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falar(es) na escrita

As duas faces de uma língua viva Constituída por uma vertente oral e outra escrita, uma língua é, por princípio, bifacial. Contudo, nem sempre os dois lados coexistem. Se for uma língua viva, a face oral, tem-na por inerência, mas pode não contemplar a escrita. Os crioulos cabo-verdianos constituirão um caso paradigmático disso mesmo, embora a situação se esteja a alterar com a tendência crescente para a fixação da fala do criouléu cabo-verdiano de Santiago, divergente, por exemplo, do de São Vicente. Se se tratar de uma língua morta, sucederá o inverso. É assim com a língua latina, que, grosso modo, subsiste apenas na escrita. Pela sua prolífera cisão, esta deu origem às línguas românicas, que, inicialmente, eram apenas faladas e que, por razões históricas, ganhando dimensão nacional ou regional, se tornaram, na sua maioria, escritas. A língua portuguesa, com 800 anos de história contados a partir do Testamento de D. Afonso II, datado de 1214, é exemplificativa de uma língua latina com escrita fixada, havendo percorrido um longo percurso para o efeito. Todavia, há línguas que estavam mortas e que voltaram a ganhar vida, ou seja, readquiriram uma vertente oral. Foi o que aconteceu com a hebraica, aquando da criação do Estado de Israel. É possível contar com outras línguas que nunca foram escritas e que desapareceram ad aeternum com a extinção da sua comunidade de falantes (cf., p. ex., DN, 7 fev. 2011, 49). Algumas mantêm-se vivas pontualmente, como os versos sânscritos recitados em exercícios de ioga. Neste conjunto de línguas, seria igualmente viável inserir o latim, já que a Santa Sé o usa ocasionalmente, sendo a sua língua oficial, embora o italiano a substitua em grande parte das ocasiões em que é indispensável recorrer a um registo linguístico de viva voz. Assim sendo, compreende-se que a dinâmica de um idioma é dada pelo facto de ele ser falado, usado na comunicação diária dos membros de uma comunidade. Esta evidência reencontra-se na relação dos termos “comum”, “comunidade” e “comunicação”, ao integrarem a mesma família. Entre línguas naturais mortas (desaparecidas ou conservadas), ressuscitadas e vivas, a relação entre as suas duas faces, os dois registos, é incontestável. Podem esses dois lados (ou apenas um deles) encontrar-se num estado latente/implícito (sem escrita ou sem oralidade) ou patente/explícito (com escrita e com oralidade). No geral, é à comunidade de falantes (os usuários das línguas numa ou nas duas facetas) que cabe decidir o que pretende fazer. Acontece que, nas trocas linguísticas quotidianas, a variedade da língua empregue raramente corresponde, com completude, à que está padronizada nos dicionários e nas gramáticas, nos compêndios e nos prontuários, já que os membros de uma comunidade vão recorrendo quer a diversos níveis da linguagem, consoante as situações de comunicação em que se encontram – das mais formais às mais informais –, quer a variedades sociais ou diatópicas com cunho específico. É preciso ter em conta que estas últimas recebem a influência da área geográfica onde os falantes nasceram e vivem ou onde passaram a residir, sem aí terem nascido. Assim, sucede que na Região Autónoma da Madeira (RAM) se fala de uma maneira que não é integralmente comum à do restante território nacional, embora também se recorra, nesta área geográfica insular, à variedade padrão, de modo mais premente na escrita documental e oficial. Compreende-se, consequentemente, a razão por que a variedade regional tem somente registo oral, não possuindo nenhum registo escrito oficial. É famosa a frase “O grade azougou e foi atupido na manta das tenerifas”, apresentada como um exemplo ilustrativo do falar regional usado pela população, sendo incompreensível a quem seja de fora, isto é, estranho à comunidade. Aliás, vão-se divulgando textos escritos “à madeirense” (incluindo do Porto Santo: cf., p. ex., ROSADO, 2003). É também esta a ideia que perpassa, por exemplo, no texto “Linguagem Popular da Madeira”, da obra homónima (SILVA, 2013, 23-27), e na crónica “Falares Ilhéus” (JARDIM, 1996, 23-24). No arquipélago, é frequente ouvir dizer, mesmo numa situação formal de comunicação, que determinada tarefa leva “horas de tempo” (“Esse trabalho leva duas horas de tempo”), mas a expressão não se deverá escrever, já que, no plano da escrita, vigorará a norma que aceita unicamente “horas” (“Esse trabalho leva duas horas”). Esta discrepância é fácil de entender, visto que as entidades que controlam o idioma, nomeadamente no que se refere ao ensino, para o manterem homogéneo, o mais uniformizado possível, optaram por uma grafia única, a da norma, um padrão imposto às restantes variedades. Assim, a qualidade bifacial do Português assume, do lado da escrita, à partida, a invariabilidade, mas reconhece, do lado da fala, a variabilidade. Infere-se, daí, que a norma é a única variedade com menos variação. Todavia, a este propósito, sublinhe-se que a definição de “norma” pode não ser unânime. Embora este conceito tenha uma base incontestável, quando a definição remete para “que serve de modelo, de padrão”, foi posto em causa, ultimamente, devido à população referencial que a consubstancia. A que falantes corresponde a norma? Reporta-se aos mais instruídos, sejam eles de que parte do país, e do mundo, forem? Tem origem, em exclusivo, nos falantes mais escolarizados (estrato social médio-alto) de uma área geográfica precisa (Lisboa ou Coimbra-Lisboa)? Para o Português Europeu, equivaleu à variedade usada pela classe alta do eixo Lisboa-Coimbra, e para o Português do Brasil, à das classes altas do Rio de Janeiro (CUNHA e CINTRA, 1995). Como já referido, este conceito de cariz social e geográfico tem sido alvo de alguma refutação, estando, claramente, a ser reequacionado (cf., p. ex., EMILIANO, 2009), o que é compreensível numa sociedade do séc.XXI que, pesem embora as enormes desigualdades sociais, tende para a existência de uma classe média mais forte, com diminuição dos extremos no que toca ao poder económico. Este é, pelo menos, o cenário generalizado na sociedade ocidental. Esquecendo, momentaneamente, a problemática colocada pelo conceito de “norma linguística” e centrando a temática na questão das variedades, sabe-se que, habitualmente, os falantes regionais dominam, pelo menos, duas variedades linguísticas: a exógena (a normativa) e a endógena (a nativa). Diz-se, então, que existe um fenómeno de diglossia, muito semelhante ao bilinguismo. Torna-se evidente, porém, que isso se aplica em exclusivo ao registo oral, uma vez que, na escrita, predominará a ortografia estabelecida para a língua oficial. Por exemplo, num bilhete para um familiar, um madeirense poderá escrever algo como “Vamos ir lalá lalém com Maria. Junta a mochilha!”, hesitando na grafia de “lalá”: “lá-lá”/“lá lá” e de “lalém”: “l’além”/“lá-além”/“lá além”. Todavia, se ele tivesse de transmitir esta mensagem a alguém que não fosse da mesma variedade diatópica, encontrando-se, além disso, numa situação de comunicação que requeresse adequação linguística, deveria alterá-la, adaptando-a com uma proposta como “Vamos dar um passeio acolá com a Maria. Apanha a mochila!”. Numa comparação geral destas duas possibilidades, observa-se que as divergências existentes entre o registo exógeno e o endógeno são substanciais e mereceriam a elaboração de um dicionário (Regionalismos Madeirenses) e de uma descrição gramatical (REBELO, 2014a). Esta deveria dar conta de todas as marcas linguísticas que individualizam a variedade regional a nível da Fonética, da Morfologia, da Sintaxe e da Semântica, incluindo os outros campos dos Estudos Linguísticos, o que os vários trabalhos existentes, de que fazem parte as dissertações académicas, tenderam a fazer de modo parcial. Fica claro que a norma de uma língua viva tem uma vertente oral e uma escrita, mas tal não sucede com as variedades diatópicas, uma vez que possuem unicamente, em termos oficiais, registo oral. Pontualmente, quando se vê escrita nas mais diversas situações de comunicação, nem sempre, por diversas razões, é evidente a variante a fixar (REBELO, 2014b). Aliás, as corruptelas, ou seja, “pronúncia ou escrita de palavra, expressão, etc. distanciada de uma linguagem com maior prestígio social” (HOUAISS, 2001), presentes nas entradas de vocabulários e glossários são prova disso mesmo. Com frequência, surgem na imprensa (cf. os jornais regionais publicados diária ou semanalmente na RAM) hesitações. É o caso de “persiana”, um vocábulo que não se usa no arquipélago e que é, sistematicamente, substituído pelo termo tido como regional “tapa-sol” ou “tapassol”, parecendo difícil escolher entre uma ou outra variante. Acontece de igual modo com muitos outros termos registados nos vocabulários existentes (cf. RIBEIRO, 1929; SILVA, 1950; SOUSA, 1950; PESTANA, 1970; e CALDEIRA, 1993, entre outros). Esta variação gráfica assinala-se, inclusive, nos estudos linguísticos, como os de Käte Brüdt (1938) e de Millet Rogers (1940, 1946 e 1948), que anotaram as palavras da forma como as ouviram pronunciadas pela população. A audição com apontamento foi a metodologia seguida por grande parte dos estudiosos da variedade insular madeirense. Aliás, estes dois investigadores, como quase todos os outros dos três primeiros quartéis do séc. XX, arranjaram uma transcrição sui generis para grafar a dinâmica da fala madeirense (REBELO, 2002b). Este método de registo do(s) falar(es) faz lembrar o da “pronúncia figurada” (REBELO e SANTOS, 2013, submetido), que se empregou extensivamente antes de haver alfabeto fonético internacional. Veja-se o seguinte exemplo para “vinho”, evidenciando a diferença entre a pronúncia figurada, como a expressa em “vâinho” (BRÜDT, 1937-1938), e uma transcrição fonética que se poderá considerar equivalente: ['vɐjɲu]. Sinteticamente, a expressão “pronúncia figurada” significa aquilo que os termos constituintes evidenciam, ou seja, é a representação escrita (figurada), através das letras do alfabeto latino e de determinados sinais adicionais, como acentos gráficos, usada para poder ser reproduzido por meio da leitura (articulação) um modo de dizer (pronúncia) de uma língua estrangeira ou de uma variedade geográfica. A única face visível da variedade diatópica madeirense A variedade insular madeirense, no seu todo, tem, consequentemente, patente a face oral, uma vez que é exteriorizada através da verbalização, e latente (invisível) a faceta escrita, dado que não possui gramática oficial, nem ortografia definida. O mesmo se verifica para as restantes variedades regionais portuguesas ou para as outras realidades não diatópicas lusófonas, como as africanas ou as asiáticas. Podem existir estudos que descrevam ou registem particularidades da oralidade das variedades, mas são restritos e pontuais. Aliás, a “transcrição alinhada” que acompanha as gravações dos CD’s Português Falado (BACELAR DO NASCIMENTO, 2001) normaliza consideravelmente a vitalidade da fala, distanciando-a bastante da grafia que surge a acompanhar o registo oral dos falantes gravados. Porém, esta situação tem vindo a ser alterada, dando-se visibilidade ao registo da variedade, como aconteceu para São Vicente (cf. FREITAS, 1994), embora não se tenha acesso às gravações realizadas pela pesquisadora. Quase todos os trabalhos, incluindo os académicos, curiosamente, facultam o registo escrito (transcrição), mas não dão o registo oral gravado que motivou a transcrição, sucedendo o mesmo com os trabalhos dos atlas linguísticos (REBELO e NUNES, 2009), em que apenas se publica a transcrição fonética dos termos cartografados. É assim desde o início das investigações, mas ressalva-se que, antigamente, os meios técnicos eram praticamente inexistentes. Leite de Vasconcelos, Paiva Boléo e Lindley Cintra interessaram-se pelo estudo da variação diatópica portuguesa, procurando atestar (por escrito) estas realidades linguísticas ultradinâmicas. Quanto à existência de uma única variedade madeirense ou de muitas, uns preferem o singular (VASCONCELOS, 1901, 1970) e outros o plural (CINTRA, 1990, 2008). Escreveu Lindley Cintra que “[...] não parece certo afirmar sem hesitação que o grupo de dialetos madeirenses (como, aliás, os açorianos) pertence ao grupo dos dialetos meridionais do continente, como também será inexato associá-los sem reservas ao grupo dos setentrionais. Misturam-se neles características próprias de ambos os grupos, o que obriga a situá-los num grupo à parte – ‘insular’. Dentro desse grupo os dialetos madeirenses isolam-se dos restantes devido à existência, que procurei rapidamente apresentar, de fenómenos raros, ausentes dos dialetos de outras ilhas, do continente e por vezes até – podemos acrescentar – do resto daquilo a que chamamos România” (CINTRA, 2008, 104). No entanto, apesar de optar pelo plural, não os identifica, nem os localiza. Indicar, unicamente, diversas particularidades não parece suficiente para justificar a existência do plural “dialetos madeirenses”. Foi testado o reconhecimento auditivo da variação na variedade insular madeirense (REBELO, 2011) e comprovou-se que dificilmente os ouvintes conseguem identificar, simplesmente pelo falar, a origem regional dos falantes. Assim, por falta de provas e de estudos consistentes sobre este assunto, opta-se por referir a variedade no geral e, consequentemente, no singular. Aliás, a designação “madeirense” (até prova em contrário) serve perfeitamente para o efeito, fazendo equivaler a linguagem regional ao identificativo do habitante (língua e gentílico), como acontece com a maioria das línguas vivas (REBELO, 2014a). Antes de os estudos pós-saussurianos centrarem a análise linguística na parole (fala), em vez de se concentrarem na langue (língua), os filólogos debruçavam-se sobre os textos escritos, em especial os literários. Deles colhiam informações pertinentes para o estudo da langue, em particular da sua diacronia e história. Criando-se a Linguística como disciplina científica, o que passa a interessar não são os textos fixados em suportes deterioráveis como o papel, mas a riqueza sincrónica da fala multivariável, com um suporte físico “imaterial” (o ar). Este afastamento da escrita levou os especialistas da linguagem, sobretudo os dedicados à análise da fala, num plano sincrónico, a olvidarem totalmente os registos literários. Ora, para os linguistas que têm procurado estudar o português falado na RAM, através de transcrições e de gravações, é de todo conveniente observar, igualmente, os contributos dos escritores regionais. No séc. XX, sobremaneira na primeira metade, indo mesmo aproximadamente até à déc. de 70, as transcrições linguísticas presentes em dissertações de licenciatura, e noutros trabalhos académicos, como se referiu, não diferiam muito das propostas presentes em textos literários, nos diálogos de personagens tipicamente regionais, estando ambos (trabalhos académicos e textos literários) muito próximos do método da “pronúncia figurada”. A descrição da fala regional importa aos estudiosos da linguagem e a um número considerável de escritores, embora numa abordagem menos científica do que a que orienta um linguista. Logo, é a Literatura que vai permitir registar a escrita do modo regional de falar, mesmo se algumas produções literárias não têm seguido esta via, o que aconteceu na recolha de contos populares (FREITAS, 1996) ou de rimances (FERRÉ e BOTO, 2008). Não se almeja, no entanto, abordar a questão da “Literatura Madeirense” (cf., p. ex., HOMEM, 1999 e SANTOS, 2007, 2008), mas tão-somente valorizar, para o falar da variedade madeirense na escrita, o contributo de textos literários de alguns escritores, mais ou menos conhecidos, consagrados ou não, relevantes ou insignificantes quanto ao cânone literário (SANTOS, 2008). A escrita da variedade madeirense: a relevância do texto literário Em termos linguísticos, se o português falado na RAM é apenas unifacial por possuir exclusivamente a face oral, quando olhado sob o prisma literário, torna-se bifacial. Contudo, a dimensão escrita que adquire não é ortográfica, mas fonográfica ou grafofónica (REBELO, 2013 e 2014, no prelo). Estes dois últimos termos estabelecem uma íntima relação entre a dimensão “gráfica” (representação escrita) e a “fonia” (produção oral) para dar conta das características regionais ou locais de um modo de falar. Consistem, por assim dizer, no mesmo processo empregue no registo da “pronúncia figurada”. Posto isto, convém, todavia, clarificar que as representações escritas do registo oral regional vão variando consoante os escritores e a maneira como captaram as sonoridades insulares, não havendo, portanto, uma relação unívoca entre estas duas faces. As causas para este fenómeno serão múltiplas e não se equacionam de momento. A poligrafia literária faz lembrar o polimorfismo próprio do Português Arcaico (cf., por exemplo, VÁZQUEZ CUESTA e LUZ, 1988). Por exemplo, o Dicionário Houaiss apresenta a evolução histórica dos significantes e verifica-se que nem sempre um determinado vocábulo (ex.: “igreja”) se escreveu da mesma maneira, tendo tido, num mesmo período ou em mais, várias formas (ex.: “egreja” e “ygreja”, entre outras possibilidades). Em parte, isso verifica-se porque os diversos autores tidos como regionais foram fixando e dando corpo gráfico, visibilidade impressa, às sonoridades insulares, segundo a sua própria captação da fala. Este processo de materialização dos diversos níveis da variedade insular (como o social: calão, gíria, etc.) na escrita literária sucedeu no plano internacional (p. ex., em França, com Raymon Queneau, e em Moçambique, com Mia Couto) e nacional, com escritores como Lídia Jorge ou Aquilino Ribeiro. Aliás, é sabido que já Gil Vicente procurara conferir um estilo linguístico a determinados tipos de personagens, moldando a grafia segundo traços de pronúncia. Logo, esta especificidade não se observa unicamente na RAM, uma vez que é comum a outras variedades, registos ou línguas. Deste modo, não é uma estratégia exclusiva do espaço criativo madeirense. Contudo, é aqui que a interessa observar, esboçando-lhe os contornos para a configurar. São, sobretudo, as personagens representativas das camadas sociais mais baixas, tipicamente populares, que, nos textos literários, vão “falar à madeirense”. O valor científico da linguagem popular (BOLÉO, 1942) e a problemática da relação entre “popular” e “regional” (VERDELHO, 1982) são tópicos prementes para o estudo do registo escrito das variedades. A escrita ficcional tende a querer assumir traços de realismo linguístico (REBELO, 2008, 2013, 2014 no prelo). Portanto, as personagens, enquanto entidades literárias intratextuais, ganham pujança extratextual, representando um modo de falar de um povo de uma região. Têm entidade individual, muitas vezes com nome próprio, mas identificam o conjunto, a comunidade. O texto adquire, então, um colorido regional quando estas personagens populares, quer iletradas quer pouco ou nada instruídas, falam, sendo recriadas pelos autores. A grafia da fala representada passa a ser desviante porque é uma “transgressão ortográfica”, visto corresponder a uma transcrição gráfico-fónica. As letras do alfabeto latino são usadas para escrever a pronúncia regional que se afasta da representação ortográfica normativa (como no processo da “pronúncia figurada” e de modo distinto da transcrição alinhada, representação ortográfica que acompanha linha a linha a produção de um texto oral). São, assim, as sonoridades específicas da variedade diatópica madeirense que passam a ser escritas. É complexo saber quem terá sido o primeiro autor a procurar registar o falar regional madeirense na escrita, nomeadamente literária, uma vez que a tendência foi quase sempre a de normalizar a grafia. Sem considerar o registo pontual de Mariana Xavier da Silva (1884), Ricardo Jardim, que passou alguns anos em Inglaterra, apresenta-se, com Saias de Balão, como o percursor, até que se descubra outra referência. Este autor regista a fala na escrita de maneira muito incipiente e de forma esporádica. Esta acontece, essencialmente, quando os “criados” falam, como se verifica no seguinte excerto: “Menêina, nã vaia p’ra riba!... Menêina, vai-se pisar!... Menêina, aprante-se p’ra aí! Esteja quètinha!... Credo! Abrenúncio!” (JARDIM, 1946, 32). Desta deixa, sobressai, entre mais particularidades, a ditongação do <i> tónico (êi), considerada como tipicamente madeirense. Em contraponto com Ricardo Jardim, indubitavelmente, um dos autores que mais empregaram este processo da escrita do falar terá sido, por certo, Horácio Bento de Gouveia (SANTOS, 2007). Se não o fez em todos os contos, usou-o, pelo menos, sistematicamente nos seus romances (ALMEIDA, 2000). Apresenta-se um excerto da obra Torna-Viagem: o Romance do Emigrante (GOUVEIA, 1995, 56): - Q’ aconteceu? - O navoeiro matou mê filho! - Aonde? - Na beira da rocha. - Antão ’tá no fundo da ribeira. – E chamou, repentinamente, com toda a força da arca do peito: - Manel? Manel? - O quia, mê pai? - Vem cá. Neste breve diálogo, além de outros fenómenos, regista-se a ditongação com crase em “quia” (que é), sendo notória, no início do diálogo, a ausência do artigo definido antes do possessivo (Sintaxe) com a frequente monotongação deste (“mê filho”). Estes traços são correntes na variedade madeirense, embora, como se sabe pelos trabalhos de vários estudiosos e linguistas como, p. ex., Gonçalves Viana, Leite de Vasconcelos, Paiva Boléo ou Lindley Cintra, comuns a outras variedades portuguesas. Entre estas duas tendências extremas (usar pouco – Ricardo Jardim – e empregar muitíssimo – Horácio Bento de Gouveia), diversos autores foram escrevendo a variedade diatópica madeirense. No entremeio, estará, p. ex., António Marques da Silva, com a “crónica romanceada” Minha Gente, obra póstuma, mas cuja finalização data de 1951. Dando voz às gentes da zona de São Jorge (Santana), reproduz o autor o falar do povo local, como evidencia a citação que se transcreve (SILVA, 1985, 13): – O mê digosto é nã poder botar-me desta terra pá rua. Ainda cum queira mercar um casaco pá missa, nã se pode. Anda-se atolado em lameiro todo loi dias e o que se ganha mal dá pá barreiga... – E si que dê graças a Deus em ter uma buxada para meter na boca... – acrescentou o outro, no mesmo tom melancólico. – Si amode canda reinando ca vida, Man’leinho? – soltou de lá um mais folgazão. – Ora! Cadmiração! Por aquei é com ’um porco que tá dentro do chequeiro. No há com’as outras terras! O Rodrigues, porém, insistia: – Poi sim... Mas si que veja o prove do João Perfeiro, do Farrobo, um homem como um teil, que veio arrebentado daquelas terras do fasteio!... Destaca-se também nesta amostra da escrita da fala a ditongação de <i> tónico (“Man’leinho” – Manuelinho, “barreiga” – barriga, “aquei” – aqui, “teil” – til, “fasteio” – fastio). Este ditongo, com semivogal divergente da palatal ou da velar normativas, reencontra-se, p. ex., no estudo acústico sobre o falar do Porto Santo (REBELO, 2005). Sobressai o uso da forma de tratamento com “si”, entre vocabulário típico (“mercar”, “um lameiro” ou “reinando”) e diversos fenómenos fonéticos, como mudanças de timbres, supressões, etc. Realça-se a forma do artigo definido masculino plural “loi” e a monotongação do possessivo “mê” (meu), mas, aqui, antecedido do artigo (“o mê”). Como se verifica, a exploração das particularidades linguísticas registadas deveria ser alvo de uma investigação aprofundada, podendo, crê-se, ter um considerável interesse para o linguista. A reaproximação da Linguística à Literatura merece, assim, para o estudo da variedade insular, uma atenção especial. Além destes três autores mencionados, apontam-se outros por serem, porventura, os que mais ilustram esta estratégia linguístico-literária, recorrendo a uma transcrição linguística reconstruída (ficcionada) que aproxima a grafia da fonia. Decerto, os autores que viveram o período da Revolução dos Cravos, em meados da déc. de 70 do séc. XX, experimentaram uma revalorização de tudo o que se relacionava com o povo. Textos publicados nesse período tenderam, por isso, a sobrevalorizar o falar regional, na sua vertente popular e regional. É o que acontece com Pernas Ceifadas, de Maurício Melim Teixeira, com prefácio de Horácio Bento de Gouveia. Nesta obra, o autor, conferindo-lhe um cunho de realismo, afirma que “[...] a história apresentada se baseia em factos reais [...]. À parte algumas criações minhas, outros arranjos e outra disposição, ela sustenta-se num (entre tantos) caso real, bem funesto da sociedade madeirense” (TEIXEIRA, 1975, 9-10). O pendor realista é ainda salientado por Horácio Bento de Gouveia no prefácio da obra: “A prova evidentíssima reside no conteúdo da novela, no realismo das cenas, no aspecto fónico do linguajar das personagens”. Acrescenta Gouveia, a propósito: “Nota-se uma natural preocupação de gosto pelo termo raro, muitas vezes forçado. Infere-se, da sintaxe, muita leitura, bem que não completamente escoimada dos prejuízos inerentes à busca da verdade linguística” (Ibid., 12-13). Reencontra-se esta tendência nos diálogos que dão conta de um falar divergente do registo normativo (Ibid., 153-154): – Olhe nã repare nesta desarrumação qu’ at’ ia ûa vergonha! ’Tava [sic] acabande d’almoçar, sabe cuma ia... Mas antão o qu’ ia qu’ a trai pro cá? Precisa dalgûa coisa, ia? S’ iu puder ajudar ia só dezer, faça-se de casa, nã faça cirmónia! [...] – Eu gostava de tilfonar... Hesitava. – Pôs ia tilfonar... ora venha daí... largue lá esses acanhamentes... por ’quei, por ’quei... – e balançava-se, afanada. – Sabe qu’ o nosso... quer dizer... o mê pai trancou o tilfone e iu preciso muito tilfonar... desculpe vir incomodar... – Ora essa! Ora essa! Incomodar, proquia? Nã incomoda nada, nem um belisque... Ah, mas o sê pai trancua? Ora essa! – repetia – Mas antão proquia? – [...] – Tudo por causa do mê namorado... O qui é que quer? Ele é assim! Embirrou e agora? É teimoso que nem um jerico! Vá lá entender-se isto! O diabo do homem pendeu prá ‘li e tirem-lho da carcaça! – Ah, e iu a pensá qu’o sinhô Francisque era um home compreensive, honeste! Olhe que nem parece ser o qu’ ia! – estava despeitada – Sabe o qu’ ia: a gente vê, fala, mei nunca ia cuma se vivesse cum ele, nã se lhe conhece ei manhas. Aparências... Olhe menina: nem tude o que luz ia oure! Ora, são todes bons! Homes! Todes iguais, nem um só s’ escapa! Ia tude ûa súcia de bandides, ûa canhalha! Concluía por fim: – Mei vá lá, vá lá, nã demore mais aquei, qu’a meinha c’riosidade já lhe tirua munte tempe. Ia aquei, ia aquei! Pegue, ‘teija à vontade! Neste diálogo, assinala-se, de novo, a ditongação de <i> acentuado (“aquei”, “meinha”), que, porém, nem sempre ocorre (“compreensive”, “bandides”), assim como a de “é” (“ia”), entre múltiplas outras especificidades, como a mudança de timbre de <o> em posição final absoluta ou não (“todes”, “tempe”). Certos traços ocorrem igualmente no conto de Jorge Sumares “Mai Maiores qu’ essei Serras”, que data também do mesmo período de mudança política, assim como de paradigma estético-literário e linguístico, já que foi escrito em finais da déc. de 60 e publicado, parcialmente, em 1974, no Diário de Notícias da Madeira. Não sendo escritor de profissão, Sumares redigiu este texto aproximando os grafemas dos fonemas, ou melhor, as letras dos fones, como se constata da leitura do passo que se recortou da integralidade textual (um diálogo em que se “ouve” apenas uma das duas vozes, um dos dois interlocutores, o idoso popular, marcadamente regional): “Filhos? Tive nove. Seis homes e três melheres. Tudo se criua à conta de Deus. Inté a nossa Rosaira já tava criada cando Deus a chamua à sua devina presença. Já andava nui vinte. Veio-le um bicho no estâmego – lá foi” (SUMARES, 2005, 177). Curiosamente, a ditongação de <i> tónico não se verifica neste excerto, mas ocorre no decorrer do conto (REBELO, 2013). Porém, o fenómeno da ditongação sucede, p. ex., com o fonema [o] (<ou>) em “criua” (criou), “chamua” (chamou). Também sobressai a mudança de timbre vocálico por, na maioria dos casos, assimilação ou dissimilação, o que é evidente em “melheres” (mulheres), “devina” (divina) e “estâmego” (estômago). Dá-se ainda, e apenas, relevo ao plural “nui” (nos), assinalando um traço que é identificado como madeirense, isto é, o plural em <i>. Este fenómeno gerou controvérsia quanto à sua explicação, nomeadamente entre Millet Rogers e Eduardo Antonino Pestana (PESTANA, 1970) (Sintaxe). É indispensável referir que, antes destes autores, Ernesto Leal, no conto com o título homónimo da obra O Homem que Comia Névoa, de 1964, experimentara este exercício, mesmo se, como Ricardo Jardim, não lhe conferiu grande relevo na sua obra. No entanto, não se pode deixar de mencionar, ilustrando esta escrita fónica com um breve trecho (LEAL, 1964, 68-69): Na Portela das Mantas, à hora da névoa da manhã, o vilão grita assim e os sons ficam no ar, a baloiçarem-se: – Ó Maruia!... […] E a viloa responde: – Qu’é? […] – Onde estás, que não te vejo, ca névoa? […] – Estou no poio pequeno das couves, por ruiba do chiqueiro. Mais uma vez, o <i> tónico surge ditongado (“Maruia” – Maria, “ruiba” – riba) e sobressai enquanto marca madeirense perante fenómenos populares geograficamente mais amplos, como a elisão em “Qu’é?” ou a aglutinação presente em “ca”. Estranhamente, as formas verbais “estás” e “Estou” mantêm-se intactas, quando correntemente se reduzem a “tás” e “Tou”. O mesmo acontece com o ditongo de “não”, que tende a monotongar na oralidade (“nã”). O vocábulo “couves” é, popularmente, por certo, mais empregue com a variante do ditongo “oi”, mas, neste excerto, mantém-se inalterado. Esta observação, aplicada a outros fenómenos e vocábulos, é válida para os restantes autores que seguem o processo de escrever o falar, já que, por vezes, não assinalam traços que se sabe serem comuns no registo da fala. Aliás, isso é notório em Francisco de Freitas Branco, que, embora não tenha escrito textos literários, seguiu esta estratégia em crónicas com alguma literariedade. Orientou-se este autor por uma transcrição alfabética do falar madeirense (da Madeira e do Porto Santo) inconstante e cambiante, muito versátil, como o comprovam a leitura das crónicas “Sobre Habitantes da Ilha: Apontamento Linguístico”, “Ê Tenho esta Ideia Comeio (Crónica Literária)” e “Ainda nam Teinha Trêzianes, Comecei Cêde: Tentativa para Reprodução Escrita da Fala Viva” (REBELO, 2002a, 2004, 2008, 2013, 2014 no prelo). O processo terá desagradado aos falantes que se sentiram desvalorizados por considerarem que aquela escrita estava repleta de “erros”. Ora, o facto de as transcrições de Freitas Branco se reportarem a pessoas (reais – entidades extratextuais) e não a personagens (de papel e palavras – entidades intratextuais) terá criado equívocos difíceis de resolver, já que estas transcrições queriam sublinhar a riqueza da dinâmica da fala. Parece, então, que, se se sair do plano ficcional, a variedade diatópica continua a ser unifacial. Caberá aos linguistas ultrapassar esta dificuldade, se se pretender que a variedade endógena seja bifacial fora dos limites da Literatura, que, porém, tem continuado a alimentar o processo de transcrição da fala. Mais recentemente, um dos últimos autores que procuraram passar para a escrita o falar dos ilhéus do arquipélago terá sido Lídio Araújo, que recorre, abundantemente, ao processo em Filhos do Mar. A leitura deste livro é animada pelos diálogos recriados, que, além de serem muito enfáticos, como à partida o são os reais, transmitem um colorido local. As marcas do nível popular preenchem o discurso dialógico, como o seguinte excerto o evidencia (ARAÚJO, 2002, 83-84): – Pedro, acorda! Al’vãta-te O [sic: sem ponto] pae leiva-t’ô maar! [...] – O qu’ia pae, ô maar? – Seim! Êu t’prom’tei, um deia. Hôje vaes c’agênte! [...] – Ia ve’dade, pae? – interrogou, incrédulo, arregalando os olhos. – Ia seim! – E a mãe já saabe? – Já! D’spacha-te! Ao ler-se estas deixas das personagens, é como se se ouvisse as pessoas a expressarem-se nos seus modos de falar marcadamente sincopados e com múltiplos fenómenos estudados pela fonética combinatória (Fonética). A supressão de fonemas é assinalada pelo apóstrofo, como em “Al’vãta-te” (Levanta-te) e “t’prom’tei” (te prometi/prometi-te). A duplicação vocálica poderá indiciar vogais longas e/ou com um grau de abertura considerável, representando para o leitor a necessidade de as “dizer” duas vezes (“maar” – mar, “saabe” – sabe), como se houvesse duas vogais/duas sílabas. Este último fenómeno confere melodia ao falar, alongando os vocábulos por parecerem ganhar uma sílaba. Como para os autores já mencionados, além de o nível popular se destacar, surgem também nesta obra de Lídio Araújo particularidades regionais, como a ditongação de <i>, quer oral – “deia” (dia) –, quer nasal – “seim” (sim). Regista-se ainda a da vogal anterior semiaberta, que se encontra, p. ex., em “qu’ia” (que é) e em “leiva” (leva). Poderia alargar-se a exemplificação, mas esta parece ser suficiente para comprovar o valor deste livro, que, através da recriação do autor, reproduz o falar das gentes do mar madeirense de Câmara de Lobos. Nesta síntese, fica claro ser inviável referenciar todas as obras de cunho madeirense (que começam a ser em número considerável) em que o recurso da escrita da fala ocorre. Pelo traço característico que as permite reagrupar aqui, os escritores mencionados e as obras citadas, além de todos os restantes não referidos, aguardam um estudo linguístico aprofundado. Seguindo as pegadas dos filólogos do passado, o linguista do presente, dedicado à variação regional, terá todo o interesse em analisar as diversas transcrições literárias para a representação gráfica do falar insular, que revelam constituir um rico património (REBELO e GOMES, 2014). Muitas vezes, são dados impressionistas (REBELO, 2003, 2011) e intuitivos, já que, p. ex., a palatalização da lateral antecedida de [i] nem é comum (ANDRADE, 1994) nos textos transcritos. No entanto, não se distanciam substancialmente dos que as dissertações de licenciatura apresentaram (MACEDO, 1939; ROGERS, 1940, 1946, 1948; MONTEIRO, 1945, 1950; PEREIRA, 1952; PESTANA, 1954; NUNES, 1965). A título meramente exemplificativo, veja-se, em baixo, a Tabela 1, com algumas representações literárias da autoria de Ricardo Jardim, Ernesto Leal, Jorge Sumares e Francisco de Freitas Branco. A variação no modo de grafar a vogal indica uma pronúncia particular que cada autor escreve à sua maneira, como a ouve. A tabela foi elaborada a partir de um levantamento de dados anteriormente realizado (REBELO, 2008) e nela facultam-se exemplos, destacando-se a negrito os segmentos a considerar. [table id=95 /] Assim, constata-se que há todo um trabalho de sistematização linguístico-literário a realizar para dar visibilidade à face escondida (a escrita da fala) da variedade insular madeirense, que, todavia, figura em vários textos literários, segundo os critérios individuais dos seus autores. É urgente compará-los para compreender em que pontos são credíveis, ou não, as suas propostas de escrita da fala da variedade diatópica madeirense. Enquanto isso não suceder e não houver interesse em escrever o falar madeirense (os falares madeirenses?), a variedade insular continuará a ser apenas unifacial, sobrevivendo no registo oral, até a comunidade regional assim o desejar.   Helena Rebelo (atualizado a 07.12.2017)  

Linguística Literatura

cadet, maria rita colaço chiappe

Maria Rita Colaço Chiappe Cadet (1836-1885) foi provavelmente adotada por Maria Madalena Chiappe Colaço e Barnabé Martins de Pancorvo; com efeito, a futura escritora, poetisa e dramaturga foi exposta na Roda da Santa Casa de Lisboa em 1836. Foi professora primária, ensinou francês, dirigiu um colégio feminino na capital e foi gerente da editora Lallement et Frères. Casou-se com João Baptista dos Santos Cadet, em 1857. Antes do casamento, já tinha publicado diversas composições poéticas, tendo contribuído, entre outros, em 1852, para o jornal A Beneficência, dirigido por Antónia Pusich. Dedicou-se à tradução e à colaboração em diversos periódicos, entre os quais O Almanaque de Senhoras e o Jornal das Damas. Fez também letras para composições musicais, como a que escreveu para a banda militar do mestre de música de D. Luís, Manoel Inocêncio Liberato, incluída no Cancioneiro de Músicas Populares (NEVES, 1895, 166-167). A preocupação com a educação leva-a a publicar, em 1880, Flores da Infância, Contos e Poesias Morais Dedicados à Mocidade Portuguesa, obra que foi considerada de utilidade para uso das escolas em Portugal e no Brasil. As suas obras no campo da literatura infantil, quer contos, quer peças de teatro, fazem da escritora uma das precursoras da literatura infanto-juvenil moderna. Uma delas, O Lunch na Quinta – Comédia em Um Acto, publicada em 1884, é dedicada à viscondessa da Ribeira Brava, D. Joana Gil de Borja de Meneses e Macedo, que dirigiu na Madeira a Delegação da Cruzada das Mulheres, e aos seus filhos. A escritora tem uma ligação profunda à Madeira, onde viveu de 1870 a 1875, tendo privado com a viscondessa das Nogueiras, D. Matilde Isabel de Santana e Vasconcelos Moniz de Betencourt, autora de Diálogos entre Uma Avó e Sua Neta – para Uso das Creanças (1862), adotado pelo Conselho de Instrução a nível nacional, poetisa reconhecida e intelectual atenta à importância da educação feminina. O convívio com a viscondessa, de quem era amiga e a quem dedica, em 1870, a poesia “Horas Vespertinas – No Album da Excellentissima Senhora Viscondessa das Nogueiras (Meditação)” (provavelmente escrita no álbum de poesias que a viscondessa teria e no qual recolheria as suas composições e as das amigas), publicado em Sorrisos e Lágrimas, teve certamente grande influência no desenvolvimento intelectual e artístico de Maria Rita Chiappe Cadet. De facto, a partir do seu regresso a Lisboa, vai dedicar-se de forma continuada à escrita para crianças, aliando o intuito pedagógico ao incentivo à leitura e à sua fruição. A Ilha e a sua paisagem marcam a autora de forma profunda, como demonstra no poema “Canto à Ilha da Madeira – Ao Chegar”: a Madeira aparece no horizonte como uma “náiade encantada” (CADET, 1875, 75), formosa, verde, florida, e, como a ilha dos amores, enfeitiça quem a vê. Numa verdadeira paródia do poema do brasileiro Gonçalves Dias, “Canção do Exílio”, que refere os primores do Brasil e o canto do sabiá, pedindo a Deus que não o leve antes de voltar para o Brasil, Cadet escreve: “As aves que ouço em torno/tem mais suave encanto,/tem notas como um pranto/[…]//[…] Oh! Eu quisera sempre,/n’esta ilha, sozinha,/o cantar da avezinha/ouvir até morrer.” (Id., Ibid., 76). A poetisa repete, à semelhança dos autores continentais e estrangeiros, o topos edénico da Madeira e o motivo do deslumbre, ligando, igualmente, a Ilha, pela sua natureza, à aproximação privilegiada do indivíduo à Providência e à fé. O poema “Adeus à Madeira” (Id., Ibid., 114-115), de 1871, revela o carinho que, entretanto, desenvolvera pela Ilha, tratada de forma personificada como uma companheira, e o medo de não voltar. Deixara no Funchal também várias amigas, a quem dedicou poemas na imprensa periódica, incluídos depois em Sorrisos e Lágrimas, como Maria J. Morão Pinheiro e Teresa da Cunha Menezes. Na Madeira, contribuiu para a imprensa periódica, como é o caso de O Direito, com diversas composições poéticas, como as elencadas por Laureano de Macedo (MACEDO, 2013, 369): “Que pensas?” (11 fev. 1871); “Charité” (18 fev. 1871); “O canto do segador” (25 fev. 1871); “Saudades” (04 mar. 1871); “Resigna-te” (18 mar. 1871). Participa, igualmente, em recitais de poesia, como atesta o poema “Caridade”, publicado em Sorrisos e Lágrimas (CADET, 1875, 94-99), com a indicação de que foi recitado num concerto a favor do Asilo de Mendicidade da cidade do Funchal. Obras de Maria Rita Chiappe Cadet: Hymno de S.M. El Rei D. Luiz I: Composto para a Sua Acclamação Poesia de D. Maria Rita Chiappe Cadet – Musica de Manoel Innocencio Liberato dos Santos, Mestre de Sua Magestade (1862); Versos  (1870); “Que pensas?” (1871); “Charité” (1871); “O canto do segador” (1871); “Saudades” (1871); “Resigna-te” (1871); Sorrisos e Lágrimas. Poesias de D. Maria Rita Chiappe Cadet (1875); Flores da Infância. Contos e Poesias Moraes Dedicados a Mocidade Portuguesa (1880); Caprichos do Luizinho (1883); Contos de Mamã (1883); A Mascarada Infantil (1883); A Boneca (1884); As Fadas Improvisadas (1884); O Lunch na Quinta (1884); O Primeiro Baile (1884); O Segredo de Helena (1884); A Preguiça e a Mentira (1885); O Último Dia de Férias (1884).   Luísa Marinho Antunes Paolinelli (atualizado a 27.10.2017)

Literatura

bolton, william

William Bolton (c. 1650-1750) foi um comerciante em Warwickshire que, beneficiando de uma lei britânica de 1663 cujo objetivo era aumentar o capital proveniente do comércio com as colónias, se transferiu para a Madeira por volta de 1695, onde se instalou como comerciante e banqueiro. William Bolton mantém desde a sua chegada à Ilha, e nos 20 anos em que aí permanecerá, uma constante correspondência com os seus associados em Londres, Robert, William e Gyles Heysham. Escritas entre 1695 e 1714, as cartas originais foram depositadas na Kenneth Spencer Research Library da Universidade do Kansas, nos EUA. Em 1928, André L. Simon, fundador e presidente da Wine & Food Society, publicou em Londres parte do acervo, com o título The Bolton Letters: The Letters of An English Merchant in Madeira, 1695-1714. O autor planeava publicar dois volumes, mas deu à estampa apenas o primeiro, que inclui as cartas datadas de 1695 a 1700. Em 1960, Graham Blandy faz uma edição a stencil do restante conjunto de cartas, que compreende o período de 1701 a 1714. Alguns pequenos excertos das cartas do volume editado por André L. Simon foram traduzidos e publicados por António Marques da Silva, em Passaram pela Madeira, em 2008. As cartas de William Bolton são consideradas pelos historiadores muito importantes como documentos primários para o conhecimento do comércio atlântico e da economia da Madeira, mas também para o quotidiano da época, do qual o autor dava conta. Richard W. Clement afirma que o conteúdo da correspondência é fundamental para a investigação, já que constitui um testemunho não só para a história económica do arquipélago, mas também dos “day-to-day details of political news, naval movements, and trade gossip [pormenores das notícias políticas do dia a dia, da atividade naval e dos mexericos do comércio]” (CLEMENT, 1989, 196). As cartas de Bolton são também importantes para o estudo da cultura do vinho, sendo citadas no livro do prestigiado enólogo inglês Richard Mayson, Madeira: The Islands and Their Wines, pelas informações sobre a qualidade e quantidade das colheitas em diferentes anos (MAYSON, 2015, 7). Falta, no entanto, como sublinha Clement, uma edição crítica e académica da totalidade das cartas. O estudioso aconselha também a leitura cruzada com o Letter-Book de Daniel Prior, capitão do brigue Abigail, de Boston, que na déc. de 1790 se dedicou ao comércio no Atlântico, podendo os investigadores, assim, adquirir uma imagem mais completa e documentada do comércio que unia a Europa à América. Bolton dá conta de um comércio florescente que passava pela Madeira: o vinho seguia da Ilha para as Índias Ocidentais, para as colónias americanas, a Inglaterra e a Irlanda, sendo também na Ilha abastecidos os navios com produtos alimentares frescos e manufaturados; da Inglaterra, chegavam o trigo e os produtos de lã, seda e algodão, o mobiliário e produtos manufaturados; da Irlanda, provinham a carne e os lacticínios; da Terra Nova, o peixe; de Boston e Nova Iorque, o óleo de baleia e as madeiras; da Virgínia e das Carolinas, o arroz e o milho; das Índias Ocidentais, o açúcar. É igualmente interessante a rivalidade existente entre os comerciantes ingleses de que dá conta, chegando mesmo Bolton a ser preso por problemas criados pelos seus rivais (SILVA, 2008, 43-47). Obras de William Bolton: The Bolton Letters: The Letters of An English Merchant in Madeira, 1695-1714, (vol. I 1928); The Bolton Letters: The Letters of an English Merchant in Madeira, 1695-1714, (vol. II 1960).   Luísa Paolinelli (atualizado a 27.10.2017)

Literatura Madeira Global

blanchard, pierre

Autor, editor e educador, Pierre Blanchard nasceu em Dammartin em 1772 e faleceu em Angers em 1856. Dedicou-se às letras desde cedo, publicando os primeiros textos no período da Revolução Francesa com o pseudónimo “Platon Blanchard” e “P. B**”. Em 1800, inaugurou em Paris uma instituição para jovens. Estabeleceu-se como livreiro em 1809, a fim de comercializar e divulgar as obras de educação de sua autoria. Trabalhou em associação com Alexis Eymery durante os anos de 1811 e 1812. Em 1834, passa a outro editor a licença da livraria. Dedicou-se à escrita de textos de teor didático, tendo como principal finalidade a educação das crianças e dos jovens. No conjunto da sua obra, destacam-se Les Accidents de l’Enfance; Le Trésor des Enfants: Divisé en Trois Parties la Morale, la Vertu, la Civilité, com tradução portuguesa, que em 1879 já ia na 36ª edição; e Le Voyageur de la Jeunesse dans les Quatre Parties du Monde; Ouvrage Élémentaire, em seis volumes. Também deste último texto foram muitas as edições, contando-se numa década cerca de quatro. A divulgação dos conhecimentos que transmitia foi por isso muito vasta, servindo durante largos anos para a educação dos jovens franceses. No quarto volume desta última obra, Blanchard começa a viagem no Indostão, passa pela Pérsia, pelas Arábias, por algumas ilhas do Mediterrâneo, pelas ilhas da Ásia, pela África, pela Abissínia, pelo que denomina Estados Barbáricos ou Barbárie (nos quais inclui Tripoli, Tunísia, Argélia, o Império de Marrocos e Biledulgerid), pelo Sahara e, finalmente, do grande deserto chega às “Ilhas da Madeira”, com as quais fecha o tomo (BLANCHARD, 1818, 438). O autor transmite o que considera ser a informação mais pertinente sobre o arquipélago: a constituição e dimensão das ilhas; a história do descobrimento e a caracterização da sua economia. Apesar de se enganar na data da descoberta, provavelmente fruto de uma gralha, situando assim a chegada dos Portugueses em 1519, Blanchard parece conhecer bem a bibliografia sobre as ilhas. Refere o incêndio no início do povoamento, a forte arborização e fertilidade dos terrenos, o papel da cana-de-açúcar na economia da ilha e o seu papel na difusão desta cultura no Brasil. Considera o açúcar da Madeira muito bom e afirma que deixa na boca um odor de violeta, forte e agradável. Em relação ao vinho, afirma que a cultura da vinha ultrapassou as esperanças dos cultivadores, produzindo-se na ilha da Madeira diversos vinhos que estão a par dos melhores que existem, sendo os seus nomes Madeira, Malvasia e Alicante. A Madeira, segundo o autor, exportava cerca de 20.000 barricas por ano para as colónias ocidentais e para os Barbados. Além do açúcar e do vinho, a Ilha era famosa pela comercialização do mel, da cera, do couro e de frutas frescas e tratadas. Estas últimas, em compotas, são consideradas das melhores do mundo, tendo um excecional odor, especialmente as de laranja e de limão. Segundo o autor, os bosques têm muita caça, como javalis e outros animais selvagens, não existindo nenhum animal venenoso. As casas, no meio das vinhas e das plantações, criam um efeito “encantador”, e a única cidade da Madeira, “Fonchal”, situa-se na costa sul, “essa bela encosta”, numa grande baía (Id., Ibid., 440). Porto Santo é referido como uma ilha pequena e as outras apenas como rochedos estéreis, sem importância. Blanchard, de forma resumida, dá aos seus jovens leitores uma imagem da Madeira como um lugar agradável (um locus amoenus), simples, mas de uma grande riqueza baseada nos produtos da terra. A descrição da Ilha e do que exporta é pautada pelo elogio e pelo carácter superlativo, em comparação com outros lugares e produtos. O autor repete, assim, os topoi da fertilidade e da excelência ligados à Madeira e o deslumbre do europeu continental.   Obras de Pierre Blanchard: Le Voyageur de la Jeunesse dans les Quatre Parties du Monde; Ouvrage Élémentaire (1804); Les Accidents de l’Enfance, Présentés dans des Petites Historiettes, Propres à Détourner les Enfants des Actions que leur Seraient Nuisibles, (1813); Le Trésor des Enfants: Divisé en Trois Parties la Morale, la Vertu, la Civilité (1814).   Luísa Paolinelli (atualizado a 27.10.2017)

Literatura Madeira Global

aragão, antónio

António Aragão Natural de São Vicente, na ilha da Madeira, António Aragão foi uma figura cultural multifacetada do séc. xx. A poesia terá sido a sua área de eleição, mas fez igualmente experiências no âmbito da narrativa e do texto dramático. Também se dedicou a outros planos de intervenção e de estudo, e.g.: a formação do Cine Clube do Funchal para a visualização de cinema cultural. Dirigiu duas instituições madeirenses de relevo: o Museu da Quinta das Cruzes e o Arquivo Distrital da Madeira. Palavras-chave: António Aragão; historiador; promotor cultural; artista; escritor; escrita experimental. Existem algumas fotografias a preto e branco de António Aragão, no n.º 28 da revista Margem, que lhe é dedicado. Nelas, sobressai uma figura de pequena estatura e de porte cuidado, vestida com um casaco de fazenda e tendo a cabeça coberta com uma boina ou boné de cor preta. Na cara barbeada repousam uns óculos de vista (ou de sol) de aros escuros e grossos, não muito grandes, que estavam bastante em moda na déc. de 60 do séc. XX. Aqueles recobrem-lhe o pequeno rosto e possibilitam o seu reconhecimento: dão-lhe a marca da intelectualidade que o diferenciou. Praticamente todas as fotografias se reportam à fase de maturidade da sua vida, englobando, sensivelmente, o período da déc. de 60 à de 90 do séc. XX. Este retrato caricatural não permite adivinhar a sua genialidade criativa, revelada nas múltiplas classificações que lhe foram atribuídas. Através do índice da revista Margem referida, fica sem se saber se foi promotor patrimonial da comunidade local (ou melhor, regional), historiador, arqueólogo, poeta, ficcionista, dramaturgo, criador experimentalista, pintor, escultor, desenhista, cinéfilo, ou, simplesmente, um intelectual interessado em preservar o passado aberto à novidade do futuro, na vivência do seu tempo presente. Além de possuir outros epítetos, não se resumirá a nenhum deles, porque será a soma de todos. A personalidade de António Aragão recorda os artistas renascentistas, devido à sua insaciedade de saber e de inventar; era uma pessoa curiosa, nutrindo vários interesses. O acervo que foi constituindo, e que algumas entidades públicas, além de outras privadas, tentam adquirir, revela esta pluralidade de interesses e a sua curiosidade pela diversidade cultural. As balizas temporais, medidas entre o nascimento a 22 de setembro de 1921, em São Vicente, na ilha da Madeira, e o falecimento a 11 de agosto de 2008, no Funchal, indicam que António Manuel de Sousa Aragão Mendes Correia viveu quase 87 anos; fá-los-ia no mês seguinte à sua morte, depois de uma fase de doença prolongada. Embora haja uma biografia divulgada e reiterada, seria preciso observar muitos detalhes para compreender inteiramente este homem do séc. XX, amante do passado e do futuro, e para evidenciar a sua faceta artística: foi escritor, poeta, pintor, escultor e também historiador e investigador. De facto, António Aragão destacou-se como um importante vulto da cultura portuguesa, não só pela sua vasta formação académica como pela sua criatividade na cultura e na arte, o que lhe permitiu vencer as barreiras da insularidade e afirmar-se nos meios académicos e culturais nacionais e europeus. O seu carácter irrequieto e polémico afastou-o do conformismo criativo. Era assim na investigação histórica, na etnografia, na pintura, na escultura e na arte da palavra. Além de todas as suas potencialidades e capacidades, também possuía uma grande paixão pelo cinema. Aliás, em 1955, contribuiu para a formação do Cine Clube do Funchal, a fim de possibilitar a visualização de obras de cinema alternativas às classificadas como comerciais. Da sua vida pessoal, poucas informações são divulgadas nas biografias existentes. Provavelmente por vontade própria, intentou separar a sua vida privada da sua vida pública. É sabido que se casou, em Roma, com Estela Teixeira da Fonte, de quem teve um filho, Marcos Aragão Correia, advogado de profissão. Sua irmã, Ruth Aragão de Carvalho, formada em ballet na capital portuguesa, casou-se com o ator Ruy de Carvalho. A nível de formação académica, a vida desafogada dos pais permitiu-lhe ir estudar no Liceu Jaime Moniz, o que poucos jovens ilhéus, sobretudo os nortenhos, podiam almejar. Posteriormente, como acontecia com os setimanistas madeirenses, seguiu para o continente e frequentou a Universidade de Lisboa, instituição onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas, fazendo depois uma especialização em Biblioteconomia e Arquivística na Universidade de Coimbra. Estudou ainda etnografia e museologia em Paris, sob a orientação do diretor do Conselho Internacional de Museus da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Finalmente, dedicou-se ao estudo do Restauro de Arte, em Itália, mais precisamente no Instituto Central de Restauro de Roma, tendo usufruindo de um estágio no Laboratório do Vaticano. Tanto em Paris como em Roma, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). No âmbito do seu percurso profissional, fruto da diversificada e rica formação que tinha adquirido, desempenhou, no plano regional, alguns cargos importantes, tendo dirigido o Arquivo Distrital da Madeira e o Museu Quinta das Cruzes, e sido delegado dos Museus e Monumentos Nacionais na Madeira, associado à Comissão de Arte e Arqueologia da Câmara Municipal do Funchal. Os lugares por onde passou, no domínio laboral, coadunavam-se perfeitamente com os interesses que nutria, quer quanto à museologia, quer quanto à arquivística e à dimensão histórica da sua formação inicial. Notável é a sua atividade enquanto investigador e arqueólogo, da qual derivou vasta e conhecida obra: Os Pelourinhos da Madeira (o seu primeiro livro, de 1959); O Museu da Quinta das Cruzes (1970); Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória (1979); A Madeira Vista por Estrangeiros, 1455-1700 (1981); As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História (1984); O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal (1992). A partir das escavações arqueológicas por si dirigidas no lugar do aeroporto, onde se situava o Convento quinhentista de N.ª Sr.ª da Piedade (Santa Cruz), foi possível proceder ao levantamento da planta geral do Convento franciscano, ao estudo das suas características tipológicas e à exumação de variado espólio, onde se inclui uma vasta diversidade de padrões de azulejaria hispano-mourisca ou mudéjar, proveniente do Sul de Espanha, bem como múltiplos exemplares de azulejaria portuguesa seiscentista e setecentista, e de elementos primitivos em cantaria lavrada: portais do Convento, janelas, arco triunfal da igreja, condutas de águas, lajes tumulares e pavimentos, que passaram a constar nos jardins da Q.ta do Revoredo, Casa da Cultura de Santa Cruz. É de destacar que todos os trabalhos por ele efetuados se encontram devidamente catalogados e documentados com plantas rigorosas, desenhos e fotografias. Também se deve realçar a ação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, que era então o poder executivo do arquipélago, que encomendou e incentivou este trabalho e que, depois de entregue pelo autor, o depositou em grande parte no Museu Quinta das Cruzes. A par da profissão oficial, foi dando realce à sua faceta de artista, como comprovam as suas ilustrações do livro Canhenhos da Ilha de Horácio Bento de Gouveia. Outro exemplo é a sua poesia espacial OVO/POVO, apresentada, em 1977, na XIV Bienal de São Paulo, tendo tido uma exposição em Lisboa, no ano seguinte, e outra em Coimbra, no decorrer de 1980. Outro exemplo ainda foi a exposição PO.EX. 80, que esteve na Galeria Nacional de Arte Moderna, na capital portuguesa, em 1980 e em 1981. A sua vertente artística culminou em 2007, com uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, tendo, porém, exposto também na Madeira. Pese embora estas facetas, será sempre lembrado e reconhecido pela sua intervenção na literatura de cariz experimental, nomeadamente pela sua colaboração na organização dos dois números da revista Poesia Experimental (1964, 1966). A este propósito, como afirma Rui Nepomuceno: “Em Portugal, o experimentalismo poético e literário ocorreu em Lisboa nos meados dos anos 60, mais precisamente em 1964, com a publicação da ‘Revista Experimental 1’; muito embora desde os finais de 50 já tivesse começado a germinar, como até podemos verificar ao cotejar os trabalhos literários de António Aragão organizados e divulgados naquele decénio, na Madeira” (NEPOMUCENO, 22 fev. 2010). É curioso verificar que a linguística teve um papel preponderante neste movimento e, consequentemente, em António Aragão, algo que Rui Nepomuceno também sugere: “Deste modo, na teorização deste movimento, passaram a assumir grande importância e estatuto determinante os diversos fatores relacionados com a ‘Linguística Moderna’, a ‘Semiótica’, o ‘Estruturalismo’, e, obviamente, os diversos aspetos da ‘Teoria da Forma e da Informação’, de que foram principais intérpretes e seguidores no estrangeiro Abraham Moles, Saussure, Jakobson e, sobretudo, o muito citado Lévi-Strauss” (NEPOMUCENO, 22 fev. 2010); e esta influência tem reflexos em toda a sua criação literária (com particular incidência na linguagem verbal). Por conseguinte, foi pela dimensão literária e artística que António Aragão ganhou renome. Esta ligação com a linguagem manifestou-se em muitas das peças artísticas de António Aragão numa fase de maturidade da vida artística, já que teve um percurso marcado por diversos períodos. As artes plásticas associaram-se, de certo modo, à sua poesia, que usou a linguagem verbal como matéria de jogo em quadros ou em textos e não com o valor que tinha para os linguistas, algo que era próprio da poesia experimental. É preciso lembrar que, além de artista, foi curador de arte contemporânea e promoveu diversas exposições, inclusive na galeria associada à editora Vala Comum, que possuía em Lisboa. Ele próprio contribuiu muitíssimo para a produção de obras de arte de diversas tipologias. O fascínio pela impressão e pelos recortes, com colagens e montagens originalíssimas, acentuou esta veia artística, mais inovadora, se assim se pode dizer, do que a que concebeu em suportes como tela ou pedra. A sua obra vivenciou diversas fases, algo que foi mais notório na pintura. De um período figurativo inicial, com tendência naturalista, passou para uma vertente expressionista com opção pela abstração, por via de uma geometrização e autonomia do traço. Produziu, além de óleos, algumas aguarelas e, em determinada altura, recorreu à laca como material. Na última fase, concebeu composições a partir de colagens, construindo as suas pinturas essencialmente pela destruição do material-base (e.g., jornais). Os quadros, as gravuras, as esculturas e as outras peças concebidas por António Aragão, enquanto desenhista, pintor e escultor, têm merecido um estudo cuidado por parte de peritos. É o caso de Isabel Santa Clara, que releva três obras emblemáticas do artista: “Da obra pública de António Aragão, na qual o autor opta por uma figuração abstratizante, destacam-se, em 1960, o monumento comemorativo do quinto centenário da morte do infante D. Henrique, paralelepípedo com desenho inciso, no Porto Santo; os relevos da fachada da Escola Industrial, depois Escola Secundária de Francisco Franco; e um painel cerâmico no mercado de Santa Cruz, de 1962” (SANTA CLARA, “Artes plásticas”). Todas as obras foram fortemente marcadas pela época em que foram criadas. Assim, das peças mais conhecidas, destacam-se, primeiro, os painéis de cerâmica da Escola Secundária Francisco Franco, no Funchal, onde sobressaem vultos que laboram. Depois, o colorido painel de cerâmica do mercado da localidade madeirense de Santa Cruz, que comunga da representação das ilustrações que António Aragão fez para o já referido livro Canhenhos de Horácio Bento de Gouveia. A terceira referência escultórica, que ficou localizada no Porto Santo, é designada popularmente por “pau de sabão”, pela analogia da forma que possui o bloco de pedra com uma medida de sabão azul. A rigidez do padrão comemorativo ficará para a eternidade a evocar o momento celebrativo e a criatividade de António Aragão. O padrão diferencia-se bastante dos painéis porque contém detalhes regionais, onde se observam trabalhadores, essencialmente agrícolas, mas também pescadores, quase todos sem rosto, que surgem a desempenhar tarefas do quotidiano, reportando uma vida de trabalho árduo. É de realçar igualmente a imagem de S.ta Ana, em cantaria rija, na Câmara Municipal de Santana, 1959. Desenho de António Aragão. 1944. Foto de Rui A Camacho   Óleo de António Aragão datado de 23 de Julho de 1946. Foto Rui A Camacho Na pintura, desde a déc. de 40 do séc. XX, evidenciou-se em diversas temáticas abordadas e na exploração de técnicas diferenciadas. Realizou exposições em Portugal (Galeria Divulgação, Quadrante, Galeria III, Galeria Diferença, FCG – II Exposição de Pintura Portuguesa) e no estrangeiro, nomeadamente em Espanha (Madrid, Sevilha, Barcelona), México, França (Paris) e Itália (Roma e Turim), encontrando-se representado em coleções particulares e oficiais em vários países, nomeadamente na Fundação Serralves, em Portugal. António Aragão concretizou um projeto artístico contemporâneo baseado em novas tecnologias numa casa que lhe pertenceu, situada na Lapa, em Lisboa. O projeto enquadrava uma associação de educação popular com uma galeria de arte vanguardista, ao qual foi atribuído mecenato pela Secretaria de Estado da Cultura. Antes da doença prolongada de que padeceu até à sua morte, António Aragão, de volta ao Funchal, pintou os seus últimos quadros, que constituíram uma série que intitulou Os Monstros e consistiram numa crítica corrosiva ao que considerava ser a hipocrisia dominante na sociedade. As últimas exposições individuais em vida de António Aragão foram realizadas na Madeira e comissariadas por António Rodrigues. A antepenúltima teve lugar em abril de 1996, na Casa da Cultura de Santa Cruz, e integrou 16 dos seus últimos quadros, bem como uma seleção retrospetiva de 13 trabalhos, em diferentes técnicas, realizados nas décs. de 50 e 60 do séc. XX. A penúltima, Exposição Retrospetiva, teve lugar na Casa da Luz, no Funchal. A última exposição de António Aragão antes da sua morte ocorreu no Museu de Arte Contemporânea da Madeira (Forte de S. Tiago, Funchal). Verifica-se que, por um lado, numa dimensão quase de intervenção social, se interessou por representar o povo, as pessoas, que não valem por si próprias porque não se identificam individualmente, mas configuram grupos profissionais; por outro lado, criou pinturas de paisagens, habitadas ou não, e exemplares de natureza morta. Estas últimas reportam-se, sobretudo, ao período inicial da produção artística, que foi mudando e se foi adaptando aos gostos e às vivências inspiradoras do criador. Em síntese, Isabel Santa Clara descreveu muito bem a versatilidade de António Aragão: “Uma vertente experimentalista sacudiu o panorama artístico de forma peculiar nas décadas de 70 e 80. No centro desta atividade está a multifacetada figura de António Aragão, de inesgotável disponibilidade para com os novos talentos, cujas inquietações e inconformismos lograva canalizar para uma profícua experimentação artística. Ganharam força as práticas de poesia visual e de mail art, potenciadas pelas capacidades técnicas, a acessibilidade, a rapidez e a liberdade de produção de múltiplos da eletrografia. Surgiu assim Filigrama, mail art zine editada entre 1981-1983, revista de folhas soltas, que ia sendo sucessivamente alterada na sua composição e enviada pessoalmente através dos circuitos internacionais da mail art, que passavam muito especialmente pelo Brasil” (SANTA CLARA, 2010, 186); tendo colaborado em diversas manifestações de mail art, divulgou os seus trabalhos em revistas da especialidade. Compreende-se a estreita interligação, assim sintetizada, entre a obra artística e a produção escrita do artista-escritor. António Aragão terá sido, na juventude, um dos poetas da Tertúlia Ritziana, e, em 1946, com cerca de 25 anos, viu o seu conto “Pressentimento” obter um prémio: o 2.º lugar nos Jogos Florais promovidos pelo Ateneu Comercial do Funchal. Em 1952, colaborou com Jorge de Freitas, com Florival dos Passos, com Rogério Correia e com Herberto Helder, entre outros, no caderno de poesia Arquipélago, e, em 1956, foi editor da revista literária Búzio, impressa e publicada a suas expensas, em que colaboraram, além do próprio, Edmundo Bettencourt, Herberto Helder, Eurico de Sousa, Jorge Sumares, José Escada, Esther de Lemos e David Mourão-Ferreira. A sua vasta obra foi publicada essencialmente no Funchal e em Lisboa, uma obra em que se encontram frequentemente textos criados em conjunto com outros autores. Dos seus trabalhos – livros inteiros, revistas ou composições singulares –, tanto de carácter científico como criativo, referenciamos, em seguida, alguns. São vários os seus textos na déc. de 60, designadamente no âmbito da ficção literária, incluindo a poesia e o teatro; participou em ações coletivas e antologias literárias. Em 1962, escreveu o Poema Primeiro; em 1964, o Romance de Iza Morfismo, e também, com Herberto Helder, Cadernos de hoje (uma antologia de poesia experimental); em 1965, colaborou no suplemento especial do Jornal do Fundão sobre poesia concreta com “Visopoemas” e “Ortofonias” (com Ernesto M. de Melo e Castro); em 1966, compôs Hidra I, Folhema 1 e Folhema 2; em 1967, Operação I; em 1968, Mais exactamente P(r)o(bl)emas; em 1969, “Hidra 2”. Na déc. de 70, publicou, para além da já mencionada monografia O Museu da Quinta das Cruzes, Poema Azul e Branco e o romance Um Buraco na Boca, em 1971; também neste ano, participou na Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa. Em 1972, dirigiu a edição de Arquivo Histórico da Madeira. Boletim do Arquivo Distrital do Funchal, e, em 1973, colaborou na Antologia da Poesia Concreta em Portugal. Em 1975, publicou Os Bancos antes da Nacionalização; em 1976, colaborou na Antologia da Poesia Visual Europeia; e, em 1979, produziu Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977 e a já referida obra Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória. Nos anos 80, manteve o ritmo alucinante de escrita e de publicações. Assim, em 1981, apresentou não só o livro A Madeira Vista por Estrangeiros, 1455-1700, como também a peça de teatro Desastre Nu, que ganhou o 2.º prémio do Concurso de Peças de Teatro Inéditas promovido pela Secretaria de Estado da Cultura em 1980. Também neste ano, escreveu Metanemas e tornou-se um dos fundadores de Filigrama. Em 1982, publicou igualmente o opúsculo de carácter panfletário Pátria. Couves. Deus. Etc. e, ainda neste ano, Joyciana (com Alberto Pimenta, Ernesto M. de Melo e Castro e Ana Hatherly). Em 1983, compôs Líricas Portuguesas. Antologia e, no ano seguinte, iniciou as eletrografias: O Elogio da Loura do Ergasmo nu Atlânticu, Céu ou Cara Dente por Dente e Merdade My Son, realizadas em 1984, 1985 e 1987, sendo publicadas em 1990. Em 1984, com Alberto Pimenta, deu à estampa Os 3 Farros. Descida aos Infermos (uma curiosa troca de correspondência entre os dois autores), além de ter publicado As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História. Ainda em 1984, numa divulgação em dois discos LP, resultado de trabalhos de investigação no campo etnográfico, ganharam visibilidade as suas recolhas de música tradicional das ilhas da Madeira e do Porto Santo, empreendidas na década anterior com Jorge Valdemar Guerra e com o músico Artur Andrade. Em 1985, fez uma exposição itinerante com Poemografias e, em 1987, apareceu uma nova edição, revista e aumentada, de Para a História do Funchal. Já com mais de 70 anos, ainda manteve alguma produção, tendo sido publicados, em 1992, O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal, anteriormente mencionado, e o livro de contos Textos do Abocalipse, que colocaram várias questões, nomeadamente políticas. Além destes títulos, em 1993, foi reeditado o romance Um Buraco na Boca, que recria de algum modo a linguagem verbal, desafiando as convenções da norma. Escreveu ainda para várias publicações: Comércio do Funchal; Línea Sud, Nápoles; Letras e Artes, Lisboa; Expresso; Colóquio-Artes, FCG, Lisboa; Diário de Notícias, Lisboa; Comércio do Porto; Espaço Arte, Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira; e Diário de Notícias da Madeira. A nível internacional realça-se a sua participação em vários fóruns de natureza cultural e artística: Sevilha, 1980; em 1982, Itália e Brasil; 1983, Cuenca; 1984, Comuna de Milão, Itália; 1984, São Francisco, EUA, e Barcelona; 1985, Israel e Nova Iorque; 1986, México e Sevilha; 1987, México e França; 1989, Itália e Paris; 1990, Siegen, Alemanha, México e Washington; e 1992, Madrid. Em suma, as décs. de 60, de 70 e de 80, destacando-se, decerto, o ano de 1981, foram um período muito fértil, marcando toda a sua carreira. Quando se observa detalhadamente a listagem dos títulos, para se quantificarem as publicações não literárias e as literárias, verifica-se que estas se sobrepõem àquelas. Portanto, foi, indubitavelmente, um escritor insaciável e incansável, sendo-o mais de poesia do que de ficção ou de teatro. Contudo, os seus trabalhos não literários, quase todos dedicados à Madeira e ao Funchal, são referências incontornáveis para quem se dedica às temáticas de que trataram. António Aragão faleceu no Funchal, a 11 de agosto de 2008. A sua família doou ao Arquivo Regional da Madeira, posteriormente Arquivo Regional e Biblioteca Pública Regional da Madeira, grande parte do seu espólio histórico. No entanto, o legado do seu acervo artístico ao país e, particularmente, à Madeira foi reconhecido ainda em vida pela Câmara Municipal do Funchal, que atribuiu o seu nome a uma via citadina. Obras de António Aragão: Os Pelourinhos da Madeira (1959); Poema Primeiro (1962); Romance de Iza Morfismo (1964); Visopoemas (1965); Ortofonias (1965); Hidra I (1966); Folhema 1 (1966); Folhema 2 (1966); Operação I (1967); Mais exactamente P(r)o(bl)emas (1968); Hidra 2 (1969); O Museu da Quinta das Cruzes (1970); Poema Azul e Branco (1971); Um Buraco na Boca (1971); Os Bancos antes da Nacionalização (1975); Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977 (1979); Para a História do Funchal. Pequenos Passos da Sua Memória (1979); Desastre Nu (1981); A Madeira Vista por Estrangeiros (1981); Metanemas (1981); Joyciana (com Alberto Pimenta, Ernesto M. de Melo e Castro e Ana Hatherly) (1982); Pátria. Couves. Deus. Etc. (1982); Líricas Portuguesas. Antologia (1983); Os 3 Farros. Descida aos Infermos (1984); As Armas da Cidade do Funchal no Curso da Sua História (1984); O Elogio da Loura do Ergasmo Nu Atlânticu, Céu ou Cara Dente por Dente (1990); Merdade My Son (1990); O Espírito do Lugar. A Cidade do Funchal (1992); Textos do Abocalipse (1992).   Helena Rebelo Miguel Fonseca (atualizado a 14.07.2017)

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bibliotecas

As primeiras bibliotecas de que temos notícia na Madeira estão intimamente ligadas às instituições de ensino, estando estas, por sua vez, dependentes da religião e Igreja Católicas e situadas em espaços como o da Sé, as grandes igrejas, os conventos, os recolhimentos e determinadas escolas paroquiais. É provável que também existissem bibliotecas em casas nobres, onde assessoravam professores particulares que aí ensinavam. O Seminário Diocesano do Funchal, instituído em 1566, e o Colégio de S. João Evangelista, fundado no Funchal em 1570 pela Companhia de Jesus, que hegemonizou o ensino na Ilha (conhecido depois como o Colégio dos Jesuítas, onde foi instalada a Reitoria da Universidade da Madeira (UMa)), criaram as suas bibliotecas, conforme afirma Alice Mendonça: “Encontramos na Madeira algumas instituições como o Paço Episcopal, a Sé, o Seminário e os vários Conventos do Funchal que possuíam as suas próprias livrarias, dotadas de livreiros e encadernadores e na transição entre os sécs. XVII e XVIII” (MENDONÇA, 2006, 85). Nos primórdios da colonização, as bibliotecas (livrarias) existentes na Madeira estavam incluídas e anexadas ao sistema de ensino e de aprendizagem assegurado pela Igreja, sendo a Companhia de Jesus, através do Colégio dos Jesuítas, a expressão desse domínio. Em 1759, por ordem do marquês de Pombal, são reformadas as ordens religiosas e concretiza-se a expulsão dos Jesuítas, seguindo-se a confiscação dos seus bens, depois integrados na Fazenda Régia. Nesta sequência de factos marcantes da era pombalina, as escolas anexas às ordens religiosas e as que seguiam a doutrina e o método jesuíticos tiveram, paulatinamente, de aderir ao ideário pombalino e iluminista. Refere a mesma autora que, em 1772, ao criar um novo imposto – o Subsídio Literário –, no reino e nas ilhas dos Açores e da Madeira, o marquês de Pombal pretendia atingir o objetivo de anular o poder do ensino dos Jesuítas e transferi-lo para a competência do Estado. O imposto começa a ser cobrado em 1775, financiando as aulas de Ler, de Escrever e de Contar, de Gramática Latina, de Língua Grega, de Retórica e de Filosofia, que, com o devir do tempo, são lecionadas na igreja de São João Evangelista do Colégio do Funchal e, em 1789, passam a acumular com as aulas do Seminário. As cadeiras de Ler, de Escrever e de Contar são também lecionadas em Santa Cruz, São Vicente, Machico, Porto Santo, Calheta, Campanário, Ribeira Brava e Ponta do Sol. As cadeiras mencionadas e lecionadas eram acompanhadas das bibliografias adequadas, tendo as bibliotecas do Colégio dos Jesuítas (com ou sem os Jesuítas), do Seminário e dos conventos existentes assumido papéis determinantes nesse contexto. De acordo com o Elucidário Madeirense, os acervos das bibliotecas (livrarias) dos conventos, extintos por decreto de 28 de maio de 1834, foram incorporados na Biblioteca Municipal do Funchal (BMF) em 1863. A instituição do ensino superior ocorreu na Madeira no séc. XIX, através da antiga Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, fundada em 1816 (mas só oficialmente criada em 1836, iniciando atividade no ano seguinte) e encerrada em 1910. Localizada no antigo Colégio dos Jesuítas, a sua biblioteca era rica, constituída por “mais de duas mil obras”, que foram depois transferidas para a BMF (COSTA et al., 1992, 21). O perfil do seu acervo diz respeito à gestão hospitalar, anatomia, farmacologia, cirurgia e mais assuntos relacionados com a saúde, a medicina, as curandices e outros, tendo muitos destes livros sido oferecidos pelo Dr. Nathaniel Lister, médico inglês. Os regimes liberal e republicano deram ênfase à instrução escolar, mas, regra geral, privilegiaram o livro único, pelo que as bibliotecas escolares eram desnecessárias. Em 1819, Joseph Phelps, comerciante de origem britânica que se fixou na Madeira e construiu a firma vinícola Phelps Page & Co., dedicou-se, também, a promover a instrução dos madeirenses, criando a Escola Lancasteriana, com o apoio de sua mulher, Elisabeth Phelps. A Ir. Mary Wilson, que chegou à ilha da Madeira em 1881, como enfermeira de uma doente britânica, dedicou-se posteriormente à catequese das crianças, aos doentes e à educação da juventude, formando, nos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX, várias escolas no Porto Santo, no Arco de São Jorge, em Santana, no Santo da Serra, em Machico e em Câmara de Lobos. Em 1838, o médico Robert Kalley dedicou-se ao ensino primário, atividade que manteve durante os 10 anos seguintes. É presumível que estas escolas, cujo método de ensino não se identificava com o método nacional, tivessem beneficiado de pequenos fundos documentais para apoiar a aprendizagem dos alunos. O Elucidário Madeirense refere a existência da Biblioteca do Seminário Episcopal, cujo acervo era constituído por obras de Teologia, originárias na sua maior parte, a partir de 1788, do então recém-extinto Colégio dos Jesuítas. As bibliotecas escolares As bibliotecas escolares do séc. XX foram o espelho da realidade do ensino e da aprendizagem no país. Numa escola que privilegiava a memória, em que o professor omnipotente e enciclopédico debitava as aulas e os alunos escreviam os apontamentos/palavras ditas pelo professor, as bibliotecas escolares não faziam grande sentido, constituindo o livro único, os apontamentos e as sebentas o acervo destas. E se nalgumas escolas existiam bibliotecas, estas eram o elo mais fraco da gestão escolar, uma vez que beneficiavam de um espaço inadequado, ficando, regra geral, ancoradas num vão de escada ou numa sala imprópria e exígua, sem pessoal adequado; raramente possuíam máquina fotocopiadora (os alunos utilizavam a máquina fotocopiadora de outros serviços) e o professor responsável pela biblioteca era, regra geral, um professor que sofria de problemas de saúde (não podia ouvir ruídos nem levantar-se, porque as maleitas da doença não o permitiam). Aos alunos, era-lhes exigido somente que reproduzissem as ideias, os conceitos e o saber do professor. Existia uma correspondência entre o ensino, o sector empresarial e o funcionalismo público, em que a linha de montagem não exigia inovação e criatividade. Neste contexto, não fazia sentido o Estado empenhar-se e investir nas bibliotecas escolares e voltadas para a cidadania, tanto mais que a Fundação Calouste Gulbenkian desempenhava o papel de Ministério da Cultura, e antes dela as bibliotecas conventuais e dos seminários, como já referido, cumpriam a função da promoção do livro, da leitura e do conhecimento. Com a instauração do regime democrático, em 1974, e com a conquista da autonomia regional, em 1976, o ensino e a aprendizagem abrem-se a novas teorias e novos modelos já praticados na maioria dos países europeus e noutros cantos do mundo. Refiram-se alguns momentos mais relevantes deste processo, como o novo quadro legislativo sobre o ensino, assente na lei n.º 46/86 – Lei de Bases do Sistema Educativo, em que a biblioteca escolar passa a preencher um espaço central, com valor, ocupando o segundo lugar no capítulo dos recursos educativos. Outros diplomas se lhe seguem, e, em 2005, a nova versão consolidada, a lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, mantém a mesma posição das bibliotecas escolares como recursos educativos privilegiados, a exigirem especial atenção. Associam-se-lhes o Manifesto da Biblioteca Escolar, de 1999, atualizado sucessivamente, e as Directrizes para Bibliotecas Escolares, de 2006, documentos publicados pela IFLA/UNESCO, com o primeiro a definir a biblioteca escolar como um recurso que fornece informação, permite a construção do conhecimento e desenvolve nos alunos competências que servirão para a aprendizagem ao longo da vida e da cidadania. Para além destes, existem diversos documentos vinculativos internacionais e nacionais, bem como inúmeras instituições, que se dedicam à investigação e ao estudo da nova biblioteca escolar, considerando-a importante para que crianças, os jovens e os adolescentes desenvolvam o gosto pela leitura e a imaginação. Em Portugal, a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), lançada em 1996, e o Plano Nacional de Leitura são, igualmente, projetos que devem ser considerados relevantes. Com a introdução destas novas medidas, a realidade do ensino altera-se radicalmente: o professor passa a ser considerado um agente educativo com novas competências (orientador, professor, investigador, monitor) e o aluno um agente ativo que, mantendo a função memória, procura também outras competências (aprender, comunicar, conhecer, partilhar, ser), recorrendo, para o efeito, a informação na biblioteca, nas mediatecas escolares e nas bases de dados que correm nas redes virtuais. As bibliotecas escolares passam, assim, a ser o coração da escola, um “direito irrenunciável” (ITURBE, 1998, 11), sendo através delas que a informação de apoio ao ensino corre transversalmente na escola. A literatura e os projetos curriculares e educativos valorizam o papel do professor bibliotecário e do bibliotecário escolar, que, em conjunto, orientam o aluno no processo de pesquisa da informação e na metodologia a aplicar nos seus trabalhos individuais ou em grupo, anulando o “aluno Wikipédia”. A informação e o conhecimento passam a ser as máquinas inorgânicas e imateriais que vieram substituir as máquinas da linha de montagem. Nasce o aluno e o trabalhador do conhecimento. Tal como refere Jean Piaget, o conhecimento não é estático, é construído através de um processo que está sempre em devir. Lev Vygotsky defende que os alunos constroem o conhecimento individualmente e em simultâneo com os outros. A educação deixa de ser monocultural e linear e privilegia a educação intercultural. Jürgen Habermas propõe a razão crítica, argumentativa, reflexiva, prática e teórica, em lugar da razão acrítica e estática. Esta literatura e legislação simbolizam uma visão pró-ativa e regeneradora para a biblioteca escolar, que colabora na nova aprendizagem, centrada no aluno, sendo para ele que tudo e todos convergem. A Região Autónoma da Madeira (RAM) formou os seus assistentes especialistas no âmbito das bibliotecas, e em 2006/2007 foi criada na UMa a pós-graduação em Ciências Documentais (Arquivo, Biblioteca e Documentação), com o intuito de formar o número suficiente de bibliotecários para garantir a modernização das suas bibliotecas. De entre as inúmeras bibliotecas escolares da Região (veja-se o portal da Biblioteca Pública Regional da Madeira (BPRM), o Órgão Coordenador do Programa da RBE na RAM, e o portal da Secretaria Regional da Educação e Recursos Humanos (SRERH)), salientam-se duas, pré e pós-autonomia: a do então Liceu Jaime Moniz e a da Escola Industrial e Comercial do Funchal. A Biblioteca da Escola Secundária Jaime Moniz O antigo Liceu do Funchal data originalmente de 12 de setembro de 1837, tendo dado origem, em 1919, ao Liceu Jaime Moniz. Mudou diversas vezes de instalações, mas o edifício onde existia no começo do séc. xxi foi inaugurado a 28 de maio de 1946 e compreendia a biblioteca escolar, sendo, portanto, uma construção do Estado Novo. Em 1980, passa a designar-se Escola Secundária Jaime Moniz. A biblioteca da Escola Jaime Moniz situa-se no 3.º andar da Escola Secundária Jaime Moniz. Foi herdeira do espólio do Liceu do Funchal, que incluía o livro antigo e deu origem ao Fundo Antigo, composto por um total de 632 monografias, de que se destaca uma obra de Ovídio datada de 1725 e intitulada Metamorphoseon Libri XV: Expurgati. O acervo da biblioteca do antigo Liceu constitui um espólio que caracterizou o ensino no arquipélago e as interações sociais e culturais relevantes durante os sécs. XIX e XX, tendo sido, por razões de conservação, colocado à guarda da BPRM, através de um protocolo celebrado entre as duas instituições. Com o advento das tecnologias da informação e comunicação (TIC), a biblioteca modernizou-se, aderindo ao programa PORBASE (Base Nacional de Dados Bibliográficos) e beneficiando das redes computacionais para acesso à Internet. Em 2015, encontravam-se registados 37.867 títulos na base de dados, e estavam referenciados 55.478 nos livros de registos da biblioteca, havendo ainda espólio por indexar. A biblioteca integrava também uma hemeroteca e uma coleção de jornais. Continuamente enriquecida com a doação de livros por parte dos professores, destacavam-se as doações efetuadas pelos familiares da Dr.ª Margarina Morna e do Dr. Jorge Pestana, antigos professores da escola, que contribuíram para o enriquecimento da biblioteca. Quer o fundo antigo, quer o fundo geral podem ser consultados no site da BPRM. O universo de utilizadores da biblioteca é constituído por alunos, professores e funcionários da escola, investigadores e alunos do ensino secundário em geral, que têm ao seu dispor vários serviços. Assim, nas primeiras décs. do séc. XXI, para além da consulta e do empréstimo de livros, a biblioteca facultava apoio pedagógico aos alunos na realização de trabalhos de pesquisa, promovia concursos nos âmbitos da leitura e da escrita, com a colaboração da BPRM e de outras entidades, e organizava conferências. Promovia ainda outros momentos de aprendizagem, com a colaboração de professores e alunos, sobre conteúdos programáticos e realizava exposições variadas e outras atividades ligadas ao quotidiano escolar. Os recursos humanos eram todos qualificados e a coordenação da biblioteca era da responsabilidade de professores. A Biblioteca da Escola Secundária de Francisco Franco A Escola Secundária de Francisco Franco foi construída em 1958, sendo então denominada Escola Industrial e Comercial do Funchal. É uma construção do Estado Novo, pelo que a sua arquitetura obedece ao ideário político e educativo desse período. A 11 de janeiro de 1979, o Governo Regional da Madeira (GRM) decreta que a escola deverá ter como patrono uma figura ilustre da região, passando a chamar-se Escola Secundária de Francisco Franco, em homenagem ao escultor madeirense. Construída igualmente em 1958, a ampla biblioteca desta escola tinha, em 2015, um acervo de cerca de 12.000 unidades documentais, 700 revistas e 600 unidades de material não livro (MNL) (DVD, CD áudio e CD-ROM), cujo perfil estava virado para o apoio ao ensino e à aprendizagem. A Sala Dr. Vasco Mendes, criada em homenagem à memória desse antigo professor da escola, valorizou o acervo e as atividades letivas: as obras aqui expostas constituem o espólio do antigo docente e da sua família, que, através da filha, Maria da Luz S. Pereira Mendes, doou este acervo à biblioteca. A escola não se alheou do paradigma informático, que favoreceu naturalmente a biblioteca, permitindo a coabitação dos dois ambientes: o clássico e o neomoderno. Contava com uma ampla sala de leitura, uma videoteca, uma mediateca, uma ludoteca e um polo cultural, onde se realizavam diversas atividades, dentre as quais se destacavam o espaço de leitura, recitais de poesia, debates e encontros culturais. Aqui, os professores podiam também lecionar as suas aulas, uma vez que se tratava de um espaço integrado na biblioteca, beneficiando da utilização de fontes impressas e eletrónicas. De acordo com as normas gerais de utilização, os alunos podiam realizar as seguintes atividades: pesquisar em documento livro (papel) ou documento virtual (Internet); estudar; fotocopiar documentos consultados; requisitar livros para leitura domiciliária; ler a imprensa diária regional; consultar revistas de especialidade; digitalizar documentos; visionar filmes e jogar. Para o tratamento técnico da informação, a Classificação Decimal Universal (CDU) era o único instrumento utilizado para o sistema de cotagem, permitindo distribuir o acervo em regime misto no acesso às estantes. Esta era a única biblioteca escolar que, em 2015, tinha no seu quadro de pessoal não docente um técnico superior com formação pós-graduada na área das ciências documentais, três assistentes técnicos com formação no âmbito de biblioteca e documentação, e dois professores coordenadores. A informação corria transversalmente na escola através do seu site oficial. Restantes bibliotecas escolares: pós-autonomia Segundo informação proveniente da SREHR, entre 2012 e 2013 existiam na RAM os seguintes totais de estabelecimentos de ensino, distribuídos pelos níveis de escolaridade em vigor: no ensino público, 142, e no ensino privado, 65. A maioria destes estabelecimentos de ensino foi construída depois de 1976. Sobre estes, pode afirmar-se o seguinte, para o período indicado: 1) Todas as escolas do ensino público dos 2.º e 3.º ciclos e secundárias, sem exceção, beneficiavam de bibliotecas escolares; 2) Todas as escolas do ensino básico do 1.º ciclo, as creches, os estabelecimentos de ensino pré-escolar e os infantários possuíam uma sala (se não no próprio espaço, pelo menos em espaço anexo), que dava origem à ludoteca, com materiais diversos que contribuíam para desenvolver e compreender a leitura, a imaginação e o desenvolvimento de competências cognitivas das crianças e dos jovens, com atividades que iam desde a promoção da leitura à realização de trabalhos lúdicos e manuais, nomeadamente palestras com o apoio de um animador de biblioteca, que assegurava entre duas a três horas de atividades semanais com todas as turmas da escola. Este cenário era semelhante ao ensino particular. No entanto, não se tratava, tecnicamente, de bibliotecas, dado que não estavam organizadas de acordo com os princípios das ciências documentais e tecnológicas; 3) Os estabelecimentos de ensino beneficiavam de rede computacional, que se estendia à biblioteca escolar ou aos espaços anexos; 4) As bibliotecas escolares, tecnicamente assumidas como bibliotecas, beneficiavam de pessoal qualificado no domínio das ciências documentais; eram geridas por uma equipa de professores coordenadores, que faziam interagir o programa da biblioteca com os curricula. Baú de Leitura O Baú de Leitura foi um projeto escolar implementado na RAM em 2001, cujo objetivo principal era promover hábitos de leitura e de escrita junto dos alunos de todos os níveis de ensino. Cada escola possuía um baú de livros que, mensalmente, ia de escola em escola, sendo alvo de atividades de animação da leitura durante a permanência em cada escola. Juntamente com os livros, um kit com propostas lúdicas concebido por cada dinamizador permitia a partilha de atividades; este kit tinha como missão implementar o gosto pela leitura nas crianças e nos jovens e promover o intercâmbio entre bibliotecas escolares. Todos os estabelecimentos de ensino público e privado do pré-escolar, do 1.º, 2.º, 3.º ciclos e do secundário podiam beneficiar deste projeto, razão pela qual algumas escolas do pré-escolar, os infantários, as creches e as EB1 não possuíam bibliotecas escolares tecnicamente organizadas. Contudo, o projeto podia ser dinamizado pelos animadores socioculturais de biblioteca, professores, educadores de infância e técnicos bibliotecários, que desenvolviam diversas atividades de natureza lúdica relacionadas com o livro, das quais se mencionam as mais frequentes: tertúlias literárias, atividades de escrita criativa, investigação temática, dramatizações, gincanas, concursos, visitas de estudo, intercâmbios culturais, atividades de expressão artística e plástica, visionamento de filmes, audição de histórias, encontro de escritores e comemorações de efemérides. A sede de coordenação do projeto situava-se na Escola Básica e Secundária da Calheta, sob a tutela da SREHR. No caso do 1.º ciclo/PE, o Baú de Leitura era coordenado por um coordenador geral e pelos coordenadores concelhios. Ao nível das escolas do 2.º e 3.º ciclos e do secundário, o projeto era coordenado por duas coordenadoras gerais. As bibliotecas infanto-juvenis: O Jardim e a Biblioteca de Educação Permanente A Árvore A 5 de maio de 1979, foi inaugurada no concelho do Funchal a biblioteca infantil, sendo esta a primeira biblioteca da Rede de Bibliotecas Infanto-Juvenis (RBIJ) O Jardim, designação que a passa a identificar a partir de 1982. Já a 31 de março do mesmo ano havia sido inaugurado um atelier de leitura infantil e lançada uma experiência museológica de campo que esteve na génese da referida rede de bibliotecas. Maria Margarida Macedo Silva foi a fundadora e diretora deste projeto. Profissional competente, inovadora e criativa, construiu uma obra muito avançada para uma realidade ainda atrasada do ponto de vista dos hábitos de leitura e culturais, lançando sementes que cresceram nas crianças que tiveram acesso às bibliotecas O Jardim e às suas atividades informativa e formativa. Para Margarida Silva, a leitura promovia o pensamento, a reflexão, o espírito crítico e a metacognição, princípios orientadores da nova escola, na qual as bibliotecas deveriam funcionar como autênticos laboratórios dessa aprendizagem. Criada em 1979, a RBIJ é resultado da ausência das bibliotecas escolares, tanto mais que, à data, a RAM não beneficiava de uma rede suficiente de infraestrutura escolar. Assim, as bibliotecas infanto-juvenis O Jardim foram bibliotecas escolares criadas fora do espaço físico da escola, que se mantiveram ao longo de cerca de 16 anos. Existiu um projeto para a criação de uma biblioteca infanto-juvenil O Jardim na ilha de Jersey, mas que nunca foi concretizado. A RBIJ teve o seu termo entre 1993 e 1995, tendo o seu acervo sido incorporado nas bibliotecas das escolas então construídas. Apresenta-se uma tabela com as bibliotecas que constituíram a rede infanto-juvenil O Jardim. [table id=76 /] As bibliotecas da rede O Jardim tinham uma agenda de formação exigente e planificada, que envolvia docentes do ensino primário, estagiários(as) do Magistério Primário, educadoras de infância e de outros níveis de escolaridade, bem como discentes da Escola de Magistério Primário. Apresentam-se alguns exemplos das agendas de trabalho da RBIJ O Jardim e da Biblioteca A Árvore, de que falaremos adiante: criação de clubes de leitura, dedicados a escritores portugueses; momentos de poesia e musicais; encontros com a Região, seguidos de debate; criação do projeto Fazendo Artes na Alfabetização, com recurso à linguagem dos cartazes, à confeção de grelhas para enriquecimento de vocabulário, à utilização da “roda de palavras” e do teatro de bonecas, passando pela construção e organização de ficheiros de alfabetização e ficheiros de leitores; iniciação de leitores na investigação literária e jornalística; criação de uma oficina de artesanato e de bonecos e realização de teatro de mesa para conhecer Gil Vicente; exposições; e a criação do Museu do Livro Escolar, passando por debates com autores madeirenses. No que diz respeito à educação permanente, refere Margarida Silva que “os meses de férias foram os mais produtivos, e estamos certos de que preenchendo tempos livres, sob este aspeto informal, abrimos pistas à juventude madeirense para uma Educação Permanente” (SILVA, 1999, 123). As atividades eram executadas com a participação dos bibliotecários como animadores, trabalhando em grupo. Porém, a RBIJ O Jardim tornou-se insuficiente para os utentes de uma faixa etária superior, pelo que em 1982 é criada a Biblioteca de Educação Permanente A Árvore, que funcionou paredes meias com O Jardim de Santo António, numa linha interdisciplinar e de partilha entre a escola e a comunidade, como refere Margarida Silva: “Se ‘O Jardim’ Biblioteca Infantil é um complemento da Escola (não o seu substituto), a ‘A Árvore’, Centro de Educação Permanente, não substitui os cursos de alfabetização, apenas constitui uma forte motivação fazendo a ligação Escola-Comunidade” (Id., Ibid., 37-38). A biblioteca A Árvore seguiu os conceitos da UNESCO no que diz respeito à Educação Permanente, depois designada por “educação ao longo da vida”. A Biblioteca da Escola do Magistério Primário Criada em 1943, a Biblioteca da Escola do Magistério Primário era constituída por um acervo cujo perfil convergia para o ensino e aprendizagem dos futuros professores do ensino primário. Totalizava 4.193 unidades documentais, de acordo com o livro de registos, sendo o pedagogo Jean Piaget o autor de eleição. A Biblioteca da Escola Superior de Educação A Escola Superior de Educação, criada a 12 de novembro de 1985, funcionou no antigo Colégio dos Jesuítas, tendo a sua biblioteca herdado o acervo da biblioteca da antiga Escola do Magistério Primário, que totalizou 4.175 unidades documentais, de acordo com o livro de registo. A sua extinção ocorreu em 1989, através do dec.-lei n.º 391/89, de 9 de novembro, e o seu acervo foi integrado na Biblioteca da UMa. A Biblioteca da Universidade da Madeira (UMa) A Biblioteca da UMa foi fundada aquando da criação da mesma Universidade, em 1988, pelo dec.-lei n.º 319-A, de 13 de setembro desse ano. Correspondia a um espaço físico lacónico cujo acervo era constituído pelos acervos das escolas que estiveram na génese da Universidade: o da Escola do Magistério Primário (com 4.193 unidades documentais), o da Escola Superior de Educação (com 4.175) e o das extensões universitárias (cujo acervo totalizava 4.020 unidades). O acervo era orientado para os âmbitos científicos das Ciências da Educação e das Políticas de Ensino e da Aprendizagem, num total de cerca de 12.378 unidades documentais, e encontrava-se verdadeiramente desatualizado e empobrecido face às novas teorias que emergiam nos referidos domínios científicos, não satisfazendo as necessidades informacionais dos cursos que iam sendo desenhados e consolidados na nova estrutura de ensino superior. Além disso, os recursos humanos afetos à biblioteca eram reduzidos, com horários descontínuos, desadaptados aos diplomas laborais em vigor e destituídos de qualificações, características que deram origem a uma biblioteca doméstica, empírica, personalizada e estagnada cientificamente. Em 1992-1993, ano em que a Biblioteca da UMa integrou recursos humanos qualificados, surgiu um novo lema, baseado na máxima “Transformar tudo e todos”. Formar e reconverter recursos humanos, atualizar o acervo, disponibilizá-lo em regime de livre acesso e tratá-lo, em termos técnicos e informáticos, de acordo com normas internacionais que permitissem a transferência da informação sem obstáculos – o que culminou com a construção do catálogo informatizado, através do programa Mini Micro CDS/ISIS (PORBASE) –, aceder à Internet (em 1993), desenvolver as figuras do empréstimo domiciliário e do EIB (Empréstimo Inter-Bibliotecas, nacional e internacional – foi aberto um canal com The British Library) e cooperar com a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), com vista a alimentar o catálogo bibliográfico nacional (PORBASE) e integrá-lo no universo dos seus cooperantes, foram os objetivos que alimentaram a nova visão, concretizados com sucesso. A transformação foi acompanhada pelo Grupo de Docentes para a Biblioteca, e esta recebeu a designação de Centro de Documentação e Informação. A partir de setembro de 1997, quando a Biblioteca da UMa beneficiou de um espaço físico mais adequado no edifício universitário do Campus da Penteada, ao desenvolvimento científico, técnico e cultural que contribuiu para o inevitável progresso da tríade ensino/aprendizagem/investigação, correspondeu um novo lema: “Integrar e flexibilizar tudo e todos”. Atualizar as metodologias documental e informática, modernizar a sala de leitura, dotando-a de rede local e de computadores que permitissem ao utilizador realizar as suas pesquisas, agilizar processos documentais e assegurar uma abordagem mais flexível com o utilizador interno e a abertura à sociedade civil foram metas atingidas com êxito. A biblioteca assumiu várias designações, em conformidade com as alterações dos seus estatutos: Centro de Documentação e Informação, em 1993; Serviços de Documentação e Informação, em 1996; Sector de Documentação e Arquivo, Unidade de Documentação Arquivo, em 2008; e, em 2013, Unidade de Biblioteca e Arquivo. Com o lema: “Informar para formar rumo à cognição, à criação do conhecimento”, a entrada no séc. XXI conduziu à criação de uma biblioteca verdadeiramente científica, em que os acervos (documental e digital) se foram construindo em interação com os professores e investigadores da academia, relação que representou o ícone de uma nova cultura organizacional e informacional, onde todos participavam e assumiam a responsabilidade da adequação dos acervos aos curricula lecionados na UMa e ao ideal europeu, razão pela qual se lhe associou o acervo do Centro de Documentação Europeia (CDE). A reestruturação do lema reforçou a implementação de uma atitude informacional orientada para a academia e exógena a ela, isto é, tanto para o utilizador interno, como para o externo. Em 2014, o acervo documental, em suporte papel, totalizava 121.216 unidades documentais, distribuído pelas seguintes coleções: 59.000 monografias; 27.842 fascículos de publicações periódicas; 6612 MNL (cassetes, disquetes, CD-ROM e DVD); 3822 trabalhos académicos (dissertações de mestrado e teses de doutoramento); 6552 monografias CDE; 16.038 publicações periódicas CDE e 1350 MNL CDE – total adquirido por via da compra e raramente por via da oferta; e a coleção digital, que continha milhares de documentos digitais de carácter científico. Os utilizadores da biblioteca eram constituídos maioritariamente pelos elementos da academia, concretamente pelos utilizadores internos: alunos, professores, investigadores e funcionários. Estimava-se em cerca de 3000 os utilizadores inscritos na unidade de biblioteca, número que correspondia à população da academia. Simultaneamente, a biblioteca estava aberta a utilizadores externos, distribuídos essencialmente por investigadores, mestrandos, doutorandos e população em geral, que procurava neste sector informação científica, em particular a digital e o serviço de EIB, para desenvolver os seus trabalhos de investigação. Em 2013, a Biblioteca da UMa contava com 11 profissionais qualificados no âmbito das ciências documentais: um doutorado neste âmbito; um mestre no âmbito da gestão do marketing; um técnico superior bibliotecário; três assistentes especialistas qualificados, com o curso de biblioteca, arquivo e documentação; dois assistentes administrativos; e três assistentes operacionais. O apoio informático era fornecido pelos serviços informáticos da UMa. Nos anos anteriores, diversos alunos haviam tido funções na biblioteca, tendo dois deles, da área da engenharia informática, ficado nos quadros de pessoal. A adesão às bases de dados científicas, tais como a Web of Knowledge, ocorreu em 2002; à Biblioteca do Conhecimento Online (B-On), que contém cerca de 17.500 títulos de publicações periódicas de reconhecido mérito científico internacional, em 2006; à Plataforma DeGóis e às bases de dados científicas SPORTDiscus e JSTOR, em 2009. A Biblioteca aderiu ao projeto de acesso aberto comunitário (Digital Repository Infrastructure Vision for European Research (DRIVER), depois OpenAIRE) também em 2009, com o Repositório Institucional da UMa (designado DigitUMa), em maio de 2010; ao Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), também em 2010; e o acesso à eLibraryUSA, em 2013. Os diversos links direcionados para os catálogos e bases de dados nacionais e internacionais eram as mais proeminentes bases de dados do acervo digital. Em maio de 2010, o DigitUMa foi integrado no RCAAP, sustentado pelos princípios do Open Access Initiative, contando com centenas de milhares de documentos científicos (digitais) produzidos nas academias portuguesas. Constituído pelos repositórios ou bibliotecas digitais das universidades públicas portuguesas, e na qualidade de repositório nacional, o RCAAP seguiu as diretrizes técnicas do projeto DRIVER, depois assumido por OpenAIRE, repositório europeu fundado pela Comissão Europeia que tem como principal objetivo a reunião num só acesso livre de toda a produção científica europeia, alimentada pelos repositórios nacionais e/ou institucionais. O paradigma clássico de comunicar a investigação, um modelo contraditório, moroso, caro e individualista, deu origem a outro paradigma, assente em princípios que privilegiam a divulgação do conhecimento científico produzido nas universidades, à escala global, e através da Internet, de acordo com o movimento internacional conhecido por Open Acess Initiative (OAI), ou Acesso Livre ao Conhecimento (AL), ou Open Access (OA), que se concretiza na disponibilização livre na Internet de cópias gratuitas da produção cientifica avaliada por pares (peer-reviewed), bem como de relatórios técnicos, dissertações de mestrado, teses de doutoramento e outros documentos de trabalho. Em síntese, os documentos existentes no DigitUMa tornaram-se passiveis de ser pesquisados e consultados a nível nacional no RCAAP e a nível europeu no OpenAIRE. Deste modo, a europeização/internacionalização/webização da UMa foi afirmada à escala global, através do depósito dos conteúdos científicos produzidos pelos professores/investigadores, discentes e funcionários da UMa. Até 2006, os recursos documentais foram tecnicamente tratados no ambiente PORBASE 5, adquirido à BNP. Este software tornou-se inadequado, uma vez que não era interoperável com os softwares da UMa, atrasando as mais diversas exigências qualitativas da gestão organizacional da informação. Nesse ano, a Biblioteca passou a beneficiar de uma plataforma informática integrada, interoperativa e escalável, adquirida com o apoio de fundos comunitários, expressão máxima da sua webização. Dois softwares constituíram a referida plataforma: o Aleph, responsável pela gestão integrada da documentação e que interage com os diversos interfaces existentes na academia, deu origem ao catálogo informatizado e integrado, conhecido por BibUMa. O segundo software, designado por Digitool, foi o responsável pela gestão de conteúdos académicos ou científicos, tendo desenvolvido o DigitUMa. Em maio de 2010, o Digitool foi substituído pelo software DSPACE, em regime de open source. Os softwares utilizados são idênticos aos das bibliotecas universitárias portuguesas e de inúmeras bibliotecas universitárias internacionais, permitindo a adesão da Biblioteca da UMa ao grupo USE.pt, grupo no qual as bibliotecas universitárias portuguesas têm assento. Em 2015, a FCCN/FCT (Fundação para a Computação Científica Nacional, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia) era a fundação portuguesa que reunia as bibliotecas portuguesas, entre as quais a Biblioteca da UMa, concretizando projetos avançados no âmbito das TIC, da política do OAI em 2002 e de programas financeiros europeus, entre outros, e projetando as bibliotecas universitárias portuguesas à escala global. Enquanto a PORBASE, sediada na BNP, projetou, em 1993, a biblioteca para Portugal, o OAI, em 2002, e a FCCN/FCT e a USE.pt, em 2013, projetaram-na para o mundo webizado. A Biblioteca oferecia os seguintes serviços: técnicos, digital (gestão das bases de dados) e de referência (incluindo a gestão do catalogo, o atendimento, a sala de leitura, os empréstimos, o marketing documental – que compreendia a formação de utilizadores nas unidades curriculares e na própria Biblioteca, uma formação muito solicitada pelos docentes, uma vez que incide no Processo de Pesquisa de Informação no catálogo e nas bases de dados mais relevantes; visitas de estudo de alunos das mais diversas escolas da RAM e de grupos de cidadãos; a realização de um workshop anual; lançamentos de livros; diversos seminários; e agenda cultural). Os empréstimos (domiciliário, permanente e interbibliotecas) eram realizados pelo serviço de referência, juntamente com o serviço digital. Todos os documentos podiam ser objeto de empréstimo, com exceção das publicações periódicas e das obras de referência, podendo também o utilizador externo beneficiar do empréstimo domiciliário. Os produtos que a Biblioteca disponibilizava eram os seguintes: BibUMa, DigitUMa, B-On, Web of Knowledge, RCAAP, OpenAire, a eLibraryUSA, ColCat (Catálogo Coletivo, que permite a pesquisa integrada), PORBASE, Facebook e Webpage, que ofereciam aos membros da academia inúmera informação científica, técnica e cultural. Se em 1992-1993, a Biblioteca beneficiou da ligação à rede computacional, que permitiu o acesso à Internet; em 2006, a rede sem fios expandiu-se na UMa, em particular na Biblioteca. A fácil usabilidade dos computadores portáteis pelos utilizadores na Sala de Leitura desenvolveu a interação entre as fontes eletrónicas e as fontes impressas. Podemos concluir que a Unidade de Biblioteca estava em condições de acompanhar o progresso científico promovido na UMa e de atuar como espaço transversal de informação científica, técnica e cultural na academia, sendo um dos epicentros da Universidade e uma biblioteca científica na RAM. Era igualmente uma porta aberta para o exterior e para a sociedade científica. Essa era a contribuição da Biblioteca da UMa para a RAM e para a sociedade de economias de informação e do conhecimento, sustentadas pelos fundamentos filosóficos da razão comunicativa, argumentativa e crítica de Jürgen Habermas. A Biblioteca do Centro de Estudos de História do Atlântico (CEHA) As instalações do CEHA, situadas na R. das Mercês, no Funchal, desde 1 de outubro de 2009, permitiram oferecer serviços à população madeirense, bem como aos estudiosos nacionais e estrangeiros que visitam este Centro. A biblioteca do CEHA tem fundos documentais próprios, que se formaram através do intercâmbio com diversas instituições. Em 2013, contava com um total de 1121 livros e 111 publicações periódicas, enquanto a biblioteca de Alberto Vieira, fundo documental doado ao Centro em 2010, registava um total de 4846 livros e 317 publicações periódicas. A biblioteca e o fundo documental de Alberto Vieira contemplavam bibliografia especializada sobre a história da Madeira e demais ilhas do mundo, com especial destaque para o espaço Atlântico (Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde, São Tomé e Santa Catarina), com fundos especiais, em diversas línguas, sobre a história da escravatura, da ciência e técnica, da autonomia, do açúcar e do vinho. Em 2015, previa-se que a biblioteca do CEHA não tardasse a ficar totalmente disponível em formato digital; parte do acervo de história da Madeira já se encontrava disponível. O CEHA disponibilizava ainda um conjunto de publicações para empréstimo domiciliário, no total de 653 títulos. O acesso ao catálogo fazia-se através da BPRM. A Biblioteca do Conservatório – Escola das Artes Eng.º Luiz Peter Clode A biblioteca do Conservatório – Escola das Artes Eng.º Luiz Peter Clode localiza-se no 1.º andar do edifício do Conservatório. A avaliar pelo registo no livro de tombo, o livro mais antigo nela depositado datava de maio de 1957, embora se encontrassem diversos exemplares integrados com datas anteriores, sem que se soubesse exatamente quando. Presume-se, assim, que a Biblioteca foi criada por volta de 1957, tendo tido o primeiro funcionário com a categoria de bibliotecário/catalogador em 1978. Em 2015, esta biblioteca não dispunha de acervo em suporte digital. O catálogo foi concebido no programa Access da Microsoft, mas estava nesta data a ser construído no ambiente PORBASE, com o apoio da BPRM. Teria 4859 obras em geral e 5787 partituras, algumas do séc. XIX. O seu acervo fazia desta biblioteca uma biblioteca escolar e simultaneamente uma biblioteca especializada em obras musicais. Os seus utilizadores eram os alunos, professores e funcionários do Conservatório, encarregados de educação e outros familiares dos alunos. A Biblioteca estava também aberta à comunidade em geral, sendo frequentada por leitores (por vezes estrangeiros) que necessitavam de consultar partituras, utilizadores da UMa e outros interessados em música. Segundo o site do Conservatório, anexa à biblioteca, funcionava a mediateca, que dispunha de 8700 CD, 59 DVD, 50 vídeos e cerca de 3000 LP, aquisições feitas pela escola e através de doações de particulares, das quais uma das mais valiosas foi a de John Ranalow. A sala possuía uma aparelhagem áudio, que permitia aos alunos a audição e gravação de música, e de uma televisão, para visionamento de documentários musicais. A biblioteca contava com uma responsável, mestre em Ciências da Informação e Documentação, vertente de Biblioteconomia, e um funcionário do Conservatório, que zelava pela abertura do espaço. A Biblioteca da Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia (DSEAM) Criada em setembro de 2004, a biblioteca da DSEAM tinha um total de acervo em papel de cerca de 22.000 documentos, dos quais aproximadamente 18.500 já estavam, em 2015, catalogados em Catwin e disponibilizados na rede PORBASE (cooperante efetivo) e no seu site. Com aproximadamente 250 utilizadores registados, os principais utentes eram os professores, educadores, investigadores e colaboradores da própria DSEAM e alunos universitários. Os serviços que oferecia à comunidade eram: documentação especializada em música (teoria e prática), educação e artes, embora tivesse um catálogo razoável nas áreas de literatura, ciências sociais e história; biblioteca online (catálogo), onde se incluíam aproximadamente 4000 documentos digitais; e portal de recursos digital, incluindo os mesmos 4000 documentos (disponibilizados em Pacwin, mas também no Portal de Recursos Educação Artística). A biblioteca contava com pessoal com formações de curta duração na BN e no Arquivo Regional da Madeira (ARM); um dos colaboradores tinha realizado um estágio no Centro de Estudos Musicológicos da BN. Em 2015, esta equipa era coordenada pelo Dr. Paulo Esteireiro, que também estagiara no Centro de Estudos Musicológicos, em contexto curricular da Universidade Nova de Lisboa, e frequentara várias ações de formação na BN, nas áreas da indexação, catalogação e Catwin. A biblioteca tinha o maior número de documentação musical manuscrita (partituras) catalogada na Madeira (4400 partituras históricas). As partituras históricas madeirenses estavam organizadas em aproximadamente 15 coleções, de acordo com a sua proveniência. A biblioteca tinha partituras de bandas filarmónicas, orquestras e grupos de bandolins, orquestras de salão e de igreja, música vocal sacra variada, música para piano, música para viola, etc. Para além disso, dispunha também de um extenso acervo na área do vídeo e áudio (CD). O Centro de Informação e Documentação (CID) O CID, integrado, em 2015, no Departamento de Ciência e Recursos Naturais da Câmara Municipal do Funchal (CMF), era composto por dois núcleos documentais: a Biblioteca Professor Luiz Saldanha da Estação de Biologia Marinha do Funchal, e a Biblioteca do Museu de História Natural do Funchal (MHNF). A Biblioteca Professor Luiz Saldanha da Estação de Biologia Marinha do Funchal deve a sua designação à figura deste professor e oceanógrafo de prestígio internacional, que doou à Biblioteca o seu espólio científico, para servir de apoio à investigação. Foi criada a 28 de setembro de 1999, integrada na Estação de Biologia Marinha do Funchal. Encontravam-se depositados na Biblioteca Professor Luiz Saldanha três espólios ou acervos de elevada relevância para a comunidade científica, a saber: o espólio Professor Günther Edmund Maul, composto por monografias (algumas delas com uma certa raridade), revistas, correspondência científica, relatos de viagens, manuscritos, etc., alargando-se a todas as áreas da história natural; o espólio Professor Luiz Vieira Caldas Saldanha, composto por monografias, revistas, correspondência científica, desenhos, postais, etc. (grande parte do espólio cobre as áreas da biologia marinha, oceanografia e ictiologia); e o espólio Professor Doutor Armando Almeida, composto essencialmente por trabalhos científicos abrangendo áreas das ciências do mar, concretamente ecologia costeira e ictiologia. A partir de 1933, o segundo núcleo documental formou a Biblioteca do Museu de História Natural do Funchal, que está em contacto permanente com outras bibliotecas, centros de documentação de universidades e outras instituições científicas em todo o mundo, com o objetivo de trocar e divulgar informações, enriquecendo assim o seu património cultural científico. O engrandecimento do acervo documental desta biblioteca efetuava-se de três formas: compra, oferta e permuta. Esta última era feita através da edição de duas publicações científicas, o Boletim do Museu Municipal do Funchal e o Suplemento do Boletim do Museu Municipal do Funchal, que contêm trabalhos científicos de grande relevo nas diversas áreas da história natural da Macaronésia. Para além destes, publicava ainda a revista Bocagiana, destinada não só à descrição de espécies novas, mas também à divulgação de artigos carenciados de publicação urgente. Estas revistas eram distribuídas gratuitamente a diversas instituições de investigação científica, universidades e bibliotecas a nível mundial. Em 2015, os utilizadores do CID eram essencialmente estudantes do nível secundário e superior, docentes e investigadores. O acesso era livre, podendo os utilizadores (internos e externos) consultar as bibliotecas de acordo com a área de interesse, quer na Biblioteca da Estação Biologia Marinha do Funchal, quer na Biblioteca do MHNF. O total do acervo do CID correspondia, nesta altura, a aproximadamente 13.000 documentos (monografias, revistas e MNL). Para além do suporte em papel, o Centro assegurava ainda o acesso eletrónico em suporte digital. Duas bases de dados permitiam o acesso aos documentais digitais: Prisma (módulo de catalogação e gestão de monografias e de publicações em série) e Procite/Endnote. O CID facultava o acesso à informação de carácter científico e técnico da Biblioteca da Estação de Biologia Marinha do Funchal, nas áreas, em particular, da biologia marinha, oceanografia e pesca, e da Biblioteca do MHNF nas restantes áreas, como biologia terrestre, história natural da Macaronésia e geologia. Estimava-se que muito em breve o Centro estaria disponível para prestar o serviço de empréstimo interbibliotecas. Contava com acesso eletrónico à informação científica em linha, ou através de suporte digital, e a consulta do catálogo bibliográfico. O CID beneficiava de recursos humanos qualificados no âmbito das ciências documentais. O Centro de Documentação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM) O Centro de Documentação da ALRAM foi criado, em simultâneo com o edifício da Assembleia, a 4 de dezembro de 1987, designando-se, à época, biblioteca da Assembleia Legislativa Regional. Em 2015, era composto por dois sectores – o arquivo e a biblioteca, de acordo com a estrutura orgânica da ALRAM – e assumia a designação de Centro de Documentação, ao qual competia: a) recolher, organizar, tratar, armazenar e difundir a informação nacional e estrangeira nas várias áreas do conhecimento; b) produzir e difundir cadernos de informação, ou outros produtos, adequados aos temas em apreciação nos vários órgãos da ALRAM; c) recolher, selecionar, tratar e conservar todos os documentos referentes aos deputados e a atos e factos da ALRAM; d) recolher, registar, catalogar, indexar e zelar pela conservação de todas as espécies do espólio documental da ALRAM; e) prestar informações sobre a bibliografia e documentação existentes no acervo e facultar o respetivo acesso, nos termos do regulamento interno; f) promover e colaborar em atividades de divulgação do património documental e propor a edição e difusão de publicações com interesse para a ALRAM e as que respeitam à história do Parlamento, em estreita colaboração com o Departamento de Relações Externas e para a Comunicação Social; g) gerir o acervo e o funcionamento da biblioteca da ALRAM; h) organizar e assegurar a manutenção do Arquivo Histórico-Parlamentar e o arquivo corrente de todos os serviços da ALRAM. O seu acervo era, nesta data, constituído pela produção documental que resulta das atividades legislativas, por coleções de monografias, publicações periódicas e bases de dados, cujos perfis se adequam às atividades parlamentares. O Centro de Documentação beneficiava de pessoal qualificado, conferindo qualidade ao tratamento e à disseminação da informação legislativa e parlamentar. As Administrações Pública e Local, os Laboratórios e os Museus Nas Secretarias Regionais do GRM existiam, em 2015, centros de documentação e informação que beneficiavam de núcleos documentais ao serviço dos seus funcionários. Os laboratórios existentes na RAM, que têm assegurado estudos relevantes para a Região (a saber: o Laboratório Regional de Engenharia Civil, o Laboratório de Metrologia da Madeira Dr. José Agostinho Gomes Pereira de Gouveia, o Laboratório de Saúde Pública, o Laboratório Regional de Controlo de Qualidade da Água, entre outros), bem como os museus e o Jardim Botânico da Madeira, beneficiavam, nesta data, de bibliotecas, algumas com núcleos documentais antigos, ricos e variados, que apoiavam e valorizavam as atividades dos seus funcionários que se dedicavam à investigação. O Centro de Documentação Europeia (CDE) (UMa) O CDE (específico e não completo) foi alojado na Biblioteca da UMa em 1995, altura em que a Universidade se lançou a uma candidatura comunitária para a sua aquisição. A UMa forneceu o espaço físico, o pessoal qualificado e as ferramentas informáticas, desde o hardware ao software, enquanto a UE, através da Comissão Europeia e da representação da Comissão Europeia em Portugal, forneceu o acervo documental, quer em suporte papel, quer em suporte digital. O Centro tinha por objetivo divulgar o ideário comunitário junto da academia, razão pela qual se realizavam eventos e inúmeras exposições nesse âmbito. Em 2015, o seu acervo estava estimado em 23.940 unidades (cujas referências se encontravam no catálogo da Biblioteca da UMa), distribuído pelas seguintes tipologias documentais: 6552 monografias, 16.038 fascículos de publicações periódicas, 1359 unidades de MNL. Estavam também disponíveis milhares de documentos digitais, que podiam ser acedidos através do portal da Europa. A Biblioteca de Assuntos Europeus – Casa da Europa da Madeira Integrada na Casa da Europa da Madeira, o seu acervo era constituído por publicações de carácter específico relacionadas com questões europeias, quer em suporte papel, quer em suporte digital, através das bases de dados que a UE colocava ao dispor do cidadão. O Centro de Informação Europe Direct A RAM beneficiava de um Centro de Informação Europe Direct Madeira (CIED Madeira), criado em 2013 e localizado no Edifício Casa da Cultura, na freguesia de Câmara de Lobos. O Centro dependia hierarquicamente da representação da Comissão Europeia em Portugal e destinava-se à população em geral. Relativamente ao seu acervo, contava com 196 unidades, em atualização em 2015, distribuídas por: 103 publicações; 27 revistas/newsletters; 46 panfletos/brochuras; e 20 cartazes/posters. Era objetivo do CIED Madeira prestar um serviço de proximidade adaptado às necessidades locais/regionais, permitindo ao público em geral obter informações, orientações, assistência e respostas a perguntas sobre a UE no que respeita ao seu funcionamento, prioridades, legislação, políticas, programas e possibilidades de financiamento, mas também, e fundamentalmente, aos seus direitos enquanto cidadãos europeus. O Centro disponibilizava igualmente na sua sede um conjunto de publicações sobre as mais diversas temáticas de intervenção da UE. O CIED Madeira organizava sessões informativas para o público em geral, e em particular para as escolas da área de abrangência do Centro e para alunos das diversas faixas etárias. Nestas sessões, eram tratados temas de interesse que iam ao encontro de possíveis necessidades de informação sobre a UE, de carácter mais geral ou mais específico, consoante os objetivos da ação. As apresentações para o público escolar tentavam, através de jogos e da distribuição de material publicado pela UE, estimular o interesse para as questões europeias. A Biblioteca da Direção Regional de Juventude e Desporto (DRJD) O Ponto Jovem, nome pelo qual foi designada a biblioteca da DRJD, foi criado a 15 de março de 2013 na sequência da integração do sector da juventude na DRJD, criada pelo dec. reg. regional n.º 14/2012/M, de 26 de junho. Este espaço já tinha tido outras denominações, sucessivamente alteradas de acordo com as restruturações orgânicas dos serviços. Sendo o grosso dos seus utilizadores os jovens e o público em geral, a biblioteca oferecia os seguintes serviços à comunidade: espaço para consulta e leitura de documentação; espaço multimédia (Loja de Juventude), onde os utilizadores tinham ao seu dispor a rede sem fios gratuita, 12 postos com computadores e posto braile equipado com linha e impressora braile, para utilizadores invisuais; espaço para utilização de equipamento informático pelo utilizador; espaço para realização de trabalhos individuais e/ou em grupo; balcão de informação, no qual eram prestados os seguintes serviços: prestação de informações em áreas de interesse juvenil; divulgação de atividades, eventos e classificados de interesse juvenil; obtenção e renovação do Cartão Jovem; e o Ponto Oficial de bookcrossing. Além destes serviços, a biblioteca facultava igualmente à comunidade o acesso aos conteúdos em suporte digital disponibilizados na Internet, através dos postos existentes no espaço, bem como aos conteúdos em suporte papel, disponíveis no local para consulta presencial. O total do acervo em suporte papel era, em 2015, de cerca de 1500 títulos. A coleção de monografias estava distribuída pelos seguintes assuntos: ciências sociais; desporto; geografia; história (da arte, do mundo, de Portugal e da Madeira); literatura (infantil, juvenil e portuguesa); e obras de referência para consulta (dicionários e enciclopédias). A coleção de publicações periódicas era constituída pelos seguintes títulos: Jornal da Madeira; Revista Demografia Federada; Revista Flor de Lis; Revista Islenha; agendas culturais de diversos municípios do país; e revistas em braile (Visão, Visão Júnior e Ativa). Os recursos humanos afetos à Biblioteca eram constituídos, nesta data, por duas técnicas de biblioteca e documentação. A Teatroteca Fernando Augusto Inaugurada a 30 de novembro de 2005, a Teatroteca Fernando Augusto – Biblioteca de Teatro, no Funchal, reunia o espólio recolhido pelo TEF Companhia de Teatro (Teatro Experimental do Funchal), e a biblioteca de teatro de Élvio Camacho, com cerca de 1500 livros do acervo pessoal do encenador e dramaturgo Fernando Augusto, doado ao ator. A Teatroteca estava aberta a todos os leitores, artistas e grupos de teatro interessados na matéria. A Biblioteca John dos Passos O Centro Cultural John dos Passos foi inaugurado em setembro de 2004, na Ponta do Sol, contando com duas secções ou unidades documentais: a Biblioteca John dos Passos e a Sala Dr. John Randolph dos Passos (reservados). Compostas, em 2015, por cerca de 5500 livros, estas duas secções/unidades documentais tinham um catálogo presencial. A Biblioteca era de acesso livre e o seu fundo documental variado, quer a nível temático, quer a nível da nacionalidade dos autores, não sendo composto apenas pelas obras de John dos Passos, mas também por bibliografia estrangeira, nacional e regional (monografias, publicações periódicas, cartazes e material multimédia). Contudo, o acervo mais importante encontrava-se na sala de reservados e reunia a obra deste escritor norte-americano de ascendência madeirense, traduzida em 18 línguas, e ainda alguns estudos sobre a sua vida e obra. De acesso restrito, esta sala era reservada aos estudiosos que pretendessem pesquisar e investigar a vida e obra do escritor, que, em português, contava com traduções de oito dos seus livros: Três Soldados; Manhattan Transfer; Paralelo 42; 1919; Dinheiro Graúdo; Aventuras de um Jovem; Fadado para Vencer; Os Melhores Tempos: uma Biografia não Oficial e Portugal: Três Séculos de Expansão e Descobrimentos. A Biblioteca John dos Passos possuía, à data, os seguintes serviços: serviço de referência; serviço de apoio à investigação (referente à vida e obra de John dos Passos); serviços educativos; serviço de empréstimo; e serviço de fotocópias. Para além de prestar serviço à camada estudantil, servia também docentes, investigadores e população em geral. Ao longo do ano, realizavam-se diversas atividades dirigidas aos alunos das escolas do concelho da Ponta do Sol, tais como: a hora do conto; peddy-papers; visitas guiadas em português e inglês; exposições temáticas; seminários; conferências; celebração de efemérides; e elaboração de material didático, entre outras atividades. As Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) As bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) surgiram em 1953 com a criação (da iniciativa de Branquinho da Fonseca, bibliotecário-arquivista e escritor) de uma biblioteca circulante no Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, em Cascais, que tinha por objetivo cobrir o território nacional e arquipelágico com as bibliotecas circulantes. Contudo, foi em 1958 que a FCG criou o Serviço de Bibliotecas Itinerantes (SBI), pelo mesmo Branquinho da Fonseca, que permaneceu no SBI até 1974, ano da sua morte. Nesse ano, foram colocadas em circulação 15 bibliotecas itinerantes na região de Lisboa e litoral. Portugal vivia uma conjuntura politicamente desmotivada para a promoção da leitura, do livro, do ensino e da aprendizagem, privilégio dos segmentos populacionais mais abastados de então. Era difícil promover a leitura junto das populações isoladas e pobres e reduzir os índices de incultura e de analfabetismo que caracterizavam o país, incluindo a população do arquipélago da Madeira. A solução passou pela utilização de serviços móveis, ou seja, pela utilização de uma carrinha, que transportava os núcleos documentais das bibliotecas itinerantes, com cerca de 2000 livros, em estantes de regime de acesso aberto, privilegiando a figura do empréstimo domiciliário e a gratuitidade do mesmo e levando mais longe as ideias e o saber. As estantes destas carrinhas tinham a seguinte disposição: as prateleiras de baixo estavam reservadas aos livros infantis; as do meio à literatura, ficção e biografias; e as de cima aos livros menos pedidos (filosofia, poesia e ciências). Nelas trabalhavam dois funcionários: o auxiliar e o encarregado e responsável pela biblioteca. A FCG criou parcerias com as autarquias, no sentido de partilha das obrigações: o fornecimento do acervo bibliográfico, o biblio-carro, o pagamento dos honorários do pessoal, o combustível, as despesas de manutenção e conservação e outras ficavam a expensas da FCG, enquanto as autarquias concediam instalações para o depósito dos livros e contribuíam com despesas pontuais, ou seja, o apoio logístico. As bibliotecas itinerantes não satisfaziam as exigências de utilizadores mais letrados, com grau mais elevado de exigência intelectual e cultural, pelo que foi necessário complementá-las, na déc. de 60, com outra tipologia de biblioteca: as fixas. Em 1963, a Madeira beneficiou da primeira biblioteca itinerante, com sede no Funchal. No arquivo da FCG, não existe documentação sobre a criação e a extinção da maior parte das bibliotecas que fizeram parte das redes de bibliotecas criadas pela Fundação. Contudo, através das datas-limite da documentação existente e do livro publicado pela FCG no seu 25.º aniversário, em 1983, bem como do Boletim Cultural, n.º 2 de 1984, deduz-se a existência das seguintes bibliotecas itinerantes no arquipélago: [table id=77 /] Na déc. de 70 do séc. XX, o projeto do SBI tornou-se insustentável no âmbito da gestão financeira da FCG, e em 1972 a Fundação chegou a tentar concluir a rede de bibliotecas itinerantes e fixas, ideia reforçada após o 25 de Abril de 1974. Contudo, entre 1981 e 1996, David Mourão Ferreira deu novo impulso à animação da leitura e à difusão literária e cultural, privilegiando atividades que garantissem maior rentabilidade intelectual e cultural: exposições, debates, encontros com autores, leitura de contos e poesia, lançamento de livros e de novos autores, entre outras atividades. O SBI foi reestruturado e, em 1983, passou a designar-se Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da FCG (SBIF). O arquipélago da Madeira passou então a contar com as seguintes bibliotecas fixas: [table id=78 /] A estas acrescentamos ainda os postos de leitura criados nos bairros sociais:  a Biblioteca Municipal Calouste Gulbenkian – Penteada (1988) e a Biblioteca Municipal Calouste Gulbenkian – Nazaré (1989). Assim, de acordo com as diferentes tipologias, a FCG criou no Arquipélago da Madeira um total de: 3 bibliotecas itinerantes; 11 bibliotecas fixas; e diversos postos de leitura nos bairros e complexos sociais acima referidos. É de destacar a Biblioteca Fixa n.º 48, no Funchal, inaugurada a 10 de julho de 1964 (data que não está de acordo com a data do quadro fornecido pela FCG, que refere 1961), que estava localizada no edifício da CMF, onde permaneceu até 1985. Até 1987, a Biblioteca funcionou provisoriamente no Teatro Municipal Baltazar Dias. De 1987 a 1995, mudou de instalações para o edifício da R. Elias Garcia. Após este período, regressou ao Teatro Municipal Baltazar Dias até 2011, ano em que a documentação começou a ser incorporada na BMF e na nova Biblioteca de Santo António do Funchal. A promoção do livro e da leitura através da rede de bibliotecas itinerantes, e mais tarde das bibliotecas fixas, durante o regime salazarista foi uma iniciativa arrojada mas coerente, que transformou a FCG no “Ministério da Cultura” português, que incluía o arquipélago da Madeira. As bibliotecas itinerantes não transportavam somente livros, mas promoviam a leitura, o nascimento de ideias e do saber, motivando a aprendizagem da leitura em muitos cidadãos iletrados. As bibliotecas fixas funcionaram como bibliotecas públicas, tendo como público-alvo o cidadão mais letrado que procurava informação e conhecimento. Em suma, as bibliotecas da FCG promoveram uma verdadeira revolução cultural, uma vez que tudo é transportável, incluído o conhecimento. Em 1987, o Programa Nacional de Leitura Pública, que tinha por objetivo criar e desenvolver bibliotecas públicas modernas e adequadas às linhas orientadoras do Manifesto da UNESCO sobre as Bibliotecas Públicas, terá debilitado o serviço e objetivos do SBIF da FCG. Contudo, em 1993, este é reestruturado e adaptado à nova temporalidade, passando a designar-se Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura (SBAL), que em 2002 foi completamente extinto. O acervo das bibliotecas fixas foi integrado nas bibliotecas municipais que foram sendo criadas em todos os municípios. A Biblioteca do Hospital Dr. Nélio Mendonça A biblioteca do Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal, surgiu três anos após a inauguração do Hospital, em 1976, e ficou localizada no piso 0 do mesmo. Tratava-se de uma biblioteca tradicional especializada na área da Saúde, tendo como principal objetivo auxiliar o trabalho de pesquisa dos profissionais de saúde da instituição e servir um vasto leque de utentes: médicos, enfermeiros, investigadores, técnicos de saúde, alunos de pré e pós-graduação em Medicina e Enfermagem, administradores e gestores hospitalares. Até 2013, esta biblioteca disponibilizava os seguintes serviços: leitura e empréstimo; referência e pesquisa de informação; difusão de informação; e sala multimédia. Integrada no espaço da biblioteca, existia uma sala polivalente destinada a conferências, reuniões e cerimónias oficiais, entre outros eventos. Eram competências da Biblioteca: apoiar proativamente todas as especialidades do Serviço de Saúde da RAM, E.P.E (SESARAM); promover uma maior acessibilidade à informação, apoiando e formando o utilizador; cooperar em redes e projetos através de métodos e tecnologias de informação utilizados universalmente pela biblioteconomia; gerir aquisições e atualizações dos recursos bibliográficos, preferencialmente eletrónicos (bases de dados, ejournals, ebooks); promover uma correta política de aquisições de recursos bibliográficos para o SESARAM, procedendo à avaliação de propostas de aquisição, avaliando a pertinência dos recursos e fazendo prospeção de mercado de fornecedores, para obtenção da melhor relação custo/qualidade; e apoiar e promover a produção científica e a divulgação da informação. À data, o seu acervo bibliográfico era composto por: obras de referência (cerca de 50 exemplares); monografias (cerca de 200 livros); e publicações periódicas, na sua maioria técnicas e científicas (mais de 200 títulos de revistas registados online). A partir de 2009, a Biblioteca adquiriu maioritariamente publicações periódicas com acesso online, que, desde 2013, disponibilizou juntamente com o acesso à base de dados online. A Biblioteca contava com pessoal qualificado: gestão e coordenação da Biblioteca: diretor do serviço de formação e investigação do SESARAM, E.P.E.; responsabilidade técnica da Biblioteca: técnico superior do SESARAM, E.P.E.; assistente Técnica com formação na área das bibliotecas; assistente técnica de apoio administrativo à Biblioteca. A Biblioteca Pública Regional da Madeira (BPRM) A pintora Sara Maria de Portugal da Silveira Henriques de Freitas foi fundadora e primeira diretora da então sala de documentação contemporânea, inaugurada em 1979, no edifício seria posteriormente instalada igualmente a Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC), com o objetivo de prestar apoio educativo às extensões universitárias criadas na RAM com o processo da autonomia. Em 2003, foi instituída oficialmente a BPRM, sucedendo à biblioteca de documentação contemporânea, pelo dec. reg. regional n.º 14/2003/M, de 23 de maio (Orgânica da SRTC). Alicerce conceptual da BPRM foi o conjunto de disposições legais que a tornaram beneficiária do depósito obrigatório de todas as obras publicadas no país, nomeadamente por força do dec.-lei n.º 74/82, de 3 de março. Esta instituição fez inicialmente parte da DRAC, passando, a 19 de junho de 2007, passa para a tutela da Secretaria Regional de Educação e Cultura (SREC), onde se manteve até 2011. A 9 de novembro desse ano, mudou novamente para a tutela do Turismo, com a nova designação de Secretaria Regional da Cultura, Turismo e Transportes (SRCTT). Em 2009, a BPRM comemorou 30 anos de serviço público, instituindo o dia 26 de outubro como seu dia. Por força da port. n.º 50/2016, de 19 de fevereiro, que define a orgânica da Direção Regional da Cultura, a BPRM e o ARM foram fundidos numa só entidade, que passou a ser designada por Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira (ABM). O ABM – a Biblioteca – foi criado como um espaço com diferentes ambientes e acervos, espaço de cultura, conhecimento, lazer e informação, aberto a todos os cidadãos. Tinha por objetivos: tratar, conservar e divulgar os seus diferentes acervos de cultura, nomeadamente o acervo bibliográfico do Depósito Legal; preservar e divulgar a língua e cultura portuguesas a diferentes públicos; e promover o livro, a leitura, a informação e o conhecimento. Com o objetivo de ser a mais completa biblioteca da RAM, tinha como valores: inovação, transparência, ética, responsabilidade e melhoria contínua; equidade no tratamento, abertura e disponibilidade à diferença; adequação e rapidez de resposta; e cultura de projetos. O ABM – a Biblioteca – era, na RAM, a instituição pública empenhada na conservação do património documental, o que advém do estatuto de recetora do Depósito Legal, que lhe permite receber da BNP pelo menos um exemplar de todas as publicações editadas em Portugal, acrescentando-lhe a característica de pró-especializada em diversas áreas temáticas. O facto de ser beneficiária do Depósito Legal potenciou a sua missão e alargou os seus objetivos, especialmente perante a RAM e os madeirenses, na preservação da sua história, língua e cultura. Foi a partir de 1982 que a Biblioteca se constituiu mais fortemente como fonte de informação científica e técnica e assumiu definitivamente o seu perfil patrimonial, com a responsabilidade de preservar e divulgar a produção documental de origem intelectual, nacional e regional. A Biblioteca era também depositária do acervo bibliográfico da biblioteca da Escola Secundária Jaime Moniz, disponibilizado online em catálogo para consulta através da colaboração do ABM. Relativamente ao seu acervo, estima-se que, em 2015, o total fosse de mais de 294.405 documentos, com um crescimento anual de 10%: 192.649 exemplares de monografias (correspondentes a 172.676 títulos) e 121.729 exemplares de publicações periódicas (correspondentes a 4088 títulos). A maior parte dos fundos documentais era contemporânea e generalista, embora possuísse algumas coleções de obras mais antigas. Os fundos documentais eram: fundo geral – monografias e periódicos; Reservados – livros raros, primeiras edições, documentos em mau estado de conservação; iconográfico – mapas, cartazes, postais; cartografia – mapas, séries cartográficas, atlas; leitura para deficientes visuais – recursos braile e recursos áudio; multimédia – DVD, CD, CD-ROM; fundo local – memória local e coletiva da RAM. A aquisição dos documentos era feita principalmente através do Depósito Legal, mas também por compra ou por oferta de particulares e instituições da administração pública. Destes, destacava-se a biblioteca Mário Sardinha, pelo valor e a raridade das espécies bibliográficas, assim como as bibliotecas da escritora Carmo Rodrigues e de Fátima Dionísio e Avelino Costa, e a biblioteca António Montes, acervo importante por integrar um número considerável de títulos que completaram as coleções anteriores à criação da Biblioteca. A maior doação particular foi a da biblioteca Rebelo Quintal (2013). António Rebelo Quintal (1931-2013) reuniu, ao longo de anos, milhares de livros e revistas, constituindo principalmente uma grande biblioteca jurídica, considerada por muitos a melhor da RAM e provavelmente uma das melhores do país. Alguns dos referidos documentos foram oferecidos por distintas personalidades, mas a maior parte foi adquirida em livrarias nacionais e estrangeiras. O ABM é o órgão coordenador da Rede de Bibliotecas Públicas da RAM, pelo dec. leg. regional n.º 15/2002/M, de 22 de agosto, e pelo dec. reg. n.º 10/2002/M, de 13 de março, e é o órgão coordenador do Programa da Rede de Bibliotecas Escolares, de acordo com o Programa da RBE (Gabinete RBE do Ministério da Cultura). Até à instalação e ao desenvolvimento de bibliotecas municipais no âmbito da Rede Regional de Bibliotecas Públicas (RRBP), a então BPRM disponibilizou às escolas de todos os graus de ensino da Região consultoria técnica nas áreas de arquitetura (no caso de escolas em construção ou com áreas em reconstrução e adaptação), mobiliário, fundos documentais e tratamento técnico documental. A Rede Regional de Bibliotecas Públicas (RRBP) A 24 de fevereiro de 2002, foi celebrado um protocolo entre o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB) e a Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC), da Secretaria Regional de Turismo e Cultura (SRTC) da RAM, no sentido de estabelecer a cooperação técnica e financeira entre estas entidades para a conceção e o desenvolvimento de uma rede de bibliotecas públicas na Região e, assim, concretizar a extensão da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas à Madeira, num total de 11 concelhos. A RRBP da RAM foi criada pelo dec. leg. regional n.º 15/2002/M, de 13 de agosto, e regulamentada pelo dec. leg. regional n.º 10/2003/M. Entretanto, fruto do trabalho conjunto entre o IPLB e a DRAC, foi definido um programa-base destinado a regular e orientar as candidaturas dos municípios, que foi apresentado oficialmente a 3 de novembro de 2003, data que correspondeu à abertura do período para a apresentação das candidaturas por parte dos municípios. Foram cinco os municípios a apresentar candidatura: Funchal, Machico, Câmara de Lobos, Porto Moniz e São Vicente, tendo sido selecionados os quatro primeiros. No caso de Machico, a obra das novas instalações da biblioteca já se encontrava concluída, pelo que não seria comparticipada pelo IPLB: o município concorreria apenas a apoios para aquisição de mobiliário e equipamento, fundos documentais e informatização. As quatro candidaturas aprovadas foram homologadas pelo secretário regional do Turismo e Cultura a 11 de novembro de 2004. O passo seguinte consistiu na assinatura de um protocolo de intenções entre os municípios com as candidaturas aprovadas, a DRAC e o IPLB, protocolo exigido pelo Instituto de Fundos Comunitários (IFC) para aprovar as candidaturas das autarquias a financiamento comunitário. Os protocolos de intenções foram celebrados a 8 de novembro de 2006, exceto no caso de Machico, assinado a 8 de março de 2007. Relativamente ao investimento a realizar, foi definido que a comparticipação do IPLB seria de 30% (em todas a rubricas: obra, equipamento, fundos documentais e informatização) dos custos definidos como elegíveis e que o IFC teria a comparticipação de 70%. A Biblioteca Municipal de Machico foi inaugurada a 3 de março de 2008 e a Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos a 3 de maio de 2009. O processo de candidatura da BMF foi encerrado por inviabilidade de reabilitação ou construção de um novo espaço. O Porto Moniz não pôde avançar com a construção do edifício por falta de verbas. Ao abrigo do protocolo DRAC/municípios, a BPRM continuou a prestar apoio especializado na área da biblioteconomia aos municípios que o solicitem.   A Biblioteca de Culturas Estrangeiras (unidade integrada no ABM) Integrada no ABM, e tutelada pela DRAC (atual Direção Regional da Cultura) desde 2011, a Biblioteca de Culturas Estrangeiras constituiu-se uma instituição pública regional que conta com o apoio das embaixadas dos países representados. O projeto para esta biblioteca tinha o intuito de proporcionar, especialmente aos estudantes, uma informação mais profunda e de fácil acesso a outras culturas. A recetividade e o envolvimento dos consulados e das embaixadas revelaram excelentes resultados. Criada em 1987, na sequência da doação de uma coleção de livros pelo Governo da Venezuela à RAM, a Biblioteca marcou o início de um espaço que iria envolver outros países num projeto posteriormente denominado Biblioteca de Culturas Estrangeiras, o qual foi aprovado em 1993, tendo recebido, desde então, personalidades de destaque na área da política, das letras, da história, das ciências e das artes. Com um acervo que resulta essencialmente de doações, englobava em 22015 várias salas de leitura: as salas Simón Bolívar, American Culture Corner, Zwanayo, Sir Winston Churchill, France, Deutschland e Italia. Além dos livros em língua estrangeira das salas mencionadas, a Biblioteca possuía também uma vasta coleção de livros em russo, norueguês, finlandês e sueco. Do seu acervo fazeiam parte monografias, publicações periódicas, material multimédia e cartazes pertencentes às diversas salas de leitura, e com informação cultural, histórica e literária dos diferentes países representados. A Biblioteca tinha como principais objetivos promover ações de carácter cultural, tendo em vista a divulgação das culturas dos países representados. Deste modo, pretendia alargar a outras culturas um valor acrescido à cultura da RAM, educar e informar, proporcionando também, especialmente aos estudantes, um profundo e fácil acesso a informação de outras culturas. Todos os núcleos existentes na Biblioteca abrangiam as diversas áreas do conhecimento, tendo cada sala o seu catálogo organizado segundo autor/título/assunto, seguindo as normas da CDU e da Dewey Decimal Classification. Embora a Biblioteca fosse na sua maioria consultada por estrangeiros, residentes ou visitantes da RAM, os seus leitores eram também alunos e professores de escolas (1.º, 2.º e 3.º ciclos e secundário), estudantes universitários, das áreas de línguas e culturas estrangeiras, e o leitor madeirense. A Biblioteca dispunha de vários serviços: leitura presencial; empréstimo domiciliário; serviço de referência e informação; acesso à Internet; relações públicas e dinamização cultural; serviço de fotocópias; acesso ao catálogo presencial e online e ao fundo de documentos reservados.   A Biblioteca Municipal do Funchal (BMF) A 13 de janeiro de 1838, foi criada a BMF por deliberação camarária, sob a presidência de Sérvulo Drumond de Meneses, ocupando à época uma sala na CMF. A 19 de setembro de 1929, a Biblioteca muda de instalações para o Palácio de S. Pedro, no Funchal. Em agosto de 2009, muda novamente de instalações, desta feita para um piso do Edifício 2000, situado na Av. Calouste Gulbenkian, sem que tivesse beneficiado do programa da RRBP da RAM. Dos seus bibliotecários mais importantes até 2015, merecem destaque Carlos Azevedo de Meneses, que trabalhou na Biblioteca até à sua morte, aos 65 anos, e Adolfo César de Noronha, mais tarde nomeado diretor, o grande impulsionador não só da biblioteca, mas também do museu. Os recursos humanos da BMF possuíam, em 2015, qualificações adequadas ao desempenho documental e tecnológico. Assim, além de organizar, preservar, conservar e divulgar a herança pública que constitui o acervo desta biblioteca, a BMF tinha como missão: facilitar o acesso à informação de forma igualitária e democrática; ser um suporte para a educação e investigação quer a nível individual, quer a nível de instituições; oferecer meios e serviços destinados a satisfazer as necessidades individuais, educativas e de investigação dos utilizadores; fornecer a informação de forma célere e eficaz, recorrendo para o efeito às TIC; e cooperar, sempre que possível, com outras organizações. As atividades mais relevantes para os munícipes passavam pela Hora do Conto, e as conferências e visitas guiadas à BMF. O seu acervo contava, a esta data, com cerca de 300.000 obras, algumas do séc. XIX, incidindo sobre a história, geografia, biologia e outras vertentes do conhecimento relativas à ilha da Madeira. Quanto aos periódicos, possuía 95 títulos de jornais regionais desde 1821, dentre os quais se destacavam A Aurora Litteraria, A Chronica, A Cruz: Semanário Catholico, A Discussão e O Patriota Funchalense. Havia coleções que se destacavam: a coleção Hinton; as coleções de William e Alfredo Reid; a coleção de obras sobre a ilha da Madeira; e a coleção do historiador Joel Serrão. Na coleção digital, incluía-se o Diário de Notícias desde 1900 a 1922, cerca de 300 digitalizações de monografias de temática Madeira e outras que se encontravam em mau estado de conservação. Segundo o Elucidário Madeirense, a BMF incluiria no seu acervo a coleção da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal; ao longo dos anos, todavia, esta coleção dispersou-se e em 2015 a Biblioteca ainda não a reunira na globalidade. Beneficiou do acervo da biblioteca fixa da FCG n.º 48, do Funchal, cujo acervo foi incorporado na BMF e na Biblioteca de Santo António do Funchal. A BMF tinha sob a sua alçada as bibliotecas dos bairros da Penteada, inaugurada em 1988, e da Nazaré, em 1989, que pertenceram à FCG, e a biblioteca de Santo António, inaugurada a 6 de julho de 2013. A BMF foi depositária de uma coleção verdadeiramente madeirense, rica e heterogénea, quer em monografias, quer em jornais (possuindo, e.g., um título de um jornal insular datado de 1821, após a revolução liberal).   A Biblioteca Municipal da Calheta  Inaugurada em 1996, a Biblioteca Municipal da Calheta – Casa das Mudas foi construída tendo por base a biblioteca fixa n.º 75 da FCG, Casa da Cultura, instalada na Calheta desde 1973 (a FCG refere a data de 1980) até 2002, ano em que se torna uma unidade orgânica da Câmara Municipal da Calheta, beneficiando do apoio e do empenho financeiro desta. A Biblioteca é constituída por três pólos de leitura, assim distribuídos: pólo do Arco da Calheta (1991), depois designado por Biblioteca Municipal do Arco da Calheta; pólo do Paul do Mar (2001), depois designado por Biblioteca Municipal do Paul do Mar; e pólo do Jardim do Mar (2002), depois designado por Biblioteca Municipal do Jardim do Mar. Em 2015, o seu acervo em suporte papel estava estimado em 9000 obras e o MNL era constituído por 76 DVD, 7 jogos e 2 CD. Os serviços e os produtos prestados eram disponibilizados aos utilizadores pelo bibliotecário, dentro do espaço da Biblioteca. Para além da oferta de obras nas diversas áreas do saber, contava com uma área de leitura/estudo, equipada com ligação sem fios.   A Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos A Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos, uma biblioteca pública, municipal, do tipo BM2, possuía em 2015 dois pólos de leitura: um no Estreito de Câmara de Lobos e outro no Curral das Freiras. Desde meados da déc. de 60 até 1980, Câmara de Lobos recebeu com periodicidade mensal a biblioteca itinerante da FCG. Numa parceria entre a FCG e a Câmara Municipal (a FCG fornecia os equipamentos e materiais e a Câmara os recursos humanos e o espaço), a 1 de outubro de 1980 abriu a biblioteca fixa n.º 12, no Lg. do Poço, mudando de instalações, em 2004, para a Casa da Cultura de Câmara de Lobos. As negociações com o ex-IPLB para a instalação de uma nova biblioteca, virada para o futuro e para a comunidade, resultaram na inauguração, a 3 de maio de 2009, da nova Biblioteca, o único projeto de raiz aprovado na RAM no âmbito da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas. Este novo espaço passou a ser a base da rede de bibliotecas do concelho e a base técnica, orientada para a uniformização dos serviços e para a informatização de todos os dados referentes ao fundo documental a nível central, que, posteriormente, se distribui pelos polos do Estreito de Câmara de Lobos (que começou, de igual modo, como uma biblioteca fixa da FCG, em 1982, e passou para um novo edifício em 2006) e do Curral das Freiras (aberto em 2010). A rede de bibliotecas do concelho de Câmara de Lobos possuía, em 2015, mais de 35.000 documentos em papel, cerca de 500 documentos sonoros, mais 1500 documentos audiovisuais e 200 CD-ROM.   A Biblioteca Municipal de Machico Em 1964, com o apoio da FCG, foi instalada uma biblioteca nos paços do concelho da Câmara Municipal de Machico, no salão do 1.º andar. A 14 de setembro de 1964, foi inaugurada a biblioteca fixa n.º 74 da FCG, embora a biblioteca itinerante da FCG de São Vicente servisse, também, a população deste concelho. Anos passados, e para responder às necessidades dos leitores, a Biblioteca foi transferida para uma maior área da Câmara. Assim, a 3 de março de 2008 é inaugurada a Biblioteca Municipal de Machico no Edifício Fórum Machico, passando a contar com um espaço digno ao serviço de toda a comunidade. O município concorreu ao programa da RRBP (IPLP/DRAC) apenas para apoios à aquisição de mobiliário e equipamento, fundos documentais e informatização. Em 2015, a Biblioteca disponibilizava cerca de 18.500 livros para todas as idades, distribuídos em regime de livre acesso às estantes. Existia uma coleção de livros que se encontrava resguardada, cujo interesse residia sobretudo na área da literatura e dos estudos literários portugueses, que exigia um pedido de pesquisa aos técnicos. Para além dos livros, a Biblioteca contava também com MNL, em particular CD de todo o género de música, filmes vários e CD-ROM (num total de cerca de 50 unidades), sobre muitas áreas do conhecimento, promovendo aos munícipes o empréstimo domiciliário, serviços de fotocópias, digitalização de documentos, atividades de promoção de leitura, entre outros. Em 2013, foi inaugurada uma extensão desta Biblioteca no Museu da Baleia.   A Biblioteca Municipal da Ponta do Sol Criada em 1963 a partir da biblioteca fixa n.º 77 da FCG, cujo acervo absorveu, a Biblioteca Municipal da Ponta do Sol era um serviço público que tinha por finalidade facilitar o acesso à cultura, à informação, à educação e ao lazer, contribuindo para elevar o nível cultural e a qualidade de vida dos madeirenses. Como centro de recursos educativos, a Biblioteca tem como principais objetivos: estimular o gosto pela leitura e fomentar a compreensão do mundo; criar condições para a fruição da criação literária, científica e artística, proporcionando o desenvolvimento da capacidade crítica do indivíduo; conservar, valorizar, promover e difundir o património escrito, em especial o respeitante ao fundo local, o qual irá contribuir para o reforço da identidade cultural da região; e difundir documentação e informação útil e atualizada, em diversos suportes e relativa às várias áreas do saber, satisfazendo, assim, as necessidades dos utilizadores e dos diferentes grupos sociais.   A Biblioteca Municipal do Porto Moniz A Biblioteca Municipal do Porto Moniz foi inaugurada a 22 de julho de 1988 e instalada na sede da Câmara Municipal, no rés-do-chão. Anteriormente, ocupava um espaço no edifício onde estava instalada a antiga Câmara. O município de Porto Moniz beneficiou da biblioteca fixa n.º 83 da FCG, instalada por volta de 1964, que foi a base da Biblioteca Municipal, que contou com o apoio financeiro da Câmara; esta candidatou-se ao programa da RRBP, mas não foi possível avançar com a construção do edifício por falta de verbas. Em 2015, o seu acervo estava estimado num total de 10.474 volumes, sendo composto por monografias e revistas que se enquadravam no perfil do utilizador do município. O empréstimo de livros, a leitura de revistas, o apoio aos leitores e a existência de terminais informáticos com ligação à Internet eram os principais serviços e produtos que a Biblioteca oferecia à comunidade de utilizadores.   A Biblioteca Municipal do Porto Santo A Biblioteca Municipal do Porto Santo teve a sua génese na biblioteca da FCG n.º 78, criada em 1960 (data que não está de acordo com a data fornecida pela FCG; 1964 é a data mais provável) e desativada em 2003, e esteve instalada, de 1960 a 1990, no rés-do-chão da Câmara Municipal do Porto Santo. Em 1990, passou outro edifício da Câmara até 1994, ano em que transita para um antigo quartel do exército, até 1998. Neste ano, regressa ao segundo espaço da Câmara Municipal, que não foi construído de raiz, nem beneficiou do apoio financeiro da RRBP, mas apenas do apoio financeiro camarário. A Biblioteca dispunha, em 2015, um acervo em papel de 23.545 exemplares, distribuído por monografias, publicações periódicas, vídeos, CD-ROM e DVD. Não possuía catálogo online, mas promovia as leituras domiciliárias e presenciais. Para além disso, realizava eventos culturais, tais como: hora do conto; palestras e conferências; lançamento de livros; concursos, entre outros. Os seus utilizadores eram sobretudo turistas, alguns investigadores e estudantes.   A Biblioteca Municipal da Ribeira Brava A Biblioteca Municipal da Ribeira Brava teve a sua génese na biblioteca fixa da FCG n.º 82, inaugurada a 30 de setembro de 1964 e desativada em 2003. A construção da Biblioteca foi possível graças à sensibilidade para as questões da cultura e da literacia dos representantes autárquicos. Totalmente remodelada e inaugurada a 20 de novembro de 2001, a Biblioteca Municipal possuía em 2015 um acervo de obras e documentos em suporte papel no total de 15.694, disponível a todos os munícipes. Os serviços que prestava aos leitores eram: leitura de monografias e das publicações de diários e jornais; acesso a computadores e rede sem fios; exposições e atividades culturais de apoio à educação e promoção do desenvolvimento cultural do concelho.   A Biblioteca Municipal de Santa Cruz A Biblioteca Municipal de Santa Cruz teve por base a biblioteca fixa n.º 73 da FCG, a segunda biblioteca fixa de que a Madeira beneficiou e a primeira num concelho rural, inaugurada em julho de 1964 e instalada no edifício do Tribunal, tendo mudado de espaço físico diversas vezes. Em 1991, com o apoio da Câmara Municipal de Santa Cruz, e não do programa financeiro da Rede de Leitura Pública, foi inaugurado um edifício para a Biblioteca na Q.ta do Revoredo. Em 2015, a Biblioteca prestava um serviço inteiramente gratuito, com livre acesso às estantes, quer para leitura presencial, quer domiciliária, e tinha ao dispor dos utilizadores um considerável fundo bibliográfico, constituído por livros e diários regionais, entre outros, estimado em cerca de 20.000 unidades. Em 2000, a FCG entregou a biblioteca à Câmara Municipal, aumentando o seu acervo. As suas instalações incluíam, à data, a receção, uma sala infanto-juvenil, duas salas abertas ao público adulto e ainda um anfiteatro ao ar livre, espaços que convidavam à leitura e à realização de eventos.   A Biblioteca Municipal de Santana A Biblioteca Municipal de Santana teve a sua génese na biblioteca fixa da FCG n.º 76, fundada por volta de 1964 e desativada em 2010, cujo acervo foi incorporado na Biblioteca com o empenho financeiro da Câmara Municipal de Santana. Em 1997, o edifício da Câmara foi alvo de um projeto de ampliação, que não beneficiou do programa financeiro da Rede de Leitura Pública, e se revelou uma obra de cariz moderno, que incluiu a construção do salão nobre e da Biblioteca Municipal; esta última começou a funcionar, em janeiro de 2010, nas instalações da Casa da Cultura de Santana. O seu acervo era constituído, em 2015, por documentos em suporte papel, e estimado em 18.000 títulos, distribuídos por monografias, publicações periódicas e MNL.   A Biblioteca Municipal de São Vicente Inaugurada em 1986, a Biblioteca Municipal de São Vicente ocupou um espaço no edifício da Câmara Municipal de São Vicente, sendo um serviço cultural da Câmara que não beneficiou do programa financeiro da Rede de Leitura Pública. Nasceu da biblioteca itinerante BI50 e da biblioteca fixa FCG n.º 175, designada Biblioteca Municipal Calouste Gulbenkian de São Vicente, inaugurada a 22 de janeiro de 1987 e desativada em 2002. A FCG doou os seus acervos ao município, ou seja, à Biblioteca Municipal, que em 2013 contava com um total de 21.998 unidades em suporte papel e 12.724 unidades em suporte digital. A Biblioteca disponibilizava diversos serviços e produtos aos munícipes: a consulta de um vasto número de documentos, impressos e multimédia, para além de empréstimo domiciliário, quer de livros quer de documentos audiovisuais, e serviço grátis de fotocópias. Disponibilizava ainda outros apoios, nomeadamente: serviço na área da animação cultural, procurando dar respostas às necessidades de informação, cultura, lazer e educação a todos os munícipes; aconselhamento à leitura e apoio a trabalhos escolares, apoiando também, quando solicitadas, as bibliotecas escolares. No concelho de São Vicente, ficavam situadas a Biblioteca Municipal de Boaventura, pertencente à Casa do Povo de Boaventura, e a Biblioteca Municipal da Ponta Delgada, pertencente à Casa do Povo da Ponta Delgada, servindo ambas as respetivas populações locais.     Iolanda Silva (atualizado a 25.02.2017)    

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