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igrejas e capelas erguidas pela força da fé

A Ordem de Cristo com o Infante D. Henrique como Grão Mestre teve um papel fundamental na expansão portuguesa. Um dos territórios descobertos por nobres pertencentes à casa do Infante foi o arquipélago da Madeira, que viria a tornar-se uma posse da Ordem de Cristo até D. Manuel se ter tornado rei de Portugal, em 1495. Mas a relação de grande proximidade à Igreja Católica Romana manteve-se ao longo dos séculos, cristalizando-se na paisagem através das igrejas e capelas, algumas das quais de cariz particular. Igreja Nova do Jardim da Serra A nova Igreja do Jardim da Serra, desenhada por Cunha Paredes, arquitecto português de origem madeirense, e inaugurada em 2009 tem invocação a São Tiago e constitui-se como símbolo da forte religiosidade católica da população e da melhoria das condições económicas que caracterizou nas últimas décadas a ilha da Madeira. A comparação das suas características e dimensão com as da anterior sede paroquial, situada bem próxima desta, é elucidativa. Capela da Mãe de Deus - Caniço A Capela da Mãe de Deus ou Madre de Deus, de traça manuelina, foi construída em 1536 e é um dos mais antigos templos marianos na Madeira. Integra-se num pequeno núcleo de construção mais antiga que se confronta com a construção mais recente que o rodeia, constituído por uma mercearia, e duas habitações particulares, que mantêm as características originais. Nas casas é possível observar a distinção das cores, o vermelho e o ocre, resultantes do facto de estes serem os únicos pigmentos disponíveis, mas também do facto de as cores carregarem o símbolo de classe ou de status social. O vermelho estava reservado para as casas senhoriais e mais abastadas. Observe-se ainda o banco em pedra, espaço de socialização e de lazer. Capela de São José - Largo da Achada, Camacha Foi mandada erigir por Alfredo Ferreira Nóbrega Júnior em 1924 e concluída em 1928, que pretendeu desde o início criar um espaço educativo de cariz religioso. Possui um altar-mor rico em ornamentação e bem conservado bem como uma obra de Martin Canan. O livro “Ao Redor de um Ideal”, de Eutíquio Fusciano, publicado com a chancela da Câmara Municipal de Santa Cruz, é um dos documentos que podem ser consultados. Igreja Paroquial da Camacha A construção deste imóvel dedicado ao culto católico data do século XVII. Trata-se de uma estrutura arquitectónica com planta longitudinal de nave única e capela-mor. Completam o conjunto uma torre sineira e duas capelas laterais. Como elemento decorativo destaca-se a tela do retábulo da capela-mor, ali colocado no ano de 1914 e com provável autoria dos Irmãos Bernes. Aquando da sua recuperação descobriu-se que a mesma tapava outra tela, a original, provavelmente da autoria de Nicolau Ferreira Igreja Paroquial da Achada de Gaula Uma das duas paróquias da freguesia de Gaula, denominada Achada de Gaula, encontra sede nesta igreja construída já no século XX. Tem por padroeira a Nossa Senhora da Graça. Das festividades que aqui ocorrem destaque-se a festa em honra da sua padroeira, realizada no primeiro fim-de-semana depois de 15 de Agosto. Em Janeiro realiza-se, desde há relativamente pouco tempo, a Festa de Santo Antão, padroeiro dos animais. Igreja de Santa Beatriz - Água de Pena Construída no ano de 1745, no local onde antes existia a Capela de Santa Beatriz, e a partir de onde segundo as crónicas, cresceu a freguesia. Foi mandada construir por Lançarote Teixeira, que lhe deu o nome da Santa Beatriz, por ser o mesmo de sua esposa. A fachada principal ostenta a cantaria regional, de basalto, e no cimo da mesma uma Cruz de Cristo. No último Domingo de Julho realiza-se uma festa popular em honra de Santa Beatriz e que tem nesta Igreja o seu epicentro. Igreja Paroquial do Porto da Cruz Sendo de construção recente (1958), a Igreja matriz alberga no seu interior alguns pormenores muito interessantes no que respeita ao património imaterial e móvel. No interior, observa-se um moderno lambril de azulejos padronados do prestigiado artista Querubim Lapa. O templo guarda ainda alguns elementos decorativos barrocos provenientes da antiga igreja de Nossa Senhora de Guadalupe. Uma Nossa Senhora de Guadalupe (séc. XVI ou XVII, em madeira policromada) e um Santo António (em terracota). Os quadros da Via-sacra são de autoria de João Gomes Lemos, de pseudónimo "Melos", médico natural da freguesia. É uma obra do Arquitecto Raul Chorão Ramalho.   textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho

História da Arte Religiões Rotas Madeira Cultural

a paixão do povo e a páscoa porta a porta

Durante o recato que caracteriza a época pascal existe espaço para as brincadeiras infantis e juvenis. Mas estes jogos são usados por todos, desempenhando talvez a função de distracção num período usado pelos Cristãos para a reflexão. Talvez se possa encontrar nesta prática semelhanças com práticas contemporâneas visíveis noutras latitudes, onde o desporto e o lazer surgem como uma forma de alterar as rotinas concentradas num determinado período. Lembramos a este propósito o que ocorre em Inglaterra com o designado Boxing Day. Jogos Tradicionais Esta é umas das recriações da tradição realizada pela Casa do Povo da Camacha, que se realiza na altura da Quaresma. Neste período, nesta vila serrana da Madeira não se ouviam tocar os instrumentos musicais, como noutras épocas do ano. O recato em respeito pelo sofrimento do Salvador era regra, pelo que nos dias de descanso o tempo era ocupado com diversos jogos, casos do “jogo do pião”, jogo do batoque (consiste derrubar uma rolha de cortiça colocada no chão, atirando moedas) ou o jogo do burro (placa no chão numerada à qual os participantes atiram rodelas de borracha, ganhando quem atingir maior numero de pontos) ou o “jogo das pedrinhas” e “saltar à corda”. Outros jogos populares são as escondidas, a bilhardeira ou o Jogo do lenço. Os Acólitos e o Espírito Santo Já no elucidário faz-se referência às comissões que constituídas com a coordenação do pároco para levar a efeito a celebração do Espírito Santo. Ainda segundo o Elucidário Madeirense, esta comissão é reconhecida “pelas capas encarnadas dos seus membros, um dos quais leva a coroa, outro o ceptro, outro a bandeira e um quarto o pendão”. Na Camacha tal comissão está a cargo do Grupo de Acólito da Paróquia da Camacha, que se fazem acompanhar por saloias e instrumentistas. Na Camacha as visitas ocorrem durante três dias, em que o ponto mais alto ocorre no Domingo com as visitas aos estabelecimentos comerciais, seguindo-se o cortejo do pão, realizado em benefício dos mais necessitados da freguesia. Banda Paroquial de São Lourenço. Fonte: www.paroquiadacamacha.com Banda Paroquial de São Lourenço Tem realizado um concerto, por altura das Páscoa. Fundada em 1973, pelo pároco António Joaquim Figueira Pestana Martinho. Ao seu lado esteve o primeiro ensaiador e maestro, o professor Raul Gomes Serrão, seguido pelo maestro José da Costa Miranda. Por ter sido fundada sob a égide da Fábrica da Igreja Paroquial da Camacha a banda recebeu o nome do padroeiro da freguesia (São Lourenço). Registe ainda o facto de ter sido das primeiras bandas em solo português a adoptar elementos do sexo feminino na sua formação. O estandarte ostenta as cores vermelhas (o sangue derramado por São Lourenço) e o branco (evocativo da sua santidade) e no centro a lira musical bordada a ouro, ladeada pela grelha e pela palma. Senhor dos Passos e procissão do Enterro do Senhor Este é o centro das cerimónias religiosas dedicadas à Páscoa. As cerimónias começam na Quinta-feira com o acto do Lava-Pés. Na Sexta, realiza-se a Procissão do Enterro do Senhor, que percorre o Largo da Achada, no centro da freguesia, procissão recuperada pelo actual pároco depois de uma interrupção de quarenta anos. No Sábado realiza-se a Vigília Pascal “com a bênção do círio Pascal e do lume novo”. Finalmente, no Domingo, é tempo dos cristãos celebrarem Cristo Ressuscitado, realizando a eucaristia pela manhã, seguida da Procissão, novamente em redor da Achada. Gastronomia típica da Páscoa A gastronomia da Páscoa na Madeira apresenta características comuns a todas as freguesias. Entre os pratos tidos como mais representativos desta época conta-se o bacalhau assado, o filete de espada e de atum e o atum de escabeche, acompanhado de salada, inhame, feijão e batatas. No Domingo de Páscoa volta-se a comer carne, sendo um dos pratos o borrego assado. Na doçaria, comprovando a riqueza da doçaria madeirense, relacionado com a outrora dinâmica açucareira na ilha, de que damos alguns exemplos como os torrões de açucar, bolos e doces de amêndoas. Da terra o Homem retira o tremoço, apreciado ao longo do ano a acompanhar uma cerveja ou um copo de “vinho seco”, mas muito associado a esta época.     textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho  

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares Religiões Rotas

natal

Na Madeira, o Natal é a quadra do ano mais festejada pela grande maioria da população. É a principal festa da tradição madeirense e é celebrada desde o início do povoamento. Na verdade, os povoadores portugueses, vindos de várias zonas do país, transportaram consigo as tradições e costumes das suas terras. Estes povoadores, junto com outras gentes, que afluíram à Ilha, de nacionalidades e origens diferentes, contribuíram para a formação da cultura e da sociedade madeirense. O modo de viver da população resultou, assim, de um processo de assimilação e de fusão de vários usos e costumes, embora tivessem predominado as raízes culturais e as crenças cristãs dos antepassados lusos. Também a celebração e a vivência do Natal foi herdada dos povoadores portugueses, à qual o povo madeirense associou um rico folclore cristão e elementos profanos. Segundo a liturgia da Igreja, o Natal não traduz apenas o nascimento de Jesus, estabelecido na data de 25 de dezembro, no séc. IV, pelo Papa Júlio I. O Natal constitui um ciclo que vai de 27 de novembro a 17 de fevereiro e compreende o conjunto das celebrações mais significativas, referentes à longa expetativa do mundo antigo pela vinda do Messias e também da sua infância. Assim, esta longa expetativa foi fixada pela Igreja no chamado tempo do Advento, que abrange as quatro semanas anteriores ao dia 25 de dezembro (28 dias), ou seja, desde os últimos 4 dias de novembro aos primeiros 24 dias de dezembro. O Advento como esperança do povo judeu pela vinda do Messias desapareceu da memória do povo, sendo substituído, na liturgia popular, por outro Advento, que começa a 16 de dezembro e termina a 24 desse mês. Durante esse tempo, celebram-se nas paróquias da Madeira nove missas em honra da Virgem Maria, denominadas popularmente de Missas do Parto. Nas manifestações litúrgicas em que a Igreja recorda a infância de Jesus, incluem-se a circuncisão, a 1 de janeiro; a epifania, a 6 de janeiro; e a fuga para o Egito, a 17 de fevereiro. Destas comemorações da Igreja, apenas transitaram para a liturgia popular as celebrações natalícias do tempo do Advento, de 16 a 24 de dezembro, e a festa dos Reis Magos, a 6 de janeiro. Na etnografia madeirense, o ciclo do Natal é popularmente conhecido e designado por Festa. É a Festa por excelência, que só termina no dia de Reis, ou, em algumas localidades da Ilha, no dia de S.to Amaro, depois de desmontados os presépios tradicionais e demais decorações da época. Os festejos natalícios no arquipélago não se limitam ao dia do nascimento do Menino Jesus e começam a ser preparados com grande antecedência. Os madeirenses preparam-se espiritualmente, cumprem a liturgia da Igreja, exteriorizando a sua fé nas cerimónias sagradas, mas também conjugam as práticas religiosas com as manifestações profanas, interligando-as de forma natural e espontânea. Os preparativos para a maior efeméride do calendário festivo islenho dividem-se em várias fases e envolvem todo o núcleo familiar. Estes momentos de preparação consistem em arranjar a casa, tratar da confeção de diversas iguarias, doces e licores típicos da época, matar o porco, armar o presépio, comprar presentes e organizar convívios familiares ou sociais. Noutros tempos, a Festa era aguardada com muito entusiamo, especialmente pelas classes mais desfavorecidas, que, apesar dos seus parcos recursos económicos e financeiros, conseguiam ter no Natal uma mesa farta, novas peças de vestuário, calçado e brinquedos para as crianças. A Festa era preparada ao longo de todo o ano: guardava-se dinheiro no mealheiro a fim de comprar algo melhor para a quadra natalícia, destinavam-se os melhores produtos, sobretudo no meio rural, para o Natal; reservava-se o trigo necessário para amassar o pão no Natal, guardava-se um quarto do melhor vinho para os brindes daqueles dias; engordava-se o porco para matar nessa altura e escolhia-se os maiores galos e galinhas. As crianças ansiavam pela Festa, por toda a envolvência da época, desde a armação do presépio aos doces e iguarias típicas, à expetativa das prendas, das roupas, dos sapatos e dos brinquedos novos, às férias escolares e aos convívios com familiares e amigos. Os adultos também esperavam o Natal de um modo especial, pois tinham um período de descanso mais prolongado, ao qual associavam os convívios e as festas litúrgicas nos templos. As festividades natalícias na Madeira foram-se adaptando às transformações sociais, económicas e religiosas que ocorreram na Ilha. No início do séc. XXI, com o aumento do poder de compra, a melhoria das condições de vida e consequentes alterações dos hábitos de consumo, algumas tradições natalícias foram gradualmente cedendo lugar a outras e muitas caíram em desuso. Os madeirenses já não esperam um ano para comer carne de porco, galinha ou outras carnes, ou para confecionar e comer os doces tradicionais, porque tudo se encontra à venda nos estabelecimentos comerciais. Por sua vez, o termo “Festa”, também comum no Minho, foi gradualmente a ser substituído pela palavra “Natal”, embora ainda prevaleça no espaço insular, sobretudo nos meios rurais e entre os mais idosos. No entanto, apesar das diferentes transformações ocorridas na sociedade, o Natal na Madeira é a quadra do ano mais celebrada pela população, quer a nível social e cultural, quer a nível religioso, mantendo muitas das suas tradições.   Os preparativos para o Natal As Missas do Parto Os festejos do Natal madeirense iniciam-se com as novenas do Menino Jesus, designadas localmente de Missas do Parto e realizadas em quase todas as paróquias do arquipélago, uma tradição introduzida pelos padres franciscanos aquando da sua ação pastoral nos primórdios do povoamento das ilhas. Este tempo de preparação é também uma devoção mariana, que comemora os nove meses de gravidez da Virgem Maria ou N.ª Sr.ª do Ó, popularmente designada Virgem do Parto. A 17 de dezembro, a Igreja celebra a festa de N.ª Sr.ª do Ó, que passou a ser assim denominada pelo povo por se proferirem nas chamadas vésperas do Ofício Divino, de 17 a 24 de dezembro, sete antífonas que começam pela interjeição exclamativa “Ó”, como suspiro pela vinda do Salvador do mundo: “O Sapientia, quae ex ore Altissimi prodisti”, “O Adonai et Dux domus Israel”, “O Radix Jesse, qui stas in signum populorum”, “O Clavis David”, “O Oriens, splendor lucis aeternae”, “O Rex gentium”, “O Emmanuel, Rex et Legifer noster”. De acordo com o folclorista Eduardo Antonino Pestana (1891-1963), o povo madeirense interpretou que tal período celebrava também a gravidez da Virgem Maria, sugerindo que o formato da letra “o” lembra os últimos tempos da gravidez da mulher. O antigo culto do Menino foi transferido para sua Mãe, passando a chamar-se Missas do Parto às novenas do Menino Jesus ou novenas do Natal. Assim, desde a véspera da festa da Senhora do Ó (16 de dezembro) até a véspera do Natal (24 de dezembro), celebram-se nove missas em honra da Virgem, sendo que cada missa corresponde a um mês de gravidez e simbolizam o parto divino que Nossa Senhora terá. As Missas do Parto eram celebradas de madrugada, entre as 05.00 h e as 07.00 h, sobretudo nas igrejas das zonas rurais, por ser uma hora conveniente para os lavradores, que começavam a trabalhar antes do nascer do sol. No início do séc. XXI, após um período de crescente desmobilização, foi recuperada a tradição de celebrar a missa na alvorada, pelas 06.00 h, correspondendo ao simbolismo de que o Menino Jesus é a luz que nasce para o mundo inteiro. Apesar da hora matutina, estas têm muita participação. A ida para a igreja era muito animada nas diferentes localidades, em grupos formados por familiares, amigos e vizinhos, sobretudo quando a utilização do automóvel não era frequente. Os fiéis seguiam juntos, a cantar, ao som de diversos instrumentos musicais, entre os quais, gaitas, flautas, rabecas, machetes, pandeiros e castanholas, proporcionando-se momentos de grande folia e convívio. Por vezes, também ressoam bombas e foguetes, que começavam nas Missas do Parto e só terminavam quando findava a quadra festiva, depois do Ano Novo. As igrejas enchem-se de pessoas que, durante a celebração religiosa, vão entoando cânticos próprios. O repertório de músicas e cantigas desta tradição é muito vasto, remontando alguns desses versos aos tempos do povoamento. Terminada a missa, a comunidade reúne-se nos adros das igrejas, prolongando a celebração religiosa numa dimensão de carácter pagão e lúdico, o que sublinha a ligação entre o religioso e o profano, com um convívio onde não faltam bebidas quentes, licores, broas e outros doces e petiscos tradicionais desta quadra. A música anima também os presentes, quer com os cantares de cariz popular, ao som de instrumentos regionais, quer ainda, em alguns locais, com a presença de bandas de música ou filarmónicas. Fig. 1 Ritual da matança do porco: ChamuscarFoto: acervo e autoria de M. Nicolau A matança do porco Outra tradição da Festa é a matança do porco (também conhecida na Ilha como a função do porco), essencial para os pratos típicos do Natal. Esta função acontece normalmente entre 8 de dezembro e o início das Missas do Parto, sobretudo no meio rural. No dia marcado para a matança do porco, reúnem-se familiares e amigos para assistir ao sacrifício do animal, que foi engordado nos meses anteriores. A ocasião proporciona momentos de convívio, com partilha de petiscos e bebidas. O ritual da matança é realizado por vários homens: uns tiram o porco do chiqueiro, amarram-no, deitam-no no chão e seguram-no com força para outro homem, denominado “marchante”, desferir o golpe certeiro, com rapidez. O sangue do porco é aparado para um alguidar, porque vai servir de petisco, depois de cozido e temperado com alho, pimenta e salsa, e misturado com cebola picada. O animal é lavado, pendurado e cortado com um serrote para se lhe limpar as vísceras, sendo-lhe retirados os intestinos, o pâncreas, o fígado e outros órgãos. O dia seguinte à morte do porco é reservado para cortar (ou “picar” como é popularmente designada esta operação) e desmanchar o suíno, que é cortado em diversas porções. As salgadeiras foram preparadas para receber a carne e a gordura, que servirá para conservá-la, a fim de poder ser consumida nos meses seguintes. Todas as partes do animal são aproveitadas: a febra destina-se ao consumo durante a quadra natalícia; a barriga é utilizada na confeção da tradicional carne de vinho e alhos; com uma parte da carne gorda fazem-se torresmos e a outra parte é para fazer banha, utilizada para fins culinários durante o ano. O debulho (intestino) é escaldado e salgado para ser comido em sopas; a cabeça é salgada e fumada, para ser consumida mais tarde, com couves e semilhas. Reserva-se ainda uma parte da carne para outras épocas do ano, sendo esta salgada. Também era hábito reservar uma boa porção para oferecer aos vizinhos, amigos e familiares que não podiam matar ou ainda não o tinham feito e que, por sua vez, retribuíam com a carne do seu porco. Oferecia-se ainda uma peça da melhor carne ao padre da paróquia e a alguma figura ilustre, como o médico da localidade. Nesse dia também havia convívios de amigos, onde não faltavam vinhos, doces, torresmos, carne de porco assado na panela e pão, entre músicas e cantigas, muitas vezes até altas horas da noite. Dado que a alimentação das classes mais desfavorecidas consistia praticamente no consumo dos produtos da terra, principalmente o inhame, e da fruta que não estava em condições de ser vendida no mercado, o ritual da matança do porco, criado em casa, era um dos momentos altos da época natalícia. Os arranjos da casa Nesta quadra, é costume efetuarem-se grandes limpezas nos lares da Ilha, preparando a habitação para receber as visitas durante os dias da Festa. Outrora, as tradicionais limpezas nas residências consistiam em pintar as paredes, as portas e as janelas, lavar as vidraças, os pavimentos e a louça guardada nos armários. Todos os cantos das casas eram limpos, incluindo a mobília. No mês de novembro, aproveitava-se o chamado verão de S. Martinho para lavar e passar a ferro as colchas, as toalhas e as rendas que estavam guardadas, para serem usadas na Festa. Depois de feitas as limpezas, arrumações e eventuais reformas nas residências, começava a azáfama da confeção dos licores e doces, das compras e das decorações natalícias, com flores naturais e artificiais e outros objetos típicos da quadra. As mulheres juntavam-se ao redor de um alguidar para amassar grandes quantidades dos típicos bolos de mel, broas de mel, broas de coco, rosquilhas e outras variedades de doces. Os bolos de mel e as broas eram cozidos no forno a lenha, sendo também frequente usarem-se os fornos das padarias, sendo a data previamente marcada no estabelecimento; ali se reuniam várias mulheres para cozerem as respetivas amassaduras, em alegres convívios, enquanto aguardavam pela sua fornada. Nas vésperas do Natal, faziam-se os licores caseiros de vários sabores, sendo os mais apreciados os licores de tangerina, de anis, de caramelo e o tim-tam-tum. Fig 2. Pão caseiro cozido em forno a lenhaFoto: acervo e autoria de M. Nicolau. MACHICO - 1985 Na véspera da Festa, amassava-se e cozia-se o pão. O trigo, lançado à terra em fins de janeiro, depois de ceifado, fora reservado numa caixa para ser moído e amassado naqueles dias festivos. No início do mês de dezembro, era moído, para fabricar o pão caseiro e os brindeiros (pão mais pequeno feito com o resto da massa) para as crianças. A 24 de dezembro, antes do raiar da aurora, a mulher do lavrador levantava-se para amassar e cozer o pão no forno a lenha. O cheiro a pão espalhava-se pela casa, enquanto os filhos iam acordando e chegavam à cozinha à espera para comer o pão fresco. Nestes dias festivos, nas cidades, sobretudo no Funchal, as ruas ficam mais movimentadas, enchem-se de cor e de luz, e o comércio ganha uma nova dinâmica. As transações comerciais aumentam consideravelmente, desde as compras de presentes para oferecer no Natal à aquisição de produtos alimentares, nomeadamente os ingredientes necessários para a confeção do bolo de mel, das broas e de outros doces; os condimentos para temperar a carne de vinho e alhos; as cebolinhas e outras verduras para fazer as conservas em vinagre; o cacau; o queijo; as azeitonas e outras iguarias; sem esquecer as bebidas espirituosas, entre as quais, a aguardente, a genebra e o vinho. Adquirem-se hortaliças frescas e frutas, onde não faltam as laranjas, as tangerinas, as peras, os peros, as maçãs, as goiabas e o ananás. Compram-se ainda as verduras, para as decorações do presépio e outros ornamentos natalícios, os galhos verdes e as flores, entre os quais, o alegra campo (Semele androgyna), o azevinho (Ilex aquifolium), a cabrinha (Davallia canariensis), os pinheirinhos, os galhos de musgo, os sapatinhos (Paphiopedilum insigne) e os junquilhos (Freesia x hybrida).   O presépio (lapinha) e outras ornamentações natalícias A tradição de armar o presépio chegou à Madeira através dos colonos e povoadores oriundos de Portugal continental, entre os quais os franciscanos, que foram os primeiros a exercer atividades pastorais e funções eclesiásticas na Ilha, influenciando a vida religiosa local. Fig 3. Lapinha tradicional (escadinha)Foto: coleção particular da autora O primeiro presépio ao vivo terá sido representado por S. Francisco de Assis, em 1223, em Greccio, no Vale de Rieti, em Itália, para melhor explicar aos camponeses a história do nascimento do Menino Jesus. S. Francisco de Assis reuniu frades e habitantes locais, em torno da imagem do Menino, reclinado na manjedoura, dentro de uma gruta, interpretando o nascimento do Cristo Salvador. Os Franciscanos levaram esta ideia de representação do Nascimento por todo o mundo, criando figuras em barro e outros materiais. Este tipo de figuração começou então a chamar-se presépio, termo que deriva do termo latino “praesepium” e significa manjedoura, curral ou estábulo, ou seja, um lugar onde se recolhe o gado. O culto do Menino Jesus e a liturgia do presépio generalizou-se nas tradições da Igreja e também pelas casas reais e da nobreza, dando origem a presépios públicos, em igrejas e nas casas de família, com imagens de madeira, barro ou plástico, em tamanhos diversos e segundo o gosto e as posses da comunidade eclesial ou familiar. No arquipélago madeirense, o presépio é também chamado lapinha. De acordo com os autores do Elucidário Madeirense, o termo “lapinha” deverá ser o diminutivo de “lapa”, que significa gruta ou furna, assemelhando-se ao local de nascimento do Menino Jesus (SILVA e MENESES, 1998, II, 219). A lapinha tradicional pode ser representada de duas formas características, denominadas, no meio insular, de escadinha e de rochinha. Fig 4. Lapinha tradicional (escadinha)Foto: acervo e autoria de M. Nicolau Na variante de escadinha, a lapinha é armada sobre uma mesa ou cómoda. O móvel é coberto com uma colcha vermelha e, sobre esta, é colocada uma toalha de linho branco, em renda ou bordada. No centro do móvel, sobre a toalha, fica a escadinha de três degraus, em forma de pirâmide, com poucos centímetros de altura, forrada a papel de fantasia de cor branca. Os degraus são ornamentados com vários adereços. No topo da escada surge a figura do Menino Jesus, de pé, de coroa na cabeça, ostentando um rico vestido branco com o típico bordado Madeira, com a escultura emoldurada por um arco de flores de papel. Em cada lado da imagem ficam colocadas duas jarras com flores, geralmente junquilhos ou sapatinhos. Nos outros degraus da escada e em torno desta, ficam dispostos alguns elementos figurativos, denominados pastores, alternados com fruta da época (laranjas, tangerinas, peros, anonas, castanhas ainda nos ouriços, e outros frutos). A lapinha é também enfeitada com verduras, designadas popularmente de ensaião (Ænium arboreum), cabrinhas e searinhas. O ensaião e as cabrinhas são colhidos nas serras madeirenses; a primeira planta, de folhas carnudas, vive agarrada às paredes rochosas mais expostas ao sol, e as cabrinhas são fetos que nascem nas fendas dos muros rochosos. Já as searinhas são obtidas colocando de molho gramíneas ou leguminosas (trigo, lentilha, tremoço ou alpista), que grelam; as searas são colocadas de molho aquando da primeira Missa do Parto e, quando começam a germinar, são plantadas em vasinhos, em pires ou outros recipientes, com uma pequena porção de terra. Por este processo obtém-se as típicas searinhas de folhas verdes que adornam a lapinha madeirense. Para complementar a ornamentação da lapinha, é colocado um brindeiro e uma lamparina de azeite. A parede também é enfeitada, com ramos verdes de alegra-campo, dispostos em arco, que envolvem todo o conjunto. Fig 5. Presépio-rochinha (pormenor da gruta)Foto: acervo e autoria de M. Nicolau. MONTE - FUNCHAL - 16-12-2004 A rochinha, a outra variante da lapinha ou presépio, pode ter várias dimensões, dependendo do espaço disponível e da criatividade de cada um. Pode ser armada em cima de uma mesa ou de outro móvel, ou ocupar uma divisão inteira, ou um canto da habitação. A rochinha é feita com papel pardo, pintado com viochene, para lhe dar uma cor acastanhada, sobre o qual são aplicados pós de mica para lhe dar cores e brilhos. O papel pintado é moldado de modo a imitar montanhas, vales, socalcos, encostas e ribeiras, onde não pode faltar uma gruta, tendo por suporte caixas, caixotes e estrados de madeira. Outrora, eram muito utilizadas socas de canavieira para moldar o papel das rochinhas mais pequenas, que se colocavam sobre mesas, arcas ou cómodas. Armada a rochinha, colocam-se as figuras de presépio, que representam cenas do nascimento. Os elementos originais do presépio incluem as figuras do Menino Jesus deitado na manjedoura, de Maria, de José e do anjo que anunciou o acontecimento. A estes juntaram-se as figuras da vaca e do burro, dos três reis magos que chegaram a Belém levando presentes, e a estrela que os guiou até à gruta. Este conjunto constitui o presépio clássico. Nos presépios-rochinha mais elaborados, é recriada a paisagem da Ilha, surgindo figuras feitas em barro que recebem o nome coletivo de pastores nas suas lides quotidianas ou em ambiente festivo, os camponeses com os seus rebanhos, e outros animais; representações do arraial madeirense, com os mastros, as bandeiras e a banda de música à volta do coreto, as espetadas, o fabrico do pão de casa, a matança do porco e outras tradições madeirenses. Aparecem casas e igrejas distribuídas pelas encostas, e há quem construa pontes, caminhos, fontes, poços, ribeiras, com algodão a invocar o curso da água e lagos com patos de plástico, entre outros elementos. A rochinha é também enfeitada com verduras e flores (alegra-campo, azevinho, ensaião, sapatinhos, junquilhos, cabrinhas e searinhas) e com frutos da época. Quer seja elaborada com simplicidade ou maior complexidade, a originalidade da lapinha madeirense traduz a alma de um povo crente, que tenta representar os seus costumes, o seu quotidiano, o seu meio envolvente e a sua vivência social e religiosa, não se limitando a apresentar um simples presépio clássico. Inicialmente, a lapinha era armada nas vésperas do dia de Natal; mais tarde, contudo, os presépios tradicionais madeirenses começam a ser construídos com mais antecedência, normalmente no dia de N.ª Sr.ª da Conceição, a 8 de dezembro, ou no dia da primeira Missa do Parto. Além do presépio, os madeirenses enfeitam as suas casas com verduras, flores e ramagens, onde não falta o pinheirinho de Natal, ornamentado com luzes ou gambiarras, bolas, sinos, anjos, bonecos e outros adereços, embora este hábito seja um costume posterior, que teve origem nos turistas e forasteiros que aportaram na Ilha, levando novos hábitos e enriquecendo os costumes seculares locais. Julga-se que a primeira árvore de Natal da Madeira tenha sido feita por membros da comitiva da arquiduquesa Carlota da Bélgica, mulher do Imperador Maximiliano do México, que visitou a Ilha em 1859-1860. Um pouco por toda a casa, enfeitam-se as jarras e fazem-se arranjos com os aromáticos junquilhos, que deixam no ar um cheiro adocicado, muito característico, com os tradicionais sapatinhos, que também podem ser deixados nos vasos, ou ainda com ramos de perinhos (Pyracantha angustifolia), um arbusto com frutos de cor alaranjada, e galhos de azevinho, de cor verde-escura em contraste com as bagas vermelhas, que conferem às casas um aroma característico da quadra. Posteriormente, muitos madeirenses foram incluindo nas suas decorações natalícias plantas como os safaris, as próteas e as manhãs-de-Páscoa.   O Natal na cidade Na quadra mais aguardada do ano, os espaços públicos de todos os municípios da Região são arranjados para o Natal, enchendo-se de luz, cor e elementos decorativos, que incluem presépios de grandes dimensões e outras representações religiosas e pagãs. O Funchal apresenta diversos ornamentos e iluminações em quase todas as artérias, que embelezam a cidade. No mês de novembro, ou até antes, os estabelecimentos comerciais começam a expor os produtos próprios da estação. O ambiente festivo da quadra natalícia atrai mais gente à cidade cosmopolita, e as ruas ganham uma nova dinâmica, com diversos polos de atração na urbe. Turistas idos de barco ou de avião, nativos da Ilha, visitantes e residentes circulam pela cidade apreciando as decorações da época. As iluminações percorrem as principais artérias da cidade e são ligadas, habitualmente, a 8 de dezembro, permanecendo até 6 de janeiro. Fig 6. Pormenor de um presépio com as figuras dos três Reis MagosFoto: acervo e autoria de M. Nicolau PRESEPIO NATAL- LARGO RESTAURAÇÃO - FUNCHAL - 23-12-2004 Na déc. de 80 do séc. XX, começou a construir-se no centro da cidade, por iniciativa de Maria Augusta Nóbrega (1929-2007), uma aldeia etnográfica, com o objetivo de recriar, dentro da cidade, os hábitos, as tradições e o modo de viver dos madeirenses em tempos mais recuados. A aldeia, que recebe anualmente milhares de turistas e residentes, apresenta barracas para venda de licores caseiros e várias casinhas que dão a conhecer o artesanato tradicional, como o brinquinho (instrumento musical típico), as botas de vilão e os barretes de orelhas. No entanto, a principal atração é o presépio, que representa a orografia madeirense, com as suas montanhas; poios, com muralhas de pedra, e plantações de pequenas alfaces e couves; cursos de água com as suas nascentes; levadas e veredas, ribeiras e alguma verdura típica da Ilha. Surgem figuradas cenas do quotidiano e das tradições populares: a labuta dos lavradores; o porco da Festa; as zonas altas da Madeira, com as suas casas brancas e janelas verdes, em redor da igreja paroquial ou viradas ao mar; a banda filarmónica, o grupo de folclore e as procissões religiosas, entre outras.   Das vésperas ao dia de Festa Antes da construção do Mercado dos Lavradores, o Funchal conheceu outras zonas de venda de bens alimentares, nomeadamente o Mercado D. Pedro V (aberto ao público em 1880 para alojar a venda de frutas e hortaliças), situado na R. do Mercado, contigua à R. da Praia. Nas imediações deste antigo mercado era grande a azáfama no dia 24 de dezembro, véspera de Festa, logo após a última Missa do Parto. Grande parte da população funchalense deslocava-se ao mercado para realizar as últimas compras de Natal. Nos alvores do séc. XX, de acordo com o testemunho de Alberto Artur Sarmento (1878-1953), os camponeses acorriam de todas as partes da Ilha para vender os seus produtos. O espaço do mercado tornava-se pequeno nesse dia e os vendedores ambulantes ocupavam lugares pelos largos mais espaçosos, pelas pontes e pelos muros das ribeiras. A população da urbe aproveitava para comprar flores, frutos e verduras. Fig 7. Borracheiros do Porto da Cruz, em frente à Sé, no âmbito do programa de animação de NatalFoto: acervo e autoria de M. Nicolau FUNCHAL - 2006 Com o desenvolvimento da cidade, a construção de novas infraestruturas e consequente encerramento do Mercado D. Pedro V, o Mercado dos Lavradores tornou-se o centro de convergência da população nas vésperas da Festa. O Mercado dos Lavradores foi inaugurado a 24 de novembro de 1940 e, desde a sua abertura, atraiu sempre numerosas pessoas, que para ali convergiam, sobretudo no Natal, para fazer compras de última hora, nas barracas de brinquedos, e nos vendedores de fruta e legumes que enchiam as ruas circundantes. Já no dia 23 de dezembro, dentro e fora do Mercado, era grande o movimento e a circulação de pessoas, proporcionando-se momentos de entretenimento e convívio, com cantigas e despiques. Os bares das proximidades vendiam bebidas e sandes de carne de vinho e alhos e, no antigo campo Almirante Reis, era instalado, durante a quadra natalícia, um parque de diversões e um circo, que garantia diversão até de madrugada. A noite de 23 de dezembro, a revéspera da Festa, passou a ser conhecida como a noite do mercado; esta noite foi-se transformando progressivamente num evento cultural mais formalmente organizado, com um programa de animação musical. Quanto à vertente religiosa da véspera de Natal, destaca-se a celebração da Missa do Galo no dia 24 de dezembro, pela meia-noite, na maioria das igrejas da Ilha. Os templos enchem-se de fiéis, para assistir à celebração litúrgica do nascimento do Menino Jesus. Em quase todas as paróquias realizam-se autos de Natal e romagens de pastores, onde são representadas cenas evangélicas com encenações simples, sobre as profecias, a anunciação do anjo, o Nascimento e a adoração dos pastores. Os pastores são homens e mulheres, geralmente trajando as vestes típicas madeirenses, que entram na igreja cantando quadras ao Menino Jesus ao som de instrumentos tradicionais, nomeadamente cordofones, harmónio, ferrinhos, castanholas e pandeiros. Surgem carregados de oferendas, mormente hortaliças, fruta, carne de porco, galinhas, cordeiros e vinho, que entregam ao celebrante e que revertem a favor da paróquia ou do pároco. Quem não assistiu à Missa do Galo, pode assistir depois à denominada missa dos pastores ou missa da manhã. Os que não participam na cerimónia religiosa da véspera de Natal podem ficar pelos adros, ou encontrar-se em locais públicos de convívio. Uma prática típica desta época era a chamada pensação do Menino, representada depois da Missa do Galo. Normalmente ficava a cargo de um grupo de raparigas, designadas por pastoras, que, sentadas ou de joelhos, rodeavam o presépio e entoavam quadras alusivas aos sofrimentos presentes e futuros do Menino Jesus. Por vezes, levavam uma bacia, uma toalha e sabonete, interpretando os cuidados que deveriam ser aplicados ao Menino após o parto. Considerado impróprio por alguns, este costume chegou a ser proibido pelo bispo D. Manuel Agostinho Barreto (1835-1911), e deixou de ser representado em muitas igrejas. Fig 8. Panela de ferro, para cozer a lenha, a sopa de trigoFoto: acervo e autoria de M. Nicolau. ACHADINHA - SAO JORGE - SANTANA - 27-06-2003 Acabada a Missa do Galo, a família regressa a casa e reúne-se à mesa para tomar canja de galinha e comer sandes recheadas com carne da ave desfiada. Brinda-se com vinho Madeira ou com os licores feitos naqueles dias, come-se bolo de mel, partido à mão, e outros doces, como o bolo de família, as broas e as rosquilhas. O dia de Natal é tradicionalmente um dia de ócio, normalmente passado em casa, consagrado à família, e destinado a degustar as diversas iguarias preparadas nos dias anteriores. Ao almoço, apresenta-se uma mesa farta, com produtos regionais, carne de porco e diversas sobremesas doces. A carne de porco é servida como a tradicional carne de vinho e alhos com semilhas novas e fatias de pão, a perna assada no forno, o lombo assado na panela. As carnes são geralmente acompanhadas com cebolinhas, batatas e cuscuz aromatizado de segurelha. No final da refeição, depois dos doces, bebe-se genebra e comem-se laranjas e tangerinas aos gomos, para ajudar a ter uma boa digestão, segundo a sabedoria popular. Depois do almoço, convive-se, fazem-se brindes e as crianças divertem-se com os seus novos brinquedos. No dia de Natal, era raro encontrar vivalma nas ruas, como afirmou Alberto Artur Sarmento, ao descrever uma rua do Funchal no séc. XIX. Este costume foi-se esbatendo, com as pessoas a encontrarem-se mais em público neste dia.   Das oitavas ao desmontar da lapinha As oitavas do Natal eram aproveitadas para visitar familiares e amigos, com os rapazes e as raparigas passeando com os seus fatos e vestidos novos, estreados na missa da primeira oitava. Os filhos casados iam passar o dia a casa de seus pais, reunindo-se toda a família. Os afilhados iam dar as Boas Festas aos padrinhos, levando uma galinha de presente. As madrinhas ofereciam às afilhadas vinho, doces e um vestido novo, enquanto os afilhados recebiam dinheiro. As oitavas duravam três dias, o comércio fechava e ninguém trabalhava no campo, pelo que estes dias eram também aproveitados para realizar as habituais visitas às lapinhas, pelos casais conhecidos, e renovar os votos de Boas Festas, entre convívios, cantigas alusivas à quadra, jogos tradicionais, rodas, despiques e outros folguedos, sobretudo nas freguesias rurais, onde era frequente ver mascarados a passear pelas ruas. As tradições cristãs da época do Natal conjugam-se com as manifestações de regozijo pela chegada do novo ano, pelo que, depois das oitavas, o povo começava a preparar-se para a festa do final do ano. Fig 9. Fachada do Mercado dos Lavradores, com iluminações natalíciasFoto: acervo e autoria de M. Nicolau. FUNCHAL - 2006 A noite do Fim de Ano na Madeira é uma festa cheia de luz e de cor. Pela meia-noite, na transição de 31 de dezembro para 1 de janeiro, começa no anfiteatro do Funchal o tradicional espetáculo pirotécnico, que “remonta aos donatários que tinham o costume de queimar o fogo no momento da transição da meia-noite para o princípio do ano seguinte. Costume que prolonga e amplia profanamente um costume litúrgico antigo de produzir o lume novo, topos simbólico do tempo novo que se avizinha. Esta tradição intensificou-se nos últimos decénios e alargou-se de tal maneira que passou a ser uma verdadeira apoteose de luz em todo o ‘anfiteatro’ da cidade funchalense” (FRANCO, 1999, 348). Segundo o Elucidário Madeirense, “o costume de festejar com tiros e foguetes a transição do ano velho para o novo” ter-se-ia generalizado na déc. de 60 do séc. XIX, promovido pelo banqueiro João José Rodrigues Leitão (SILVA e MENESES, 1998, II, 337). As famílias abastadas da Ilha começaram a competir no lançamento de foguetes em vários sítios, que se estendiam até às zonas altas da cidade. A partir da déc. de 30 do séc. XX, esta manifestação festiva começou a ganhar maior importância, uma vez que, em 1932, foi criada uma comissão das festas da cidade para coordenar todas as suas atividades de diversão. Assim, os festejos na passagem do ano da cidade, que antes tinham por palco salões e hotéis, como o Reid’s e o Savoy, ganharam uma nova dinâmica e foram também apoiados pelos comerciantes locais. Promoveram-se eventos culturais no teatro, recitais e concertos, e ainda um cortejo folclórico pelas ruas da cidade. Mais tarde, organizou-se uma marcha luminosa, que deu lugar às iluminações das árvores, dos contornos dos edifícios públicos e das igrejas. Fig 10. Fogo-de-artifício, na transição de 31 de dezembro para 1 de janeiro, FunchalFoto: acervo e autoria de M. Nicolau. FUNCHAL - 01-01-2005 O gosto pela exibição pirotécnica foi crescendo ao longo dos anos até se tornar um espetáculo organizado pelas entidades governativas da Região. Na passagem de ano de 2006 para 2007, a Madeira alcançou reconhecimento internacional como maior espetáculo pirotécnico do mundo, atribuído pelo Guiness Book of World Records. Nos alvores do séc. XXI, o dia 31 de dezembro é um dia de festa no Funchal, para onde convergem inúmeras pessoas de toda a Ilha, familiares e amigos, entre centenas de turistas, para assistir ao fogo de artifício, que começa à meia-noite, com o som das buzinas dos navios de cruzeiro ancorados na baía do Funchal. No final do espetáculo pirotécnico, a festa continua nas ruas da cidade, ou nos eventos que têm lugar nos hotéis, restaurantes, bares e discotecas da cidade. A festa dos Reis tem associado um rico folclore, herdado dos povoadores portugueses, que levaram o costume de cantar as janeiras: na véspera, 5 de janeiro, organizam-se grupos de amigos ou familiares que percorrem os casais da vizinhança para cumprir a tradição de cantar os reis. O povo tem um reportório de cantares próprios para celebrar a festa dos reis magos, que soube tornar original, sem perder a sua inspiração inicial. É um dia aproveitado também para visitar as lapinhas e saborear o típico bolo-rei. No dia 15 de janeiro, festeja-se o S.to Amaro nas freguesias de Santa Cruz, Paul do Mar e Ponta do Sol. À festividade religiosa junta-se o costume profano de cantar ao S.to Amaro: no dia 14 à noite, formam-se grupos, que percorrem as casas de familiares, amigos e vizinhos, munidos de uma vassoura e de uma pá, para cantar e comer as guloseimas e as bebidas que restaram da Festa. É por isso designado popularmente de dia de varrer os armários. A festa durava até de madrugada, e a última casa a ser visitada geralmente tinha de sacrificar galinhas para oferecer canja aos convivas. Na freguesia da Camacha, o varrer dos armários acontece a 17 de janeiro, dia de S.to Antão. Em Câmara de Lobos, desmonta-se a lapinha a 20 de janeiro, após a celebração do dia de S. Sebastião. A quadra do ano mais festejada na Madeira tem sido celebrada também por autores naturais da Ilha, através das suas criações literárias. Vejam-se, e.g., algumas obras de vários géneros literários, desde contos, crónicas, narrativas de memórias, poemas e estudos folclóricos e etnográficos: Natais: Contos e Narrativas, de João dos Reis Gomes; O Natal na Madeira – Estudo Folclórico, de Manuel Juvenal Pita Ferreira; Ilha da Madeira, II Estudos Madeirenses (1970), de Eduardo Antonino Pestana; O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses (1989), antologia organizada por José António Gonçalves, que também escreveu o livro de poesia Lembro-me desses Natais (2000); Cânticos Religiosos do Natal Madeirense, de João Arnaldo Rufino da Silva; O Natal na Cidade, a Festa no Campo (2001), de Horácio Bento de Gouveia (com seleção de textos de Nelson Veríssimo); A Festa (2002), crónicas de Lídio Araújo; e Lapinha do Caseiro (2008), uma coletânea de fotografias de Ricardo Jardim das figuras do santeiro Francisco Ferreira, bisavô de Herberto Helder, com poemas do bisneto. Para além destas obras, destaquem-se ainda vários textos publicados nos periódicos regionais evocando e perpetuando diversos aspetos da etnografia natalícia do arquipélago. Assim, os dois principais jornais da região, o Diário de Notícias e o Jornal da Madeira (antigo O Jornal), publicam, entre 23 e 25 de dezembro, artigos dedicados a este tema; e a revista Das Artes e da História da Madeira divulgou, entre 1950 e 1957, estudos de autores como Álvaro Manso de Sousa e João Cabral do Nascimento (1950); Alberto Artur Sarmento (1951); Manuel Juvenal Pita Ferreira (1953); J. de Sousa Coutinho (1955); e Antonino Pestana (1957). Há ainda a considerar os textos publicados em revistas como Xarabanda, Origens, Islenha e Atlântico, entre outras. De referir também alguns estudiosos que têm divulgado as suas pesquisas sobre o tema do Natal na Madeira, como João David Pinto Correia, José Eduardo Franco e Nelson Veríssimo.   Sílvia Gomes (atualizado a 20.01.2016) artigos relacionados: festividades folclore festas religiosas católicas nóbrega, maria augusta correia

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museus

No arquipélago da Madeira, e particularmente na cidade do Funchal, os museus desenvolveram-se como resultado da investigação e da constituição de coleções científicas, saídas do espírito iluminista dos finais do séc. XVIII. A sua posição estratégica, entre os circuitos do Velho Mundo e os seus impérios coloniais, nas rotas de atravessamento do Atlântico fez com que se iniciassem investidas do domínio científico, sobretudo no âmbito das ciências naturais. Charles Darwin não esteve na Madeira, mas mandou lá um discípulo e incluiu várias espécies madeirenses nos seus trabalhos científicos. James Cook, por sua vez, esteve no arquipélago à procura de raridades botânicas, iniciado que estava na Europa um pensamento sistemático de cariz científico para conhecer a fauna e a flora. Do estudo e catalogação da natureza, partiu-se rapidamente para a sua recriação, procurando-se, num espaço confinado, reproduzi-la a partir do trabalho do homem. Nasciam assim, e tornavam-se cada vez mais comuns, os jardins botânicos. Já Hans Sloane (1660-1753), fundador do Museu Britânico, esteve na Madeira a caminho de expedições às Antilhas Inglesas. As expedições científicas tinham por objetivo a constituição de coleções, como são os casos do Museu Britânico, dos Kew Gardens, da Universidade de Cambridge e do Museu de História Natural de Paris. A Madeira funcionou muitas vezes como laboratório de experimentação das técnicas de estudo e recolha que foram aplicadas nas viagens feitas no Atlântico, no Índico e no Pacífico. Serviu também o arquipélago de espaço de aclimatação de plantas entre os hemisférios Sul e Norte, existindo até, desde finais do séc. XVIII, estudos para a criação de jardins com esse propósito. Até cerca de 1828, funcionou, na zona do Monte, um primeiro viveiro de plantas. Em 1850, o governador civil da Madeira, José Silvestre Ribeiro, lançou a ideia da criação de um gabinete de história natural, afirmando: “tomei sobre mim o empenho de dar começo ao estabelecimento de um museu, na cidade do Funchal, deixando ao tempo, ao zelo dos que me substituírem e à solicitude do ilustrado Governo de Sua Majestade e seu progressivo desenvolvimento. Em todos os países cultos, a fundação de Museus tem merecido aos governantes a mais desvelada atenção. É que estas instituições são livros abertos aos olhos da inteligência popular e o melhor meio de cultura científica e social” (SILVA, 2002, 72). Neste contexto, chegaram mesmo a ser disponibilizadas algumas salas do palácio de São Lourenço para a instalação provisória do museu, que acabou por ser desmontado com a saída do governador. Em 1852, Frederico Welwitsch propôs a criação de um jardim de aclimatação do Funchal. Uma recolha realizada na Madeira foi depois entregue ao herbário da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Em 1854, o barão de Castelo de Paiva desenvolvia na Madeira trabalhos de recolha científica, que resultou na doação de um herbário da Madeira e Porto Santo à Real Academia das Ciências. Já o documento elaborado por Frederico Welwitsch, sob o título Aforismos acerca da Fundação de Jardins de Aclimatação na Ilha da Madeira e em Angola, na África Austro-Ocidental, e entregue à Casa Real refere curiosamente que a existência de um bem organizado jardim, povoado com as mais vistosas produções da flora de todas as zonas, havia forçosamente de chamar para ali um avultado número de viajantes curiosos e aumentar consideravelmente a já não pequena concorrência de doentes, convidando uns e outros a uma maior demora naquela Ilha dos encantos: “parece a criação de um jardim de aclimatação, com as componentes modificações para ao mesmo tempo servir de passeio público, uma das mais eficazes providências que o governo de Sua Majestade atualmente podia dar para aquela Ilha, a fim de mitigar algum tempo tanto as tristes consequências da devastadora epífita que lá reina, bem como para evitar a futura repetição de semelhantes desastres, que mais cedo ou mais tarde sempre se deverá recear, se os madeirenses continuarem a basear exclusivamente, como até agora, todas as suas esperanças agrícolas sobre um só género de cultura” (VIEIRA, 1985, 102). Assim, ao longo do séc. XIX, foi-se acumulando experiência científica no ramo das ciências da natureza, transformando-se a Madeira num ponto estratégico no quadro da exploração mundial. Para além disso, a presença assídua da Madeira na rota das campanhas oceanográficas do príncipe Alberto do Mónaco, entre 1879 e 1912, parece ter também inspirado a atenção dada ao mar por D. Carlos I, Rei de Portugal. O padre alemão Ernesto João Schmitz, nascido em Rheydt, vice-reitor do Seminário do Funchal, fundou em 1882 um Museu de História Natural, conhecido como Museu do Seminário, reunindo, na sua qualidade de especialista em ornitologia, uma coleção notável da fauna madeirense. As coleções primeiramente organizadas por Schmitz foram depois completadas e aprofundadas por outros especialistas. Em 1908, o Museu passa a ser dirigido pelo então reitor do Seminário, Cón. Manuel Agostinho Barreto. Com a implantação da república, o Museu foi desmontado e transferido para casa própria no Lg. de Ribeiro Real. Esteve depois um tempo desativado até ter voltado, na déc. de 40 do séc. XX, ao Seminário da Encarnação, integrado, já na déc. de 80 do mesmo século, no Jardim Botânico do Funchal. Como são exemplo outras unidades surgidas com a República, foram criados pelo país museus escolares, como é o caso do Museu do Liceu do Funchal, a partir de coleções ligadas às ciências da natureza adquiridas em 1913 e 1914 por Alberto Artur Sarmento. A primeira experiência museológica fora das ciências da natureza que revela uma preocupação com a proteção do património construído é da Câmara Municipal do Funchal (CMF), em 1915, com o projeto de constituir um museu arqueológico no Convento de Santa Clara do Funchal, reunindo elementos arquitetónicos de demolições de edifícios históricos, como as armas do Convento de São Francisco do Funchal e várias inscrições epigráficas. Foi ainda revelada a intenção de esse Museu ser o fiel depositário do próprio espólio artístico do Convento de Santa Clara, que se encontrava praticamente ao abandono. No entanto, problemas relativos à tutela e direitos de outras instituições sobre o Convento não permitiram dar continuidade ao projeto. Outra ideia sem continuidade efetiva foi a do museu oceanográfico que a CMF, em 1920, queria instalar no edifício da Santa Casa da Misericórdia. Por deliberação da CMF, foi criado, em 1929, o Museu de Ciências Naturais, sob proposta de Adolfo César de Noronha (nomeado diretor da Biblioteca Municipal em 1928), só abrindo ao público em 1933, no palácio de São Pedro, antiga residência dos condes Carvalhal. Nasceu com a designação Museu Regional da Madeira, anexo à Biblioteca Municipal, tendo-se achado pertinente a existência de secções de arqueologia, arte e etnografia. A inexistência de outras unidades museológicas que desenvolvessem outros aspetos da história do arquipélago justificavam a presença das secções referidas. Em visita à instituição, Manuel Cayola Zagallo refere a sua insuficiência no que concerne à designação de “museu regional”, visto ser pouco abrangente noutros campos do conhecimento para além das ciências da natureza, afirmando a necessidade de ser rebatizado como Museu de História Natural, a sua verdadeira vocação. Por sugestão de Adão Nunes, em 1957, foi possível concretizar, no rés do chão do edifício, um aquário de água salgada, já com orientação técnica de Günther E. Maul, onde se apresentaram os mais importantes elementos da fauna marinha costeira da Madeira. Günther E. Maul, diretor do Museu entre 1943 e 1981, foi desenvolvendo a apresentação de animais montados, encontrando-se, em 2015, acessíveis ao público cerca de 78 espécies de peixe, 247 aves, 14 mamíferos terrestres e marítimos, 3 répteis marinhos, 152 insetos e outros invertebrados, assim como uma importante coleção de rochas e minerais do arquipélago, tais como fósseis marinhos do Porto Santo. Em 2015, as coleções atingem cerca de 37.500 exemplares. Permanecendo praticamente intacto desde a sua inauguração, este museu passou a ser, em termos de conceção museográfica, e apesar da reorganização do seu programa científico e orientação museológica, um importante exemplo da história da museologia portuguesa, mantendo o seu cariz oitocentista. É também de destacar o facto de ter sempre desenvolvido uma vertente de investigação científica, publicando desde 1945 o Boletim do Museu Municipal do Funchal e ainda, de forma não periódica, a revista Bocagiana, com a inscrição de novas espécies para a ciência dos vários arquipélagos atlânticos. A manutenção, desde o nascimento do Museu, de um sistema de permutas deu origem a uma importante biblioteca especializada. O Museu desenvolveu ainda uma importante ação educativa, com atividades ligadas à educação ambiental e divulgação científica que são desenvolvidas dentro do espaço museológico dos seus serviços de educação, mas também no exterior. O Museu seria integrado no departamento de ciência da CMF, assim como na Estação de Biologia Marinha, junto ao antigo cais do carvão, no Funchal. No campo das artes plásticas, história e arqueologia, sendo esparsas as preocupações das entidades governamentais e autárquicas, apesar de referidas em vários fóruns, a Madeira não conseguiu, até meados da segunda década do séc. XX, concretizar nenhuma instituição museológica com plena autonomia. No campo das artes plásticas era notória a existência de algumas coleções e do interesse por obras de arte dos colecionadores portugueses e de origem inglesa estabelecidos na Ilha. É exatamente por via de uma coleção privada, a de César Filipe Gomes, e da sua doação ao Estado, após a aquisição em 1946 da Qt. das Cruzes, que nascerá o primeiro museu de vocação próxima das artes decorativas. A inauguração do Museu da Quinta das Cruzes, quinta que, em 1947, havia sido classificada como imóvel de interesse público, só acontecerá em 1953, integrada nas comemorações oficiais do 28 de Maio. O processo de aquisição do imóvel não foi pacífico, tendo sido concluído apenas em 1948. No documento de doação de toda a coleção de obras de arte por parte de César Filipe Gomes, fica à responsabilidade da então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal a criação do Museu de Artes Decorativas, com particular empenho do então presidente João Abel de Freitas. Já em 1955, João Couto refere: “Esta primorosa instituição cuja base foi a coleção do amador César Gomes, não tem deixado de ser enriquecida com peças adquiridas pela Junta Geral. A Madeira, graças aos seus atuais dirigentes, dignos herdeiros dos esforçados paladinos doutras felizes eras, passa agora um momento alto no que diz respeito à resolução dos seus difíceis problemas artísticos” (COUTO, 1955, 32). O Museu, desde a sua fundação até 1976, foi dirigido por comissões diretivas que dependiam diretamente da Junta Geral. A comissão que vigorou até 1973 era constituída por Rui Vieira, Frederico de Freitas e António Aragão Mendes Correia, que em 1970 publica o primeiro catálogo geral do Museu. São depois substituídos por Rui Carita, Álvaro Simões e Jorge Marques da Silva. Em 1976, Amândio de Sousa torna-se no seu primeiro diretor. A instalação do Museu de Artes Decorativas na Qt. das Cruzes não deixa de ter uma raiz simbólica, na medida em que se trata de uma das mais prestigiadas quintas madeirenses. A quinta madeirense liga-se ao conceito de quinta de recreio portuguesa, distribuindo-se por várias dependências, desde a casa grande, a capela, a casinha de prazer, o parque ajardinado e a pequena horta, que, a partir do séc. XVIII, foram pontuando sobretudo o anfiteatro da baía do Funchal. A designação “das cruzes” permanece incerta no tempo, aproximando-se das primitivas casas de João Gonçalves Zarco, 1.º capitão donatário do Funchal. Esta casa foi depois ampliada no tempo do seu filho, o 2.º capitão João Gonçalves da Câmara, ao mesmo tempo que se realizava obras na capela de Nossa Senhora da Conceição de Cima e construía o Convento de Santa Clara do Funchal. Ao longo dos séculos, foi sofrendo transformações importantes até que, em meados do séc. XVIII, deverá ter ganho a estrutura que se manteve. Em 1692, havia sido construída a capela de N.ª Sr.ª da Piedade, pela família Lomelino. A vocação de artes decorativas sempre marcou a coleção do Museu da Quinta das Cruzes, sendo que a designação “Museu da Quinta” procurava, de certa forma, apontar para um programa científico que visava enquadrar a ideia de quinta funchalense, das suas funcionalidades, espaços e equipamentos. A coleção, primeiro nascida do conjunto doado por César Gomes, refletia de certa forma o gosto dominante na Madeira da primeira metade do séc. XX. A primeira montagem da coleção ficará a dever-se essencialmente a Frederico de Freitas e a José Leite Monteiro, com a colaboração de Ângelo Silva, de Eduardo Pereira, de Basto Machado e de João Maria Henriques. Veja-se o que nos diz António Aragão: “Na realidade, os espaços das ‘casas das cruzes’ que através dos séculos serviram de moradia a variadas gerações, voltaram a ser compostos com objetos de uso doméstico, objetos esses, é claro, selecionados segundo um critério de qualidade e apresentação que os transferem de posição utilitária e doméstica para uma situação de objetos referenciáveis dentro duma outra escala de valores” (CORREIA, 1970, 46). Às coleções iniciais, juntaram-se, em 1966, as de ourivesaria europeia de João Wetzler, antiquário que residia na Madeira, havendo um importante esforço de aquisição sobretudo no mercado regional, e depois nacional, de obras de arte. Nas coleções, e dentro da sua variedade tipológica, deveremos destacar o conjunto de mobiliário português dos sécs. XVII-XVIII ao gosto madeirense, dito “caixa de açúcar”, realizado com madeiras exóticas, na sua maioria brasileiras. No mobiliário estrangeiro, o destaque vai para o mobiliário inglês dos sécs. XVIII-XIX, Chippendale, Hepplewhite, Sheraton, etc. Refiram-se ainda dois contadores indo-portugueses, produzidos em Goa em meados do séc. XVII, um outro da Índia Mogol, realizado no segundo quartel do séc. XVII, e um escritório Namban, japonês, de inícios do séc. XVII. Notáveis são também os dois contadores espanhóis ao gosto hispano-mourisco, dito Vargãnos, de meados do séc. XVII. Merece especial referência um conjunto de ourivesaria portuguesa religiosa e civil de meados do séc. XVI até ao séc. XVIII, com destaque para uma bandeja com pé, de inícios do séc. XVI, e um porta-paz do início do segundo quartel do mesmo século com a aplicação de cabochões de pedras preciosas. Na ourivesaria estrangeira, pode destacar-se uma taça com pé de Nuremberga, coberta, de meados do séc. XVI, uma salva de Augsburgo de finais do séc. XVII, outra de Amsterdão de meados do séc. XVII e um par de escravas saleiro em prata e ébano, do México, de meados do séc. XVII. No Museu, consta ainda um pequeno conjunto de jóias e objetos de adorno femininos e masculinos, originários da coleção de César Gomes. Trata-se de peças oriundas, na sua maioria, de oficinas europeias, com destaque especial para algumas obras portuguesas de meados do séc. XVIII, como minas de proveniência brasileira ou um par de brincos goeses de início do séc. XVII. O Museu possui também uma importante coleção de glíptica, com exemplares de entalhes romanos (séc. I d.C.) e modernos (sécs. XV e XVI), assim como camafeus desta última época. Integrada na exposição de joalharia, e montada num estojo de meados do séc. XVIII, encontra-se uma placa aberta a buril com a representação da Sagrada Família, assinada por um dos mais importantes artistas holandeses da segunda metade do séc. XVI, Henrick Goltzius (1558-1617). A cerâmica existente nas coleções divide-se em dois núcleos. O das faianças, maioritariamente portuguesas, dos sécs. XVII a XIX e um núcleo de porcelanas europeias e orientais. Estas últimas estão representadas por alguns exemplares da dinastia Ming e sobretudo da dinastia Qing, com peças de encomenda europeia, ditas da Companhia das Índias. Muito curiosa é a presença de um conjunto, serviço de chá, encomendado pelos lealistas franceses, com as silhuetas, dissimuladas em jogo ótico, do Rei Luís XVI, de Maria Antonieta e do delfim real, de finais do séc. XVIII. Na pintura, o Museu possui uma coleção eclética, com destaque especial para algumas pinturas de raiz romântica, maioritariamente inglesas, com vistas da baía do Funchal e da ilha da Madeira, assim como três pinturas de Tomás da Anunciação, das quais se destaca O Piquenique, onde se vê em primeiro plano a família do conde de Carvalhal na sua propriedade do Palheiro Ferreiro. Na coleção, encontramos ainda vários retratos do pintor Joaquim Leonardo da Rocha e uma pintura, rara na obra do artista, com a representação do forte da Pontinha. É ainda de destacar duas pequenas pinturas atribuídas a Jacques Callot (1692-1625) ou o retrato do marquês de Castelo Rodrigo, D. Francisco de Moura, de escola flamenga ou holandesa de meados do séc. XVII. Referência especial deve ter ainda a pintura da Virgem do Loreto, pintura a óleo sobre madeira que parece ser ainda uma cópia do séc. XVI, de Rafael. Na escultura, deve nomear-se especialmente um retábulo flamengo da cidade de Bruxelas do último quartel do séc. XV, em madeira de carvalho, assim como uma Virgem com o Menino, provavelmente da escola de Bruges, de finais do mesmo século. Deve aqui referir-se ainda uma coleção de figuras de presépios de barro datáveis de meados do séc. XVIII, algumas delas produzidas em oficinas regionais. Montadas em enquadramento romântico, em pleno jardim, estão algumas pedras significativas, provindas de demolições que tiveram lugar ao longo dos sécs. xix e xx no Funchal. Destaque-se a presença de duas janelas de recorte manuelino em cantaria basáltica, assim como parte do pelourinho da cidade do Funchal. Nos jardins do Museu está implantada uma cafetaria anexa a uma estrutura de apresentação de um orquestrofone, adquirido pelo visconde de Cacongo, João Rodrigues Leitão (1843-1925), na Exposição Mundial de Paris de 1900, e integrado nas coleções do Museu desde 1978. Em 2007, depois de devidamente restaurado, este foi apresentado ao público. O Museu de Arte Sacra do Funchal nasce de uma crescente preocupação das entidades civis e religiosas relativamente ao património artístico da ilha da Madeira depois da extinção das ordens religiosas a partir de 1834 e da revolução de 1910. Desde 1933 que se reuniram algumas peças da Sé em duas salas anexas, gesto que manifestou uma primeira preocupação com o património religioso. Em 1934, o conservador do palácio da Ajuda, Manuel Cayola Zagallo, com a colaboração das entidades locais e o entusiasmo de D. António Pereira Ribeiro, bispo do Funchal, realizou um primeiro levantamento da pintura flamenga da ilha da Madeira. Esta primeira abordagem constitui uma primeira consciência da qualidade e excecionalidade do conjunto redescoberto. Depois do apoio logístico e financeiro da então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, o conjunto foi enviado para Lisboa para ser restaurado no ateliê de Fernando Mardel e apresentado, em 1949, no Museu Nacional de Arte Antiga, numa exposição temporária orientada pelo diretor João Couto. De regresso ao Funchal, o conjunto fica exposto num anexo da Sé até à abertura do Museu, a 1 de junho de 1955. O Museu foi instalado no antigo paço episcopal, que, entre 1914 e 1943, havia funcionado como Liceu do Funchal, sofrendo depois profundas obras de adaptação praticamente contemporâneas da reorganização urbanística da praça do município, nas suas traseiras. O antigo paço episcopal, harmonizado por grandes obras da segunda metade do séc. XVIII, no tempo do bispo D. João do Nascimento, foi primitivamente fundado por Luís de Figueiredo Lemos, em 1594. Da época primitiva é a arcaria dupla de sabor maneirista sobre a posterior praça do município e a capela de São Luís de Tolosa, datada de 1600. Dominando a construção, sobre o edifício do séc. XVIII ergue-se uma torre avista navios, que permitia, no último piso, através de uma varanda aberta, observar toda a baía do Funchal. Nesta varanda na parede a norte, foram colocados gigantes painéis de azulejaria portuguesa do séc. XVIII, que ilustram os temas da fé, da esperança e da caridade. Nas coleções do Museu, podem destacar-se duas áreas essenciais, a da arte flamenga e a da arte portuguesa. A presença da arte flamenga na ilha da Madeira relaciona-se com os intensos contactos comerciais estabelecidos com a Flandres, desde meados do séc. XV e por todo o séc. XVI, por causa do açúcar produzido em larga escala sobretudo na costa sul da ilha da Madeira. Muitos dos produtores e donos de engenhos, assim como comerciantes, realizaram encomendas sumptuárias à Flandres, de pintura, escultura e ourivesaria, de que a coleção do Museu de Arte Sacra é um exemplo paradigmático. A coleção de pintura apresenta exemplares do período que vai do último quartel do séc. XV até aos anos 40 do séc. XVI, com obras atribuídas a Dieric Bouts, Gérard David, Joos Van Cleve, Jan Provoost, mestre do tríptico Morrison, Pieter Coeck van Aelst, Jan Gossaert, dito Mabuse, entre outros. Dos conjuntos retabulares, de invulgaríssimas dimensões, refira-se, a título de exemplo, A Virgem e o Anjo da Anunciação, atribuída a Jan Provoost, e, provindos da igreja matriz da Calheta, A Adoração dos Reis Magos, atribuída ao Mestre da Adoração de Machico, da igreja matriz de Machico, Maria Madalena, atribuída a Jan Provoost da Sé do Funchal, e São Pedro, São Paulo e Santo André, atribuído a Joos van Cleve, da capela de São Pedro e São Paulo do Funchal. Na escultura flamenga, encontram-se exemplares das escolas de Malines, Antuérpia e Bruxelas e de ateliês hispano-flamengos de finais do séc. XV até ao fim do primeiro quartel do séc. XVI. A escultura flamenga tem vindo, ao lado da pintura, a ganhar maior significado, até pela entrada na coleção de novas obras. Refira-se especialmente as peças Calvário, São Roque e Deposição no Túmulo, da Sé do Funchal, Santa Luzia, da primitiva igreja de Santa Luzia do Funchal, ou a Virgem com o Menino da igreja matriz de Machico. Na coleção, destacam-se ainda duas raríssimas peças, uma bandeja e um cálice puncionados, da cidade de Antuérpia, de inícios do séc. XVI. No Museu encontramos também uma coleção importante de arte portuguesa, provinda na sua maioria de igrejas e capelas da Diocese do Funchal. Esta divide-se em vários núcleos, estando as peças organizadas cronologicamente e com uma forma de apresentação que revela o cruzamento de tipologias artísticas. Na pintura, referência para São Bento, de uma oficina portuguesa de finais do séc. XV, provindo da Sé do Funchal, ou Ecce Homo, do antigo Convento das Mercês, Ascensão de Cristo, de Fernão Gomes, ou A Visitação, de Vieira Lusitano. Na escultura portuguesa, especial referência deve ter São Sebastião, de finais do séc. XV ou inícios do séc. XVI, atribuído à oficina de Diogo Pires, o Moço, ou o conjunto respeitante ao camarim da Sé do Funchal, datável do início da segunda metade do séc. XVII, atribuído ao imaginário Manuel Pereira. Destaca-se ainda uma Santa Isabel, do séc. XVII, provinda do antigo Convento da Encarnação, e a Dormição de São Francisco Xavier, do mesmo século, provinda do Convento do Bom Jesus da Ribeira. No Museu de Arte Sacra, é ainda de referir uma importante coleção de ourivesaria portuguesa dos meados do séc. XV até aos últimos anos do séc. XVIII. Destaca-se igualmente o conjunto do denominado tesouro da Sé do Funchal, onde assume relevo a cruz processional, oferecida por D. Manuel I e chegada já depois da sua morte ao Funchal, em 1527, e uma excecional caldeirinha, com o recorte no fundo da esfera armilar, símbolo régio. Na coleção, encontra-se ainda um importante grupo de ourivesaria maneirista, datável entre o último terço do séc. XVI e meados do séc. XVII, como o cálice, datado de 1580, da capela do Corpo Santo no Funchal, a naveta da matriz de Câmara de Lobos, de 1589, ou a ânfora de prata da Sé, de meados do séc. XVII. No séc. XVIII, referência especial devem ter a urna de prata da Sé e a custódia de ouro assinada e datada de 1799, de Paul Mallet, de uma oficina de Lisboa. A exposição de ourivesaria do Museu é apresentada a par de paramentaria dos sécs. XVII - XVIII. O Museu de Arte Sacra desde cedo se constituiu como sede de exposições temporárias pela existência de uma sala especialmente a elas dedicada. À própria fundação do Museu se ligam trabalhos de levantamento patrimonial, que resultaram em edições como Lampadários – Património Artístico da Ilha da Madeira (1949), por Luiz Peter Clode, e a organização, em 1951, de uma exposição e catálogo de ourivesaria sacra, no Convento de Santa Clara do Funchal, à qual se seguiu uma outra, em 1954, sobre esculturas religiosas. No Museu, organizaram-se, desde a déc. de 70, exposições temporárias sobre temas próximos à defesa do património cultural e artístico e, mais tardiamente, de integração de arte antiga e contemporânea. Exemplo disso são as exposições Jesus Cristo Ontem Hoje Sempre, O Futuro do Passado, Eucaristia Mistério de Luz, A Madeira nas Rotas do Oriente ou Alguns Santos Mártires Revisitados, de Rui Sanches em 2003, Remains de Graça Pereira Coutinho, em 2006, Obras de Referência dos Museus da Madeira, em 2008, e Madeira do Atlântico aos Confins da Terra, exposição comemorativa dos 500 anos da Diocese do Funchal, em 2014. Como foi já referido, é bastante antigo o interesse pela botânica e por coleções de espécies naturais na ilha da Madeira. Desde o séc. XIX se mostrou interesse pela fundação de um jardim botânico, o que só se concretizou com a aquisição da Qt. do Bom Sucesso por parte da então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, em 1960. O Jardim Botânico da Madeira é uma instituição científica do Governo regional da Madeira que se dedica ao estudo e conservação da flora e da vegetação dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens. A Qt. do Bom Sucesso, que havia pertencido à família Reid, situa-se numa zona privilegiada da baía do Funchal, na encosta sul de um vale compreendida entre os 150 e os 300 m. Reúne as condições para a instalação de numerosas espécies, numa área superior a 80.000 m2, apresentando, nos inícios do séc. XXI, cerca de 2000 espécies exóticas. Neste espaço, as plantas encontram-se identificadas com o nome científico comum, origem e afinidades ecológicas e geográficas. Nos jardins, ainda deve ser destacada uma zona respeitante às plantas indígenas e endémicas, exclusivas da Madeira e da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde), com a natural presença de espécies da Laurissilva, caracterizada como floresta perenifólia de características subtropicais, sendo as suas árvores mais comuns as laureáceas, como o til, o loureiro, o barbusano e o vinhático. Encontram-se ainda no Jardim Botânico espécies de outras zonas do globo, ecologicamente opostas, desde os Himalaias, à América do Sul e trópicos. Uma área independente apresenta uma importante coleção de plantas tropicais, cultivares, aromáticas e medicinais, ligadas aos costumes e tradições culturais e gastronómicos madeirenses. Foi ainda disponibilizado ao público um parque com aves tropicais. Na casa principal da Qt. do Bom Sucesso, está instalada uma parte do antigo Museu de História Natural do Seminário do Funchal, transferido em 1982, que alberga os trabalhos de João Schmitz, ornitólogo alemão estabelecido na Madeira em 1874. A Photographia - Museu “Vicentes”, como o próprio nome indica, nasceu da tentativa da musealização de um ateliê fotográfico. O Vicentes Photógraphos foi um dos mais antigos estúdios de fotografia de Portugal, tendo sido fundado em 1848 por Vicente Gomes da Silva e permanecido em funcionamento ininterrupto até 1982, dentro da mesma família, ao longo de quatro gerações. Em 1852, estes fotógrafos foram convidados a fazer parte da comitiva que organizou a visita de Sua Majestade a Imperatriz do Brasil e de sua filha, a princesa D. Amélia. No ano seguinte, apresentava já na fachada das suas instalações as armas imperiais do Brasil e era reconhecido como “Gravador de S. M. Imperatriz do Brasil”. Da mesma época são as suas primeiras experiências com a daguerreotipia. O estúdio inicia, assim, uma longa carreira, registando importantes acontecimentos da história da Madeira e de muitos dos seus visitantes ilustres. Em 1866, fotografa a Imperatriz Isabel de Áustria, a célebre Sissi, e, em 1901, aquando da visita de D. Carlos e D. Amélia, Reis de Portugal, fotografa-os na varanda sul do palácio de São Lourenço. Este Museu possui um espólio notável de 800.000 negativos, registo incontornável de uma história mental, social e cultural da ilha da Madeira. Ao património inicial, juntaram-se os de outras casas ou de fotógrafos amadores, como os de João Francisco Camacho (1833-1898), José Júlio Rodrigues (1843-1893), Joaquim Augusto de Sousa, João António Bianchi (Vale Paraíso), Major Charles Courtnay Shaw, Gino Romoli, Francisco Barreto, João Soares, Álvaro Nascimento Figueira, Luís de Bettencourt, João Anacleto Rodrigues, Russel Manners Gordon (Torre Bela), Alexander Lamont Henderson, Photo Figueiras, Foto Arte, Joaquim Figueiras e Carlos Fotógrafo, assim como o espólio de um notável ateliê, o Perestrellos Fotógrafos, com uma coleção notável de reportagem de acontecimentos sociais e políticos. No Museu, para além de originais fotográficos, é também de relevar uma estrutura organizativa de um ateliê fotográfico do séc. XIX que permanece quase intacta. A coleção passou depois a desenvolver outras áreas de interesse, como a recolha e identificação de cinema documental sobre a Madeira. Em 1972, todo o recheio do ateliê Vicentes havia sido vendido pela família Vicentes à Sociedade Pátio, Livros e Artes, Lda., através da sua gerente, Maria de Mendonça, uma jornalista açoriana radicada na Madeira que desenvolveu a esperança de abrir um museu dedicado às fotografia e artes gráficas. Em 1982, todo o conjunto foi adquirido pelo Governo regional da Madeira, sendo criado o Museu. Em 1983, foi criada uma nova pequena unidade museológica pelo Instituto do Vinho Madeira, que, em 1979, veio substituir a antiga Junta Nacional do Vinho: o Museu do Vinho Madeira. O Museu foi instalado numas dependências do Instituto, importante edifício romântico da cidade do Funchal edificado no princípio do séc. XIX pelo cônsul inglês Henry Veitch. A sua coleção, de modesta dimensão, procurava mostrar o processo de produção do vinho Madeira e agenciá-lo no seu contexto histórico. O Museu foi encerrado pela tutela, que passou a ser o Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira (IVBAM). Em 1986, a 21 de agosto, Dia da Cidade do Funchal, foi inaugurada no edifício da CMF uma pequena estrutura museológica em duas salas, sob a designação de Museu da Cidade, que procurava mostrar os ciclos fundamentais da história da Ilha, socorrendo-se de algumas peças de época do acervo da CMF e de elementos de apoio gráfico. Esta unidade foi encerrada em 1995, passando uma parte do seu espólio a integrar o Núcleo Museológico A Cidade do Açúcar. Por iniciativa da CMF, foi inaugurado, nas instalações de um antigo auxílio materno-infantil e durante o Marca – Festival de Arte Contemporânea, em setembro de 1987, o Museu Henrique e Francisco Franco. Em 1966, a CMF adquiriu, junto de herdeiros de Francisco Franco, um importante conjunto de obras que pensou colocar numa sala especial do Museu da Quinta das Cruzes. Contudo, essa intenção não chegou a concretizar-se. Em 1972, um novo conjunto do espólio dos irmãos Franco foi adquirido aos seus herdeiros, incluindo um grupo de pinturas de Henrique Franco. No entanto, só em 1987, depois de várias apresentações públicas do espólio, foi criado o Museu. Apesar da dignidade do espaço, não era possível apresentar de forma sistemática e global o conjunto reunido, tendo-se, depois de um pequeno período de encerramento, reaberto o Museu com exposições temporárias de média duração, que permitiam explorar em regime de rotatividade temas e conteúdos específicos na obra dos irmãos Franco, facultando a visita de especialistas às reservas organizadas. Na reorganização de 1996, procedeu-se ao inventário sistemático da coleção, a trabalhos de conservação e restauro, e à implementação de um novo programa museológico e museográfico. O Museu apresentou a exposição Por Causa de Paris, juntando por coerência temática algumas obras cedidas pelo Museu da Quinta das Cruzes. No mesmo ano, o Museu disponibilizou ainda um roteiro de visita às esculturas de Francisco Franco em locais públicos da cidade do Funchal. Em 1988, foi aberta ao público a Casa-Museu Frederico de Freitas, que ficou instalada na denominada Casa da Calçada, a residência dos condes da Calçada entre o séc. XVII e os inícios do séc. XX. Nos meados dos anos 40 do séc. XX, ali se instalou Frederico de Freitas e a família até à sua morte, em 1978. Todos os seus bens móveis foram deixados à RAM para que se criasse uma casa-museu. Frederico de Freitas (1894-1978) fora um advogado e importante impulsionador das artes e da defesa do património cultural na Madeira. Em 1999, ficou concluído o processo de adaptação da sua residência a casa-museu, englobando áreas diversificadas: a casa da entrada, com receção, loja, serviço educativo e gabinete de estampas e desenhos, a casa principal, designada por Casa da Calçada, a Casa dos Azulejos, edifício novo construído para acolher a coleção de azulejaria, assim como um auditório e uma cafetaria. O Museu possuía, desde 1988, uma sala de exposições temporárias junto a um jardim que se abre à Calç. de Santa Clara, com o tradicional pavimento de calhau rolado, um corredor de vinha e canteiros de flores, rematando a extremidade do muro, e uma “casinha de prazer” que fora, no tempo de Frederico de Freitas, o espaço que albergava parte da coleção de azulejos holandeses. Das coleções, destaque-se o particular interesse de todos os temas relacionáveis com a Madeira e a sua memória patrimonial e artística. A Casa-Museu possui uma importante coleção de estampas, aguarelas e desenhos da Ilha, na sua maioria de ingleses do séc. XIX, com álbuns de Pitt Springett, Andrew Picken, Emily Geneviéve Smith, Susan Vernon Harcourt, John Eckersberg, Frank Dillon, etc. Refira-se especialmente o manuscrito original de Journal of a Visit to Madeira and Portugal (1853-1854), de Isabella de França. Outro importante núcleo da coleção é o da azulejaria portuguesa, hispano-mourisca, holandesa, flamenga, inglesa, turca e persa, desde meados do séc. XII até aos meados do séc.XIX. Do conjunto, destaque-se os conjuntos de Toledo, Manises, Valência, Sevilha, Talavera de la Reina, Bristol, Liverpool, Delft, Kashan, Rayy, Iznik e Tabriz, entre outros. Na azulejaria portuguesa, refiram-se conjuntos de padrão de tapete de meados do séc. XVII, provindos, na sua grande maioria, de demolições na ilha da Madeira. A coleção de cerâmica da Casa-Museu é vasta, integrando desde exemplares portugueses e europeus até aos do Extremo Oriente, como o conjunto de peças da denominada Companhia das Índias, à volta de duas divisões da casa, o quarto dos bules e das canecas. Na Casa-Museu Frederico de Freitas encontra-se ainda, entre outras coleções, uma importante coleção de escultura religiosa datável entre os sécs. XVI e XVIII. Do conjunto, destaca-se um São Jerónimo de barro de meados do séc. XVI, uma cena da Visitação de meados do séc. XVII, uma Santa Ana Ensinando a Virgem a Ler de meados do séc. XVIII ou um São João Evangelista, para além de um importante conjunto de marfins luso-orientais, dos quais se destaca, para além de Bons-Pastores de Goa, uma especialmente rara Virgem com o Menino sino-portuguesa de inícios do séc. XVII. O conjunto de mobiliário da Casa-Museu é eclético, sendo marcado sobretudo por peças madeirenses que remontam aos inícios do séc. XIX, sob a forte influência do mobiliário inglês de finais do séc. XVIII. Desde 1989, podem ser visitadas, em regime de visita acompanhada e organizada, as antigas adegas de São Francisco do Funchal, propriedade da Madeira Wine Company. Estas adegas são o remanescente do antigo Convento de S. Francisco do Funchal, situado nas suas dependências principais no posterior Jardim Municipal, que foi demolido nos finais do séc. XIX. O Convento foi fundado primitivamente em 1473, por Luís Álvares da Costa e pelo seu filho Francisco Álvares da Costa. As adegas correspondem a algumas dependências que eram usadas como armazéns nos meados dos sécs. XVII e XVIII. A Madeira Wine Company foi fundada em 1913, incorporando várias empresas de produtores independentes que se associaram, como William Hinton, Welsh, Cunha & Co. Lda., Henriques & Câmara, Cossart Gordon, Blandy, Leacock e Miles. As adegas passaram a possibilitar a visita a salas que mostram os mais importantes passos, e a tecnologia utilizada, para a produção do vinho das principais castas, como Sercial, Malvasia, Verdelho e Boal, e ainda a sua história ao longo dos muitos séculos. Para além disso, há também a possibilidade de visitar armazéns e salas de provas, entre outros espaços. O Museu-Biblioteca Mário Barbeito de Vasconcelos era uma pequena unidade museológica da empresa Vinhos Barbeito (Madeira) Lda., sendo fundado em 1989. As suas coleções foram reunidas pelo bibliófilo Mário Barbeito de Vasconcelos, comerciante de vinhos da cidade do Funchal, que desde sempre se interessou pela criação de uma biblioteca que tivesse como temas principais a história do arquipélago da Madeira e da expansão portuguesa, bem como a figura de Cristóvão Colombo. Nas três salas de exposição, encontravam-se livros raros, moedas, medalhas e gravuras sobre Cristóvão Colombo. Na segunda sala, edições raras, manuscritos e estampas sobre o arquipélago da Madeira e a história do seu vinho, e ainda uma coleção de documentação e livros sobre a botânica da Madeira, adquirida a outro colecionador, George Walter Grabham. A terceira área era dedicada a um arquivo documental sobre vários aspetos culturais de predominância regional. O Museu foi miseravelmente atingido pela aluvião de 20 de fevereiro de 2010, tendo entrado num processo de reorganização. A Casa Colombo, inaugurada em novembro de 1989, correspondia a um pequeno museu evocativo da figura do navegador Cristóvão Colombo, ligado de forma indelével ao arquipélago da Madeira, em particular ao Porto Santo. Segundo a tradição popular, tal Casa terá sido residência de Cristóvão Colombo, sendo harmonizada mais tarde por uma arquitetura de fundo popular de meados do séc. XVIII sobre um núcleo mais antigo, do qual se destaca, numa parede a norte, duas janelas armadas de blocos de barro em ogiva de finais do séc. XV. Cristóvão Colombo casara com Filipa de Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, 1.º capitão donatário do Porto Santo. Deve ter estado pela primeira vez na Madeira em 1476, tendo sido depois encarregue por Paolo di Nero de deslocar-se à Ilha para negociar açúcar para o genovês Ludovico Centurione. A Casa Colombo, que, em 2005, passou a ser Casa Colombo – Museu do Porto Santo, foi completamente reformulada, contando com um novo programa museológico que permitiu uma nova organização de espaços e a criação de três áreas temáticas, tendo por pano de fundo a posição estratégica do Porto Santo no contexto da expansão. Numa primeira sala, explora-se o contexto histórico da expansão portuguesa e o descobrimento do Porto Santo e da Madeira, bem como dos primeiros séculos da sua economia dominante, com a presença de peças de época que criam um enquadramento temático, como um elmo português de meados do séc. XVI ou uma cruz processional de cobre dourado de finais do séc. XV. Uma segunda sala é dedicada à expansão castelhana e à figura do descobridor da América, Cristóvão Colombo, com destaque para uma pintura italo-flamenga de meados do séc. XVII. As últimas duas pequenas salas do percurso expositivo são dedicadas ao afundamento, na costa norte do Porto Santo, de um galeão holandês, o Slot ter Hooge, em 1724. As três áreas temáticas afirmam o papel de três das potências europeias fundadoras da expansão. A Casa Colombo – Museu do Porto Santo possui áreas específicas para exposições temporárias, uma loja, um auditório de ar-livre, uma sala de serviço educativo e um acervo documental onde se encontra um conjunto de gravuras sobre Cristóvão Colombo, oferecido ao Museu por Mário Barbeito de Vasconcelos. O Museu da Baleia é um museu da Câmara Municipal de Machico, cujos estatutos foram aprovados em 1990, ano da sua abertura ao público, com a participação, para além das verbas municipais, do International Fund for Animal Welfare (IFAW). O Museu pretende contar a história da atividade baleeira na Madeira, proibida em 1981, partindo da coleção recolhida por Eleutério Reis na antiga Fábrica das Baleias e de doações da comunidade local no Caniçal. Sendo um baluarte da história, este Museu constitui-se como centro de defesa da conservação das baleias, especialmente do cachalote, contribuindo para a sua preservação. Em 2011, o Museu abriu novas instalações para o desenvolvimento das suas funções museológicas, transformando-se num pólo de investigação e defesa dos mares. A Fundação Berardo abriu ao público em 1991, nos jardins da Qt. Monte Palace, situada numa zona privilegiada sobre a baía do Funchal. A freguesia do Monte, sede de muitas quintas de veraneio, transformou-se num importante reduto do romantismo na ilha da Madeira. A história da Qt. Monte Palace está ligada à compra, nos meados do séc. XVIII, de uma propriedade a sul da igreja do Monte pelo cônsul inglês Charles Murray, que aí construiu a Qt. do Prazer. Em 1897, Alfredo Guilherme Rodrigues adquiriu a propriedade e construiu a casa sede da propriedade em estilo revivalista, criando o prestigiado Monte Palace Hotel. Em 1987, após longos anos de abandono, a propriedade foi adquirida por Joe Berardo. Realizaram-se grandes trabalhos de reordenamento da vegetação, plantando-se numerosas espécies novas. Foram introduzidas plantas exóticas, como uma importante coleção de cicas e próteas da África do Sul, azáleas da Bélgica, urzes da Escócia e uma grande quantidade de espécies características da laurissilva madeirense. Nos jardins, foram colocadas várias peças decorativas, destacando-se um retábulo em pedra renascentista de uma oficina coimbrã, do séc. XVI. Está também presente uma grande coleção de painéis de azulejos, na sua maioria portugueses, desde os exemplares hispano-mouriscos do séc. XVI até às produções do início do séc. XX. Foi ainda criado um jardim oriental, com vários elementos arquitetónicos. Foi também construído um edifício de raiz, onde ficaram reunidas outras coleções do comendador Joe Berardo, como uma de escultura contemporânea africana e outra de minerais provenientes de praticamente todo o mundo. O Museu de Arte Contemporânea – Fortaleza de Santiago tem a sua origem na criação dos prémios de arte contemporânea Cidade do Funchal, em 1966 e 1967, organizados pela então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, através da Delegação de Turismo do Funchal. Com as obras premiadas e outras aquisições realizadas, pensou-se na criação de uma espécie de extensão contemporânea da coleção do Museu da Quinta das Cruzes. Esta funcionou, no entanto, de forma precária a partir de 1984 numa sala da Direção Regional dos Assuntos Culturais, tendo depois transitado para outras dependências na Qt. Magnólia no Funchal sob a designação de Núcleo de Arte Contemporânea. Com a entrega da fortaleza de S. Tiago à administração do Governo da RAM em 1992, foi pensada a sua adaptação para a instalação de um museu de arte contemporânea, assim como uma sala de vocação militar que contasse de forma coerente a relação dessa fortaleza no contexto da história da defesa da baía do Funchal. A fortaleza de S. Tiago iniciou-se em 1614, sob o risco de Jerónimo Jorge e, depois, de Bartolomeu João, seu filho. A primeira fase das obras deve ter terminado por volta de 1637. No séc. XVIII, sofreu grandes transformações sob as ordens do Gov. José Correia de Sá, terminando tal intervenção em 1767. O Museu foi aberto ao público em 1992, reunindo o núcleo central dos prémios Cidade do Funchal dos anos 60 e aquisições feitas desde então. Das obras iniciais, destaque para Joaquim Rodrigo, António Areal, José Escada, Helena Almeida, Artur Rosa, Manuel Baptista e Jorge Martins, aos quais se juntaram obras de outros autores adquiridas desde então, nomeadamente de Lourdes Castro, René Bertholo, José de Guimarães, António Palolo, João Queiroz, Rui Sanches, Gaetan, Michael Biberstein, Fernando Calhau, Pedro Cabrita Reis, Pedro Portugal, Pedro Calapez, Sofia Areal, Pedro Casqueiro, Miguel Branco, Pedro Proença, Ilda David, Rigo, entre muitos outros. Foi também reunido um conjunto de obras de artistas que desenvolveram a sua atividade artística principalmente na ilha da Madeira, nomeadamente de Élia Pimenta, Celso Caires, Isabel Santa Clara, Eduardo de Freitas, Graça Berimbau, Teresa Jardim, Filipa Venâncio, Karocha, Guilhermina da Luz, António Rodrigues, Danilo Gouveia e Guida Ferraz, entre outros. Em 2009, foi realizada no Centro das Artes Casa das Mudas, na Calheta, uma exposição que permitiu reunir pela primeira vez toda a coleção nacional, sob o título A Experiência da Forma – Um olhar sobre o Museu de Arte Contemporânea I. Em 2015, a coleção de arte contemporânea da Madeira deixou a Fortaleza de S. Tiago e passou definitivamente para o antigo Centro das Artes na Calheta, criando-se o Mudas. Museu de Arte Contemporânea da Madeira. A fortaleza-palácio de S. Lourenço foi mandada construir por determinação de D. Manuel I, em 1513, tendo a construção sido iniciada logo na década seguinte. Dela, permaneceu praticamente intacto o torreão nascente, com as armas reais, cruz de Cristo e esfera armilar. As obras foram encomendadas a João Cáceres, sendo depois ampliadas após o ataque corsário de 1566. No período filipino, são feitas importantes transformações com a construção de novos baluartes da responsabilidade de Mateus Fernandes e Jerónimo Jorge. Por razões diversas, a fortaleza de S. Lourenço foi sendo progressivamente transformada em palácio dos governadores da Madeira, sobretudo a partir do séc. XVIII. Em 1836, a separação administrativa dos poderes civil e militar provocou uma divisão física do palácio. A leste, antes da responsabilidade do governador militar, passou a estar o Comando da Zona Militar da Madeira. A área oeste, correspondente às principais dependências e salas nobres, antes próximas do governador civil, ficou ligada ao ministro da República para a Madeira e, a partir de 2004, ao representante da República na RAM, sendo a sua residência oficial. Depois de 1993, foi iniciado um aturado processo de conservação e restauro do edifício e das coleções postas à sua guarda, das quais uma parte significativa tinha sido transferida de palácios nacionais, na déc. de 30 do séc. XX, sendo outras pertencentes a um fundo antigo do palácio. Destas coleções, destaque-se um conjunto de mobiliário Boulle e uma curiosa galeria de retratos, como os de D. João V e D. José I. A criação de um circuito de visita e a instalação de serviços de conservação preventiva e serviços de educação criaram, desde 1995, as condições para a musealização do espaço. Na área militar, encontra-se instalado, em pequenas dependências, um núcleo histórico-museológico onde se apresentam elementos para a compreensão da evolução histórica da construção da fortaleza, assim como do seu papel na estratégia de defesa da baía do Funchal, para além de outros aspetos da história militar da cidade. Embora já há muito tempo se fizessem apelos nesse sentido, só em 1996 foi criado o Museu Etnográfico da Madeira, cujas coleções tiveram na sua origem algumas peças da coleção etnográfica do Museu da Quinta das Cruzes. O Museu foi instalado na Ribeira Brava, no quadro de uma importante aposta na descentralização cultural, num antigo solar transformado mais tarde em unidade industrial, o antigo engenho de aguardente da Ribeira Brava. O Convento de Santa Clara, foreiro de uma casa ali existente, vendeu os terrenos a Luís Gomes da Silva, capitão de ordenanças da Ribeira Brava. Em 1710, acrescentou-se ao conjunto uma capela da invocação de S. José. Em 1853, a antiga casa foi convertida em unidade industrial, criando-se um engenho de cana-de-açúcar com alambique para a destilação de aguardente. Foi pouco depois instalado um sistema de moagem através de energia hidráulica, com roda motriz de madeira servido por levada de água própria para a moagem de cereais. Em 1974, a estrutura entretanto desativada foi adquirida pela Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, e só várias décadas mais tarde, em 1996, se inaugurou o Museu depois de obras de adaptação. O Museu tem por princípios orientadores a investigação, documentação, conservação e divulgação dos testemunhos da cultura tradicional madeirense, centrando-se nas atividades produtivas, como a pesca, os ciclos produtivos do vinho, dos cereais e do linho, os transportes, as unidades domésticas e o comércio tradicional. No seu acervo, podemos encontrar equipamento de uso doméstico, alfaias agrícolas, artes e ofícios, festividades cíclicas, instrumentos musicais, atividades lúdicas, trajes, sistemas de atrelagem, cerâmica, figuras de barro e tecnologia têxtil. O Núcleo Museológico do IBTAM – Instituto do Bordado Tapeçaria e Artesanato da Madeira, posteriormente o IVBAM – Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira, foi instalado na antiga sede do Grémio dos Industriais de Bordado da Madeira, inaugurado em 1958, projeto da autoria de Fabrício Rodrigues. Este núcleo tem por base duas exposições organizadas em 1986. A primeira teve lugar no Museu da Quinta das Cruzes, com a participação do Museu Nacional do Traje, onde foram recolhidas peças, cronologicamente situadas entre 1850 e 1900, de numerosas coleções particulares, na sua maioria completamente inéditas, numa organização de Luiza Clode. Uma segunda mostra foi organizada logo depois e inaugurada no mesmo ano no IBTAM, com um quadro cronológico mais abrangente que chegava aos anos 30 do séc. XX. Dessa exposição, um pequeno núcleo remanescente, que constituía a coleção do IBTAM e algumas cedências temporárias, foi montado provisoriamente. O Núcleo Museológico foi reformulado em 1996, com a criação de ambientes de enquadramento da época, a segunda metade do séc. XIX, e ainda áreas respeitantes à produção da primeira metade do séc. XX. Foram também desenvolvidas áreas pedagógicas e técnicas de explicação do processo criativo e produtivo. O Núcleo Museológico A Cidade do Açúcar foi inaugurado em 1996, sendo consequência do pequeno Museu da Cidade, já referenciado, antes aberto ao público em duas salas dos paços do concelho. Em 1989, foram realizadas escavações no terreno e imediações da antiga casa de João Esmeraldo no Funchal, que resultaram no aparecimento de numeroso e interessante espólio arqueológico, e organizada uma exposição no Teatro Baltazar Dias, no Funchal. Num edifício a norte, onde posteriormente, após reordenamento urbanístico, se criou a Pç. Colombo, foi criado o núcleo museológico que deu origem ao Museu A Cidade do Açúcar. O núcleo encontrava-se localizado no espaço correspondente a uma casa do final do séc. XV, destruída no séc. XIX, do comerciante João Esmeraldo, que hospedou o descobridor da América, Cristóvão Colombo. Para além da apresentação do espólio da escavação arqueológica e da história da desaparecida casa de João Esmeraldo, procurava afirmar-se como espaço de relação das memórias ainda vivas da cidade do Funchal no seu ciclo açucareiro. Nesse sentido, propunha guias didáticos de visita ao Funchal manuelino. Este era um museu preferencialmente ligado ao enquadramento dos achados arqueológicos, em especial os da escavação das casas de João Esmeraldo realizadas em 1989. O espólio recolhido ajudou a perceber o quotidiano da cidade do Funchal entre o final do séc. XV e meados do séc. XVII. Na escavação, foram recuperadas grandes quantidades de fragmentos de cerâmica portuguesa dos sécs. XV, XVI e XVII, entre eles formas de açúcar, selos de chumbo da Alfândega do Funchal e moedas. Na coleção, foram ainda colocadas algumas obras de enquadramento histórico, como Medidas Manuelinas, datada de 1499, um São Sebastião de madeira de carvalho de uma oficina flamenga de inícios do séc. XVI ou uma salva com pé com as armas da cidade do Funchal de inícios do séc. XVII. O projeto não pretendeu constituir-se como espaço de identificação da memória e tecnologia açucareira, que deveria ser instalado num antigo engenho de açúcar. Dedicava-se apenas às consequências culturais desse período fundamental da economia regional. Este Núcleo Museológico, que foi transformado no Museu A Cidade do Açúcar em 2009, foi totalmente destruído pela aluvião de 2010 no Funchal, entrando depois disso em processo de reorganização. O Museu da Eletricidade Casa da Luz foi inaugurado em 1997, após trabalhos de adaptação e musealização da antiga central térmica do Funchal, sob projeto museológico de Sara Silva. O Museu centra-se em várias áreas temáticas, como os vários tipos de iluminação pública ao longo dos tempos da cidade do Funchal, desde as primeiras lamparinas de azeite até aos candeeiros modernos. Uma segunda área temática apresenta-nos um historial evocativo da evolução da eletrificação do arquipélago da Madeira, com a presença de maquinaria diversa e com as duas principais formas de produção de energia elétrica: a térmica e a hidráulica. Foi ainda transformado para exposição um posto de transformação elétrica, sendo complementado por várias maquetas de centrais elétricas, urbanas e rurais. Numa terceira zona, apresenta-se, com sentido interativo e didático, uma exposição sobre fontes de energia, primárias e renováveis, como as energias eólica e solar, assim como uma área dedicada à ciência e à tecnologia. O Centro Cívico e Cultural de Santa Clara – Universo de Memórias João Carlos Abreu é uma unidade pública responsável pela conservação, manutenção e exposição ao público de todos os bens doados à RAM em 2001. Encontra-se instalado numa casa de finais do séc. XIX, na Calç. do Pico, com as coleções de artes decorativas reunidas por João Carlos Abreu, ex-secretário regional do Turismo e Cultura, jornalista, escritor, gestor e diretor hoteleiro. A coleção reflete as suas numerosas viagens à volta do mundo, nas quais adquiriu numerosas recordações. Aí, podem ser visitadas a biblioteca, a sala vermelha, a sala roxa, a sala de jantar, a sala das viagens, a cozinha, a sala dos cavalos, o oratório, a sala das joias de cena, o quarto verde e o quarto bege, entre outros espaços. Em 2003, foi aberto ao público um pequeno museu, numas instalações à R. do Carmo, das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias. Trata-se de um projeto constituído por cinco salas, que procuram apresentar a vida e obra de Mary Jane Wilson (1840-1916), fundadora da congregação. A exposição organiza-se por várias áreas temáticas, como a infância e juventude, com uma coleção de desenhos por si realizados e ainda alguns objetos ligados à sua chegada à Madeira. Uma segunda sala é dedicada à sua conversão ao catolicismo, enquanto a terceira e a quarta são dedicadas ao desenvolvimento do seu trabalho enquanto enfermeira e fundadora de obras sociais e caritativas, como aconteceu durante o surto de varíola em 1906. Na última divisão, é feita a reconstituição de uma sala com objetos pessoais de Mary Jane Wilson, como testemunho da sua vida. O Museu do Brinquedo na Madeira abriu ao público em 2003, com a apresentação de uma coleção privada de brinquedos de José Manuel Borges Pereira, provindos dos mais variados centros de fabrico europeus, desde meados do séc. XIX até ao final do séc. XX. Estão, assim, reunidos cerca de 12 mil objetos que refletem a época histórica em que se enquadram e o imaginário infantil de numerosas gerações. À coleção particular atrás referida, juntaram-se vários depósitos de outras coleções particulares. Em 2015, o Museu foi deslocado da R. da Levada dos Barreiros para o edifício Armazém do Mercado, na R. Latino Coelho, n.º 39. O Madeira Story Centre abriu ao público, como centro de interpretação histórica, em 2005, após trabalhos de adaptação de um edifício na zona de Santa Maria no Funchal, integrando uma área no jardim do Almirante Reis, junto à estação do teleférico da Madeira, onde estão expostas duas antigas lanchas de desembarque no porto do Funchal, a Mosquito e a Áquila. O Madeira Story Centre era uma organização privada da FUN – Centros Temáticos do Funchal, Lda. em parceria com a Etergeste. Apresentava-se como um centro de informação sobre a Madeira, que, de uma forma lúdica e interativa, desenvolvia o tema da história da Ilha. Os visitantes encontravam os seguintes tópicos: as origens vulcânicas; lendas da descoberta; descoberta da Madeira; tumulto e comércio; Ilha estratégica; desenvolvimento da Madeira; depois da navegação; e explore a Madeira. Foi encerrado em 2015. O Núcleo Museológico do Solar do Ribeirinho nasceu em 2007, sob a tutela autárquica de Machico, resultando de um aturado e contínuo trabalho da ARCHAIS – Associação de Arqueologia da Madeira e do CEAM – Centro de Estudos de Arqueologia Moderna. Está organizado a partir de quatro áreas temáticas: uma primeira sobre a história e a arquitetura do solar, a segunda sobre as origens, o povoamento e a vida local, a terceira sobre o percurso económico e uma quarta sobre o quotidiano. Este espaço funciona em articulação com o Núcleo Arqueológico da Junta de Freguesia de Machico. Em 2013, foi aberto ao público o Museu de Imprensa, no centro de Câmara de Lobos, junto da Biblioteca Municipal. Trata-se de uma unidade gerida pela Câmara Municipal, com a apresentação, numa grande nave, de um importante espólio de máquinas tipográficas, ligadas em muitos casos à antiga impressão de jornais. O Museu aproxima-se tematicamente também da história do jornalismo da Madeira e respetiva génese. Ainda em 2013, foi inaugurado, no Funchal, um espaço museal dedicado ao futebolista madeirense Cristiano Ronaldo, com um historial do seu percurso profissional, acolhendo numerosos troféus desportivos. Assim, o início do séc. XX trouxe à Madeira o primeiro museu de vocação científica, de história natural, mas a designação “Museu Regional” denunciava já a vontade de se abarcar outras áreas, que permaneceriam residuais, nas vertentes histórica, arqueológica, artística, etnológica, etc. O séc. XX irá, pois, estruturar progressivamente o conhecimento e fazer entender a necessidade de enquadrar outras realidades museológicas, a que os avanços da historiografia regional e levantamentos patrimoniais e artísticos davam sedimento. A aquisição e posterior transformação da Qt. das Cruzes em museu afirma-se, junto das tutelas oficiais, como um exemplo ilustrativo das muitas carências no campo das artes, servindo mesmo, ao longo da sua história, como génese de outras unidades mais especializadas. É no Museu da Quinta das Cruzes que se depositam as primeiras obras de arte contemporânea, com o objetivo de se constituir uma extensão contemporânea do próprio Museu, que levará mais tarde ao nascimento do Museu de Arte Contemporânea. Ainda no Museu da Quinta das Cruzes se conservava o reduto principal de uma coleção etnológica que se constituía com o fito de um dia integrar um museu no antigo Recolhimento do Bom Jesus, ideia que, no entanto, foi logo abandonada. Tal coleção viria a constituir o cerne da coleção do Museu Etnográfico da Madeira, na Ribeira Brava. A criação do Museu de Arte Sacra junta as vontades da Diocese e da então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, e inicia uma especialização progressiva dos museus, dando seguimento aos amplos trabalhos de recuperação e, em muitos casos, de descoberta de um extraordinário património artístico. A realidade política criada com a autonomia, consequência da revolução de 1974 e de intensas mudanças a nível nacional, trouxe uma progressiva sedimentação das unidades museológicas criadas e a possibilidade de uma crescente especialização, assistindo-se, sobretudo durante as décs. de 80 e 90, como na maior parte do país, a uma explosão museológica que trouxe naturalmente necessidades de reajustamento e ponderação estratégica: “A autonomia político-administrativa alcançada pelas regiões autónomas portuguesas (Açores e Madeira) permitiu-nos, e agora refiro-me especialmente ao caso particular da Madeira, em determinadas circunstâncias e com alguma criatividade e pioneirismo, ultrapassar dificuldades específicas em áreas funcionais fundamentais, nomeadamente no que se refere à divulgação e comunicação nos museus, com a criação de serviços educativos que, numa primeira fase, funcionaram exclusivamente com recurso ao destacamento de professores efetivos, de algumas Escolas do Ensino Básico e Secundário, num claro apoio de intercâmbio institucional com a Secretaria Regional da Educação” (PAIS, 2005b). Na Madeira, os anos 90 começam com o congresso da Associação Portuguesa de Museus (APOM), sob o título “Panorama Museológico Nacional – Perspetivas para a Década de 90”, onde museólogos locais defenderam um museu da Região, dada a importância de haver uma unidade mais abrangente na história multifacetada do arquipélago. A abertura da formação em museologia a novos quadros, a colocação em atividade dos serviços de educação nos museus e o desenvolvimento de trabalho de investigação sobre as coleções abriram caminho ao aparecimento de novos museus e de novos públicos, e motivaram uma nova atenção a questões como segurança e conservação preventiva. A abertura de novos e especializados programas de formação, tal como aconteceu a nível nacional com a criação de vários tipos de pós-graduação, proporcionou a conquista de novos quadros, que programas locais, como os cursos de formação profissional, ajudaram a consolidar. A participação dos museus da Madeira em grandes exposições nacionais e internacionais (caso do Festival Europália em Bruxelas e Lisboa, em 1990-1991, e da Exposição Internacional de Sevilha, em 1992), do Museu de Arte Sacra, sobretudo, e do Museu da Quinta das Cruzes, fez equacionar a importância do seu património. Em 2009, foi organizada, no palácio nacional da Ajuda, a exposição Obras de Referência dos Museus da Madeira – 500 Anos de História de um Arquipélago, que constituiu a mais abrangente embaixada cultural e patrimonial da Madeira em Portugal continental. Já desde os anos 90 se assistia a uma maior sensibilidade relativamente ao património, que a criação de roteiros de leitura patrimonial ajudaram a concretizar. Para além disso, a posterior entrada em cena de unidades culturais de âmbito paramuseológico, como os centros culturais, vieram trazer um complemento importante à ativação do dinamismo cultural, quase todos com uma dimensão de descentralização, como o Centro Cultural John dos Passos, na Ponta do Sol, o Parque Temático de Santana, o Centro de Vulcanismo, em São Vicente, o Centro de Ciência Viva, no Porto Moniz, e especialmente o Centro das Artes Casa das Mudas, pelas excecionais condições infraestruturais e superior qualidade arquitetónica. Esta descentralização cultural e uma cada vez maior abrangência de tipologias e diversificação dos conteúdos têm motivado uma maior consciência da identidade e uma noção mais ampla de património cultural. Tal processo deve entender-se num quadro de interação cultural e rentabilização de esforços, correndo-se, no entanto, o perigo da pulverização dos recursos e estratégias. Uma esperança redobrada nasceu com o protocolo celebrado entre a Direção Regional dos Assuntos Culturais e o Instituto Português de Museus, em 2002, com a entrada dos museus dependentes desta tutela regional para a Rede Portuguesa de Museus. A participação e consolidação da presença dos museus madeirenses na Rede criou a oportunidade do estabelecimento de parâmetros comuns de atuação e a circulação de formação e informação fundamental para a ação museológica, como mostra, por exemplo, a criação de regulamentos internos dos museus, que a Lei Quadro dos Museus (n.º 47/2004, de 19 de agosto) e o estabelecimento do princípio da credenciação (desp. normativo n.º 3/2006, de 25 de janeiro) vieram impor. Assim, a Rede tem sido um agente de colaboração e de participação ativa na criação de ações de formação profissional dos quadros da Ilha e um participante ativo no financiamento de projetos do Museu de Arte Sacra do Funchal (desp. normativo n.º 3/2006, de 13 de julho).   Francisco António Clode Sousa (atualizado a 01.02.2018)

Artes e Design História da Arte Património

moçambique

A mais antiga referência que existe sobre a região de Moçambique está relacionada com o açúcar da ilha da Madeira, pois foi com conservas madeirenses que Vasco da Gama, aquando da sua primeira viagem, presenteou o xeque de Moçambique. Isto aconteceu porque os Portugueses sabiam que aquelas conservas seriam presentes muito apreciados no mundo islâmico. Este foi um episódio que marcou o início das relações da Ilha com aquela região de África e que, ao longo dos tempos, permitiu outras oportunidades. No séc. XVI, em 1588, o primeiro bispo nomeado para o Japão, o Jesuíta madeirense Sebastião de Morais, faleceu em Moçambique, quando seguia de viagem para tomar posse do bispado. António de Abreu, do Arco da Calheta, andou pelo Oriente desde 1511 e prestou serviços importantes à Coroa. Em 1526, quando foi nomeado capitão-mor de Malaca, foi obrigado a invernar em Moçambique. Na centúria seguinte, em 1642, Francisco Fernandez Furna, dedicado ao tráfico de escravos, criou uma empresa para o comércio em Moçambique, na Índia e na China. Depois, foi muito importante, no cimentar das relações de Moçambique com a Madeira, a presença de madeirenses ilustres nesse terriório, e.g. Aires de Ornelas (1866-1930), D. Manuel Ferreira Cabral (1918-1981), e D. Teodósio Clemente Gouveia (1889-1962): o primeiro como governador-geral de Moçambique (de 1896 a 1906), o segundo como arcebispo de Moçambique (de 1936 a 1962) e o terceiro como bispo da Beira (de 1967 a 1971). É necessário ainda assinalar a passagem pelo Funchal, em viagem de retorno, do Maj. Joaquim Mouzinho de Albuquerque, que desempenhava o cargo de comissário régio em Moçambique. À sua chegada ao Funchal, a 7 de dezembro de 1897, foi muito saudado, com um jantar no Palácio de S. Lourenço e com um espetáculo de música e iluminações no Jardim Municipal. Partiu para Lisboa, no dia 12 de dezembro. É precisamente durante o período do governador natural da Camacha que surgiram dados sobre o movimento de emigrantes, assinalando-se, entre 1872 e 1915, através dos registos de passaporte, a intenção de 391 madeirenses emigrarem para Moçambique. Destes, apenas um manifestou concretamente o seu destino final – a Beira; pensa-se que os demais se dirigiam à então Lourenço Marques (posterior Maputo) e que, depois, se decidiram por outros destinos. Outros faziam de Lourenço Marques uma escala para entrarem na África do Sul, como foi o caso de Joe Berardo, que em 1963 aportou em Moçambique, e de outros que tentavam, desta forma, escapar à Guerra Colonial. Para o período de 1930 a 1948, existem dados sobre a emigração de madeirenses para Moçambique, através da documentação do arquivo da Agência Ferraz. Por aqui, sabe-se que saíram 122 madeirenses. Outras fontes indicam que, em 1935, saíram 226 madeirenses e que, num período de 10 anos, Moçambique recebeu 389 emigrantes da Ilha. O grupo associado à Agência Ferraz fixou-se maioritariamente na capital, e apenas 24 seguiram para outros destinos, e.g. Beira, Manhiça, João Belo, Vila Cabral, Quelimane, Ressano Garcia, Namaacha, São Jerónimo/Magude, Malhadugene. A proveniência destes também é maioritariamente da Calheta, com particular incidência para a freguesia do Estreito da Calheta, da qual partiram 33 madeirenses, representando 31 % das diversas freguesias do concelho, donde saíram 75 moradores. Se se considerar o perfil destes emigrantes, constata-se que foram maioritariamente ligados à terra, pois 49,2 % foram identificados, em termos profissionais, como agricultores e lavradores. Também havia indivíduos de outros ofícios (pedreiro, carpinteiro, padeiro, moleiro, mestre de obras, trabalhador) e de outras atividades (empregada doméstica, empregado de comércio, proprietário, construtor civil, estudante, funcionário público, comerciante). Atente-se que a Madeira podia ser também uma etapa para chegar aos altos cargos de administração em Moçambique, tendo-se verificado isto no caso de António Manuel de Castro e Mendonça, que foi governador da Ilha, de São Paulo, e, entre 1809 e 1812, de Moçambique. O mesmo sucederia com Gabriel Teixeira e Sebastião Xavier Botelho, que, da Madeira, passou para idênticas funções em Moçambique. Este grupo de madeirenses que saíram para Moçambique foi oriundo de diversas freguesias do Funchal (Santo António, São Martinho, São Gonçalo, Santa Maria Maior, São Pedro, Santa Luzia, Sé) e rurais (Estreito e Arco da Calheta, Calheta, São Vicente, Paul do Mar, Porto Moniz, Fajã da Ovelha, Ribeira da Janela, Prazeres, Santana, Gaula, Ponta de Sol, Madalena do Mar, Porto Santo, Ponta do Pargo, Porto da Cruz). O grupo mais numeroso, com 134 madeirenses (34 %), era proveniente do Estreito da Calheta. Deve-se ainda referir a emigração forçada, com a pena de degredo, que aconteceu em algumas situações. Em 1828, houve o degredo de Luiz Pimenta de Aguiar, por razões políticas, nunca regressando à Ilha. Seguiu-se o P.e João Rodrigues Pestana, da Calheta, em 1886. Em 1887, assinalou-se o degredo de João Reinolds, do Porto Santo.   Os registos históricos documentaram muitos madeirenses que se dirigiram para Moçambique e tiveram um papel de relevo na colónia, e.g. militares, médicos e funcionários do Estado. O Com. João Inocêncio Camacho de Freitas, que foi governador civil da Madeira entre 1951 e 1969, procedeu a levantamentos hidrográficos em Moçambique. Outros, de que ficaram notícias, foram: Aires Ferreira Sousa (1867-1947); Alexandre José Sarsfield (1856-1926); Alfredo França Dória Nóbrega (1897-1979); Álvaro de Sousa Drumond Borges (n. 1897); António Américo da Costa Pereira (1879-1922); António Avelino Afonso (1872-1964); António Félix Pita Júnior (1895-1951); Cândido Augusto Pereira (1892-1956); Daniel Pereira Pestana (1824-1906); Elmano de Freitas Moura (n. 1932); Emanuel da Paz Correia Aguiar (n. 1940); Francisco Silvestre Varela (1883-1963); Gabriel Maurício Teixeira (1897-1973); Jacinto Ferreira Rodrigues Baptista (1883-1936); Jacinto Sebastião Spínola (1881-1951); Jaime de Campos Ramalho (1873-1935); Jaime Martinho Ferreira Leal (1888-1962); João António de Bianchi (1884-1969); João de Freitas Alves (1926-1998); João de Silvério Caldeira; João Gomes de Abreu (1888-1958); João Inocêncio Camacho de Freitas (1899-1969); Joaquim do Espírito Santo Mota de Vasconcelos (1902-1976); Jordão Abel Rodrigues (1880-1956); Jorge Teófilo Jardim Bulher (n. 1926); Jorge de Almada Schiappa de Azevedo (1905-1972); José Afonso (n. 1912); José Almada (1888-1979); José Carlos de Vasconcelos (1878-1933); José de Freitas Soares (n. 1908); José Gonçalves Costa (1899-1967); José Gonçalves Costa (1899-1968); José J. Ferreira; José Joaquim de Freitas Ferraz (n. 1821); Leonel Câmara (n. 1923); Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939); Luís Camacho Barbeito (1902-1971); Luís Vieira de Castro (1921-1984); Manuel de Sousa Brazão (1884-1923); Manuel Ferreira Rosa (n. 1898); Manuel Gonçalves Alegria (1919-1977); Manuel Leovegildo Rodrigues (1881-1959); Manuel Simão Rodrigues (n. 1932); Manuel Teodoro dos Ramos (n. 1925); Nicolau António de Sousa Drumond Borges (n. 1923); Teófilo de Andrade Rodrigues (1912-1980); Tomás de Jose Basto Machado (n. 1913); Tomás José Basto Machado (n. 1913); Vasco da Gama Andrade Rodrigues (n. 1909); Vasco da Gama Pestana (n. 1907); Vasco da Gama Rodrigues (1888-1977). Por fim, a testemunhar a influência e presença de madeirenses em Lourenço Marques, destaca-se, naquela cidade, uma casa típica da Madeira.   Alberto Vieira (atualizado a 24.02.2018)

Madeira Global

a madeira vista pelos ingleses

Os primórdios Não é possível afirmar com segurança quem foi o primeiro britânico a pisar a Madeira, mas dizem as lendas que Robert Machim, após um naufrágio, deu à costa da Ilha juntamente com a sua companheira, Anne d’Arfet, em 1344. A realidade historicamente documentada é bem mais prosaica: na sequência de uma expedição portuguesa às ilhas atlânticas, então desabitadas, em 1418, o infante D. Henrique reenviou os seus capitães ao território no ano seguinte a fim de o reivindicarem para a Coroa. Em 1425, a Madeira tinha-se tornado uma província de Portugal, sendo a produção de açúcar iniciada em 1452. Na verdade, é bastante provável que a Madeira tenha sido descoberta antes da data oficial do seu descobrimento, mas não teria sido do interesse dos Portugueses ou sequer dos Espanhóis dar crédito a pretensões de outras nações. Existem provas da existência da Madeira em mapas do séc. XIV, embora este conhecimento não fosse necessariamente do domínio público. Gomes Eanes de Zurara refere-se à descoberta da Madeira e de Porto Santo na sua Chronica da Descoberta e Conquista da Guiné 1434-1438, mas esta obra apenas ficou disponível em inglês entre 1896 e 1899, quando Charles Raymond Beazley e Edgar Prestage publicaram uma tradução em dois volumes da mesma. Infelizmente, os capítulos sobre a Madeira são pequenos. As relações anglo-madeirenses remontam ao mesmo século, de acordo com os dados citados em estudos sobre as viagens inglesas para fins de comércio e de exploração, e.g.: “A partir da documentação, é difícil saber que contactos tiveram os navios de Bristol, antes de 1480, com a Madeira, os Açores, Cabo Verde e as ilhas atlânticas, que os Portugueses descobriram e onde se instalaram no século XV” (HART, 2003, 56-57). Carus-Wilson, a organizadora de The Overseas Trade of Bristol in the Later Middle Ages, observa, com base numa série de fontes documentais, que Portugal era um dos “clientes mais assíduos” de Bristol (CARUS-WILSON, 1937, 14). Por exemplo, a 17 de março de 1463, foi concedida a John Jay, de Bristol, uma licença para “enviar 300 quartos de trigo de Bristol para Portugal, em qualquer navio” (Id., Ibid., 130); os registos alfandegários também evidenciam que, a 18 de maio de 1480, William Weston enviou um carregamento de têxteis na embarcação Mawdeleyn (de Quimperlé) de Bristol para a Madeira. Por outro lado, a primeira viagem da Madeira para Bristol de que há registo ocorreu em setembro de 1486, numa altura em que vários mercadores portugueses enviaram açúcar e peças de barris diretamente para Bristol (WILLIAMSON, 1962, 187). Os começos da modernidade O contacto entre os Ingleses e a ilha da Madeira nem sempre foi amigável ou reciprocamente benéfico. No final do séc. XVI, mais especificamente em 1595, durante o período de união das Coroas ibéricas, Amyas Preston, um dos principais lobos do mar de Isabel I, pilhou o Porto Santo enquanto se encontrava a caminho das Américas, onde depois saqueou Caracas (HARRISON, 1999, 46). Outros britânicos, comerciantes respeitáveis e cumpridores da lei, utilizavam regularmente a Madeira como porto de escala das longas viagens transatlânticas, reabastecendo ora aí, ora nas ilhas Canárias; alguns deles acabaram mesmo por se estabelecer na Madeira, contribuindo para o comércio de vinho, para o artesanato e para as plantações da Ilha. A mais significativa fonte de informação sobre a Madeira e outros territórios ultramarinos foi a literatura de viagens, entendida em sentido amplo e não raras vezes em traduções. Na verdade, como salienta Alison Yarrington, “a estreita relação entre as traduções e a promoção da expansão territorial está bem patente na carreira de Hakluyt” (YARRINGTON et al., 2013, 29-30). Apesar de tudo, havia alguma reserva em relação aos textos, devido ao intervalo entre a data original de publicação e a sua tradução para inglês, e porque nem todas as traduções eram fiáveis, conforme explica o próprio Hakluyt na sua Epistle Dedicatorie a Robert Cecil (HAKLUYT, 1862, VI-VII). Assim aconteceu com uma tradução inglesa anónima do Tratado dos Descobrimentos de António Galvão, concluída em 1550 e publicada em 1563, que foi corrigida e publicada por Hakluyt em 1601. Esta obra contém bastante mais informação do que a publicação anterior de Hakluyt, datada de 1599, que só dedicava quatro páginas à descoberta da Madeira, às características físicas da Ilha e à sua produção agrícola, incluindo o dragoeiro. A Madeira é mencionada por Camões em Os Lusíadas, cuja primeira tradução inglesa, de Fanshawe, foi publicada em 1655. No cômputo geral, o séc. XVII representou um período de consolidação das relações anglo-lusas, incluindo naturalmente as ilhas atlânticas e o comércio de vinho da Madeira. Nas palavras de David Hancock, “A exportação de vinho da Madeira para a América era diretamente moldada pela geografia e pela diplomacia” (HANCOCK, 2000, 109). Com efeito, as relações comerciais entre a Grã-Bretanha e a Madeira foram reguladas por vários tratados e diversas leis, que geralmente serviam os interesses britânicos: o Tratado de Paz de Cromwell e a Aliança entre Inglaterra e Portugal (1654), e a Lei da Navegação (1660). Todavia, uma grande parte das proibições impostas pelos Ingleses às importações e exportações foi simplesmente ignorada, pelo que os bens eram enviados da Europa diretamente para as colónias inglesas da América sem passarem pelos portos ingleses, onde seriam taxados. Na sequência do casamento de Charles II com Catarina de Bragança, e graças às disposições de uma Lei de Navegação de 1663, também conhecida como Lei para a Promoção do Comércio, a Madeira e os Açores foram isentados das proibições constantes na legislação anterior, tornando-se um dos principais fornecedores de vinho das colónias britânicas. O Tratado de Methuen, de 1703, não só reforçou a exportação de vinhos da Madeira para Inglaterra e para as colónias inglesas, como posicionou a Ilha na rede comercial britânica, conforme atestado em The Bolton Letters, que fornece informações preciosas sobre o comércio britânico com a Madeira. O período abrangido pelo primeiro volume desta obra coincide com a visita de Edmund Halley à Madeira a bordo do Paramore, de caminho para o Atlântico Sul no quadro de uma expedição científica que decorreu entre 1698 e 1701. O porto do Funchal, com a sua Feitoria Britânica, assumiu-se como peça de relevo da estratégia colonial de Inglaterra, de tal modo que as embarcações militares inglesas patrulhavam regularmente o perímetro marítimo das ilhas – que eram consideradas quase como um posto avançado do Império Britânico –, protegendo os seus interesses. “Durante as Guerras Napoleónicas, a Grã-Bretanha ocupou duas vezes a ilha da Madeira” (NEWITT, 1999, 70), que chegou a ter o estatuto de colónia da Coroa britânica entre 24 de dezembro de 1807 e 24 de abril de 1808, com o pretexto de a proteger dos iminentes ataques franceses. Se, por um lado, encontramos homens de negócio astutos que tiraram partido da posição geográfica estratégica da Madeira e do seu potencial agrícola, por outro, também havia autores que, talvez com objetivos específicos, promoveram intencionalmente os mitos fundacionais da Ilha. O Descobrimento da Ilha da Madeira Anno 1420, de Francisco Manuel de Melo, obra escrita com base na Relação de Francisco Alcoforado, foi publicado em inglês em 1750, com o título as An Historical Relation of the Discovery of the Island of Madeira, Abridged from the Portugueze Original. To Which Is Added, an Account of the Present State of the Island ... etc. No mesmo volume encontram-se outras duas obras. A primeira é An Account of the Present State of the Island, in a Letter to a Friend, com data de 7 de abril de 1748; independentemente de o título ser genuíno ou mera convenção, esta interessante descrição da sociedade e dos costumes madeirenses fornece abundante material aos investigadores de história social e económica. A segunda obra consiste numa série de excertos de A Voyage to Surat, de J. Ovington, nomeadamente o seu Account of Madeira, de 1689, onde o autor descreve a sua partida de Inglaterra, narra a descoberta das ilhas — novamente o mito de Machim —, e faz observações sobre o clima, a produção de vinho, a escassez de cereais e as plantações de frutas da Ilha. Aparentemente, já havia mercadores ingleses a viver na Ilha, que plantavam groselha; a terra era menos fértil do que já tinha sido, e o clero era permeável à indolência que atingia os homens mais corpulentos, custando-lhes levantar-se às 04.00 h para a leitura do ofício divino. Como Tony Claydon salienta em Europe and the Making of England, 1660-1760, a literatura de viagens era “um empreendimento coletivo no qual os autores contribuíam conscientemente para um conjunto partilhado de factos e de opiniões. Os exemplos mais evidentes de cooperação entre escritores são as frequentes referências a comentadores anteriores” (CLAYDON, 2007, 20). Assim, A New General Collection of Voyages and Travels (1745-1747) inclui uma breve história e justificação da literatura de viagens, reportando-se explicitamente a Galvão e a Alcoforado para os capítulos sobre os Descobrimentos portugueses; o “compilador”, como se autointitula o autor desta obra, repete os habituais lugares-comuns, incluindo a informação sobre a praga de coelhos no Porto Santo. Esta prática será retomada vezes sem conta ao longo dos registos de viagens do séc. XIX, nos quais os autores se referem habitualmente aos seus antecessores e pares. An Historical Account também aparece num livro publicado em Londres por R. Griffiths, em 1756, com o título The Affecting Story of Lionel and Arabella, Who, by a most Unhappy Accident, first Discover'd the Island of Madeira, and Perish'd there. To Which Is Added, the Dangerous Voyage of Juan Gonsalvo Zarco, a Portuguese Commander, Who Compleated the Discovery. Não há dúvida de que o apetite por estas leituras continuava voraz. Do Iluminismo ao século XIX Por volta deste período, parece surgir uma nova geração de britânicos com um interesse um tanto diferente pela Madeira, nem exclusivamente comercial nem certamente literário, mas antes inclinado para o saber científico, botânico ou médico – por outras palavras, homens (e mulheres) do Iluminismo. Por exemplo, Thomas Heberden (1703-1769), um cirurgião, médico e botânico residente na Ilha, remeteu a seu irmão vários artigos científicos decorrentes das suas observações na Madeira, para que este os lesse na Real Sociedade de Londres. Em 1768, o Endeavour partiu de Plymouth com destino à Madeira numa expedição científica patrocinada pela Real Sociedade de Londres, a fim de observar o trânsito de Vénus no hemisfério sul no ano seguinte, conforme previsto por Edmund Halley; a outra missão da expedição, esta secreta, era tomar posse da Austrália. O Endeavour esteve atracado na Madeira entre 13 e 18 de setembro. Para além do Cap. Cook, o navio transportava Joseph Banks, da Real Sociedade de Geografia, Daniel Solander, um estudante sueco, e Sydney Parkinson, o artista responsável pelos desenhos das descobertas botânicas. O Endeavour Journal de Banks, escrito entre 25 de agosto de 1768 e 12 de julho de 1771, descreve novas espécies de peixes, a flora e os microclimas da Ilha, a produção vinícola, bem como os hospitaleiros residentes britânicos e os Portugueses, que caracteriza como indolentes: “Durante a nossa estadia neste local, muito devemos ao Dr. Heberden, o principal médico da ilha, e irmão do médico com o mesmo nome de Londres, que viveu longos anos nas Canárias e nesta Ilha, e fez várias observações, predominantemente filosóficas, embora algumas fossem de natureza botânica, descrevendo as árvores da Ilha: destas, facultou-nos de imediato uma cópia, juntamente com alguns espécimes que tinha em sua posse, não poupando esforços para nos arranjar espécimes vivos em flor. [...] Os habitantes locais são, no geral, ociosos, ou antes, incultos como eu nunca vi; todos os seus instrumentos, mesmo aqueles com que produzem o vinho, o único artigo de comércio da ilha, são perfeitamente simples e básicos. [...] Estivesse [a Ilha] nas mãos de qualquer outro povo do mundo e o seu valor facilmente duplicaria, graças à excelência do seu clima, capaz de amadurecer qualquer tipo de produto, uma circunstância da qual os Portugueses não tiram o mínimo proveito.” Por seu turno, as freiras de S.ta Clara eram excessivamente faladoras: “durante a nossa visita, de cerca de meia hora, não deve ter havido uma fração de segundo durante a qual as suas línguas não se movessem a um ritmo extraordinário” (BANKS, The Endeavour Journal of Sir Joseph Banks …). Era frequente os exploradores e os cientistas registarem e publicarem as suas experiências e observações. A Madeira oferecia uma infinidade de possibilidades de estudo para botânicos, entomologistas, meteorologistas, conquiliologistas e especialistas de todo o género de disciplinas. Também se podem encontrar memórias marítimas e militares com informação cientificamente relevante, escritas por marinheiros de passagem ou em serviço militar. Com efeito, estas duas esferas de interesse convergem em “An Account of a Barometrical Measurement of the Height of the Pico Ruivo, in the Island of Madeira”, de Edward Sabine; o grupo do Cap. Sabine incluía outros oficiais da marinha, o cirurgião do navio, George Don, o primeiro coletor profissional de plantas para a Sociedade de Horticultura de Londres, e ainda um prestável residente inglês, de nome Veitch, que ocupava o cargo de cônsul-geral, e que lhes serviu o pequeno-almoço na sua residência. Não é inverosímil supor que os botânicos e naturalistas aproveitariam todas as oportunidades que se lhes oferecessem para viajar, em tempo de paz e presumivelmente sem grandes custos, até à Madeira e outros laboratórios naturais. Não era incomum encontrar médicos britânicos, como Thomas Heberden, a exercer medicina na Madeira, já que a Ilha se afirmava como um apetecível destino para o turismo de saúde. “Para os finais do século XVIII, a Madeira assumia-se cada vez mais como um local propício ao tratamento da tuberculose. Começaram a circular brochuras elogiando o clima da ilha, registando-se um conjunto de médicos britânicos que ali se fixaram” (NEWITT, 1999, 73). A título de exemplo, Joseph Adams publicou The Superiority of the Climate of Madeira e Guide to the Island of Madeira; with An Account of Funchal, and Instructions to Those Who Resort thither for Their Health. Foram publicados artigos de especialistas nas revistas médicas da época, incluindo The Lancet, e os guias de saúde para a Madeira constituíam uma subcategoria da literatura de viagens. William Gourlay, médico da Feitoria Britânica, escreveu as suas Observations on the Natural History, Climate, and Diseases of Madeira, during a Period of Eighteen Years. Em An Historical Sketch of the Island of Madeira, o mesmo autor aborda os benefícios do clima para o tratamento da tísica e da asma, referindo ainda que três dos quatro médicos portugueses da Ilha se tinham formado na Universidade de Edimburgo. Na sequência da morte de T. E. Bowdich em África, devido à malária, a viúva publicou o seu Excursions in Madeira and Porto Santo. Com exceção de uns breves comentários sobre a situação política, esta obra é um verdadeiro reflexo do interesse do autor por diferentes aspetos da história natural – peixes, pássaros, plantas, formações geológicas, conchas. Apesar de ser feita uma breve referência a Machim, Bowdich interessa-se muito mais pela flora e pela fauna das ilhas, com destaque para o dragoeiro de Porto Santo, conforme descrito pelas fontes portuguesas. Por entre as suas observações científicas, descreve a vida social da Ilha, comparando os habitantes de Porto Santo com os camponeses do País de Gales, admira o sentido português de beleza, e menciona os cálculos de Gourlay e do Dr. Heineken. Alfred Lyall, autor de Rambles in Madeira, and in Portugal, in the Early Part of MDCCCXXV, dedicado ao cônsul George Stoddard, destaca a escassez de livros com informação sobre a Madeira, que é um local de interesse especial para os britânicos, sobretudo os inválidos. Lyall faz referência às Excursions de Bowdich apenas para as descartar porque “se dedica quase exclusivamente a questões científicas” (LYALL, 1827, ix). Os capítulos do texto de Lyall descrevem a paisagem e a população da Ilha; no que às mulheres diz respeito, “a superioridade das mulheres francesas […] é incontestável” (Id., Ibid., 26-27). Lyall não acredita na lenda de Machim, mas não vê proveito em a contestar, dado que os locais a acolhem com grande estima. James Clark, doutor em medicina, recordado pela história como médico da corte e autor de um tratado de tísica, também escreveu uma obra sobre The Influence of Climate in the Prevention and Cure of Chronic Diseases, que incluía “indicações para inválidos em viagem ou que vivam no estrangeiro”. Clark considerava Lisboa “um local de residência inadequado para tísicos” (CLARK, 1830, XII), opondo-se fortemente à prática de enviar os doentes terminais para o estrangeiro (Id., Ibid., 196). Também discute os benefícios do clima da Madeira, citando Gourlay e as Rambles de Lyall. John Driver visitou a Madeira em 1834, por indicação médica, tendo depois publicado as cartas que escreveu aos amigos em 1838, dando resposta aos muitos pedidos que lhe eram endereçados de informações sobre a Ilha: “Obtive informações atualizadas sobre a melhor forma de viajar, a escolha de residência, o custo de vida, etc.” (DRIVER, 1838, VI). Os capítulos principais descrevem a Ilha e a sua população, incluindo Henry Veitch (1782-1857), que também é mencionado noutros livros de viagem do mesmo período. A Carta V refere a capela de Machim, mas sobretudo a presença das forças miguelistas na Ilha; e faz uma descrição das corridas no Funchal, e de uma exposição floral e hortícola organizada por Webster Gordon. A Carta VIII descreve as melhoras que sentiu desde que se encontra na Ilha. As informações práticas (navios que viajam para a Madeira, hotéis, médicos, o preço da alimentação, estatísticas sobre exportações, etc.) estão contidas no apêndice, juntamente com a obrigatória repetição da história de Machim, narrada por Alcoforado. Muitos dos detalhes coincidem com os que autores anteriores já haviam fornecido, sendo Bowdich e Lyall explicitamente citados. Driver contribuiu ainda com “An Historical Account of the Island”, que dedicou a James Clark, para um volume editado por James Sheridan Knowles, onde é identificado como cônsul da Grécia na Madeira; este texto baseia-se na sua publicação anterior. Fig. 1 – Reprodução da gravura “O Funchal visto de São Lázaro”.Fonte: PICKEN, 1840. Entre os Ingleses que ajudaram a promover a Madeira como estância terapêutica, encontra-se o artista Andrew Picken, autor de Madeira Illustrated. Picken especializou-se na ilustração de livros de viagens e passou algum tempo na Madeira porque tinha uma saúde precária, acabando por perecer com uma doença pulmonar após regressar em definitivo a Inglaterra, em 1845. O livro é dedicado à Sr.ª Webster Gordon e nele são mencionados Alcoforado, Barros, Galvão e Frutuoso. Picken descreve as Rambles de Lyall como “uma das melhores e mais completas descrições da ilha publicadas em Inglaterra”. O esboço histórico transporta os leitores para o séc. XIX, e a descrição que faz da Ilha oscila entre o geográfico e o pitoresco, com uma série de observações sobre os nativos: “os Portugueses da Madeira são um povo excelente”; “a aparência e o carácter dos camponeses são universalmente elogiados” (PICKEN, 1840, 4); e considera que a distância entre os Ingleses e os Portugueses, em termos sociais, está a tornar-se cada vez mais curta. Picken faculta informações sobre os navios e os respetivos preços, desaconselha o uso de letras de crédito e recomenda o ouro espanhol em vez dos soberanos ingleses, entre outras sugestões úteis. Nesse mesmo ano de 1840, William White Cooper, cirurgião da Honourable Artillery Company, publicou The Invalid's Guide to Madeira, with a Description of Teneriffe, Lisbon, Cintra, Mafra, etc and a Vocabulary of the Portuguese and English Languages. Aparentemente, a obra baseia-se na sua própria experiência, enquanto recuperava de um ferimento. Curiosamente, Cooper afirma que não encontrou qualquer informação sobre a Madeira pelo que, adotando o registo de diário, embarca numa jornada “tanto para descrever as paisagens das ilhas da Madeira e de Tenerife, como para fornecer uma panóplia de informações para orientação daqueles que as procuram, seja para uma curta visita ou para uma estadia mais prolongada” (COOPER, 1840, III). Este autor não difere grandemente de outros escritos de viagens ingleses, na medida em que também refere detalhes sobre a logística da viagem e das acomodações, os nomes dos médicos locais e a separação entre residentes portugueses e ingleses. À semelhança de vários registos de viagens do mesmo período sobre Portugal continental, os comentários sobre as mulheres portuguesas e os seus hábitos de higiene pessoal são muito pouco lisonjeiros. O autor anota tudo o que considera ser de interesse para os viajantes britânicos, mencionando também o reverendo R. T. Lowe, “um cavalheiro altamente distinto enquanto naturalista, e que está prestes a publicar uma elaborada obra sobre os peixes da Madeira” (Id., Ibid., 40), obra que viria à luz entre 1843 e 1860. Cooper descreve Maria Clementina, “a linda freira do Convento de Santa Clara” (Id., Ibid., 41), lista os vinhos que se podem encontrar na Ilha, e descreve o Clube do Funchal, bem como o baile que o cônsul George Stoddard organizou em honra do casamento da Rainha Victória. Não se mostra impressionado com a aparência e o comportamento dos soldados britânicos estacionados na Ilha, embora considere – o que não é surpreendente, dada a sua filiação – que “a artilharia constitui um corpo mais viril e militar” (Id., Ibid., 57), ainda que não treinem o suficiente. Os inválidos devem levar consigo os seus medicamentos e cadeiras confortáveis, bem como uma sineta. O facto de o conselho de Cooper sobre a melhor moeda para levar para a Madeira coincidir com o de Picken, a par de outras observações, leva-nos questionar se alguma vez se terão cruzado. Pouco tempo depois, William Samuel Pitt Springett (1818-1860) dedicou as suas Recollections of Madeira à Sr.ª George Stoddard, que era irmã da sua esposa. Um ano mais tarde, Edward Vernon Harcourt escreveu A Sketch of Madeira Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitorı, publicado por J. Murray, que também publicou The Diary of an Invalid, de Henry Matthew, e a versão definitiva do Handbook for Portugal (1855). Harcourt pretendia que o seu livro fosse útil, pelo que dá uma série de conselhos práticos, desde informações sobre os transportes (a liteira de rede) e os locais a visitar (refere que passou pela casa de campo da Sr.ª Penfold), até esclarecimento sobre rotas de navegação, bagagem, acomodações e moeda. Talvez numa tentativa de sossegar os mais doentes, explica que a desagradável cena retratada por Ovington em Voyage to Surat, de recusa de um funeral cristão a um protestante inglês, não se repetiria, uma vez que havia mais tolerância religiosa e que os visitantes estrangeiros tinham agora o seu próprio cemitério, onde aqueles “que procuravam saúde numa terra estrangeira encontraram o repouso eterno. O cipreste debruça-se sobre a campa do estrangeiro, e o seu túmulo solitário está adornado de flores” (HARCOURT, 1851, 33). Na verdade, Susan Vernon Harcourt também fez um retrato dos cemitérios ingleses. À semelhança de outros escritores, Edward Harcourt informa os seus leitores sobre a vida social na Madeira; aconselhando os inválidos a não saírem à noite – algo que os seus antecessores também recomendam –, deixa escapar um comentário bastante elucidativo: “Os ingleses e os portugueses não se costumam misturar, de modo que o leitor não terá a sensação de viver entre estrangeiros” (Id., Ibid., 35); não lhe ocorreu que os estrangeiros eram os Ingleses. Harcourt preenche muitas páginas do seu livro com tabelas de dados sobre as condições meteorológicas, a demografia, a história da Madeira (o mito de Machim), as instituições judiciárias e religiosas, o sistema educativo, a agricultura, as plantas, a produção vinícola, a ornitologia – por outras palavras, tudo o que pudesse interessar ao cavalheiro inglês no estrangeiro. Narrative of a Voyage to Madeira, Teneriffe and along the Shores of the Mediterranean, da autoria de William Wilde, inclui o material habitual, e menciona Picken, Macaulay, Clark, Bowdich, Combe e o cônsul Henry Veitch. À imagem de muitos outros visitantes da Ilha, o autor adquire nos conventos “bens de luxo” como flores artificiais e confeitaria; e, tal como outros turistas ingleses, recorda a triste história da irmã Maria Clementina, “a bela reclusa”, que compara a Cinderela, embora à primeira não tenha sido destinado o final feliz do conto de fadas (WILDE, 1844, 92-93). Caption   Outro escritor frequentemente citado é Robert White, autor de Madeira, Its Climate and Scenery Containing Medical and General Information for Invalids and Visitors; a Tour of the Island, etc. O autor viveu 15 anos na Ilha, pelo que o livro se tornou uma obra de referência, que contou com mais duas edições, atualizadas com a inclusão de novo material. O conteúdo não é original, sendo na sua maior parte derivado de anteriores publicações; mas, apesar de os autores anteriores fornecerem informações sobre as paisagens, a variedade de castas, os vinhos e o comércio, bem como dados estatísticos, White salienta que “há uma grande confusão sobre estes tópicos nas obras publicadas até agora” (WHITE, 1851, v). Robert White principia com a lenda da descoberta, os factos históricos da mesma, e uma breve história da Ilha até ao séc. XIX; onde diverge dos seus antecessores é na acutilância da sua crítica aos governos portugueses, que saquearam e negligenciaram a Madeira: “A situação melhorou muito durante o breve período em que foi governada pelos Britânicos, sob a competente administração do General Beresford, em 1808” (Id., Ibid., 10). Os detalhes não são novos; mas o tempo passou e a bela Ir. Maria Clementina “está avançada em anos e restam-lhe poucos, ou nenhuns, traços daquela beleza que o nosso poeta tão calorosamente descreveu” (Id., Ibid., 21). Com efeito, a fama desta mulher alastrara para além da Madeira e das ilhas Britânicas, chegando aos Estados Unidos da América. Maria Clementina também fora descrita em termos extraordinariamente românticos pelo Rev. Walter Colton, capelão naval e autor de Ship and Shore, primeiramente publicado sob anonimato em 1835 e reeditado em 1851, com um desenho da freira nas páginas preliminares. Publicado entre a segunda e a terceira edições do guia de White, The Climate and Resources of Madeira, as regarding chiefly the Necessities of Consumption and the Welfare of Invalids, de Michael Comport Grabham, foi presumivelmente ao encontro de uma necessidade sentida neste nicho de mercado; com efeito, uma vez que ainda não existia um tratamento eficaz para a tuberculose, os pacientes deslocavam-se à Madeira em busca de repouso. Para além da sua competência de médico, Grabham também publicou artigos no The Lancet, partilhando as suas experiências, e escreveu sobre botânica, sobre a vida animal e sobre geografia; o seu tratado de medicina foi considerado relevante já bem entrado o séc. XX. Michael Grabham não se demora em detalhes descritivos nem nos temas sociais, uma vez que esses já tinham sido abordados “em muitos tratados existentes e […] no excelente e exaustivo ‘Guide-Book’ do Sr. R. White” (GRABHAM, 1870, X); ao invés, foca-se em assuntos meteorológicos e médicos. Apesar disto, não consegue escapar inteiramente ao tipo de conteúdos que mais interessam aos leitores: os pormenores científicos e técnicos, apresentados sem mais, poderiam afastar os espíritos menos graves, pelo que o autor introduz o mito de Machim, aborda a história dos princípios da Ilha, e descreve os edifícios, as instalações e os passatempos locais ou, pelo menos, os passatempos praticados pelos residentes ingleses. Tal como os seus antecessores, informa os leitores sobre a paisagem e os meios de locomoção; e dedica um longo capítulo às condições meteorológicas, assim como às questões médicas e aos tratamentos. Conforme seria de esperar numa obra desta natureza, explica como chegar à Madeira, qual a melhor moeda a usar, e como enviar cartas para a Ilha. Grabham é extremamente preciso – cirúrgico, até –, sendo a sua obra isenta de alguns dos preconceitos presentes noutras publicações, talvez porque se casou com um membro da aristocracia da Ilha e valorizava o que a Madeira tinha de bom. J. M. Rendell seguiu as pisadas de White e de Grabham em A Concise Handbook of Madeira, embora sem a pretensão de ter conhecimentos sobre medicina. Como seria de esperar nesta altura, tece comentários sobre o tempo e a geografia da Ilha, cita especialistas, refere viagens, navios e hotéis. Está presente o capítulo obrigatório sobre a história da Ilha, informações sobre a botânica, a comida, as aves, os peixes, a música, os costumes, as superstições da população (outro tema favorito dos escritores de viagens que se focam em Portugal continental), as excursões e viagens à volta da Ilha, os salários das empregadas domésticas, o preço do tratamento de roupas, os pesos e as medidas, algumas palavras úteis e outros aspetos da língua portuguesa. Por outras palavras, nada de inesperado ou original. Os guias para a Madeira continuaram a aparecer no século sucedâneo. Assim, e.g., Oswald Crawfurd, cônsul no Porto, crítico literário e escritor prolífico, produziu, em janeiro de 1874, um artigo de 18 páginas para o The New Quarterly Magazine intitulado “A winter holiday in Madeira”, que pretende ser um compêndio de toda a informação sobre a Ilha. Tal como grande parte da literatura deste género, o artigo elucida-nos mais sobre os preconceitos do seu autor do que sobre as pessoas que ele descreve: “Os madeirenses são uma estranha raça de homens. Maioritariamente de origem portuguesa, são claramente uma nação de mestiços, e a presença da negritude é notória nas suas caras feias e bondosas, na sua estatura – têm mais dois a cinco centímetros que os continentais –, no seu andar estranho, e na sua compleição algo doentia. A sua atitude moral também é, de certa forma, influenciada pelo laxismo dos negros. No entanto, não são de modo algum grandes criminosos, praticando apenas vícios menores como pequenos roubos e grandes narrativas, combinando, por assim dizer, a sua complacência com os pequenos furtos e as mentiras inofensivas com uma rigorosa economia de crimes maiores” (CRAWFURD, 1874, 410). Nem toda a gente discorria sobre a Madeira do ponto de vista dos inválidos ou dos médicos; havia pessoas que tinham outros interesses ou visavam outros públicos. Assim, a família e os amigos que acompanhavam os inválidos aproveitavam o seu tempo para desenhar ou pintar o que iam observando, publicando depois os seus álbuns. Afinal de contas, a Madeira era um paraíso botânico e, dado o relativo sossego da vida na Ilha (em comparação com Londres e outras cidades inglesas), as pessoas tinham muito tempo para escrever um diário, relatos da viagem e cartas, um fenómeno que se tornou muito comum nos visitantes de Portugal continental.   O século XX No séc. XX, assistiu-se a um declínio no número de livros sobre a Madeira, talvez como reflexo de uma mudança nos interesses e gostos dos leitores. No entanto, de entre os que escreveram sobre a Ilha na primeira década deste século, ressaltamos S. Samler Brown, W. H. Koebel, que se centra na história e se baseia em Grabham, e Charles Thomas-Stanford, com um livro intitulado Leaves from a Madeira Garden. O prefácio desta obra constituiu uma versão mal disfarçada do topos da humildade: “Pergunto-me se será necessário arranjar desculpa para esta história trivial de um inverno banal numa ilha insignificante” (THOMAS-STANDFORD, 1909, VII), salientando o autor que “muito se tem escrito sobre a Madeira”, pelo que não pretende “afirmar ou dizer coisas novas, nem revelar aspetos relevantes” (Id., Ibid., IX); na verdade, afirma, “limitei-me a enunciar apontamentos algo inconsequentes – e temo que, por vezes, irrelevantes – sobre diversas matérias” (Id., Ibid., VIII). Devido ao gosto dos Britânicos pela jardinagem, a Madeira tinha para eles um interesse considerável, em virtude da sua vegetação rica e exótica. Conforme prometera no prefácio, Stanford critica certas atitudes do governo português, mas está manifestamente convencido de que tem legitimidade para o fazer por força da sua relação de longa duração com a Ilha, sua residência de inverno. O autor desdenha “o número cada vez maior de turistas, americanos, ingleses e alemães” que são despejados pelos navios (Id., Ibid., 4), não conhecendo nada da “verdadeira Madeira”, e esforça-se por demonstrar o seu conhecimento da história e das tradições da Ilha. Apesar de tudo, a sua própria relação com a Madeira e os seus habitantes é ambivalente: há alguns aspetos da vida na Ilha que o irritam nitidamente, nomeadamente a falta de telefones, mas a sua relação com a população portuguesa parece não diferir substancialmente da dos seus predecessores. Quando se convence de que os empregados tentam extorquir-lhe salários excessivamente elevados, não hesita em “os despedir”; e declara que os madeirenses nada sabem de jardins nem de jardinagem, o que consitui “uma grande prova, especialmente quando a pessoa só está presente um terço do ano, e as operações mais importantes, a poda das roseiras etc., têm de ser feitas na nossa ausência” (Id., Ibid., 68). Fundando os seus pontos de vista em estereótipos e em amostras bastante reduzidas da população, demarca claramente os Portugueses como “os outros” (Id., Ibid., 73-74), embora se identifique como “nós, os madeirenses” (Id., Ibid., 189); de facto, conheceu a sua mulher na Ilha, onde ela era proprietária rural. Ainda assim, o livro redime-se em alguns momentos de honestidade: “Se os criados são para nós um estranho e interessante objeto de estudo, o que seremos nós para eles?” (Id., Ibid., 74). Thomas-Stanford também escreveu um romance de aventuras que decorre na Madeira, The Ace of Hearts. Os Ingleses continuaram a escrever sobre a Madeira. É o caso, e.g., de Lethbridge, com o seu Madeira – Impressions and Associations; de Stuart Mais, que publicou ininterruptamente entre 1915 e 1966, juntamente com a mulher, incluindo o relato de viagens Madeira Holiday; e de Sacherevell Sitwell, extravagante mas empobrecido diletante que, segundo consta, persuadiu vários governos a subsidiarem-lhe o turismo de luxo escrevendo livros de viagem; há indubitavelmente abundantes exemplos de marketing indireto – nomeadamente referências a empresas de transportes e a hotéis – no seu Portugal and Madeira. O leitor também poderá perguntar até que ponto a filiação ideológica e de classe orientam as suas perceções; com efeito, ou Sacherevell Sitwell acreditava genuinamente nas virtudes do Estado Novo, à imagem de outros escritores de viagens ingleses do seu tempo (como John Gibbons, lady Marie-Noële Kelly), ou a sua escrita está temperada com uma não pequena dose de ironia: “[Portugal] esteve a dormir durante a época de industrialização que enegreceu grande parte da Europa. Se acordou, imaculado, para um presente mais feliz, foi graças à influência de mãos benevolentes e sábias” (SITWELL, 1954, 39). O capítulo sobre a Madeira extravasa em descrições líricas de plantas exóticas e vegetação tropical: “É uma ilha que se visita pelas suas flores e pelo seu clima” (Id., Ibid., 43). Diz muito pouco sobre os ilhéus, até porque “uma das belezas da Madeira é que não tem propriamente passado. [...] Era uma ilha virgem. Não havia habitantes aborígenes para exterminar” (Id., Ibid., 43). E, quando faz algum comentário sobre as populações locais, é para dizer que “é uma população imaculada, talvez o menos corrompido e contaminado de todos os povos europeus. Os madeirenses estão ainda na idade da inocência” (Id., Ibid., 49). Com o tempo, os livros de viagens tornaram-se mais breves, por causa dos custos de edição, das restrições de bagagem, das mudanças nos hábitos de leitura – as razões que explicam esta tendência são múltiplas. As edições online e a digitalização também tiveram impacto no consumo de livros. Todavia, independentemente do seu formato, os livros de viagens do séc. XXI centram-se mais nas necessidades dos turistas e dos aventureiros do que nas experiências pretensamente autênticas vividas pelo viajante entendido.   A questão da autoria feminina e da voz feminina na literatura de viagens Não foram unicamente os homens a visitar a Madeira e a publicar as suas memórias ou impressões. Apesar de o número de mulheres viajantes nunca ter constituído mais do que uma minoria, por razões óbvias de índole social e histórica – as mulheres não fizeram o Grand Tour e, mesmo que o tivessem feito, a Madeira não seria uma etapa do itinerário –, os seus contributos para o corpus da literatura de viagens inglesa não deve ser negligenciado. A literatura de viagens, no sentido que aqui é dado à expressão, compreende memórias, autobiografias, diários, cartas, registos de viagens e guias. Clare Bloome Saunders sugeriu que foi a ligação entre a literatura de viagens e os “textos associados com a esfera doméstica e privada” que permitiu às mulheres entrar neste género literário (SAUNDERS, 2014, 3). Não há dúvida de que assim é, embora haja um grande número de autores do sexo masculino que optou por essa via, possivelmente por a considerarem mais adequada à temática, ou um meio eficaz de chegar aos leitores. Saunders também salienta que “as primeiras obras de viagem escritas por mulheres começavam geralmente com um pedido de desculpas, uma passagem pelo topos da humildade e uma declaração de autenticidade” (Id., Ibid.). Mais uma vez, são abundantes os exemplos de autores masculinos de livros de viagens que principiam as suas obras da mesma forma. Sarah Mills refere que “os autores viajavam por motivos diferentes e para países diferentes, escrevendo sobre as suas viagens no quadro de uma multiplicidade de condicionamentos – de género, de classe, de finalidade da viagem, de convenções textuais, de audiência, etc. – que influenciavam e estruturavam a sua escrita” (MILLS, 1991, 21). Para Mills, uma diferença evidente entre os homens e as mulheres que escrevem livros de viagens encontra-se “na ênfase que colocam no envolvimento pessoal e nas relações com pessoas de outras culturas, e na atitude menos autoritária que assumem perante a voz narrativa” (Id., Ibid.). Embora tal possa ser verdade nalguns contextos, esta análise dos escritos britânicos sobre a Madeira não revela um maior grau de rapprochement entre as escritoras e os habitantes portugueses da ilha, em comparação com os escritores. No contexto português, as viajantes poderão ter tido de lidar com os locais para resolverem questões domésticas, mas isso não significa que tivessem um relacionamento pessoal com eles. A atitude autoritária talvez seja mais visível nos escritos sobre os campos da medicina e da ciência, à época dominados pelo sexo masculino. A autoridade poderia derivar, em parte, das qualificações académicas, dos títulos profissionais e dos graus militares que uma série de autores incluía na página de rosto das suas obras. Em contrapartida, a não ser que fossem membros da aristocracia, as escritoras limitavam-se a referir o seu estatuto de mulheres casadas. Mary Louise Pratt analisou o impacto da história natural e da ciência em geral na literatura de viagens, argumentando que “a história natural era um meio para narrar as viagens de exploração do interior, já não com a finalidade de descobrir rotas de comércio, mas de vigiar o território, explorar os recursos e exercer um controlo administrativo sobre o mesmo” (PRATT, 1992, 39), o que dá azo ao aparecimento de um discurso bastante próprio; no caso específico da Madeira, os botânicos e os meteorologistas parecem, de facto, reivindicar a Ilha para si. Em paralelo, há uma série de obras sobre a Madeira que corroboram a afirmação de que “a história natural estabeleceu uma autoridade urbana, literata, masculina sobre todo o planeta; elaborou uma compreensão racionalizante, extrativa e dissociativa, que se sobrepôs às relações funcionais e experienciais entre pessoas, plantas e animais” (Id., Ibid., 38). Por fim, em termos de considerações teóricas, para Saunders, “a ‘verdade’ na literatura de viagens aparece, paradoxalmente, quer como asserção da retórica objetiva ‘masculina’, quer como uma aparentemente ‘autêntica’ proclamação da literatura ‘feminina’, doméstica, privada” (SAUNDERS, 2014, 3). À exceção das obras assentes em dados científicos – sobre a precipitação, a temperatura e as espécies de plantas e insetos –, não há garantias de objetividade ou autenticidade. Além disso, quanto mais íntimo é o registo de escrita, mais tendência têm os autores para a subjetividade, ou para distorções de memória e perceção.   Mulheres viajantes As mulheres estiveram na Madeira por várias razões, quer para fazer uma pausa neste porto de escala tão bem situado, usualmente sob a proteção de membros da sua família, quer para visitar Ingleses nela residentes, quer para acompanhar os maridos, empenhados em investigações científicas, na escrita de um livro ou noutras atividades profissionais. Em todo o caso, nem sempre se limitaram a ilustrar as produções científicas e intelectuais dos cônjuges, tendo-se afirmado como autoras e artistas independentes. Ao contrário da jovem “ultramarina” de que se falará adiante, uma mulher da classe alta raramente sentia a necessidade de pedir desculpa por trabalhar; os dados sugerem que a idade e a classe social são condicionantes tão importantes como o sexo. Uma das primeiras mulheres a escrever sobre a Madeira foi Maria Riddell (1772-1808), autora das Voyages to the Madeira and Leeward Caribbean Islands, que tinha relações próximas com a Escócia devido ao seu casamento com Walter Riddell. Poetisa, embora menor, Maria Riddell é lembrada sobretudo pela sua amizade com o poeta nacional da Escócia, Robert Burns; mas não deixa de ser notável que tenha escrito um registo de viagens aos 20 anos. Na opinião de Corey Andrew, ela “faz juízos claros e raramente produz afirmações distanciadas. […] Considera que os habitantes da ilha possuem qualidades que os redimem, embora os seus elogios sejam muito parcos: ‘Os nativos são […] notavelmente engenhosos, e famosos pela sua capacidade de fazer perfumes, pastas, etc. Os Portugueses têm feições extremamente escuras, mas têm belos olhos e dentes; a classe baixa deste povo é indolente, suja, e muito viciada no roubo; têm muito talento musical, e são extremamente delicados’” (ANDREWS, 2013, 181). O nome que figura a seguir nesta cronologia é o de Elizabeth Macquarie (1778-1835), uma escocesa que viajou para a Austrália em 1809, juntamente com o marido, Lachlan, que havia sido nomeado governador da Nova Gales do Sul. Fez a viagem a bordo do navio de carga Dromedary, na companhia do Hindostan, um navio de guerra de Sua Majestade, tendo feito uma paragem na Madeira. Ao chegarem à Ilha, a 12 de junho, os Macquaries foram convidados a residir na casa de Henry Veitch, o cônsul britânico, que estava aparentemente muito ambientado à Madeira, e que, tendo sobrevivido a todos os amigos, não fazia tenções de regressar à Grã-Bretanha, uma atitude que muito desagradou à Sr.ª Macquarie. Um dos militares que os escoltou parecia “conhecer intimamente os habitantes locais, incluindo as freiras de diferentes conventos”. Tendo adoecido, a Sr.ª Macquarie não pôde fazer grandes passeios durante a semana que passou na Madeira, mas ficou chocada ao ver uma jovem tomar o hábito religioso, o que talvez não seja uma reação completamente inesperada numa protestante escocesa daquela época. Quanto à Ilha, o brilho inicial desapareceu rapidamente: “A ilha da Madeira é sem dúvida um dos lugares mais bonitos e românticos que já vi. Para uma pessoa que passou muito tempo em alto mar e que padeceu de alguma doença ou sofreu com o mau tempo, a visão do Funchal é do mais gratificante que se pode imaginar; mas, depois de se terem passado alguns dias em terra, a falta de ar e o imenso calor, a total ausência de qualquer tipo de exercício físico, dada a dureza das estradas, que são muito inclinadas, e pavimentadas com pequenas pedras, e, acima de tudo, a imundice dos ilhéus é tão desagradável, que creio que nunca chegaria a contemplá-la com indiferença – e tudo isto serve para ilustrar os confortos que são necessários para tornar a vida aprazível a uma pessoa acostumado a viver em Inglaterra” (MACQUARIE, 1809). [caption id="attachment_15563" align="alignleft" width="380"] Fig. 3 – Reprodução de “The Belladona Lily”Fonte: PENFOLD, 1845.[/caption] Houve duas Inglesas residentes na Madeira que foram responsáveis por promover a imagem da Ilha como paraíso tropical. Jane Wallas Penfold era filha de William Penfold, que era sócio de Henry Veitch; William Wordsworth compôs versos em sua homenagem, e Jane Penfold publicou os seus desenhos de plantas em Madeira Flowers, Fruits, and Ferns. Sua irmã, Augusta Jane (Penfold) Robley, também publicou as suas ilustrações em Selections of Madeira Flowers, Drawn and Coloured from Nature. Estas duas obras devem ter estimulado o interesse pela Madeira como destino adequado para o estudo da botânica e a produção artística. Emmeline Stuart Wortley, descrita por Jane Robinson como uma viajante obsessiva (ROBINSON, 1990, 121), escreve longamente tanto sobre Portugal continental como sobre a Ilha em A Visit to Portugal and Madeira. Confiante no seu estatuto social e nas suas capacidades literárias, Wortley narra a sua viagem a Portugal sem perder tempo com desculpas ou com falsas humildades. Por vezes, a sua obra lê-se como um romance, com retratos detalhados e extravagantes que roçam a caricatura; mas, a par das conversas e anedotas sobre a realeza europeia, figuram alguns comentários inteligentemente satíricos sobre a escravatura e o racismo, bem como críticas abertas ao deficiente sistema agrícola, que provoca a malnutrição infantil da população local. Apesar do estilo intenso, a autora fornece informações exatas sobre a Ilha, repetindo detalhes encontrados em livros anteriores. Também faz a obrigatória visita a S.ta Clara para ver a lendária Maria Clementina, imortalizada por Coleridge: “Esta freira foi uma criatura deslumbrante, que em tenra idade foi metida num convento por um pai austero, penso que por instigação da madrasta, e foi durante algum tempo muito infeliz. Já não é nova (e espero que já não seja infeliz), mas ainda se detetam traços da sua beleza outrora resplandescente” (WORTLEY, 1854, 302). [caption id="attachment_15566" align="aligncenter" width="332"] Fig. 4 – Reprodução de “Bird of Paradise”Fonte: ROBLEY, 1845[/caption] A autora explica então que houve um relaxamento da regra monástica no período do Governo Constitucional, e conclui a história de Clementina, que regressou à tranquilidade do convento, descrevendo de seguida a personagem, que se assemelha mais à marquesa de Alorna na sua grade do que a Mariana Alcoforado, discutindo os méritos relativos de madame de Staël e de lady Morgan (mencionada por Almeida Garrett no Diário de Minha Viagem a Inglaterra (1823-1824)). Tal como outros viajantes, Emmeline Wortley conhece Stoddard e o cônsul Veitch, nesta altura presumivelmente a gozar a reforma ou a tratar de negócios; e, à semelhança de outros escritores, não consegue deixar de referir a lenda de Machim. O leitor fica com a impressão de que lady Wortley tem um grande talento para ocultar os seus profundos conhecimentos em matérias como a agricultura, os negócios, a economia e a política por detrás de aparentes mexericos e meandros narrativos. A ironia é enganadora, até porque esta autora visitou a Madeira com um espírito aberto, e não com o simples fito de confirmar os seus preconceitos. Em 1882, Ellen M. Taylor publicou Madeira: Its Scenery and how to See It. With Letters of a Year's Residence and Lists of the Trees, Flowers, Ferns, and Seaweeds, um guia de viagem extremamente detalhado. Tendo-se deslocado à Madeira com uma amiga enferma, presume-se que tivesse bastante tempo disponível, e percebeu que tipo de informação era necessário dar para tornar mais fáceis a viagem e a estadia na Ilha; fez, pois, o seu trabalho de casa, consultando as autoridades na matéria. Não refere os aspetos já tratados por Grabham, e pede autorização à Sr.ª White, viúva de Robert White, e a James Yate Johnson, para se referir a Madeira. Its Climarw and Scenery. Regista o apoio que lhe foi dado por Charles Cossart e cita um artigo da Fraser’s Magazine, de agosto de 1875. O seu guia de viagens não se destina apenas a inválidos, informando também os leitores sobre hotéis, navios a vapor, restrições de bagagem, atividades recreativas e excursões, compras, a história e os hábitos, para além de ter uma lista de vocabulário útil. Para os que têm interesses culturais, cita John Mason Neale sobre a arquitetura de igrejas. Nas palavras de Jane Robinson, “tanto a ilha como o seu guia eram dedicados à busca passiva da saúde” (ROBINSON, 1990, 197). A Voyage in the “Sunbeam”. Our Home on the Ocean for Eleven Months difere em alguns aspetos de outros registos de damas inglesas: Annie Brassey descreve a viagem de circum-navegação que a sua família empreendeu à volta do mundo a bordo do iate a vapor do marido (1876-1877), a primeira do género. O iate atracou na Madeira (cap. 2) para uma breve visita, a que se seguiu o ritual de os visitantes de relevo serem recebidos pelos residentes ingleses. O livro foi um enorme êxito, tendo chegado às 19 edições e sido traduzido em 5 línguas. A família regressou à Madeira 7 anos depois, conforme é narrado em In the Trades, the Tropics, and the Roaring Forties: 14,000 Miles in the “Sunbeam” in 1883. A autora começa por pedir desculpa pelo seu trabalho, e depois conta os labores da viagem de ida para a Madeira para se encontrar com o marido e se juntar a ele no Sunbeam, após ter perdido a maior parte da bagagem porque o navio onde seguia meteu água; felizmente, os filhos e o cão, Sir Roger, tinham saído ilesos desta experiência. A narrativa inclui uma descrição de um navio escocês de emigrantes com destino à Austrália, e do hotel de S.ta Clara, onde foram atendidos pelo Sr. Reed, o proprietário, e pelo Sr. Cardwell, o gerente, que se encarregou da bagagem. A Ilha é povoada por uma série de figuras conhecidas, nomeadamente “o nosso velho amigo, o Dr. Grabham, o único médico inglês desta terra, um homem de enorme sucesso, repleto de informação sobre todas as matérias” (BRASSEY, 1878, 29); tal como muitos outros, visitam a quinta dos Blandy. Brassey sente-se obrigada a esboçar os momentos chave da história da Madeira, incluindo o mito de Machim, a visita do Cap. Cook no Endeavour, em 1768, e as ocupações britânicas em 1801 e 1807. O foco anglocêntrico é evidente. A família visita os locais habituais, é transportada em liteiras de rede, lancha com a Sr.ª Taylor, “uma antiga residente na Madeira, que generosamente partilhou connosco muitas informações úteis” (Id., Ibid., 56), e admira a paisagem e a vegetação. Há muito pouca informação sobre a população local e a cultura portuguesa, à exceção de aspetos pitorescos ou etnográficos; o leitor fica com a impressão de que a Ilha é praticamente uma colónia britânica, cuja principal função é dar conforto e entreter as classes privilegiadas das ilhas Britânicas. Helena Beatrice Richenda Saunders (1862-1947), a “ultramarina”, que mais tarde se casou com Charles Parham, escreveu The Contents of a Madeira Mail-bag, or, Island Etchings quando estava ainda na casa dos 20 anos; trata-se de um conjunto de cartas dirigidas a sua mãe, que se encontrava em Inglaterra, e que não se destinavam a ser publicadas, onde descreve a sua vida na Qt. das Flores com a tia. Algumas das suas experiências coincidem com as de Brassey, como o facto de o mesmo Sr. Cardwell lhes tratar da bagagem, apesar de nem ela nem a tia estarem hospedadas no hotel. Helena Parnham observa os homens que conduzem os carros de bois e transportam as liteiras, as mulheres nos seus trajes, as crianças semi-nuas, descreve a costureira, que treme de frio, comenta a meteorologia e a gastronomia (não aprecia a cozinha portuguesa) e os eventos sociais (não há referência a convidados portugueses), e conta à mãe que fica muito cansada depois dos banhos de mar, apesar de não haver indicações de que seja inválida. Receber uma carta de casa é para ela um evento importante, tal como é escrever à família a partilhar os conhecimentos recém-adquiridos, e.g., a lenda de Machim e o facto de Beresford ter vivido na Achada durante a ocupação. Mais tarde, Helena Parnham será uma conhecida botânica, sendo bastante provável que as suas experiências na Madeira tenham despertado o seu interesse pela flora e o mundo natural. O que é invulgar nela é a preocupação com a literatura: todas as suas cartas têm como epígrafe um verso, na sua maioria retirados de poemas de poetas ingleses eminentemente românticos – Southey, Hemans, Longfellow, entre outras figuras literárias a que se refere frequentemente. Além disso, ao contrário de outros escritores de viagens que temos vindo a mencionar, esforça-se por aprender português, tendo até ouvido falar de Camões; numa das suas cartas, refere-se mesmo à tradução de Mickle: “Leste ‘Os Lusíadas’ de Camões? Não me refiro ao original, visto que a obra é conhecida há um século em Inglaterra, graças à tradução em verso de Mickle. Tenho de a ler assim que tiver a oportunidade, visto que se trata do grande chef d’œuvre português, e descreve a descoberta do cabo da Boa Esperança, e de toda a costa de África” (PARHAM, 1885, 87). As flores da Madeira continuaram a exercer o seu fascínio sobre os visitantes ao longo do séc. XX. Ella Du Cane, que caiu nas graças da Rainha Vitoria, pintou aguarelas delicadas enquanto sua irmã Florence Du Cane escrevia o texto que preenche as páginas de The Flowers and Gardens of Madeira (1909). Florence cita Bowdich, Lyall, Yate Johnson e outros, refere-se a The Discovery of Madeira, escrito em 1750, menciona o dragoeiro, debate a origem de algumas plantas, discute design de jardins e fornece várias sugestões práticas de jardinagem. O livro também contém uma descrição histórica, com as habituais lendas e os costumeiros factos. Entre as mulheres que escreveram sobre a Ilha, contam-se ainda Jessie Edith Hutcheon e Elizabeth Nicholas. Há também, esporadicamente, publicações de especialstas, e.g. The Quintas of Madeira: Windows into the Past, uma obra de Marjorie Hoare sobre arquitetura, horticultura e história social.   Cultura literária A literatura nunca foi o foco da atenção dos visitantes britânicos da Madeira, que, na melhor das hipóteses, tinham um conhecimento rudimentar da língua portuguesa e aceitavam sem a questionar a tese estabelecida de que Portugal não possuía grandes escritores. Helena Parnham é a exceção à regra. Terence Macmahon Hughes – que compôs um poema à Madeira e sobre a Madeira, The Ocean Flower – comentou a poesia portuguesa apenas para a criticar. Os visitantes, quer por motivos de saúde, quer para fazer escala em viagens mais longas, mostravam-se bastante mais interessados na paisagem e na flora. Desde os finais do séc. XV que os Britânicos visitam a Madeira ou se instalam na Ilha, por uma multiplicidade de razões. A Ilha atraiu mercadores e comerciantes, indivíduos com olho para as possibilidades comerciais, primeiro do açúcar, depois do vinho, exportando o Madeira para Inglaterra e as suas colónias, e importando bens para vender aos ilhéus. Estes homens, por sua vez, precisavam de funcionários, e as mulheres deles de criados e de amas para os filhos; as famílias careciam de médicos e de padres, os inválidos e os visitantes de instalações médicas e hotéis, e foi assim que a elite expatriada e abastada se expandiu. Vale a pena perguntar se os Britânicos trataram a Madeira como trataram Portugal continental. Quando a Ilha se tornou estrategicamente importante para os Britânicos, estes não hesitaram em a ocupar, formalizando uma organização colonial que data do reinado de Carlos II. Este comportamento não será surpreendente quando recordamos a ocupação britânica de Portugal durante a Guerra Peninsular e o Ultimatum de 1890. Somos por isso tentados a questionar se as constantes alusões dos escritores de viagens a Robert Machim não serão uma forma subconsciente de legitimar as pretensões britânicas à Ilha. Com o tempo, a Madeira adquiriu o estatuto de “colecionável”. A “pérola do Atlântico” veio a ser estimada pelos Ingleses pelo seu calor benigno e pela beleza da sua flora e das suas paisagens. Era um objeto para admirar e tentar capturar, em texto e em imagem, através de desenhos, de aguarelas ou de fotografias. Tal como outros colecionáveis, podia ser transacionada, sucessivamente “vendida” às gerações de leitores que consumiam livros de viagens, para lhes satisfazer a curiosidade sobre terras distantes e exóticas e a forma de lá chegar. O atrativo da Madeira para os Britânicos talvez resultasse, em parte, da sensação de constituírem uma ilha dentro da Ilha, uma sociedade fechada dentro da qual não tinham de interagir grandemente com o outro – os católicos de pele escura –, num lugar onde os valores centrais da britanicidade podiam permanecer salvaguardados e intactos, mas num clima temperado. Ironicamente, além de divulgarem informações sobre o passado e o presente da Ilha, as obras discutidas tiveram o resultado acidental de construírem a história social dos ingleses na Madeira. Bibliog.: impressa: ADAMS, Joseph, The Superiority of the Climate of Madeira, Etc. An Account of Arrangements Made for the Treatment of Invalids on the Island, s.l., s.n., 1800; Id., Guide to the Island of Madeira. With An Account of Funchal, and Instructions to Those Who Resort thither for Their Health, London, T. N. Longman and O. 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