Mais Recentes

leme, jorge da câmara

Filho mais velho do morgado D. João Frederico da Câmara Leme, que também usava o apelido Homem de Sousa, e de D. Maria Carolina Correia Henriques, ou Correia Pinto, filha dos viscondes de Torre Bela, nasceu no Funchal, a 13 de março de 1807. Teve como irmãos D. Luís da Câmara Leme (1817-1904), general, deputado e ministro da Guerra, D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), tenente-coronel, e D. José da Câmara Leme (c. 1825-1883), capitão do estado-maior, secretário do ministro da Guerra e oficial às ordens honorário do rei D. Luís. Este ramo dos Câmara Leme descendia dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de Catarina Gonçalves da Câmara, filha de Zarco, descendência que se cruzou com os Leme (Genealogias), nos inícios do séc. XVII e de que a principal figura foi, em Seiscentos, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). O pai de D. Jorge da Câmara Leme, o morgado D. João Frederico, era ainda sobrinho materno do 1.º conde de Carvalhal, pois era filho da irmã do próprio, D. Ana Josefa de Carvalhal, que casara com João Francisco da Câmara Leme, tendo desposado com uma prima em segundo grau, Correia Henriques de Noronha, ou Correia Pinto, como indicámos, neta materna do 1.º visconde de Balsemão. D. Jorge da Câmara Leme seguiu a carreira militar, assentando praça, como voluntário, a 2 de dezembro de 1826, na 1.ª companhia de granadeiros do regimento de infantaria 4. Mas integrou-o por pouco tempo, pois, com a instalação do governo absolutista do infante D. Miguel, o regimento foi dissolvido. Devido às suas ideias liberais, emigrou, pouco depois, para Inglaterra, ao contrário do tio João Carlos Correia Brandão de Bettencourt Henriques de Noronha, 2.º visconde de Torre Bela (1794-1875), ajudante-de-campo de D. Miguel e um dos poucos morgados madeirenses que abraçou o absolutismo. D. Jorge passou, depois, à ilha Terceira, nos Açores, alistando-se no batalhão de caçadores 5, que desembarcou na praia de Mindelo, a 8 de julho de 1832, e participando em toda a campanha liberal, até à convenção de Évora Monte, tendo, na ocasião, o posto de alferes. Todos os seus irmãos integravam, então o exército e , pouco tempo depois, por volta de 1835, pediu a reforma, como tenente, tendo fixado residência na Madeira. Apenas temos notícias da sua participação na vida pública madeirense perto de meados de Oitocentos, no início do governo do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891). As primeiras informações datam das eleições, determinadas para 1846, mas realizadas somente nos finais de 1847, depois dos pronunciamentos da revolução da Maria da Fonte. As circulares para as eleições na Madeira começaram a ser expedidas nos finais de setembro de 1847, mas, em novembro, ainda não se sabia como suprir a falta de D. Jorge da Câmara Leme, que fora nomeado para coordenar as comissões de revisão dos recenseamentos e que, com os pronunciamentos revolucionários desse ano, a referida Maria da Fonte, se retirara da vida pública do Funchal. O seu nome aparece mencionado, na mesma altura, na administração do Asilo de Mendicidade do Funchal, mas não sabemos se, dada a instabilidade política do período, terá abdicado da função. O governador conseguira que o bispo do Funchal, D. José Xavier de Cerveira e Sousa (1810-1862), assumisse a direção geral do asilo, integrando na administração D. Jorge da Câmara Leme e outros elementos da sociedade madeirense, que “tiveram a bondade de se prestarem gostosos a esse serviço”, como refere o próprio governador (FREITAS, 1852, 19-20 e 48-49). A comissão do asilo principiou, a 21 de abril, com cinco membros, aumentando para sete, a 23 do mesmo mês. Começou por funcionar no edifício do extinto convento de S. Francisco, mas, pouco depois, passou para as instalações das Angústias, iniciadas para servir essa mesma função. Como os terrenos haviam pertencido a D. Guiomar Madalena de Vilhena e, depois, passaram ao seu sobrinho bisneto, o 1.º conde de Carvalhal, sendo cedidos para construção do asilo, talvez D. Jorge da Câmara Leme, como herdeiro de ambos, tenha participado, pelo menos, nesta primeira fase da reinstalação. No entanto, somente temos referência ao próprio devido ao seu falecimento, que ocorreu a 8 de julho de 1889, e muito depois desta data.     Rui Carita (atualizado a 14.12.2017)

História Militar

leme, joão frederico da câmara

Filho do morgado homónimo, que também usava o apelido Homem de Sousa, e de D. Maria Carolina Correia, filha dos viscondes de Torre Bela, nasceu no Funchal, a 18 de março de 1821. Teve como irmãos o Ten. D. Jorge da Câmara Leme (1807-1889), que colaborou ativamente nas lutas liberais, o deputado e general D. Luís da Câmara Leme (1817-1904), ministro da Guerra e D. José da Câmara Leme (c. 1823-1883), capitão do estado-maior. Descendiam do ramo dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de uma das filhas de Zarco, descendência que se cruzou com os Leme (Genealogias), nos inícios do séc. XVII e de que a principal figura foi, nos meados e finais de Seiscentos, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). D. João Frederico da Câmara Leme seguiu, como os irmãos, a carreira militar, assentando praça, como voluntário, no batalhão de infantaria 16, em Évora, a 3 de outubro de 1842, já com alguma idade para a época. Aí serviu “2 anos, 5 meses e 16 dias” (AHM, Processos individuais, João, 6-19), até 18 de março de 1845, data em que foi promovido a alferes, por decreto, passando a porta-bandeira do regimento de granadeiros da rainha, em Lisboa. Promovido a tenente, por dec. de 1 de agosto de 1849, integrou o batalhão de caçadores 6, a 18 de outubro de 1850 e, no ano seguinte, por dec. de 5 de julho, foi promovido a capitão graduado, contando antiguidade desde 29 de abril. Por razões que se desconhecem, muito provavelmente para assumir o controlo das propriedades da família e entrar na vida política, algo que seu irmão D. Luís começara a ensaiar em Lisboa, optou por ser colocado na disponibilidade, por dec. de 15 de janeiro de 1852, passando para ajudante do corpo de artilheiros auxiliares da ilha da Madeira, por dec. de 27 de julho de 1856, ano em que o irmão foi eleito deputado pela Madeira; D. João Frederico tornou-se ainda capitão do corpo auxiliar, por dec. de 25 de novembro de 1861. Nos anos de 1857 a 1862 decorreu um conflito político, com aspetos anticlericais, envolvendo a presença das ordens religiosas em Portugal e que levou as irmãs de S. Vicente de Paulo a abandonarem o Hospício Princesa D. Maria Amélia e até o país. Nos meados de março de 1859, o gabinete do duque de Loulé, que formava a nova corrente progressista histórica, caiu, perante a dissidência de alguns dos seus próprios apoiantes. O novo governo, então constituído pelo Partido Regenerador e com o qual voltava, novamente, António Maria Fontes Pereira de Melo, terá tentado fazer outras alterações, mas a sua vigência durou pouco tempo. Assim, foi nomeado governador civil do Funchal, por dec. de 21 de maio de 1860, o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme, que comunicou a tomada de posse a 27 de maio, através de um impresso dirigido às autoridades superiores do distrito. Mas, em breve, a correspondência continuaria a ser assinada pelo anterior governador, o 2.º conde do Farrobo (1823-1882), genro do duque de Saldanha (1790-1876), como se nada se houvesse passado. Não deixa de ser curioso que, nos documentos do processo militar individual de D. João Frederico da Câmara Leme, não conste qualquer documentação desta sua primeira nomeação para governador civil, nem haja referência a ela nos registos biográficos de Luiz Peter Clode ou no Elucidário Madeirense. Os inícios de 1868 foram marcados, no Funchal e uma vez mais, pela tentativa de tomada do palácio de S. Lourenço pelo antigo administrador do Porto Santo, João de Santana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt (1825-1892). Como membro, à data, do conselho de distrito, porque era chefe do Partido Regenerador, e tendo sido exonerado o anterior governador e conselheiro, Jacinto António Perdigão, por dec. de 16 de janeiro, passado este a governador civil de Bragança, a 30 desse mês, João de Santana de Vasconcelos enviou uma circular a todas as autoridades insulares a informar que tinha tomado posse nesse dia. Porém, desta vez, ficou em S. Lourenço apenas cerca de 10 dias. Com efeito, a 10 de fevereiro, tomou posse o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme, nomeado por dec. de 25 de janeiro de 1868. D. João Frederico deparou-se com uma situação muito difícil e à qual, nesta sua segunda permanência no Governo Civil, não conseguiu responder da melhor maneira, até porque não teve cobertura política do governo do central. Os finais de 1867 tinham sido marcados por uma subida generalizada dos preços, motivada pela situação de difusão geral da crise no país e agravada pelo imposto da sisa, ou imposto sobre o consumo, na ordem dos 6,5 %. Este valor, decretado em dezembro, que deu origem a graves tumultos por todo o continente, em breve se espalhava à ilha da Madeira. O movimento ficou conhecido como janeirinha, dado ter decorrido nos primeiros dias de janeiro de 1868, resultando em vários motins, tendo sido um, no Funchal, designado por pedrada, o responsável por ter impedido o desembarque de Jacinto de Santana e Vasconcelos (1824-1888). O capitão e governador civil D. João Frederico da Câmara Leme, depois do sucedido no Funchal e, especialmente, na Câmara de São Vicente, onde, entretanto, se deslocou, devido a novos tumultos (Tumultos populares), deve ter sentido uma profunda insegurança no palácio do governo de S. Lourenço. Assim, em abril desse ano, requisitou mesmo uma força militar para ficar em permanência nas imediações do palácio, “não só para defesa do cofre central, como dos arquivos que existem no mesmo edifício” (Alfândega do Funchal) (ARM, Alfândega do Funchal, liv. 680, 18 abr. 1868). A força ficou aquartelada nos armazéns de bagagens da Alfândega, de forma algo provisória. E, com o decorrer dos acontecimentos, depois de 1870, tomou mesmo assento definitivo, quando D. João da Câmara Leme ocupava já o lugar de governador civil. Para o efeito, por proposta do próprio governador e após a aprovação da Junta Geral, foram adquiridas, em Lisboa, 30 camas “e seus pertences”, transportadas para a Madeira no vapor Maria Pia. D. João Frederico da Câmara Leme foi exonerado pelo novo executivo, do açoriano conde de Ávila (1806-1881), que lhe ofereceu o lugar de governador civil de Santarém, para o que teve decreto de nomeação, a 25 de janeiro de 1868, “dada a desistência do coronel Francisco de Mello Breyner” (AHM, Processos individuais, João, 6-19), mas não aceitou o lugar. No entanto, só veio a ser exonerado a 9 de setembro e, a 14 de outubro, dado que “frequentara o tirocínio para oficial superior em Lisboa” (Id., Ibid.), foi de novo colocado no batalhão de caçadores 12 do Funchal, como regista o despacho do rei D. Luís e do marquês de Sá da Bandeira, tendo tido ordem de embarque para o Funchal, a 9 de outubro do mesmo ano. O periódico A Revolução de Setembro, por essa altura, transcrevia uma série de notícias da ilha da Madeira: “Dizem-nos cartas dali, que foi muito mal recebida a notícia ‘encapotada’ da transferência para Santarém do governador civil D. João da Câmara Leme. Não ajudou também a notícia de que o Frade [deverá tratar-se do bispo de Viseu, D. António Alves Martins (1808-1882), que fora franciscano e era então um dos elementos proeminentes do Partido Reformista] apresentara e premeditara impor como deputado governamental pelo círculo da Ponta do Sol o ex-deputado Lampreia”; “Dizem também, que o marquês de Sesimbra, novo governador, não será bem recebido. ‘O Direito’ e ‘A Ordem’, jornais de mais confiança na Ilha, passaram à oposição. Já o esperávamos: Quem tem Razão Direita, não podia andar por muito tempo desviado do Bom Caminho” (A Revolução de Setembro, 26 set. 1868). O Governo do marquês de Sesimbra (1839-1887), décimo quarto filho do duque de Palmela (1781-1850) e o Governo seguinte, do visconde de Andaluz, que viera como secretário-geral do marquês de Sesimbra, foram de vaga gestão da crise motivada pela oposição dos duques de Loulé e Saldanha, que se alternaram à frente do gabinete ministerial de Lisboa. A situação manteve-se até às eleições de julho de 1870, mas configurava-se uma nova nomeação para o Funchal. O governo cessou funções a 26 de outubro, mas, já então, o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme estava novamente nomeado governador civil do Funchal, voltando a tomar posse, então com um Te Deum na sé do Funchal, a 31 de outubro de 1870, tal como comunicou às restantes entidades superiores da Ilha, em informação impressa. A nomeação fora bastante anterior, pois fora mandado “marchar para Lisboa”, por “ordem telegráfica” do ministério da Guerra de 20 de maio desse ano, como refere o comandante do batalhão de caçadores de Tomar, onde estava colocado (AHM, Processos individuais, João, 6-19). No dia seguinte, 21 de maio, foi colocado no seu lugar, em Tomar, o Cap. Alexandre Magno de Campos, perguntando o comandante se o mesmo também ficava na situação de “supranumerário”, como estava Câmara Leme (Id., Ibid.). As eleições e as nomeações eram acordadas, muitas vezes, entre os quadros madeirenses, em Lisboa e no Funchal, como expressa uma carta de 15 de março de 1869, onde o diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901) voltava a dar instruções ao irmão, o então cónego D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880), ainda não sabendo se concorreria às eleições de 1870, estando dependente do número de deputados a eleger por cada círculo eleitoral na Madeira. Equacionava, assim, as posição dos irmãos D. João Frederico e D. Luís da Câmara Leme, adiantando uma situação interessante, que era o ministro do Reino ter “muita repugnância a aceitar o João Câmara, porque o Luís tem feito e faz aqui uma guerra terrível ao ministério, procurando excitar contra ele os militares que estão geralmente descontentes com as reformas que feriram os seus interesses” (GOMES, 1997, 98-99). D. João Frederico da Câmara Leme, desta vez, estaria à frente dos destinos da Madeira durante mais de cinco anos, o que foi um verdadeiro recorde para o tempo, só ultrapassado pelo conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891), que esteve seis anos em S. Lourenço. Entre outros apoios, pois fora nomeado por um gabinete “histórico” e o seguinte, “regenerador”, confirmou-o, contando com uma certa estabilidade governativa por parte dos novos gabinetes de Fontes Pereira de Melo, gozou de um muito especial auxílio: o do bispo do Funchal então nomeado, uma das mais interessantes personalidades da Igreja da Madeira: D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880). Confirmado bispo titular de Gerasa, em 1871, nos inícios e meados de 1872, foi governador da diocese do Funchal e a 27 de outubro de 1872, tomou posse efetiva do bispado. Familiar, em certa medida próximo, do governador civil, como todos os grandes morgados insulares, e vindo a sofrer, à frente da diocese, os mesmos problemas que D. João da Câmara Leme enfrentava no governo civil, estabeleceu-se uma discreta, mas profícua colaboração entre ambos, apoiados nos irmãos deputados em Lisboa, embora não ao mesmo tempo: D. Luís da Câmara Leme e o diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos. O governador civil procurou outros apoios ao longo do seu mandato, nomeadamente, no Conselho do Distrito, cujo vogal era Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875), elevado a visconde de São João a 3 de maio de 1871 (São João, visconde), e na nova Junta Geral do Distrito. Nas eleições de 1874 ocorreram alguns distúrbios, nomeadamente, no Porto Moniz, para onde o governador teve de destacar uma força militar, mas essas eleições elegeram de novo o seu irmão general, D. Luís da Câmara Leme, pelo Partido Popular. Ao longo desse ano, instalou-se progressivamente o telégrafo submarino, com o qual o governador foi comunicando oficialmente às restantes autoridades superioras da Ilha. D. João Frederico da Câmara Leme começou a acusar algum desgaste pelos cinco anos de governação, que, inclusivamente, lhe haviam afetado a saúde. Por isso, nos inícios de 1876, pediu a sua exoneração, concedida a 1 de maio desse ano. Entretanto, também nos começos de 1876, já estaria indigitado um novo governador civil para o Funchal, Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, cuja comunicação de nomeação terá chegado a 7 de abril. Levando este algum tempo em Lisboa, tomou posse do lugar interinamente, a 18 do mesmo mês, o novo secretário-geral Joaquim Curado de Campos e Meneses. A 8 de maio, tomou posse o antigo morgado das Cruzes, Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), membro do Conselho do Distrito, segundo o art. 223.º do Código Administrativo. E, a 10 de junho, finalmente, o novo governador Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro. O ex-governador D. João Frederico da Câmara Leme casara, a 30 de julho de 1854, com D. Maria Carlota da Gama Freitas Berquó, filha do militar e político brasileiro marquês de Cantagalo (1794-1852). Do matrimónio resultou uma descendente, D. Maria Teresa da Câmara Leme, nascida a 10 de maio de 1854 e falecida em 1942, mas que não casou, não havendo, assim, sucessão, como aconteceu a todos os outros três irmãos de D. João Frederico. D. João Frederico estava, então, colocado em Tomar, embora essa colocação não conste na sua folha de matrícula militar. Foi daí que partiu, em 1870, para ser governador civil do Funchal, vindo a faleceu na mesma cidade, como Ten.-Cor., a 6 de fevereiro de 1878. Foi cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada (1847) e da de Avis (1862), comendador da de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (1867), possuindo ainda as medalhas de Valor Militar, Bons Serviços e Comportamento Exemplar (1866 e 1867).   Rui Carita (atualizado 14.12.2017)

História Militar Personalidades

ribeiro real, visconde do

Visconde do Ribeiro Real. 1885. Arquivo Rui Carita João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo. Casando-se, a 24 de junho de 1882, já com mais de 40 anos, com Teresa da Câmara Carvalhal, filha do 2.º conde de Carvalhal, recebeu o título de visconde do Ribeiro Real. Passara, entretanto, pela Junta Geral e depois pela presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia. Na sua vereação camarária ainda se fundou o corpo de bombeiros voluntários e procedeu-se a reformas urbanas na área do cemitério britânico, tendo hoje o seu nome o largo que fica mais a sul. Foi ainda cônsul de França e elevado a conde do Ribeiro Real, título que parece não ter usado. Faleceu em 1902. Palavras-chave: bombeiros voluntários; Câmara Municipal do Funchal; cemitério britânico; caminho de ferro do Monte; Teatro Municipal.     João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo, de São Pedro, no Funchal, e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo, de Ponta Delgada. Casando-se, a 24 de junho de 1882, com Teresa da Câmara Carvalhal (1857-c. 1925), filha do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888), recebeu o título de visconde do Ribeiro Real por decreto de 23 de março desse ano, sendo depois elevado a 1.º conde, por decreto de 16 de fevereiro de 1899, após a sua passagem pelo governo civil do Funchal, em 1897, como interino. Para além do cargo que ocupou na Junta Geral e da presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia (Teatro Municipal), ocupou também o lugar de cônsul de França. O futuro visconde do Ribeiro Real deveria ser uma figura muito discreta e reservada, não sendo fácil recuperar o seu percurso político e social. Casou-se bastante tarde para a época, já passando dos 40 anos, não havendo descendência do seu casamento. A primeira referência política a seu respeito é como procurador da Junta Geral, quando se pronuncia sobre a lei de 13 de maio de 1872, que criara as bases da nova regulamentação. Como vogal, João Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo esteve na reunião de 11 de março de 1874 e na de 11 de abril seguinte, aprovando as alterações que o vogal do conselho de distrito, visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875) mandou imprimir a 14 de abril desse ano. A sua ação mais relevante foi à frente da Câmara Municipal do Funchal, onde sucedeu ao sogro, 2.º conde de Carvalhal, que somente ocupara o lugar no quadriénio de 1882-1885 por ser, ainda, o maior proprietário latifundiário do Funchal, mas cujas funções tinham sido desempenhadas pelo vice-presidente, morgado João Sauvaire da Câmara e Vasconcelos (1828-1890). A partir de 1886, a Câmara do Funchal teve uma interessante atividade, entre outras coisas, acabando as obras do Teatro Municipal, apresentado aos funchalenses a 29 de julho de 1887, e inaugurado oficialmente a 11 de março de 1888. Nessa altura, teve o visconde de se defrontar com o primo, João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902), conde de Canavial e então governador civil, que queria ocupar o camarote da presidência, o que veio a acontecer, mas como convidado, pois o Teatro era propriedade da Câmara. A questão do camarote do Teatro ocupou então as primeiras páginas da imprensa da cidade. Foi durante a presidência do visconde do Ribeiro Real, quando tinha o pelouro dos incêndios o Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), então também médico do hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, que se fundaram os bombeiros voluntários do Funchal, serviço inaugurado oficialmente a 24 de setembro de 1888. A apresentação pública do inúmero material adquirido para esse serviço, de que existe abundante documentação fotográfica, foi feita junto à fachada do referido hospital, a 7 de abril de 1889. O primeiro quartel foi construído na antiga R. do Príncipe (assim designada em homenagem ao príncipe, depois D. João VI (1767-1826)), posteriormente R. 31 de Janeiro, passando, duas décadas depois, para a R. da Princesa (em referência a D. Carlota Joaquina (1775- 1830)), posteriormente R. 5 de Outubro. José Joaquim de Freitas era um republicano de arreigadas convicções (República), mas tal não obstou ao apoio que sempre lhe foi dado pelo visconde do Ribeiro Real, tendo-se registado, inclusivamente, um forte apoio das mais destacadas famílias funchalenses à criação dos bombeiros voluntários, existindo fotografias destes anos de inúmeros dos seus elementos fardados de bombeiros, independentemente da sua filiação partidária e, inclusivamente, nacionalidade; há mesmo fotografias de comerciantes britânicos, o que só se explica pelo apoio dado à iniciativa pelo visconde. João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo foi igualmente um dos principais impulsionadores do projeto do caminho de ferro do Monte, numa altura em que o projeto poderia ter sucumbido ao conflito de interesses entre os comerciantes britânicos radicados na Ilha e os financeiros alemães, que o apoiavam. Ao nível do Governo central, o apoio ao projeto não foi muito evidente, exceto na isenção de impostos que concedeu à Companhia do Caminho-de-Ferro do Monte, aquando da entrada na Alfândega do Funchal do material fixo e circulante para a via-férrea. O grande apoio partiu da Junta Geral, que adquiriu algumas ações, e, especialmente, da Câmara do Funchal, através do vereador João Luís Henriques e do presidente, o visconde do Ribeiro Real, tendo a Câmara adquirido 250 obrigações. As transformações ocorridas na malha urbana da cidade permaneceram e decorrem da urbanização envolvente do traçado da via-férrea e da montagem de uma série de instalações turísticas de apoio, como o Hotel do Bello Monte, e depois das instalações do Terreiro da Luta, consolidando a estruturação da freguesia de Santa Luzia e a ligação da cidade à freguesia do Monte, e contribuindo para a visão geral de anfiteatro que da encosta do Funchal. Foi também a vereação do visconde de Ribeiro Real que permitiu e apoiou a ampliação do cemitério britânico (Cemitério britânico), como contrapartida pela expropriação de uma faixa do terreno do mesmo. Foram então demolidas duas das vielas anexas entre aquele espaço e a R. dos Aranhas, do que resultou a R. 5 de Junho, depois R. Major Reis Gomes, onde viria a ser construído o largo com o seu nome. Os viscondes do Ribeiro Real habitaram o palácio de S. Pedro que, desde 1883, era partilhado com o Colégio de S. Jorge, dirigido pela futura M.e Mary Jane Wilson (1840-1916). Também ali faleceu, a 4 de fevereiro de 1888, o 2.º conde de Carvalhal, António Leandro Carvalhal Esmeraldo e, em 1897, ainda se instalou em parte do palácio o Clube Internacional. O visconde do Ribeiro Real seria elevado a conde do Ribeiro Real, a 16 de fevereiro de 1899, mas parece nunca ter usado o título, falecendo a 22 de março de 1902, altura em que se encontrava já retirado da vida pública, não havendo, por exemplo, qualquer referência a seu respeito na visita régia de junho de 1901. A condessa do Ribeiro Real, em 1921, deu início ao processo de venda do palácio, mas a mesma foi contestada pelos coproprietários, conde de Resende e família de Eça de Queiroz, descendentes de sua irmã, Maria das Dores Carvalhal (1855-1910). A a 20 de janeiro de 1923, a condessa mandou vender em leilão o recheio do palácio, momento em que se dispersou aquele importante espólio. Deverá ter falecido pouco depois dessa data. O espadim de honra do visconde do Ribeiro Real, como fidalgo da Casa Real, deve ter sido logo entregue à Câmara Municipal do Funchal, por legado do mesmo. A sua liteira, no entanto, com as armas de visconde envolvidas pelos atributos utilizados pela Câmara, um ramo de videira e outro de cana-de-açúcar, tal como o seu monograma, encimado por coroa de visconde, deve ter ido então a leilão, tendo passado a mãos particulares e depois ao Museu Quinta das Cruzes, sendo dos poucos exemplares deste tipo de transporte que sobreviveu. É provável que do leilão de 1923 tenha sobrevivido uma fotografia, onde aparece um dos dois óleos de Tomás da Anunciação (1818-1879), encomendados pelo 2.º conde de Carvalhal em 1865, e que fazem igualmente parte do acervo do Museu Quinta das Cruzes. No mesmo leilão deve ter sido vendido o retrato das duas filhas do 2.º conde de Carvalhal, depois depositado na Fundação Eugênia de Canavial.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

Direito e Política História Militar História Política e Institucional

governo militar

Carlos de Azeredo Ornelas Camacho Ribeiro de Andrade. 20.02.1976. Arquivo Rui Carita. A designação específica de governo militar foi aplicada na Madeira para o topo da estrutura militar entre 1926 e 1973. Ao longo da história da Madeira, o governo militar foi inicialmente da responsabilidade dos capitães do donatário, dos capitães-donatários e, depois, dos governadores e capitães-generais (Governadores e capitães-generais), até à instalação do governo liberal (Governo civil). Já se havia, inclusivamente, ensaiado a constituição de gabinetes e órgãos para o governo militar, com postos e funções ligados ao governador para o assessorar nessa área, como tinham sido os sargentos-mores (Sargento-mor), o tenente-general (Tenente-general), os engenheiros militares, etc. Uma das preocupações dos políticos liberais era a perfeita separação dos poderes, subordinando o poder militar ao político. No entanto, a instabilidade vivida durante as primeiras décadas não deixou muita margem de manobra para tal separação. O facto de que se recrutava, a maior parte das vezes, o quadro superior político do arquipélago dentro do grupo dos militares liberais, e a experiência sofrida pelo primeiro governo liberal sediado nos Açores, que não tinha conseguido submeter a Madeira, também não favoreceu a separação dos poderes. Assim sucedeu com o primeiro prefeito, o coronel de engenharia Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847), e viria depois a acontecer com outros governadores civis, igualmente militares, chegando a ser objeto de pedido de parecer do então marquês de Saldanha ao antigo prefeito da Madeira, situação que se manteve ao longo de quase todo o séc. XIX e mesmo do séc. XX, inclusivamente após o pronunciamento militar de 25 de abril de 1974 e até o país constituir uma democracia parlamentar. A imposição de uma nova ordem institucional no território nacional foi, desde o início do liberalismo, como nos governos seguintes, acompanhada por profundas contradições dentro do Exército, herdeiro de um antigo papel nacional, que participara ativamente, embora nem sempre de forma consciente, na transformação da situação política do país. Na transição do séc. XVIII para o séc. XIX, tentara-se evoluir de uma estrutura senhorial militar para uma efetiva institucionalização de forças armadas nacionais, o que um certo caciquismo regional nem sempre acompanhou e que a corte de Lisboa, a braços com outras dificuldades políticas, também não foi capaz de impor. Com a instalação do liberalismo, institucionalizou-se uma figura complexa de militar-político, herdada da guerra civil, que veio a desempenhar um papel político nacional de excecional importância, embora depois sem especial recorte na instituição castrense propriamente dita. [caption id="attachment_15051" align="aligncenter" width="717"] Parecer pedido por Saldanha a Mouzinho de Albuquerque. 1835. Arquivo Rui Carita.[/caption] A instituição militar passou, ao longo do séc. XIX, por várias reformas, tentando enquadrá-la e adaptá-la aos novos processos e métodos internacionais de combate. A primeira reestruturação data de 1836 e 1837, quando decretos sucessivos dividiram o território em 10 divisões militares, sediando a 9.ª divisão no Funchal, estabelecendo um novo plano de divisão regimental das diversas armas, regularizando o uso de uniformes e diferenciando apenas as armas em causa. Nessa reforma, decretaram-se, ainda, novas regras, mais claras, de progressão na carreira, por antiguidade nas armas de infantaria e de cavalaria, e através de provas de exame nas armas científicas, como a de artilharia e a de engenharia, assim como se criou a Escola do Exército em Lisboa e se lançou, novamente, a instalação de escolas regimentais para a aprendizagem das primeiras letras, estrutura que voltou a funcionar no Funchal, no velho aquartelamento do Colégio dos Jesuítas. Os marechais das campanhas liberais, como os duques de Saldanha (1790-1876), Terceira (1792-1860) e Sá da Bandeira (1795-1876), nunca entregaram verdadeiramente a política aos políticos e, quando tal aconteceu, por absolutos imperativos da idade e com a Regeneração, seriam substituídos por um outro militar, o Gen. Eng. António Maria Fontes Pereira de Melo (1819-1887). As Forças Armadas, através dos seus quadros de engenharia militar, teriam ainda um papel decisivo na organização das Obras Públicas durante todo o liberalismo (Azevedo, António Pedro de e Blanc, Tibério Augusto) e, muito especialmente, na época da Regeneração, quando foi encontrado um certo equilíbrio nas contas públicas, que possibilitou a construção de uma série de acessibilidades, entre outras obras de fomento público. Oriundos os seus quadros superiores dos vários estratos sociais que igualmente forneciam as altas esferas dos quadros políticos, participariam ambos, logicamente, na mesma luta. Assim, vamos encontrar militares no ativo em todas as frentes políticas, inclusivamente na formação dos altos quadros que deram origem ao Partido Republicano (Partido RepublicanoRepública). Voltariam depois a encabeçar os sentimentos e paixões nacionais nas campanhas coloniais de pacificação em África, onde participaram ativamente na tentativa de construção de um outro império colonial, que o trauma da perda do Brasil ainda não invalidara. O Exército representou, ainda, durante quase todo o período liberal, uma certa “reserva patriótica nacional” contra os caminhos sinuosos da política, embora configurasse, ao mesmo tempo, também uma forma romântica de participação na vida coletiva, que entraria depois pelo séc. XX. Poderemos, nessa sequência, estender a sua participação, embora num outro enquadramento, à subida ao poder do Maj. Sidónio Pais e, na Madeira, com a nomeação do Cor. Vicente José de Freitas (1869-1952) para governador civil, à implantação do Estado Novo, e ainda, num quadro mais internacional, aos finais do séc. XX e ao pronunciamento militar de abril de 1974, só então sendo definitivamente excluídos os militares da cena política portuguesa, configurando-se assim nas figuras de um comandante militar e um comandante-chefe, que até 2015 eram a mesma pessoa, assessorada por quartéis-generais diferenciados. Não foi por acaso que uma larga percentagem dos governadores civis da Madeira do séc. XIX foi recrutada nos quadros militares nacionais e mesmo regionais, embora, e progressivamente, se tentasse que as Forças Armadas tivessem cada vez mais um verdadeiro enquadramento nacional.     Rui Carita (atualizado a 13.12.2017)

História Militar História Política e Institucional

fortes

A defesa e a fortificação da Madeira foram várias vezes revistas ao longo da sua história, tendo ficado, das inúmeras edificações levantadas, grande parte do sistema construído na área do Funchal, com várias fortalezas e com pequenos apontamentos das muralhas e fortes de apoio, tanto para nascente como para poente. Do vasto conjunto de fortes, fortins ou redutos levantados ao longo das costas, dependentes das estruturas militares ali levantadas, como eram as companhias de ordenanças, também subsistem muitas construções. Palavras-chave: arquitetura militar; defesa; ordenanças; património edificado.   Fortaleza do Ilhéu A defesa e a fortificação da Madeira foram várias vezes revistas ao longo da história (Defesa), tendo ficado, das inúmeras edificações levantadas, grande parte do sistema construído na área do Funchal, com várias fortalezas – i.e., sistemas defensivos quase autónomos –, tal como pequenos apontamentos das muralhas e fortes de apoio às mesmas e à defesa geral da cidade, tanto para nascente como para poente, nem todos guarnecidos em permanência. Do vasto conjunto de fortes, fortins ou redutos levantados ao longo da costa, dependentes das estruturas militares ali levantadas (Guarnição Militar) (Ordenanças), subsistem muitas construções. De uma forma geral, o sistema defensivo fixo ao longo da costa da Madeira, representado pela rede de fortes e fortins, nasceu do “Regimento de vigias”, emitido a 22 de abril de 1567 e enviado na sequência do ataque corsário francês de 1566. Este regimento mandava montar vigias em todos os portos, “calhetas, praias ou pedras, em que parecesse que os inimigos poderiam desembarcar” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, t. 3, f. 142v.), avançando ainda com outras diretivas que diziam respeito à montagem de artilharia nesses locais em caso de perigo, tendo assim sido a base de muitos, senão de quase todos os pequenos fortes ou fortins levantados pela Ilha (Arquitetura Militar).   A defesa do Funchal envolvia, para além das fortalezas, que tinham autonomia própria, alguns fortes de apoio ao conjunto das muralhas do Funchal, como os pequenos fortes de S.ta Catarina ou de S. Lázaro, que deram depois lugar à bateria das Fontes (Muralhas do Funchal), articulando-se ainda com a defesa das praias e desembarcadouros para poente e para nascente. Com o prolongamento da muralha para nascente, surgiram ainda fortificações no remate da mesma e depois um pequeno forte na foz da ribeira de Gonçalo Aires, o forte dos Louros, tal como, mais tarde, ao meio da praia do calhau de Santa Maria Maior, o forte Novo de S. Pedro. Desde os primeiros anos do povoamento, quando Zarco se abrigou nos dois ilhéus da baía, ao executar o primeiro grande reconhecimento à volta da Ilha, que se reconheceu o interesse desses ilhéus para a defesa do porto do Funchal (Fortaleza do Ilhéu). Com o desenvolvimento do porto e, principalmente, depois da passagem do Funchal a cidade (20 de agosto de 1508), esse interesse terá sido ainda mais notório, estendendo-se aos arrifes fronteiros. A primeira fortificação a surgir fora do perímetro da cidade, quase contemporânea da nova fortaleza de S. Lourenço, senão mesmo anterior a ela, terá sido levantada nestes arrifes, sendo depois devotada a N.ª Sr.ª da Penha de França, e articulando-se depois com outra levantada no chamado ilhéu Pequeno, quando nos meados do séc. XVIII se fez o molhe da Pontinha, o forte de S. José. As praias e desembarcadouros da área do Funchal também vieram a ser dotados de pequenos fortes, muitas vezes de iniciativa particular, como o referido forte dos Louros, na foz da ribeira de Gonçalo Aires, mas já antes tinha sido levantado o forte do Gorgulho e fortificada a praia Formosa, que chegou a ter uma rede de 5 fortes (Fortes da Praia Formosa), o mesmo vindo a acontecer com a foz da ribeira dos Socorridos (Fortes da Ribeira dos Socorridos). Com o desenvolvimento das vilas da capitania do Funchal, também as mesmas vieram a construir pequenos fortes, como Câmara de Lobos (Fortes de Câmara de Lobos), Ribeira Brava (Fortes da Ribeira Brava), Ponta do Sol (Fortes da Ponta do Sol) e Calheta (Fortes da Calheta). Escavações da Fortaleza de São Filipe do Pelourinho Idêntica situação se passou na capitania de Machico, cuja vila, tal como o Funchal, chegou a possuir uma muralha ao longo da praia e também a ser dotada de um conjunto de fortes (Fortes de Machico), à semelhança da vila de Santa Cruz (Fortes de Santa Cruz), embora somente um deles tenha chegado até nós. Os portos e ancoradouros entre Santa Cruz e o Funchal também tiveram pequenos fortes, como os que subsistem nas praias e arribas dos Reis Magos, no Caniço, e na foz da ribeira do Porto Novo (Fortes do Porto Novo e Caniço), o mesmo acontecendo pontualmente na costa norte da Madeira, como na baía do Porto da Cruz, no calhau de S. Jorge e na praia do Porto Moniz. Como mirante romântico, ainda será de referir o forte do Faial (Fortes do Norte da Ilha), que, embora não tenha sido uma construção militar, veio a ser dotado de um largo conjunto de bocas-de-fogo de ferro inglesas, entretanto abandonadas nas praias do Funchal (Artilharia), que tradicionalmente salvam nas festas religiosas locais. A situação do Porto Santo foi mais complexa, dado o abandono a que a ilha foi votada pelos seus capitães-donatários e o isolamento a que sempre esteve sujeita, chegando a sofrer vários assédios corsários, alguns de graves consequências. Esta ilha não deixou, no entanto, de ter os seus fortes (Fortes do Porto Santo), mas estes não obstaram aos assédios sofridos. A definição da superintendência sobre a capitania arrastou-se ao longo do séc. XVIII, pelo que somente com a vigência do gabinete pombalino a situação foi ultrapassada e se pôde organizar a defesa e construir uma fortificação moderna. Se, ao longo do séc. XVIII, se assistiu ao aumento quase exponencial destas pequenas construções defensivas, o interesse militar da maior parte dessas construções, algumas muito precárias, decaiu francamente ao longo de todo o séc. XIX. Acresce que a importância do antigo património militar foi logo reconhecida por parte das câmaras municipais no início do liberalismo, como forma de ampliação das suas áreas de interesse, de expansão do tecido edificado e de reformulação das acessibilidades, sendo então muito do mesmo património militar edificado demolido na Ilha, o que igualmente aconteceu nos grandes centros urbanos continentais. Situação diferente voltou a ocorrer na Madeira com o advento da autonomia, mas já num quadro mais informado, sendo a arquitetura militar objeto de várias exposições, como a de 10 de junho de 1981 – ano em que o Dia de Portugal foi comemorado no Funchal –, exposição remontada em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1982, bem como no Porto e em Vila Viçosa. Foi depois solicitada a sua passagem à tutela da Região Autónoma da Madeira, com vista à instalação de instituições culturais e de apoio às atividades do turismo, nomeadamente os fortes do Ilhéu, de S. Tiago e do Pico, no Funchal, e o Amparo de S. João, no Machico (Arquitetura militar).   Rui Carita (atualizado a 07.12.2017)

Arquitetura História Militar Património

forte dos louros

Deve datar da primeira metade do séc. XVII a construção da pequena fortificação particular que o comerciante Diogo Fernandes Branco mandou levantar nas suas propriedades dos Louros e que o capitão Diogo Fernandes Branco, seu filho homónimo, ampliou ao longo da segunda metade do século. Para proteger o desembarcadouro particular das propriedades dos Louros, construiu-se uma pequena fortaleza retangular com uma esplanada capaz de cinco peças de artilharia ligeiras. A construção deve ter tido a direção do mestre das obras reais Bartolomeu João. Palavras-chave: fortes; arquitetura militar; comércio internacional; defesa.   Mateus Fernandes (c. 1520-1597), de acordo com apontamentos que deixou em Lisboa, ainda nos finais do séc. XVI realizara obras na foz da Ribeira Gonçalo Aires. As primeiras obras nesse local, que Mateus Fernandes refere terem sido feitas no governo do conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598), eram para “levante”, constando de uma série de trincheiras e traveses, nas quais se fazia “vigia todas as noites” e que “têm casa”. O mestre Mateus Fernandes pedia, então, que fossem reforçados, dada a força da ribeira no inverno, com “um espigão”, ou seja, um baluarte, rebocado a cal por dentro e por fora (ANTT, Antigo Regime, Arquivo da Casa da Coroa, Cartas Missivas, mç. 2, n.º 53). A opção tomada para o que que ficaria com o nome de forte dos Louros, cerca de 50 anos depois, foi no sentido da construção, na margem oposta, de uma nova estrutura muito mais elevada, composta por um baluarte quadrangular, rematado nos cunhais por elegantes guaritas e com casa da guarda e paiol para norte. A construção deve datar da primeira metade do séc. XVII e talvez tenha continuado ainda durante o período filipino na encosta que domina a pequena praia de desembarque, mandada levantar por Diogo Fernandes Branco (c. 1600-1652), pai, como uma pequena fortificação particular. Este comerciante e armador construiu um pequeno empório comercial ao longo da primeira metade do século, que o Cap. Diogo Fernandes Branco, seu filho homónimo, ampliou ao longo da segunda metade, com a montagem de armadas para comércio geral e, especificamente, de escravos, que circulavam entre as costas de África, os arquipélagos atlânticos e o Brasil (Pernambuco). Esta família tornou-se uma das mais poderosas casas comerciais da Madeira da segunda metade do séc. XVII. Para proteger o desembarcadouro particular nas suas propriedades dos Louros, cruzando fogos com a fortaleza de S. Tiago, construiu-se, então, uma pequena fortaleza retangular, com uma esplanada capaz de 5 peças de artilharia ligeiras, em que, por carta de 9 de dezembro de 1649, afirma, para um dos seus correspondentes, ter de gastar mais 2$000 cruzados, “além de 1$580 que nele estão gastos” (VIEIRA, 1996, 133-134). Com a construção da bateria da Alfândega (Reduto da Alfândega) e as medidas de controlo do contrabando determinadas por D. João IV, a família Fernandes Branco oficializou a situação da sua fortaleza, colocando-a sob as ordens do Rei, mas pedindo a sua capitania. O Rei, por portaria de 4 de setembro de 1647, concedeu a capitania do forte dos Louros a Diogo Fernandes Branco, pai, enquanto fosse vivo, e determinou que, por sua morte, nela sucederia o seu filho (ANTT, Chancelaria de D. João IV, Portarias do Reino, liv. 2, fl. 245). Não temos informações sobre a construção do forte dos Louros, por certo sob direção do então mestre das obras reais Bartolomeu João (c. 1590-1658), pois, embora muito simples como construção de defesa, possui as mais bonitas e elegantes guaritas que existem na Ilha. Perto dos finais do séc. XVII e falecido o Cap. Diogo Fernandes Branco sem herdeiros diretos, o controlo passou para o governador e a sua guarnição foi constituída com base em reservistas, assim sendo os seus artilheiros. Temos informações de artilheiros na situação de reserva, se assim se pode dizer, a transitarem dos fortes de primeira linha, como o do ilhéu, nos finais do séc. XVII a fortaleza mais importante, para o então denominado fortim dos Louros. Aconteceu assim, em 1690, com o velho tanoeiro Manuel Martins, que chegou depois a ser condestável do ilhéu, honorário, com certeza, pelo falecimento do seu irmão Simão Fernandes Forte, em 1698. A nomeação de 1690 de Manuel Martins para o fortim dos Louros especifica que havia servido mais de 20 anos na fortaleza de N.ª Sr.ª da Conceição do Ilhéu, pelo que se lhe dava mais uma pipa de vinho por ano. Atendia-se ainda ao facto de “se dar incapaz”, “já velho”, com “falta de vista” (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 966, fls. 139v. e 284). A capitania do forte dos Louros, no entanto, deve ter continuado na família, e a sua propriedade efetiva também, pois tanto os tenentes-coronéis Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), em 1817, como António Pedro de Azevedo (1812-1889), entre 1841 e 1860, nas suas “descrições”, quase não referem este forte. No final do séc. XIX, o procurador-geral da Fazenda pública do Funchal, António Leite Monteiro, no tombo deste forte, datado de 7 de outubro de 1892, cita a sua construção pelo morgado e capitão Nicolau Geraldo de Atouguia Freitas Barreto, “que o ofereceu para poder obter a patente de capitão da sua guarnição auxiliar” (ABM, Arquivos Particulares, Tombo Militar n.º 11, n.º 109), o que não é verdade, pois a construção é anterior. O Cap. Nicolau Geraldo de Freitas Barreto foi escudeiro e fidalgo da Casa Real, com mercê do hábito da Ordem de Cristo, e foi capitão do forte de N.ª Sr.ª da Encarnação dos Louros, por nomeação de 28 de maio de 1715, tendo tido armas concedidas em 1731, registadas na Câmara do Funchal (VERÍSSIMO, 1992, 152), que mandou pintar nas suas casas à rua do Esmeraldo, palacete onde se encontra instalado o Tribunal de Contas do Funchal (Arquitetura Senhorial). Nos inícios do séc. XVIII, segundo o Livro de Carga da Fortificação, era condestável deste forte António de Freitas, que recebeu, em 1724, cinco peças de artilharia de ferro montadas, de pequeno calibre, uma teria até oito libras, e alguns apetrechos de artilharia. Em 1729, era condestável do forte Bernardo de Sousa e, em 1730, Paulo Pereira de Lordelo. No final do século, o Gov. Diogo Pereira de Forjaz Coutinho, reconhecendo o pouco valor militar do forte dos Louros, pretendeu ali instalar uma fábrica de seda, mas a ideia não passou da documentação oficial. No entanto, todos os documentos seguintes são unânimes na necessidade da sua alienação, a tal ponto que Paulo Dias de Almeida já não o refere na sua descrição de 1817. No já citado Tombo Militar, onde o forte dos Louros tem o n.º 109, não consta a descrição de 1862, quando foi levantado pelo Ten.-Cor. António Pedro de Azevedo, que desenhou o forte e a área envolvente; e, em 1892, o forte é descrito como “insignificante”, situado a 1 km da cidade, para leste, junto à estrada geral de Santa Cruz e Machico. Encontrava-se levantado sobre a escarpa da ribeira de Gonçalo Aires, a 61 m de altura sobre o nível do mar e o Lazareto do Funchal. Havia então duas casas à carga do forte: uma dentro, com quatro quartos ladrilhados, um assoalhado e uma cozinha; outra fora, encostada ao muro do forte, mas totalmente em ruínas, e de que nada restou. São interessantes as confrontações do forte: pelo norte, com terras das freiras de S.ta Clara, “benfeitorizadas” por M.ª Rosa e Manuel de Gouveia; pelo sul, com a rocha sobranceira ao Lazareto; a leste e oeste, outra vez com terras das freiras de S.ta Clara. Saliente-se que os conventos haviam sido extintos em 1834; no entanto, as propriedades em causa não eram do convento, mas das freiras de S.ta Clara. António Leite Monteiro refere, em nota à descrição do tombo, que o forte dos Louros não tinha qualquer valor como defesa militar e, em face da sua má situação, já tinha sido proposta a sua venda, de que se poderia obter 200$000 réis, calculados pelo aluguer que a casa poderia alcançar. A sua alta localização não permitia bater-lhe o mar, o que aumentava o seu valor comercial e, dado que se encontrava dominado por toda a parte, quer de oriente, ocidente, ou norte, o seu valor militar era quase nulo, pelo que o melhor era vendê-lo. Por outro lado, com a situação do Lazareto na sua parte baixa, se se quisesse mantê-lo “naquela mal escolhida localidade”, teria o governo de despender algum dinheiro com o forte, pois não poderia, para o policiamento interno do Lazareto, deixar-se de incluir nele o mesmo forte. Haveria, então, que se estudar a localização da estrada para Santa Cruz e Machico, que teria de passar acima do forte e assim construir-se a nova ponte. A estrada passou efetivamente para cima da escarpa e o Lazareto fechou-se com um portão de ferro ao largo, encimado com as armas reais, hoje no jardim da Q.ta das Cruzes. Mas o forte acabou por ser entregue pelo Exército ao Ministério das Finanças, embora com inquilinos descendentes do antigo guarda-fiscal Henrique Marcelino de Nóbrega, de família ali residente há quase 100 anos e que somente dali saiu em 2014. O tombo seguinte, com o n.º 110, corresponde à “Casa da guarda da foz da ribeira de Gonçalo Aires” e é assinado por António Pedro de Azevedo, a 17 de setembro de 1862, data em que procedeu ao levantamento da área. A casa é descrita como ocupando uma superfície de 29 ca, com 7 x 4 m, tendo porta e janelas com grades. António Pedro de Azevedo cita que foi “primitivamente destinada a alojar a guarda noturna encarregada de vigiar o contrabando neste porto”. Acrescenta que confrontava em todos os lados com terrenos do Lazareto do Funchal e o seu valor seria de 1000 réis, em virtude de a sua proximidade com o mar tornar insegura a sua situação. Em 1892, António Leite Monteiro reitera que o prédio “devia ser vendido”, parecendo que a venda se processou a 31 de janeiro de 1896, mas parte do documento encontra-se ilegível (ABM, Arquivos Particulares, Tombo Militar n.º 11, n.º 110). A localização alcantilada do forte dos Louros inspirou inúmeros artistas, desde Andrew Picken (1815-1845), Funchal from the East, em 1840 e 1842, a William Gore Ouseley (1766-1866), por volta de 1850, Isabella de França (1795-1880), em 1853, etc., assim como o lazareto depois instalado no porto, por debaixo do forte, e onde era a antiga casa da guarda da foz da ribeira, que foi utilizado também como prisão militar, v.g., dos monárquicos da Revolta de Monsanto, em 1918, e dos elementos envolvidos na Revolta da Madeira, em 1931. Vista do Funchal com Forte dos Louros. Andrew Picken. 1840.   Imagens Arquivo Rui Carita. Rui Carita (atualizado a 07.12.2017)

Arquitetura História Militar Património