Mais Recentes

quinta das cruzes

João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471) e a família começaram por se instalar, precariamente, nos arrifes de Santa Catarina, entre cerca de 1421 e 1425; alguns anos depois, também de forma precária, fixaram-se na área do futuro convento de Santa Clara, mandado levantar pelo filho e segundo capitão-donatário do Funchal, João Gonçalves da Câmara (1414-1501). Tendo o primeiro capitão, Zarco, começado a registar, por escrituras públicas, na déc. de 50 do séc. XV, as propriedades dos seus descendentes e outras, nomeadamente a doação dos terrenos junto da capela de S. Paulo, a 25 de maio de 1454, para a edificação do primeiro hospital do Funchal, deverá datar da década seguinte a sua instalação na área da capela da Conceição de Cima, templo que mandara erguer para acolher a sua sepultura. As habitações dessa época eram, no entanto, ainda precárias, como nos informa o Cón. Jerónimo Dias Leite (c. 1537-c. 1593), indicando que a primeira casa de pedra que se fez, depois de acabadas as igrejas, fora a de Constança Rodrigues, filha de Diogo Afonso de Aguiar e neta de Zarco, junto à atual capela de S. Paulo. Constança Rodrigues não casara e ficara a viver com os avós, pelo que a construção da dita casa deve datar de pouco depois de 1471, ano provável da morte de Zarco (Arquitetura). O segundo capitão terá ocupado a residência precária do pai, mas, ao assumir a construção do convento de Santa Clara, para o que cedeu terreno e outros meios, terá iniciado uma outra edificação, mais acima, para norte, que veio a dar origem às casas das Cruzes. O futuro capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530), casou-se por volta de 1488. Pelo menos desde 1 de julho de 1495, data em que compareceu na Câmara do Funchal como alcaide-mor, tinha residência no chamado altinho das fontes, onde depois se levantou a fortaleza (Palácio e fortaleza de S. Lourenço). Nesse quadro, o codicilo do testamento do pai, de 1501, determina que o filho “Pedro Gonçalves da Câmara, haja as casas em que eu moro com todo o seu assentamento” (ARM, Juízo..., cx. 82, n.º 1). Não existe aqui informação específica quanto às habitações em questão, mas, como mais tarde as mesmas foram vendidas pelo neto e homónimo Pedro Gonçalves da Câmara ao seu tio-avô Francisco Gonçalves da Câmara, sabemos que se tratam das casas das Cruzes. As casas das Cruzes aparecem representadas na planta de Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), realizada entre 1567 a 1570, na sequência do ataque dos corsários franceses ao Funchal, ocorrido no ano anterior, e com a indicação “casas de Luís de Noronha” (BNB, cart., 1090203), indivíduo que pensamos ser sobrinho de Pedro Gonçalves da Câmara. Essas casas, no entanto, não eram propriedade sua, pois uns anos mais tarde, a 16 de setembro de 1575, o sobrinho ou sobrinho-neto Pedro Gonçalves da Câmara, no Arco da Calheta, para resolver uma série de problemas pendentes do tempo do pai, António Gonçalves da Câmara (c. 1510-1567), teve de vender as casas das Cruzes. Com efeito, António Gonçalves da Câmara, que fora nomeado caçador-mor de D. João III, dissipara grande parte da fortuna. Assim, em 1575, o jovem Pedro Gonçalves de Abreu declarava que, “por ser já emancipado e ter licença do juiz para poder vender as terras baldias e as casas das Cruzes para suprimento das mais fazendas que tinha no Arco da Calheta, sem o que não podia fazer”, vendia ao tio-avô Francisco Gonçalves da Câmara (c. 1510-c. 1586) as mesmas. De facto, este veio a tomar posse das terras a 22 de setembro. Poucos anos depois, Gaspar Frutuoso (c. 1522-c. 1591) relatava a residência de Francisco Gonçalves da Câmara como “uns paços mui grandes e sumptuosos” (FRUTUOSO, 1873, 115); note-se, contudo, que não se tratava ainda do edifício que chegou aos nossos dias, sucessivamente reconstruído. A avaliar pelo referido traçado de Mateus Fernandes, a residência possuía planta em L, com um corpo virado a sul não muito diferente, em planta, daquele que ainda possui, e um outro para poente, também como hoje se vê. É possível que, do edifício dos primeiros anos do séc. XVI, tenham ficado duas portas rematadas por lintel esculpido ao gosto manuelino, transformadas em janelas nas obras de reabilitação dos anos 50 do séc. XX (Arquitetura senhorial). As casas das Cruzes passaram depois a Joana de Noronha (c. 1550-1613), filha de Francisco Gonçalves da Câmara (c. 1510-c. 1586) e, em seguida, ao sobrinho António do Carvalhal Esmeraldo, falecido em 1648, sucedendo-o o morgado Francisco Esmeraldo Correia Henriques na casa das Cruzes. Provavelmente na posse deste último, por volta de 1660, o edifício foi dotado de um corpo novo, adossado à fachada para servir de entrada de aparato, constituindo-o um terraço, hoje coberto, assente sobre arcaria em cantaria vermelha do Cabo Girão e com acesso por poente. Nos finais de Seiscentos, aquele morgado mandou também levantar no local a capela de N.ª S.ª da Piedade, com acesso público pelo Lg. das Cruzes ou Lg. da Bela Vista, obra realizada na altura em que a propriedade foi ampliada para sul. Na fachada da capela foi mandada gravar a data de 1692, embora a dotação da mesma seja de 25 de maio de 1695 e a vistoria eclesiástica para efeitos de autorização de culto date de 14 de junho seguinte. O morgado subsequente, António Correia Henriques Lomelino, casou com D. Guiomar Jacinta de Moura Acciauoli, a 21 de novembro de 1718; alguns anos depois, com a morte da sua mãe, Catarina Lomelino de Vasconcelos, o morgado ficou herdeiro dos vínculos dos Lomelino, onde estava incluído o convento da Piedade de Santa Cruz. Daquele casamento nasceu Ana Guiomar Acciauoli Lomelino, conhecida como morgada das Cruzes, que desposou, em 1745, Nuno de Freitas da Silva, sétimo administrador do vínculo dos Freitas da Madalena do Mar e que se dizia ser o homem mais rico da Madeira. Educado em Londres, a ele se devem, muito provavelmente, alguns dos melhoramentos realizados nas casas das Cruzes após o terramoto de 1748, período em que o edifício central adquiriu a forma que hoje conhecemos. Nos meados e finais do séc. XVIII, o jardim foi dotado de cascatas e fontes, parte em embrechados de tufo vulcânico e, inclusivamente, pinturas a fresco, como depois outras com aplicações de restos de porcelanas e faianças, sucessivamente melhoradas e ampliadas ao longo da centúria seguinte. A fonte e cascata com os frescos onde parecem figurar Vénus e Apolo, e.g., deve datar de cerca de 1770, podendo essas pinturas terem sido executadas pela oficina de António Vila Vicêncio (c. 1730-1796). Data dessa campanha de obras dos finais do séc. XVIII o conjunto representativo de quinta madeirense que chegou até nós, composto por um amplo parque demarcado por muros e rematado nos extremos por “casinhas de prazer” (Casinha de prazer), contendo ainda uma capela, neste caso, com acesso exterior e com o percurso interior percorrido por caminhos empedrados com elaborados desenhos, formados pela disposição de pequenos seixos; este parque tem espaços ajardinados e encontra-se dotado de vários tanques de água, além das fontes e cascatas mencionadas. Nos finais desse século, a planta de Agostinho José Marques Rosa que data de cerca de 1800 menciona, entre uns poucos palácios, o “de Nuno de Freitas” (BPMP, cota PP190/CE), ou seja, a quinta das Cruzes. Era então propriedade do herdeiro Nuno Martiniano de Freitas, passando depois ao seu filho, o morgado Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), que casou com uma prima direita, D. Ana Welsh de Freitas Lomelino, figura notável da sociedade do seu tempo. A planta do Funchal do brigadeiro Reinaldo Oudinot (1747-1807), levantada na sequência da aluvião de 9 de outubro de 1803, tal como a planta seguinte, de 1805, do Ten. Paulo Dias de Almeida, registam o amplo parque, as casinhas de prazer, a capela e um corpo, que foi demolido perto dos finais do século seguinte, situado na área do atual roseiral da entrada do museu Quinta das Cruzes. Quinta das Cruzes. Foto: BF O conjunto que conhecemos hoje foi ainda alterado e melhorado ao longo dos meados do séc. XIX, quando os Lomelino conseguiram, e.g., reivindicar a propriedade do convento da Piedade de Santa Cruz. Com efeito, alguns morgados contestaram a lei de extinção das ordens religiosas de 30 de maio de 1834 e a posterior incorporação dos seus bens no Estado, nomeadamente Nuno de Freitas Lomelino (1813-1880), último padroeiro e morgado das Cruzes, em 1836, que veio a requerer os bens do antigo convento. A sentença do Tribunal da Relação de Lisboa, a favor de Nuno de Freitas Lomelino, tem a data de 1844; a 13 de julho de 1852, tomou posse das ruínas do antigo convento, transferindo algum desse património para as Cruzes, designadamente o túmulo do fundador, trasladado para a capela da Piedade; existem outros elementos arquitetónicos, pelo menos numa das casinhas de prazer, que parecem ser também provenientes desse convento. A quinta foi vendida, em 1863, a Tristão Vaz Teixeira de Bettencourt e Câmara (1848-1903), barão do Jardim do Mar. Com o seu falecimento, passou a outros proprietários e foi arrendada. Em 1916, a residência foi adaptada para servir de sede à casa bordados A. J. Froes & C.ª Suc.. Entre 1927 e 1931, funcionou ali o Quinta das Cruzes Hotel, cujos chás dançantes eram afamados, recolhendo nele o Gen. Adalberto de Sousa Dias (1865-1934) como deportado político, em fevereiro de 1931; envolvera-se na revolta do Porto, em 1927 e, em breve, interviria na Revolta da Madeira. Já desde 1929 que uma parte da quinta funcionava como sede da banda municipal Artistas Funchalenses, que organizava sessões de cinema ao ar livre no parque do hotel. Durante a Segunda Guerra Mundial, a propriedade serviu de residência a refugiados vindos de Gibraltar. Depois da guerra, residia numa parte do edifício o ourives e antiquário César Filipe Gomes (1875-c. 1949), que, em 1946, propôs doar a sua coleção de antiguidades ao governo da ilha da Madeira. Em sequência, em 1948, a Junta Geral adquiriu a quinta para instalar aí a dita coleção. A intervenção para a adaptação às novas funções iniciou-se em 1950, sendo o museu inaugurado a 28 de maio de 1953.   Rui Carita (atualizado a 16.12.2017)

Arquitetura Património História Económica e Social

greef, richard

Médico e zoólogo, especializado na estrutura e reprodução dos seres unicelulares, particularmente dos rizópodes, Richard Greeff nasceu em Elberfeld, a 14 de março de 1829, e faleceu em Marburg, a 30 de agosto de 1892. Era filho de Peter Greef, fabricante em Elberfeld e em Nova Iorque, e de Sophie Greef. Casou-se com Maria Esch, nascida em 1806 e falecida em 1863. Estudou em Würzburg, Heidelberg e em Berlim, tendo concluído, em 1857, os estudos em Medicina. De seguida, trabalhou como médico assistente do Hospital Municipal de Danzig. Em 1859, voltou para Elberfeld, onde exerceu a função de médico de clínica geral. Pouco tempo depois, em 1863, abandonou a medicina e doutorou-se em Zoologia na Universidade de Bona, prosseguindo a sua carreira como professor. A partir de 1871, foi professor catedrático de Zoologia e de Anatomia Comparada, e diretor do Instituto Zoológico-Zootómico da Universidade de Marburgo. Enquanto investigador de Ciências Naturais, realizou diversas expedições desde 1866-1867, entre as quais se incluem as viagens pelas seguintes regiões: costa Adriática, África, Suíça, ilhas Canárias e Portugal. Greef esteve na Madeira por duas vezes. A primeira vez foi em 1866, chegando de Lisboa a bordo do vapor Lusitânia, integrado numa expedição científica com Ernst Haeckel (1834-1919) e outros companheiros. Após uma curta estadia, de 17 a 19 de novembro, instalado no Hotel de Paris, no Funchal, seguiu para as Canárias no Niobe, um navio de guerra prussiano. A segunda passagem pela Madeira foi em outubro de 1879, escalando o Funchal a bordo do navio português Zaire. Saliente-se que, a partir do séc. XVIII, numerosas expedições científicas escalaram o Funchal, atraídas pelo interesse que a Madeira despertava na comunidade científica europeia de então. O arquipélago madeirense tornou-se um destino exótico dos naturalistas europeus, nos sécs. XVIII-XIX, sobretudo após as publicações das viagens comandadas por James Cook (1728-1779), que passou pela Madeira por duas vezes, em 1768 e em 1772. Especialistas em diversas áreas das ciências naturais arrimaram o porto do Funchal e permaneceram na Ilha durante algum tempo, realizando investigações no domínio da geologia, botânica, flora e fauna. Os seus estudos foram depois divulgados em várias publicações e colocaram a Madeira na rota científica internacional. Richard Greeff também realizou, no âmbito das expedições científicas, na Ilha, investigações acerca de animais invertebrados. Greeff mencionou a sua primeira passagem pela Madeira no livro Reise nach den Canarischen Inseln (1868). Mais tarde, publica Madeira und die Canarischen Inseln em besonders Naturwissenschaftlicher Zoologischer Beziehung (1872), no qual refere aspetos zoológicos das ilhas da Madeira e das Canárias.   Obras de Richard Greef: Untersuchungen über den Bau und die Naturgeschichte von Echinorhynchus miliarius Zenker (E. polymorphus) (1864); Reise nach den Canarischen Inseln (1868); Madeira und die Canarischen Inseln em besonders Naturwissenschaftlicher Zoologischer Beziehung (1872); Ueber Pelagische Anneliden von der Küste der Canarischen Inseln (1879); Studien über Protozoen (1888).   Sílvia Gomes (atualizado a 13.12.2017)  

Biologia Terrestre Madeira Global

grabham, george walter

George Walter Grabham foi um cientista madeirense reconhecido internacionalmente. Nasceu na freguesia de Santa Luzia, no Funchal, a 28 de junho de 1882. Era filho do médico Michael Comport Grabham, autor de vários livros, entre os quais um sobre a Madeira, e de Mary Anne Blandy Grabham, que pertencia a uma família ligada à produção e exportação de uma reputada marca do vinho madeirense. Estudou Geologia no University College School e no Saint John’s University College de Cambridge. Trabalhou na Geological Survey of Great Britain, na Escócia (1903-1906), e foi para o Sudão anglo-egípcio como geólogo oficial (1906-1930). Tornou-se membro da Royal Society of Edinburgh e da Geographical Society e foi agraciado com a Ordem do Império Britânico. Colaborou no Geology of Edinburgh and East Lothian, com o artigo “The Geology of the Neighbourhood of Edinburgh” (1910), no The Geology of the Glasgow District, (1911), no The Journal of Geology, na Geological Magazine, com o artigo “The Geology of Knapdale, Jura, and North Kintyre” (1911), no The Geology of Ben Nevis and Glen Coe – Memoirs of the Geological Survey, Scotland (1916), e na revista Nature. Publicou o seu trabalho “Esboço da Formação Geológica da Madeira” no Boletim do Museu Municipal. O seu interesse pela botânica levou-o a estudar as árvores da serra da Encumeada, em S. Vicente, na ilha da Madeira, concluindo que a sua antiguidade excedia os cinco milhões de anos. Faleceu no Sudão, a 29 de janeiro de 1955, tendo merecido notícia nos obituários do Geographical Journal, publicado por The Royal Geographical Society (com o Institute of British Geographers), no Stanford, K. S. Obituary, Proceedings of the Geological Society e no Proceedings of the Geologists Association. Obras de George Walter Grabham: “The Geology of the Neighbourhood of Edinburgh” (1910); “The Geology of Knapdale, Jura, and North Kintyre” (1911); “Esboço da Formação Geológica da Madeira” (1948).   António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.12.2017)

Biologia Terrestre Geologia

indústrias do turismo

O alerta oficial para o turismo e todas as futuras indústrias relacionadas com o mesmo ficou a dever-se ao Gov. José Silvestre Ribeiro (1807-1891), que, a partir de 1847, desenvolveu uma intensa pressão sobre toda a sociedade insular nesse sentido. O governador implantou, inclusivamente, a iluminação pública no centro da cidade, no que envolveu a Câmara Municipal e os comerciantes, tentou criar normas de relação cívica “com os inúmeros estrangeiros que nos visitam”, propôs a edição de “memórias históricas” (MENESES, 1849, I, 607-608), no âmbito dos anais municipais e chegou mesmo a propor a sua publicação em várias línguas, e, no palácio de S. Lourenço, em 1850, realizou uma exposição industrial que foi a base da representação madeirense na célebre Exposição Universal de Londres do ano seguinte. Datam dessa época o desenvolvimento dos serviços de instalação e transporte dos forasteiros, que deixam de alugar prioritariamente as antigas quintas madeirenses para optarem por instalações hoteleiras, e dos transportes locais, como os carros de cesto do Monte e os carros de bois, e o lançamento das indústrias de artesanato, como bordados, vimes e embutidos, que atingiram depois padrões de certa qualidade na Madeira, dada a sua ligação à indústria geral do turismo. Com profundas raízes na cultura e nas tradições locais, o seu aproveitamento económico, com o aumento dos índices de turismo na Ilha, apresentou aspetos totalmente novos e até inesperados, como é o caso dos bordados, cujo peso económico chegou, pontualmente, a ultrapassar o dos vinhos. A indústria dos bordados na Madeira, enquanto indústria, foi introduzida pelos Ingleses; não que não houvesse já trabalhos de bordado, mas foi com os comerciantes ingleses que este trabalho se adaptou progressivamente aos vários mercados internacionais. As primeiras referências que temos na Ilha à sua existência datam de 1849, quando o futuro conselheiro José Silvestre Ribeiro os refere como “produtos e artefactos de algum merecimento”, numa nota exarada do Governo Civil do Funchal em 23 de novembro desse ano, depois transcrita num periódico continental (Revista Univesal Lisbonense, 1849, 133-134). Com a crise de 1847, o célebre “ano da fome”, o Gov. José Silvestre Ribeiro reativara a anterior “Comissão Central de Auxílio”, que funcionara entre 1843 e 1844. A ideia foi lançada na “Assembleia-geral” realizada a 4 de fevereiro desse ano de 1847, no palácio de S. Lourenço, reunindo os elementos do Conselho do Distrito, e então alargada a outras autoridades. Foi nessa assembleia que se propôs a reativação da antiga “Comissão de Auxílio”, o que se efetivou no dia 6 seguinte, com o título de “Comissão de Socorros Públicos”, e que se constituiu ainda comissões concelhias. A comissão central foi constituída pelo prelado D. José Xavier Cerveira e Sousa (1810-1862), como presidente, Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcelos, John H. Holloway, William Grant e João Francisco Florença, como vogais, e, como secretário, Joseph Selby, então vice-cônsul inglês no Funchal e depois também cônsul da Dinamarca (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 39). Os fundos recolhidos por esta comissão haveriam de ser investidos em obras públicas e, também, no artesanato dos bordados, reconhecendo o trabalho já efetuado por algumas mulheres madeirenses e que as mesmas, através do seu trabalho, poderiam contribuir para o sustento dos seus agregados familiares. Em 1850, na exposição industrial de S. Lourenço, já há referências à presença de panos e de bordados e, para a célebre Exposição Universal de Londres, na representação madeirense dos objetos manufaturados, seguiram igualmente panos de linho, guardanapos, rendas de linho, xaile de meia e obras de croché, demonstrando a visibilidade dessa nova atividade. No entanto, na exposição seguinte, de 1853, descrita, embora sumariamente, por Isabella de França, que a visitou a 29 de abril, a atenta escritora não refere a presença de bordados, limitando-se à descrição das giestas em flor que decoravam os currais, de fetos muito bonitos, etc. A sua apresentação como produto para venda aparece na exposição industrial do Funchal de 1850, e, no ano seguinte, alguns bordados eram expostos em Londres, na Exposição Universal, embora a sua divulgação só ocorra a partir de 1854 e 1856, com as “meninas” Phelps, filhas de Joseph Phelps (1791-1876), antigo presidente da Associação de Comerciantes do Funchal, e de Elisabeth Dickinson (1796-1876). Na correspondência e nos diários das irmãs Mary Phelps (1822-1893) e Bella Phelps (1820-1893) não existe, no entanto, qualquer referência a esse respeito, nem ao ensino de bordados, nem à sua comercialização, como a tradição inglesa tem transmitido. O comércio de bordados seria seguido pelos irmãos Robert e Franck Wilkinson, também Ingleses, estabelecidos na Madeira a partir de 1862 – nesse ano, segundo a “Estatística Industrial do Distrito do Funchal”, de Francisco de Paula de Campos e Oliveira, existiriam mais de 1000 bordadeiras na Madeira, rendendo a venda anual de bordados cerca de 100 contos de réis (SILVA e MENESES, 1998, I, 162). Ao mesmo tempo, diariamente consumiam-se em bordados cerca de 15 kg de linhas. No entanto, a exportação registada pela Alfândega era somente de 6 a 7 contos de réis, pelo que a sua saída se dava, essencialmente, por meio dos turistas, que os transportavam na bagagem, o que justifica que este assunto se torne, depois, um cavalo de batalha da Associação Comercial do Funchal. Elizabeth e Joseph Phepls. 1875. Arquivo Rui Carita. Na Madeira, o bordado para exportação começou por ser executado em tiras de pano, e estimava-se que uma bordadeira trabalhava um dia inteiro para produzir 0,5 m de bordado. Estas tiras destinavam-se a ser aplicadas em roupa branca, confecionadas nos sítios de destino, quer nas casas da cidade do Funchal, quer no estrangeiro. Esta época representou na Europa um novo interesse pela indumentária, especialmente feminina, mesmo íntima, que dominou os hábitos de vestir das classes mais favorecidas e que se estendeu à restante roupa, como a de cama, com lençóis e almofadas, cortinados, etc. Esta fase correspondeu a criações ingénuas e rudimentares, da responsabilidade da própria bordadeira, que, inspirada em temas antigos e tradicionais, utilizava riscos próprios. Mais tarde, as bordadeiras passaram a criar outros modelos a partir de pequenos carimbos ou rodízios feitos em madeira de buxo, muitos fornecidos pelas casas comerciais do Funchal, com os quais imprimiam o desenho sobre o pano, utilizando como material de impressão papel químico ou as antigas almofadas de carimbo embebidas em tinta azul. Vestido de manhã. 1887 O bordado da Madeira sofreu uma certa concorrência na déc. de 80, especialmente do bordado suíço, parcialmente mecanizado e com uma outra qualidade de execução, de acordo com os padrões internacionais. O bordado madeirense, entretanto, mantinha-se perfeitamente artesanal, sem qualquer inovação nos desenhos e nos padrões apresentados. Embora a sua execução continuasse dentro de bons padrões de qualidade, como atesta Helen Taylor, cidadã inglesa que residiu na Madeira durante algum tempo e que, em 1882, referia que “muito bom bordado” era vendido de porta em porta (TAYLOR, 1882, 27), o produto não atingia, ainda, um patamar que lhe permitisse ser internacionalmente apresentado nas grandes lojas de moda. Mesmo assim, os níveis de exportação conseguiram manter-se, somente com alguma quebra, embora não em valores exponenciais, como até então, e nos quais não é possível contabilizar, acrescente-se, nem o bordado vendido de porta em porta, nem o vendido nos navios que estacionavam na baía do Funchal. Datam do final do séc. XIX, por volta de 1890, as primeiras casas alemãs exportadoras de bordados e as principais responsáveis pela divulgação, na Europa Central e na América, deste produto. O mercado inglês, por razões várias, tinha deixado de se mostrar interessado nos bordados da Madeira, mas estes passaram a encontrar uma boa recetividade nos mercados centrais europeus e americanos. Dos finais do séc. XIX data também a fixação no Funchal de uma importante comunidade de sírio-americanos, que igualmente iriam apostar fortemente na exportação dos bordados, principalmente para a América do Norte. Este aumento tem por base as alterações introduzidas no mercado internacional pela Alemanha, que passa a apoiar, sob o ponto de vista fiscal, num sistema aduaneiro denominado drawback, os tecidos que, exportados da Alemanha, eram reimportados estando valorizados com elementos vários, como seja o bordado, sendo então novamente reexportados, preferencialmente para o mercado americano. Nesse quadro, entre 1893 e 1910, e.g., as casas de exportação de bordados no Funchal quase triplicaram, alterando profundamente o seu esquema de distribuição e produção anteriores. As casas de bordados passaram a elaborar os desenhos que pretendiam, distribuindo assim às bordadeiras do campo o tecido já estampado através de maquinaria própria, que era depois recolhido semanalmente pelos seus agentes. As casas de bordados passaram ainda a possuir serviços especiais para executarem os desenhos e a estampagem, assim como depois para alguns acabamentos finais, que incluíam as lavagens que apagavam os vestígios dos desenhos, o engomar e o empacotar do produto final. De um global de exportação de pouco mais de 200 contos de réis, nos inícios do séc. XX, passava-se, em 1919, para mais de 600 contos. Por esta altura, no Funchal, existiriam cerca de 34 casas exportadoras de bordados, parte das quais na mão de firmas norte-americanas, orientadas no Funchal por elementos de origem síria. A questão da sobrevivência do bordado da Madeira apaixonou alguns historiadores, não sendo fácil explicar a sua capacidade de sobrevivência perante a crescente industrialização de outros centros de produção. A defesa da sua qualidade com base no pressuposto de que, por ser manual, era superior ao mecânico, não resiste à mínima análise, pois os bordados mecânicos revelavam-se idênticos, não sendo facilmente destrinçáveis dos manuais, salvo um ponto mais encorpado no “bordado Madeira”, o que não deixa de ser um pormenor. Acresce ainda que muito do bordado manual apresenta imperfeições de execução. Também o mito da sua originalidade não resiste à análise, pois a maior parte dos desenhos eram enviados pelos importadores e os pontos utilizados são comuns a muitos outros bordados, como o “Richelieu”, “garanitos”, “estrelas abertas” ou “fechadas”, “caseado”, “pesponto”, “cavacas”, “ilhós”, etc., pouco ou nada se tendo inovado nesse campo, com base na alardeada “tradição do bordado Madeira”. A questão assenta assim, essencialmente, no preço da mão de obra, excecionalmente barata (CÂMARA, 2002, 203-221). Bomboto de vimes e bordado. 1936. Arquivo Rui Carita No mesmo caminho se encontram os trabalhos de vime, essencialmente efetuados na área da freguesia da Camacha, mas cujos valores económicos nunca se aproximaram dos do bordado, até porque este se chegou a estender por quase toda a Ilha, enquanto o vime foi pouco mais longe que a Camacha. Estes trabalhos eram construídos a partir dos ramos do vimeiro, salis fragilis, arbusto que se cultiva até uma altitude de cerca de 800 m, em locais húmidos e com abundância de água, quase sempre perto de ribeiras. As tarefas de preparação da planta, embora complexas e utilizando alguma mão de obra, eram compensadas pelo baixo preço da mesma nas freguesias rurais, como era a da Camacha. O tratamento exigia mergulhar as pontas das hastes do vimeiro nas ribeiras, ou em tanques, onde ficava cerca de três meses, para rebentar ou refilar o caule, após o que podia ser descascado. Esta operação era da responsabilidade dos produtores, muitos dos quais estavam na costa norte da Ilha, que assim o vendiam quase sempre já descascado. Após esta operação, o vime era seco ao sol durante cerca de dois meses, após o que era novamente humedecido para poder ser trabalhado. O trabalho de verga é comum em toda a Europa e noutros locais do mundo, como no Oriente, já sendo mencionado na Madeira, nos meados do séc. XVI, por Gaspar Frutuoso. Refere assim o cronista, por interposta pessoa, pois nunca foi à Madeira, que, “nas faldas da serra da banda do Sul”, existia muita giesta, “que é mato baixo, como urzes”, e que dá flor amarela. Era gasto nos fornos e dele se colhia “a verga que esbulham como vime”, de que se fazem “os cestos brancos muito galantes e frescos para servir de mesa, e oferta de batismo, e outras coisas, por serem muito alvos, e limpos”. Por isso se vendiam então para fora da Ilha e do reino de Portugal, porque se faziam “muitas invenções de cestos muito polidos e custosos, armando-se às vezes sobre um dez, e doze diversos, ficando todos” como uma “peça só”. Acrescenta ainda que “para se fazerem mais alvos do que a verga é de sua natureza, ainda que é muito branca, os defumam com enxofre” (FRUTUOSO, 1968, 138). Seriam obras deste género as enviadas para a já mencionada Exposição Universal de Londres de 1852 por José Silvestre Ribeiro, citando-se então “cestos de verga de giestas”. Bomboto de vimes. 1950. Arquivo Rui Carita.   Bomboto de vimes. 1936. Arquivo Rui Carita Refere o Elucidário Madeirense, por certo Carlos Azevedo de Meneses, que se debruçou mais especialmente sobre esta área, que o desenvolvimento e a industrialização deste tipo de trabalhos se ficou a dever a William Hinton (1817-1904), que incentivou alguns trabalhadores a executá-lo, aproveitando as especiais e húmidas condições climáticas do local. Um dos primeiros artífices teria sido António Caldeira, o qual, desmanchando uma cesta importada pela família Hinton, a utilizou como modelo para fazer outra idêntica em vime. No entanto, parece que na freguesia da Camacha já se executavam trabalhos semelhantes em vime por volta de 1812, por certo mais rudes e sem o vime descascado, como a cestaria que se utiliza ainda hoje nas vindimas e para obras várias de construção civil, sobretudo para transporte de pedras e madeiras. As obras de vime tiveram larga utilização na Madeira, fornecendo um género de mobiliário adaptado ao clima um tanto húmido da Madeira, vulgarizando-se nos lugares ao ar livre. Foram ainda o mobiliário de eleição para os visitantes temporários do Funchal, especialmente no inverno, que deste modo mobilavam as suas casas por preços módicos e em conformidade com um certo exotismo apreciado em meados e finais do séc. XIX. O seu fabrico disparou na déc. de 80, com o exponencial aumento da navegação atlântica, sendo vendido por bomboto e acumulando-se nos decks dos grandes paquetes, como é patente em inúmeros registos fotográficos da época, servindo, inclusivamente, de mobiliário de bordo, leve e facilmente transportável. Miss Henriette Wilhelmina Montgomery Cadogan na Quinta da Saudade. 1888. Arquivo Rui Carita. A procura motivada pelo fluxo turístico fez crescer a produção, assim como a população da freguesia da Camacha que se dedicava a este artesanato, mas não criou novas relações de produção, como nos bordados, que melhorassem e favorecessem a atividade com algumas inovações mecânicas. O aparecimento, em 1902, no Funchal, de uma oficina da firma britânica Raleigh C. Payne & C.ª, que chegou a mecanizar alguns segmentos da produção, não teve grande seguimento, sendo o grosso da produção efetuado na Camacha e de modo totalmente manual. A produção envolvia quase toda a população daquela freguesia, incluindo mulheres e crianças, cabendo mesmo a algumas mulheres, as cesteiras, transportar parte da produção à cabeça para o Funchal. Salvo a já referida Raleigh C. Payne & C.ª, as restantes firmas eram essencialmente constituídas por capitais locais, com as oficinas na Camacha e um ou outro escritório no Funchal. A produção ficou assim entregue, até aos meados do séc. XX, aos camponeses camachenses, não tendo havido qualquer intervenção mais especializada que lhes melhorasse a qualidade visual e lhes organizasse a produção. Consultando um catálogo dos inícios do século, dos poucos que foram produzidos nesta área, da firma A. F. Nóbrega & Filho, com escritório no Funchal e “com fábrica na origem, na pitoresca freguesia da Camacha”, constata-se que, embora apresentando uma espantosa coleção de mais de 420 obras de vimes (RODRIGUES, 2000, 3-4), não passam os seus modelos do pitoresco e do engenhoso. As obras de marcenaria na Madeira foram quase contemporâneas do povoamento, tendo tido por base o excecional parque arbóreo encontrado na Ilha. Em 1506, e.g., Valentim Fernandes descrevia a utilização das madeiras da Ilha, fazendo uso, por certo, de informações referentes ao século anterior. Assim, refere que se explorava a madeira de cedro, sendo então possível obter tabuado de sete palmos de largo, ou seja, cerca de 1,5 m, referindo que quase parecia madeira para mastros de navios (Arsenal de S. Tiago). Desta madeira fabricavam-se caixas para casa, mesas e cadeiras, conforme também acrescenta. Os trabalhos de preparação das madeiras são igualmente descritos por Gaspar Frutuoso mais de 70 anos depois, com um muito interessante apontamento sobre o trabalho da serra de água do Faial, também referindo que se exportavam móveis e bufetes. Nos meados do séc. XVII, existem inclusivamente cartas de examinação do mestre das obras reais Bartolomeu João (c. 1590-1658), de 28 de setembro de 1656, registada na Câmara do Funchal, certificando que Filipe Correia fora examinado como mestre de ofício de “marceneiro e ensamblador”, e que o mestre das obras “o achara muito destro e hábil em fazer escrivaninhas e bufetes ao mosaico, guarda-roupas marchetados de ébano”, tal como mosquetes (PEREIRA, 1968, II, 788). Estes trabalhos tiveram assim continuidade nos sécs. XVII e XVIII, então utilizando-se madeiras de outras proveniências, como do Brasil, de que os mais importantes exemplos deverão ser o para-vento e os púlpitos, assim como os vários móveis de parede da sacristia da igreja do Colégio dos Jesuítas do Funchal, trabalho efetuado pela mesma data, como consta no para-vento: 1725. Na continuidade desse trabalho, na listagem dos produtos enviados para a Exposição Universal de Londres por José Silvestre Ribeiro, nas “Obras de marcenaria”, figuram mesas, caixas, tabuleiros de xadrez, estantes e facas para cortar papel (FREITAS, 1852, 404-407), não sendo fácil identificar os trabalhos e os artesãos. É provável que uma das peças enviadas a Londres tenha sido a garrafeira de José António de Sousa, que assinava também como “artista madeirense”, a qual se encontra na coleção do Museu Quinta das Cruzes, e que esteve na exposição de 1850 realizada no palácio de S. Lourenço, onde o ensamblador premiado foi António José de Abreu. Outros nomes de embutidores ou ensambladores madeirenses aparecem mais tarde, já perto dos finais do século, com a integração destes mestres no ensino profissional, oficialmente por volta de 1893, na então Escola de Desenho Industrial, na R. de Santa Maria, cujo edifício subsiste, com a sua alta torre. O primeiro elemento de certa notoriedade teria sido Manuel Rodrigues Gaspar, com oficina própria junto ao eremitério da Penha de França, mestre da oficina daquela escola. Já então se distinguiam outros mestres embutidores, entre os quais João de Sousa, José Gregório de Sousa e Eduardo Pereira (c. 1860-1940), que se tornaram notórios a partir dessa data. O último criou uma mesa decorada com os monogramas reais, que foi oferecida ao casal real D. Carlos e D. Amélia na visita que fizeram às ilhas em 1901, e depois depositada na Fundação D. Manuel II, em Lisboa. Os temas dos trabalhos de embutidos, tal como acontecia nos bordados, eram essencialmente vocacionados para os visitantes estrangeiros, repetindo até à exaustão pares de vilões a dançar, carrinhos de bois e cestos do Monte, mais ou menos envolvidos por flores e monótonas cercaduras, como refere, por volta de 1906, Vitorino José dos Santos. Refere o mesmo que havia então na Madeira alguns operários e embutidores “por ensino técnico”, dispondo de “talento para a composição artística, que produzem trabalhos de reconhecido merecimento, procurados e apreciados por pessoas entendidas”. Não deixa, no entanto, de mencionar que, em geral, aos “operários madeirenses falta cultura intelectual e gosto artístico”, o que os desinteressa da ideia de “progredir, variando e melhorando a composição dos seus trabalhos”, e, por isso, a maioria dos embutidos continua “rotineiramente a apresentar-se segundo os mesmos modelos”, quase sempre figurando os tradicionais “vilões madeirenses”, os carros de bois, redes e “carrinhos do Monte”, guarnecidos de “cercaduras de desenhos simétricos e pouco variados” (SANTOS, 1907). Mesa com cabeças de vilºoes. 1930 Miguéis e Franco. Arquivo Rui Carita. O diploma de 4 de setembro de 1916 determinou a oficialização da marcenaria na então Escola Industrial e Comercial do Funchal, através da constituição de uma oficina de “incrustação e embutidos”, que só viria a funcionar em outubro de 1919, sendo seu primeiro regente o ensamblador Manuel dos Passos Aguiar, depois medalha de ouro da grande Exposição Industrial Portuguesa de 1939 (PEREIRA, 1968, II, 789). Com este regente, aparecem a trabalhar o já citado Eduardo Pereira, o marceneiro Francisco Franco (pai), cujo diploma se encontra no espólio do Museu Henrique e Francisco Franco, os pintores Henrique Franco (1883-1961) e Alfredo Miguéis (1883-1943), assim como, provavelmente, também o escultor Francisco Franco (1888-1955). Devem datar dessa época os desenhos “arte nova” com cabeças de menino com barrete de vilão, bem ao gosto de Henrique Franco, ou algumas mesas com cabeças de senhoras, indubitavelmente da autoria de Alfredo Miguéis. A saída dos irmãos Franco para Lisboa nos anos 30 e o falecimento de Alfredo Miguéis em 1943 levaram à estagnação criativa desta atividade. A indústria dos embutidos manter-se-ia nas primeiras décadas do séc. XX, mas acusaria algum cansaço nos meados do século. Apesar da introdução do pintor Américo Tavares de Oliveira e Silva, a lecionar na Escola Industrial entre 1945 e 1950, a situação de impasse manteve-se, como é patente pela tentativa de revitalização da então Delegação de Turismo, de 20 de abril de 1948, no sentido de “difundir o gosto pelas artes, ofícios e curiosidades de produção local, reintegrando-os no seu pitoresco e na pureza das suas características” (Id., Ibid., 170), cujos termos enunciados são já de perfeita morte anunciada. Passeio de rede. Pico dos Barcelos. Fotografia sem data. Os meados do séc. XIX assistiram ao nascimento da fotografia, inicialmente tímido, a qual, porém, a partir dos inícios da segunda metade desse século, iniciou a sua progressiva internacionalização e democratização, o que, de certa forma, alteraria e condicionaria, a partir de então, toda a forma de estar das sociedades urbanas. O séc. XIX foi um século ávido da fixação da imagem, primeiro através da litografia, mais ou menos animada a aguarela (Andrew Picken, Frank Dillon, Pitt Springet e Lady Susan Vernon Harcourt), e, depois, da fotografia, também essa muitas vezes igualmente animada, e que fornecia o que se entendia ser a inteira verdade da realidade captada, tão cara ao positivismo. Se, numa primeira fase, os viajantes internacionais adquiriram nos fotógrafos locais as principais imagens da Ilha, como fez o médico Carl Passavant (1854-1887), em 1883, muito provavelmente no estúdio de Augusto Maria Camacho (1838-1927), e, em 1887, o marquês de Albizzi, para depois as passar a gravura e ilustrar os seus “Six mois à Madère”, publicados em Paris em 1888, em breve muitos chegavam à Ilha como fotógrafos amadores, tirando as suas próprias fotografias, como, inclusivamente, o Rei D. Carlos, na visita régia de junho de 1901. Nessa altura, já se encontravam estabelecidos no Funchal os fotógrafos Vicente Gomes da Silva (1827-1906) e já saíra para Lisboa João Francisco Camacho (1833-1898), que passara o atelier ao irmão Augusto Maria Camacho, estúdio onde se viria a instalar, depois, Joaquim Augusto de Sousa (1853-1905), embora sempre se dando como amador, e, ainda, Manuel de Olim Perestrelo (1854-1929), a que se seguiram os filhos, netos, bisnetos e trisnetos. Sé do Funchal. Georges Balat. 1901. Arquivo Rui Carita. A fotografia desempenhou e desempenha um muito especial papel num destino turístico como a Madeira. Primeiro, com a possibilidade de registar a passagem pela Ilha dos inúmeros doentes, dos quais, por vezes, só regressavam a casa as fotografias, mas também as paisagens, de que avidamente os muitos visitantes levavam fotografias, quer como prova de ali terem estado quer como recordação do que ali tinham visto, ou que gostariam de ter visto. A instalação dos estúdios fotográficos e a posterior divulgação das máquinas fotográficas, assim como da indústria das reproduções, associada ainda à divulgação dos correios, criará igualmente uma outra indústria totalmente nova, a do bilhete-postal, que se tornará uma novidade que promoverá a imagem da Madeira um pouco por todo o mundo e dará origem a uma moda de colecionismo romântico excecionalmente importante, que entrará pelos meados do séc. XX; e, no séc. XXI, pela divulgação do digital, aparecem quase todos os dias nos diversos fóruns destas áreas novas fotografias tiradas na ilha da Madeira.   Rui Carita (atualizado a 18.12.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social

gray, john edward

John Edward Gray John Edward Gray foi um naturalista britânico, que nasceu em Walsall, Staffordshire, a 12 de fevereiro de 1800, e que faleceu a 7 de março de 1875, tendo sido sepultado em St. Mary, Lewisham. Era filho de Samuel Frederick Gray, naturalista e farmacologista, e de Elizabeth Forfeit, filha de um comerciante. Em 1826, casou-se com Maria Emma Smith, que era viúva de seu primo Francis Edward Gray. Em criança, foi viver para Londres com os pais e o irmão, quando o pai conseguiu um emprego naquela cidade. J. E. Gray recebe a sua formação escolar em casa, ministrada por seus pais, com quem aprendeu a ler e a escrever. Gray trabalhou na farmácia de seu pai, localizada nos arredores de Londres, tendo colaborado na redação de obras como A Natural Arrangement of British Plants (1821). Trabalhou ainda com um médico, em Shoreditch, e, posteriormente, num laboratório químico. Encorajado pelo progenitor, J. E. Gray tenta estudar medicina, mas acaba por abandonar os estudos e dedicar-se à zoologia, começando a sua carreira de zoólogo como voluntário no British Museum. Em 1824, passa oficialmente a trabalhar no departamento de zoologia do British Museum, como assistente de John George Children (1777-1852), colaborando na redação de um catálogo sobre répteis. Em 1840, com a aposentação de Children, passa a chefiar o departamento, cargo que ocupou até ao Natal de 1874. Gray teve uma profícua atividade no Museu Britânico, na organização, redação e publicação de vários catálogos descritivos das coleções. Durante a sua direção, contribuiu para o incremento das coleções de zoologia, que se tornaram das mais importantes do mundo. Foi um escritor prolífico, que descreveu um grande número de novas espécies de animais que introduziu no Museu Britânico. É autor de mais de 1000 títulos, incluindo livros, memórias e artigos, sobretudo relacionados com a zoologia, que divulgou em periódicos ingleses de história natural e em catálogos do Museu Britânico. A sua contribuição para o conhecimento das ciências naturais da Madeira surgiu em 1862, com a publicação do artigo “Notice of a Second Species of Paragorgia Discovered in Madeira by James Yate Johnson” em Annals and Magazine of Natural History. Neste artigo, J. E. Gray divulga estudos do naturalista inglês James Yate Johnson (1820-1900), que chegou à Madeira por volta de 1850, onde estudou diversas espécies animais, marinhas e terrestres. Johnson enviou para o Museu Britânico uma coleção de peixes da Madeira, incluindo um espécime de animal marinho do género Paragorgia, que terá dado origem ao referido artigo de Gray. O diretor do Museu Britânico descreve aquele exemplar, que considera semelhante ao modelo norueguês em alguns aspetos, mas aponta diferenças em relação a este, e atribui-lhe o nome científico de Paragorgia Johnsoni. J. E. Gray era membro de várias sociedades científicas: em 1826, foi um dos fundadores da Zoological Society, da qual foi vice-presidente de 1865 a 1874; em 1830, tornou-se membro da Royal Geographical Society; em 1832, foi eleito para a Royal Society; em 1833, tornou-se membro da Entomological Society, tendo sido presidente em 1858-1859; em 1836, tornou-se membro da Botanical Society of London, à qual presidiu de 1836 a 1857; e, em 1874, tornou-se membro da Palaeontological Society. Em 1854, Gray foi distinguido com um doutoramento honorífico em Filosofia, atribuído pela Universidade de Munique. Obras de John Edward Gray: “Notice of a Second Species of Paragorgia Discovered in Madeira by James Yate Johnson” (1862).   Sílvia Gomes (atualizado a 13.12.2017)

Biologia Terrestre

fortes

A defesa e a fortificação da Madeira foram várias vezes revistas ao longo da sua história, tendo ficado, das inúmeras edificações levantadas, grande parte do sistema construído na área do Funchal, com várias fortalezas e com pequenos apontamentos das muralhas e fortes de apoio, tanto para nascente como para poente. Do vasto conjunto de fortes, fortins ou redutos levantados ao longo das costas, dependentes das estruturas militares ali levantadas, como eram as companhias de ordenanças, também subsistem muitas construções. Palavras-chave: arquitetura militar; defesa; ordenanças; património edificado.   Fortaleza do Ilhéu A defesa e a fortificação da Madeira foram várias vezes revistas ao longo da história (Defesa), tendo ficado, das inúmeras edificações levantadas, grande parte do sistema construído na área do Funchal, com várias fortalezas – i.e., sistemas defensivos quase autónomos –, tal como pequenos apontamentos das muralhas e fortes de apoio às mesmas e à defesa geral da cidade, tanto para nascente como para poente, nem todos guarnecidos em permanência. Do vasto conjunto de fortes, fortins ou redutos levantados ao longo da costa, dependentes das estruturas militares ali levantadas (Guarnição Militar) (Ordenanças), subsistem muitas construções. De uma forma geral, o sistema defensivo fixo ao longo da costa da Madeira, representado pela rede de fortes e fortins, nasceu do “Regimento de vigias”, emitido a 22 de abril de 1567 e enviado na sequência do ataque corsário francês de 1566. Este regimento mandava montar vigias em todos os portos, “calhetas, praias ou pedras, em que parecesse que os inimigos poderiam desembarcar” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, t. 3, f. 142v.), avançando ainda com outras diretivas que diziam respeito à montagem de artilharia nesses locais em caso de perigo, tendo assim sido a base de muitos, senão de quase todos os pequenos fortes ou fortins levantados pela Ilha (Arquitetura Militar).   A defesa do Funchal envolvia, para além das fortalezas, que tinham autonomia própria, alguns fortes de apoio ao conjunto das muralhas do Funchal, como os pequenos fortes de S.ta Catarina ou de S. Lázaro, que deram depois lugar à bateria das Fontes (Muralhas do Funchal), articulando-se ainda com a defesa das praias e desembarcadouros para poente e para nascente. Com o prolongamento da muralha para nascente, surgiram ainda fortificações no remate da mesma e depois um pequeno forte na foz da ribeira de Gonçalo Aires, o forte dos Louros, tal como, mais tarde, ao meio da praia do calhau de Santa Maria Maior, o forte Novo de S. Pedro. Desde os primeiros anos do povoamento, quando Zarco se abrigou nos dois ilhéus da baía, ao executar o primeiro grande reconhecimento à volta da Ilha, que se reconheceu o interesse desses ilhéus para a defesa do porto do Funchal (Fortaleza do Ilhéu). Com o desenvolvimento do porto e, principalmente, depois da passagem do Funchal a cidade (20 de agosto de 1508), esse interesse terá sido ainda mais notório, estendendo-se aos arrifes fronteiros. A primeira fortificação a surgir fora do perímetro da cidade, quase contemporânea da nova fortaleza de S. Lourenço, senão mesmo anterior a ela, terá sido levantada nestes arrifes, sendo depois devotada a N.ª Sr.ª da Penha de França, e articulando-se depois com outra levantada no chamado ilhéu Pequeno, quando nos meados do séc. XVIII se fez o molhe da Pontinha, o forte de S. José. As praias e desembarcadouros da área do Funchal também vieram a ser dotados de pequenos fortes, muitas vezes de iniciativa particular, como o referido forte dos Louros, na foz da ribeira de Gonçalo Aires, mas já antes tinha sido levantado o forte do Gorgulho e fortificada a praia Formosa, que chegou a ter uma rede de 5 fortes (Fortes da Praia Formosa), o mesmo vindo a acontecer com a foz da ribeira dos Socorridos (Fortes da Ribeira dos Socorridos). Com o desenvolvimento das vilas da capitania do Funchal, também as mesmas vieram a construir pequenos fortes, como Câmara de Lobos (Fortes de Câmara de Lobos), Ribeira Brava (Fortes da Ribeira Brava), Ponta do Sol (Fortes da Ponta do Sol) e Calheta (Fortes da Calheta). Escavações da Fortaleza de São Filipe do Pelourinho Idêntica situação se passou na capitania de Machico, cuja vila, tal como o Funchal, chegou a possuir uma muralha ao longo da praia e também a ser dotada de um conjunto de fortes (Fortes de Machico), à semelhança da vila de Santa Cruz (Fortes de Santa Cruz), embora somente um deles tenha chegado até nós. Os portos e ancoradouros entre Santa Cruz e o Funchal também tiveram pequenos fortes, como os que subsistem nas praias e arribas dos Reis Magos, no Caniço, e na foz da ribeira do Porto Novo (Fortes do Porto Novo e Caniço), o mesmo acontecendo pontualmente na costa norte da Madeira, como na baía do Porto da Cruz, no calhau de S. Jorge e na praia do Porto Moniz. Como mirante romântico, ainda será de referir o forte do Faial (Fortes do Norte da Ilha), que, embora não tenha sido uma construção militar, veio a ser dotado de um largo conjunto de bocas-de-fogo de ferro inglesas, entretanto abandonadas nas praias do Funchal (Artilharia), que tradicionalmente salvam nas festas religiosas locais. A situação do Porto Santo foi mais complexa, dado o abandono a que a ilha foi votada pelos seus capitães-donatários e o isolamento a que sempre esteve sujeita, chegando a sofrer vários assédios corsários, alguns de graves consequências. Esta ilha não deixou, no entanto, de ter os seus fortes (Fortes do Porto Santo), mas estes não obstaram aos assédios sofridos. A definição da superintendência sobre a capitania arrastou-se ao longo do séc. XVIII, pelo que somente com a vigência do gabinete pombalino a situação foi ultrapassada e se pôde organizar a defesa e construir uma fortificação moderna. Se, ao longo do séc. XVIII, se assistiu ao aumento quase exponencial destas pequenas construções defensivas, o interesse militar da maior parte dessas construções, algumas muito precárias, decaiu francamente ao longo de todo o séc. XIX. Acresce que a importância do antigo património militar foi logo reconhecida por parte das câmaras municipais no início do liberalismo, como forma de ampliação das suas áreas de interesse, de expansão do tecido edificado e de reformulação das acessibilidades, sendo então muito do mesmo património militar edificado demolido na Ilha, o que igualmente aconteceu nos grandes centros urbanos continentais. Situação diferente voltou a ocorrer na Madeira com o advento da autonomia, mas já num quadro mais informado, sendo a arquitetura militar objeto de várias exposições, como a de 10 de junho de 1981 – ano em que o Dia de Portugal foi comemorado no Funchal –, exposição remontada em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1982, bem como no Porto e em Vila Viçosa. Foi depois solicitada a sua passagem à tutela da Região Autónoma da Madeira, com vista à instalação de instituições culturais e de apoio às atividades do turismo, nomeadamente os fortes do Ilhéu, de S. Tiago e do Pico, no Funchal, e o Amparo de S. João, no Machico (Arquitetura militar).   Rui Carita (atualizado a 07.12.2017)

Arquitetura História Militar Património