúria” (Id., Ibid., 149). No entanto, nem sempre a proximidade do mar e a presença de uma comunidade de pescadores significavam uma disponibilidade de pescado, e um pescador de Câmara de Lobos, certamente  atraído pelo melhor preço do pescado no mercado do Funchal, foi “condenado por não vender metade do seu peixe ao povo do lugar” (SILVA, 1995, 298). Nesta ligação ao mundo do mar e aos pescadores, aparece-nos associada a “poncha” como a bebida favorita dentro deste universo de pescadores, que acabou por adquirir um estatuto de bebida regional, servida em toda a Ilha. Segundo Maria Lamas, em meados do séc. XX, a situação do consumo e a fama da ponha já era conhecida: “Aguardente de cana, sumo de limão, água e açúcar, tudo batido  com um pauzinho apropriado  que  se  faz  rolar  rapidamente,  entre  as  palmas  das  mãos – é  a  receita  da bebida  cem  por  cento  madeirense  a  que  chamam  ‘poncha’  ou  ‘ponchinha’, um  diminutivo  popular  de  muito  apreço.  Bebem-na  especialmente os  pescadores,  é  certo,  mas grande  consumo  lhe  dão  também  pastores e  outros  homens  da  montanha – nem  há  nada melhor  para  dar  calor  e  levantar  o  ânimo,  sobretudo  nas  friagens  do  Inverno […] A de Câmara de  Lobos  tem  fama – em  nenhuma  outra  freguesia  há  quem  saiba prepará-la como  ali” (LAMAS, 1956, 149). Outro recurso eram as madeiras e as lenhas que tinham uma utilização diversa no concelho e no Funchal. Até meados do séc. XIX, a floresta foi um  meio indispensável à sobrevivência e às comodidades humanas, com o fornecimento de lenhas e madeiras.  Em todos os tempos,  a  riqueza  de  uma região dependeu da reserva que delimitava a fronteira do espaço agrícola e humanizado. As  madeiras da  ilha  da  Madeira  foram  muito apreciadas no séc. XV na construção naval, no reino e na Ilha. O seu uso imoderado nestas e noutras atividades  conduziu  à  paulatina  desarborização da Ilha, pelo que as autoridades concelhias atuaram no sentido  da  defesa  do  parque  florestal  madeirense, restringindo o uso das madeiras a sectores essenciais da vida local. Por outro lado, deve-se ter em consideração as necessidades de lenhas para o fabrico do açúcar. Na ribeira dos Socorridos, os dois engenhos geravam uma atividade constante ao longo da Ribeira, assim descrita por Gaspar Frutuoso:  “toda  a  lenha  que  se  gasta  nos  dois  engenhos que  estão  nela e  em  outros dois, que tem  Câmara  de Lobos,  que  está  perto, trazem  por ela abaixo,  que  podem ser 80.000 cárregas de azémola cada ano, antes mais que menos.  E tem esta ordem para  trazer  esta  lenha:  tendo-a cortada  nos  montes, a põem em  lanços  perto  das  rochas  da ribeira,  e  cada  senhorio  da lenha,  que  a  mandou  cortar,  tem posto sua marca em  cada  rolo,  que,  pela  maior parte,  é  toda lenha grossa,  pondo  uma  mossa,  outras  duas, outros  três ou quatro,  e  tanto  que chove se ajuntam como 100 homens das fazendas,  indo-se  aos  montes  e  serranias,  onde  têm  suas rumas  de lenha  posta,  e  lançam-na  à  ribeira  pelas  rochas abaixo,  que  são  muito  altas;  a  água,  como  é  muita,  traz aquela multidão  de  lenha  e  muitos  daqueles homens  trazem uns  ganchos  de  ferro  metidos  em  umas  hastes  de  pau compridas,  com  os  quais desembarram e desembaraçam a lenha, que vem toda pela  ribeira  abaixo,  e, se (como acontece muitas  vezes)  acerta de  cair  algum  deles  na  ribeira,  com  aqueles ganchos  apegam  dele  por  onde  se acerta, ainda  que  o firam;  com  que,  ou  morto  ou  vivo,  o  tiram  fora  da  água, e acontece  algumas  vezes  morrerem  alguns  homens  neste grande  trabalho.  Vindo  com  esta  lenha  pela  ribeira  abaixo com grande arruído  e  pressa,  e  comidas e bebidas,  que  para este  efeito  ajuntam  e  o trabalho  requer,  quando chegam junto  dos engenhos,  onde a  ribeira  espraia  e  faz  maior largura, espalha-se  a  água,  por  ser a  ribeira  muito chã,  e,  ficando quase  em  seco,  dali a tiram com  os mesmos ganchos, e cada um  dos  senhorios,  por sua marca,  aparta  a  sua,  pondo-a  em rumas  muito  grandes  para  o  tempo  da  açafra  do  açúcar. Mas acontece algumas vezes, chovendo em demasia na serra, que enche a  ribeira  muito  e  leva muita  cópia desta lenha  ao mar,  em  que  se perde  grande  parte do  custo  que têm  feito” (FRUTUOSO, 1968, 119-120). Apenas mais uma referência: no Estreito de Câmara Lobos, houve, em princípios do séc. XX uma fábrica de manteiga, propriedade do médico José  Sabino  de Abreu (1874-1954).   Património Em Câmara de Lobos, Isabella de França, em 1854, visitou a igreja matriz e exaltou o contraste da pobreza do meio com a riqueza do interior do tempo: “A  igreja  de  Câmara  de Lobos  fica no  extremo da  vila,  e, como a porta estivesse aberta, nós entrámos, em parte para ver o  templo  e  em parte para  escapar  aos mendigos.  Neste  local tão bravio,  incivilizado, de aspeto primitivo,  onde se diria  só passar  gente  rude,  é  curioso  deparar-se-nos uma  igreja  adornada de magníficas  colunas de ouro e prata, pinturas de cores brilhantes,  embora  sem  arte  no  desenho,  lampadários,  obra de  talha,  toda  a  espécie  de  coisas  inadequadas  a  semelhante lugarejo.  Faz-me confusão pensar como é que veio ter a Câmara de  Lobos  tanto  ouro e tanta prata!” (FRANÇA, 1970, 197). O Estreito possui três igrejas, que correspondem às sedes das três paróquias existentes: igreja de N.ª Sr.ª da Graça (1753-1814), igreja de N.ª Sr.ª da Encarnação (1966-67), no Covão, e igreja do Garachico ou de N.ª Sr.ª do Bom Sucesso (1963). Como capelas, regista-se a capela de N.ª Sr.ª da Encarnação (1671), a capela das Almas (1767), e a capela de S.to António (1780). Na Quinta Grande, existe a capela de N.ª Sr.a dos Remédios, a capela da Vera Cruz (séc. XV?), a capela de S.to António (1883), e a capela de N.ª Sr.a de Fátima (déc. de 70 do séc. XX?). O Curral das Freiras possui apenas a igreja matriz, da invocação de S.to António (1784). No Jardim da Serra, há a igreja paroquial de S. Tiago e a capela de N.ª Sr.a da Consolação (1684). Nas diversas freguesias, houve instituições culturais e desportivas que desenvolveram um papel relevante no concelho. No Estreito de Câmara de Lobos, houve a Casa do Povo desde 1970 e, depois dos anos 80 do séc. XX, diversas instituições: o Grupo Desportivo do Estreito, fundado em 24 de julho de 1980, proprietário da rádio local Girão, de 2 de setembro de 1989 a 30 de setembro de 1997, que teve o mesmo nome que a revista Girão, publicada a partir de 1988. Na freguesia, surgiu ainda o Grupo Coral do Estreito de Câmara de Lobos, fundado a 3 de julho de 1989, e, desde 15 de abril de 1997, a Associação Cultural e Recreativa do Estreito. Na Quinta Grande, merece destaque a criação da  Casa do Povo, em 1995, com o Grupo Folclórico da Casa do Povo da Quinta Grande, desde 1996, que havia sido fundado em 12 de setembro de 1988, por João de Carvalho; no Curral das Freiras, a Casa do Povo, criada em 1973, e o Grupo de Folclore da Casa do Povo do Curral das Freiras, fundado no dia 1 de novembro de 1986. Foi criado ainda o Clube Desportivo do Curral das Freiras e a associação Refúgio da Freira. O Jardim da Serra apresenta uma Associação Cultural e Recreativa do Jardim da Serra, criada a 10 de setembro de 1990, que tinha, desde 1993, um Grupo de Cantares e Tocares, integrado na Casa do Povo, que surgiu em 29 de janeiro de 1997.   Personalidades Na lista de gente ilustrada do concelho, deve-se destacar primeiro a figura de João Gonçalves,  ligada a esta localidade pelo nome e pela extensão de propriedades que vinculou aos seus familiares. Próximo dele está João Afonso, seu companheiro de viagem de reconhecimento da Ilha, que teve terras em Câmara de Lobos, onde instituiu uma capela do Espírito  Santo. Está na origem da casa Torre Bela, uma das mais importantes do concelho e da Ilha. Exerceu nesta o cargo de almoxarife do infante D. Henrique, arrecadando as receitas e os impostos que lhe eram destinados. Na mesma linha, podemos apontar a figura de Fr. Pedro da Guarda (1435-1505), que, em  1485, se retirou para a Ilha, criando em Câmara de Lobos o eremitério de S. Bernardino. Era conhecido como o santo servo de Deus, sendo muito venerado pelas populações devido às suas virtudes e aos seus milagres. Em princípios do séc. XVIII, a memória do lugar e do frade ainda estava muito ativa: “Convento  da  invocação de S. Bernardino, em  que residem 20 Religiosos, aonde se veneram as relíquias de um  servo  de  Deus.  Fr.  Pedro  da  Guarda, natural  daquela Cidade, floresceu  em maravilhosas virtudes naquele Convento, aonde  continuamente recorrem  os  moradores desta  Ilha com romarias, e deprecações, voltando quase sempre a suas casas remediados nas suas vexações;  o  que  mais  difusamente trata o P. Mestre Fr. Fernando da  Soledade na  terceira parte da sua Crónica” (COSTA, 1945, 66). De entre as várias personalidades deste concelho, destacam-se: Jaime  César  de Abreu (1899-1967), da freguesia  do Estreito  de  Câmara  de  Lobos; Luiz Vicente de Afonseca (1803-1878), médico do Estreito de Câmara de Lobos; António  Rodrigues de Aguiar (1932-1981), de Câmara de Lobos, emigrante na Venezuela desde 1947, onde criou a cadeira de lojas TIA; João  Crisóstomo de Aguiar (n. 1935), economista,  nascido  no Sítio  da  Torre; P.e José  Gonçalves de Aguiar (n. 1831), doutor  em  Teologia,  nascido na Vila  de  Câmara  de Lobos; D. Manuel Joaquim Gonçalves Andrade (1767), da Quinta Grande,  bispo na cidade de São Paulo no Brasil; António Joaquim Gonçalves de Andrade (1795-1865), da Quinta Grande; João  Isidoro  de Araújo Figueira (1859-1934), comerciante do Estreito de  Câmara de Lobos; Francisco Vieira  da Silva Barradas (1821-1897), bacharel  formado  em  Direito, pela Universidade  de  Coimbra,  e proprietário, nascido no concelho de Câmara  de  Lobos; João Higino de Barros (1883-1941), nascido  na  freguesia  de Câmara  de  Lobos ; José  de Barros Sousa (1859-1930), magistrado, nascido na freguesia  de  Câmara  de  Lobos;  José  Lino  da Costa (1891-1945), sacerdote, nascido no Estreito de Lobos; João  Pedro  de  Freitas Drummond (1760-1825), advogado  e  escritor,  nascido em  Câmara de  Lobos; Agostinho  Figueira Faria (1923-1980), cónego da Sé do Funchal e orador; Francisco  Figueira Ferraz (1861-1948), proprietário e comerciante, nascido no Estreito de Câmara de Lobos, sócio-gerente  da firma  F.  F.  Ferraz & Ca.; Francisco  de  Araújo Figueira (m. 1914), comerciante e proprietário, nascido na freguesia de Câmara  de Lobos, diretor da Companhia do Caminho-de-Ferro  do  Monte e  diretor  da  Companhia  da  Luz Eléctrica  da  Madeira; Alfredo  Isidoro Gonçalves (1882-1965), comerciante, sobrinho de António  Isidoro  Gonçalves, fundador  da  Companhia  Vinícola  da Madeira; João  Isidoro Gonçalves (m. 1909), médico  pela  Escola  Medico-Cirúrgica  do  Funchal; João Joaquim Henriques (1879-1968), proprietário  e  comerciante, conhecido por João de  Belém, fundou a firma exportadora de vinhos Henriques & Henriques; João de  Sousa Henriques Júnior (m. 1959), licenciado em Matemática, nascido em Câmara de Lobos; Luís  Soares  de Sousa Henriques Júnior (m. 1939), médico  pela  Escola  Médico-Cirúrgica  do  Funchal,  nascido  em Câmara  de  Lobos; João  Evangelista Lopes (1909-1967), sacerdote  católico,  nascido  na freguesia  de  Câmara  de  Lobos; António  José  de Macedo (1840-1912), advogado,  nascido  no  Estreito  de Câmara de Lobos; Eduardo  Clemente  Nunes Pereira (1887-1976), sacerdote,  professor e  jornalista da vila; D. Mateus de Abreu Pereira (1742-1824) da Quinta Grande, bispo na cidade de São Paulo, no Brasil; Eduardo  Antonino Pestana (1891-1963), professor,  advogado,  publicista  e  jornalista; Henrique  Augusto Rodrigues (1856-1934), proprietário  e  comerciante da freguesia de  Câmara  de Lobos, coproprietário do Bazar  do Povo, no Funchal; Anselmo  Baptista de  Freitas Serrão (1846-1922)  de  Câmara  de Lobos,  regente  da  filarmónica  dos Artistas  Funchalenses; Ernesto Baptista Serrão (1893-1937), nascido  na  freguesia  de Câmara  de  Lobos,  segundo-sargento,  músico que deixou um legado de composições musicais. Merece menção separada Henrique Henriques de  Noronha, que nasceu  a  1  de  março  de  1667,  filho  de  Pedro  Bettencourt  Henriques e de Maria de Meneses. Casou-se a 27 de abril de 1697, na freguesia da Sé, com Francisca Maria de Vasconcelos, de que nasceu uma só filha,  Antónia Joana Francisca Henriques de Noronha. Fez  estudos  de  cânones  em  Coimbra,  nos  anos  de  1682  a  1684. Foi  uma personalidade  de  destaque  na  sociedade  madeirense,  participando  ativamente  na  vida da cidade.  Assim,  entre 1706 e 1707, foi provedor  da  confraria  da  Misericórdia  do  Funchal.  Faleceu a  27  de  abril de 1730,  sendo sepultado na capela-mor da igreja do Colégio no túmulo dos Brandões,  cujo  morgadio  administrava  desde  a  morte  do  seu  tio  Inácio Bettencourt da Câmara. Deixou inédita a obra Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História da Diocese do Funchal, que foi publicada em 1996. Câmara de Lobos é conhecida nos princípios do séc. XXI pela sua atividade piscatória e pelo facto de ter, na sua área, alguns dos acidentes geográficos mais emblemáticos da Ilha que, com o desenvolvimento do turismo no séc. XX, ganharam importância e atenção: o Cabo Girão e o miradouro da Eira do Serrado. O nome terá sido atribuído por João Gonçalves Zarco e pelos navegadores que o acompanhavam no reconhecimento da costa sul da Ilha, ficando a marcar o fim da primeira fase e o retorno à base, como diz Gaspar Frutuoso: “Deste lugar de Câmara de Lobos não passaram mais para baixo, assim porque lhe ficavam os navios longe, como porque daqui não puderam ver bem para  baixo a costa com o  muito  arvoredo. Contudo, quando se saíam desta câmara e remanso, da ponta do mar viram uma  rocha muito alta, logo aí apegado e arrebentar no mar em uma ponta que ela abaixo fazia, a qual lhe ficou por  meta e fim  do seu descobrimento, e lhe deram nome o Cabo de Girão por ser daquela vez  a  derradeira  parte e cabo do  giro  de seu caminho. Daqui tornaram outra  vez dormir aquele  dia ao  ilhéu  da  noite passada,  onde  dormiram nos batéis  a  ele abrigados” (FRUTUOSO, 1968, 49). A valorização deste espaço como um eixo importante dos roteiros turísticos da Madeira só começou no séc. XX, por iniciativa da Delegação de Turismo da Madeira, sob a presidência de João Abel de Freitas. A partir de outubro de 1938, este seria um ponto de visita obrigatória. Novas obras aconteceram no espaço em 1953 e 2012. Na literatura de viagens e turismo sobre a Madeira, o Cabo Girão é uma referência que se perpetua no tempo. Assim, em meados do séc. XIX, Isabella de França afirmou, como se verificou acima, o seu deslumbramento. Já o miradouro da Eira do Serrado, embora tenha o miradouro desde 1852, mandado construir por José Silvestre Ribeiro, só adquiriu importância relativamente ao turismo em 1962. Depois, no ano imediato, foi aberto ao público, fazendo a ligação ao sítio do Curral. A vista deste miradouro foi celebrada por muitos visitantes, podendo referenciar-se o deslumbramento de A. Samler Brown, em 1890, de O. Hanstein, em 1925, de J. Hutcheon, em 1929, e de Claude Dervenn, em 1959. Note-se ainda a importância da base do Cabo Girão na extração de cantaria mole, que foi utilizada em muitas construções de fachadas de edifícios, e.g. na Sé Catedral do Funchal, no convento de S.ta Clara, no forte de S. Tiago, no museu da Qt. das Cruzes, no museu Frederico de Freitas, no museu de Arte Sacra, no palácio de S. Lourenço, no palácio dos Cônsules, no palácio dos Ornelas, na capela do parque de S.ta Catarina, na capela da Boa Viagem, e na Torre do Capitão.      Alberto Vieira (atualizado a 25.01.2017)  

História Económica e Social História Política e Institucional

bancos e casas bancárias

No séc. XVI, convergiram para a Madeira as atenções das sociedades comerciais e bancárias, que trouxeram consigo as novas práticas bancárias europeias, fazendo do Funchal uma praça financeira importante. A partir do séc. XIX, a comunidade britânica radicada na Madeira conferiu uma outra dinâmica àquelas operações. Data de 1824, a primeira proposta de criação de um banco na Madeira. Palavras-chave: bancos; casa bancária; falência; Banco Figueira; Banco Sardinha.   O facto de a Madeira, por força da importância do açúcar, ter assumido uma grande preponderância no comércio mediterrâneo-europeu, a partir do último quartel do séc. XV, e de ter atraído as atenções das sociedades comerciais conduziu a que as práticas bancárias chegassem cedo à Ilha. As dificuldades do sistema monetário, uma situação comum na Madeira, não implicaram apenas o recurso à troca produto a produto, mas, de igual modo, à procura de outras formas de pagamento substitutivas da moeda, então em voga na Europa: a carta ou letra de câmbio e o trespasse de dívidas em dinheiro ou em produtos. O Funchal ou Las Palmas surgiram, no séc. XVI, como importantes praças bancárias, situando-se ao nível das de Medina del Campo e de Valência. Os genoveses detinham aí a maior parte do movimento de cédulas. A letra de câmbio teve uma importância igual nas transações comerciais com o exterior. Este meio de pagamento ativou o trato do açúcar, sendo usual nas trocas com o reino, nomeadamente com Lisboa. A existência de uma importante comunidade de italianos e de flamengos, ligada ao comércio do açúcar com as principais praças europeias, contribuiu para a generalização desta forma de pagamento. Os florentinos, experientes nas transações financeiras, surgiram também com grande evidência, sendo particularmente importantes as ações de Feducho Lamoroto e de Francisco Lape. Neste contexto, verificou-se a presença de destacadas sociedades comerciais europeias, que substabeleciam as tarefas a desempenhar em familiares ou concidadãos com o estatuto de societários, de agentes ou de procuradores. Os Welsers, e.g., tinham um feitor em Lisboa (Lucas Rem) e vários agentes substabelecidos no Funchal e em La Palma. A forma mais divulgada de associação e de alargamento da rede de negócios foi a companhia ou sociedade comercial, nas suas diversas modalidades. Estas definiam-se, de um modo geral, pelo seu carácter familiar, pela eventualidade da sua ação e por uma composição variada de intervenientes, que investiam o seu capital ou o seu trabalho. Tratava-se, geralmente, de empresas familiares, que se serviam dos laços de parentesco para assegurar a permanência da sua ação, a solidariedade e a comunhão de interesses. Quando tal se tomava impossível, recorria-se aos compatrícios avizinhados nas principais praças. Esta última forma surgiu, com frequência, na Madeira. O relacionamento dos intervenientes nestas sociedades fazia-se de acordo com o investimento na empresa: capital e trabalho. Quando um dos societários apenas intervinha com o seu trabalho, poderia ser definido como agente ou feitor. Quando esses laços eram de menor dimensão, surgia o procurador, que, mediante um documento notarial, atuava sobre a fazenda do seu parceiro no mercado local, cobrando, por isso, uma determinada percentagem. Ambas as situações apareceram com grande evidência na praça funchalense, enquanto nas Canárias se afirmou, com muita acuidade, a segunda. A rede de negócios funchalense, em tomo do trato do açúcar, foi criada e incentivada pelo mercador estrangeiro, alemão ou italiano, que aí apartou depois da reconfortante e vantajosa escala em Lisboa; ele dominou as principais sociedades intervenientes no comércio açucareiro, não obstante ter morada fixa em Lisboa, Flandres ou Génova; o seu domínio atingiu não só as sociedades criadas no exterior com intervenção na Ilha, mas também o grupo de agentes ou feitores e procuradores substabelecidos no Funchal. A escolha destes é criteriosa; primeiro os familiares, depois os compatrícios enraizados na sociedade e, só depois, os madeirenses ou nacionais. Entre as principais casas intervenientes no trato açucareiro madeirense sob esta forma, houve Baptista Morelli, B. Marchioni, Welser, Claaes, Charles Correa, Pero de Ayala, e Pero de Mimença. Na déc. de 90 do séc. XV, o açúcar madeirense sofreu uma quebra nos preços, não por falta de procura, mas por excesso de oferta da praça funchalense. Os madeirenses reclamaram em vários sentidos e clamaram por medidas da Coroa. A 12 de outubro de 1496, D. Manuel respondeu “vimos uma carta com certos capítulos e apontamentos que nos enviastes em que nos declaras os danos e perdas que tendes recebidas por razão dos contratos e demprestidos e vendas dante mão que se em essa Ilha fazem nos quais entram muitas onzenas donde se seguem grandes demandas de maneira que essa Ilha está em caminho para se perder pedindo-nos por mercê que defendêssemos que tais contratos se não fizessem e que não houvesse um estrangeiro” (MELO, 1973, 350). Foram dadas várias orientações no sentido de atalhar as situações e de procurar estabelecer a regularidade das operações comerciais, dos empréstimos e das vendas, sem dano para os intervenientes. A moeda e os usuais meios de pagamento são um fator importante e ativador do movimento de troca. Aliás, o progresso da atividade comercial depende, em última instância, da situação monetária e das condições de crédito. No caso concreto da Madeira, onde se afirmaria uma economia colonial, o instrumento de troca teria uma ação primordial na estrutura económica insular. A moeda e os seus substitutos foram, ainda, necessários para a compra de manufaturas de importação e aquisição dos bens essenciais de que a sociedade insular carecia, pois os produtos dominantes não perfaziam nem contrabalançavam essa entrada. A situação monetária das ilhas não se apresentava diferente, pois em todas era dominante a falta do metal amoedável e da sua circulação. Esta foi, assim, a característica dominante da sociedade insular, que condicionou, de modo vincado, as operações financeiras e contribuiu para o entorpecimento das relações de troca. Esta questão tornou necessária a criação de novas formas de pagamento e condicionou o aparecimento de novos instrumentos de troca. Assim, ter-se-ia generalizado, nestas ilhas, o pagamento em géneros, a troca produto a produto e, em circuitos mais amplos, o crédito, a letra de câmbio e o trespasse de dívidas. Embora não haja factos que corroborem e documentos que atestem a importância da praça financeira madeirense, é necessário considerar o volume das operações comerciais em jogo nesta altura e a circunstância de, na Madeira, atuarem alguns dos mercadores e algumas das sociedades europeias mais importantes, que fizeram com que as suas práticas bancárias atingissem a Ilha. Mais tarde, a partir de meados da centúria seiscentista, com a formação da feitoria britânica, a atividade bancária assumiu uma nova dimensão, com o predomínio da letra de crédito, como se constata na correspondência comercial de Diogo Fernandes Branco ou de William Bolton. Nesta época, a presença da comunidade britânica conferiu outra perspetiva às operações comerciais e bancárias. A Madeira beneficiaria, deste modo, pelo facto de os britânicos terem criado na Ilha uma importante praça bancária, que, muitas vezes, se entrelaçava com as demais operações do império, de forma especial do Brasil. Apenas no séc. XIX surgiram notícias dos primeiros bancos, tal como hoje se entende. Até então, não se divisava semelhante situação e as operações bancárias eram oferecidas, no caso dos empréstimos, pelas confrarias, pelas misericórdias e por alguns particulares, mas sempre numa postura de medo, tendo em conta a posição declarada da Igreja, que fazia guerra à usura e às onzenas. Assinale-se que, nas constituições sinodais do Funchal, de 1578, 1597, 1615 e 1695, não há qualquer condenação a estas. Mas, já em 1725, o bispo afirmava que “achei [...] muitas usuras e onzenas que são transcendentes por toda a Ilha” (TRINDADE, 2012, 17). Esta atividade foi, assim, denunciada nas visitações de S. Jorge, em 1727, como nas de Ponta Delgada, em 1733. A sua denúncia foi insistente por parte da Igreja. Pela insistência dos prelados nas visitações ao espaço rural contra esta prática, pode-se afirmar que esta foi generalizada em todo o arquipélago, apontando-se assiduamente como alvos desta prática os senhorios e os ingleses. A situação do Porto Santo levaria a coroa a intervir, em 1770, apesar de não ter como controlar a posição e postura inglesa, que assumiu um protagonismo desusado nos sécs. XVIII e XIX, de tal forma que, em 1873, Álvaro Rodrigues de Azevedo referia a “leonina usura”. E assim era, pois, em 1791, o ajudante Manuel Figueira de Ornelas cobrava juros de 20 %. Desta forma, o Alf. Nicolau da Ponte foi condenado “visto ser pouco liso nos seus contratos, e querer enriquecer-se à custa e chupando o sangue dos pobres” (TRINDADE, 1999, 154). A usura, tão generalizada em toda a Ilha, levou a Igreja a assumir uma posição protecionista até ao séc. XIX, através das confrarias, das misericórdias, dos colégios (o caso dos Jesuítas do Funchal), e dos conventos, como o de S.ta Clara, intervindo com uma política de empréstimos, a juros adequados. As misericórdias faziam empréstimos a todos os que delas se socorressem, menos aqueles que fossem irmãos, embora tenham existido casos que demonstram o não cumprimento desta orientação do compromisso. A Misericórdia recebia dinheiro, ao qual pagava 5 % de juros ao ano e, com este, fazia empréstimo no valor de 6,4 %. O referido dinheiro era entregue com condicionantes quanto ao empréstimo, que raramente eram tidas em conta. Assim, Joseph Ferreira Pazes entregou o seu dinheiro, mediante condições a juro: “doa aos ditos pobres deste Hospital a quantia de duzentos e sessenta e cinco mil réis, os quais logo entregou em moedas de prata corrente nesta Ilha que eles administradores contaram e lhe deram quitação; cuja doação faz com tal condição e declaração que serão obrigados os ditos pobres por seus administradores a porem logo a sobredita quantia a juro, em mão de pessoas da segunda condição que bem pagam os juros, e para isso sejam pessoas ricas e abonadas, por nenhum modo se darão os ditos duzentos e sessenta e cinco mil réis a juro a outras qualquer pessoas e também se não dará a clérigo algum; e que dos juros dos ditos duzentos e sessenta e cinco mil réis serão obrigados os ditos pobres por seus administradores pagarem a ele doador, durante a sua vida, o juro de cinco por cento da sobredita quantia, pagos aos quartéis juntamente com os oito mil cruzados, que ele tem doado na primeira doação, abatendo-se e tirando-se dez tostões” (AMORIM, 2011, 240). A entrada do Convento de S.ta Clara deve-se ao facto de a instituição ter sido obrigada, a partir de 1660, a assegurar a sua manutenção, procurando, assim, todos os meios ao seu alcance para o conseguir. Deste modo, houve, a partir de 1673, empréstimos a juros de 5 % e mesmo de 6,25 %. De 1874, encontra-se uma referência à usura de 12 a 24 %. Na segurança das dívidas, os devedores hipotecavam propriedades rústicas e urbanas, objetos de ouro e prata, ou, então, apresentavam fiador. Os ingleses foram os principais agiotas da usura na Ilha, de forma que ficou testemunho disso no livro A Arte de Furtar, publicado em 1625, e que tem sido atribuído a Francisco Manuel de Melo. Aí se relata o caso de um madeirense que, pretendendo emigrar para o Brasil, pedira emprestado 50$00 réis a um comerciante inglês, que, em vez do dinheiro, lhe entregou um lote de tecidos, que, vendidos, dariam de lucro o dinheiro que queria. Como não vendeu, apelou ao dito mercador que os consignara, que aceitou recebê-los aos preços que comprara em Londres. Conclusão: o madeirense acabou por gastar 200$00, mesmo sem sair da Ilha. No séc. XVIII, insistiu-se na usura dos adelos de Gaula e Santa Cruz, que percorriam toda a Ilha, inclusive o Porto Santo, e acabavam por estabelecer muitas dívidas com os agricultores. Na mesma época, insistiu-se também, acima de tudo, no hábito comum da troca direta e dos adiantamentos da venda dos mercadores britânicos na compra do vinho na Ilha. Por outro lado, a abertura que a comunidade britânica fazia ao mercado financeiro e aos bancos londrinos fazia com que esse fosse o meio mais usual, afirmando o deputado Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira (conhecido como o Giraldes) que eram os “richaços” (ricaços) que guardavam o seu dinheiro nos bancos em Londres. Certamente, por conta disso, as instituições que serviam de bancos atuavam junto das populações, como forma de combater a usura de alguns usurários locais. Estava neste grupo João de Carvalhal Esmeraldo. A primeira proposta, no sentido de criação de um banco local, data de 1824. Em ofício para Joaquim José Monteiro Torres, ministro da Marinha, José Joaquim de Almeida e Araújo Corrêa de Lacerda apresentaram a necessidade da criação de um banco local de “desconto e depósito”, como solução para a crise da agricultura. Também uma representação dos Proprietários e Negociantes da Madeira, de 9 de julho de 1824, insistiu na ideia, afirmando que pretendiam “um Banco, não usurário, mas patriótico e benéfico ocorrerá à maior parte dos males que sofremos. Ele ministrará fundos ao negociante cauteloso, ao especulador prudente, ao ativo e inteligente proprietário para o melhor aumento de suas terras, para promover prados artificiais e o plantio de arvoredos para a construção d’ edifícios e navios; para se afrontar aos estabelecimentos custosos e indispensáveis à criação e conservação dos gados; à abertura d’ estradas; e construção de pontes e canais ou levadas; autorizando ou regulando V. Ex.ª o que deverão pagar os que para eles ou d’ eles se servirem, e finalmente aos empreendedores espertos e hábeis para estabelecerem fábricas e manufaturas. Um Banco promovendo a indústria e assistindo à atividade individual em todas as classes, sexos e idade aumentará de necessidade o valor das propriedades rurais e urbanas e cortará pela raiz a insaciável usura, os excessivos criminosos lucros, arrancados ao cidadão oprimido, que à custa de pesados sacrifícios quer remir a sua opinião ou sacrifício. Um Banco, finalmente, que distribuindo com igual prudência e segurança capitais moderados pelos cidadãos industriosos, evitará o cúmulo das riquezas em poucos capitalistas e felicitará cento de famílias procurando-lhes uma decente mediocridade, que só faz a base da independência, da moral e da harmonia das famílias e dos povos” (ALMEIDA, 1907, 208, nº. 9783). Em 1834, o jornal Imparcial apresentou uma nova proposta de projeto de regulamento para uma instituição bancária, seguindo-se outra, em A Ordem, (no n.º 145), de 1854. No entanto, só no último quartel se começou a desenhar a importância da instituição bancária na Madeira. E este período inicial, tal como, depois, na déc. de 30 do séc. XX, foi marcado pelas piores razões, e.g., pela falência de algumas instituições, o que causaria, na sociedade madeirense, uma suspeita sobre os bancos e as casas bancárias. As dificuldades sentidas por muitas famílias e empresas nessa fatídica déc. de 30 perduraram no tempo e foi perpetuada por algumas gerações. Em 1875, começou a funcionar o Banco de Portugal no Funchal, sob a gerência do negociante João José Rodrigues Leitão. A agência do Banco de Portugal, no Funchal, enfrentou dificuldades, com a falência do seu responsável, o comerciante João José Rodrigues Leitão, em 1878, recebendo os credores apenas 50 % dos créditos. Entretanto, em 1873, a comissão administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Funchal mantinha empenho na criação de um banco de crédito agrícola, de forma a oficializar uma situação que já existia nesta instituição através da Caixa dos Órfãos, que emprestava dinheiro ao juro de 5 %. Entretanto, surgiu o Banco Comercial do Funchal, no dia 1 de junho de 1874, com estatutos de 25 de abril deste ano a que estavam associados António Caetano Aragão, Carlos de Bianchi, João de Salles Caldeira, José Paulo dos Santos, Manuel Figueira de Chaves, Manuel Inísio da Costa Lira, Severiano Alberto de Freitas Ferraz, e William Hinton. Porém, não foi fácil a atividade desta instituição, acabando por falir em 1887. Em 1879, João da Câmara Leme defendeu a ideia de um banco de crédito agrícola como solução para os problemas que envolviam a agricultura, atuando com mecanismo financeiro da sua reabilitação. Em 1922, Fernando Augusto da Silva retratava assim o panorama bancário na região: “As casas bancárias estabelecidas agora no Funchal são as de Blandy Brothers & C.ª, Henrique Figueira da Silva, Reid Castro & C.ª, Rocha Machado & C.ª, e Sardinha & C.ª. Estas casas que realizam as operações bancarias exigidas pelo comércio do Funchal, e ainda outras, estão todas em estado bastante próspero, devido à sua excelente administração e à confiança de que gozam no mercado, como para os elevados juros, que eram de 12 a 15 %, podendo mesmo chegar aos 24 % ao ano” (SILVA e MENESES, 1978, I, 116-117). Já para a déc. de 30, houve notícias de diversas instituições bancárias locais e nacionais com intervenção no crédito. Assim, são conhecidas 4 agências de bancos nacionais – Bancos de Portugal (1878) e Nacional Ultramarino (1919), Companhia de Credito Predial Português, Banco Espírito Santo – e 11 casas bancárias com sede no Funchal – Reid, Castro & Co., Rocha Machado & Co., Teixeira Machado & Co., Rodrigues Simão & Co., Sardinha & Co., Henrique Figueira da Silva, Blandy & Co., Banco Madeira (1920), A. Adida & Co., Rodrigues & Irmão Co., Teixeira & Machado C.ª. De entre estas, destacava-se a casa bancária com o nome do seu proprietário, Henrique Figueira Sardinha (1868-1945), mais conhecida por Banco Sardinha, que se havia popularizado, tendo uma importante carteira de depósitos e de empréstimos, no valor de um milhão de libras esterlinas, a um grupo significativo de empresas madeirenses. A Casa Bancária de Henrique Figueira da Silva, ou Banco Figueira, surgiu em 1898, com instalações na R. dos Murças. Esta casa dominava os financiamentos ao comércio e à indústria da Ilha, sendo de destacar a sua ação nos sectores das moagens e dos engenhos de açúcar e de aguardente com a Fábrica de S. Filipe. Normalmente, aponta-se a situação ocorrida em 20 de novembro de 1930 como um efeito retardatário da quinta-feira negra de Nova Iorque, de 24 de outubro de 1929. Mas, ao nível da sociedade madeirense, a maioria dos testemunhos apontam para um turbilhão de boatos lançados anonimamente na cidade que apontavam a falta de liquidez desta casa e que levaram a uma corrida desenfreada dos populares ao levantamento das suas economias. Os boatos eram anónimos, mas facilmente identificáveis, sabendo-se do interesse de algumas famílias estrangeiras, com interesses na atividade bancária e em sectores industriais financiados por esta casa. Por outro lado, se se tiver em conta que os dois principais beneficiários da venda em hasta pública do património do banco foram as famílias Blandy e Hinton, não se estará longe de fazer sair do anonimato os principais orquestradores da situação que levou à falência do Banco Figueira e do Banco Sardinha e que teve um efeito negativo na atividade bancária da Ilha, nos anos imediatos, tendo a maioria da população perdido as suas economias por não aceitar os bancos públicos e por preferir a esteira das camas ou um outro sítio que considerava mais seguro. Para esta situação, também se apontam culpas ao Governo (sendo então ministro das Finanças Oliveira Salazar) por não ter tomado qualquer medida para evitar esta situação de falência, pois, em 1929, havia assumido uma atitude diferente com a casa bancária de Henrique Tota. Mas, se tivermos em conta as facilidades que algumas destas famílias inglesas, beneficiadas com as falências, tinham junto do Governo da República, não será difícil de adivinhar o porquê desta atitude. A falência destas duas casas bancárias, Sardinha e Figueira, abalou a economia madeirense da déc. de 30, uma vez que ambas representavam 75 % dos depósitos e empréstimos da Ilha. Com a ida do património destas casas bancárias à praça pública, a família Hinton arrematou o seu rival, a Fábrica de S. Filipe, e a família Blandy, as moagens e muitos dos prédios do Funchal. Por outro lado, a casa bancária desta última família foi uma das mais favorecidas com a situação do sistema de depósitos e créditos bancários. A solução da crise bancária madeirense, mais apregoada na altura, era a da fusão. Esta ideia colhia a concordância dos responsáveis dos bancos da Madeira, Sardinha e Henriques e Irmão e C.ª, e foi aceite pelo Gov. Artur Almeida Cabaço, que, por sua vez, fez a proposta a Salazar, contando com a participação do Governo, no capital social do banco fundido, com o montante de 15.000 contos. O ministro das Finanças, porém, recusou liminarmente, propondo a constituição de um banco regional “que absorva os estabelecimentos existentes de feição local” (FREITAS, 2014, 68). Este autor falou num grupo de personalidades madeirenses que, porventura, teriam influenciado a posição de Salazar, mas sem as enumerar. Esta ideia da constituição de um banco regional vem de longa data, pelo menos do início do séc. XIX, quando o Governo recomendou ao Gov. e Cap.-Gen. da Madeira José Manuel da Câmara “a criação duma Caixa de Crédito na Madeira”, não existindo, nesta altura, qualquer banco formalmente constituído em Portugal. Só em 1920, surgiu o Banco da Madeira, que faliu com a depressão económica de 1929 e que foi reconstituído e fundido com a casa bancária Sardinha e C.ª e Rodrigues, Irmão e C.ª, em 1933. O Banco da Madeira, fundado em abril de 1920, só viu os seus estatutos aprovados no ano seguinte, tendo como sócios algumas sociedades comerciais como a Viúva de Romano Gomes e Filhos, Luís Gomes da Conceição e F. F. Ferraz e Companhia Ld.ª, e também algumas personalidades madeirenses de renome. Arrancou com o capital social de 2000 contos e criou uma filial em Lisboa, a 17 de fevereiro de 1923, tendo, em janeiro do ano seguinte, aumentado o capital social de 4000 para 6000 contos. A filial de Lisboa prosperou numa fase inicial mas, a certa altura, sofreu denúncias na Inspeção do Comércio Bancário, por má gestão e uso fraudulento de dinheiros, por parte dos gestores aí colocados (Manuel Jorge Pinto Correia e Carlos da Silva Barros) e negócios feitos sem conhecimento da Assembleia do Banco. No entanto, uma inspeção levada a cabo por peritos do Comércio Bancário não chegou a qualquer conclusão, tendo os visados se mantido nos cargos que ocupavam e alguns deles transitado para o novo Banco da Madeira depois da fusão. A crise económica de finais da déc. de 20, na Madeira, agravada com a suspensão de pagamentos das casas bancárias, Henrique F. da Silva e Sardinha e C.ª, e o encerramento da Reid, Castro e C.ª juntamente com a Revolução da Farinha, seguida da Revolta da Madeira, geraram preocupação em alguns políticos madeirenses que se movimentaram nos meios nacional e local, no sentido de encontrar uma solução para a crise bancária: e a solução apontada era a liquidação da casa Henrique F. da Silva e a fusão dos outros três bancos. No entanto, os depositantes da Casa Sardinha continuaram sem poder aceder aos seus depósitos, devido à continuada falta de liquidez do banco fundido, e só o Estado poderia ajudar, intervindo, porque a reconstituição dos bancos feita sem este apoio poderia gerar uma crise maior. Contudo, Salazar apenas incentivou a fusão dos três bancos, sem intervenção do Estado. Assim, a 12 de setembro de 1933, por dec.-lei n.º 23.026, foi instituído o novo Banco da Madeira, mercê da fusão dos três bancos referidos, com o capital social de 10.000.000$00 “e constituído pelo excedente do ativo de cada um dos bancos alvo de fusão e do que ainda for necessário para completá-lo, deduzido proporcionalmente de depósitos e débitos comuns do atual Banco da Madeira e do Banco Sardinha” (Id., Ibid., 107). O decreto autorizou o Banco da Madeira a emitir, logo após a sua constituição definitiva, até 15.000.000$00 de obrigações, preferenciais de 500$00 cada, de forma a prover as dificuldades que surgiriam com a falta ou a fraca liquidez do banco. Os valores apurados pela comissão de avaliação aos bancos fundidos foram os seguintes: como excedente do ativo do Banco da Madeira, 1.672.800$00; Casa Sardinha, 333.300$00; e Rodrigues e Irmão, 420.220$00. As ações da Casa Sardinha de 500$00 foram reavaliadas a 33$00, e as do Banco da Madeira de 100$00 foram revalidadas a 20$00. O conselho de administração do banco ficou constituído por um elemento indicado por cada banco falido: Leonel G. Luís (Banco da Madeira), António Bettencourt Sardinha (Banco Sardinha) e Juvenal Araújo (Rodrigues e Irmão e C.ª) e presidido pelo comissário do Governo, Eduardo Paquete. Nos primeiros anos da sua existência, este banco continuou com as mesmas dificuldades, tendo-se pensado também na sua liquidação. Para esta situação, contribuiu o facto da excessiva avaliação dos ativos dos bancos fundidos; só com os apoios concedidos pelo Estado o banco foi-se equilibrando até à sua total revitalização, que aconteceu após a Segunda Guerra Mundial. Na déc. de 1960, o movimento bancário fusionista levou a que este se incorporasse no Banco Lisboa e Açores, rentabilizando o negócio. A casa bancária Blandy Brothers constituiu-se no dia 29 de novembro de 1920, com o capital social de 550.000 libras esterlinas, através de uma família inglesa radicada na Madeira, desde o início do séc. XIX. A firma Blandy tinha ligações económicas a quase todos os sectores comerciais da Ilha e ainda mantinha ligações com o exterior, em termos de exportação e importação, designadamente com o mercado inglês que lhe trouxe proventos económicos importantes para se abalançar no negócio bancário, trazendo-lhe maior sustentabilidade e marcando uma posição de realce no financiamento económico e no mercado cambial, no qual apostou grandemente. Os sócios eram John Ernest Blandy, Charles Maurice Blandy, Richard Rober Faber e Dudley Oliveira Davies. Só o primeiro e o último residiam na Madeira e a sociedade tinha, por objeto, o comércio em geral. A 29 de novembro de 1924, alteraram os seus estatutos, com o objetivo de reduzir o capital social em 50.000 libras e de especificar a distribuição do capital, ficando ao primeiro sócio 39 %, ao segundo, 28 %, ao terceiro 22 %, e ao quarto 11 % do capital. No dia 4 de junho de 1925, foi dissolvida a sociedade Blandy Brothers e C.ª, de nome coletivo, e transformada em sociedade limitada por quotas. A casa Blandy resistiu à crise de 1929, que levou à falência das outras casas bancárias na Madeira, a par da Rodrigues e Irmão, possivelmente devido às suas raízes e à forte ligação ao exterior, beneficiando da compra de cambiais que viriam a ser importantes para o investimento no comércio e na indústria madeirense. Para o seu êxito, contribuiu, ainda, a compra em hasta pública da moagem de cereais da Fábrica de S. Filipe, pertencente a Henrique Figueira da Silva, ampliando a sua influência no mercado da moagem local, arrematando muitos outros prédios provenientes de falências e comprando lotes de vinho Madeira. Diz-nos J. A. Freitas que este grupo “cresceu e fortificou-se no meio da turbulência da praça do Funchal, porque dispunha de liquidez e, assim, a foi aplicando nos negócios que, nas condições existentes, podia fazer, segundo opções por si definidas no sentido de consolidar os negócios do grupo” (Id., Ibid., 121). A casa Blandy ocupava a terceira posição, em termos de depósitos existentes, com 9344 contos, em 1931, e 8199, em 1932. O dec.-lei n.º 41.403, de 27 de novembro de 1957, que pretendia regular o sistema bancário português, obrigou os estabelecimentos especiais de crédito a praticar, em exclusivo, o exercício da atividade bancária. O grupo Blandy, reunido em assembleia-geral, a 26 de maio de 1958, decidiu constituir uma nova sociedade por quotas, transitando para a nova sociedade o ativo bancário, incluindo os bens imóveis. A nova empresa assumiu a designação de Blandy Brothers (Banqueiros) Ld.ª, com o capital de 10.000.000$00, dividido em quatro quotas, sendo 8.700.000$00 pertença de Blandy Brothers (Banqueiros) Ld.ª, 100.000$00 de Blandy Brothers e Companhia Limited de Londres, 100.000$00 de Peter Graham Blandy, e os restantes 100.000$00 de John Reeder Blandy. Em 1968, esta sociedade incorporou-se no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. A casa bancária Henrique Figueira da Silva foi coletada como cambista em 1902 e como banqueiro, em 1910, não se sabendo ao certo a data da sua fundação. Foi uma casa próspera até a deflação económica de 1929, tendo detido um grande prestígio e irradiado confiança nos seus depositantes. No final de 1930, tinha 71.678 contos de depósitos que correspondiam a 9.403 depositantes. Foi a maior casa bancária da Madeira nesta época. Até mesmo as caixas económicas faziam aqui os seus depósitos para usufruírem dos altos juros que esta casa praticava, assim como os emigrantes madeirenses. Esta casa suspendeu os pagamentos no dia 19 de novembro de 1930, sendo nomeado, dois dias depois, como comissário do Governo no banco, o madeirense Eduardo Paquete. Pouco tempo depois, transitava para a casa Sardinha e C.ª, sucedendo-lhe Óscar Baltasar Gonçalves, logo em janeiro de 1931, que exerceu as funções até 4 de maio de 1931. Os presidentes das comissões liquidatárias deste banco também tiveram a mesma sorte e foram sendo nomeados e substituídos com frequência. Em outubro de 1933, já eram cinco: Juvenal Araújo, Brás Alves, Martins Costa, Gonçalves da Silva, e o juiz Carlos Henriques da Silva e Sousa, o que provocou grande instabilidade nos cargos, dificultando a sua gestão. Diz-nos J. A. Freitas que “o desmantelamento de Henrique Figueira da Silva tornou-se um acontecimento sem retorno e de efeitos muito nefastos na economia da Madeira e dos seus depositantes, de longe a maior casa bancária” (Id., Ibid., 126). Este autor apresenta, como exemplo, o montante do valor dos seus depósitos que correspondiam, ao tempo da falência, ao dobro de todos os outros bancos a trabalhar na Madeira. O banco foi liquidado por via administrativa através do dec. n.º 20.316, de 16 de setembro de 1931, sem prerrogativas ou a possibilidade de poder reconstituir-se, mesmo após o relatório da comissão liquidatária de 31 de dezembro de 1931, onde se refere um ativo de 87.033.509$00, superior ao passivo de 77.861.344$00. A comissão liquidatária requereu a falência desta casa bancária a 19 de novembro de 1931, no tribunal judicial do Funchal. A falência foi decretada por uma votação de 2 votos contra 1. O banqueiro recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, em março de 1935, o qual revogou a sentença do tribunal do Funchal, com o argumento de que, para a declaração de falência, não bastava a suspensão de pagamentos: “a falência decorre da relação ativo/passivo do estabelecimento e, neste caso, o ativo é superior” (Id., Ibid., 128). A comissão liquidatária voltaria a recorrer para o Supremo Tribunal que confirmou a decisão da Relação, indicando que, quando esta casa bancária suspendeu os pagamentos, não se encontrava em situação de falência. No entanto, apesar destes reveses, a comissão liquidatária continuava a desfazer-se dos bens do banco em hasta pública e em vendas diretas. João Abel de Freitas diz que esta falência foi “um grande imbróglio de consequências nefastas para a economia da Madeira que serviu determinados interesses e com largos prejuízos para os depositantes” (Id., Ibid., 128). Este autor insinuou que esta falência fora incentivada por terceiros e por forças e interesses que apostaram na sua liquidação e que contou com jogos de influência junto de Salazar para que o fim fosse este. Havia ainda outra tese que defendia a falência, apontando “para uma certa maquilhagem da escrita como argumento para a falência” (Id., Ibid., 130). Opinou o autor referido que esta era, então, uma forma corrente em todas as casas bancárias e perguntou porque se deveria então penalizar apenas esta com a falência e recuperar as outras. Parece ter havido muitos interesses apostados no desmantelamento desta casa bancária, o que, ligado à má gestão do banco, facilitou a vida dos pretendentes, cometendo-se um gravíssimo erro com consequências nefastas para a economia da Madeira, pois não fazia sentido reorganizar a banca madeirense, deixando de fora o maior banco da época. Lembre-se ainda que, na Madeira, a situação bancária era muito frágil, com exceção para a casa Blandy, ficando no ar muitas suspeições. A casa bancária Reid, Castro e C.ª foi fundada por Henrique Vieira de Castro, oriundo do Porto e colocado, no Funchal, como delegado do Banco de Portugal, fixando residência na Madeira, a partir de 1893. Tendo enriquecido, fundou a casa bancária com esse nome entre outras empresas ligadas aos vários ramos económicos da Ilha. A casa bancária foi constituída como sociedade por quotas, no ano de 1905, sob o nome de Reid, Castro e Companhia Ld.ª, com o capital de 60.000$00 réis e com os sócios William James Reid, Alfred Eduard Reid, Henrique Vieira de Castro, Abraham Adida, visconde de Cacongo, Alfred L. Jones, e Eduardo A. Cunha. A 29 de maio de 1912, a empresa foi vendida a William James Reid, Alfred Eduard Reid, Henrique Vieira de Castro e Abraham Adida, e transformada em sociedade comercial em nome coletivo, de responsabilidade ilimitada. A 17 de junho do mesmo ano, o capital social foi aumentado para 100.000$00 réis, distribuídos entre eles da seguinte forma: William e Alfred Reid com 25 contos cada, Henrique Vieira de Castro com 40 contos, e Abraham Adida com 10 contos, tendo Henrique Vieira de Castro sido nomeado gerente, com o vencimento anual de 1.080.000$00 réis e 10 % nos lucros líquidos quando superiores a 8 % do capital social da sociedade. Era um vencimento simbólico. A partir daqui, surgiu a casa bancária propriamente dita, já que a sociedade passou a ter por objetivo as transações bancárias. Em junho de 1925, com a morte de Abraham Adida e, em 1927, com a de Henrique Vieira de Castro, o pacto social foi alterado para registo das quotas em nome dos herdeiros, em virtude do dec. n.º 10.634, de 20 de março de 1925, o que fez com que esta casa bancária solicitasse, a 10 de junho desse ano, a sua inscrição no registo das instituições de crédito. Este processo demorou, por não corresponder a todas as regras do referido diploma, ficando apenas concluído em 1930, com o depósito obrigatório na Caixa Geral de Depósitos e com a apresentação da guia do pagamento do registo no valor de 523$00. Depois da morte de Henrique Vieira de Castro, o banco perdeu algum fulgor, devido à falta de experiência empresarial dos herdeiros, acusando um atraso, a partir de janeiro de 1931, e originando muitas queixas junto da Inspeção do Comércio Bancário e do Comissário do Governo, na fase de liquidação. A partir de 7 de dezembro de 1931, foi comunicada à Inspeção do Comércio Bancário e ao ministro das Finanças a suspensão de pagamentos, aguardando-se a nomeação do comissário do Governo, o que aconteceu no dia 15 de dezembro desse ano, tendo recaído a escolha em Nuno de Vasconcelos Porto, a quem foi retirada a autorização para o exercício da indústria bancária, por portaria de 18 de maio de 1932, com a sua imediata liquidação. A comissão liquidatária, nomeada a 13 de junho desse ano, foi constituída por Juvenal Raimundo de Vasconcelos, que representava os sócios, e José Quirino de Castro, que representava os credores, tomando posse no dia 23 desse mês. Esta comissão não conseguiu cumprir o seu trabalho dentro do prazo previsto, em especial devido à situação de grave crise financeira da praça do Funchal, sendo prorrogado o seu prazo até ao dia 20 de janeiro de 1934. No entanto, o processo de liquidação desta sociedade só se encerrou a 12 de agosto de 1944, após a aprovação das contas de liquidação, sendo apresentado um relatório à Inspeção do Comércio Bancário e resultando daqui elevados prejuízos para os credores comuns, cerca de 324, que perderam tudo, no valor de 14.990.137$00. Sardinha e C.ª, com um crédito de 1.760.714$00, recuperou 1.045.900$00, e Luís da Rocha Machado, com um crédito de 650.072$00, recuperou 200.000$00. A realização da venda do património imobiliário (15 prédios rústicos e urbanos) pouco rendeu e a venda em hasta pública das águas foi pouco transparente, tendo garantido um valor muito abaixo de real. A casa bancária Rocha Machado teve em Luís da Rocha Machado, um açoriano, emigrante no Brasil e radicado na Madeira, como funcionário da casa Blandy, o seu proprietário. A partir de 1890, deixou a casa Blandy e dedicou-se a vários negócios. Não há muita informação disponível sobre esta casa bancária, sabendo-se que ela se antecipou aos acontecimentos económicos dos finais da déc. de 1920, na Madeira, fundindo-se, a 10 de outubro de 1928, com Cupertino de Miranda e Irmão, Ld.ª e com o Banco Económico Português, dando origem ao Banco do Comércio e do Ultramar, que também sofreu um processo de liquidação, realizado em setembro de 1932. No capital social deste banco, participaram algumas casas de crédito como a Bernardino Correia e C.ª, Marques Seixas e C.ª, Sá Leitão e C.ª, Matos Vaz e C.ª, Martins Lourenço Aparício, e José Simões Coelho. A casa bancária Rodrigues, Irmão e C.ª foi constituída no dia 19 de abril de 1922, no Funchal, e teve, como sócios fundadores, Henrique Augusto Rodrigues, Alfredo Guilherme Rodrigues, João Anacleto Rodrigues, Francisco Roberto Câmara, Juvenal de Araújo, e Francisco Leão de Faria. Era quase uma sociedade familiar, composta por pessoas que detinham outros interesses económicos na praça financeira do Funchal, entre eles o comercial, como era o caso do Bazar do Povo. Tinha um capital social de 750.000$00, repartido entre os irmãos Rodrigues, com uma quota igual a cada um de 200.000$00 e de 50.000$00 aos restantes três. Esta sociedade requereu à Inspeção do Comércio Bancário o seu registo como banqueiros, no dia 9 de junho de 1925. Em 1926, entrou um novo sócio, Alfredo Campanella, em substituição de Francisco Leão de Faria. O ativo desta casa bancária, a 31 de dezembro de 1932, ascendia a 6.662.635$00; os depósitos à ordem e a prazo, nesta data, totalizavam cerca de 2117 contos e os credores cerca de 2200 contos. O capital próprio era inferior a 800 contos. Juntamente com a casa bancária Blandy Brothers, ela constituiu uma das exceções à crise bancária ocorrida na Madeira, após a queda da Bolsa de Nova Iorque de 1929; foi cumprindo a legislação em vigor, nunca necessitando de intervenção estatal. Devido à influência política de alguns dos seus sócios, nomeadamente Juvenal de Araújo, conseguiu posicionar-se estrategicamente para integrar a fusão bancária, ocorrida com a falência dos outros bancos, integrando o novo Banco da Madeira, constituído com o apoio do Estado. Juvenal de Araújo ocuparia uma posição de destaque dentro do novo banco, sendo nomeado membro efetivo do conselho de administração. Com a constituição do novo Banco da Madeira, encerrou-se a atividade da casa bancária Rodrigues, Irmão e C.ª, sendo o único dos três incorporados que tinha cessado pagamentos. A casa bancária Sardinha e C.ª foi constituída no dia 29 de dezembro de 1920, no Funchal. Os seus sócios constituintes foram Manuel Bettencourt Sardinha e Leonardo Bettencourt Sardinha; este último fora emigrante em Demerara e detinha uma avultada fortuna que, depois, investiu na Madeira em vários negócios, entre eles o bancário. Esta casa bancária assumiu a forma jurídica de sociedade comercial em nome coletivo, com o objeto de realizar operações bancárias e outro tipo de negócios. A sociedade tinha um capital social de 400.000$00, entre esse capital 80.000$00 do ativo líquido da sociedade Sardinha e Companhia, entretanto dissolvida, e o restante subscrito pelos dois sócios. Com a morte de Manuel Bettencourt Sardinha, que era o gerente, a gestão foi assegurada por Leonardo Bettencourt Sardinha, que passou a ser o único sócio e gerente, pelo conteúdo de uma das cláusulas da escritura de constituição da sociedade que determinava que, aquando da morte de um dos sócios, o outro continuaria no negócio, pagando aos herdeiros do sócio falecido a parte correspondente, em prestações semestrais de igual valor, cada uma com um juro de 6 % ao ano, no prazo de 6 anos a contar do dia do óbito. A crise de 1929 e o número exagerado de casas bancárias fizeram com que o sector estagnasse; a instabilidade instalou-se nas casas bancárias e algumas abriram falência. A casa bancária Sardinha e C.ª suspendeu os pagamentos a 21 de novembro de 1931. A 3 de janeiro de 1932, Eduardo Paquete foi nomeado comissário do Governo junto deste banco. A casa bancária Sardinha e C.ª reconstituiu-se sob o nome de Banco Sardinha, por dec. de 30 de abril de 1931, com o apoio do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos, contando com uma grande tolerância por parte de Salazar na sua reconstituição. Esta passou a sociedade anónima, a 21 de maio de 1931, sob a designação de Banco Sardinha “sendo os primeiros outorgantes da escritura de mudança os sócios da casa Sardinha e Companhia e os segundos outorgantes, todas as pessoas, na generalidade credores, que subscreveram o aumento de capital em 3.000 contos” (Id., Ibid., 173). Neste aumento de capital, 7 pessoas subscreveram 50.000$00 e 23 outras subscreveram ações entre 45.000$00 e 10.000$00; no entanto, a desconfiança face à reconstituição das casas bancárias era muito grande e levou a uma corrida aos levantamentos e à exigência de reembolsos dos créditos por completo, havendo necessidade de recorrer a novas moratórias. Prorrogaram-se os prazos, mesmo após a sua transformação em banco, e a suspensão de pagamentos foi-se consolidando com indemnizações tardias, com muitos processos judiciários e com sucessivas prorrogações. Esta era a segunda maior casa bancária da Madeira da época, em número de depósitos. No seu processo de liquidação, ela foi alvo de alguns processos polémicos e judiciais com alguns dos devedores, entre eles, Tiago Matias de Aguiar, F. F. Ferraz e C.ª Ld.ª que mostraram discordância quanto à forma de liquidação dos seus créditos. Entretanto, com o cimentar da sustentabilidade económica e financeira do Estado Novo, filiais de outros bancos nacionais foram aparecendo na praça financeira do Funchal, como a Caixa Geral de Depósitos, o Banco Espírito Santo, o Banco Pinto e Sotto Mayor, o Banco Fonsecas e Burnay, o Montepio Geral, o Banco Português do Atlântico, o Banco Português de Investimento, o Banco BIC, e a Caixa Económica do Funchal (este foi um banco de raiz madeirense, que passou por algumas dificuldades, após o 25 de Abril, tendo-se transformado no Banco Internacional do Funchal). Com a expansão económica e financeira proporcionada pelas novas condições económicas saídas da Revolução de 1974, proliferam novas filiais de bancos nacionais e estrangeiros. Tendo em consideração as publicações do Instituto Nacional de Estatística e da Direção Regional de Estatística da Madeira (DREM), é possível verificar o comportamento mais recente de um conjunto de variáveis relacionadas com a atividade da Banca. Desde o ano 1998, o número de estabelecimentos bancários demonstrou uma evolução como que a dois ritmos, sendo que foi verificado um período inicial favorável e, posteriormente, um outro no qual as variáveis apresentavam um certo ressentimento no sector, seguramente pela própria crise financeira que assolou o mundo e provocou efeitos colaterais na Região. Para o ano 1998, o número de estabelecimentos de bancos e de caixas económicas na RAM era de 133, representando cerca de 2,6 % do total de estabelecimentos a nível nacional. No ano 2000, o número de estabelecimentos ascendia a 150 na Região, com uma proporção de 3,0 % comparativamente ao número de estabelecimentos em Portugal continental. Esta proporção foi tendencialmente aumentando, embora o valor mais elevado tenha sido o de 3,2 %, que se constatou nos anos 2001, 2002 e 2007, onde o número de estabelecimentos na Madeira era de 156, 156 e 171, respetivamente. Todavia, foi no ano 2009 que se verificou o número mais elevado de estabelecimentos na Região, com 182, quando Portugal tinha 5877 estabelecimentos bancários e caixas económicas. De notar que, a partir do ano 2010, inclusive, verificou-se uma queda no número daqueles. Queda essa que não foi um fenómeno único da Região, mas também de todo o território nacional, embora seja de interesse ressaltar que a diminuição do número de estabelecimentos foi mais acentuada na Madeira, pois, ao se verificar a proporção do número de estabelecimentos bancários regionais no número de estabelecimentos bancários nacionais para o ano 2013, o valor ficou pelos 2,8 %, um valor percentual inferior ao verificado em anos anteriores, comparável com aqueles que se verificavam nos últimos anos da déc. de 90 do séc. XX. No ano 2010, o número de estabelecimentos passou para os 178, diminuindo no ano seguinte para 169. No ano 2012, verificou-se uma nova queda para 157, sendo que, no ano 2013, foram encerrados 10 estabelecimentos bancários, passando a RAM a contar com apenas 147. Outra forma de se analisar a evolução do sector é através do número de pessoas ao serviço nesses mesmos estabelecimentos. No ano 1998, o número de funcionários do sector bancário cifrava-se nos 946, sendo que a partir desse ano verificou-se uma diminuição que faria com que, no ano 2001, o número fosse de 851 pessoas. No entanto, a partir do ano 2002 e até o ano 2004, constatou-se um crescimento, no qual, no ano 2002, o sector bancário contava com 922 colaboradores, passando para 945, no ano seguinte, e para 1098, em 2004. A partir do ano 2005, voltou a verificar-se uma tendência caracterizada pela diminuição do pessoal ao serviço, muito embora, no triénio 2008-2010, o número tenha superado o milhar de pessoas. A partir do ano 2011, o número decaiu, fazendo com que os dados referentes ao ano 2013 apresentassem um número de funcionários novamente inferior ao ano imediatamente anterior, fixando-se em 842. Os dados apresentados anteriormente podem ser analisados efetuando induções sobre os motivos que provocaram esta diminuição de pessoal ao serviço, apoiadas, eventualmente, no argumento da melhor utilização e otimização dos serviços. Todavia, cabe destacar que, a partir do ano 2008, o sistema bancário se ressentiu, fundamentalmente, pela crise financeira despoletada. Este fenómeno não se fez sentir unicamente em território regional, mas também no espaço nacional, porque, se se comparar a proporção do pessoal ao serviço em bancos e em caixas económicas na RAM relativamente ao pessoal ao serviço nas instituições de todo o país, verifica-se que, apesar de ter havido algumas alterações pontuais, o valor percentual se manteve nos 1,6 %. Uma publicação de 2014 do periódico Económico constatava o encerramento de um número elevado de agências bancárias nesse mesmo ano. Segundo a mesma, os bancos com maior presença em Portugal fecharam 200 balcões em território nacional no ano 2014. Na publicação, o encerramento de balcões e o despedimento de colaboradores são explicados não só pelas exigências efetuadas pelas autoridades europeias, após ter-se intervencionado um conjunto de instituições bancárias, mas também pelos prejuízos verificados no sector que obrigaram a elaborar planos de reestruturação assentes parcialmente nestas medidas. Outro dado de elevado interesse, relacionado com o número de terminais multibanco na Região, permite-nos concluir que foi verificado um crescimento importante daqueles entre o ano 1997 e o ano 2013. Enquanto, no ano 1997, o número de terminais na RAM era de 98, no ano 2013 o número ascendia aos 327. Neste intervalo de tempo, apenas foram verificadas diminuições anuais no ano 2011, momento em que o número caiu para 344, quando em 2010 o número de terminais era de 347, e no ano 2013, altura em que se verificou uma diminuição de 18 terminais multibanco. Relativamente a esta variável, é possível verificar, de igual forma, que, entre o ano 1997 e o ano 2013, a distribuição concelhia desses mesmos terminais sofreu alterações, destacando-se a descentralização dos terminais no concelho do Funchal: no ano 1997, localizavam-se ali 61,2 % do número total, um valor que diminuiu para 55,7 % no ano 2013. Não obstante, apesar de ter havido um aumento da proporção de terminais nos restantes concelhos que não a capital da RAM, verificou-se uma diminuição da mesma em concelhos como: a Calheta, onde a relação passou de 6,1 % para 3,1 %, entre o ano 1997 e 2013; o Porto Moniz, onde, no ano 1997, os terminais multibanco representavam 2,0 % do total regional, e, no ano 2013, um valor inferior situado nos 1,8 %; a Ribeira Brava e São Vicente, que, no ano 1997, representavam 5,1 % e 4,1 %, e, no ano 2013, 4,0 % e 1,8 %, respetivamente. O número de operações efetuadas em terminais multibanco também aumentou significativamente, quase que quadruplicando entre o ano 1997, ano no qual o número de operações foi de 5411 milhões. No ano 2013, foram registadas 21.010 milhões de operações em território regional. Os números alteraram-se de tal forma que uma análise à caracterização desses mesmos movimentos permite constatar a dinâmica verificada. Tome-se, por exemplo, o ano 1997, no concelho de Porto Moniz, onde o número de operações efetuadas foi de 23.000, sendo apenas de 19.000 no concelho da Ponta do Sol. Sendo uma das principais funções das instituições bancárias a concessão de crédito à economia, determinados dados da DREM revelam que, a 31 de dezembro de 2013, a percentagem de devedores face ao total da população adulta residente na RAM era de 51,1 %, valor inferior ao verificado no território nacional (52,9 %). Cabe destacar de igual forma que cerca de 1 em cada 4 adultos residentes na RAM tinha um empréstimo à habitação, e para 43,2 % foi concedido um empréstimo para consumo e para outros fins, empréstimo esse que, a 31 de dezembro de 2013, ainda estava em dívida.   Alberto Vieira Emanuel Janes Sérgio Rodrigues (atualizado a 23.01.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

cem – construindo o êxito em matemática

No final da déc. de 90 do séc. XX, a Associação de Professores de Matemática (APM) realizou um estudo, Matemática 2001 – Diagnóstico e Recomendações sobre o Ensino e Aprendizagem da Matemática, “com o propósito de elaborar um diagnóstico e um conjunto de recomendações sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática no nosso país” (ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA, 1998, 1). Este estudo tinha a preocupação de contribuir para a melhoria do ensino da matemática no início do séc. XXI. Dele emergiram recomendações específicas para uma reorganização curricular, repensando as finalidades do ensino da disciplina para as práticas pedagógicas dos professores em sala de aula e para a formação de professores, entre outras. Em 2001, seguindo as recomendações advindas do estudo supracitado, o Ministério da Educação lançou o Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais, definindo as aptidões fundamentais que um aluno deveria ter desenvolvido no final de cada ciclo (1.º, 2.º e 3.º ciclos). Esta finalidade do ensino da matemática implicava mudanças nas práticas dos professores. Visando ir ao encontro das necessidades de formação para implementar tais mudanças, realizou-se na Madeira uma formação para professores de matemática. Em 2005, no âmbito do Plano de Ação para a Matemática, iniciou-se em todo o país uma formação de professores que teve como propósito melhorar a preparação para uma mais profícua implementação do novo programa da disciplina, então em experimentação, e que veio a ser homologado em 2007. Esta formação decorreu entre 2005 e 2011 e alcançou milhares de professores. O projeto CEM O CEM – Construindo o Êxito em Matemática é um projeto de formação contínua de professores de matemática do ensino básico que teve início no ano letivo 2006-2007, no âmbito do Plano Regional de Ação para a Matemática, e que conta com o apoio da referida Direção Regional e da Universidade da Madeira (UMa). Com uma visão ampla do que é a aprendizagem no geral e a aprendizagem da matemática em especial, foram adotadas três teorias sociais de aprendizagem que seriam o suporte teórico de toda a conceção e implementação do projeto. A teoria da aprendizagem situada, que vê a aprendizagem como participação, defende que, para aprender, as pessoas têm de se empenhar conjuntamente, sendo igualmente necessário que participem nas práticas e tenham uma meta a alcançar. Outra das teorias que sustentam o projeto é a teoria da atividade, que entende a aprendizagem como transformação, seja das práticas em que as pessoas (professores e alunos) se envolvem, seja das pessoas que aprendem (professores e alunos). O terceiro pilar teórico do projeto é a educação matemática crítica, que discute a aprendizagem como ação dialógica, defendendo que para aprender é preciso existir intencionalidade por parte de quem aprende, o que envolve ação e reflexão sobre essa ação. A partir destas três ferramentas teóricas, idealizou-se um projeto com cenários de aprendizagem para os professores e para os alunos. O projeto criado visou melhorar as aprendizagens e desenvolver as competências matemáticas nos alunos, trabalhando com os professores do ensino básico da Região Autónoma da Madeira (RAM) com os seguintes objetivos: a) promover um aprofundamento dos conhecimentos matemáticos e didáticos dos professores; b) favorecer a realização de experiências de desenvolvimento curricular que contemplem a planificação e a implementação de aulas, e posterior reflexão; c) promover o trabalho cooperativo entre docentes (intra e inter escolas). Com estes objetivos, foi promovida uma formação que teve em conta os conhecimentos matemático, didático e curricular, de acordo com os conteúdos matemáticos a abordar, e procurando atender às necessidades e solicitações dos professores. A realização de experiências de desenvolvimento curricular contemplou a planificação de aulas, a sua condução e posterior reflexão por parte dos professores envolvidos, apoiados pelos pares e pelas formadoras que integravam a equipa do projeto. No ano letivo de 2006-2007, iniciou-se o projeto CEM para professores do 3.º ano do 1.º ciclo. Cada equipa de formação era constituída por uma professora do 1º ciclo e por uma professora de matemática do 3.º ciclo e do secundário. Esta exigência prendeu-se com a procura de assegurar que tanto o conhecimento matemático quanto o didático e curricular estavam salvaguardados. Metodologia de trabalho do projeto CEM As equipas de professores destacados pela DRE prepararam a formação construindo propostas de trabalho adequadas ao tipo pretendido e criaram materiais visando o trabalho dos alunos na sala de aula e considerando a sua adequação a uma metodologia de atuação onde o discente é o elemento central do seu processo de aprendizagem. Quinzenalmente, as equipas de formação reuniam com os docentes, organizados em pequenos grupos (de não mais de 12), apresentavam e discutiam com os professores em formação as propostas de trabalho e os materiais construídos, refletindo sobre as metodologias de trabalho e as consequências das mesmas para a implementação das propostas. Finalmente, prestavam apoio aos professores, em contexto de sala de aula, na execução das propostas de trabalho construídas e amplamente discutidas nas reuniões. Cada professor envolvido na formação tinha a liberdade de adaptar à(s) sua(s) turma(s) a proposta construída pelo CEM, sendo essa adaptação apresentada e discutida com as equipas de formação. Os cenários de aprendizagem dos professores também tinham momentos de discussão e reflexão conjunta (professor, equipa formadora, restantes professores em formação) acerca da prática pedagógica resultante da implementação das propostas de trabalho na sala de aula. Os formandos tinham ainda de refletir sobre o processo e apresentar ao grupo de trabalho, com base em artigos científicos fornecidos pela equipa de formadores, diversas temáticas, como sejam, a avaliação das aprendizagens matemáticas e a comunicação matemática. Como estratégia complementar, os professores envolvidos no projeto dinamizavam, com o apoio da respetiva equipa formadora, seminários trimestrais nos estabelecimentos de ensino a que pertenciam, como meio de troca e partilha de experiências com os restantes colegas da escola. Dos cenários de aprendizagem criados para os docentes faziam também parte a análise e interpretação (por parte dos professores, apoiados pelas equipas de formação) dos documentos curriculares que foram emergindo ao longo de todos os anos de projeto. Este aspeto do trabalho é bastante apreciado pelos professores. A evolução do CEM Em 2006-2007, 57 professores do 3.º ano de escolaridade aderiram voluntariamente ao projeto. Em 2007-2008, entraram 119 novos professores, também do 3.º ano, e deu-se continuidade ao trabalho realizado com 49 dos docentes que integraram o projeto no ano anterior, na altura lecionando 4.º ano de escolaridade. Em 2008-2009, o projeto funcionou com 106 professores do 4.º ano (dos que tinham entrado para o projeto no ano antecedente) e entraram cerca de 100 novos professores do 3.º ano. Ainda em 2008-2009, foram preparadas propostas para o 1.º ano de escolaridade, disponibilizadas numa plataforma Moodle, introduzida nesse ano letivo como mais um meio de comunicação entre a equipa de formação e os professores em formação. A preparação das propostas para o 1.º ano foi a forma de garantir o elo de ligação aos professores que tinham terminado a formação presencial. No mesmo ano letivo, chegaram ao 2.º ciclo os primeiros alunos do projeto CEM. O CEM, para o 2.º ciclo do ensino básico (CEM2), surgiu como a continuidade natural e desejável a dar ao trabalho realizado por esses alunos no 1.º ciclo do ensino básico (CEB). Aderiram ao projeto 65 professores de matemática que estavam a lecionar ao 5.º ano de escolaridade e entraram para o projeto mais duas equipas de formação, cada uma delas constituída por duas professoras de matemática (uma do 2.º e outra do 3.º ciclo). Em 2009-2010, o projeto CEM (1.º ciclo) funcionou com cerca de 70 professores do 4.º ano. Foram preparadas propostas para o 2.º ano de escolaridade, disponibilizadas na plataforma Moodle. No CEM2, deu-se continuidade ao trabalho realizado no ano anterior com os professores de matemática do 5.º ano que se encontravam já a lecionar ao 6.º ano. Em 2010-2011, chegaram os primeiros alunos do projeto CEM (1.º e 2.º ciclos) ao 3.º ciclo. Assim, como forma de dar continuidade ao trabalho realizado nos ciclos anteriores, o projeto CEM estendeu-se ao 3.º ciclo do ensino básico (CEM3). Os objetivos do CEM3 são, basicamente, semelhantes aos que tínhamos para o 1.º e 2.º ciclos. Neste ano letivo, foi feita a generalização dos novos programas de matemática do ensino básico. Todo o trabalho desenvolvido teve em conta as orientações do novo programa, até então em experimentação. Iniciou-se o CEM3 com 56 professores do 7.º ano de escolaridade e com três formadoras licenciadas em matemática destacadas pela DRE. Entretanto, nesse ano letivo (2010-2011), a DRE quis alargar o projeto a um maior número de professores. Estreou-se assim uma nova modalidade do CEM para o 1.º CEB (CEM1): formação de formadores. As equipas do CEM1 prepararam 30 professores para fazerem formação a outros docentes por toda a RAM. Cada um destes formadores seria responsável por dinamizar a formação de um grupo de 12 professores. Esta modalidade perdeu a componente de trabalho conjunto na sala de aula. Seguiu-se um esquema semelhante para os professores do 5.º ano. 40 docentes das diferentes escolas da RAM receberam formação com a equipa do CEM2 e depois deram-na aos colegas da sua escola que lecionavam ao 5.º ano. Em 2011-2012, foram 48 os professores do 8.º ano que estiveram envolvidos na formação na sua modalidade original, sendo que muitos deles já tinham tido formação no âmbito do projeto CEM3 no ano anterior, quando lecionavam ao 7.º ano. Ao longo deste ano letivo, 19 professores do 1.º CEB receberam formação e replicaram-na a grupos de 12 professores. Também 33 professores do 6.º ano receberam formação e dinamizaram-na nas suas escolas para os colegas que lecionavam no mesmo ano de escolaridade. Em 2012-2013, o projeto CEM3 atingiu o último ano de escolaridade do 3.º ciclo, trabalhando na sua modalidade original (com acompanhamento na sala de aula). Foram 60 os professores do 9.º ano que frequentaram a formação. Para esse ano letivo (2012-2013), a DRE propôs que se adotasse uma metodologia semelhante à dos 1.º e 2.º ciclos para os 7.º e 8.º anos. Ou seja, professores dos 7.º e 8.º anos indicados pelas próprias escolas fariam formação com as equipas do CEM3 e depois dinamizariam a mesma formação nos seus estabelecimentos de ensino para os colegas que lecionavam ao 7.º ou 8.º ano, respetivamente. Mas esta formação para os 7.º e 8.º anos não teve o sucesso esperado, nomeadamente, devido à obrigatoriedade da mesma e à falta de critérios adequados para a seleção dos professores que iriam receber a formação com as equipas do CEM3 e replicá-la nas escolas. Em relação ao 1.º CEB, nesse ano, fez-se formação para todos professores da RAM que se encontravam a lecionar ao 4.º ano de escolaridade: 153 frequentaram essa formação. Note-se que muitos destes docentes já tinham frequentado o projeto CEM na sua modalidade original e, portanto, conheciam muito bem as metodologias de trabalho em questão. Este aspeto foi uma mais-valia para a formação e refletiu-se na profundidade das reflexões elaboradas pelos professores, quer sobre as propostas apresentadas, quer sobre a implementação das mesmas na sala de aula, e também no aproveitamento dos alunos. No que concerne ao 2.º CEB, no mesmo ano letivo, 26 professores do 5.º ano e 27 do 6.º ano participaram na formação. Muitos já tinham frequentado o CEM2 na sua modalidade original. Em 2013-2014, estando a DRE muito agradada com os resultados dos exames nacionais de matemática do ano anterior, solicitou novamente formação para todos os professores do 4.º ano da RAM e para os professores do 1.º e do 3.º (anos em que o novo programa de matemática, definido em 2013, estava a ser implementado). Iniciou-se com os professores destes 1.º e 3.º anos uma nova modalidade do CEM e apostou-se no b-learning, uma vez que muitos destes professores já tinham participado no projeto, numa das outras modalidades. No 2.º e 3.º ciclo, a formação foi para os professores que lecionavam aos 5.º e 7.º anos, respetivamente, uma vez que eram anos de implementação do novo programa de matemática (2013), como se disse. No 7.º ano, na modalidade original e no 5.º, sem acompanhamento na sala de aula. Os números do CEM  Ao longo destas linhas foi indicado o número de professores que participaram na formação do CEM nos três níveis de ensino. Quanto aos discentes, cada professor que participou no CEM tinha mais do que uma turma e terá trabalhado com uma metodologia semelhante nas várias turmas que tinha e pelas quais foi passando ao longo dos anos pós-projeto CEM. Não se consideram esses valores no quadro da fig. 1, mas somente o número de alunos no ano e turma com que o professor participou no projeto. Muitos destes discentes foram “alunos do CEM” durante diversos anos e ciclos de escolaridade. Também vários professores dos diferentes ciclos participaram no CEM durante vários anos. Ano letivo N.º de professores por ciclo N.º de alunos por ciclo 1.º  2.º 3.º 1.º 2.º 3.º 2006-2007 57 - - 1140 - - 2007-2008 168 - - 3360 - - 2008-2009 206 65 - 4012 1625 - 2009-2010 70 31 - 140 775 - 2010-2011 15 40 56 1920 1000 1046 2011-2012 19 33 48 2400 825 772 2012-2013 153 53 113 3060 1300 2418 2013-2014 235 36 29 4700 900 658 Fig. 1 – Quadro com o número de docentes e discentes que participaram no projeto CEM entre os anos letivos de 2006-2007 e 2013-2014. Os resultados do projeto CEM Os resultados obtidos são, em termos gerais, semelhantes para o CEM1 e para os CEM2 e CEM3. Podemos avaliar o projeto tendo em conta: as aprendizagens matemáticas dos alunos e as transformações nas práticas dos professores. Para avaliar as aprendizagens matemáticas dos alunos, temos disponíveis os seguintes elementos: resultados das provas de aferição e dos exames nacionais; observação do trabalho dos alunos aquando da participação das equipas de formação nas aulas dos professores em formação; partilha feita pelos professores nas reuniões quinzenais sobre o desempenho dos alunos nas aulas; inquéritos realizados aos alunos; portefólios elaborados pelos professores; múltiplas teses de mestrado realizadas na UMa. No que diz respeito aos resultados das provas de aferição dos alunos do projeto CEM1, CEM2 e CEM3, podemos constatar, ao longo dos anos, que estes são ligeiramente melhores do que os resultados globais dos alunos da RAM. A grande diferença está na ausência da classificação mais baixa (nível E) nos alunos do projeto e de uma percentagem maior de alunos com classificação superior (nível C). No ano 2012-2013, a média dos resultados dos exames nacionais dos alunos da RAM foi superior à média dos resultados dos exames nacionais dos alunos de Portugal continental. Da observação direta do trabalho dos alunos, denota-se aprendizagens significativas ao nível dos conteúdos matemáticos, maior interesse e empenho para com a aprendizagem da matemática, mudança de atitude em relação a esta disciplina, mais competência na resolução de problemas matemáticos e utilização da matemática de forma crítica. Os professores que recebem “os alunos do CEM” referem que estes aprenderam a discutir ideias matemáticas e a comunicar matematicamente, quer por escrito, quer oralmente; têm um forte poder de argumentação; sabem trabalhar cooperativamente, com materiais manipulativos e com software informático, mantendo uma postura crítica face à aprendizagem da matemática; têm muita facilidade em discutir estratégias e procedimentos, bem como em fundamentar as suas opiniões. Estes resultados são também corroborados pelos autores das várias teses e relatórios de mestrado em ensino da matemática no 3.º CEB e no secundário elaboradas na UMa, por professores que frequentaram o CEM. Para avaliar as transformações nas práticas dos professores, dispomos dos seguintes meios: reuniões quinzenais, idas às escolas, reflexões; planificação e execução das aulas, escolha dos materiais e seleção de estratégias; portefólios elaborados pelos docentes; inquéritos realizados aos mesmos; e a dissertação de doutoramento da Eva Gouveia. Da análise de todos estes instrumentos de avaliação podemos afirmar que houve mudanças ao nível dos conhecimentos científicos e didáticos dos professores envolvidos no projeto, visíveis através de um maior rigor científico-matemático e de uma maior necessidade de aprofundamento dos conhecimentos matemáticos. Houve também mudanças no que diz respeito à planificação e condução das aulas, bem como à reflexão que passaram a fazer sobre as aulas participadas. As planificações tornaram-se mais sistematizadas e fundamentadas; as aulas, menos expositivas e mais centradas no aluno; os conteúdos matemáticos, tratados com maior rigor científico; os professores, mais críticos em relação ao seu desempenho. No geral, ao final de um ano de projeto, a prática pedagógica dos professores envolvidos no mesmo sofreu transformações, quer na diversificação de estratégias, quer na crescente inclusão de materiais manipulativos nas suas planificações e nas suas práticas, bem como na segurança com que passaram a trabalhar a matemática. No que diz respeito ao trabalho cooperativo entre os docentes, houve alguns casos de sucesso, mas, de um modo geral, os professores ainda resistem ao trabalho cooperativo intra e inter escolas. As formadoras do projeto As formadoras do CEM são uma parte fundamental do projeto. Para que tudo decorra da melhor forma possível, quando em contacto direto com os professores em formação, é necessário um forte trabalho de bastidores que também merece ser destacado. Semanalmente, houve reuniões de trabalho entre as formadoras do projeto e a sua coordenadora. Foi nessas reuniões que se definiram ou redefiniram estratégias de trabalho, se discutiram as propostas apresentadas e debatidas com e pelos professores, e se consideraram artigos científicos sobre a aprendizagem da matemática, a avaliação das aprendizagens matemáticas, a utilização de materiais manipuláveis e softwares educativos e applets na aula de matemática, entre outros.   Elsa Fernandes (atualizado a 29.12.2016) 

Educação História da Educação

transportes

Na Madeira, o mar foi, durante mais de 500 anos, a via de contacto mais utilizada (e a mais vantajosa), estabelecendo a ponte entre o exterior e as diversas localidades, maioritariamente com assentamento ribeirinho. Em terra, as estradas e veredas estabeleciam as ligações entre os casais e as terras de cultura que subiam as encostas. No entanto, a própria Ilha não oferecia condições à implementação de qualquer meio de transporte, pelo que a circulação de pessoas e de mercadorias na Ilha era um problema: as vias de acesso aos portos costeiros ou de comunicação interna das freguesias eram muito complicadas e difíceis, dado que as condições orográficas tornavam difícil a construção de caminhos, fazendo depender a circulação das mercadorias da capacidade de carga de homens e de animais. Tardou, assim, a definição de uma rede viária adequada às necessidades das populações e à circulação dos produtos da terra, nomeadamente dos destinados à exportação, como o açúcar e o vinho.  De facto, só na segunda metade do séc. XX, com o delineamento de um plano de estradas e com o incremento da viação motorizada, se assiste à hegemonia das vias terrestres sobre as marítimas. O processo autonómico acelerou a afirmação da rede viária, esbatendo as distâncias e aproximando o mundo rural da cidade do Funchal. Foi também nessa altura que se construíram portos e desembarcadouros em Machico, Santa Cruz, Porto Novo, Caniço, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Porto Moniz, Calheta, Paul do Mar, Seixal, São Vicente, Ponta Delgada, São Jorge, Faial e Porto da Cruz. Em finais do séc. XIX, ocorreram mudanças significativas na navegação de cabotagem, com o aparecimento dos serviços da Casa Blandy Bros & C.º e da Empreza Funchalense de Cabotagem. Em 1777, George Forster registava as diversas formas de transporte existentes na Madeira, valorizando a destreza dos animais: “Os cavalos são pequenos mas seguros, subindo com agilidade as muitas veredas que são os únicos meios de comunicação no campo. Não existem carruagens, mas na cidade usam uma espécie de zorra ou trenó, formado por duas pranchas juntas por travessas de madeira que forma, à frente, um ângulo agudo; são puxadas por bois e usadas para o transporte de vasilhame para o vinho e outras mercadorias pesadas, destinadas ou provenientes de armazéns” (FORSTER, 1986, 75). Na Ilha existiram também carros de bois de rodados, certamente desde o início da sua ocupação, cuja utilização, embora limitada no espaço, está documentada, sendo conhecidos como carros chiões ou carros de vacas. Em 1813, o Gov. Luís Beltrão de Gouveia, em ofício ao conde das Galveias, referia que a falta de estradas tinha contribuído para o entorpecimento da política de relançamento agrícola e de desenvolvimento da Ilha; tornava-se premente o incremento da rede viária e a reparação das pontes e das estradas molestadas pelo único meio de transporte usado – a carroça –, financiada por meio de uma taxa imposta sobre os carreiros. No entanto, o problema não foi resolvido e a situação da rede viária perdurou, pelo que, em 1824, o Gov. D. Manuel de Portugal e Castro testemunhava, de novo, o estado miserável da viação madeirense, notando que sem estradas que comuniquem e facilitem as conduções não pode haver comércio. Em 1827, o deputado Lourenço José de Moniz, num discurso na sessão de 5 de março, lamentava que “a Madeira nada tem custado ao Tesouro da metrópole, nem mesmo nas mais extraordinárias ocasiões de calamidades, como em 1803, em que uma espantosa aluvião engoliu grande número de seus habitantes, e grande parte do Funchal, e destruiu as obras de encanamento das águas, com as pontes, estradas e outras de utilidade pública, cuja reedificação há de vir a montar a alguns milhões” (VIEIRA, 2014, 31). De facto, só no séc. XIX se nota algum interesse das autoridades pela realidade viária da Ilha. Recorde-se que, a partir de 1821, o binómio levadas-estradas é uma presença constante nos debates em torno da crise da agricultura madeirense, os quais se contam entre as páginas do Patriota Funchalense: reclamam-se obras e mais atenção à realidade madeirense (as respostas, porém, tardavam em chegar). A partir desse ano, a intervenção sobre a rede viária passa a estar a cargo da Inspeção de Agricultura e Estradas. Em 1823, José Maria da Fonseca, inspetor-geral de agricultura da Madeira, dá conta de que o segredo para o problema agrícola está na abertura de estradas convenientes e no aproveitamento das águas para o regadio (disso se ocuparam diversas autoridades). O ofício de mestre pedreiro das Obras Reais, Estradas e Caminhos, existente na Ilha, era acumulado pelo inspetor das estradas e caminhos. Em 1824, a Câmara do Funchal diz ter pedido um empréstimo à Junta Geral, no valor de 1600$000. Em 1836, é instalada, por iniciativa do governador civil, uma comissão encarregada das estradas da Madeira, com o intuito de coordenar os esforços dos madeirenses na reparação dos caminhos existentes e na definição de uma adequada rede viária. Um tributo sobre as estufas, cuja receita foi avaliada em quatro contos, foi aplicado à construção e à reparação de estradas. As condições da Ilha exigiam a tomada destas medidas: as aluviões tornavam intransitáveis os caminhos e as capacidades económicas dos madeirenses não permitiam acudir a tantas carências. A capacidade de intervenção da Junta Geral estava limitada por causa do seu orçamento: as únicas fontes de receita eram o imposto sobre as estufas de vinho, criado em 1806, e a contribuição anual de cinco dias de trabalho ou de 1000 réis para as obras de construção e reparo dos caminhos. A isto juntavam-se algumas dádivas particulares e o lançamento de fintas entre todos os moradores. Em reunião de 11 de agosto de 1840, a Junta Geral decidiu ampliar a obrigação da finta a todos os estrangeiros residentes na Ilha há mais de um ano. Para o efeito, uma comissão dos melhoramentos das estradas (Comissão Encarregada das Estradas e Caminhos), criada por alvará de 13 de maio de 1837, superintendia tanto as obras como o serviço braçal dos fregueses. Esta Comissão era eleita no início do biénio, tal como viria a preceituar a lei de 6 de junho de 1864. Segundo o relatório do ano de 1838, contou com uma verba de 9927$938 réis, sendo 67 % do montante proveniente do imposto sobre as estufas e o restante da contribuição de trabalho. Contudo, esta verba era insuficiente para acudir às diversas despesas envolvidas na reparação das estradas, nomeadamente em épocas de aluvião. Assim, em 1846, a dívida era superior a 3000 réis. Além disso, a partir de 1856, a Junta deixou de poder contar com o imposto das estufas, que entretanto fora extinto. Por outro lado, a Comissão quase só tinha capacidade de proceder a pequenas reparações, devendo socorrer-se de subscrições públicas para a realização de grandes obras, como a ponte do Ribeiro Seco e a estrada entre o Funchal e Câmara de Lobos. As populações viviam isoladas e a ida ao Funchal era um acontecimento ocasional e de grande comemoração, tal como refere, em 1739, Acúrcio Garcia Ramos, que diz “de alguns camponeses nunca terem saído do vale onde nasceram”, e de outros regista “como um dia de felicidade jamais esquecido aquele em que fazem a primeira excursão à cidade do Funchal” (NEPOMUCENO, 2000, 47). Para muitos visitantes, o conhecimento da Ilha limitava-se ao Funchal, pois como afirmava, em 1869, Júlio Dinis, “passeios a pé são impraticáveis graças às pavorosas subidas que por toda a parte se encontram. A rede não é tão cómoda como parece; e os carros em rodas não podem vencer todos os caminhos” (Id., 2008, 28). Desde o primeiro quartel do séc. XIX que os madeirenses reclamam a intervenção do Estado na Madeira no domínio das obras públicas (abertura de caminhos, levadas e canalização das ribeiras). A crise agrícola e comercial faz despertar o olhar crítico de muitos madeirenses e amplia a imagem de uma terra abandonada à sua sorte, sem ninguém que a acuda. A este propósito, convém lembrar a intervenção do deputado madeirense Manuel José Vieira em 1884: “preciso que não se pense que, quando se fala em levadas, nós, madeirenses, estamos simplesmente á espera que o governo as faça; nós temos feito muitas levadas à nossa custa, que representam centenas e até milhares de contos de réis, e para as quais não solicitamos nem um real dos governos. Não estejamos por consequência a falar de leve em levadas, parecendo que nada temos feito” (VIEIRA, 1884, 138). Recorde-se que, para o ano económico de 1884-1885, o Ministério dos Negócios das Obras Públicas, Comércio e Indústria irá reservar, para a rubrica de obras públicas, um valor de 30.000$000, de um total de despesa em portos que ascende aos 1.026.000$000 (sendo que o porto de Leixões usufrui de 55 % desse montante). Em meados do séc. XIX, a necessidade de investimento torna-se cada vez mais premente, quer na metrópole, quer na Ilha; a solução para atender a esta necessidade passa por mais contribuições, tanto sob a forma de acrescento a impostos já instituídos (como a décima), como na modalidade de novas contribuições. A reforma tributária de 1843 já dava particular a atenção a este aspeto; de facto, durante as décs. de 40 e 50 da centúria oitocentista, o fomento das estradas passa por novas contribuições. A década de 40 do séc. XIX foi marcada pela fome, recebendo a Ilha auxílio do exterior (é de salientar a dádiva norte-americana de milho que, depois, foi distribuído pela população como moeda de troca). Da ajuda norte-americana resultou a construção da ponte no Ribeiro do Moinho, na Ponta do Pargo, que estabeleceu a ligação entre os sítios do Pedregal e de Salão. Como memória, ficou registada numa pedra a seguinte inscrição: “Esta Pedra é de Memória Por ser oferta estrangeira / América! Tens a Glória / de Socorrer a Madeira”. Será igualmente na déc. de 40 que o plano de obras públicas em torno da construção de pontes e estradas terá o seu arranque definitivo, mercê da intervenção do Gov. civil José Silvestre Ribeiro (1807-1891). Este governador teve um papel de destaque na valorização da Madeira nas décs. de 40 e 50. No período de 1846-1852 desenvolveu um conjunto de iniciativas em ordem à valorização socioeconómica da Ilha, com diversas obras de construção e reparação de pontes, de estradas, de edifícios e de muralhas de encanamento das ribeiras das principais vilas; reestabeleceu o velho contributo da roda de caminho (a partir de 1843, institucionalizou-se como taxa, que recaía sobre os madeirenses, em favor das obras públicas, das quais o Estado se demitiu). Efetivamente, por este tempo, os acessos ao interior da Ilha eram extremamente difíceis: qualquer povoação distava muito da cidade e as ligações, por via terrestre e mesmo marítima, eram difíceis e morosas (quando Isabella de França, casada com um aristocrata madeirense, foi à descoberta da Ilha, em 1850, ficou estupefacta com o facto de as populações se anicharem em sítios distantes do Funchal, como a Calheta, onde o marido tinha parentes e interesses fundiários). A ponte do Ribeiro Seco, com o custo de 5799$000 réis, foi construída em 1848 com subscrições populares e com diversos apoios. As dificuldades da Ilha, nos anos de 1852 e de 1853, levaram José Silvestre Ribeiro a solicitar os apoios da comunidade de mercadores do Funchal e de entidades estrangeiras, que prontamente responderam à iniciativa e constituíram, para o efeito, a Comissão de Socorros Públicos dos Países Estrangeiros, que recolheu a quantia de 37.482$324 réis. Parte desta receita foi usada nas obras de construção da chamada estrada Monumental, que ligará o Funchal a Câmara de Lobos. Em 1854, foram distribuídos 2410$973 réis para obras das estradas Monumental, do Monte e de Palheiro Ferreiro. Habitualmente, os governadores insistiam, nos seus relatórios, na necessidade de atenção ao sector agrícola, através do alargamento da área de regadio, com a construção de levadas e de caminhos de acesso, ou do melhoramento dos já existentes. Políticos e escribas de ocasião aproveitam as múltiplas tribunas de expressão do pensamento – sejam os jornais, seja a Câmara dos Deputados (no caso em que aí tenham assento) – para reivindicar. Em 1856, o Gov. civil António R. G. Couceiro refere que “são em grande abundância as águas que de muitos pontos da Ilha correm para o mar, sem utilidade alguma para a agricultura, ao passo que esta, por falta desse elemento indispensável, não pode desenvolver-se em grande escala, perdendo-se deste modo as grandes vantagens que oferece um terreno fértil e próprio para quase todas as culturas” (Relatórios sobre o Estado…, 1857, 379). A partir de meados do séc. XIX, o Estado intervém, de forma direta, na definição de uma rede de transportes e comunicações, com a construção de estradas, de caminho de ferro e de portos. Desta forma, em 1852 surge o Ministério dos Negócios das Obras Públicas, Comércio e Indústria, revelador da importância deste sector na estrutura institucional, o qual começara a ser definido em 1836, com as divisões de Obras Públicas do Ministério do Reino. Em 1868, com a reforma dos serviços do Ministério, subdividiu-se o serviço técnico das Obras Públicas em divisões de serviço, uma das quais no Funchal. Sobre estas divisões pendiam várias funções, entre as quais a fiscalização de estradas e de pontes. Na Madeira, a autonomia administrativa de 1901 transferiu estes serviços para a Junta Geral. Com a lei de 6 de junho de 1864, os encargos com as estradas e com os caminhos de terceira ordem passaram para a administração municipal, existindo uma comissão municipal de viação que superintendia e autorizava as obras. Em 1863, havia-se elaborado um plano para a rede de estradas reais da Ilha, de que constavam duas estradas litorais e duas transversais, que estabeleciam a ligação entre as duas primeiras. Esta situação foi considerada favorável ao desenvolvimento viário da Ilha. Em 1872, a superintendência do plano de viação estaria a cargo da Repartição Distrital de Obras Públicas, que funcionava no âmbito da Junta e era coordenada por um diretor de Obras Públicas. Em março de 1878, o Gov. civil Afonso de Castro afirmava: “Não tem o distrito caminhos de ferro, não tem estradas carroçáveis, não há aqui pontes monumentais, longos canais, soberbas construções urbanas, e, portanto, não é muito que peça, que inste por uma pequena doca no porto do Funchal, onde não há o mais pequeno melhoramento. Mas quem o ouvirá, para além dos delegados da Junta que aprovaram o seu relatório?” (VIEIRA, 2014, 501). Em 1902, a Junta Geral começou a empreender vários melhoramentos públicos. Com a implantação da República, redobra a capacidade de intervenção dos madeirenses, por intermédio do visconde da Ribeira Brava. Nesta altura, a política de apoio à construção das levadas é continuada. Para o ano económico de 1910-1911, a Madeira dispõe de 4276$540, num total de obras públicas orçamentadas no valor de 27.437$360. A Junta Geral intervém com apenas 1200$000, com a finalidade de abrir estradas de ligação entre o Funchal e Machico e São Vicente. A criação da Junta Agrícola, em 1911, foi importante na definição da política de desenvolvimento integrado do espaço rural: note-se que o art. 3.° da lei de 31 de agosto de 1915 passou para a Junta Agrícola a administração, a conservação e a reparação das levadas do Estado. O turismo será o grande impulsionador da aposta na rede viária, não as necessidades sentidas nos sectores agrícola e industrial. De facto, o plano de estradas andará sempre ligado ao turismo, inclusivamente em termos de estrutura administrativa. Por outro lado, o desenvolvimento do transporte automóvel irá obrigar à redefinição da política de estradas e caminhos. Em 1921, surge a Administração Geral das Estradas e Turismo que, em 1927, dá lugar à Junta Autónoma das Estradas (JAE) e à Direção Geral de Estradas. O madeirense Francisco Maria Henriques (1879-1942), que havia sido chefe de Gabinete de Sidónio Pais entre 1911-1912, foi vice-presidente da JAE. A construção da já mencionada ponte do Ribeiro Seco, a partir de 1848, foi o ponto de partida para o delineamento de uma adequada rede viária que diminuísse as distâncias e que aproximasse os diversos núcleos populacionais e os espaços agrícolas do Funchal, centro administrativo e de comércio de importação e de exportação. Subsistiam, no entanto, dúvidas sobre se as estradas seriam viáveis, designadamente porque o decreto de 31 de julho de 1928, o primeiro com a assinatura de Oliveira Salazar, veio sobrecarregar a Junta Geral com novos e pesados encargos, sem os necessários meios compensadores para a sua satisfação, asfixiando-a financeiramente (através deste decreto, procedeu-se à descentralização, para a Junta, de serviços de diversos ministérios). Além disso, do plano de construção de 936 km de estrada, apresentado em 1883, só foram realizados 10 km, nesse mesmo ano, e 166 km, no ano seguinte. As vozes em prol de um plano viário para a Madeira não esmorecem, na medida em que a qualidade da rede viária é tida como fundamental para a valorização da agricultura e para a animação do comércio. Nesse sentido, Manuel Teixeira Gomes escreve, em 1913, sobre a falta de obras públicas: “Nesta Ilha abençoada não há porto, não há estradas… e chamaremos infames aos ingleses se nos derem o que nos falta só a troco de uma substituição de bandeira?” (GOMES, 2010, 230). Além disso, vários governadores civis insistem na precariedade do sistema viário da Ilha e na necessidade do seu melhoramento; em 1856, o Gov. António R. G. Couceiro é claro, ao exprimir que “as estradas e caminhos que existem são quase todos de muito difícil trânsito, e nem um só deles permite o uso de carros nem de outros meios de transporte, sem o que a indústria prospere neste país” (Relatório sobre o Estado…, 1857, 379). O séc. XX será o momento da aposta na rede viária, prenunciado pela chegada do primeiro automóvel ao Funchal, em 1904. O automóvel viria a ser o meio de transporte mais importante, obrigando as autoridades a um esforço redobrado para abrir novas estradas e para alargar as estradas reais e as ruas da cidade. No entanto, o desenvolvimento de uma rede de circulação viária apropriada à circulação automóvel foi muito demorado. D. João da Câmara Leme apresentou um plano revolucionário para os transportes na Ilha, baseado na ideia dos cabos aéreos de transporte. Por decreto de 2 de setembro de 1915, foi permitido à Junta Agrícola contratar, com a Caixa Geral dos Depósitos, um empréstimo de 100.000$00 em ordem à construção de estradas e de hotéis. Através de uma sindicância feita em 1917, sabe-se que, até 1916, a Junta gastou a quantia de 97.301$93 em estudos para a realização de estradas e na sua concretização. Durante esta época, por impulso do visconde da Ribeira Brava e de Vasco Gonçalves Marques, presidente da Comissão Executiva da Junta Geral desde 1914, deu-se um impulso significativo na construção de estradas; assinalem-se os percursos Funchal-Machico, Câmara de Lobos-Ribeira Brava, e Encumeada-São Vicente (este último teve abertura oficial em 1916).  Em 1907, constitui-se a primeira empresa de transportes coletivos, a Empresa Madeirense de Automóveis. Em 1913, surge a Empresa Funchalense de Automóveis e, com ela, o agendamento de uma carreira de transporte para Câmara de Lobos. Em 1914, surge na Ribeira Brava uma companhia que estabelecia ligações regulares com o Funchal. A existência de uma estrada até Câmara de Lobos irá despertar o interesse pela exploração de carreiras regulares, para o que foi criada, em 1925, a Empresa Câmara-Lobense de Automóveis. Posteriormente, em 1933, é formada uma outra companhia de transportes, a qual virá a dar origem à transportadora Rodoeste, em 1967. No entanto, apesar do desenvolvimento das ligações viárias, a acessibilidade à totalidade do espaço geográfico da Ilha estaria reservada para uma época posterior. O mar, que poderia ter sido o meio mais fácil para a circulação dos madeirenses, tendo em conta a orografia da Ilha, não parecia ser senão um obstáculo. O Funchal não apresentava grandes condições de apoio à navegação. A cidade estava situada numa enseada pouco abrigada dos ventos que sopravam do quadrante sul, ficando os navios ancorados na baía constantemente sob o perigo de naufrágio (só em 1876 foram registados 10 naufrágios). Desde 1750 que se fazia sentir a necessidade de algumas obras na baía do Funchal, no sentido de facilitar a ancoragem de embarcações, mas só em 1755 se procedeu aos primeiros estudos, ficando assente a necessidade de estabelecer um molhe acostável até ao ilhéu onde estava implantado o forte de N.a Sr.a da Conceição. Do plano estabelecido, apenas foi possível concretizar a ligação ao ilhéu onde estava o forte de S. José. Paulatinamente, este espaço da Pontinha adquiriu o estatuto de ancoradouro principal do porto, tornando-se imprescindível assegurar as ligações entre ele e a Alfândega, pelo que a Coroa ordenou, em 1782, a construção de um caminho. A necessidade de construção de um porto de abrigo no Funchal era desde há muito sentida (sendo premente no último quartel do séc. XIX, altura da concorrência com o portos das ilhas Canárias); porque foram tardando os meios técnicos e financeiros, só na segunda metade do séc. XX é que veio a concretizar-se esse projeto, coincidindo com uma época em que a navegação aérea começava a afirmar-se (o que conduziria à paulatina desvalorização do transporte marítimo). Na realidade, já desde o séc. XVII era insistente a preocupação com a segurança de passageiros e de embarcações na baía do Funchal; em meados do séc. XVIII, a ideia de um porto artificial de abrigo começa a ganhar importância. Nos séculos seguintes, o desenvolvimento do turismo agudizou o problema das condições portuárias. Tendo em vista a construção deste porto de abrigo, equacionou-se a possibilidade de ligação à terra dos dois ilhéus da zona oeste da baía. Todavia, surgiu uma possibilidade alternativa de um porto de abrigo no extremo este, junto à fortaleza de S. Tiago. Em 1817, Paulo Dias de Almeida apresentou um projeto para um cais e molhe nesta área da baía, divergindo assim da ideia dominante (que defendia a construção do porto na zona oposta), devido ao impacto do entulho trazido pela ribeira de São Paulo. Para além disso, sugeria que o porto se situasse na praia Formosa ou na praia da Ribeira dos Socorridos. Mas acabaram por ser usados de forma distinta, surgindo na praia Formosa os depósitos da Shell e na Ribeira dos Socorridos os silos do grupo Cimentos Madeira (1984). O extremo oeste da baía foi tido pelos técnicos como o local mais apropriado à construção do porto, de acordo com a ideia surgida em meados do séc. XVIII. Vão neste sentido os projetos apresentados pelos Eng.os Francisco António Raposo (1823), Henrique Lima e Cunha (1880), Mariano Augusto Machado de Faria e Maia (1884) e Adriano Trigo (1910). As obras portuárias prosseguem a um ritmo lento; a conclusão do molhe até ao segundo ilhéu tardou muito (só em 1910 se apresentava em condições de servir de porto comercial). Entretanto, desde 1824 que se havia apontado a necessidade de construção de um cais em frente da cidade, nas proximidades da fortaleza de S. Lourenço, mas só em 1843 a Câmara do Funchal faz uma tentativa nesse sentido, de resto mal sucedida (a construção foi destruída pelo mar), em que se gastaram 20.390$000 réis. Além disso, o porto oceânico do Funchal, por se situar numa baía ampla, necessitava de obras que propiciassem as necessárias condições de apoio à navegação. Um dos principais problemas da Madeira, desde os inícios da sua ocupação, relacionava-se com as difíceis condições de abordagem da vertente sul, por estar sujeita, em algumas épocas do ano, aos perigosos ventos do Sul, do Leste e do Oeste. A vertente norte apresentava espaços abrigados do embate do mar e da influência dos ventos, sendo mais propícia às abordagens. Face a esta situação, houve sugestões no sentido de transferir o principal porto para a encosta norte. O conde Canavial avançou com o projeto de um porto em Porto Moniz, fazendo a ligação ao Funchal por cabo aéreo (em 1928, foi criada uma comissão para estudar esta proposta, de que se desconhecem os resultados). As reivindicações dos madeirenses, no decurso dos sécs. XIX e XX, insistiram na situação anteriormente descrita, de modo a fazer sentir às autoridades a necessidade de avançar com uma solução para o porto do Funchal. João de Ornellas, reportando-se à luta entre a Madeira e as Canárias pelo domínio da navegação atlântica, diz que o vapor Sakarah, da companhia Cosmos de Hamburgo, fizera experiências de atracagem na Madeira, nas Canárias e em Cabo Verde, de modo a definir o porto de escala, recaindo a escolha em Tenerife, “porque não tem o nosso porto condições de segurança para as embarcações, nem sequer se torna fácil a comunicação com a terra”. E remata: “O porto do Funchal é de levante, arriscado. Em vez de segurança encontram os navios na estação invernosa perigos certos, naufrágios, perdas de vida e de fazenda”. Na mesma linha se insere o discurso de Manuel José Vieira à Câmara dos Deputados, a 7 de maio de 1883, em resposta ao ministro das Obras Públicas: “Em construções marítimas, portos de mar, cais ou docas o nosso estado é o mais miserável que pode imaginar-se. […] O Funchal tem apenas um surgidouro duma costa pouco desenvolvida e aberta, em grande parte inacessível, exposta a todos os ventos do Sul, Leste e Oeste, e a tudo isso acresce não ter ela um lugar onde se possa saltar, não digo já comodamente, mas sem perigo de pessoa e de fazenda” (VIEIRA, 1884, 24). Ninguém consegue entender os constantes adiamentos da obra do porto do Funchal; segundo Adolpho Loureiro, “tudo está ainda por fazer. E, contudo, parece poder afirmar-se que os encargos destas obras serão largamente remunerados, tanto pecuniariamente, como em abono do bom nome da formosa Ilha e da comunidade dos seus visitantes” (LOUREIRO, 1910, 112). A necessidade de realizar obras na baía, no sentido de dotar o porto de um molhe de proteção e de um cais de acostagem, foi sentida desde o início do assentamento dos primeiros povoadores na encosta do Funchal, e sobretudo a partir de 1750. No entanto, durante muito tempo, a aspiração de um embarque e de um desembarque em total segurança e com comodidade não passou de um sonho que os meios técnicos disponíveis não permitiram concretizar. Designadamente durante o período áureo do comércio do açúcar, nos sécs. XV e XVI, esta deveria ser uma grande necessidade, tendo em conta os especiais cuidados a ser tidos com o produto para que não se molhasse no processo de transbordo ou de embarque (o mesmo não acontecia com o vinho, pois bastava rolar as pipas no calhau e conduzi-las a nado até às embarcações). Durante algum tempo, a existência de um porto não pareceu tão imprescindível. Entretanto, o fenómeno turístico, acompanhado do incómodo de içar os visitantes em cadeirinhas, trasladando-os dos veleiros para os barcos de transbordo, levou a que se voltasse a insistir na necessidade de um cais e de um molhe de abrigo para os momentos de tempestade. De facto, a passagem cada vez mais frequente de personalidades pela Madeira e o volume de passageiros em trânsito na Ilha, ou tendo-a como destino, obrigavam a repensar a forma tradicional de desembarque. Daí advieram a construção do molhe e da escada da Pontinha, na segunda metade do séc. XVIII (ficando para épocas posteriores a aposta no fornecimento de maiores comodidades e a adequação do porto às necessidades da navegação atlântica, nomeadamente com o uso regular da máquina a vapor, na segunda metade de Oitocentos). Só em 1755 se procedeu aos primeiros estudos em ordem à realização de obras na baía do Funchal, ficando assente a necessidade de estabelecer um molhe acostável até ao ilhéu onde estava implantado o forte de N.ª Sr.ª da Conceição. De acordo com a proposta do Sarg.-mor Ayres Telles de Menezes e Alencastre, a obra seria custeada pelos dinheiros usados para a fortificação da Ilha, pela taxa de ancoragem das embarcações, pelas comparticipações em dinheiro e pelas dádivas de trabalho braçal direto do povo. Do plano estabelecido, apenas foi concretizada, entre 1757 e 1762, a ligação ao ilhéu onde estava o forte de São José, de acordo com um projeto do Eng.º Francisco Tossi Columbina.   No ano de 1757, um temporal danificou esta estrutura, tornando-se imperioso realizar novas obras, para as quais só se obteve autorização em 1782, altura em que se teria estabelecido a ligação à Alfândega por meio de um caminho e de uma ponte na ribeira de São João. Esta informação, unanimemente veiculada, é todavia controversa: se dermos atenção a algumas imagens de princípios do séc. XVIII, veremos que a ligação entre o ilhéu e a terra – que, na maré baixa, se podia fazer a pé enxuto – já existia. Paulatinamente, este espaço da Pontinha tornou-se no ancoradouro principal do porto, tornando-se imprescindível assegurar as ligações até à Alfândega, pelo que a Coroa ordenou, em 1782, a construção de um caminho, concluído só em 1895; mas a finalização do molhe até ao ilhéu atrasou significativamente a sua construção. No contexto da evolução dos transportes marítimos, os madeirenses solicitavam remodelações portuárias, sobretudo quando confrontados com as obras dos portos das Canárias ou com a tomada de medidas por parte do Ministério das Obras Públicas, desde 1860, em ordem ao arranque das obras dos portos de Ponta Delgada e da Horta, já que a Madeira apenas tinha uma comissão nomeada ad hoc para proceder ao estudo do problema. Foi apresentada uma proposta que aliava a junção dos dois ilhéus (o da Pontinha e o ilhéu propriamente dito) a um prolongamento de 400 m. Quanto à construção, apostava-se numa concessão do direito de exploração por 99 anos, aliada a 20 anos dos direitos cobrados. Todavia, só em 1884 os madeirenses ganham alguma confiança, ao ver que o Governo destinara, para o ano económico de 1884-1885, uma verba de 30.000$000 réis para as obras do porto do Funchal. A intervenção do Estado começara a fazer-se sentir em 1879, ano em que uma portaria de 17 de setembro determinava a realização de um estudo para a construção do cais, de que foi encarregado Henrique de Lima e Cunha. O projeto, aprovado pelo Conselho Superior de Obras Públicas e Minas a 17 de junho de 1881, só foi retomado em 1886, tendo as obras começado em 1889. A cidade ficou servida de um cais para desembarque de passageiros somente a 27 de abril de 1892, o qual foi ampliado para 80 m em 1932. Este cais terá sido o fator determinante no desenvolvimento de uma rede costeira de navegação, juntamente com a construção, pela Junta Geral, de cais acostáveis na Ponta do Sol (1850), em Santa Cruz (1845, 1875, 1909), no ilhéu de Fora (1870), em Lazareto (1874), em Machico (1874, 1905), no Faial (1903, 1905), no Porto Santo (1902), em Câmara de Lobos (1876, 1903), no ilhéu de Cima (1902), em Porto da Cruz (1903), na Ponta Gorda, em São Jorge (1904), em Porto Novo (1905, 1908), na Baía de Abra (1905), na Ribeira Brava (1904-1908), no Campanário (1908), na Ponta da Oliveira e no Caniço (1909), em Ponta da Cruz e em São Jorge (1910), no Porto Moniz e no Seixal (1916). O litoral oeste da baía do Funchal foi sendo cada vez mais valorizado, pois permitia o fechamento do espaço, ao ligar os dois ilhéus à terra. Todavia, o molhe tinha começado por ser uma ligação da terra somente ao ilhéu da Pontinha. Tornava-se também necessário construir a estrada de ligação à Alfândega, o que ocorreu entre 1872 e 1895 e que ascendeu ao montante de 133.744$215 réis. Os barcos a vapor obrigaram os portos atlânticos a adaptar-se às novas exigências, caso quisessem continuar a manter ativo o movimento de embarcações. Até então, o Funchal levava vantagem sobre os demais portos, tanto pela disponibilidade como pela qualidade dos seus produtos (o açúcar, o vinho); perdia-a, agora, por falta de condições e pela imposição de dispendiosos tributos. A resposta ao problema estava na construção de um porto artificial e na desoneração dos tributos, com a criação do porto franco. As autoridades competentes demoraram a entender a necessidade de reformulação da sua política portuária neste aspeto, acabando por ceder algumas vantagens a portos concorrentes como os das Canárias. Aí rapidamente se avançou com a construção de infraestruturas portuárias e a criação de melhores condições fiscais ao movimento de embarcações e mercadorias. Em 1852, surgiu o porto franco e, em 1884, o primitivo varadouro de Santelmo de 1811 foi substituído pela primeira fase do molhe de La Luz. A partir do séc. XVIII, a Pontinha tornou-se num espaço privilegiado da cidade. Ali se acorria em romaria para ver o mar, nomeadamente para observar o efeito das ondas alterosas (foi este espetáculo que presenciou Isabella de França, em 1853). Para além disso, a Pontinha era o local em que as mulheres se dedicavam à pesca nas tardes do mês de julho. Muitos estrangeiros aplaudiram o novo jardim na Est. da Pontinha, à Pç. da Rainha, que funcionava como um autêntico cartão de visita da cidade. O primeiro projeto relativo a um cais no porto do Funchal foi materializado no ilhéu de São José em meados do séc. XVIII. O cônsul francês fala da construção de um cais em 1750; em 1755, iniciam-se os trabalhos de ligação do litoral ao ilhéu. Em 1766, constrói-se uma escada de madeira para o desembarque, que ainda existia em 1817, mas que teve pouca utilidade, uma vez que a Câmara teve que mandar construir outra por ocasião do desembarque da princesa Carolina Leopoldina da Áustria. A dificuldade de comunicação entre este local da Pontinha e o centro da cidade devia-se à falta de uma estrada que cobrisse a distância que os separava, urgindo encontrar outro local para o cais. Acabou por se construir a chamada estrada da Pontinha, cuja utilização não era permanente. Assim, o molhe da Pontinha seria utilizado só na impossibilidade de sê-lo o cais do Funchal. De facto, fala-se, desde 1823, da necessidade de um novo cais para a cidade, a construir na área próxima da fortaleza de Santiago ou na praça da Rainha. Com este propósito, o Brig. António Raposo faz alguns estudos na zona baixa da praia de Santiago; a conceção do projeto é de Paulo Dias de Almeida, tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros. No entanto, porque o mar destruiu o trabalho realizado, a Câmara do Funchal decidiu, a 22 de abril de 1843, avançar com a obra noutro local, próximo da fortaleza de S. Lourenço. As obras do cais foram então projetadas pelo Ten.-Cor. Manuel José Júlio Guerra (que, em 1847, com a insurreição da Maria da Fonte na Madeira, assumiu a chefia da Junta); com o fim da revolta, teria de regressar ao continente e as obras ficariam por acabar. Já em 1846 o mar tinha voltado a destruir parte significativa do trabalho realizado, pelo que se gastaram 5220$248 réis sem qualquer proveito – deste primitivo cais fala-nos Isabella de França, referindo que dele apenas existiam alguns vestígios e que o processo de desembarque havia retornado ao sistema antigo (na praia ou, então, pelo cais do ilhéu da Pontinha). O movimento de passageiros, nomeadamente de personalidades ilustres da aristocracia europeia, não se compadecia das condições do porto do Funchal, sendo o Gov. José Silvestre Ribeiro obrigado a improvisar um cais de passageiros na Pontinha para acolher a Rainha de Inglaterra e o príncipe Alexandre dos Países Baixos, sendo esse o único ponto de embarque e desembarque existente na cidade do Funchal e em toda a costa da Ilha. Este foi o primeiro cais de desembarque da Ilha e é também considerado o primeiro de Portugal (em 1850, o cais ficou mais seguro, ao ser talhado na rocha). Foi nele que, em 1852, o Gov. civil José Silvestre Ribeiro acolheu a Imperatriz do Brasil D. M.ª Amélia e a sua filha doente. Sabe-se que, em 1867, se projetavam um novo cais na Pontinha e a ligação por estrada à Alfândega, avaliados em 48.623$360 réis; o orçamento da Junta Geral para o ano económico de 1875-1876 previa uma despesa de 3080$00 com o referido cais. Por portaria do Governo de 17 de setembro de 1879, encarregou-se o oficial de artilharia Henrique de Lima e Cunha de preparar um novo projeto de cais e molhe para a Pontinha, bem como a estrada de ligação entre o porto e a Alfândega, com o custo total de 142.000$00 réis. O projeto foi apresentado em 1881, mas só em 1886 se avançaram com as alterações ao projeto inicial pelo Eng.º José Bernardo Lopes de Andrade (pelo que a receção a Capelo e Ivens, em 1885, não seria feita nas melhores condições se a Câmara não tivesse improvisado um cais de madeira); a obra não chegaria a ser adjudicada, por falta de licitantes. Em 1888, o Eng.º Lima e Cunha apresentou um novo projeto que, depois de posto a concurso, foi adjudicado a 18 de janeiro de 1889 aos engenheiros franceses Combemale, Michelon e Maurie pelo valor de 87.000$000 réis. A obra realizada encontrava-se, em 1891, em estado de ruína, pois o muro fora desmoronado pelo temporal de fevereiro de 1890, acabando por ser completamente destruída por um segundo temporal, em 28 de fevereiro de 1892, sendo necessário novo projeto, desta vez do Eng.º João Henrique von Hage. A obra iniciou-se em 1895 e custou 15.044$000 réis. Ficava, assim, concluída a segunda fase do porto de abrigo do Funchal, tendo sido as obras terminadas pelo engenheiro suíço René Masset, com o custo total de 539.759$815 réis. Contudo, em 1909 o molhe encontrava-se em mau estado, sendo urgente proceder a novas reparações. O cais da Pontinha continuou a ser usado no desembarque, quando as condições do mar não propiciassem o uso do cais localizado defronte da cidade. Não obstante ter sido sempre considerado um cais muito mau, foi aqui que desembarcaram ilustres personalidades, como a Imperatriz Zita, em 1921, Gago Coutinho e Sacadura Cabral e o Presidente da República António José de Almeida, em 1922, para além das anteriormente referidas. Já a 27 de abril de 1892 o Funchal ficara finalmente servido de um cais, cifrando-se a despesa total da obra em 92.005$515 réis. Este cais tornou-se rapidamente na “porta de entrada” da cidade, no local onde se acolhiam, à sua chegada, as grandes personalidades (por aqui passou, designadamente, o Rei D. Carlos em 1901). Várias vozes – de visitantes e mesmo das próprias autoridades locais – testemunham a situação de falta de atenção prestada à Madeira no domínio das obras públicas. Em 1939, o Gov. José Nosolini, num relatório sobre a situação da Ilha enviado ao ministro do Interior, dava conta do abandono a que a Madeira estava sujeita; assim, constatava que, até dezembro de 1936, o Estado gastara 943.369 contos em estradas no continente e, na Madeira, nada. O dec. 28.592, de 14 de abril de 1938, estabelecera um plano de construção de estradas até 1949, no valor 44.000 contos, de acordo com o qual o Estado assumiria 75 % do financiamento. O governador apontava o dedo ao Estado, acusando-o de favorecer outras regiões em detrimento da Madeira, e dava o exemplo dos portos: o Estado apoiara, através de empréstimos, as obras dos portos de Viana do Castelo, de Aveiro, de Setúbal, do Douro e de Leixões, enquanto todas as obras realizadas no porto do Funchal haviam sido custeadas pela Junta. Em meados do séc. XX, estava muito por fazer quanto à rede viária e eram necessários investimentos para que a Ilha se desenvolvesse neste aspeto. O incremento do plano viário da Ilha foi um processo muito moroso, dificultado pela orografia, sendo que as estradas foram construídas com elevadas despesas para a Junta Geral. De facto, a Junta dispunha, desde 1928, da receita dos impostos sobre as transações e sobre a aplicação de capitais, consignada à construção e à reforma de estradas. Em 1938, foi definido um plano de construção de estradas pelo período de 11 anos, com o custo de 44.000 contos, competindo ao Governo o financiamento de 75 % e o restante à Junta, para o que a Junta solicitou um empréstimo no valor de 3750 contos; esta proporção manteve-se em 1967, ano em que a participação do Estado foi de 33.750 contos e a da Junta Geral de 11.250 contos. É de referir o papel de Abel Rodrigues da Silva Vieira (1898-1972), responsável pelo departamento de obras públicas da Junta Geral, na definição deste plano viário do Estado Novo. Ao longo deste século, tudo o que se relacionava com a expansão da rede viária foi sendo motivo ora de reivindicação, ora de comemoração. A construção das estradas (com a definição do seu traçado sinuoso), das pontes e de alguns túneis (poucos) implicou um redobrado esforço da engenharia e da capacidade humana, assim como um dispêndio avultado de verbas. No final do séc. XX, a tecnologia alivia o esforço humano e possibilita a substituição da terraplanagem por viadutos, pontes e túneis; deste modo, encurtam-se os trajetos, que anteriormente se faziam pelo rendilhado das encostas, e permite-se uma circulação mais rápida e mais eficaz, o que resulta na aproximação dos diversos núcleos populacionais; como consequência, o recurso às vias terrestres ultrapassa o recurso às vias marítimas. A rede viária na déc. de 30 era já bastante razoável e tornava-se motivo de elogios, contrastando notoriamente com a realidade da centúria anterior. Alguns visitantes reconhecem o labor da Junta Geral: “vamos olhando as terras da Junta Geral e vendo o cuidado com que são tratadas as estradas madeirenses, limpas, calcetadas, sem poeira, debruadas por flores tenras que dentro de anos as emoldurarão ricamente” (MONTÊS, 1938, 190). E dizem ainda: “preparámo-nos para desembarcar no Funchal, capital dum arquipélago feliz, que tem esplêndidas estradas, sem poeira, construídas em terreno dificílimo, que são frequentemente verdadeiras obras de arte […] com a eletrificação rural mais adiantada do país, […] além de possuir já um ótimo porto de mar, com o abastecimento dos combustíveis líquidos à navegação e uma rede hoteleira das mais modernas e confortáveis. Finalmente tem em Porto Santo um aeródromo de categoria internacional, e vai dispor, dentro em breve, na própria ilha da Madeira, da pista de Santa Catarina. Por todos estes melhoramentos, que a administração nacional realizou e por todas aquelas excelências que Deus Nosso Senhor lhe deu, a ilha da Madeira poderia considerar-se entre as mais felizes das suas congéneres” (COUTINHO, 1962, 183). Esta obra de engenharia, que demorou a ganhar expressão em toda a Ilha, não se fez à custa dos apoios do Governo central, que eram insuficientes, mas resultou antes da integração de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, no seio da qual foi estabelecida, de forma definitiva, uma situação particular para a política de desenvolvimento local, a qual contemplaria elevados investimentos nas redes viária, portuária e aeroportuária. A Comissão Administrativa da Junta Geral, presidida por João Figueira de Freitas, apostou no desenvolvimento da rede de estradas da Madeira. Para isso, solicitou ao Governo Nacional autorização para contrair um empréstimo de 15.000 contos. Em janeiro de 1931, para atenuar a grave crise de trabalho por que passava a Madeira, pediu ao presidente do Ministério e aos três ministros do Interior, do Comércio e das Finanças que aprovassem de imediato a adjudicação da empreitada das obras do cais do Funchal. A estas, seguiram-se outras obras. O Governo enviou à Madeira uma comissão técnica que estudou e estabeleceu um plano para a construção das novas estradas e para a conclusão de outras, concedendo à Junta Geral um empréstimo de 33.000 contos; esta colocou, dos seus cofres, mais 11.000 contos, perfazendo, assim, 44.000 contos, com que concluiu as ditas estradas. Em 14 de abril de 1938, é publicado o decreto-lei n.º 28.592, que estabelecia o novo plano complementar da rede de estradas da Madeira, o qual previa o período de 10 anos para conclusão das obras. No plano das construções, o Governo deu seguimento à realização do plano complementar da rede de estradas da Madeira, para o que foi necessário o montante de 78.000 contos, assumindo o Estado 75 % e a Junta Geral 25 % do valor total. Em 1955, a Junta conseguiu do Governo um reforço desse plano, com uma verba de 50.000 contos. Foi sob a alçada do Governo que se construíram as estradas Ribeira da Janela-Seixal e Boaventura-Arco de S. Jorge (com o respetivo túnel, denominado túnel Eng.º Duarte Pacheco), a ponte da Ribeira da Janela, e as estradas de acesso ao Curral das Freiras e ao Pico do Areeiro. No séc. XXI, a Madeira apresenta-se diferente: graças aos meios financeiros propiciados pela União Europeia, abriram-se estradas e vias rápidas, acabando-se com as barreiras orográficas, aparentemente inultrapassáveis. Além disso, a construção de portos, cais e embarcadouros, iniciada em épocas anteriores, acabou por garantir condições de circulação de pessoas e produtos, mecanismo eficaz de animação da agricultura e do mercado, estimulado pela existência de condições de apoio à navegação livre de taxas tributárias no porto do Funchal.   Alberto Vieira Emanuel Janes (atualizado a 05.01.2017)

História Económica e Social

ferraz, joão higino

Filho de João Higino Ferraz e neto de Severiano Alberto Ferraz, foi um destacado técnico e cientista do engenho Hinton entre 1888 a 1946, tendo sido o responsável por muitas das inovações introduzidas nos processos de produção de açúcar e de vinho. Palavras-chave: açúcar; vinho; engenhos; Hinton. Nascido no Funchal em 1863, é filho de João Higino Ferraz e neto de Severiano Alberto Ferraz (1792-1856), o primeiro a construir um engenho a vapor na ilha da Madeira, em 1856. Terá também sido o seu avô quem estabeleceu, entre 1848 e 1856, uma fábrica da família na Ponte Nova, onde João Higino começou a trabalhar e cuja direção assume em 1882. Era um jovem de 18 anos que se tornava responsável pela fábrica e que se manteve no cargo de direção até 1886, altura em que a família foi forçada a vender o edifício e os equipamentos em praça pública. Liquidada a fábrica, esteve dois anos sem emprego até que, em 1888, arrendou, em sociedade com o tio, João César de Carvalho, a fábrica de destilação da Ponte Deão, de Severiano Cristóvão de Sousa. No ano imediato, entrou para a fábrica do Torreão, da firma William Hinton & Sons, como técnico de fabrico de açúcar e álcool, assumindo a gerência industrial e técnica. Num manuscrito lavrado pela mão do próprio, João Higino Ferraz diz que, em 1900, assinou contrato com a fábrica do amigo Harry Hinton, a que ficou vinculado até à morte, em 1946. Todavia, e de acordo com o primeiro copiador de cartas, sabemos que estava ao serviço da firma desde 18 de outubro de 1898, como se pode confirmar pela carta enviada ao amigo e patrão Harry Hinton, solicitando a sua presença no engenho em construção para poder decidir sobre a forma de disposição das máquinas. No sentido de dar continuidade ao processo de modernização da fábrica do Torreão, esteve de visita aos complexos industriais franceses que laboravam a beterraba para o fabrico de açúcar. A visita foi proveitosa, refletindo-se nas modernizações do sistema do engenho de Hinton. Esta experiência terá sido importante para a saída que fez, em 1930, a Ponta Delgada (São Miguel), para dar alguns ensinamentos sobre o processo de fabrico de açúcar, nomeadamente a fermentação do melaço. Em julho de 1927, embarcou para o Lobito com Charles Henry Marsden (1872-1938), um engenheiro natural de Essex responsável pela modernização do engenho da casa Hinton, para montar uma estrutura mais moderna no engenho Cassequel, propriedade da casa Hinton. Aí permaneceu 103 dias, regressando ao Funchal a 13 de dezembro de 1928. O diário da saída, compilado numa agenda, documenta o processo de montagem da fábrica e as dificuldades de adaptação das peças ao conjunto da estrutura. Em 1945, lamentava-se: “sou pois técnico em fabricar açúcar e álcool, desde 1884 a 1945 = 61 anos. Não tenho direito a ter o título de técnico de fabricar açúcar e álcool oficialmente em Portugal? […] Desejava pois obter o título oficial de técnico de fabricar açúcar e álcool ou como técnico prático de fabricar açúcar e álcool” (FERRAZ, 2005b, 44). Mas acabou por morrer sem que fosse reconhecido o seu gigantesco trabalho como técnico, tendo sido a principal alma da permanente atualização tecnológica e química da fábrica do Hinton, que foi na época uma das mais avançadas tecnologicamente. A ideia está presente também no testemunho do próprio: “Nestes longos (60) anos assisti a variados sistemas de fabrico, desde quase do início de maneiras antigas no fabrico do açúcar de cana, destilação, etc., etc., acompanhando sempre os progressos nestas indústrias até hoje, principalmente desde 1900 a 1944, na fábrica do Torreão, onde pusemos em trabalho consecutivamente os sistemas os mais aperfeiçoados e mais modernos no fabrico de açúcar e álcool” (Id., 2005a, 39). Na correspondência com Harry Hinton, transparece uma perfeita sintonia entre os dois, que favoreceu o processo de permanente atualização tecnológica e química; partilhavam a mesma paixão pela indústria e desenvolvimento do engenho do Torreão. João Higino Ferraz não receia manifestar, diversas vezes, a amizade que o prende ao patrão. Em 1917, confessa: “Harry Hinton é um dos meus melhores amigos”. Passados 10 anos, confessa que a viagem a África sucedeu apenas “para ser agradável ao senhor Hinton a quem devo amizade e reconhecimento” (Id., Ibid., 40). João Higino Ferraz era o superintendente, mas acima de tudo um cientista que procurava aperfeiçoar os conhecimentos de química e tecnologia, através do confronto entre a literatura estrangeira e a sua capacidade inventiva. Manteve-se, assim, atualizado através da leitura de publicações, fundamentalmente francesas. Nos estudos, manifesta-se um cientista arguto que não detém a atenção apenas na cana sacarina, pois estuda e opina sobre o uso de outros produtos no fabrico de açúcar e álcool, como é o caso da batata e da aguardente.   Se confrontarmos a literatura científica mais significativa dessa altura, de finais do séc. XIX até à Segunda Guerra Mundial, verificamos que os conhecimentos e as técnicas mobilizados no engenho de Hinton são permanentemente atualizados e que se pautam por padrões de qualidade, integrando informações sobre os métodos mais avançados, como os estudos dos engenheiros químicos e industriais que marcaram o processo tecnológico do momento. Aliás, mantém contacto com inúmeras associações científicas europeias, como era o caso da Association des Chimistes de Sucrerie et de Distillerie. Na correspondência, surgem assiduamente nomes de cientistas europeus, como Barbet e Naudet. É de João Higino Ferraz o invento de um aparelho de difusão cujos direitos cedeu, em 19 de novembro de 1898, à firma William Hinton & Sons. Naquilo que resta da sua biblioteca, encontra-se um conjunto valioso de tratados de química e tecnologia relacionados com o açúcar. Sob a sua orientação, foram feitas várias experiências e adaptações dos sistemas tecnológicos importados. Em 1929, em carta ao amigo Avelino Cabral, que estava no Lobito, refere: “Como tenho tido tempo estou em estudos e experiências com o fermento Possehl’s no laboratório, e tenho obtido coisas bastante curiosas nas culturas feitas”. Ainda em carta ao mesmo refere a utilidade das inovações e experiências: “para que a parte comercial de uma indústria dê o resultado, é necessário ver também a parte industrial ou técnica” (Id., Ibid.). Apenas em 1922 temos informação de quanto auferia João Higino Ferraz pelos serviços prestados à fábrica Hinton. Para o novo contrato a celebrar reclamava 63 libras mensais, sendo o câmbio realizado mensalmente, ficando “com pulso livre para fazer e dirigir as minhas pequenas indústrias fora de açúcar, álcool e aguardente, não prejudicando por estes meus trabalhos a direcção técnica da fábrica de açúcar e álcool do Torreão” (Id., Ibid.). João Higino Ferraz fica para a história como um dos principais obreiros da modernização do engenho do Hinton ocorrida na primeira metade do séc. XX. Enquanto esteve à frente dos destinos da fábrica, de 1898 a 1946, foi imparável na sua adequação aos novos processos e inventos que iam sendo divulgados, não se coibindo mesmo de fazer algumas experiências com o equipamento e os produtos químicos. Opina sobre agronomia, bem como sobre mecânica e química, mantendo-se sempre atualizado sobre as inovações e experiências na Europa, nomeadamente em França. Da sua lista de contactos e conhecimentos fazem parte personalidades destacadas do mundo da química e da mecânica. Assim, para além dos contactos assíduos com Naudet, refere-nos com frequência os estudos de Maxime Buisson, M. E. Barbet, M. Saillard, F. Dobler, M. D. Sidersky, Luiz de Castilho, M. H. Bochet, M. Effort e M. Gaulet. À frente do engenho, a sintonia e empenho de Ferraz e Hinton fizeram com que a Ilha apresentasse, entre finais da centúria de oitocentos e inícios da seguinte, uma posição destacada no sector, atraindo as atenções a nível mundial. O Hinton acolhe especialistas de todo o mundo, na condição de visitantes ou como contratados para a execução dos trabalhos especializados. O Eng.º Charles Henry Marsden foi um deles, tendo aí trabalhado entre 1902 e 1937, altura em que saiu doente para Londres, onde faleceu no ano seguinte. A sua presença está documentada pelo menos em 1918, 1929 e 1931. Destaca-se também o Eng.º químico agrícola Maxime Buisson, que, em 1902, trabalhava no laboratório. Para o fabrico de açúcar, contratavam-se os afamados cuiseurs em França, de forma a seguir-se à risca as orientações de Naudet. O empenho de João Higino Ferraz não ficou por aqui, pois apostou também no processo de vinificação, âmbito no qual protagonizou algumas inovações que marcaram as primeiras décadas do séc. XX. A documentação disponível refere o seu empenho no processo de fabrico de vinho, aguardentes e outras bebidas, como a cidra, a cerveja e o vinho espumoso. A partir de 1905, J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedeu com o fabrico do açúcar, manteve-se permanente atualizado sobre a tecnologia francesa de fabrico de todo o tipo de bebidas fermentadas e destiladas. São frequentes as referências a equipamentos franceses, bem como a um conjunto de títulos sobre o tema, de que era possuidor de alguns exemplares. Na déc. de 20, construiu uma vinharia onde foi possível montar o aparelho de evaporação Barbet e um moderno sistema de refrigeração. Ao nível da destilaria, devemos assinalar a sua presença em Almeirim, em 1916, para montar um aparelho francês. As experiências levaram-no a produzir cidra, cerveja e malte, e, com vinho branco, xarope de uva, vinho de mesa e espumoso – que chamava de “fantasia” para não se confundir com o francês –, vinagre, vinho cidre maltine, licores finos, anis escarchado e genebra, que vendia localmente e exportava para alguns mercados como a Alemanha. Por outro lado, tentou imitar os vinhos franceses, o sauterre e o champagne. Da sua lista de experiências, constam ainda as que fez para o fabrico de geleia de pêro, marmelada de bagaço de pero e fermento puro de uva para uso medicinal. Ferraz apostou, pois, no aperfeiçoamento do processo de vinificação, sendo a sua vinharia um exemplo disso. Neste contexto, fez diversas demonstrações sobre o uso dos processos Barbet e Sémichon, sendo defensor da necessidade da compra da uva ao agricultor, medida que contribuía para um maior aproveitamento das massas vínicas e para um maior cuidado no acompanhamento do processo de vinificação que defendia. Numa época em que o vinho jaquet, casta americana, dominava a produção, fez ensaios para o seu uso com o vinho Madeira e com o vinho de mesa para consumo local. Além disso, apresentou um vinho de mesa ligeiramente gasoso, pelo processo de M. Mercey, que, no seu entender, deveria competir com a cerveja. Sucede que, nas experiências de 1914, o vinho posto à venda não teve grande aceitação, porque as garrafas haviam perdido parte do gás carbono por causa da má qualidade da rolha. Mesmo assim, retoma essas experiências em 1927. J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedeu com o conde de Canavial, bateu-se por mudanças radicais no processo de fabrico do vinho, apelando ao abandono das técnicas tradicionais a favor das vantagens das descobertas entretanto ocorridas na centúria de oitocentos no processo de vinificação, com os sistemas Barbet e Sémichon. Todas as experiências e ensaios eram sempre fundamentados com estudos científicos de carácter químico, nomeadamente franceses, e com a apresentação de equipamentos, maioritariamente com origem na tecnologia açucareira, que o mesmo adaptava, pelas suas próprias mãos, ao fabrico do vinho. A tudo juntava estudos minuciosos de viabilidade económica do novo produto, no sentido de convencer a Casa Hinton ou outros parceiros, mas o gosto madeirense não se mostrou favorável à novidade. Os conhecimentos adquiridos com o fabrico de açúcar no engenho do Hinton foram fundamentais para estes ensaios, mas o sucesso da iniciativa não foi coroado de êxito, pelo que acabará por abandonar esta atividade em 1942. O arquivo do engenho do Hinton é, por força das circunstâncias atrás descritas, fundamental para o conhecimento da história contemporânea da agricultura madeirense. Todavia, a forma conturbada como sucedeu o processo de desmantelamento da estrutura para a construção de um jardim público conduziu a que toda esta memória desaparecesse. Felizmente, tivemos a possibilidade de encontrar alguns testemunhos avulsos no arquivo particular de João Higino Ferraz. A documentação disponível, copiadores de cartas, livros de notas e apontamentos, constitui um acervo raro na história da técnica e da indústria. Não se conhecem casos idênticos de livros de apontamentos em que o técnico documenta, quase minuto a minuto, o que sucede na fábrica, desde os percalços do quotidiano às questões técnicas e laboratoriais. Para além disso, se tivermos em conta que a mesma documentação abrange um período nevrálgico da história de indústria açucareira, marcada por permanentes inovações no domínio da metalomecânica e da química, compreendemos claramente a importância deste tipo de espólio, que mais se valoriza pelo facto de ser, até aos começos do séc. XXI, o único divulgado e conhecido. O conjunto de nove livros referentes às cartas abarca um período crucial da vida do engenho do Hinton (1898-1937), marcado por profundas alterações na estrutura industrial, por força das inovações que iam acontecendo. A partir deste acervo de cartas, é possível conhecer tudo isso, mas também deduzir algo mais sobre o funcionamento desta estrutura. Ao mesmo tempo, ficamos a saber que João Higino Ferraz era, em Portugal, uma autoridade na matéria, prestando informações a todos os que pretendessem montar uma infraestrutura semelhante. Assim, em 1928, acompanhou a montagem do engenho Cassequel, no Lobito, onde a família Hinton tinha interesses, e esteve, em junho de 1930, em Ponta Delgada, nos Açores, a ensinar a fermentar melaço de açúcar de beterraba, na Fábrica de Santa Clara. Harry Hinton surge, em quase toda a documentação, como um interveniente ativo no processo, conhecedor das inovações tecnológicas e preocupado com o funcionamento diário do engenho, nomeadamente com a sua rentabilidade. J. H. Ferraz informava-o, de forma quase diária, de tudo o que se passava. A proximidade do Funchal aos grandes centros de decisão e inovação tecnológica da produção de açúcar a partir de beterraba, na França e Alemanha, associados aos contactos de H. Hinton e ao seu espírito empreendedor fizeram com que a Madeira estivesse na primeira linha da utilização da nova tecnologia. Em 1911, documentam-se diversas experiências com equipamento. Além disso, funcionava como espaço de adaptação da tecnologia de fabrico de açúcar a partir da beterraba para a cana sacarina. Daí as diversas deslocações de J. H. Ferraz a França (1904 e 1909) e os permanentes contactos com alguns estudiosos e fábricas. Tenha-se em conta que o mesmo era sócio da Association des Chimistes em França, sendo por isso leitor assíduo do seu Bulletin. Por outro lado, alguns inventores, como Naudet e engenheiros de diversas unidades na América (Brasil e Tucuman), Austrália e África do Sul, estavam em contacto com a realidade madeirense, fazendo, por vezes, deslocações para estudar o caso do engenho madeirense. A erudição de J. H. Ferraz era vasta, dominando toda a informação que surgia sobre aspetos relacionados com o processo industrial e químico do fabrico do açúcar. Para além da leitura do Bulletin de l’Association des Chimistes, temos referências à leitura do Journal de Fabricants de Sucre, e podemos documentar na sua biblioteca a existência de diversas obras da especialidade, muitas delas referenciadas nos livros de notas ou cartas. Aliás, nas cartas que manda a Harry Hinton quando este se encontra no estrangeiro, pede-lhe frequentemente publicações recentes. O corpo documental provém do arquivo privado de João Higino Ferraz e pode ser seccionado em três partes fundamentais: uma primeira constituída por nove copiadores de cartas; uma segunda formada por vários volumes de livros de notas; e, por fim, documentação avulsa. Esta organização do arquivo pessoal de J. Higino Ferraz é, de certa forma, artificial, dado que não foi feita pelo autor; trata-se de uma elaboração arquivística, que decorre da análise do conteúdo e da tipologia dos vários documentos que o compõem. A primeira parte, composta por nove livros onde Higino Ferraz conservou, em cópia, muita da correspondência por si remetida, e não só, cobre o período de 1898 até 1937, com um hiato temporal provavelmente entre finais de 1913 e inícios de 1917, e outro possivelmente de janeiro a outubro de 1919. Julgamos que estas lacunas estariam contempladas em dois volumes autónomos; contudo, se existiram, esses livros não ficaram para a posteridade. A designação “copiador de cartas” foi adotada devido ao facto de os dois primeiros livros, que cobrem o período de 1898 a 1913, terem esse título na capa – não aposto por João Higino Ferraz, mas como denominação da finalidade dos volumes. Entendeu-se por bem atribuir a mesma designação a todos os livros, seguida da referência aos lapsos de tempo que abarcam. Cumpre ainda acrescentar que nem toda a correspondência remetida por João Higino Ferraz está presente nestes livros e que nem toda a documentação neles inserida é composta por epístolas. Ver-se-á que de algumas cartas enviadas, sobretudo as datilografadas, guardou o autor cópia sob a forma avulsa, estando as mesmas – aquelas a que tivemos acesso – transcritas na secção da documentação avulsa. Fizemos preceder cada carta transcrita de uma informação sumária concernente à data, ao destinatário e ao local, quando possível, para permitir uma mais rápida perceção por parte do leitor. Ao longo da transcrição, demo-nos conta de que alguma informação exarada nos copiadores não era, com efeito, composta por epistolografia, mas sim por relatórios, cálculos, estimativas de produção, lucros e despesas, etc. Antepusemos a cada um dos informes deste teor a menção à sua data e ao se destinatário, se conhecido fosse, e uma breve caracterização. Uma segunda secção deste espólio documental transcrito é constituída por anotações e apontamentos vários – inscritos em livros autónomos –, versando sobre produtos, processos, aparelhos e técnicas industriais de produção, bem como sobre a transformação de açúcar, álcool e aguardente; quase todos estes volumes têm título atribuído por João Higino Ferraz, que é respeitado e aceite por nós. Ainda que algo artificial, a denominação dada a este conjunto, “livros de notas”, advém dos próprios títulos atribuídos pelo autor. A última secção é constituída por documentação avulsa, abarcando: documentos epistolares, saídos do punho de Higino Ferraz (particularmente cópias de cartas) ou tendo-o como destinatário (sendo seus autores, por exemplo, Harry Hinton, Marinho de Nóbrega ou Antoine Germain); documentos referentes a aparelhos, processos e técnicas de fabrico e transformação de açúcar, álcool e aguardente (à imagem da informação exarada nos livros de notas); anotações manuscritas que João Higino Ferraz lançou nos forros da capa ou folhas de guarda de alguns livros ou manuais por si usados, que versavam sobre a cultura e produção de cana sacarina e seus derivados; e, ainda, apontamentos autobiográficos. Dividimos esta documentação em duas subsecções: a primeira, composta por todos os documentos que têm por autor Higino Ferraz; a segunda, por todas as fontes que foram produzidas por outros indivíduos. O arquivo privado deste técnico açucareiro, que morre em 1946, permite-nos, pois, ter acesso a informações que ilustram vários aspetos da sua vida pessoal e familiar, nomeadamente as suas condições de vida, relações de amizade e conceções políticas, sociais e económicas. Ao mesmo tempo, esta documentação reveste-se de especial interesse para a história da Madeira da primeira metade do séc. XX, sobretudo no que respeita à história da indústria açucareira nas suas vertentes económica, social e técnica, mas também nos seus meandros e implicações políticas.   Alberto Vieira (aualizado a 06.01.2017)

Física, Química e Engenharia História Económica e Social Personalidades

empresas

Os notários são uma fonte privilegiada para o estudo da história da economia e, de forma especial, das empresas, mas não são a única, embora sejam fundamentais. Este domínio do conhecimento tem dado lugar a múltiplas especializações, surgindo diversos campos de pesquisa que contribuíram para revolucionar a história económica, a partir da déc. de 90 do séc. XX. Desta forma, às abordagens globais, sobrepuseram-se, muitas vezes, as da micro-história, com a valorização da indústria e das empresas através de estudos especializados. A história empresarial mereceu, precisamente na déc. de 90 do séc XX, uma inusitada valorização, mercê da existência de associações especializadas, assim como de publicações periódicas. Ora, esta ambiência fez a disciplina desenvolver-se, com particular ênfase, na América Latina, em especial, na Argentina. Também em França, Inglaterra e Espanha se incrementaram linhas de investigação idênticas. A história das empresas ganhou, assim, um lugar de relevo na história económica, resgatando para o seu âmbito temático questões que estavam apagadas ou renegadas dele. Embora esta realidade empresarial possa ser vislumbrada, nomeadamente através das companhias familiares, em épocas anteriores, é com o processo da Revolução Industrial que estas ganham a sua verdadeira dimensão, sendo assim, também a partir do séc. XIX, que encontramos a sua atenção focalizada. No quadro da história das empresas, para além dos arquivos das próprias empresas, quando existam, os notários podem ser considerados uma fonte essencial para o conhecimento das mesmas, uma vez que todos os proprietários de empresas acorriam ao notário para segurar qualquer ato. O mesmo não podemos dizer da população em geral, uma vez que só se socorriam deste mecanismo aqueles que tinham meios para o fazer e não seriam muitos. Daí as múltiplas fragilidades deste tipo de fontes, quando usadas no estudo da vida material e do quotidiano em geral. Para a Madeira e o espaço atlântico, no período dos sécs. XVII e XVIII, existe um acervo significativo de cartas comerciais que permite, em muitas situações, reconstituir a história e o quotidiano das instituições, nomeadamente daquelas a que falta documentação oficial. Esta situação tem continuidade no séc. XIX, com o sector do vinho. A ausência de documentação oficial permite, em certa medida, reconstituir algumas teias da rede comercial e de negócios atlânticos dessa época, com origem ou não na Madeira. As cartas comerciais servem como instrumentos fundamentais no processo de trocas comerciais. Muitas vezes, o sucesso deste sistema de circulação de produtos depende da forma expedita como as mesmas circulam e chegam ao destinatário. As cartas de João Higino Ferraz, escritas entre 1898 e 1937, tanto envolvem interesses científicos como políticos, no sentido de firmar uma estratégia de crescimento de uma indústria e atividade em torno da produção do açúcar. O conjunto de nove livros referentes às ditas cartas abarca um período crucial da vida do engenho do Hinton (1898-1937), marcado por profundas alterações na estrutura industrial, por força das inovações que iam acontecendo. A partir deste acervo de cartas é possível saber tudo isso, mas também induzir algo mais sobre o funcionamento desta estrutura. Ficamos ainda a saber que João Higino Ferraz era uma autoridade na matéria, em Portugal, prestando informações a todos os que pretendessem montar uma infraestrutura semelhante. Assim, em 1928, acompanhou a montagem do engenho Cassequel, em Lobito, onde a família Hinton tinha interesses e esteve, em junho de 1930, em Ponta Delgada, nos Açores, a ensinar a fermentar melaço de açúcar de beterraba, na Fábrica de Santa Clara. A leitura destas cartas vem revelar e confirmar, mais uma vez, que a Madeira marcou um passo decisivo na história da cana-de-açúcar, entre os sécs. XV e XX, estando na linha da frente das inovações tecnológicas. Nos sécs. XV e XVI, acresce a função de distribuição da cultura e técnica em todo o espaço atlântico. Para finais do séc. XIX e princípios do seguinte, ficaria reservado o papel pioneiro no ensaio de algumas técnicas e sistemas de fabrico de açúcar e aguardente que revolucionaram todo o processo industrial. Para isso, foi importante a ação de João Higino Ferraz que, na qualidade de gerente técnico do engenho do Torreão, conseguiu manter contactos estreitos com os ensaios feitos em França, de que o sistema de Naudet é exemplo. Foi na Ilha que se ensaiaram alguns processos tecnológicos e químicos que, depois, adquiriram um papel de relevo no processo de industrialização do fabrico de açúcar e aguardente. Por outro lado, a permanência desta estrutura industrial dependeu de ativas manobras de bastidores junto dos políticos, em Lisboa e junto da imprensa local, no sentido de conservar esta situação de favorecimento que serviu de respaldo para a manutenção, evolução e adequação do engenho do Hinton. Tudo isto só é possível saber e testemunhar a partir do acervo privado e das cartas trocadas entre João Higino Ferraz e Harry Hinton. No séc. XV, o açúcar abriu a Ilha ao comércio internacional, ganhando os madeirenses consciência das redes comerciais europeias e das suas formas de expansão atlântica. As condições da época e os riscos inerentes ao processo conduziram a uma redistribuição equitativa de capital investido, bem como das perdas e dos lucros desta rede de negócios. Assim, especializaram-se as tarefas e surgiram os tratantes, os transportadores, os seguradores e os societários. Ainda, adaptaram-se a este movimento as estruturas que fundamentavam o comércio mediterrânico-europeu, as sociedades comerciais, os contratos de frete e o sistema de seguros a dar cobertura a essa aspiração de segurança, estabilidade e expansão da burguesia comercial e marítima europeia. A institucionalização destas redes comerciais mediterrânicas foi iniciativa dos mercadores italianos e alemães que chegaram às ilhas atraídos pelo comércio do açúcar, do pastel e da urzela. Muitos destes mercadores, instalados nas praças de Lisboa, Sevilha e Cádis, alargavam a sua ação às principais cidades portuárias insulares: Funchal, Ponta Delgada, Angra, Las Palmas, Santa Cruz (Tenerife) e Garachico. E aí subestabeleciam as tarefas comerciais em familiares ou concidadãos com o estatuto de societários, de agentes ou de procuradores. A forma mais comum de associação e de alargamento desta rede de negócios foi o estabelecimento de companhias ou sociedades comerciais, definidas, de um modo geral, pelo seu carácter familiar, pela eventualidade da sua ação e por uma composição variada de intervenientes. Estas eram habitualmente empresas familiares, servindo-se os seus componentes dos laços de parentesco para assegurar a permanência da sua ação, a solidariedade e comunhão de interesses. Só quando isso se tornava impossível se recorria aos compatrícios avizinhados nas principais praças. Esta última situação surgiu com frequência na Madeira. As companhias familiares tinham, à partida, uma tendência perdurável, de modo geral, enquanto a associação de mercadores tinha um carácter temporário ou eventual. Todas as companhias eram formadas por um período determinado e surgiam frequentemente nas transações comerciais em torno do açúcar, das escápulas ou contingentes de exportação pertencentes à coroa, dos direitos reais e também do arrendamento desses direitos por períodos determinados. O relacionamento dos intervenientes nestas sociedades fazia-se de acordo com o investimento na empresa: capital e trabalho. Quando um dos societários apenas intervinha com o seu trabalho, era designado agente ou feitor. Por vezes, os vínculos que ligavam os elementos do grupo eram de menor dimensão, surgindo assim o procurador que, mediante documento notarial, atuava sobre a fazenda do seu parceiro no mercado local, cobrando, por isso, uma determinada percentagem. A rede de negócios funchalense em torno do trato do açúcar foi criada e incentivada pelos mercadores estrangeiros, alemães ou italianos, que dominaram as principais sociedades intervenientes no comércio açucareiro, não obstante terem morada fixa em Lisboa, Flandres ou Génova, e o seu domínio atingiu não só as sociedades criadas no exterior, com intervenção na Ilha, mas também o grupo de agentes ou feitores e procuradores subestabelecidos no Funchal. A sua escolha era criteriosa: primeiro os familiares, depois os compatrícios enraizados na sociedade e, só no fim, os madeirenses ou nacionais. As principais casas comerciais europeias intervenientes no trato açucareiro madeirense podem ser definidas de acordo com o número de representantes, salientando-se, entre eles, Baptista Morelli, B. Marchioni, Welser, Claaes, Charles Correa, Pero de Ayala e Pero de Mimença. Os Welsers e Claaes intervieram na praça do Funchal por intermédio de agentes estabelecidos em Lisboa, respetivamente, Lucas Rem e Erasmo Esquet que, na Ilha, subestabeleceram, por sua vez, feitores. Assim, os Welsers tinham como interlocutores no Funchal, nos princípios do séc. XVI, João de Augusta, Bono Broxone, Jorge Emdorfor, Jácome Holsbuck, Leo Ravenspurger e Hans Schonid. Os agentes eram um elemento fundamental e ativador de todo o sistema de trocas. Eram eles que executavam as principais tarefas inerentes ao movimento de circulação dos produtos. E, numa sociedade essencialmente agrícola, em que a maioria da população se dedicava quase em exclusivo à faina do aproveitamento da terra e a atividades artesanais subsidiárias, tornava-se difícil o recrutamento desses novos agentes económicos. Os produtores e feitores, na sua condição de interlocutores dos mercados europeus, não se ligavam a uma única sociedade, mas atuavam através de um grupo numeroso de empresas e societários; e estes, por sua vez, não se prendiam apenas a um representante, pois faziam distribuir os seus poderes por um grupo de feitores e procuradores. Na primeira situação, distingue-se Benoco Amatori, que representava B. Marchioni, B. Morelli, Álvaro Pimentel e Jerónimo Sernigi; na segunda, João Francisco Affaitati, que, entre 1500 e 1529, estava representado por Gabriel Affaitati, Luca Antonio, Cristóvão Bocollo, Capella e Caeollani, João Dias, João Gonçalves, Matia Manardi, Mafei Rogell e Lucas Giraldi. Fora do âmbito do trato açucareiro, formaram-se também companhias com objetivos definidos no comércio ou transporte. No sector dos transportes, área onde o risco era maior, existiam também companhias em que intervinham mercadores e mareantes. Assim, em 1597, Rodrigo Fernandes S. de Veloso, mercador, morador no Funchal, contratou com Afonso Antunes, mercador, morador em Cabo Verde, o comércio de chacina. Na mesma data, surgiu uma nova sociedade entre Manuel Vieira Jardim e António Gonçalves d’Araújo, esta para o transporte e venda de trigo da ilha de São Miguel. Ainda nesta data, sabemos da venda de uma caravela que era pertença de uma sociedade composta por António Rodrigues Torzilho, Domingos António e Diogo Gonçalvez, a uma outra, composta pelos mercadores António Lopes de Vila Real e Manuel Gomes e pelo mareante Pero Vaz. Devemos ter em conta que a sociedade insular se definia pelo seu carácter agrário. A agricultura ocupava a quase totalidade da população da Ilha. O sector artesanal aliava-se, muitas vezes, ao agrário, enquanto o sector comercial, embora ligado a essa realidade, mantinha um certo distanciamento. O grupo de agentes dos transportes e do comércio fixou morada no burgo ribeirinho, afirmando-se, nesse meio, como um estrato socioeconómico importante e animador do quotidiano das vilas e cidades. Não obstante, a sua representatividade na população insular era muito reduzida, atingindo na Madeira os 7 %. Era no sector comercial que se afirmava o espírito empresarial. A atividade do campo e das oficinas e ofícios era uma atividade muitas vezes de carácter familiar. O espírito associativo está presente na entidade que, desde 1483, zelava pelos interesses dos ofícios, isto é, a Casa dos Vinte e Quatro, que persistiu até à reforma liberal. O espetro dos ofícios mudou, mas a mudança só se fez notar na reestruturação do sector produtivo após a Segunda Guerra Mundial, que conduziu a uma forma diferente de organização e valorização dos ofícios. As oficinas praticamente desapareceram, dando lugar a indústrias alimentadas por empresas sectoriais onde os ofícios se estruturam de forma diferente. Foi junto das comunidades estrangeiras que mais se fez sentir a organização empresarial. Os Ingleses consolidaram, desde a déc. de 50 do séc. XVII, a sua posição no mercado do vinho madeirense e estabeleceram uma lógica empresarial que tinha como ponto de partida a comunidade de compatriotas. A ocupação inglesa, no início do séc. XIX, foi favorável a uma afirmação das firmas britânicas, com a instalação de John Blandy (1802), Rutherford & Grant (1814). O último associou-se a P. Drury, mas em 1878 dissolveu-se a companhia, ficando Rutherford, Browne, Drury & Co. A partir das listas surgidas nos documentos oficiais, podemos saber da forma de representação das comunidades de comerciantes na praça do Funchal. E de entre estas, deverá notar-se a importância da britânica, que acabou por assumir uma posição de destaque no mercado e nos negócios. Esta situação perdurou, de modo que, no ocaso do séc. XX, A. J. Drexel Biddle testemunha ainda a supremacia inglesa. No sector açucareiro, a forma de exploração empresarial afirmou-se, de maneira evidente, com o retorno da cultura, a partir da déc. de 70 do séc. xix, e com a crise da vinha e do vinho. Este é um sector que se tornou muito competitivo na Ilha e fora dela. Tudo começou em 23 de março de 1879, com a inauguração da Companhia Fabril do Açúcar Madeirense. Era uma fábrica de destilação de aguardente e de fabrico de açúcar na Ribeira de São João. Demarcou-se das demais com o recurso a tecnologia francesa, usufruindo dos inventos patenteados em 1875 pelo visconde de Canavial. Isto foi apenas o princípio de um conflito industrial em que imperou a lei do mais forte. A família Hinton ficou para a história como a autora dessa inovação que acabou por ser comum em vários espaços açucareiros. Em 1902, a fábrica Hinton experimentou um novo sistema em ligação com M. León Naudet, que ficou conhecido como sistema Hinton-Naudet, que consistia em submeter o bagaço a uma circulação forçada num aparelho de difusão, conseguindo-se um ganho de mais 17% e uma maior pureza da garapa, evitando as defecadoras. Esta intervenção pioneira é sublinhada por inúmera bibliografia da especialidade. Todavia, a montagem do novo mecanismo começou apenas em meados de setembro, após a conclusão da safra. Até 1909, o técnico do Hinton manteve correspondência assídua, no sentido de esclarecer pormenores sobre a instalação dos mecanismos. Na sequência disto, João Higino Ferraz deslocou-se a Paris para um novo encontro com Naudet e uma visita às fábricas de açúcar de beterraba. A família Hinton conseguiu singrar na indústria açucareira a muito custo. A conjuntura política conturbada condicionou a sua capacidade de persuasão. A visita do rei D. Carlos à Ilha, em 1901, poderá ter sido um momento crucial. O engenho do Hinton, consolidada a posição dominadora no mercado local, manteve-se como referência da cultura da cana-de-açúcar até que, em 1985, agonizou em definitivo. Durante todo o séc. XX, até àquela data, a fábrica Hinton foi uma referência na cidade e na vida de quase todos os agricultores madeirenses que apostaram na cultura da cana como meio para angariar algum dinheiro. A posição de favorecimento que mereceu, desde a monarquia ao Estado Novo, alimentou inimizades, debates na imprensa e a reprovação de alguns sectores da sociedade. A casa Hinton estabeleceu uma estratégia de domínio da indústria açucareira e do álcool através de uma aposta permanente na inovação tecnológica, capaz de esmagar todos os concorrentes; assim, os estabelecimentos destes, pouco a pouco, foram sendo adquiridos e desmantelados. O séc. XX foi o momento da plena afirmação, até à decadência definitiva do negócio Hinton. Com efeito, de acordo com dados de 1907, o engenho moía cerca de 1/3 da cana da Ilha, ficando o demais para os restantes 47 engenhos. Na altura, empregava 230 trabalhadores, tendo ao serviço 10 geradores a vapor Babcook & Wilcox com a maior potência em uso na Madeira. Apenas o de José Júlio de Lemos se podia aproximar, ficando, ainda assim, a longa distância. A capacidade da fábrica aumentou nos anos seguintes. Harry Hinton, não satisfeito com o aumento da unidade industrial, procurou neutralizar as demais através da compra ou arrendamento. Assim, adquiriu a antiga fábrica de Severiano Ferraz, na Ponte Nova e, de outras, adquiriu os mecanismos mais importantes. No caso da de José Júlio de Lemos, estabeleceu um contrato de arrendamento de 25 contos anuais que perdurou até 1919. A necessidade de afirmação levou-o a apostar na renovação tecnológica do engenho do Torreão, sob a superintendência de João Higino Ferraz. As reformas iniciaram-se em dezembro de 1900, com a montagem de cilindros, peças centrífugas e filtros mecânicos de Mamoury. Para os anos imediatos, reservou-se a montagem das turbinas Weston, dos difusores e da caldeira a vapor. A sociedade que estabeleceu com W. R. Bradsley terá favorecido o arranque definitivo para a hegemonia tecnológica alcançada. O aperfeiçoamento tecnológico favoreceu a posição concorrencial da fábrica: em 1929, enquanto uma companhia nova só podia laborar 100 t de cana em 24 horas, a do Torreão conseguia atingir as 500 t e, em 1920, as 608 t. As medidas de 1939, que conduziram ao encerramento de 48 fábricas de aguardente em toda a Ilha, favoreceram a tendência monopolista em relação à safra da cana sacarina. Com efeito, alguns dados da laboração do engenho revelam a dominação do sector, por parte da mesma, a partir de 1907. Refira-se que, a partir da déc. de 70 do séc. XIX, foi consolidado o predomínio da navegação a vapor nas rotas transatlânticas, sendo o serviço de abastecimento de carvão algo imprescindível e que veio a ser dominado por estrangeiros. Assim, surgiram empresas apostadas neste serviço. Primeiro, a firma Blandy Brothers, depois, em 1898, a Cory Brothers Co. Limited e, em 1901, a Wilson Sons Co. Limited. Estas empresas estenderam, seguidamente, os seus serviços aos outros arquipélagos, ficando aquela primeira firma pelas Canárias e as duas seguintes por Cabo Verde. Em 1904 efetuou-se o primeiro depósito de carvão de origem alemã, com a firma Manoel Gonçalves & Co., que depois deu lugar à Deutch Kolen Dépot. Nos diversos sectores ligados à atividade marítima houve várias empresas com papel importante na economia madeirense. Também no serviço de cabotagem interna, que se afirmou no decurso da segunda metade do séc. XIX, surgiram diversas empresas e sociedades, fundadas por locais ou por estrangeiros. No ramo do seguro marítimo, registe-se a Blandy Lloyds Agents. Depois, surgiram diversas agências de navegação, podendo referir-se, para os princípios do séc. XX, as seguintes: Cory, Bros. & Co; Empresa Funchalense de Cabotagem; Elder Dempster & Co.; Empresa Insulana de Navegação; Henrique Figueira da Silva, Manuel da Silva Passos & Co. Suc., Wilson & Sons Ltd. Na área da construção e reparação naval, existiram também diversos estaleiros e empresas de reduzida dimensão. Uma delas foi o arsenal de Santiago, propriedade da Madeira Engineering Lda., que foi transferido, em 1989, para a Zona Franca da Madeira, no Caniçal. Este Arsenal era propriedade da casa Blandy Bros & Co. e estava situado defronte do campo de Almirante Reis. Sabemos, ainda, ter existido outro, Cossart Gordon Madeira, que foi integrado, em princípios do séc. XX, na empresa do cabrestante e que, com a abertura da Av. do Mar, foi transferido para a praia Formosa. Também ali existiram os estaleiros de outras duas empresas que começaram por prestar serviço à navegação com o abastecimento de carvão: a casa Wilson & Sons, no Gorgulho, próxima da Qt. Calaça, e o da agência de navegação Cory Bros & Co., no sítio do Portinho, no Caniço. No sector do vinho, dominado também pelos britânicos, a crise oitocentista provocou uma debandada geral do mercado inglês e americano, ficando apenas aqueles com interesses noutros sectores. Como corolário disso, verificou-se o desaparecimento das sociedades familiares e o aparecimento de associações como a Madeira Wine Association, que absorveu, nos anos imediatos à sua criação, em 1925, mais de 30 casas. Em 2015, o comércio do vinho é assegurado por novas empresas, criadas no rescaldo da crise do sector, mantendo três, a Henriques & Henriques Lda., a H. M. Borges Sucessores Lda. e a Vinhos Justino Henriques Lda., o elo de continuidade com o passado. As demais (Madeira Wine Company, Vinhos Barbeito Madeira Lda., Pereira d’Oliveira Vinhos Lda., Artur Barros & Sousa Lda.) foram criadas a partir dos escombros de vetustas casas ou de adegas particulares. A par do vinho, é no bordado que se afirma, também há muito, o espírito empresarial madeirense. A necessidade de bastante mão-de-obra levou ao estabelecimento de várias empresas e de uma rede de bordadeiras rurais ligadas a elas por meio de agentes. A partir de 1890, processou-se uma profunda transformação no sector, com a afirmação das casas de bordado em detrimento dos exportadores. A diferença estava em que os últimos se limitavam a adquirir o produto às bordadeiras, enquanto os segundos passaram a intervir diretamente no processo produtivo, dando àquelas o tecido já com os desenhos estampados. Para isso, montaram uma rede de agentes em toda a Ilha que procedia à distribuição dos panos e, depois, os recolhia já bordados. Esta mudança, incrementada pelos alemães, conduziu à afirmação das chamadas casas de bordado. No primeiro quartel do séc. XX, são referenciadas as seguintes casas: A. J. Fróes; Casa Bradwil; Casa Grande; Casa Hougas; Casa Maru; Casa Suíça; Companhia Portuguesa de Bordados; H. C. Payne; Hamú; José Clemente a Silva; Mallouk Bros.; M. R. Silva Diniz; Wagner; Schinitzer; União Madeirense de Bordados; Casa Americana. A Primeira Guerra Mundial refletiu-se de forma direta nas empresas de bordados, como nos elucida A. Marques Caldeira: “Havia antes da guerra de 1914 diversas casas de bordados de propriedade alemã entre elas algumas que acima mencionamos e que cessaram a sua atividade no período da primeira conflagração mundial. Terminada a guerra, algumas destas fábricas passaram à posse de firmas americanas, orientadas no Funchal por súbditos sírios que, aparentemente, deram certo movimento ao comércio e bordados abandonando depois essa indústria, à exceção de alguns que ainda se encontram a dirigir diversas firmas no Funchal, exportadoras de bordados da Madeira” (CALDEIRA, 1964, 43). Mesmo assim, em 1923, foram referenciadas 100 casas de bordado, o que atesta a vitalidade da indústria no período entre as duas guerras mundiais. A partir de 1924, o peso das pautas aduaneiras levou à saída dos sírios, que entregaram as casas aos madeirenses, passando estes a controlar o sector. Nos anos seguintes, manteve-se o número elevado de empresas relacionadas com o bordado. Na déc. de 40, Orlando Ribeiro refere a atividade de 91 casas empenhadas no comércio e exportação do produto. Em 1953, um relatório do grémio do sector anota a existência de 103 casas, mas sucede que a grande maioria delas não ultrapassava os 50 contos de exportações mensais, sendo assim casas de pequena dimensão. Apenas 12 faturavam mensalmente mais de 7 mil contos. Em 1969, são referenciadas 88 casas de bordados. Destacamos as mais importantes: António Gomes de Oliveira Sucr.; Arte Fina; Brazão & Freitas Lda.; C. A. Pereira Lda.; Exportadora Insular de Bordado Lda.; Ferreira Ornelas & C.ª Lda.; G. Farra & C.ª Lda.; Imperial de Bordados Lda.; João C. Silva; João Eduardo de Sousa Lda.; Leacock Bordados Lda.; Madeira Art Hand Embroidey & C.ª Lda.; Madeira Superbia Lda.; Maria Lubéli Kiekeben; Miguéis Lda.; Nóbrega Irmãos; Patrício & Gouveia Sucs. Lda.; The Madeira House C.ª Lda. A política de corporativismo fomentada pelo Estado Novo também atingiu a indústria dos bordados. Assim, pelo dec.-lei n.º 25643, de 20 de julho de 1935, foi criado o Grémio dos Industriais de Bordados da Madeira, com a missão de orientar a indústria no campo da produção e do comércio. Tal como enuncia um folheto publicitário do Grémio, de 1958, a defesa dos interesses do sector estava assegurada, pois não se repetiram, na vigência desse órgão, as crises periódicas que, no passado, tanto afligiram a economia da indústria e os seus trabalhadores. De acordo com a portaria 8337, foi estabelecida uma taxa sobre o valor das exportações e das vendas locais para acudir às despesas da agremiação. Foi com os fundos resultantes desta taxa que se construiu a sede, o edifício do IVBAM – Instituto do Vinho e do Bordado do Arquipélago da Madeira, em 2015, inaugurada nos anos 50. Aqui, o Grémio dispunha de armazéns para a reserva de tecidos e de linhas para abastecer o sector, situação que ainda em 2015 se verificava para os tecidos. Para além da função reguladora do sector, o Grémio atuava no sentido da sua defesa, promovendo o ensino do bordar às jovens, com as escolas criadas em Câmara de Lobos e Machico. Ao mesmo tempo, estabelecia os preços mínimos da mão-de-obra, baseada numa unidade de medida conhecida como pontos industriais. De acordo com os dados oficiais, entre 1935 e 1958, houve uma melhoria significativa na valorização do trabalho da bordadeira, passando-se de 35 centavos por 100 pontos para 2420, em 1958. Esta melhoria atingiu também as 750 operárias das casas que, em 1935, recebiam entre 3$00 a 6$00 de salário e, em 1958, entre 11$00 e 20$00. Os dados referentes a estudos e publicações de autoria do Instituto Nacional de Estatística (INE) e da Direção Regional de Estatística da Madeira (DREM) permitem perspetivar a abordagem à temática das empresas da Ilha. Segundo dados do INE, no ano 1990 o número de empresas na RAM era de 12.058, representando 1,52 % das empresas nacionais. Nos anos seguintes, verificou-se um aumento anual e tendencial daquele número, chegando, em 1997 e 1998, a ultrapassar as 20.000 empresas: em 1997, atingiu as 20.045 e, em 1998, as 21.930. A partir de 1998, verificou-se um decréscimo no volume de empresas, o que terá resultado do facto de só se terem voltado verificar os números em 2005, quando a Região apresentava 20.314 empresas, representando cerca de 1,81 % do universo português. Entre os anos de 2006 e 2008, inclusive, verificou-se um crescimento anual do número de empresas na Madeira, com 21.085, 22.248 e 23.015 unidades, nos anos de 2006, 2007 e 2008, respetivamente. No ano 2009, a tendência de crescimento é quebrada, verificando-se uma inversão da mesma. Com efeito, o decréscimo do número de empresas foi uma constante até ao ano 2012, altura em que foram contabilizadas 20.526 em toda a Região. Ao efetuarmos um paralelo entre a evolução do número de empresas na RAM e no país, é possível constatar que, apesar de a evolução ser quase sempre similar, no ano 2012, a proporção de empresas da RAM na totalidade de empresas em Portugal fixou-se nos 1,93 %, um valor superior ao de anos anteriores. Quando comparados os dados da RAM com os do arquipélago dos Açores, o número de empresas é superior no último, sendo que estes tinham 22.714 empresas em 2004, o que corresponde a cerca de 117 % das empresas que existiam na RAM. Em 2012, esta proporção aumentou para cerca de 120 %, com os Açores a apresentar 24.559 empresas. Quanto ao número de empresas com a configuração de sociedade existentes na RAM, a análise efetuada é em parte semelhante à da realizada antes para as empresas comuns, sendo que os períodos de crescimento são mais longos no primeiro caso. No ano 1990 a Região tinha 2648 sociedades, valor que aumentou, quase sempre, até ao ano 2006, quando aquele número se fixou em 14.231. A partir de 2007, verificou-se uma queda acentuada no número de sociedades, sendo este de 10.591 e decrescido até o ano 2011, chegando às 8635 sociedades. A evolução do número de sociedades criadas e dissolvidas permite avaliar anualmente a dinâmica empresarial da Região. No ano 1976, foram criadas 81 sociedades na RAM, fixando-se o número de sociedades dissolvidas em 8. A diferença entre sociedades criadas e sociedades dissolvidas manteve-se positiva durante um longo período de tempo, chegando a alcançar o número de 1557, em 2001, quando foram criadas 1781 sociedades e dissolvidas 224. Todavia, a tendência positiva inverteu-se a partir do ano 2009, em que o número de sociedades criadas foi de 786 e o de sociedades dissolvidas de 1171, o que perfaz um saldo negativo. No ano seguinte, a tendência repetiu-se, com o número de sociedades dissolvidas a ultrapassar, em 167, as sociedades criadas. O ano de 2011 não foi exceção; pelo contrário, foi quando o saldo negativo atingiu a sua maior expressão, já que a diferença entre as sociedades criadas (801) e as sociedades dissolvidas (1295) foi de 494. A evolução verificada no saldo anual resultante da criação e da dissolução de sociedades está, no caso da RAM, intimamente relacionada com o comportamento do Centro Internacional de Negócios da Madeira, do qual dependem, em grande medida, os resultados registados. Outra variável que sofreu alterações importantes ao longo dos anos é aquela que diz respeito ao peso que as sociedades da Região têm no total nacional. No ano 1990, a RAM contava com 2648 sociedades, enquanto o universo português ascendia às 162.149 sociedades, resultando assim que a RAM respondia por cerca de 1,6 % das sociedades existentes em território nacional. Ao longo dos anos, esta proporção aumentou significativamente, chegando a atingir os 3,4 % em 2006, quando o número de sociedades na RAM totalizava 14.231 e no resto de Portugal 416.369. Todavia, a partir do ano 2007, a proporção começou constantemente a diminuir, alcançando o valor de 2,4 % em 2011, ano em que a RAM registou 8635 sociedades e o território nacional 360.588. Tendo em conta que aquela proporção tem por base duas variáveis, o número de sociedades na RAM e o número de sociedades no resto do país, convém ressaltar que a evolução do número de sociedades verificada, com a Região a ganhar uma maior representatividade, resulta dos seguintes aspectos: a variação do número de sociedades na RAM ser superior à variação no demais território português; e a variação na Região ser anémica, mas a variação no restante território português ser negativa. Na realidade, quando tentamos desvendar a origem deste aumento de representatividade notamos que a segunda consideração mencionada pode ser considerada a principal causa desta realidade, já que ao observarmos as taxas de variação anuais para os dois territórios, notamos que, em grande parte dos casos, o valor verificado na RAM é superior ao do demais território nacional. Exemplo disto são as taxas de crescimento verificadas nos seguintes anos: 1993, ano em que Portugal viu o seu número de sociedades aumentar 1,9 % e a RAM apresentou um crescimento anual de 13 %; 1996, quando a Região apresentou uma variação positiva de 16 % e Portugal apenas 3,4 %; e 2004, quando a taxa de crescimento anual foi de 19 % na RAM e de 4,5 % no resto do país. Não obstante, nota-se que, nos últimos anos em análise, nomeadamente no período compreendido entre 2007 e 2011, a tendência se inverteu, acompanhando a proporção das empresas da RAM o todo nacional. A expressividade desta realidade apresenta-se particularmente destacada quando verificamos os dados referentes ao ano 2010, constatando que, embora o território nacional tenha apresentado uma variação anual positiva no que diz respeito ao número de sociedades na ordem dos 3,1 %, o território insular madeirense apresentou uma taxa negativa de 10,3 %. No que concerne à distribuição geográfica das sociedades na RAM, os dados são bastante contundentes e afirmam a grande concentração na capital da Região, o concelho do Funchal, que contava com 62,1 % das sociedades, no ano 2010, seguindo-o o concelho de Santa Cruz, com 10,6 % e o concelho de Câmara de Lobos, com 7,9 %. Se considerarmos cinco dos onze concelhos da Região, nomeadamente Machico, Santa Cruz, Funchal, Câmara de Lobos e Ribeira Brava, constatamos, em 2010, a concentração de 89,9% das sociedades da RAM. No mesmo ano, o concelho de Porto Moniz era aquele que apresentava a menor percentagem, com apenas 0,5 %. Em 2010, a Região registava 21.598 empresas. Estas concentravam-se, essencialmente, nos sectores do comércio por grosso e a retalho e na reparação de veículos automóveis e motociclos (19,6 %); no sector que abrange as atividades administrativas e os serviços de apoio (13,8 %); e no sector onde se incluem as atividades de alojamento, restauração e similares (10,6 %). Daqui decorre que, em 2010, cerca de 43,5 % das empresas da Região tinham como atividade económica principal uma das referenciadas anteriormente.   Alberto Vieira Sérgio Rodrigues (atualizado a 02.01.2017)

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