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leme, jorge da câmara

Filho mais velho do morgado D. João Frederico da Câmara Leme, que também usava o apelido Homem de Sousa, e de D. Maria Carolina Correia Henriques, ou Correia Pinto, filha dos viscondes de Torre Bela, nasceu no Funchal, a 13 de março de 1807. Teve como irmãos D. Luís da Câmara Leme (1817-1904), general, deputado e ministro da Guerra, D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), tenente-coronel, e D. José da Câmara Leme (c. 1825-1883), capitão do estado-maior, secretário do ministro da Guerra e oficial às ordens honorário do rei D. Luís. Este ramo dos Câmara Leme descendia dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de Catarina Gonçalves da Câmara, filha de Zarco, descendência que se cruzou com os Leme (Genealogias), nos inícios do séc. XVII e de que a principal figura foi, em Seiscentos, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). O pai de D. Jorge da Câmara Leme, o morgado D. João Frederico, era ainda sobrinho materno do 1.º conde de Carvalhal, pois era filho da irmã do próprio, D. Ana Josefa de Carvalhal, que casara com João Francisco da Câmara Leme, tendo desposado com uma prima em segundo grau, Correia Henriques de Noronha, ou Correia Pinto, como indicámos, neta materna do 1.º visconde de Balsemão. D. Jorge da Câmara Leme seguiu a carreira militar, assentando praça, como voluntário, a 2 de dezembro de 1826, na 1.ª companhia de granadeiros do regimento de infantaria 4. Mas integrou-o por pouco tempo, pois, com a instalação do governo absolutista do infante D. Miguel, o regimento foi dissolvido. Devido às suas ideias liberais, emigrou, pouco depois, para Inglaterra, ao contrário do tio João Carlos Correia Brandão de Bettencourt Henriques de Noronha, 2.º visconde de Torre Bela (1794-1875), ajudante-de-campo de D. Miguel e um dos poucos morgados madeirenses que abraçou o absolutismo. D. Jorge passou, depois, à ilha Terceira, nos Açores, alistando-se no batalhão de caçadores 5, que desembarcou na praia de Mindelo, a 8 de julho de 1832, e participando em toda a campanha liberal, até à convenção de Évora Monte, tendo, na ocasião, o posto de alferes. Todos os seus irmãos integravam, então o exército e , pouco tempo depois, por volta de 1835, pediu a reforma, como tenente, tendo fixado residência na Madeira. Apenas temos notícias da sua participação na vida pública madeirense perto de meados de Oitocentos, no início do governo do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891). As primeiras informações datam das eleições, determinadas para 1846, mas realizadas somente nos finais de 1847, depois dos pronunciamentos da revolução da Maria da Fonte. As circulares para as eleições na Madeira começaram a ser expedidas nos finais de setembro de 1847, mas, em novembro, ainda não se sabia como suprir a falta de D. Jorge da Câmara Leme, que fora nomeado para coordenar as comissões de revisão dos recenseamentos e que, com os pronunciamentos revolucionários desse ano, a referida Maria da Fonte, se retirara da vida pública do Funchal. O seu nome aparece mencionado, na mesma altura, na administração do Asilo de Mendicidade do Funchal, mas não sabemos se, dada a instabilidade política do período, terá abdicado da função. O governador conseguira que o bispo do Funchal, D. José Xavier de Cerveira e Sousa (1810-1862), assumisse a direção geral do asilo, integrando na administração D. Jorge da Câmara Leme e outros elementos da sociedade madeirense, que “tiveram a bondade de se prestarem gostosos a esse serviço”, como refere o próprio governador (FREITAS, 1852, 19-20 e 48-49). A comissão do asilo principiou, a 21 de abril, com cinco membros, aumentando para sete, a 23 do mesmo mês. Começou por funcionar no edifício do extinto convento de S. Francisco, mas, pouco depois, passou para as instalações das Angústias, iniciadas para servir essa mesma função. Como os terrenos haviam pertencido a D. Guiomar Madalena de Vilhena e, depois, passaram ao seu sobrinho bisneto, o 1.º conde de Carvalhal, sendo cedidos para construção do asilo, talvez D. Jorge da Câmara Leme, como herdeiro de ambos, tenha participado, pelo menos, nesta primeira fase da reinstalação. No entanto, somente temos referência ao próprio devido ao seu falecimento, que ocorreu a 8 de julho de 1889, e muito depois desta data.     Rui Carita (atualizado a 14.12.2017)

História Militar

leme, joão frederico da câmara

Filho do morgado homónimo, que também usava o apelido Homem de Sousa, e de D. Maria Carolina Correia, filha dos viscondes de Torre Bela, nasceu no Funchal, a 18 de março de 1821. Teve como irmãos o Ten. D. Jorge da Câmara Leme (1807-1889), que colaborou ativamente nas lutas liberais, o deputado e general D. Luís da Câmara Leme (1817-1904), ministro da Guerra e D. José da Câmara Leme (c. 1823-1883), capitão do estado-maior. Descendiam do ramo dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de uma das filhas de Zarco, descendência que se cruzou com os Leme (Genealogias), nos inícios do séc. XVII e de que a principal figura foi, nos meados e finais de Seiscentos, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). D. João Frederico da Câmara Leme seguiu, como os irmãos, a carreira militar, assentando praça, como voluntário, no batalhão de infantaria 16, em Évora, a 3 de outubro de 1842, já com alguma idade para a época. Aí serviu “2 anos, 5 meses e 16 dias” (AHM, Processos individuais, João, 6-19), até 18 de março de 1845, data em que foi promovido a alferes, por decreto, passando a porta-bandeira do regimento de granadeiros da rainha, em Lisboa. Promovido a tenente, por dec. de 1 de agosto de 1849, integrou o batalhão de caçadores 6, a 18 de outubro de 1850 e, no ano seguinte, por dec. de 5 de julho, foi promovido a capitão graduado, contando antiguidade desde 29 de abril. Por razões que se desconhecem, muito provavelmente para assumir o controlo das propriedades da família e entrar na vida política, algo que seu irmão D. Luís começara a ensaiar em Lisboa, optou por ser colocado na disponibilidade, por dec. de 15 de janeiro de 1852, passando para ajudante do corpo de artilheiros auxiliares da ilha da Madeira, por dec. de 27 de julho de 1856, ano em que o irmão foi eleito deputado pela Madeira; D. João Frederico tornou-se ainda capitão do corpo auxiliar, por dec. de 25 de novembro de 1861. Nos anos de 1857 a 1862 decorreu um conflito político, com aspetos anticlericais, envolvendo a presença das ordens religiosas em Portugal e que levou as irmãs de S. Vicente de Paulo a abandonarem o Hospício Princesa D. Maria Amélia e até o país. Nos meados de março de 1859, o gabinete do duque de Loulé, que formava a nova corrente progressista histórica, caiu, perante a dissidência de alguns dos seus próprios apoiantes. O novo governo, então constituído pelo Partido Regenerador e com o qual voltava, novamente, António Maria Fontes Pereira de Melo, terá tentado fazer outras alterações, mas a sua vigência durou pouco tempo. Assim, foi nomeado governador civil do Funchal, por dec. de 21 de maio de 1860, o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme, que comunicou a tomada de posse a 27 de maio, através de um impresso dirigido às autoridades superiores do distrito. Mas, em breve, a correspondência continuaria a ser assinada pelo anterior governador, o 2.º conde do Farrobo (1823-1882), genro do duque de Saldanha (1790-1876), como se nada se houvesse passado. Não deixa de ser curioso que, nos documentos do processo militar individual de D. João Frederico da Câmara Leme, não conste qualquer documentação desta sua primeira nomeação para governador civil, nem haja referência a ela nos registos biográficos de Luiz Peter Clode ou no Elucidário Madeirense. Os inícios de 1868 foram marcados, no Funchal e uma vez mais, pela tentativa de tomada do palácio de S. Lourenço pelo antigo administrador do Porto Santo, João de Santana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt (1825-1892). Como membro, à data, do conselho de distrito, porque era chefe do Partido Regenerador, e tendo sido exonerado o anterior governador e conselheiro, Jacinto António Perdigão, por dec. de 16 de janeiro, passado este a governador civil de Bragança, a 30 desse mês, João de Santana de Vasconcelos enviou uma circular a todas as autoridades insulares a informar que tinha tomado posse nesse dia. Porém, desta vez, ficou em S. Lourenço apenas cerca de 10 dias. Com efeito, a 10 de fevereiro, tomou posse o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme, nomeado por dec. de 25 de janeiro de 1868. D. João Frederico deparou-se com uma situação muito difícil e à qual, nesta sua segunda permanência no Governo Civil, não conseguiu responder da melhor maneira, até porque não teve cobertura política do governo do central. Os finais de 1867 tinham sido marcados por uma subida generalizada dos preços, motivada pela situação de difusão geral da crise no país e agravada pelo imposto da sisa, ou imposto sobre o consumo, na ordem dos 6,5 %. Este valor, decretado em dezembro, que deu origem a graves tumultos por todo o continente, em breve se espalhava à ilha da Madeira. O movimento ficou conhecido como janeirinha, dado ter decorrido nos primeiros dias de janeiro de 1868, resultando em vários motins, tendo sido um, no Funchal, designado por pedrada, o responsável por ter impedido o desembarque de Jacinto de Santana e Vasconcelos (1824-1888). O capitão e governador civil D. João Frederico da Câmara Leme, depois do sucedido no Funchal e, especialmente, na Câmara de São Vicente, onde, entretanto, se deslocou, devido a novos tumultos (Tumultos populares), deve ter sentido uma profunda insegurança no palácio do governo de S. Lourenço. Assim, em abril desse ano, requisitou mesmo uma força militar para ficar em permanência nas imediações do palácio, “não só para defesa do cofre central, como dos arquivos que existem no mesmo edifício” (Alfândega do Funchal) (ARM, Alfândega do Funchal, liv. 680, 18 abr. 1868). A força ficou aquartelada nos armazéns de bagagens da Alfândega, de forma algo provisória. E, com o decorrer dos acontecimentos, depois de 1870, tomou mesmo assento definitivo, quando D. João da Câmara Leme ocupava já o lugar de governador civil. Para o efeito, por proposta do próprio governador e após a aprovação da Junta Geral, foram adquiridas, em Lisboa, 30 camas “e seus pertences”, transportadas para a Madeira no vapor Maria Pia. D. João Frederico da Câmara Leme foi exonerado pelo novo executivo, do açoriano conde de Ávila (1806-1881), que lhe ofereceu o lugar de governador civil de Santarém, para o que teve decreto de nomeação, a 25 de janeiro de 1868, “dada a desistência do coronel Francisco de Mello Breyner” (AHM, Processos individuais, João, 6-19), mas não aceitou o lugar. No entanto, só veio a ser exonerado a 9 de setembro e, a 14 de outubro, dado que “frequentara o tirocínio para oficial superior em Lisboa” (Id., Ibid.), foi de novo colocado no batalhão de caçadores 12 do Funchal, como regista o despacho do rei D. Luís e do marquês de Sá da Bandeira, tendo tido ordem de embarque para o Funchal, a 9 de outubro do mesmo ano. O periódico A Revolução de Setembro, por essa altura, transcrevia uma série de notícias da ilha da Madeira: “Dizem-nos cartas dali, que foi muito mal recebida a notícia ‘encapotada’ da transferência para Santarém do governador civil D. João da Câmara Leme. Não ajudou também a notícia de que o Frade [deverá tratar-se do bispo de Viseu, D. António Alves Martins (1808-1882), que fora franciscano e era então um dos elementos proeminentes do Partido Reformista] apresentara e premeditara impor como deputado governamental pelo círculo da Ponta do Sol o ex-deputado Lampreia”; “Dizem também, que o marquês de Sesimbra, novo governador, não será bem recebido. ‘O Direito’ e ‘A Ordem’, jornais de mais confiança na Ilha, passaram à oposição. Já o esperávamos: Quem tem Razão Direita, não podia andar por muito tempo desviado do Bom Caminho” (A Revolução de Setembro, 26 set. 1868). O Governo do marquês de Sesimbra (1839-1887), décimo quarto filho do duque de Palmela (1781-1850) e o Governo seguinte, do visconde de Andaluz, que viera como secretário-geral do marquês de Sesimbra, foram de vaga gestão da crise motivada pela oposição dos duques de Loulé e Saldanha, que se alternaram à frente do gabinete ministerial de Lisboa. A situação manteve-se até às eleições de julho de 1870, mas configurava-se uma nova nomeação para o Funchal. O governo cessou funções a 26 de outubro, mas, já então, o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme estava novamente nomeado governador civil do Funchal, voltando a tomar posse, então com um Te Deum na sé do Funchal, a 31 de outubro de 1870, tal como comunicou às restantes entidades superiores da Ilha, em informação impressa. A nomeação fora bastante anterior, pois fora mandado “marchar para Lisboa”, por “ordem telegráfica” do ministério da Guerra de 20 de maio desse ano, como refere o comandante do batalhão de caçadores de Tomar, onde estava colocado (AHM, Processos individuais, João, 6-19). No dia seguinte, 21 de maio, foi colocado no seu lugar, em Tomar, o Cap. Alexandre Magno de Campos, perguntando o comandante se o mesmo também ficava na situação de “supranumerário”, como estava Câmara Leme (Id., Ibid.). As eleições e as nomeações eram acordadas, muitas vezes, entre os quadros madeirenses, em Lisboa e no Funchal, como expressa uma carta de 15 de março de 1869, onde o diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901) voltava a dar instruções ao irmão, o então cónego D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880), ainda não sabendo se concorreria às eleições de 1870, estando dependente do número de deputados a eleger por cada círculo eleitoral na Madeira. Equacionava, assim, as posição dos irmãos D. João Frederico e D. Luís da Câmara Leme, adiantando uma situação interessante, que era o ministro do Reino ter “muita repugnância a aceitar o João Câmara, porque o Luís tem feito e faz aqui uma guerra terrível ao ministério, procurando excitar contra ele os militares que estão geralmente descontentes com as reformas que feriram os seus interesses” (GOMES, 1997, 98-99). D. João Frederico da Câmara Leme, desta vez, estaria à frente dos destinos da Madeira durante mais de cinco anos, o que foi um verdadeiro recorde para o tempo, só ultrapassado pelo conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891), que esteve seis anos em S. Lourenço. Entre outros apoios, pois fora nomeado por um gabinete “histórico” e o seguinte, “regenerador”, confirmou-o, contando com uma certa estabilidade governativa por parte dos novos gabinetes de Fontes Pereira de Melo, gozou de um muito especial auxílio: o do bispo do Funchal então nomeado, uma das mais interessantes personalidades da Igreja da Madeira: D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880). Confirmado bispo titular de Gerasa, em 1871, nos inícios e meados de 1872, foi governador da diocese do Funchal e a 27 de outubro de 1872, tomou posse efetiva do bispado. Familiar, em certa medida próximo, do governador civil, como todos os grandes morgados insulares, e vindo a sofrer, à frente da diocese, os mesmos problemas que D. João da Câmara Leme enfrentava no governo civil, estabeleceu-se uma discreta, mas profícua colaboração entre ambos, apoiados nos irmãos deputados em Lisboa, embora não ao mesmo tempo: D. Luís da Câmara Leme e o diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos. O governador civil procurou outros apoios ao longo do seu mandato, nomeadamente, no Conselho do Distrito, cujo vogal era Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875), elevado a visconde de São João a 3 de maio de 1871 (São João, visconde), e na nova Junta Geral do Distrito. Nas eleições de 1874 ocorreram alguns distúrbios, nomeadamente, no Porto Moniz, para onde o governador teve de destacar uma força militar, mas essas eleições elegeram de novo o seu irmão general, D. Luís da Câmara Leme, pelo Partido Popular. Ao longo desse ano, instalou-se progressivamente o telégrafo submarino, com o qual o governador foi comunicando oficialmente às restantes autoridades superioras da Ilha. D. João Frederico da Câmara Leme começou a acusar algum desgaste pelos cinco anos de governação, que, inclusivamente, lhe haviam afetado a saúde. Por isso, nos inícios de 1876, pediu a sua exoneração, concedida a 1 de maio desse ano. Entretanto, também nos começos de 1876, já estaria indigitado um novo governador civil para o Funchal, Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, cuja comunicação de nomeação terá chegado a 7 de abril. Levando este algum tempo em Lisboa, tomou posse do lugar interinamente, a 18 do mesmo mês, o novo secretário-geral Joaquim Curado de Campos e Meneses. A 8 de maio, tomou posse o antigo morgado das Cruzes, Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), membro do Conselho do Distrito, segundo o art. 223.º do Código Administrativo. E, a 10 de junho, finalmente, o novo governador Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro. O ex-governador D. João Frederico da Câmara Leme casara, a 30 de julho de 1854, com D. Maria Carlota da Gama Freitas Berquó, filha do militar e político brasileiro marquês de Cantagalo (1794-1852). Do matrimónio resultou uma descendente, D. Maria Teresa da Câmara Leme, nascida a 10 de maio de 1854 e falecida em 1942, mas que não casou, não havendo, assim, sucessão, como aconteceu a todos os outros três irmãos de D. João Frederico. D. João Frederico estava, então, colocado em Tomar, embora essa colocação não conste na sua folha de matrícula militar. Foi daí que partiu, em 1870, para ser governador civil do Funchal, vindo a faleceu na mesma cidade, como Ten.-Cor., a 6 de fevereiro de 1878. Foi cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada (1847) e da de Avis (1862), comendador da de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (1867), possuindo ainda as medalhas de Valor Militar, Bons Serviços e Comportamento Exemplar (1866 e 1867).   Rui Carita (atualizado 14.12.2017)

História Militar Personalidades

junta autónoma dos portos

Em 1913, sucedendo a uma comissão de melhoramentos nomeada em 1911, foi criada a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal, que visava, essencialmente, as várias obras do complexo do porto do Funchal, envolvendo a Junta Geral, a Junta Agrícola, as Obras Públicas, a Alfândega, a Associação Comercial e a capitania do Porto, entre outras. Esse órgão foi reformulado em 1936, passando a designar-se Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira. Mais tarde, com a autonomia e a instituição do Governo Regional, foi novamente reformulada, dando origem, juntamente com outras entidades, à empresa Portos da Madeira, sob a coordenação e superintendência da vice-presidência do Governo Regional. Palavras-chave: Associação Comercial e Industrial do Funchal; Junta Agrícola; Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal; Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal; Laboratório Nacional de Engenharia Civil; Ministério das Obras Públicas.   A Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal foi criada por decreto, a de 13 de agosto de 1913 e regulamentada em 1915, sucedendo a uma comissão de melhoramentos, nomeada por portaria de 8 dez. 1911, com base nos trabalhos então editados por Adriano Augusto Trigo (1862-1926). O novo organismo visava, essencialmente, as várias obras do complexo do porto do Funchal, envolvendo a Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal (JGDAF) (Junta Geral), a Junta Agrícola, as Obras Públicas do Distrito, a Alfândega, a Associação Comercial (Associação Comercial e Industrial do Funchal) e a capitania do Porto, entre outras. Pretendia-se, assim, encontrar uma estrutura que conseguisse ultrapassar as dificuldades de cativação de verbas para as obras de um futuro porto artificial do Funchal, assunto que se arrastava desde o séc. XVIII (Porto do Funchal). Todavia, tendo arrecadado verbas até 1922 e aberto concurso para as obras do porto, em março desse ano, o mesmo não conheceu interessados. Por isso, houve que alterar as bases do documento e abrir um novo concurso, em janeiro de 1923, sendo as obras, então, adjudicadas a uma firma que foi constituída em Londres para o efeito, a Fumasil Company Limited. A nova firma não iniciou sequer as obras, acabando por se rescindir o contrato e abrir um outro concurso, que decorreu em 1930, após uma nova reformulação da junta do porto, em 1926. As obras, no entanto, continuaram abaixo das necessidades regionais, voltando a junta a ser reformada, em 1934 e a 5 de setembro de 1936, alterando-se, então, a designação para Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira (JAPAM). A construção de um novo molhe vertical ocorreu entre outubro de 1934 e outubro de 1939, mas as obras efetivadas já estavam ultrapassadas pelo desenvolvimento dos transportes marítimos. Com o final da Segunda Guerra Mundial, as principais entidades regionais movimentaram-se no sentido de promover uma ampliação do molhe de acostagem, tendo em conta as necessidades das grandes companhias de navegação. Depois de se auscultar inúmeras entidades relacionadas com a matéria, nomeadamente a Union Castle, em maio de 1947, surgiu o anteprojeto dos melhoramentos do porto. Era da autoria Eng. José de Sena Lino, que veio a ser diretor do porto, e foi desenvolvido, em dezembro de 1949, com o apoio do então capitão do porto, o comandante João Inocêncio Camacho de Freitas (1899-1969), mais tarde, governador civil. Foram envolvidas nesta nova fase de ampliação, entre 1955 e 1962, especialmente, as entidades superiores nacionais da área dependentes do Ministério das Obras Públicas, como, p. ex., a Direção-geral dos Serviços Hidráulicos e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, ficando a JAPAM com a gestão regional do importante empreendimento, em estreita articulação com a JGDAF. Com a autonomia e a instituição do Governo Regional da Madeira, estas juntas foram reformuladas, dando origem à empresa regional Portos da Madeira, sob a coordenação e superintendência da vice-presidência do Governo Regional.   Rui Carita (atualizado a 18.12.2017)

História Económica e Social

juiz da alfândega

O juiz da Alfândega era o funcionário que superintendia a administração da Alfândega. A ele competia, não só o julgamento dos casos sobre a administração da fazenda, como a coordenação da ação dos oficiais da repartição, como o almoxarife e os escrivães, estabelecendo o horário de serviço, os produtos que podiam ser despachados, no calhau, sob a sua supervisão. Em caso de negligência, que implicasse dano e descaminho de direitos à Fazenda Real, tinha poder para penhorar os bens do almoxarife e dos escrivães. Este cargo surgiu, na Madeira, em 1477, com a criação das alfândegas, sendo exercido pelo contador do Duque, em regime de acumulação. Assim, por provimento de 19 de setembro de 1477, Luís de Atouguia assumiu o cargo de juiz das Alfândegas do Funchal e Machico. A 20 de fevereiro de 1490, foi expedida uma carta régia dando a Francisco Álvares o ofício de contador e juiz da Alfândega. Em alvará de 15 de novembro de 1562, foi nomeado provedor da Fazenda da ilha da Madeira e juiz da Alfândega do Funchal o doutor Pedro Fernandes. Todas as demandas sobre os escrivães e oficiais da Alfândega eram também julgadas perante o juiz, de acordo com o alvará de 15 de junho de 1511. Na casa da Alfândega, o processo de despacho era presidido pelo juiz, coadjuvado pelo almoxarife e pelos escrivães que atribuíam o valor a ser dizimado. O juiz mais velho controlava toda a ação e superintendia à Mesa Grande, onde se concediam as fianças para o embarque de entrada ou saída das mercadorias. A partir do séc. XVI, a função de despacho passou para o feitor, pelo que o juiz assumiu o papel de coordenação e supervisão das questões de direitos alfandegários ou pleitos que envolviam a Alfândega. O juiz da Alfândega deveria, anualmente, deslocar-se à metrópole para prestar contas, sendo substituído por uma pessoa da sua confiança. Francisco Álvares foi substituído por quatro vezes: em janeiro de 1505, por Antão Gomes, em julho de 1508, por João Rodrigues de Parada, de março de 1518 a julho de 1520, por João de Freitas e, em 1524, por João de Ornelas de Vasconcelos. Até 1563, eram dois os juízes, um para cada Alfândega da Ilha. Nesta data, foi provido o primeiro juiz da de Santa Cruz sendo, até então, o cargo acumulado pelo do Funchal. Em meados do séc. XVI, o do Funchal acumulava as funções com as do de Machico, separando-se estas funções a partir de 1563, com a nomeação de Tomé Alvares Usadamar. Sucedeu, assim, em 1646, aquando do conflito entre o Gov. Manuel de Sousa Mascarenhas e este juiz, que, ao receber voz de prisão, se refugiou no paço episcopal e solicitou a sua substituição. Em 1508, com a criação da Provedoria da Fazenda no Funchal, o então contador Francisco Álvares passa a acumular os cargos de juiz da Alfândega e provedor, passando a designar-se provedor da Fazenda, por carta régia de 25 de setembro. O seu rendimento anual compreendia 10.220 reais pelo cargo de contador e 4880 reais pelo de juiz da Alfândega. Em 1554, a Coroa enviou à Ilha o doutor Pedro Fernandes, na qualidade de juiz de Fora, provedor e juiz da Alfândega. Mas esta situação deixou de ser possível, passados oito anos, uma vez que a Coroa, em 1562, proibiu a acumulação dos cargos de provedor e juiz da Alfândega pelo juiz de Fora, tendo sido Lourenço Correia o último a acumular estas funções, por provimento de 1559. Em 1580, o cargo estava nas mãos do corregedor, com as funções de vedor da Fazenda, por os capitães que as exerciam estarem ausentes da Ilha. Em 1582, com a nomeação de João Leitão para o cargo, a Coroa filipina associou-o ao de corregedor. Encontramos o regimento, para estes cargos, em Lisboa [1520] e Porto [1535], faltando um regimento específico para a Madeira, havendo apenas o do juiz do Mar de 15 de abril de 1520. Apenas em 16 de novembro de 1774 existe alvará sobre a jurisdição dos superintendentes gerais e juízes das alfândegas. Até princípio do último quartel do séc. XV, o movimento de carga e descarga, no calhau do Funchal, fazia-se na presença dos oficiais do Duque ou dos seus rendeiros; desde então, o juiz da Alfândega, com os almoxarifes e os escrivães, passou a controlar toda a atividade, lançando os direitos de acordo com o regimento; a partir de 1497, o despacho dos navios era supervisionado por um juiz e um vereador da CMF. A partir de 1499, a Coroa lançou um adequado sistema fiscal, assente em duas instituições: os Almoxarifados da Alfândega e os dos Quartos. A primeira intervinha no movimento de entradas e saídas e na cobrança dos respetivos direitos, enquanto a segunda estava vocacionada para a arrecadação dos direitos que oneravam a colheita de açúcar. Finalmente, em 1508, deu-se nova forma ao sistema fiscal, na Madeira, com o estabelecimento da Provedoria da Fazenda. Em 1824, existe notícia de uma demanda entre este e o comandante da galera inglesa Larkins, acerca da existência, a bordo, de mais de 5 pipas de vinho baldeadas da galera Isabel Sompson, tendo-se descoberto uma fraude na escrituração do vinho embarcado. O juiz reclamou por uma reforma nos métodos de escrituração dos livros de registo de exportação, de modo a evitar danos à Fazenda Real, uma vez que os estrangeiros e, de modo especial, os ingleses se serviam de vários subterfúgios para se subtraírem ao pagamento dos direitos. A um deles se referia, em 1779, um informe sobre os direitos do vinho que dizia que compravam o vinho sem preço e que solicitavam de imediato ao juiz da Alfândega a devida autorização ou franquia para a sua saída ou abriam a saída sobre a fiança de 4000 réis por pipa, valor que ficava depois da avaliação. Perante as desordens que se repetiam de ano para ano, só uma solução seria possível com o estabelecimento de um preço de custo invariável, a pauta, ou seja, a fixação de um direito de saída. A medida do preço fixo havia sido solicitada, em outubro de 1799, pelos comerciantes, numa representação em que reclamavam nova regulamentação, segundo o processo de 1776, no qual o preço fora fixado em 4200 réis. A Junta decidiu taxar os direitos por um período de quatro anos com a finalidade de ao fim desse período apresentar conta da necessidade de os aumentar ou diminuir. Em 1822, o negociante Pedro Santana havia afiançado, na Alfândega, a descarga do vinho para o Rio de Janeiro e Lisboa. Terminado o prazo de entrega da prova, foi obrigado a pagar a outra metade dos direitos. O mesmo reclamou da decisão de cobrança, solicitando, em requerimento, a prorrogação do prazo por mais 8 meses. Em 1825, os direitos cifravam-se em metade, abrangendo o Brasil, o reino, mas limitando-se apenas às embarcações nacionais ou brasileiras. O vinho de roda passa a ser um problema por causa da cobrança dos direitos, a partir do séc. XIX. O consignatário deste vinho solicitava apenas à Mesa Grande da Alfândega crédito ou fiança para embarque. A situação colocou entraves à arrecadação dos direitos reais, pois, como refere a Junta, em portaria ao juiz da Alfândega, os vinhos de roda eram uma ilusão manifesta e prejudicial aos interesses reais na cobrança dos direitos em Mesa e dos créditos ou fiança legalmente concedidos. Vários diferendos aconteceram em torno da ação deste funcionário superior da alfândega, por força de questões com o despacho de mercadoria e com o contrabando. Aquando da ocupação inglesa da Ilha, em princípios do séc. XIX, o general Gordon reclama de uma posição de privilégio, sentindo-se incomodado com o facto de o juiz da Alfândega ter mandado abrir alguns volumes que lhe eram consignados, retorquindo o juiz que a isenção de direitos era apenas para artigos de uso pessoal. Exerceram o cargo de juiz da alfândega: Luís de Atouguia, Francisco Álvares, Antão Gomes, António de Carvalho, Cristóvão Esmeraldo, Leonis Simões Homem, Lourenço Correia, Diogo Luís, Jorge Moniz de Menezes, Manoel Caetano Cezar de Freitas, João de Ornelas de Vasconcelos, João Rodrigues de Parada, João de Freitas e Tomé Mendes de Vasconcelos.   Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

História Económica e Social

joeiras

Os jogos tradicionais e as brincadeiras constituem formas de estar, formas de sociabilizar e, embora possuam características universais, identificam uma cultura, na medida em que entre os seres humanos é a cultura que determina a forma de jogar. Um dos mais populares jogos ou brincadeiras tradicionais é o lançamento de papagaios de papel. Na Madeira estes artefactos voadores são conhecidos por joeiras. A origem da designação “joeira” pode dever-se ao facto de o desenho da sua estrutura ser semelhante à estrutura de um utensílio, com o mesmo nome, utilizado nas eiras para separar o trigo do joio e utilizado também pelos pescadores. Palavras chave: papagaios de papel, joeiras, brincadeiras tradicionais, barbante, canas-vieiras, cola. No começo do séc. XXI, é normal ver uma criança que, ao mesmo tempo, navega na Internet, folheia uma revista, fala ao telefone e ainda vê televisão. Em períodos anteriores, porém, as crianças disponibilizavam uma parte do seu dia para brincar com carrinhos, jogar ao pião e lançar papagaios. Duas realidades que estão cada vez mais distantes. As brincadeiras infantis mudaram muito. Houve períodos em que a maioria das crianças tinha poucos brinquedos e, por isso, tinha de usar mais a criatividade para os criar. Os brinquedos tradicionais, construídos pelas crianças com os materiais disponíveis no meio envolvente, utilizando a sua imaginação, fazem parte do património lúdico de uma cultura. Assim, os jogos tradicionais e as brincadeiras constituem formas de estar, formas de sociabilizar e, embora possuam características universais, identificam uma cultura, na medida em que, entre os seres humanos, é a cultura que determina a forma de jogar. Um dos mais populares jogos ou brincadeiras é tradicionalmente o lançamento de papagaios de papel. Existem teorias, lendas e suposições que dizem que o primeiro voo de um papagaio de papel ocorreu em tempos diferentes e em várias civilizações. Na versão mais antiga, os papagaios de papel nasceram na China no ano 200 a.C.. Por sua vez, no Egito, existem hieróglifos sobre objetos que voavam controlados por fios, e os fenícios também já conheciam o seu segredo, assim como os africanos, indianos e polinésios. Nos países orientais, sempre foi grande a utilização de papagaios com motivos religiosos e míticos, como atrativos de felicidade, sorte, nascimento, fertilidade e vitória. Por volta de 1250, o Inglês Roger Bacon escreveu um estudo sobre asas acionadas por pedais, tendo como base experiências realizadas com papagaios de papel. Pensa-se que os papagaios de papel foram introduzidos em Portugal durante o séc. XVII, a partir do Oriente. Salvo a utilização militar estes objetos mágicos sempre tiveram o poder de alegrar, ajudar e dar esperança à humanidade. Posteriormente, em 1901, Marconi utiliza papagaios de papel para fazer experiências com transmissão de rádio, que mais tarde Bell utilizaria como testes do seu invento, o telefone. Durante a Segunda Guerra Mundial, os papagaios de papel eram utilizados pelos alemães para observar as movimentações das tropas aliadas ou como alvo móvel para exercícios de tiro. Nos começos do séc XXI, tanto em Portugal como no Brasil (onde os papagaios de papel têm a designação de “pipa”, e uma forma diferente dos papagaios construídos em Portugal) não estão totalmente esquecidos. Podemos ver em algumas cidades destes dois países crianças e adultos a brincar com papagaios, objetos que ocorrem também como material publicitário e em obras de ficção televisiva. É oportuno ainda referir que um artigo publicado pela revista Visão de 30 de julho de 2015, intitulado “Ideias para sobreviver às férias grandes dos miúdos”, sugere a construção destas brincadeiras: “Lançar um papagaio de papel. E façam-no, primeiro. Pode reciclar o que tiver por perto: um saco de lixo ou uma toalha de papel, estacas em bambu ou pauzinhos chineses para o papagaio ficar direito e uma corda de nylon. O essencial é que a estrutura se mantenha leve, de forma ir pelo ar com um pouco de vento. A ver quem consegue mantê-lo a voar mais tempo”. (“Ideias…”, Visão, 9 ago. 2015). Na Madeira, estes artefactos voadores são conhecidos por joeiras. Trata-se de objetos mais pesados que o ar, mas que, uma vez impelidos pelo vento, são manobrados a partir do solo com um barbante (fio de dois ou mais cabos torcidos, possivelmente oriundo da província de Brabante – Holanda), que serve de ligação entre o objeto e o alteador (pessoa que manobra a joeira). A origem da designação (joeira) pode estar no facto de o desenho da sua estrutura ser semelhante à estrutura de um utensílio com o mesmo nome, utilizado nas eiras para separar o trigo do joio e utilizado também pelos pescadores. Como se referiu atrás, os artefactos voadores recebem na Madeira, em geral, a designação de joeiras; contudo, segundo Agostinho Vasconcelos, os objetos de voo à vela podem ser classificados quanto à estrutura (feitos de cana vieira, inteira ou rachada) e quanto ao desenho (executados com linha de coser, no interior da carcaça, ou recortados no papel colorido dos forros). Quanto à sua estrutura, podem ser papagaios, bacalhaus, joeiras, rodas e aviões. De referir que os papagaios não têm qualquer estrutura de suporte preliminar; contudo, excecionalmente poderão ter uma estila (lasca de cana ou de outra planta), que será usada como reforço para lhe dar estabilidade. O bacalhau tem estrutura inicial ou de suporte ao forro (papel de seda ou outro material, como plástico, celofane, tecido fino, entre outros), com duas ou mais canas, dispostas em cruz, parecendo um bacalhau salgado seco. Por sua vez a joeira tem uma armação feita com três canas, as quais são fixadas com um alfinete, ou arame fino, no seu ponto médio; ao passarmos uma linha equidistante nos seus extremos, aparecerá um polígono hexagonal. Semelhante à joeira, temos a roda, construída com quatro ou mais canas, dispostas como no caso anterior, radialmente (ligando todos os extremos ou mais, conforme as canas utilizadas). Por fim temos o avião, estrutura de cinco ou mais canas, dispostas de modo a parecer a forma daquela nave. Quanto ao desenho, a forma de estrela pode ser encontrado em vários artefactos voadores; mas este desenho é mais comum e facilmente reconhecível nas joeiras e nas rodas. Para se construir uma joeira, as crianças usavam o material que tinham ao seu dispor, nomeadamente: pincel (para espalhar cola); alicate (para cortar e torcer os alfinetes); plaina (para preparar as canas rachadas); régua (guia, para cortar em linha reta o papel); agulha (para armar o desenho, com linha); alfinetes (que servem de eixo às canas); lápis (para marcar o papel antes de colar); teco (para auxiliar na colagem); tesoura (para cortar o papel e a linha); afiador (para afiar os instrumentos cortantes); passador (para puxar a linha, para fazer o nó); pinça (para repuxar o papel); canivete (para preparar as canas); faca (para cortar o papel). As matérias-primas eram constituídas essencialmente pelo que a natureza disponibilizava e por alguns materiais reutilizados; são elas: folhas de papel de seda (para o forro das joeiras); papa de milho/semilha (utilizadas como cola); novelos (barbante de joeira ou linho); tubo de linhas (fibra artificial e para fazer a configuração dos desenhos, no interior); fio torcido (algodão) e canas (inteiras ou rachadas) para a estrutura. Contudo, outros materiais poderão ser utilizados, dependendo essencialmente da criatividade do construtor das joeiras. As joeiras estiveram e estão bastante presentes no quotidiano madeirense. Podemos encontrar referência a estas brincadeiras na literatura, e.g. no conto “A beleza das joeiras”, de Graciela Dias da Silva, inserido na obra Rasgos da Minha Infância: – Não foram compradas as joeiras. […] Mas… pergunta o miúdo: – Como as fizeram?!... Pacientemente, elucida-o o professor com palavras tão radiantes de frescura, que o deixam atento ao seu discorrer!... E fala-lhe das diversas fases da elaboração de uma joeira, a saber: – Depois de cortado devidamente o papel de seda e ajustadas as ripas de cana, inventariam o conjunto, segundo o modelo previamente escolhido. – Em segundo plano, é só colar o papel, geralmente com uma massa feita de farinha e água. – Finalmente, após a secagem e, para que seja mantido um certo equilíbrio, apõem ao papagaio um rabo, feto de pano esfrangalhado, a capricho (SILVA, 2011, 49-50). Encontramos também referência às joeiras na obra de Manuel Pita Ferreira, Natal na Madeira – Estudo Folclórico: “Fecham o cortejo, o músico do bombo, o dos pratos e o da caixa, marcando o ritmo da marcha e numeroso bando de rapazitos com as mãos cheias de canas de foguetes e as algibeiras abarrotadas de canudos. Vêm contentíssimos, porque encontraram um tesouro, – canas e barbante para as joeiras” (FERREIRA, 2010, 15) Também na tradição oral é frequente encontrar referências à construção e utilização de joeiras, e.g. numa quadra popular dedicada a S. João: “São João / São João da Ribeira / dá-me vento, / para altear esta joeira”. Por fim, é oportuno ainda verificar que em várias freguesias da ilha da Madeira são feitos concursos de joeiras, com destaque para os concursos organizados pela Junta de Freguesia de S. Roque, pela junta de Freguesia de Machico, pelos Cursos de Educação e Formação de Adultos da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos da Torre, em conjunto com a Casa do Povo de Câmara de Lobos; também nos concelhos da Calheta e da Ponta do Sol há concursos deste género. De uma maneira geral, os objetivos destes diferentes concursos são: reavivar a tradição da construção e do lançamento de joeiras; incentivar o gosto pelos jogos tradicionais; estimular a criatividade e a imaginação dos participantes; incentivar o convívio intergeracional; promover atividades ao ar livre; e realizar atividades educativas e culturais que envolvam toda a comunidade. Os critérios de seleção dos vencedores são, em geral: criatividade e inovação; utilização de materiais recicláveis e tempo de voo.  Todos estes concursos têm grande recetividade por parte do público, tanto dos jovens como dos menos jovens, e contribuem para a persistência desta tradição madeirense.     José Xavier Dias (atualizado a 18.12.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

ribeiro real, visconde do

Visconde do Ribeiro Real. 1885. Arquivo Rui Carita João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo. Casando-se, a 24 de junho de 1882, já com mais de 40 anos, com Teresa da Câmara Carvalhal, filha do 2.º conde de Carvalhal, recebeu o título de visconde do Ribeiro Real. Passara, entretanto, pela Junta Geral e depois pela presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia. Na sua vereação camarária ainda se fundou o corpo de bombeiros voluntários e procedeu-se a reformas urbanas na área do cemitério britânico, tendo hoje o seu nome o largo que fica mais a sul. Foi ainda cônsul de França e elevado a conde do Ribeiro Real, título que parece não ter usado. Faleceu em 1902. Palavras-chave: bombeiros voluntários; Câmara Municipal do Funchal; cemitério britânico; caminho de ferro do Monte; Teatro Municipal.     João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo, de São Pedro, no Funchal, e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo, de Ponta Delgada. Casando-se, a 24 de junho de 1882, com Teresa da Câmara Carvalhal (1857-c. 1925), filha do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888), recebeu o título de visconde do Ribeiro Real por decreto de 23 de março desse ano, sendo depois elevado a 1.º conde, por decreto de 16 de fevereiro de 1899, após a sua passagem pelo governo civil do Funchal, em 1897, como interino. Para além do cargo que ocupou na Junta Geral e da presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia (Teatro Municipal), ocupou também o lugar de cônsul de França. O futuro visconde do Ribeiro Real deveria ser uma figura muito discreta e reservada, não sendo fácil recuperar o seu percurso político e social. Casou-se bastante tarde para a época, já passando dos 40 anos, não havendo descendência do seu casamento. A primeira referência política a seu respeito é como procurador da Junta Geral, quando se pronuncia sobre a lei de 13 de maio de 1872, que criara as bases da nova regulamentação. Como vogal, João Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo esteve na reunião de 11 de março de 1874 e na de 11 de abril seguinte, aprovando as alterações que o vogal do conselho de distrito, visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875) mandou imprimir a 14 de abril desse ano. A sua ação mais relevante foi à frente da Câmara Municipal do Funchal, onde sucedeu ao sogro, 2.º conde de Carvalhal, que somente ocupara o lugar no quadriénio de 1882-1885 por ser, ainda, o maior proprietário latifundiário do Funchal, mas cujas funções tinham sido desempenhadas pelo vice-presidente, morgado João Sauvaire da Câmara e Vasconcelos (1828-1890). A partir de 1886, a Câmara do Funchal teve uma interessante atividade, entre outras coisas, acabando as obras do Teatro Municipal, apresentado aos funchalenses a 29 de julho de 1887, e inaugurado oficialmente a 11 de março de 1888. Nessa altura, teve o visconde de se defrontar com o primo, João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902), conde de Canavial e então governador civil, que queria ocupar o camarote da presidência, o que veio a acontecer, mas como convidado, pois o Teatro era propriedade da Câmara. A questão do camarote do Teatro ocupou então as primeiras páginas da imprensa da cidade. Foi durante a presidência do visconde do Ribeiro Real, quando tinha o pelouro dos incêndios o Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), então também médico do hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, que se fundaram os bombeiros voluntários do Funchal, serviço inaugurado oficialmente a 24 de setembro de 1888. A apresentação pública do inúmero material adquirido para esse serviço, de que existe abundante documentação fotográfica, foi feita junto à fachada do referido hospital, a 7 de abril de 1889. O primeiro quartel foi construído na antiga R. do Príncipe (assim designada em homenagem ao príncipe, depois D. João VI (1767-1826)), posteriormente R. 31 de Janeiro, passando, duas décadas depois, para a R. da Princesa (em referência a D. Carlota Joaquina (1775- 1830)), posteriormente R. 5 de Outubro. José Joaquim de Freitas era um republicano de arreigadas convicções (República), mas tal não obstou ao apoio que sempre lhe foi dado pelo visconde do Ribeiro Real, tendo-se registado, inclusivamente, um forte apoio das mais destacadas famílias funchalenses à criação dos bombeiros voluntários, existindo fotografias destes anos de inúmeros dos seus elementos fardados de bombeiros, independentemente da sua filiação partidária e, inclusivamente, nacionalidade; há mesmo fotografias de comerciantes britânicos, o que só se explica pelo apoio dado à iniciativa pelo visconde. João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo foi igualmente um dos principais impulsionadores do projeto do caminho de ferro do Monte, numa altura em que o projeto poderia ter sucumbido ao conflito de interesses entre os comerciantes britânicos radicados na Ilha e os financeiros alemães, que o apoiavam. Ao nível do Governo central, o apoio ao projeto não foi muito evidente, exceto na isenção de impostos que concedeu à Companhia do Caminho-de-Ferro do Monte, aquando da entrada na Alfândega do Funchal do material fixo e circulante para a via-férrea. O grande apoio partiu da Junta Geral, que adquiriu algumas ações, e, especialmente, da Câmara do Funchal, através do vereador João Luís Henriques e do presidente, o visconde do Ribeiro Real, tendo a Câmara adquirido 250 obrigações. As transformações ocorridas na malha urbana da cidade permaneceram e decorrem da urbanização envolvente do traçado da via-férrea e da montagem de uma série de instalações turísticas de apoio, como o Hotel do Bello Monte, e depois das instalações do Terreiro da Luta, consolidando a estruturação da freguesia de Santa Luzia e a ligação da cidade à freguesia do Monte, e contribuindo para a visão geral de anfiteatro que da encosta do Funchal. Foi também a vereação do visconde de Ribeiro Real que permitiu e apoiou a ampliação do cemitério britânico (Cemitério britânico), como contrapartida pela expropriação de uma faixa do terreno do mesmo. Foram então demolidas duas das vielas anexas entre aquele espaço e a R. dos Aranhas, do que resultou a R. 5 de Junho, depois R. Major Reis Gomes, onde viria a ser construído o largo com o seu nome. Os viscondes do Ribeiro Real habitaram o palácio de S. Pedro que, desde 1883, era partilhado com o Colégio de S. Jorge, dirigido pela futura M.e Mary Jane Wilson (1840-1916). Também ali faleceu, a 4 de fevereiro de 1888, o 2.º conde de Carvalhal, António Leandro Carvalhal Esmeraldo e, em 1897, ainda se instalou em parte do palácio o Clube Internacional. O visconde do Ribeiro Real seria elevado a conde do Ribeiro Real, a 16 de fevereiro de 1899, mas parece nunca ter usado o título, falecendo a 22 de março de 1902, altura em que se encontrava já retirado da vida pública, não havendo, por exemplo, qualquer referência a seu respeito na visita régia de junho de 1901. A condessa do Ribeiro Real, em 1921, deu início ao processo de venda do palácio, mas a mesma foi contestada pelos coproprietários, conde de Resende e família de Eça de Queiroz, descendentes de sua irmã, Maria das Dores Carvalhal (1855-1910). A a 20 de janeiro de 1923, a condessa mandou vender em leilão o recheio do palácio, momento em que se dispersou aquele importante espólio. Deverá ter falecido pouco depois dessa data. O espadim de honra do visconde do Ribeiro Real, como fidalgo da Casa Real, deve ter sido logo entregue à Câmara Municipal do Funchal, por legado do mesmo. A sua liteira, no entanto, com as armas de visconde envolvidas pelos atributos utilizados pela Câmara, um ramo de videira e outro de cana-de-açúcar, tal como o seu monograma, encimado por coroa de visconde, deve ter ido então a leilão, tendo passado a mãos particulares e depois ao Museu Quinta das Cruzes, sendo dos poucos exemplares deste tipo de transporte que sobreviveu. É provável que do leilão de 1923 tenha sobrevivido uma fotografia, onde aparece um dos dois óleos de Tomás da Anunciação (1818-1879), encomendados pelo 2.º conde de Carvalhal em 1865, e que fazem igualmente parte do acervo do Museu Quinta das Cruzes. No mesmo leilão deve ter sido vendido o retrato das duas filhas do 2.º conde de Carvalhal, depois depositado na Fundação Eugênia de Canavial.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

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