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Como resultado da rutura de relações entre Portugal e a Santa Sé provocada pela implantação definitiva do liberalismo em Portugal, em 1834, as dioceses do reino sofreram um processo de vacatura. No Funchal, durante o período de 10 anos que durou essa situação, o governo do bispado esteve entregue a um franciscano egresso, António Alfredo de Santa Catarina Braga (c. 1795-c.1845), entre 1834 e 1840, e, depois, ao cabido. Só quando se repôs a normalidade nas relações entre o reino e Roma teve lugar a indigitação de novo prelado, tendo a escolha recaído na pessoa de D. José Xavier de Cerveira e Sousa, natural de Mogofores, onde nascera a 27 de novembro de 1797. Filho de um magistrado, o Dr. José Xavier Cerveira, e de D. Rosa Joaquina Cerveira de Sousa, estudou teologia em Coimbra, em cuja universidade se doutorou e foi docente até ser escolhido para o desempenho de funções episcopais na Madeira. Confirmado bispo em 14 de junho de 1843, foi sagrado a 2 de junho de 1844, e chegou à Madeira a 8 de julho do mesmo ano. Ao tomar, presencialmente, contacto com a diocese, deparou com um território perturbado pela presença e ação prosélita do reverendo Robert Reid Kalley (1809-1888), que, como membro da igreja presbiteriana escocesa e grande pregador, tinha conseguido arregimentar um considerável número de madeirenses, os quais, com alguma facilidade, trocavam o seu catolicismo tradicional pelas novas ideias protestantes. Robert Kalley era um médico e pastor escocês que, em 1838, se fixara na Madeira acompanhado pela mulher, Margaret Crawford. Para poder exercer medicina em Portugal, fora a Lisboa, em 1839, matricular-se na faculdade de Medicina, a qual, nesse mesmo ano, o declarou apto para exercer em território nacional. Regressado à Madeira, o reverendo Robert Kalley abriu então um consultório tendo primeiramente em vista atender pacientes ingleses da já grande colónia britânica fixada na Ilha, mas logo depois estendeu a sua ação aos madeirenses pobres, que atendia gratuitamente. Ajudado pelos fundos disponibilizados pelos comerciantes ingleses, pôde abrir um pequeno hospital de 12 camas, onde atendia e tratava os madeirenses de menos recursos, alargando, depois, a sua ação à difusão do ensino primário, para o qual abriu várias escolas espalhadas pela parte oriental da Madeira, nas zonas de Santa Cruz, Santo da Serra, Machico e Porto da Cruz, onde ele próprio assumiu funções de alfabetização. Atendendo a que as autoridades portuguesas pouca atenção dedicavam, na altura, quer à generalização da educação, quer à prestação de cuidados de saúde aos mais desfavorecidos, cedo a fama de benemérito do reverendo Kalley se consolidou, valendo-lhe os maiores elogios de todos os quadrantes sociais da Madeira e até da própria câmara municipal do Funchal, que, em maio de 1841, publicamente o louvou pela atividade filantrópica. Aproveitando a onda de simpatia gerada à sua volta, o reverendo Kalley iniciou, então, uma campanha de conversão ao protestantismo que, graças às suas qualidades oratórias e ao reconhecimento do seu trabalho meritório na assistência social, rapidamente conquistou um inusitado número de adeptos, começando a preocupar as autoridades. As notícias destas conversões terão chegado a Lisboa em 1841, vindo de lá ordens para o deão da sé, Dr. Januário Vicente Camacho, no sentido de travar a campanha evangelizadora. Apesar destas determinações, o Dr. Januário Camacho, amigo pessoal do reverendo Kalley e antigo exilado em Inglaterra por razões políticas, não agiu com a assertividade que o momento requeria, pelo que, em vez do pretendido esmorecimento do proselitismo protestante, assistiu-se, pelo contrário, a um aumento da sua atividade, patente, por exemplo, na adoção da Bíblia protestante como fonte de textos usados nas escolas fundadas por Kalley. A agravar esta conjuntura, já de si complexa, a Madeira sofreu, em 1842, uma grande aluvião que veio maximizar os efeitos da crise económica que já se sentia como reflexo das alterações do contexto político, fazendo grassar a fome por todo o arquipélago. A degradação das condições de vida na Madeira teria, também, contribuído para o engrossar das fileiras dos seguidores de Kalley, fenómeno que, em 1843, começou a gerar grande apreensão por parte das autoridades insulares. Essa preocupação revelou-se, por exemplo, em advertências do administrador do concelho do Funchal ao pastor, no sentido de não falar de religião aos madeirenses, e em alertas do governador, Domingos Olavo Correia de Azevedo, à população, salientando a ilegalidade do culto protestante. Por outro lado, a Igreja também reagia, e instaurava processos por heresia a dois convertidos. A imprensa juntou-se ao coro das críticas, chegando o periódico católico O Imparcial a recomendar o chicote, a forca e a fogueira como únicos meios capazes de travar a progressão das ideias calvinistas. O governador, por seu turno, continuava a oficiar para Lisboa, informando da marcha dos acontecimentos, que se sentia incapaz de travar, e pedindo auxílio à rainha, a quem solicitava que as notícias fossem comunicadas. A 23 de maio de 1843, o governador chegou a um entendimento com o reverendo, que garantiu não voltar a receber madeirenses nas suas práticas, compromisso que violou logo um dia depois. Em julho do mesmo ano, instaurou-se a Kalley um processo-crime no tribunal do Funchal, do qual resultou a prisão do pastor e de 26 seguidores. Encarcerado durante seis meses, o reverendo foi, depois, libertado por diligências da comunidade inglesa, de novo retomando as suas atividades, para as quais tinha conseguido mais financiamento no decurso de uma viagem que efetuou a Inglaterra. Foi este o conturbado contexto com que deparou o novo bispo do Funchal, que, ao desembarcar na Ilha em 8 de julho de 1844, logo meteu mãos à complicada obra que o aguardava, publicando uma pastoral com data de 13 do mesmo mês, na qual, depois de declarar que por várias vezes declinara a mitra, passava a louvar o clero diocesano que reputava de respeitável, conspícuo e benemérito, para além de muito competente para dirigir o rebanho, numa alusão, ainda que velada, à ausência de necessidade de recurso a outros pastores. Mais abertamente, logo depois referia-se aos dias de tribulação por que passava a Ilha, sujeita ao cisma e à heresia, contra os quais apontava a firmeza na fé como solução, exortando os fiéis a permanecerem constantes na crença dos antepassados. Depois deste, e antes de o ano findar, saíram à luz outros três textos, mais ásperos, e todos voltados para o combate à heresia. Aproveitando os recursos que a época disponibilizava, D. José Cerveira e Sousa fazia igualmente publicar na imprensa, dois dias depois, uma exortação pastoral consonante com o texto referido, pretendendo assim alcançar um público o mais vasto possível, o mesmo acontecendo com outras determinações episcopais que também serão anunciadas em periódicos. Ciente dos efeitos que a crise económica tinha sobre a população, o bispo alertava também contra o impacto que as fingidas ações de beneficência traduzidas “num capcioso bocado de pão” produziam no povo, falando da importância de se não cair nas garras do “lobo” (ARM, Arquivo Paroquial do Episcopado do Funchal, doc. 411, fl. 17). A produção de tantas pastorais num tão curto espaço de tempo dá bem a medida da inquietação do bispo, que se começava a ver impotente para deter o avanço das conversões de Kalley, e explica que, logo em janeiro de 1845, o prelado tenha continuado o seu labor com mais um documento em que, desta feita, aplicava à Madeira o resultado de uma súplica para que se diminuíssem os dias santos, por se considerar que eram sério obstáculo ao trabalho necessário à sobrevivência em tempos tão difíceis. O mesmo texto dava, ainda, conta da ausência de Kalley para Inglaterra, apelando à população para que aproveitasse o momento para se purificar do “mortífero veneno” que a atingira (Ibid., fl. 18). Perante o regresso do pastor protestante, D. José Cerveira e Sousa, desiludido com a falta de resposta positiva às suas repetidas exortações, decidiu trocar a Ilha pelo reino, invocando, a 12 de fevereiro de 1846, um débil estado de saúde, o cansaço da administração e a necessidade de pessoalmente resolver alguns negócios, deixando, por algum tempo, o governo da diocese ao provisor do bispado. Sem conseguir prever o rumo dos acontecimentos, despedia-se, considerando que aquela exortação pudesse ser “talvez, Deos o sabe, […] a ultima que vos dirigimos” (Ibid., fl. 21). A 2 de agosto de 1846, contudo, deu-se um volta-face na situação do reverendo Kalley, que viu alguns seguidores perseguidos pela população. Travado o processo pela polícia, reacendeu-se poucos dias depois, quando, a 8 e 9 do mesmo mês, se registaram novos incidentes em que foram visados habitantes “calvinistas” de Santo António da Serra e do Lombo das Faias, expulsos das suas residências, as quais acabaram pasto das chamas. No mesmo dia 9 também a casa do próprio reverendo foi objeto da fúria popular, que a invadiu na esperança de encontrar o pastor. Este, contudo, avisado a tempo, tinha conseguido refugiar-se, embarcando no dia seguinte, disfarçado de mulher, num barco inglês que o levou para não mais voltar. Este ponto final na questão Kalley na Ilha não pôde deixar de agradar ao prelado, que graças a ele e em resposta à chamada do novo governador, José Silvestre Pereira, se aprestou a regressar, congratulando-se, a 30 de outubro de 1846, pela devolução do seu rebanho que, depois de dilacerado por “esse lobo da Escócia”, era exortado a retornar ao redil do catolicismo (Ibid., fl. 32). José Silvestre Ribeiro, empossado como governador a 7 de outubro de 1846, ficara, à sua chegada ao Funchal, consternado com dois aspetos da vida na Ilha: um enorme fluxo migratório para Demerara e outros pontos da América do Sul e a devastadora miséria que assolava os residentes. Para fazer face a esse cenário desolador, o governador encetou, de imediato, contactos com diversas personalidades locais, nomeadamente com autoridades eclesiásticas, e a 13 de outubro enviava para o reino um pedido de urgente regresso de D. José Cerveira e Sousa, o qual foi, como se viu, prontamente correspondido. Na procura de soluções incluiu o governador a reativação de uma Comissão Central de Auxílio que então se passou a designar Comissão de Socorros Públicos, de cuja presidência encarregou o prelado. Este foi apenas um dos sinais do apreço que Silvestre Ribeiro tinha pelo bispo, mas outros se podem encontrar no período de tempo em que coexistiram na Madeira. Um deles foi a nova indigitação do prelado para presidir ao Asilo de Mendicidade, que o governador fez acompanhar de sentido agradecimento da “inestimável fineza” de que dera provas D. José Cerveira de Sousa ao aceitar aquele encargo (CARITA, 2008, 115). Outro prende-se com a colaboração do governador com a Igreja insular demonstrada na campanha de obras levadas a cabo para recuperar igrejas degradadas, nomeadamente a do Santo da Serra, a matriz de S. Jorge e a igreja do Colégio que, depois de reabilitada, foi entregue à diocese. Podendo, agora, depois de desaparecida a ameaça Kalley, dedicar-se a outros aspetos da vida diocesana, D. José Cerveira e Sousa apelava, em fevereiro, à caridade dos fiéis, exortando-os a ajudar os necessitados, e, a 11 de março de 1847, à realização de novenas de preces para se acabar a fome. A 10 de agosto, o bispo dirigia-se aos madeirenses para que se mantivessem em paz, evitando replicar na Ilha o clima de agitação social que se vivia no reino. Já em julho de 1848, e graças a cartas régias enviadas por D. Maria II, se ficava a saber que o bispo tinha procedido a diligências anteriores que visavam um aumento das côngruas eclesiásticas e a uma nova divisão paroquial que reformulava quatro paróquias anteriores: Água de Pena, Achadas da Cruz, Quinta Grande e Faial, cuja área se pretendia aumentar. No tocante às remunerações do clero, a carta régia refere ter emitido, em maio de 1845, ordens no sentido de se proceder a averiguações sobre o verdadeiro estado económico dos eclesiásticos, das quais ficaram encarregados o bispo e o governador. A essas pesquisas se ficarão, talvez, a dever os comentários que José Silvestre Ribeiro produziu sobre a situação, quando declarava que os membros do clero, apesar de muito necessários, eram “contra toda a razão, os mais mal recompensados” (CARITA, 2008, 116). A ação conjunta das duas personalidades permitiu, pois, que se remediasse o estatuto financeiro de párocos, curas e beneficiados. Assim, quando em 1849 D. José Cerveira de Sousa trocou o bispado da Madeira pelo de Beja, levava a consciência de ter realizado um trabalho meritório na diocese, que tinha deixado mais serena e apetrechada do que quando a recebera. D. José de Cerveira e Sousa acabou por, depois de Beja, ser bispo de Viseu, cargo a que resignou, retirando-se para a sua terra natal, Mogofores, onde veio a falecer a 15 de março de 1862.       Ana Cristina Trindade Rui Carita (10.02.2017)                        

História Económica e Social História da Educação Religiões

sousa, eurico fernando fernandes correia de

(1933-2015) Arquiteto, professor, poeta, Eurico de Sousa revelou interesse por todos os assuntos relacionados com a literatura e a arte, o cinema, a biologia (ecologia) e a etnologia. Desde cedo, a escrita e o desenho tornaram-se o veículo expressivo da sua preferência, tendo realizado diversos trabalhos nestas áreas, alguns deles apresentados em jornais, revistas literárias e na rádio. Depois da preparação básica e secundária, iniciou-se em Coimbra no curso de Medicina, ideia que rapidamente pôs de parte, por não se adaptar física e psicologicamente às condições que lhe eram exigidas. A propensão natural para seguir as artes levou-o a hesitar na escolha entre o curso de Pintura e o de Arquitetura. Decidiu-se finalmente pela arquitetura e partiu para o Porto, onde se matriculou na Escola de Belas-Artes, terminando o curso em Lisboa (ESBAL). Aqui frequentou o Café Gelo, centro de encontro de intelectuais da época, cuja convivência marcou de modo particular o seu percurso literário. Viajou pela Europa, Brasil e América Latina. Publicou dois livros de poesia e integrou algumas coletâneas. Nos últimos anos de vida, a fragilidade da sua saúde acentuou-se, o que o impediu de concretizar mais alguns projetos de publicação do seu espólio poético. Palavras-chave: Poesia; História da Arte; Biologia; Desenho; Arquitetura.   Fig. 1 – Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa (arquivo particular). Eurico de Sousa nasceu no Funchal a 17 de maio de 1933, na R. da Levada dos Barreiros, n.º 32, casa paterna. Filho de Fernando de Sousa e de Alice Fernandes Correia de Sousa, ainda criança foi residir com os pais numa casa herdada pela mãe no Sítio do Papagaio Verde (S. Martinho), onde frequentou por curto espaço de tempo a escola mais próxima, situada no Areeiro. Mais tarde, o pai matricula-o no Colégio Nuno Álvares e aqui completa a instrução primária, com a Prof.ª Isabel Marina da Encarnação, que o considerava e distinguia pelo seu excelente aproveitamento. Permaneceu neste Colégio durante o tempo de terminar o Curso Geral (antigo 5.º ano), donde transitou para o Liceu de Jaime Moniz. Começou então a afirmar-se pelas suas nítidas tendências nas áreas do desenho e da pintura e era, por isso, solicitado para trabalhos extracurriculares, realizando cenários para récitas e colaborando assiduamente na revista escolar Presente, de que foi nomeado diretor. Nesta data, escreve um poema de carácter neorrealista onde avulta o interesse pelos problemas sociais dos habitantes da vila piscatória de Câmara de Lobos. De tal modo o absorviam essas tarefas, que se alheava do estudo obrigatório, pelo que achou por bem partir para Coimbra, em 1952, onde terminou duas cadeiras do 7.º ano (11.º atual). Dentre as disciplinas do currículo liceal, a Biologia atraía-o particularmente e proporcionava-lhe uma boa opção para a escolha dum curso. Apoiado pela decisão dum colega que se matriculara em Medicina, Eurico de Sousa tentou a experiência. Mas a sua fraca capacidade de resistência perante a degradação humana, nos processos de autópsia, e o ambiente frio e húmido desta região do país não lhe permitiram prosseguir na carreira. Ruma então ao Porto, em 1954, e é admitido na Escola Superior de Belas Artes. Os estudos iniciais eram comuns às várias disciplinas artísticas, e Eurico de Sousa hesitou entre Arquitetura e Pintura. Prevaleceu a Arquitetura e foi este um período promissor em que se revelou, com boas classificações. Trabalhos seus foram apresentados na Exposição Magna da Escola, o que, para um aluno principiante, constituiu um desejado estímulo. Segue-se uma interrupção em que cumpriu o serviço militar. Nesta época, 1956, de regresso à Madeira para um período de férias, conhece Herberto Helder e António Aragão. Escreve muito e colabora na revista literária Búzio, criada por António Aragão, e, a conselho de Edmundo Bettencourt, publica em Lisboa, nos cadernos Folhas de Poesia, dirigidos por António Salvado, cujo primeiro número veio a público em 1957. Esta publicação contava com um núcleo prestigiado de colaboradores, entre os quais, além do seu diretor e de Edmundo Bettencourt, também António Maria Lisboa, Fernando Echevarría, Carlos de Oliveira, Jorge de Sena, João Rui de Sousa, José Carlos González, Helder Macedo, David Mourão-Ferreira, Herberto Helder e René Bertholo e Lourdes Castro na parte ilustrativa. Mais nomes se juntavam a esta plêiade, sendo que, segundo afirmam alguns investigadores, o estudo das Folhas de Poesia continua por fazer. Eurico de Sousa inicia nesta época (fins dos anos 50) uma interessante correspondência com Herberto Helder, que, a ser divulgada, constituirá um documento importante para a história da Madeira. Ao voltar ao Porto, vai frequentes vezes a Lisboa encontrar-se com este poeta, a quem dedica grande consideração e amizade, reconhecido também pelo acolhimento aos seus poemas – no extrato duma carta de Herberto Helder, lê-se “[…] saudando com entusiasmada surpresa a qualidade dos teus poemas”. É nesta fase que frequenta o café Gelo e conhece Mário Cesariny, Luiz Pacheco e outros surrealistas. Anuncia depois a desistência do curso e fixa-se na capital. No convívio com as ideias vanguardistas e certo cariz anárquico praticado pelos frequentadores do Café Gelo, que influenciaram a sua escrita e o estilo de vida, Eurico de Sousa foi desbaratando a mesada, alojado em quartos sórdidos e sobrevivendo mal, até que seu pai, ao emigrar para Caracas, resolveu criar-lhe a oportunidade de continuar ali os estudos. Eurico de Sousa começara a manifestar predisposição para estados depressivos, chegando a recusar oportunidades de colaboração em atividades que o valorizavam profissionalmente. Fig. 2 – Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa, Leblon, Rio de Janeiro (arquivo particular). Na Venezuela, devido à constante agitação, por vezes violenta, que se vivia nos meios académicos e à falta de intercâmbio cultural entre aquele país e Portugal, tornou-se impossível ali permanecer. Em 1960, outra tentativa de recuperação do curso, agora no Brasil, na cidade de São Paulo, onde tinha familiares. Ao procurar a faculdade que lhe permitisse concretizar esse objetivo, julgou tê-la encontrado no Rio de Janeiro, para onde parte. Novo desaire: a Faculdade de Arquitetura fora retirada para a ilha do Governador, e tão longo percurso era impraticável. Por aqui se manteve durante cinco anos. A última opção foi voltar ao Porto, onde realizou as cadeiras que lhe faltavam. Porém, era mais fácil economicamente fixar-se em Lisboa, onde, mais uma vez, hospedado em habitações insalubres, adoece, com um problema renal, que lhe exige uma cirurgia de urgência. Depois de ter ultrapassado toda esta atribulação, termina o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Foi professor numa escola secundária em Santarém e em Tomar entre 1972 e 1974 e desejou voltar à Ilha. Entre julho de 1974 e outubro de 1981, trabalha no Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal do Funchal, função que acumula com a de professor na Escola Industrial e Comercial desta cidade e no Instituto de Artes Plásticas da Madeira. Neste ano, tenta o estágio profissional para professor. É depois destacado para a biblioteca da Escola Secundária Ângelo Augusto da Silva e ali faz trabalhos de investigação literária de apoio ao currículo da disciplina de Português. Simultaneamente, apresenta na Radiodifusão local (atual Antena 1) um programa sobre temáticas literárias, interessando-se especialmente pela obra de Herberto Helder e Saint-John Perse e pelas propostas modernistas da Bauhaus. Publica, em 1980, o livro de poesia A Festa Sendo em Agosto (Ed. Eco do Funchal), com desenhos da pintora Alice Sousa, sua irmã, e prefácio de António Aragão, um volume espesso que contém quase toda a sua obra e que obteve boas referências de Eduardo Prado Coelho, Assis Pacheco, António Aragão e Herberto Helder. Em 1995, a Direção Regional dos Assuntos Culturais patrocina o seu segundo livro, intitulado Disgrafia Florestal, com desenhos da sua autoria. Integrou as coletâneas de poesia Ilha 4 (organizada por José António Gonçalves e editada em 1994 pela Câmara Municipal do Funchal), Ilha 5 (com organização de Marco Gonçalves e edição da Empresa Municipal Funchal 500 Anos, 2008), O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses (com organização de José António Gonçalves, editada em 1989 pela Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração), Poet’Arte 90: Poesia Madeirense (publicada pela Associação de Escritores da Madeira em 1990) e Poeti Contemporanei dell’Isola di Madera (organizada e traduzida por Giampaolo Tonini no Centro Internazionale della Grafica di Venezia em 2001). A poesia de Eurico de Sousa posiciona-se num cenário delirante, onde a manipulação das imagens se exerce completamente solta, integralmente livre, e as palavras, as suspensões, omissões, neologismos e sinais gráficos superam a norma significante, para se tornarem elementos estéticos especialmente apelativos. O pensamento expressa-se, assim, através duma sobrerrealidade que reinventa a tessitura da escrita de modo fulgurante, provocatório, criando uma propositada desordem, um ritmo caótico, automático, sufocante, que o poeta utiliza no sentido de denunciar o enigma e a ambiguidade do mundo e da própria natureza humana. Neste automatismo se vislumbram contornos de solidão, claustrofobia, uma velada mágoa que se expressa em versos como este, extraído do livro A Festa Sendo em Agosto: “(Tenho andado como quem não exista)./Só cortando o coração à noite/me apercebi desse absurdo” (SOUSA, 1980, 123). Obras de Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa: A Festa Sendo em Agosto (1980); Disgrafia Florestal (1995).     Irene Lucília Andrade (atualizado a 28.02.2020)

Antropologia e Cultura Material Artes e Design Arquitetura Literatura

psicologia na educação especial

Em 1978, na sequência da política de regionalização dos serviços, foi criado o Centro Regional de Educação Especial (CREE), no qual foram integrados os estabelecimentos de ensino para deficientes auditivos, visuais e intelectuais. Entre 1965 e 1978, o apoio a crianças e jovens que frequentavam os estabelecimentos de ensino para crianças e jovens com deficiências da audição e da fala, intelectual e visual funcionava na dependência de um serviço nacional, o Instituto de Assistência aos Menores, posteriormente integrado no Instituto da Família e Ação Social. Nessa altura, as crianças e jovens deficientes eram apoiados, na área da psicologia, pelo Centro de Observação e Orientação Médico Pedagógico, cujos técnicos se deslocavam à Região Autónoma da Madeira (RAM), sob a orientação do Dr. Bairrão Ruivo. Foi em 1980 que o CREE contou com o primeiro psicólogo nos seus quadros. A 7 de abril do ano seguinte, foi criada a Direção Regional de Educação Especial (DREE), que imprimiu uma nova dinâmica no apoio às crianças e jovens com deficiência da Região. Na sua orgânica, integrou, pela primeira vez, um Serviço de Psicologia, com a função de “apoiar os Serviços Técnicos de Educação, incumbindo-lhe a observação, o diagnóstico e a orientação psicopedagógica dos educandos e futuros utentes, em colaboração com outras valências e serviços”. Em 1984, com a reestruturação do Governo da RAM, a DREE, que até então constituía um departamento da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, foi integrada na Secretaria Regional de Educação, privilegiando-se, nesta nova fase, a interação entre todos os graus de ensino e estabelecimentos de ensino regular. A designação “Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação” (DREER) surgiu em 1997, no decreto regulamentar regional n.º 13-A/97, de 15 de julho, estabelecendo a criação e descentralização de vários serviços de atendimento às crianças e jovens com necessidades educativas especiais. A necessidade de integrar psicólogos nas equipas multidisciplinares que entretanto se foram constituindo na DREER tornou-se cada vez mais notória na déc. de 90, período ao longo do qual o número de psicólogos admitidos duplicou. Aos poucos, os psicólogos foram-se afirmando como um grupo profissional indispensável na resposta psicopedagógica às crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Com a alteração da estrutura orgânica da Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação, aprovada pelo despacho n.º 103/2005, é criada, em setembro de 2005, a Divisão de Psicologia, que em novembro de 2008 passa a designar-se Divisão de Psicologia e Orientação Vocacional (DPOV), dirigida por um psicólogo, chefe de divisão. A existência desta divisão na orgânica da DREER possibilitou uma forte coesão e identidade socioprofissional, bem como uma resposta consistente e atualizada em termos técnico-científicos, tornando-se uma referência para outros psicólogos da RAM. Com cerca de 40 psicólogos, alguns dos quais a exercerem funções de coordenação e direção, a DPOV tinha por missão “garantir a intervenção psicológica junto dos alunos / utentes dos diferentes serviços técnicos de educação e de reabilitação profissional e programas ocupacionais, em colaboração com a família e comunidade, contribuindo para o seu equilíbrio sócio emocional”. A sua atuação regia-se pelos princípios e orientações subjacentes ao Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), de onde se destacavam valores como respeito pela dignidade e direitos da pessoa, competência, responsabilidade e integridade. A DPOV apresentavaas seguintes atribuições e competências: “a) Observar, diagnosticar e orientar os educandos e futuros utentes com vista à adaptação ou reeducação escolar, profissional e social, consoante as características individuais, disfunções ou perturbações; b) Prestar apoio psicoterapêutico, nos casos em que apresentem perturbações emocionais e comportamentais resultantes de deficiência ou de sobredotação; c) Acompanhar e supervisionar a intervenção protagonizada pelos elementos desta área afetos aos diferentes serviços da DREER”. A intervenção do psicólogo da DPOV era muito versátil pela variedade de áreas, faixas etárias e serviços que apoiava. O psicólogo intervinha desde a idade precoce (0-6 anos), junto de alunos com necessidades educativas especiais a frequentar os 1.º, 2.º e 3.º ciclos até à idade jovem e adulta; a sua atuação abrangia o domínio sensorial (audição e visão), o domínio cognitivo e da aprendizagem (deficiência intelectual, dificuldades intelectuais, dificuldades de aprendizagem específicas e perturbação da linguagem e da fala), o domínio motor (perturbações das aptidões motoras e problemas motores/neuromotores), o domínio cognitivo, motor e/ou sensorial (multideficiência), o domínio da comunicação, relação e afetivo-emocional (perturbação da relação e comunicação, perturbações do espectro do autismo e perturbações emocionais ou comportamentais graves) e outras condições não enquadradas nos domínios anteriores, tais como atraso global de desenvolvimento, défice de atenção com ou sem hiperatividade e sobredotação. O psicólogo tinha uma participação ativa nas equipas multidisciplinares dos vários serviços técnicos de educação especial e reabilitação (Serviços Técnicos de Educação, Centros de Apoio Psicopedagógicos e Centros de Atividade Ocupacionais, Serviço Técnico de Integração e Formação Profissional, entre outros) e trabalhava não só com o aluno/utente, mas também com os pais/tutores, professores e demais agentes comunitários, em prol do desenvolvimento educativo, socioprofissional e pessoal. Deste modo, contribuía para o desenvolvimento da própria instituição escolar ou ocupacional e da comunidade. Na avaliação multidisciplinar, o psicólogo assume um papel importante na elegibilidade de crianças, jovens e adultos com necessidades especiais. A sua atuação, pautada por uma intervenção mais próxima da abordagem ecológica e de respostas inclusivas, centradas no eixo preventivo, estava orientada no sentido de promover as potencialidades das crianças e jovens com necessidades especiais, procurando minimizar as suas diferenças e maximizar as suas capacidades, facilitando, assim, a sua inserção nos vários contextos e promovendo, em alguns casos, a sua transição para a vida ativa. Muitas vezes, o recurso ao apoio psicológico visava promover o processo de aprendizagem e integração social do aluno, em virtude de, em muitos casos, às necessidades especiais estarem associados problemas emocionais ou, até, perturbações psicopatológicas, os quais exponenciam as dificuldades de aprendizagem e integração. A intervenção do psicólogo contemplava, por vezes, uma vertente clínica/terapêutica. O psicólogo da DREER desempenhava, igualmente, funções de formação de novos psicólogos, nomeadamente através da orientação de estágios profissionais promovidos pela OPP e pelo Instituto de Emprego da Madeira, e colaboração na orientação de estágios curriculares dos finalistas do Mestrado em Psicologia da Educação da Universidade da Madeira; da colaboração na supervisão clínica e educacional dos estágios; da participação no ensino da unidade curricular de Psicologia da Educação, da licenciatura em Psicologia da Universidade da Madeira – a saber, através da intervenção em painéis em que era abordado o papel do psicólogo nos diferentes contextos educativos e da receção de alunos para contacto direto com a praxis do psicólogo na educação especial. A prática do psicólogo contemplava ainda atividades de pesquisa e investigação e a utilização dos respetivos resultados na prática educacional. Bibliog.: AGUIAR, E., “História do apoio à deficiência na RAM”, Educação Especial, n.º 30, 1985, pp. 11-25; dec. reg. n.º 13/81, de 23 de junho; dec. reg. n.º 12/84, de 22 de novembro; dec. reg. regional n.º 13-A/97, de 15 de julho; desp. n.º 5/78, de 5 de abril; desp. n.º 103/2005. Líria Maria Jardim Fernandes Luísa Valentina Teixeira de Mendonça Correia (atualizado a 03.02.2017)

Ciências da Saúde Educação História da Educação

moniz, jaime

Fig. 1 – Fotografia da estátua de Jaime Moniz, da autoria do mestre Anjos Teixeira, inaugurada em 1961 pela Câmara Municipal do Funchal. Fotografia de António Freitas. Aquele que viria a ser um dos grandes intelectuais portugueses e mais ilustres madeirenses do séc. XIX, distinguindo-se pela sua eloquência e erudição, como pensador e político, nasceu no ano de 1837, data da fundação do Liceu Nacional do Funchal. Passados 80 anos, o Liceu foi designado por “Jaime Moniz”, pelo decreto n.º 5096 de 13 de janeiro de 1919, em memória deste ilustre jurisconsulto, académico, professor e político que marcou a sua época. Jaime Constantino de Freitas Moniz, ficando conhecido pelo nome abreviado de Jaime Moniz, nasceu no dia 18 de fevereiro, na freguesia de Santa Maria Maior, Funchal, sendo filho de António Caetano da Costa Moniz, avô de Augusto César Barjona de Freitas, um influente e iminente político do partido regenerador que terá uma influência decisiva no percurso político do seu primo Jaime Moniz, e de Eufémia de Freitas, filha de António de Freitas. Após frequentar o ensino primário, matriculou-se no Liceu, como aluno ordinário, na 1.ª e 2.ª cadeiras, com a idade de 14 anos, em outubro de 1851, conforme registo n.º 30 do Livro de Termos (fig. 2). Nesse ano e nos subsequentes obteve sempre a classificação máxima e, em 1857, rumou para Coimbra, a fim de cursar direito.   Fig. 2 – Reprodução o registo de matrícula do aluno Jaime Constantino Freitas Moniz em 1851. Fonte: ARM, Liceu Jaime Moniz.   Bulhão Pato escreveu que o seu exame de admissão foi um verdadeiro acontecimento e deixou-nos um interessante testemunho do seu encontro fortuito com o jovem Jaime Moniz aquando de uma visita à Madeira, relatando-nos que, apesar dos seus 14 anos, a sua imaginação já era brilhante e que ficara impressionado com a sua sabedoria e maturidade. O interesse pelas letras e pelos assuntos históricos e filosóficos era já visível no jovem adolescente quando, em 1860, quis conhecer pessoalmente Alexandre Herculano, por quem nutria uma especial admiração, não só pelo seu talento como escritor, mas também pelo seu carácter. Frequentou o curso de direito durante cinco anos, de 1857 a 1862, como um aluno estudioso, aplicado e preocupado com os temas ligados à Literatura, Filosofia e História, sendo o seu desempenho brilhante. Por esse facto, recebeu sempre o primeiro prémio, no valor de 40 réis, o que o ajudou a custear os seus estudos, considerando que, embora pertencesse a uma família conceituada funchalense, esta carecia de recursos económicos. Acabado o curso em 1862, estabeleceu-se em Lisboa, onde exerceu advocacia, retirando-se pouco tempo depois por causa do serviço público, do seu frágil estado de saúde e também por ser uma pessoa tímida e reservada, apesar de ser dotado de excelentes dotes oratórios e de ter adquirido boa fama. Assim, podemos compreender a sua opção por uma carreira orientada para o ensino e para as questões pedagógicas quando, em 1863, concorreu à vaga aberta na 5.ª cadeira – História Universal e Filosófica – do Curso Superior de Letras, criado pelo Rei D. Pedro V, apresentando a tese Da Natureza e Extensão do Progresso Considerado como Lei da Humanidade e Applicação Especial dessa Lei às Bellas Artes. Aprovado por unanimidade, ingressou no ensino nesse mesmo ano. Bulhão Pato, nas suas Memórias, reportava que as suas aulas atraíam a atenção de quantos prezavam as letras e que todas as noites a sala se enchia para o ouvir. Referia ainda que em poucos homens tinha conhecido tão elevados dotes de orador. Jaime Moniz foi professor do Curso Superior de Letras desde 1863 até 1901, exercendo o seu magistério com alta distinção e tendo como colegas grandes vultos das letras portuguesas, como Pinheiro Chagas, Adolfo Coelho e Teófilo Braga. Em 1901, abandonou a docência para presidir o Conselho Superior de Instrução Pública. Com a criação da Junta Consultiva de Instrução Pública, em 14 de dezembro de 1869, foi um dos seis vogais escolhidos para a integrar. Assim, entre 17 de julho de 1873 e 19 de setembro de 1878, presidiu às sessões da referida Junta em virtude de desempenhar, nesse período, as funções de Diretor Geral da Instrução Pública. Esta escolha contribuiu para afirmar Jaime Moniz como um dos principais pensadores da educação em Portugal. Por esta junta passavam todos os problemas referentes ao ensino, pelo que ficamos a conhecer, através das atas das suas sessões, os pensamentos, as opções e as posições pedagógicas, políticas e até filosóficas dos seus membros. Apesar de ter orientado a sua atenção para as questões de ensino, Jaime Moniz não deixou de exercer as funções de tribuno, deixando traços do seu brilhantismo e suscitando a profunda admiração dos seus contemporâneos. Em 1867, defendeu o Cap. D. Rodrigo de Almeida, que fora padrinho de um duelo em desagravo de alegadas ofensas no qual estiveram envolvidos um deputado e um sobrinho do irmão do marquês de Sá da Bandeira, resultando na morte do deputado. Rodrigo de Almeida foi acusado e julgado em Conselho de Guerra, tendo Jaime Moniz obtido para o seu constituinte a pena mínima. Uma situação surgiu em 1870, quando Jaime Moniz se apresentou a defender José Cardoso Vieira de Castro, escritor e ex-deputado do partido regenerador, acusado de crime de homicídio contra a sua mulher. O julgamento, além de ser muito concorrido, pela identidade do arguido e grande divulgação nos meios de comunicação social, teve um enorme impacto na opinião pública, sendo a alegação da defesa considerada como um dos trechos mais brilhantes e eloquentes que nos tempos modernos se havia pronunciado na história do foro português. Jaime Moniz empenhou-se profundamente na defesa do amigo e antigo companheiro nas lides académicas de Coimbra com notável brilhantismo e eloquência, o que lhe valeu encómios de diversos intelectuais portugueses, nomeadamente de Camilo Castelo Branco e Pinheiro Chagas, tendo este feito uma notável apreciação em folhetim da Gazeta do Povo n.º 336, de 1871. Por sua vez, os portugueses residentes no Rio de Janeiro enviaram uma coroa de ouro a Jaime Moniz como tributo de homenagem pelo monumental discurso. Os discursos proferidos e as atas do julgamento foram publicados em livro intitulado O Processo e Julgamento de José Cardoso Vieira de Castro, tendo a edição esgotado rapidamente. No campo político, Jaime Moniz aderiu à causa do Partido Regenerador, formado em torno de personagens ligadas a um passado cartista, como Saldanha e Fontes Pereira de Melo. Tal partido viria a tornar-se no mais forte e qualificado da segunda metade do séc. XIX, sendo o responsável pelas grandes mudanças operadas nos domínios económico e social, nas décs. de 70 e 80 de oitocentos. Em 31 de março de 1870, Jaime Moniz iniciou o primeiro mandato como deputado eleito pelo círculo de Castelo Branco. Nesse ano, a enorme expectativa gerada com a abertura das chamadas “Conferências do Casino”, iniciativa de uma plêiade de grandes intelectuais que foi depois proibida, gerou um enorme escândalo na sociedade portuguesa, levando à queda do ministério do marquês de Ávila e Bolama. Para presidir a um novo governo foi chamado Fontes Pereira de Melo, em setembro de 1871. A vitória do movimento liberal em 1834 não acabara com a instabilidade política e social, e o novo governo iria encetar um dos períodos mais longos e estáveis da monarquia constitucional, conhecido como a regeneração/fontismo, que trouxe ao país um grande crescimento económico e tecnológico. Do novo governo faziam parte Augusto César Barjona de Freitas, como Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, e Jaime Moniz, como Ministro da Marinha e do Ultramar. Havia apenas decorrido uma semana da sua tomada de posse, quando eclodiu uma revolta no exército do Estado da Índia Portuguesa. Para fazer face a esta difícil e complexa situação, tomou de imediato as providências consideradas mais adequadas para rapidamente restabelecer a ordem, enviando um reforço de tropas e decretando a extinção do exército no referido estado. Em seguida, apresentou um conjunto de medidas legislativas que visavam obter transformações económicas e sociais pela introdução de novos estabelecimentos de ensino, nomeadamente a criação de um instituto profissional para preparar os jovens do dito Estado para tarefas nos domínios agrícola, industrial e comercial e uma escola de pilotagem. Estas medidas evidenciaram os seus valores, o seu carácter e a sua visão, bem como a sobreposição dos seus ideais pedagógicos às conveniências estritamente políticas. Jaime Moniz também percorreu os meandros difíceis e tortuosos da política nacional. A sua passagem pelo governo foi relativamente breve, pois, em 19 de novembro de 1872, era exonerado a seu pedido, alegando motivos de saúde como era costume, mas alguns testemunhos defenderam que o abandono do governo se deveu mais à sua personalidade e ao seu talento, que dificilmente se moldavam às conveniências estritas da política. Embora tendo sido eleito em várias legislaturas pelos círculos de Castelo Branco e de Goa, a sua atuação como parlamentar foi modesta. Esteve como parlamentar nas legislaturas de 22 de junho de 1871 a 2 de abril de 1874 e de 12 de janeiro de 1875 a 4 de maio de 1878, que coincidiram com o mais longo governo da história do parlamentarismo português sob a presidência de Fontes Pereira de Melo. Causa alguma perplexidade o facto de nunca ter sido deputado pela Madeira e de, após a sua estada em Lisboa, nunca ter regressado à sua terra natal. No seguimento da revisão introduzida pelo 2.º Ato Adicional à Carta Constitucional, de 24 de julho de 1885, foi criada uma parte eletiva na Câmara dos Pares do Reino, tendo Jaime Moniz sido eleito, por unanimidade, Par do Reino pelos estabelecimentos científicos. Nomeado Diretor Geral das Repartições da Câmara de Deputados, em setembro de 1879, exerceu funções até 26 de novembro de 1886, onde demonstrou as suas enormes capacidades de organização e de coordenação, tendo reestruturado todas as secções do parlamento. Um dos atos mais aplaudidos e elogiados consistiu na publicação do Anuário da Câmara dos Senhores Deputados no ano de 1882, que teve continuidade nos anos seguintes e que constitui um repositório importante para o conhecimento intrínseco das atividades parlamentares. A 1 de junho de 1882, foi eleito, em votação unânime, sócio efetivo da Academia Real das Ciências de Lisboa, 2.ª Classe (secção de ciências económicas e administrativas), onde, uma vez mais, manifestou as suas capacidades de organização e administração, tendo procedido à reestruturação de várias secções desta instituição. No Conselho Superior de Instrução Pública, organismo recém-criado pela carta de lei de 23 de maio de 1884, com competências reforçadas e que substituiu a Junta Consultiva de Instrução Pública, Jaime Moniz, como vice-presidente, desempenhará um papel de extrema importância na condução da política educativa, sendo o responsável pela configuração de uma das reformas mais importantes no domínio da educação, tendo ficado conhecida como a Reforma de Jaime Moniz. Em 18 de novembro de 1884, foi nomeada, no Conselho Superior de Instrução Pública, uma comissão, presidida por Jaime Moniz, para se deslocar ao estrangeiro, a fim de proceder a estudos sobre a organização do ensino secundário, e em 27 de agosto do ano seguinte aquele foi incumbido de ir ao estrangeiro estudar a organização do ensino superior. Em menos de um ano, em 14 de janeiro de 1886, e de acordo com a missão de que fora incumbido, apresentava ao referido Conselho uma proposta de reorganização do Curso Superior de Letras em que previa a sua transformação numa Escola Superior de História, Filosofia e Letras. A grande reforma do Curso Superior de Letras, no sentido proposto por Jaime Moniz, ocorreu em 1901, mas até essa data o notável pedagogo nunca deixou de lutar pela dignificação do curso e do seu corpo docente. Em 13 de março de 1890, foi nomeado diretor da publicação, subsidiada pelo Estado, Corpo Diplomático Português, sendo impressos, sob a sua orientação, os tomos X, XI, XIII e XIV que compreendem os documentos relativos aos negócios de Portugal com a Cúria Romana, desde o reinado de D. Sebastião até ao reinado de Afonso VI. Nos finais de 1880, apesar de algumas reformas levadas a cabo no domínio da instrução secundária, o ensino secundário estava em plena crise, estagnado, com enorme descrédito junto da opinião pública, e os liceus eram transformados em fábricas de diplomas, funcionando praticamente só na época de exames. O ensino debatia-se com grandes dificuldades que abrangiam um variado leque de carências: instalações deficientes ou mesmo impróprias, falta ou inexistência de material didático, insuficiente formação científica e pedagógica dos professores, desorganização curricular, politização excessiva das questões educativas e subordinação das normas escolares ao clientelismo eleitoral. Em suma, um conjunto de problemas que se enquadravam na difícil e embaraçosa situação financeira do país. Neste contexto, a crise financeira de 1890 acentuou ainda mais o já de si débil e deficiente estado do ensino. A Reforma de Jaime Moniz enquadrou-se nesta conjuntura adversa e difícil. Os regeneradores, em 1892, voltaram ao poder, chefiados por Hintze Ribeiro, tendo com responsável pelo Ministério do Reino João Franco. Consciente dos graves problemas de que enfermava o ensino secundário, João Franco apresentou, em outubro de 1894, um projeto de reforma ao Conselho Superior de Instrução Pública. Coube a Jaime Moniz a apreciação do projeto, tarefa espinhosa e complexa considerando o estado deplorável a que chegara o ensino secundário. Iniciada em outubro, a Reforma da Instrução Secundária viria a ser publicada no dia 24 de dezembro no Diário do Governo. Causou espanto e admiração o facto de, em tão pouco tempo, Jaime Moniz ter apresentado uma proposta tão bem estruturada e que, pela primeira vez, tentava abranger, de forma orgânica e sistemática, todos os aspetos da vida da escola num determinado grau de ensino: currículos, horários, metodologia e materiais de ensino, organização administrativa e recrutamento e formação de professores. A reforma de Jaime Moniz de 1894/1895 estabeleceu, pela primeira vez, uma unidade orgânica e funcional para os estudos secundários realizados nos liceus e constituiu um marco decisivo na história do ensino secundário porque, ao contrário das reformas que a antecederam, abarcou um conjunto de alterações pedagógicas e organizacionais de forma concertada e estruturada, contemplando as metodologias de ensino, os programas, a avaliação, a organização, a administração dos liceus e a supervisão. A inovação curricular introduzida pela Reforma de 1894-1895 residia no estabelecimento do regime de classes, e não de disciplinas, como a introduzida pela reforma de Passos Manuel, e foi implementada de forma gradual, como previsto no art.º 136 do regulamento de 14 de agosto de 1895. Sob o ponto de vista pedagógico, a reforma apresentou inovações fecundas que viriam a manter-se até aos nossos dias, pelo que pode ser considerada um marco importante na história do ensino secundário de Portugal. Algumas vantagens que poderão ser assinaladas à reforma de Jaime Moniz são: reconhecimento do valor do regime de classe, uma nova metodologia de ensino e uma unidade e organicidade do curso liceal. No entanto, o modelo proposto por Jaime Moniz, fortemente influenciado pela cultura alemã, apresentava aspetos negativos que foram corrigidos pela Reforma de 1905: a existência de um curso complementar único, a não inclusão da disciplina de educação física no currículo, o peso excessivo do latim e do alemão e a questão do livro único. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, com a Grã-Cruz de Carlos III de Espanha, em 1891, e com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago, em 1895. Pertenceu a numerosas associações científicas portuguesas e estrangeiras: sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa, sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, sócio correspondente da Sociedade Antropológica de Espanha, entre outras. Jaime Moniz faleceu em 16 de setembro de 1917, deixando, segundo as palavras do visconde do Porto da Cruz, “bem marcadas a honradez e nobreza do seu espírito, o valor do seu trabalho, a sua inteligência e profunda erudição” (PORTO DA CRUZ, 1953, 15). No seu funeral fizeram-se representar o Presidente da República, que na véspera se deslocara pessoalmente à sua casa do Monte Estoril. Dois anos após o seu falecimento, em 1919, o Governo da República, como forma de homenagear os grandes vultos, atribuiu o nome de Jaime Moniz ao Liceu Nacional do Funchal. Em 1961, a CMF batizou a praça em frente da fachada principal do Liceu de “largo Jaime Moniz”. No ano seguinte, em 18 de fevereiro, foi colocada no centro da praça uma estátua esculpida em mármore, da autoria do mestre Anjos Teixeira, com a figura do cidadão madeirense nascido na cidade do Funchal, insigne pedagogo, político e professor.   Jorge Moreira de Sousa (atualizado a 05.02.2017)

História da Educação Personalidades

festividades

A Madeira é um lugar em que se articulam bem as festividades tradicionais, aquelas que o povo celebra há centenas de anos, com as mais modernas, as que se ligam ao fluxo turístico, que busca coisas novas, diferentes, atrativas. As festividades começam, na Madeira, com a festa do panelo, um festival gastronómico que tem lugar no Seixal, nos finais de janeiro. Segue-se, por alturas de fevereiro, a festa dos compadres que começa dois domingos antes do Carnaval. Dura cerca de duas semanas e é essencialmente uma festa humorística em que se brinca com as mulheres (as comadres) e com os homens (os compadres), terminando com um julgamento, em que normalmente vence a comadre. Para os madeirenses, é uma oportunidade de anteciparem o calendário oficial e começarem os folguedos e as brincadeiras da quadra, a que os gigantones dão um toque burlesco. Há música tocada por instrumentos tradicionais, cantigas e danças populares, bailes, cortejos típicos com trajes regionais e um concorrido arraial onde se comem espetadas, bolos do caco, sonhos, etc.. O Carnaval do Funchal insere-se na antiga tradição de se celebrarem na folia os últimos dias antes do começo da Quaresma. É uma época em que se multiplicam os cortejos alegóricos e os desfiles de máscaras, aproveitados muitas vezes para se exprimirem críticas à atualidade ou a personalidades conhecidas. O cortejo principal é no sábado à noite, mas o desfile de terça-feira, o “Carnaval Trapalhão”, é um momento sempre bem vivido; como o nome indica, as máscaras são mais “trapalhonas” o que parece agradar a quem participa no cortejo e a quem a ele assiste. Em março, os eventos em torno da Semana da Árvore e da Floresta, celebrados maioritariamente no Parque Ecológico do Funchal, proporcionam um contacto e conhecimento próximos do meio ambiente, assim como aprendizagem de práticas para melhor o defender e preservar. Também durante o mês de março decorre, no Faial, a festa da anona. Como se revelará mais adiante outros produtos da terra e do mar justificam a realização de festas populares, um pouco por toda a parte. O Festival Literário da Madeira realiza-se no início da primavera. É essencialmente um conjunto de debates que têm lugar no Teatro Municipal Baltazar Dias, e reúne alguns dos melhores escritores de origem madeirense (e não só) com críticos e estudiosos de Literatura. Não se confina a um certame para eruditos, pois envolve a população em geral. Uma homenagem pública a um vulto relevante do panorama literário madeirense é sistematicamente incluída no programa. Em abril, realiza-se a festa da cana do açúcar na Ponta do Sol. Esta festa recorda que o açúcar foi uma das maiores riquezas da Ilha desde os primórdios do povoamento: o alfenim (massa de açúcar e óleo de amêndoa doce) era presente de elevado valor e chegou a ser moeda de troca para a aquisição de obras de arte. Na feira da cana do açúcar, é possível aprender como se recolhe e trabalha a matéria-prima, como se fabrica a aguardente, o melaço e os rebuçados, para além de se poder visitar exposições e participar em atividades de vária ordem. Além das festas típicas da gente madeirense e que, com mais ou menos alterações, se têm mantido ao longo dos tempos, outras há que, embora envolvam e entusiasmem as populações locais, nasceram como consequência da força de atração turística. Esta é uma realidade a que os madeirenses se foram habituando (há registos muito antigos de visitantes ilustres nestas paragens), e ocorreu de forma fulgurante a partir da segunda metade do séc. XX. Destas festividades, o lugar de honra vai para a famosa Festa da Flor. Na Madeira florescem flores raras e variadas, como as orquídeas, as estrelícias e os antúrios, as poinsétias, os lilases, os jasmins, os hibiscos, as hortênsias e os agapantos; e há as árvores carregadas de flores: os jacarandás, as mimosas, as árvores de fogo. Tudo isto se celebra na Festa da Flor que todos os anos, em abril, enche as ruas do Funchal e possibilita o contacto direto com tão grande e diversificada beleza. Nesta ocasião, as ruas encontram-se engalanadas, tal como o chão, os arcos e as paredes das casas; podem ver-se exposições temáticas; sucessivos cortejos; carros enfeitados; e trajes alegóricos. Do programa anual consta sempre a construção do “Muro da Esperança” pelas crianças do Funchal. Quase em simultâneo com a Festa da Flor realiza-se o Festival dos Jardins do Funchal, concurso de jardineiros encartados, mas também de particulares, comerciantes e artistas amantes de flores, que apresentam minijardins para serem apreciados e classificados pela população. No final, são atribuídos prémios às melhores e mais originais produções. As paisagens naturais da Ilha favorecem propostas de contacto com a natureza, através de caminhadas que se organizam ao longo das levadas e das veredas das montanhas. Assim, em abril, tem ainda lugar uma prova de trilho pedestre que atravessa toda a Ilha, proporcionando aos participantes uma passagem por paisagens e ambientes muitos diversos até no que respeita às condições atmosféricas. Em maio, realiza-se nova prova pedestre, com percursos mais curtos e exigindo competências de orientação. O apóstolo S. Tiago Menor é o padroeiro principal da cidade do Funchal, que o celebra no dia 1.º de maio e a cada ano lhe agradece o tê-la salvo da peste que, no séc. XVI, causou grande mortandade entre a população. As festas, que duram vários dias de música e folguedo, integram uma procissão com a imagem do santo e muitos fiéis enfeitados com cordões feitos de flores amarelas, os “maios”. Neste mês de maio, há também várias festas agrícolas: a festa da cebola, no Caniço, com cortejo de tratores e carroças enfeitadas e leilões do produto em destaque; e a festa do limão (na paróquia da Ilha), marcada pela mostra de doçaria e outros pratos feitos a partir do referido citrino, bem como pelo célebre despique de quadras populares criadas a partir dos mais variados temas e cantadas à desgarrada nos ritmos típicos da região. A Ribeira Brava assiste uma vez por ano, ainda em maio, ao encontro das bandas de música, um acontecimento cultural que permite defender e valorizar as antigas tradições musicais da Ilha e que se transforma num animado despique em que cada um quer mostrar o seu melhor, para alegria dos executantes e orgulho dos que, às vezes de longe, os vêm apoiar. É também nesta vila que se realiza, por ocasião das festas de S. Pedro, uma exibição de fogo de artifício. Acrescenta-se a esta lista de eventos a exposição de automóveis, motos e scooters antigos que se organiza em maio ao longo da estrada Monumental. Apresentam-se máquinas extraordinárias e bem tratadas, que cruzavam as estradas da Ilha nos tempos passados, quando a maioria das pessoas se deslocava a pé ou, quando muito, em carros puxados a bois. Também em junho, é possível ver muitas dessas máquinas afoitarem-se pelas estradas da Ilha numa corrida sui generis de curtas etapas, o chamado Classic Rally. O mês de maio termina com as festas da Sé, que por vezes se prolongam até ao início de junho. São festas de rua mais do que celebrações religiosas, que se realizam à volta da Sé mais do que no seu interior. De toda a cidade, “desaguam” na baixa centenas de pessoas que enchem os bares, que dançam na rua, que provam carne de vinha de alhos, sarapatel, bolo do caco ou bolo de mel, que sugam rebuçados de funcho, que bebericam malvasia e grogue, poncha e jaqué, quando não um dos licores feitos a partir do maracujá, do araçá ou da goiaba, etc. As ruas estão enfeitadas com flores e com luzes que, quer de dia quer de noite, transformam aquele espaço num cenário de festa que os grupos musicais e os ranchos folclóricos se encarregam de animar num rodopio contagiante. Em junho, realiza-se a festa da cereja, no Jardim da Serra, à qual se associa a ginjinha. Ainda neste mês, mas na Câmara de Lobos, terra de pescadores que entusiasmou Churchill pelo seu pitoresco, bem junto ao mar, festeja-se um produto deste rico manancial madeirense: o peixe-espada preto. Esta festa constitui simultaneamente um tributo a quantos labutam na pesca e, assim, aumentam a fama do arquipélago. No Funchal, os santos populares também são celebrados com pirotecnia. As celebrações de S.to António, S. João e S. Pedro animam as noites e os dias da Madeira durante o mês de junho, um dos mais animados do ano. Os bailinhos, as barracas de vinhos e petiscos, as exibições de música folclórica pelas ruas, largos e jardins e ainda o fogo de artifício que ilumina as noites do Festival do Atlântico envolvem quantos por ali se encontram. Em julho, na Madalena do Mar, faz-se a festa da banana; a abundante produção local explica que neste lugar se organize há muito tempo tal evento, famoso em toda a Ilha. Também em julho festeja-se outro produto, outra vez do mar e não da terra: as lapas, no Paul do Mar, servidas na grelha, temperadas com manteiga, alho e limão. Ainda neste mês tem lugar em vários pontos do mar da Madeira o campeonato de pesca grossa; entre as diversas provas do campeonato, conta-se a pesca do espadim azul, que ocorre simultaneamente em vários locais do Oceano Atlântico. É igualmente em julho que se realiza a Semana do Mar, em Porto Moniz, na costa Norte, com atividades e jogos variados, passeios de barco, regatas e exibições de folclore, provas desportivas, e outros acontecimentos culturais. Também em julho, vivem-se em simultâneo o festival de folclore e a festa da maçaroca. O primeiro atrai a Santana grupos folclóricos de toda a Ilha (e de Porto Santo), que se apresentam com um desfile nos seus coloridos trajes; estes variam conforme a localidade de onde são provenientes e do estatuto social que representam. O conjunto de exibições inclui, frequentemente, a de um grupo estrangeiro, vindo de um dos países que acolhe mais emigrantes madeirenses. O desafio que é feito é o de se passarem 48 horas a bailar – e há resistentes que o conseguem. A outra festa acima referida pretende apresentar o artesanato confecionado a partir das folhas do milho e da própria maçaroca, que abunda nas freguesias de Santana e São Jorge. A cidade de Machico tem festas enraizadas na cultura popular. A enseada desta urbe é considerada o local do primeiro desembarque dos Portugueses na região, em julho de 1419. A povoação de Machico é tão antiga como a do Funchal e as duas cresceram lado a lado, repartindo entre si a missão de colonizar a Ilha. Foi sede de uma das três capitanias em que o arquipélago foi dividido no tempo do infante D. Henrique (a terceira é Porto Santo), e ali se realiza o mais típico mercado medieval de toda a região. Dura uma semana e inclui diversões e entretenimentos que se considera já existirem na Idade Média: cortejos, teatros de rua, exibições de acrobatas e malabaristas, jogos pirotécnicos, entre outras atividades. Os participantes usam trajes da época e as barracas proporcionam comidas e bebidas de cariz medieval, bem como artesanato local. As ruas, à volta da igreja dos inícios do manuelino, são engalanadas com bandeiras e colgaduras. No Funchal, o festival de jazz, que se realiza ao ar livre, no parque de Santa Catarina, durante o mês de julho, congrega melómanos que se juntam para ouvir os melhores grupos nacionais e muitos estrangeiros. Também em julho, no parque de Santa Catarina, tem lugar a abertura oficial das festas de verão, com bandas e grupos instrumentais, cantores e intérpretes de várias origens. Realiza-se ainda o Festival Raízes do Atlântico, provavelmente uma das mais antigas apresentações de músicas do mundo em território nacional, que coloca frente a frente grupos tradicionais de distintos países. A romaria da Sr.ª do Monte realiza-se no dia 15 de agosto, perto do Terreiro da Luta, um dos miradouros sobre o Funchal. O motivo da romaria é a veneração de uma imagem muito antiga, alegadamente encontrada por uma pastorinha ainda nos finais do séc. XV, i.e., pouco tempo depois de iniciado o povoamento. A festa é uma das mais famosas da ilha da Madeira e atrai gente vinda de todo o mundo, designadamente das paragens por onde se encontra a diáspora madeirense, sobretudo desde que, em 1803, o bispo do Funchal colocou a cidade e a Ilha sob a proteção da Senhora. A igreja, que data do séc. XVIII e substitui a do séc. XVI, que era demasiado acanhada para tão grande devoção, é ricamente adornada e a procissão conduz multidões de fiéis por ruas engalanadas e caminhos cobertos de flores. Entre as festas citadinas destaca-se o Dia da Cidade do Funchal, instituído para celebrar as memórias daquela que é a mais antiga cidade europeia fora do continente e a sede da outrora maior Diocese do mundo inteiro. Ainda em agosto realiza-se a semana gastronómica de Machico, que junta cozinheiros de toda a Ilha, os quais apresentam os seus pratos mais emblemáticos à apreciação (e julgamento) dos muitos turistas que ali acorrem. Nova mostra gastronómica ocorre por ocasião da festa do Senhor dos Milagres, uma festa essencialmente religiosa com missa e procissão de velas. A capela do Senhor dos Milagres encontra-se na localização provável dos túmulos de Robert Machim e Anne d’Arfet, os jovens ingleses que, fugindo de quem perseguia os seus amores proibidos, ali teriam sido desembarcados no séc. XIV, i.e., antes da chegada dos Portugueses. A capela primitiva foi destruída pela força das águas no início do séc. XIX, e posteriormente reconstruída; no entanto, a imagem de Cristo é a original, uma vez que foi recuperada no mar uns dias depois por um navio americano. O facto foi considerado milagroso e a festa realiza-se em memória do dia em que a imagem foi retirada das águas. Outro núcleo temático festivo liga-se ao mar, que exerce um poderoso fascínio sobre quem vive ou visita a Madeira. Um dos eventos relacionados com este tema é a volta à Ilha de canoa, que ocorre habitualmente em agosto, e que propõe uma ida do Funchal ao Funchal, seguindo a costa. Neste mês realiza-se ainda, no Paul do Mar, uma prova de desporto radical, misto de ciclismo e mergulho. A Camacha é rica em artesanato e nela se realiza, normalmente em agosto, o Festival de Arte que, além de mostrar o que se produz na vila, em vime e giesta, constitui uma exibição de produtos tradicionais de toda a Ilha, designadamente bordados. Esta festa é acompanhada pelas atividades do rancho folclórico local. O tema “Vinho da Madeira” é celebrado nos inícios de agosto com o rally que leva esse nome e que, desde meados do séc. XX, atraiu à Ilha famosos pilotos europeus, para quem o traçado das estradas e a incerteza das condições atmosféricas constituem um verdadeiro desafio, bem como numerosos aficionados do desporto automóvel. Também nos finais de agosto, mas em Porto Santo, realiza-se a festa das vindimas que, sem o fulgor e a divulgação da do Funchal, permite celebrar um vinho diferente, generoso, produzido nas encostas quentes do sul da ilha a partir de uvas grandes, ricas em açúcar. O evento inclui manifestações culturais, provas de vinho de diversas castas e bailes populares. O Instituto do Vinho da Madeira criou o Festival do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, em fevereiro, em ordem a divulgar estas e outras manifestações da cultura popular. Trata-se de um festival urbano, com um programa multifacetado que inclui oficinas de experimentação artesanal (tapeçaria, pintura de azulejo, etc.), manifestações culturais e propostas de divertimento. A festa do Vinho da Madeira tem lugar normalmente nos últimos dias de agosto e prolonga-se por setembro. A festa do vinho é um acontecimento de grande relevo, com programas diversificados que vão desde a participação em atividades rurais, como a vindima, a pisa da uva à volta da cidade de Câmara de Lobos e o respetivo cortejo dos vindimadores, até às visitas guiadas organizadas pelas adegas regionais, as provas de vinho das diferentes castas, propostas um pouco por toda a cidade do Funchal, e às manifestações folclóricas, espetáculos de luz e som, cortejos, bailes e petiscos tradicionais. Setembro é um mês muito fértil em celebrações populares. Neste mês celebram-se três das mais concorridas romarias da ilha da Madeira: a do Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada; a de N.ª Sr.ª do Loreto, no Arco da Calheta; e a de N.ª Sr.ª da Piedade, no Caniçal. Ponta Delgada nasceu à volta de uma pequena capela do séc. XV que o fogo destruiu no início do séc. XX. A romaria é uma das mais frequentadas do norte da Ilha, por peregrinos vindos de muito longe, por vezes a pé. A festa tem lugar nos primeiros dias de setembro, mas desde meados de agosto que começam os preparativos, cobrindo-se as ruas com flores coloridas, fazendo-se os bolos tradicionais, construindo-se barracas de louro, montando-se arcos de buxo, etc. A terra enche-se de vendedores ambulantes que se preparam para expor os seus produtos regionais, nomeadamente os colares de peras passadas. As últimas horas são dedicadas a atapetar de flores e folhagens o percurso por onde há de passar no dia maior a procissão do Bom Jesus, na sua volta pela localidade. A capela do Loreto fica perto do Arco da Calheta, terra que foi rica em açúcar e onde morou Gonçalo Fernandes, grande senhor de sesmaria, muito provavelmente filho do Rei D. Afonso V, ali exilado por razões de Estado. O pequeno templo, dos inícios do séc. XVI, foi restaurado mas guarda traços manuelinos de razoável interesse. À sua volta, realiza-se todos os anos, a 8 e 9 de setembro, uma romaria muito animada e concorrida, preparada com devoção e cuidado pelos habitantes da terra, que também cobrem as ruas com dosséis floridos em honra da Mãe de Jesus, na sua invocação da Casa Santa. Quando o calendário permite, a proximidade das duas festas faz que os romeiros do Bom Jesus vão diretamente para o Loreto. O Caniçal é terra de pescadores, típica nas suas casas garridas, situada no extremo leste da Ilha. Bem perto do cabo de São Lourenço, no alto de uma escarpa elevada, fica a capela de N.ª Sr.ª da Piedade, padroeira dos homens do mar, edificada como preito de gratidão de marinheiros aflitos. A festa consta essencialmente de duas grandes procissões de barcos, uma que vai buscar a imagem da Senhora e a leva até à igreja matriz, dedicada a S. Sebastião; a outra procissão devolve-a à sua capela. As embarcações são festivamente engalanadas, destacando-se a que transporta o andor, escolhida por sorteio uns dias antes. Nos percursos a pé, no Caniçal, entre o cais e a igreja, a Virgem é acompanhada pelos fiéis, com cânticos e bandas filarmónicas. Na festa profana não faltam naturalmente os petiscos nem as bebidas tradicionais. A cidade de Vila Baleira inspira-se nos tempos antigos do povoamento para a temática das suas celebrações. De facto, foi ali que os Portugueses primeiro chegaram, em 1418, e tudo leva a crer que Cristóvão Colombo, casado com Filipa Moniz, filha do primeiro capitão donatário da ilha, Bartolomeu Perestrelo, terá vivido no Porto Santo, onde nasceu seu filho Diogo, nos finais do séc. XV. É esta presença do grande navegador de renome mundial em terras madeirenses que a cidade comemora alegremente no mês de setembro, com cortejo histórico, eventos culturais e uma reconstituição cénica da chegada de Colombo à ilha. O pero e a maçã têm as suas festas em setembro, o primeiro na Ponta do Pargo e a maçã, sob a forma de cidra, no Santo da Serra. Por toda a parte, há cortejos, degustações de produtos locais, tendas de artesanato e festa. Outra forma de contactar com a natureza é proposta pelo festival de todo-o-terreno que também se realiza em setembro, no qual pode participar qualquer pessoa que queira aprofundar a sua descoberta da Madeira. Neste conjunto de realizações, podemos ainda incluir o torneio de golfe, disputado no Santo da Serra e no Porto Santo, pelo que esta prática desportiva tem de relação estreita com os espaços naturais em que se realiza. As iniciativas incluídas no Madeira Nature Festival, tais como passeios, caminhadas, voos em parapente, experiências de vela em mar aberto, são outras tantas possibilidades de se conhecer a Madeira no mês de outubro. Na vila da Camacha, a festa da maçã ocorre igualmente em outubro, com possibilidade de se assistir ao fabrico da cidra a partir de frutos acabados de colher. Neste mês, ainda o Festival de Órgão da Madeira, que atrai organistas de todo o mundo para executarem, a solo ou acompanhados por coros locais, peças dos mais variados compositores. As peças são executadas nos órgãos de origem portuguesa, italiana e inglesa e nos muitos locais que a isso se propiciam – desde o Colégio de S. João Evangelista à igreja de S. Pedro, do convento de S.ta Clara à Sr.ª de Guadalupe. Novembro é o mês da castanha, e o Curral das Freiras e o Campanário da Ribeira Brava fazem questão de mostrar as suas especialidades com provas não só dos frutos em si, como também dos doces e licores que eles proporcionam. A Madeira tem uma sólida tradição de fotografia; as paisagens da Região inspiraram gente como os Vicentes, que as fixaram em verdadeiras obras de arte. As mostras de cinema da Madeira são por muitos consideradas uma homenagem àqueles percursores da arte da imagem. No Funchal há dois festivais de cinema: o Festival Internacional, em novembro, que apresenta no Teatro Municipal Baltazar Dias longas e curtas-metragens do mundo inteiro, dando particular relevo ao cinema independente e às produções madeirenses; e o Madeira Film Festival, em abril, que é menos divulgado mas envolve muitas outras atividades para além da simples mostra de novos filmes. Em abril tem também lugar a feira do livro que, para além da venda, tem associadas uma série de celebrações relacionadas com a leitura. Entre as festividades, o Natal tem um lugar de honra. Para o madeirense, a Festa é o Natal; é mesmo a única que é assim chamada – a “Festa” – sem precisar de mais especificações. A cidade do Funchal começa a engalanar-se logo em novembro. No campo, no entanto, perduram as velhas tradições, é por volta do dia 15 de dezembro que os preparativos têm lugar, envolvendo toda a população. Colocam-se mastros e bandeiras nas ruas, enfeitam-se as paredes das igrejas com folhagens, ornamentam-se os altares e, principalmente, começa a montar-se o presépio na igreja, repetindo hábitos de avós e bisavós. A Festa é normalmente anunciada com foguetes que convidam os fiéis para o início das “missas do parto”. A primeira é no dia 16 e, até ao dia 24, todas as madrugadas se celebra a iminente chegada do grande dia. E canta-se: “Virgem do Parto, oh Maria,/Senhora da Conceição,/Dai-nos as festas felizes,/A paz e a salvação”. Há costumes ligados a estes dias (cantos, danças, trajes, etc.), dos quais a matança do porco é, sem dúvida, um dos mais respeitados, juntando, em quase todas as freguesias, homens, mulheres e crianças numa celebração onde não falta a aguardente de uva ou de cana, nem os petiscos cozinhados no local. É também a altura de, por toda a parte, se amassar e cozer o “pão da Festa”, bem como de, em cada casa, se montar a “lapinha”, que é uma espécie de trono ao Menino Jesus, instalado em cima de uma mesa, normalmente com armações em escada de três degraus, enfeitadas com flores, ramagens, searinhas de lentilhas, trigo ou centeio, frutos coloridos, bolas e fitas, em que o Menino se representa em pé. O dia de Natal é vivido em família, demorando as celebrações populares até meados do mês de janeiro, pontuadas pelos cantos das janeiras, pelas tradições de dia de Reis (no Funchal, na Ribeira Brava, em Câmara de Lobos, entre outras localidades), pelas atividades típicas do fim da Festa: desmontar as lapinhas e “varrer os armários” (ritual que consiste em arrumar os locais onde se guardam os objetos ligados à festa de um ano para o outro), servindo estas ocasiões como novas oportunidades de folguedos e brincadeiras. Entretanto, a 28 de dezembro, realiza-se a corrida de S. Silvestre, uma das mais antigas da Europa, e, na noite do dia 31, aquele que é talvez o mais conhecido evento madeirense: a passagem do ano, festa que regularmente atrai ao Funchal largos milhares de turistas desejosos de ver o esplendoroso fogo de artifício, que ilumina toda a baía e que se derrama desde a montanha até ao mar, cobrindo a capital da Madeira com um manto de luz e de cor. No momento da passagem do ano, tocam os sinos e as sirenes dos paquetes estacionados no porto, e não são raras as famílias que lançam os seus foguetes ou acendem os fósforos coloridos na varanda ou no terraço, participando assim, à sua maneira, na grande celebração.     José Victor Adragão (atualizado a 31.01.2017)

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ferreira, antónio aurélio da costa

António Aurélio da Costa Ferreira nasceu no Funchal a 18 de janeiro de 1879. Era filho de Francisco Joaquim da Costa Ferreira, natural do Porto, e de Teolinda Augusta de Freitas, natural do Funchal. Médico, antropólogo, pedagogo e político, licenciou-se, pela Universidade de Coimbra, em Filosofia (1899) e em Medicina (1905), tendo recebido vários prémios nas duas faculdades. Estagiou em Paris, na Clínica de Tarnier e na Maternidade Lariboisière, e, mais tarde, numa clínica de doenças de crianças, especializando-se em pediatria. Nesta área, publicou Algumas Lições de Psicologia e de Pedologia em 1920 e História natural da criança em 1922. Foi professor no Liceu Camões e em outras instituições de ensino, vereador da Câmara de Lisboa (1908-1911) na altura em que era presidente A. Braancamp Freire, deputado por Setúbal (1910), primeiro-provedor da Assistência Pública (1911-1912) e ministro do Fomento (1912-1913) no Governo presidido por Duarte Leite. No ano de 1913, abandonou, quase por completo, a política. Tendo levado a cabo uma ação notável como educador na Casa Pia de Lisboa, de que foi diretor, criou, na mesma casa, em 1914, o Instituto Médico-Pedagógico, obra pioneira no atendimento e ensino de crianças com dificuldades de aprendizagem escolar. O Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, criado em 1941 por influência de Vítor Fontes, era o continuador do Instituto Médico-Pedagógico. Mobilizado durante a Primeira Guerra Mundial, organizou o serviço de assistência aos mutilados portugueses, constituindo uma secção de seleção e orientação profissional no Instituto Médico-Pedagógico e uma secção de reeducação, fisioterapia e prótese no Instituto de Reeducação dos Mutilados de Guerra, em Arroios. Foi promovido a major em 1920. Por sua influência, foi criada, em 1915, na Escola Normal Primária feminina, a cadeira de Pedologia, de que foi professor até 1918 e que regeu juntamente com a de Psicologia Experimental. Foi assistente voluntário de Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa (desde 1917), segundo assistente (1919) e professor livre de Anatomia Antropológica (1921), mediante concurso, de cujas provas públicas foi dispensado após ter-lhe sido atribuída a nota de 20 valores pelo conjunto de publicações de que era autor. Também exerceu a função especializada de naturalista no Museu Bocage, em 1919. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia e sócio de diferentes sociedades científicas e de imprensa nacionais e internacionais e de reputados institutos, como o Instituto Geral Psicológico de Paris, de que era sócio titular, a Sociedade de Antropologia de Paris, o Real Instituto da Grã-Bretanha e Irlanda, e da Reunião Biológica de Lisboa como efetivo. Foi vice-presidente da secção antropológica da Sociedade de Geografia de Lisboa, vice-presidente do comité permanente interaliado para o estudo das questões relativas aos inválidos de guerra e delegado do governo nas conferências interaliadas para o estudo dessas questões, tendo trabalhado em várias cidades, entre as quais Paris, Bruxelas, Londres e Roma. Notabilizou-se especialmente pelos seus estudos antropológicos, um dos quais, Crânios Portugueses, publicou em 1899. Na Sociedade de Antropologia de Paris, apresentou outro estudo, que foi bem recebido pelos cientistas estrangeiros: “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais”. Em 6 de março de 1909, fez, na Sociedade de Geografia de Lisboa, uma conferência que foi depois publicada com o título O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico. Foi vastíssima a colaboração de Costa Ferreira em publicações da sua especialidade, tanto em Portugal como no estrangeiro. Dirigiu o Anuário da Casa Pia de Lisboa desde o volume de 1912-1913 até ao de 1920-1921, as Publicações do Instituto Médico-Pedagógico da mesma casa (1918-1919), bem como o boletim da mesma instituição (1921-1922). Também foi o responsável máximo da revista Esculápio (1913-1914). Relevam-se, para além dos já referidos, os seguintes títulos da sua autoria: Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto; Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia; “A Agudeza Visual e Auditiva, Debaixo do Ponto de Vista Pedagógico”; “A Visão das Cores”. António Aurélio da Costa Ferreira também era comendador da Ordem de Santiago, cavaleiro da Legião de Honra e tinha a medalha de ouro da Société Académique d’Histoire Internacional (Paris). Sob a influência de uma grave depressão nervosa, a 15 de julho de 1922 suicidou-se em Lourenço Marques (Moçambique), onde se encontrava no desempenho de uma missão de estudos antropológicos a convite de Brito Camacho. Obras de António Aurélio da Costa Ferreira: Crânios Portugueses (1899); “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais” (1904); O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico (1909); Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto (1909); “A Agudeza Visual e Auditiva, debaixo do Ponto de Vista Pedagógico” (1916); “A Visão das Cores” (1917); Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia (1920); História Natural da Criança (1922).     António José Borges (atualizado a 31.01.2017)

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