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meneses, sérvulo drummond de

Advogado, político e jornalista madeirense, com grande influência local durante a época liberal. Nasceu em 1802 no Funchal, tendo perecido no mesmo local em 1862. Palavras-chave: Política; Jornalismo.   Sérvulo Drummond de Meneses nasceu no Funchal, em 23 de dezembro de 1802, sendo filho de João Nepomuceno Correia Drummond e de Maria Isidora de Meneses e Brito. Casou-se com Maria Carlota Arnaut, com quem teve cinco filhos. Concluiu o curso liceal no Funchal e depois iniciou-se como praticante no escritório do tio, o escrivão Inácio Correia Drummond, sendo, mais tarde, nomeado escrivão judicial. Antes de 1820, foi cadete do Corpo de Artilharia Auxiliar, mas, após a Constituição de 1822, tornou-se advogado provisionado, tendo efetuado o concurso de provas junto do Tribunal Superior de Justiça, apesar de não ser formado em Direito, acabando por se destacar como um dos mais distintos advogados do seu tempo e por deixar algumas peças de carácter administrativo e civil, umas inéditas e outras avulsas. Militou no partido cartista, ou liberal, e, mais tarde, no partido cabralista, militância que terá facilitado o seu acesso à carreira política. Foi presidente da Câmara Municipal do Funchal e vereador da mesma Câmara, tendo fundado, a 12 de janeiro de 1838, a Biblioteca Municipal do Funchal, importante estrutura cultural do arquipélago. Entre os cargos públicos que exerceu, relevam-se também o de vogal do Conselho Distrital, o de procurador à Junta Geral, o de secretário-geral do Governo Civil e o de governador civil interino, na ausência do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1848-1849). Como jornalista, foi redator e diretor do periódico funchalense A Flor do Oceano, entre 1828 e 1866, tendo colaborado igualmente em outros periódicos, entre os quais O Regedor (1823 e 1828) e A Ordem (1852-1860). Foi autor de várias obras de interesse regional, como Uma Epocha Administrativa da Madeira e Porto Santo, publicado no Funchal (1.º vol., 1849; 2.º vol., 1850; o 3.º vol., de 1852), é de António Jacinto de Freitas); Collecção de Documentos Relativos ao Asylo da Mendicidade do Funchal; Collecção de Documentos Relativos à Construção da Ponte Ribeiro Secco; Collecção de Documentos Relativos á Fome por que Passaram as Ilhas da Madeira e Porto Santo em 1847. Como poeta, publicou, na juventude, poemas que foram incluídos na Collecção d’Algumas Obras Poeticas offerecidas ao Ilmo. e Exmo. Sr. Sebastião Xavier Botelho. Foi agraciado com o grau de cavalaria da Ordem de Nossa Senhora da Conceição, de Vila Viçosa. Faleceu no Funchal, a 13 de janeiro de 1867. Obras de Sérvulo Drummond de Meneses: Collecção de Documentos Relativos ao Asylo da Mendicidade do Funchal (1848); Collecção de Documentos Relativos à Construção da Ponte Ribeiro Secco (1848); Collecção de Documentos Relativos á Fome por que Passaram as Ilhas da Madeira e Porto Santo em 1847 (1848); Uma Epocha Administrativa da Madeira e Porto Santo (1.º vol., 1849; 2.º vol., 1850).   António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 24.02.2018)

Direito e Política História Política e Institucional

milho

São conhecidas duas variedades de milho o chamado milho zaburro, que no Brasil corresponde ao sorgo (sorghum bicolor L. Moench) e o milho maçaroca (zea mays). Popularmente, temos ainda o chamado milho branco e amarelo: o primeiro era comum na alimentação humana, sendo o segundo usual para o gado. Porque o primeiro escasseou no último quartel do séc. XX, foi substituído pelo milho amarelo, que melhorou de qualidade quando se passou a importar da Venezuela, por força do retorno de muitos emigrantes madeirenses. Há um debate sobre a origem e divulgação das duas variedades deste cereal, mas o que nos interessa saber é que esta ultima variedade terá sido divulgada em todo o mundo, a partir do continente americano, no séc. XVI. E foi neste contexto, bem como no das ligações africanas, nomeadamente a São Tomé e Cabo Verde, que o milho terá chegado à Madeira. Desta feita, não será por acaso a expressão popular “render como milho de Cabo Verde”. Da mesma forma, é a partir do facto de o milho ser o alimento das classes pobres, a sua inexistência atingindo principalmente este grupo, que podemos talvez compreender a expressão “vai-se ganhando para o milhinho”. A primeira referência que temos ao milho surge num documento de 1485, incluído com outros cereais. A situação repete-se em 1495. Depois, no foral de 1515, refere-se o dízimo da produção do milho e, na mesma data, temos informação sobre a importação de milho de Cabo Verde, algo que se repete nas atas da vereação funchalense, em 1497. Aliás, as referências ao milho importado para venda passam a ser assíduas nas vereações do Funchal, a partir da segunda metade do séc. XVI, situação reveladora da importância que este cereal assumiu no quotidiano e alimentação dos madeirenses. Paulatinamente, adquiriu importância na dieta das populações, de forma que, no séc. XVII, as freiras do Convento de Santa Clara serviam milho aos homens que trabalhavam na cerca do convento, certamente da produção da sua terra. Por outro lado, a partir da déc. de 40 do séc. XIX, o milho é usado como forma de pagamento dos serviços dos jornaleiros. Disto nos dá conta o governador José Silvestre Ribeiro, em 13 de fevereiro de 1847, ao assinalar a tradição de os “abastados” pagarem aos trabalhadores em milho e outros cereais ou legumes. A informação é mais clara quanto ao milho importado de diversas proveniências, como as ilhas de Cabo Verde, Açores e, depois, América do Norte e Angola. Já para a produção, cuja data remonta ao séc. XIX, os dados de que dispomos apontam para a presença nas produções da Ilha desde o séc. XV, ainda que com uma importância reduzida. É certo que a sua popularização na sociedade madeirense acontece a partir de meados do séc. XIX. É a partir desta data que vemos o milho ser usado como forma de pagamento, por parte das pessoas abastadas, da jorna dos jornaleiros, havendo igualmente referências assíduas ao seu uso na alimentação, o que poderá ser sinónimo da sua abundância na cultura local. A data exata da sua cultura na Ilha não está determinada, mas sabemos então que deverá ter existido desde o séc. XV e que, em 1792, o corregedor António Rodrigues Velosa, ao referir-se à Calheta, dá conta de searas de milho, o que rapidamente se expande a todas freguesias da Ilha, sendo referenciado para São Vicente em 1784. Os testemunhos da presença do milho na paisagem madeirense estão na toponímia, com a Fajã do Milho no Porto da Cruz, um sítio que aparece com esta designação no séc. XVII, ou a Moitada do Milho em Ponta Delgada e no Porto Moniz. Porém, tudo parece acontecer em pequenas quantidades. Assim, para São Vicente, o administrador do concelho refere que a produção se iniciou em 1839 em pequenas quantidades. Já para 1847, a Câmara do Funchal refere a relativa produção, que se resumiria apenas a 15 moios em toda a Ilha. Não obstante, as principais fontes de abastecimento continuam a ser as ilhas dos Açores, nomeadamente a ilha Terceira, a partir de 1847, a juntar-se a Cabo Verde. Desta forma, em 1847, José Silvestre Ribeiro apela aos administradores do concelho, no sentido da promoção desta cultura como forma de suprir as dificuldades alimentares da população rural, ao mesmo tempo que insiste em medidas facilitadoras da sua introdução. Contudo, os valores ainda são reduzidos: em Machico, e.g., em 1949 temos apenas 40 alqueires de milho. Ao mesmo tempo, aquele governador informa que não tolerará qualquer revolta dos agricultores, no sentido de obrigar os armazenistas a providenciar a venda do milho em armazém. Sabemos também que, no Porto Santo, esta cultura começou a ganhar importância nos princípios do séc. XIX, não existindo dados para a centúria anterior. Em 1809, a Ilha produzia 35 alqueires, passando, em 1811, para 1 moio e 30 alqueires, alcançando, em 1813, os 6 moios e 30 alqueires. Todavia, esta produção era muito insuficiente para as necessidades locais. Em 1821, a Ilha produzia 1100 moios e importava outros 7708 moios e 30 alqueires. O certo é que, desde o séc. XVIII, o milho era uma forma de matar a fome dos portossantenses e tinha de vir de fora, sob a forma de esmola. Foi isso que aconteceu em 1850, com a oferta de 8 moios por dois vasos de guerra americanos. Efetivamente, as circunstâncias de carência de cereais presidiram à entrada do milho na dieta alimentar dos portossantenses e madeirenses. Assim, no Porto Santo, ganhou espaço e importância a escarpiada, enquanto na Madeira as papas de milho – a polenta dos madeirenses, no dizer de Orlando Ribeiro – de algumas freguesias rurais mais pobres, e.g. Câmara da Lobos. Rapidamente o milho substituiu a falta do trigo na alimentação e ganhou importância no quotidiano e na mesa dos insulares. Este processo afirmativo do milho adquire dimensão a partir da déc. De 40 do séc. XIX, com as crises de fome e as facilidades na aquisição deste cereal, a preços mais competitivos em relação aos demais cereais, proveniente dos Açores mas acima de tudo dos Estados Unidos da América, a troco de vinho. Esta disponibilidade do milho a preços acessíveis conduziu à sua rápida afirmação na dieta alimentar, em substituição dos demais cereais e farinhas. Além do mais, a generalização do seu consumo sob a forma de papas tornava fácil a sua feitura. Não é, por isso, estranho que os Anais do Porto Santo refiram o caso de Félix de Melim Vasconcelos, que faleceu em 1837, com 73 anos, e que se alimentava de leite cozido com milho. Não só no Porto Santo, esta assiduidade do milho à mesa também acontecia na Madeira: em 1857, o cônsul inglês George Hayward notava que a refeição dos madeirenses consistia apenas em milho cozido, legumes e vegetais. Esta ideia do exclusivo do milho na alimentação surge já em testemunhos de estrangeiros desde 1827. Recorde-se que, em 1852, a Madeira importava já 9 a 10.000 moios de milho e apenas 5500 de trigo. O milho era servido de diversas formas na mesa rural madeirense: papas de milho, milho escaldado e estraçoado, maçaroca. A par disso, temos as chamadas bonecas de milho das romarias. Com a farinha, faziam-se as papas de milho e com o milho pilado fazia-se um caldo com cebo de carneiro ou boi, ou então umas papas com leite. Em 1813, na Camacha, comia-se o milho pilado com leite ou cebo de carneiro. Em 1889, na ementa do hospital de S. Lázaro, refere-se o prato de milho branco com peixe fresco ou bacalhau, que era servido aos doentes. Esta valorização do milho na dieta alimentar madeirense manteve-se no tempo e gerou alguma apreensão aquando das duas guerras mundiais. No princípio do séc. XX, a Madeira tinha em Angola um importante celeiro para o abastecimento de milho, sendo a região do Caála, no Huambo, conhecida como o celeiro de Angola, o seu principal provedor. Recorde-se a presença de madeirenses, desde finais do séc. XIX, na colonização deste planalto, com a ida de colonos apoiados pelo Governo, o que permitiu certamente a abertura desta via. A disponibilidade de vários mercados, bem como uma política governamental regulamentadora e protetora do abastecimento deste produto não impediu que, por diversas vezes, a Madeira fosse confrontada com situações de ruptura. Releve-se, e.g., a ação do conselheiro António Jardim Oliveira, secretário do Governo Civil, que, no decurso da guerra, em 1917, intimou o vapor Beiras e Portugal a descarregar milho que transportava para Lisboa, de forma a valer a população madeirense, o que lhe valeu a ele a perda do cargo, a favor do comandante militar, o Cor. Sousa Rosa. Nesta mesma data, pediu-se a Lisboa o fornecimento de 2000 t. No período da guerra, a situação de ruptura deste produto foi uma constante, de forma que sucederam várias situações, como a de 7 de julho de 1915, com o assalto popular ao armazém da firma Viúva de Romano Gomes & Filhos. Neste contexto de crise e racionamento da distribuição do milho, deveremos relevar a ação da Comissão Reguladora do Comércio de Cereais. A política de intervencionismo económico definida por Salazar levou à criação, em 1934, do Grémio do Milho Colonial Português e, em 1938, surgiu a delegação madeirense da Junta de Exportação dos Cereais, cujo papel no assegurar do abastecimento local foi fundamental na altura da Segunda Guerra Mundial, evitando situações de ruptura que haviam acontecido antes: o governador José Nosolini, apreensivo com a situação da guerra, solicitou ao Governo medidas especiais para a Junta, o que aconteceu pelo decreto 30.336, de março de 1940, na sequência do qual a Junta passou a coordenar todo o processo de abastecimento e fixação de preços do grão e farinha. Um dos aspetos mais evidentes da ação desta Junta foi a manutenção dos preços de venda ao público do milho, não obstante a sua oneração no período da guerra em mais de 115 %, não se refletindo até 1950 os valores referentes às despesas da comercialização. A déc. de 40 ficou marcada pelas medidas de racionamento lançadas pela Junta, que permitiram o abastecimento do espaço urbano e rural. Mesmo assim, em 1941 notam-se situações de ruptura nos meses de agosto, outubro e dezembro, tal como, depois, em abril de 1945. As medidas de racionamento obrigaram a que se estabelecesse a capitação semanal por pessoa de 1 kg nos centros populacionais mais importantes e de 1,8 kg no Porto Santo, enquanto nas freguesias rurais o estipulado eram 250 a 600 g. Neste período da guerra, passavam pelas mãos da Junta mais de 10.000 t de milho, maioritariamente de Angola, Cabo Verde e Açores. A publicação do decreto 43.874, de 24 de agosto de 1961, que extinguiu a delegação da Junta de Exportação dos Cereais, lançou algum alarmismo na cidade, tendo em conta os serviços prestados durante a guerra e o temor de que se gerasse alguma situação de ruptura no comércio do milho. Daí o apelo da Associação Comercial do Funchal, no sentido da substituição da Junta: os armazenistas de víveres fizeram sentir as suas preocupações através de Juvenal Henriques Araújo, presidente da Associação Comercial, em representação pública de outubro de 1961. Em 1962, no momento da extinção da Junta, Ramon Honorato Rodrigues, na qualidade de seu antigo presidente, publicou uma memória sobre os serviços prestados pela Junta em que revelava as dificuldades sentidas nos anos da guerra e a ação da Junta e do governador civil para solucionarem a situação, por meio do racionamento do milho. Para termos uma ideia das dificuldades, basta-nos aludir à capitação estabelecida pelo racionamento e relacioná-la com a média anterior à guerra: entre 1937 e 1939, o seu valor foi de 123 kg/ano, enquanto de 1942 a 1944 passou para apenas 80 kg. Houve anos em que a situação se agravou, e.g. em março e abril de 1945, quando a ração semanal por cabeça foi de apenas 550 g de milho. A partir de 1941, o racionamento foi determinado por concelho, de acordo com o número de cabeças de casal, variando o quantitativo conforme os stocks disponíveis. Recorde-se que, não obstante a insistência das autoridades no sentido da cultura do milho e de outros cereais, e o facto de, em muitos visitantes, vermos referências aos milheirais, a produção local era ainda muito reduzida para o elevado e generalizado consumo. Atente-se às medidas do governador José António Sá Pereira, logo em 1768, que iam no sentido do aproveitamento dos quase 3/4 da superfície da Ilha inculta, com a produção de cereais, que conduziria ao aproveitamento do espaço do Paúl da Serra e do Santo da Serra. Nesta data, a Ilha produzia apenas 5098 moios de cereal, estando excluído o milho desta contabilização, porque ainda não se produzia em quantidades suficientes, dando para abastecer a população por apenas quatro meses. Depois, só a partir da déc. de 40 do séc. XIX voltamos a ter dados da produção que elucidam sobre uma evolução positiva no crescimento da produção do milho. Assim, para os anos de 1847 a 1850 referem-se apenas 750 hl de milho, que em 1851 são já de 3073, em 1855 de 6810 e em 1859 de 6902 hl. O trigo e a cevada continuam a ter uma posição superior na produção local, pelo menos até 1891 quanto à cevada, e 1908 quanto ao trigo. Contudo, a produção continuará a ser escassa e sem condições de satisfazer as necessidades de ambas as ilhas do arquipélago. Desta forma, a solução para o seu abastecimento estava no mercado externo e, para isso, havia necessidade de facilitar a sua importação, através da redução ou isenção dos direitos de importação. Perante isso, temos então a importação de grão estrangeiro (trigo, milho e cevada, para além das farinhas). Assim, para o período de 1783 a 1786, temos 9386 moios de grão e 13.670 barris de farinha; do grão, temos 3224 moios de milho, que assume já uma posição cimeira nestas importações. No período compreendido entre 1834 e 1843, voltamos a ter dados sobre a importação de cereais (trigo, milho, cevada centeio, feijão, ervilhas, aveia), em que o milho se apresenta, de novo, em posição destacada, seguido do trigo. Assim, para este período, tivemos 206.902 moios de milho e 184.814 de trigo. A partir do séc. XIX, portanto, a aposta preferencial é no milho. A capacidade de autoabastecimento de cereais na Ilha era limitada, de forma que a produção de trigo local dava para 2 meses, enquanto a de milho para apenas 10 dias. Os dados da importação das décs. de 60 e 70 apontam para a importação de 20.000 t de milho. O abastecimento mensal rondava as 4000 t, sendo 1500 para o consumo humano e o restante para os animais de criação, sendo as 1500 t de milho branco e o demais de amarelo. A falta de um sistema de armazenamento obrigava, no entanto, a que o abastecimento fosse feito quinzenalmente e que se gerassem, por vezes, situações de ruptura. De facto, um dos problemas mais evidentes do abastecimento da Madeira de milho e dos demais cereais relacionava-se com as dificuldades na estiva e no armazenamento, com implicações na disponibilidade do cereal, por falta de meios de assegurar uma reserva adequada, evitando situações de ruptura. A par disso, o trabalho de estiva no porto era demorado e caro, por falta de silos terminais para o desembarque. Assim, o milho desembarcado, pelos custos da estiva, sacos e armazenamento, era onerado em mais 65 %. Daí o incessante apelo à construção de silos no porto, coisa que só veio a acontecer em 1987, mantendo-se até lá a situação onerosa dos armazéns. Um dos locais que mantém uma ligação muito forte a esta cultura, havendo disso testemunho em diversos textos de literatura de viagem, é Santana. Talvez para relevar esta relação do concelho com o milho, em 28 de fevereiro de 1957 decidiu-se que as armas da Câmara seriam dois ramos de milho verde, espigados de ouro. Recorde-se que, aqui, a Junta Geral fez, em 1971, ensaios para a cultura de milhos híbridos e dos chamados milhos de Santana. Nesta época, refere-se que o melhor milho da Ilha era o de Santana. Para além disso, deveremos ter em conta a utilização do milho na produção de aguardente, que aconteceu em 1873, mas que, em 24 de dezembro desse ano, o regulamento do regime sacarino proibiu. Entretanto, em 1920-1921, João Higino Ferraz (1884-1946) fez experiências na sua casa, ao Socorro (no Funchal), no sentido da sacarificação do milho através do ácido sulfúrico.   Alberto Vieira (atualizado a 24.02.2018)

História Económica e Social

melo, antónio júlio de santa marta do vadre de mesquita e

António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1833-c. 1900), 3.º visconde de Andaluz, foi para a Madeira como secretário-geral do governador, D. Tomás de Sousa e Holstein, marquês de Sesimbra; porém, o marquês de Sesimbra não estaria um ano no lugar. António Melo foi nomeado para o lugar de governador civil do Funchal em setembro de 1879. Coube ao seu Executivo tentar acalmar a agitação política, que se devia à nomeação de nobres da Corte, o que não se enquadrava já na vida política portuguesa. Palavras-chave: Arranjos familiares; Governo civil; Partidos Políticos; Regeneração; Tumultos populares.   O governador civil do Funchal D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), do Partido Regenerador, foi exonerado em 1868 pelo Executivo do açoriano conde de Ávila, António José de Ávila (1806-1881), do Partido Reformista ou Partido Popular, então uma cisão do Partido Histórico (Partido Histórico e Partidos políticos). As complexas alianças entre estes partidos levaram o Governo de Lisboa a colocar em S. Lourenço duas figuras da aristocracia da Corte de Lisboa: o marquês de Sesimbra, D. Tomás de Sousa e Holstein (1839-1887), filho do duque de Palmela (1781-1850), como governador civil, e o 3.º visconde de Andaluz, António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1833-c. 1900), como secretário-geral. Estas duas escolhas foram alicerçadas em vagas ligações familiares às antigas famílias insulares e foram por certo resultado da pressão dos elementos do Partido Histórico, incapazes de compreender as novas realidades dos meados e da segunda metade do séc. XIX. O marquês de Sesimbra era casado com uma filha dos marqueses da Ribeira Grande, descendentes de Zarco, mas dos Açores, e viria a ser sogro do futuro conselheiro Aires de Ornelas e Vasconcelos (1866-1930); o visconde de Andaluz estaria para se casar com uma filha do barão da Conceição, Fortunato Joaquim Figueira (1809-1885), abastado proprietário que se havia fixado no Funchal nesse mesmo ano de 1868. O marquês de Sesimbra – ou de Cezimbra, como então aparece escrito – foi nomeado por decreto de 9 de setembro e viria a tomar posse a 17 de outubro de 1868, após Te Deum na catedral do Funchal celebrado à uma da tarde; disso nos dá conta o visconde de Andaluz, seu secretário-geral, que o comunicou às autoridades do Funchal, convidando-as para o evento. A administração do marquês ir-se-ia pautar por uma simples gestão administrativa, sendo praticamente toda a correspondência assinada pelo secretário-geral. Realizadas eleições em maio do seguinte ano de 1869, e passado o verão, o marquês de Sesimbra retirou-se, nos primeiros dias de setembro, para o continente, não completando um ano de governo na Madeira. Palácio e Fortaleza de São Lourenço. 1870. Arquivo Rui Carita O visconde de Andaluz tinha sido nomeado governador civil do Funchal por decreto de 4 de setembro, tomando posse a 8 do mesmo mês. Faria então uma proclamação aos “Habitantes do distrito do Funchal! Por decreto de 4 do corrente Houve por Bem Sua Majestade” nomeá-lo governador civil. Apelava então: “Auxiliai-me com o seu conselho e com as suas luzes […] pela prosperidade desta Terra, que eu hei de esforçar-me em promover os interesses dela com solicitude e dedicação” (ABM, Alfândega do Funchal, circular de 9 set. 1869). Era um discurso um pouco ultrapassado para a época, semelhante às proclamações liberais dos anos 30 e 40, conhecidas no Funchal durante a vigência da Junta Governativa de 1847 e o conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891) – proclamações que alguns anos depois ainda viriam a surgir, então ainda mais estranhas ao contexto político da época. O novo governador tentou fazer face à situação algo agitada que se vivia, não só política, como geral. No arquipélago, nem sempre se encontrava gente à altura para os vários locais diretivos e, ao mesmo tempo, não se conseguiam definir especificamente estruturas partidárias, daí resultando vagas organizações articuladas em relações pessoais em torno dos membros mais influentes das elites locais. Em maio de 1870, e.g., tendo o visconde de Andaluz suspendido o administrador do concelho de Santana, “não havendo naquela localidade pessoa com os requisitos necessários para, na atual conjetura entrar na referida vagatura”, solicitava à Casa Fiscal da Alfândega do Funchal a disponibilização do funcionário Joaquim Pinto Coelho (1817-1885) para ocupar o lugar (Ibid., Alfândega do Funchal, of. 23 abr. 1870) – uma nomeação acertada, considerando o tempo em que aquele funcionário ocupou o lugar da Alfândega. Nos inícios de 1870, por decreto de 2 de janeiro, procedeu-se à dissolução das Cortes e, a 3 de fevereiro seguinte, à reunião das assembleias eleitorais. Na Madeira, as eleições decorreram a 1 de maio, voltando a sair os nomes de Luís Vicente de Afonseca (1803-1878) e Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901). Porém, as eleições decorreram muito mal e, especialmente em Machico, ocorreram tumultos graves. Acontece que o governador destacara para os principais centros eleitorais forças de Caçadores 12, nem sempre comandados por elementos capazes de manter o sangue frio. As forças militares acabaram por se refugiar na igreja matriz e, acossadas pela populaça, fizeram fogo sobre a multidão, o que resultou em vários mortos (Tumultos populares). Houve também incidentes em outros locais, inclusivamente no Funchal. O Partido Popular, que se achava na oposição, tinha um certo domínio sobre as massas populares e quando Joaquim Ricardo da Trindade e Vasconcelos (1825-1906), então membro do Partido Fusionista, desembarcou no Funchal, ido precisamente de Machico, foi preso na Pontinha e conduzido à Pr. da Constituição para justiça popular. Evitou o assassinato o jovem Álvaro Rodrigues de Azevedo (1825-1898), uma das figuras prestigiadas do Partido Popular, que se interpôs entre os populares e Trindade e Vasconcelos. Como o visconde de Andaluz tinha feito vários contactos e estabelecido um pacto de não intervenção nos assuntos do Partido Popular, foi isso que aconteceu em relação a novas alterações da ordem pública em Machico, aquando dos funerais das vítimas do dia 1 de maio. Os acontecimentos de Machico produziram grande sensação na imprensa madeirense e, de imediato, no continente, sendo o visconde violentamente atacado nas Cortes e na imprensa de Lisboa. Em julho ainda apareciam na comunicação social de Lisboa abaixo-assinados respeitantes aos acontecimentos de Machico e à maneira pouco ortodoxa como haviam sido encaminhados juridicamente. Um conjunto de cinco guardas da Alfândega do Funchal, e.g., fora indiciado e preso “pelo crime de cumplicidade nas mortes e ferimentos feitos pela força militar dentro do templo de Machico” (A Revolução de Setembro, n.º 8416, Lisboa, 5 jul. 1870, 1). O despacho fora emitido pelo juiz da comarca oriental do Funchal, Cassiano Sepúlveda Teixeira, e os guardas não entendiam como podiam ser acusados de “crimes eleitorais e políticos” e de “crimes de violência contra membros da assembleia eleitoral” (Ibid.), quando o que estava em causa era uma série de mortes entre a população local, cujos autores tinham sido os soldados de Caçadores 12, como se queixam então os guardas António José Nunes, Jacinto Augusto Ferreira, Januário Esteves de Sousa, Augusto Celestino Lacerda e António Vieira. O visconde de Andaluz foi exonerado em poucos dias, por dec. de 14 de maio de 1870. Foi nomeado como governador do distrito do Funchal Afonso de Castro (1824-1885), que tomou posse a 19 desse mês de maio, mas que não estaria na Madeira senão oito dias, face a mais uma intentona militar do duque de Saldanha (1790-1876) em Lisboa. Poucos meses depois, e face ao insucesso das nomeações, D. João Frederico da Câmara Leme voltava a ocupar o lugar de governador civil. O 3.º visconde de Andaluz era bacharel em Direito e herdou o título de seu pai, Joaquim José dos Mártires de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1806-1863), que o tinha recebido por doação de sua tia materna, Maria Bárbara do Vadre de Almeida Castelo Branco, viúva do 1.º visconde, António Luís Maria de Mariz Sarmento, dado do casamento não ter havido descendência. Embora tenha sido uma situação algo insólita, o 3.º visconde de Andaluz, um ano depois do falecimento do pai, conseguiu a confirmação do título por carta régia do D. Luís (1838-1889), de 17 de dezembro de 1864. Casou-se no Funchal com D. Ana Joaquina Figueira, filha dos barões da Conceição. Desse casamento houve quatro filhas, tendo-se a mais velha casado com o conde de Vila Verde, D. Pedro de Almeida e Noronha Portugal Camões Albuquerque Moniz e Sousa (1865-1908). A 4 dezembro de 1890, o 3.º visconde de Andaluz ainda seria nomeado governador civil de Santarém, lugar que ocupou até 2 de janeiro de 1892. Terá falecido cerca de 10 anos depois.   Rui Carita (atualizado a 01.02.2018)

Direito e Política História Política e Institucional Personalidades

mendes, josé alberto reynolds

O Gen. José Alberto Reynolds Mendes nasceu no Funchal a 9 de abril de 1939, filho de João Gregório Mendes e de Cândida Assunção Reynolds Mendes; casou-se em 1967 com Maria de Fátima F. P. Pereira Reynolds Mendes e teve três filhos, Paulo José (1967) e os gémeos Alexandra Sofia e Alberto Sérgio (1968). Frequentou o Liceu Nacional do Funchal e ingressou na Academia Militar como cadete, em 1957. Em julho de 1960 concluiu na mesma Academia o curso de Infantaria e ficou colocado em Mafra, na Escola Prática deste ramo do Exército. No ano seguinte, frequenta na mesma Escola um curso sobre métodos de instrução, na qualidade de aspirante tirocinante. Ainda em 1961, é promovido a alferes, e, após um tempo de serviço no Regimento de Infantaria 2, em Abrantes, é mobilizado para servir na Região Militar de Angola (RMA). A 20 do mesmo mês parte do Aeroporto Militar de Figo Maduro em direção à Base Aérea 9 de Luanda como comandante do pelotão da Companhia de Caçadores 89. Depois de ter sido promovido a tenente, é colocado no Batalhão de Infantaria 19 no Funchal a 13 de abril de 1963. De 11 de junho a 6 de julho do mesmo ano, no Centro de Instrução de Operações Especiais, de Lamego, frequenta o curso de Instrutores e Monitores de Operações Especiais. A 24 de julho de 1964, mobilizado pelo Batalhão de Caçadores 5 de Campolide, segue de novo para Luanda, onde prestará serviço na Região Militar de Angola. Em 1966, habilita-se com o curso de Instrução de Comandos, é promovido a capitão e agraciado com a medalha de mérito militar de 3.ª classe, sendo louvado como “oficial de excelsas virtudes”, “extremo sentido de disciplina e de missão, elevadas qualidades de iniciativa, decisão, coragem e determinação” (“Nota de óbito”), e passa a comandar a 6.ª Companhia de Comandos até 1 de setembro de 1967, data em que regressa à metrópole. A 5 de Março de 1968, é-lhe conferida a medalha de mérito, que dá origem, a 5 de março de 1968, à condecoração com a Cruz de Guerra de 3.ª classe. De 23 de setembro a 4 de outubro do mesmo ano, conclui o estágio de Ação Psicológica no Instituto de Altos Estudos Militares de Pedrouços. No ano seguinte, a 22 de fevereiro, parte para Luanda e integra as tropas de reforço à Guarda Nacional na RMA. Mantém-se nesta comissão até 1973 e habilita-se com o Curso Geral do Estado-Maior. Nesta data recebe a medalha de prata de comportamento exemplar. Em fevereiro de 1975, é nomeado chefe da 2.ª Repartição do Comando Geral da Polícia de Segurança Pública. Parte para Macau, onde, em 1980, frequenta o curso da Criminal Information Research School/Drug Enforcement Administration/EUA e aqui, no posto de major, desempenha as funções de chefe de Divisão de Operações e Informações do Comando das Forças de Segurança. Depois das campanhas de Angola e das comissões especiais em Macau é condecorado, em 1984, com o grau de cavaleiro da Ordem de Avis (comendador). Frequenta, em 1986, o curso do Colégio de Defesa da NATO, em Roma, onde, após graduação e promoção a coronel, foi Conselheiro de Estudos, entre 1987 e 1990. Uma vez promovido a brigadeiro, exerceu o cargo de subdiretor do Instituto de Defesa Nacional, e foi colocado, em 1996, como comandante da Zona Militar e comandante operacional da Madeira, tendo terminado este desempenho em 1998. Passou à situação de reserva em abril deste mesmo ano, por limite de idade. Em 2003, participa no fórum da Military Review, revista profissional do exército dos EUA, sediada em Fort Leavenworth, Kansas, com um estudo intitulado “Guerra Assimétrica, Riscos Assimétricos”. O estudo consiste numa análise sobre os diversos níveis de terrorismo existentes nos começos do séc. XXI e em previsões sobre os seus efeitos nas organizações de defesa, nas alianças internacionais e nas áreas de informações, operações e logística. Este estudo foi publicado na versão brasileira da mesma revista (vol. LXXXIII, 2.º trim., pp. 46-54. Com a patente de major-general, Reynolds Mendes atinge a reforma em julho de 2004. Foi ainda diretor do Gabinete de Gestão do Litoral do Governo Regional da Madeira. Na sua obra poética, publicada sob o pseudónimo de Marco Reynolds, a escrita revela-se uma necessidade moral de participar no mistério da vida, na intangibilidade dos afetos e no contraditório da existência humana: a sua dupla face, em busca dum estado de ser. Observa a matriz sanguínea e telúrica que define o poeta, amador da vida, do amor e da terra de origem, a “Ilha-Mãe”, onde “vale a pena reencontrar” (-se) (MENDES, 2009, 36). A fusão dos vários espaços onde se move remete para uma situação de duplicidade em que o homem-cívico, imbuído dum espírito de missão, se coliga ao homem-emotivo, sensível aos sortilégios do amor. Há um sentimento de promissão dirigido a uma vontade de resgate da mulher amada e do solo “depredado” que permanece em todos os seus livros, consolidando-se a última vertente em Ilha-Mãe – Ilha-Pátria. Sendo a Ilha a terra do regresso e da esperança, são as memórias do seu tempo em África que o levam a auscultar, em Ofício Prestante, os caminhos imperfeitos, ainda que aliciantes, da pátria: a pátria que refere como “lágrima de Deus” e “ubérrimo ventre”. “Não tomes nas tuas mãos pálidas/o meu esplendor de ébano selvagem/O que digas perder-se-á nas brumas/de África/e assaz tardará o sol a aquecer-nos/Não tomes no peito o amor/antes que chegue o tempo maduro da vinha nas encostas” (MENDES, 2005, 78). José Alberto Reynolds Mendes morreu em Lisboa, em 2016. Outras distinções profissionais recebidas pelo Gen. José Alberto Reynolds Mendes: medalha das expedições das Forças Armadas Portuguesas – Macau, 1976-80; medalha de mérito militar de 2.ª Classe, 1979; medalha de prata de Serviços Distintos, 1985; medalha de ouro de comportamento exemplar, 1988; medalha de mérito militar de 1.ª classe, com distintivo branco do exército espanhol, 1991; medalha de mérito militar de Avis (cavaleiro, oficial, grande oficial), 1995; medalha de ouro de Serviços Distintos, 1998. Vários louvores individuais provenientes de entidades militares e Conselho de Governo da Madeira. Obras de José Alberto Reynolds Mendes: Gestação de Uma Nova Face (1970); “Guerra Assimétrica, Riscos Assimétricos” (2003); Gestação da Face e Outros Poemas (2005); Ofício Prestante (2006); Ilha-Mãe – Ilha-Pátria (2009).   Irene Lucília Andrade (atualizado a 01.02.2018)

História Militar Personalidades

música tradicional

A música tradicional madeirense da atualidade resulta da combinação de um conjunto de elementos trazidos por sucessivas levas de povoadores. Na Região Autónoma da Madeira (RAM), estes contributos foram evoluindo de forma isolada, mas recebendo pontuais influências de novas populações, de visitantes ocasionais ou ainda, a partir do séc. XX, dos meios de comunicação social de âmbito nacional, com particular incidência nas estações radiofónicas, ou da generalização do ensino oficial, com a chegada de docentes de diversos pontos do país. Deste modo, popularizaram-se na RAM canções que, com o tempo, têm vindo a assumir, para muitos, um carácter tradicional. Como é natural, trata-se de peças cuja identificação nem sempre é fácil, pois há pouca investigação feita sobre o tema nas diversas regiões do país. No caso particular das cantigas religiosas, é ainda necessário referir a influência de sacerdotes portadores de orientações precisas por parte da hierarquia ou de uma formação padronizada nos seminários que frequentaram. Um último aspeto que poderá estar na origem de algumas influências alheias é o regresso de emigrantes que trazem das terras onde viveram elementos tradicionais passíveis de ser incorporados na tradição. No entanto, seja por o fenómeno ser ainda relativamente recente, em termos de mecanismos de mudança cultural, seja apenas por ainda não ter havido quem o estudasse seriamente, a verdade é que não se sabe, atualmente, se essa componente se manifesta. Não é possível definir características genéricas da música tradicional madeirense. Por esse motivo, e de modo a facilitar a exposição, optou-se por abordar aqui, separadamente, cada um dos grandes géneros musicais, após uma primeira referência ao bailinho, o elemento mais conhecido e identitário da tradição musical da RAM. Aborda-se igualmente a mourisca, que, embora com menor realce, constitui também um modelo musical transversal a diversos géneros. Bailinho Com um padrão rítmico bastante simples, o bailinho é executado geralmente na tonalidade de Sol Maior, por ser aquela a que mais facilmente se adapta a voz. É esta melodia que está na base de muitos dos mais conhecidos bailes regionais, sendo também a forma assumida pela mais popular forma de canto improvisado em despique da RAM (com o nome de bailinho, retirada, meia noite ou outro). Encontramo-lo ainda a dar o “som” de muitos romances tradicionais, cantigas narrativas, cantigas de lazer, etc. De certa forma, é um elemento que, por si só, permite a qualquer não madeirense identificar uma melodia como sendo da RAM, sendo, atualmente, a forma musical mais presente e espontânea em todos os ambientes festivos na Região, acompanhada por qualquer instrumento ou mesmo por formas improvisadas de criar som. É importante chamar aqui a atenção para uma confusão bastante frequente resultante da coincidência do nome deste género musical. Existe uma canção muito conhecida, interpretada pelo cantor madeirense Max, que tem precisamente o nome de “Bailinho da Madeira”. No entanto, apesar da referência na sua letra ao bailinho, musicalmente esta nada tem a ver com ele. Antes pelo contrário, a música tradicional que serviu de inspiração para algumas das suas frases musicais foi o charamba. A grande popularidade desta canção tem feito com que seja frequente a confusão. Mourisca A mourisca madeirense dos começos do séc. XXI apresenta características que a aproximam de um vira valseado. Musicalmente, baseia-se no compasso binário composto, padrão rítmico de 6/8. Harmonicamente, tem a forma tradicional de alternância entre tónica e dominante. Na tradição local, principalmente a que se pode identificar através de recolhas efetuadas em anos anteriores, encontram-se formas de mourisca em diversas circunstâncias. Existem referências e alguns registos de mouriscas cantadas em despique, com letras improvisadas; contudo já não se encontram cultores desta prática, sobrevivendo apenas como canção de letra fixa. A sua grande força é traduzida numa dança, conhecida predominantemente na zona sul da ilha, em torno da Camacha, da Gaula, do Machico e do Caniçal. Existem algumas referências quanto à existência da mourisca dançada pelos populares em outras zonas, como os Canhas. Esta pode ser denominada, de forma indiferente, como mourisca ou chama-rita. No Porto Santo, existia o baile sério, nos começos do séc. XXI executado apenas pelo grupo folclórico desta ilha. Trata-se de uma variante da mourisca madeirense, com uma letra própria. Os habitantes da ilha consideravam-no a dança dos grupos mais abastados da ilha, em oposição à meia volta ou ao baile do ladrão, associados às classes populares. A sua letra é fixa, tal como na mourisca da ilha da Madeira, alternando quadra com refrão. As quadras são entoadas alternadamente por uma mulher e por um homem, sendo o refrão cantado em coro. Cantigas de trabalho Como resultado da transformação dos modos de vida e das atividades produtivas rurais, as cantigas associadas ao trabalho encontram-se atualmente numa situação peculiar. Com efeito, a verdade é que, nas zonas rurais, já não se ouve cantar a chamusca, a cava, a sementeira, a erva, a ceifa do trigo, a malha na eira, a boiada ou cantigas do moleiro, de acartar lenha, dos borracheiros, do linho, dos pastores, etc. Com o desaparecimento das atividades agrícolas que lhes estavam associadas, estas cantigas perderam o seu carácter funcional. De uma forma geral, podemos considerar que as cantigas de trabalho assumem diversas das características a seguir enunciadas: – Género exclusivamente vocal, sem acompanhamento instrumental; – Estrutura musical vulgar, nalguns casos simétrica; – Melodia simples e curta, muitas vezes irregular, com intervalos curtos; – Andamento lento e livre, dependente da respiração de cada um. O seu tempo é relativo e variável, dependendo da sensibilidade de quem canta e também do trabalho associado; – A tonalidade é a que melhor serve ao intérprete. Por vezes, verifica-se um prolongamento da última nota (de 8 ou 12 tempos finais), como, por exemplo, na cantiga da ceifa, da carga ou dos borracheiros. Não há mudança de tom; – Padrão rítmico: 2+2; 4+4; – Canto monódico. No entanto, a sua entoação pode variar, existindo diferentes formas de o fazer: a) Um único intérprete canta a totalidade da cantiga, ou cada um canta a sua quadra; b) Uma voz inicia a quadra e, nos dois últimos versos, os restantes participantes acompanham em uníssono imperfeito; c) Todos entoam, em conjunto, quadras já conhecidas; d) Cada um improvisa a sua quadra. – Sem refrão; – Forma de cantar: alto (agudo), voz de cabeça; – São frequentes os modos arcaicos (sistema modal); As características mais notórias da letra são: – A mesma letra pode servir para diferentes melodias, podendo ser de temática completamente alheia à tarefa. Esta é geralmente pouco profunda, mas ligada à tarefa do dia-a-dia, às dificuldades da vida. São temas recorrentes: Deus, amor, saudade, tristeza, alegria, humor, malandrice; – É frequente a apropriação de versos já conhecidos e pertencentes a cantigas de lazer, de carácter religioso ou romances tradicionais; – O cantar de improviso é um fator importante neste género de música associada ao trabalho caseiro, dependendo da capacidade poética de quem canta; – Entre as quadras ou versos, são frequentes os apupos ou onomatopeias; Listam-se abaixo algumas das mais significativas cantigas de trabalho madeirenses. Borracheiros Na costa norte da Madeira, as uvas eram tradicionalmente apanhadas e levadas para um lagar local. O mosto era posteriormente acartado para as adegas do Funchal, onde iria fazer parte do processo de produção do famoso vinho generoso. A ausência de boas vias de comunicação obrigava a que o seu transporte fosse feito em odres (borrachos) carregados aos ombros de homens pelas veredas da serra. Podiam juntar-se várias dezenas de borracheiros, que, em fila, faziam o percurso até à cidade. Como forma de atenuar a dureza da caminhada, iam entoando uma cantiga específica. O primeiro homem da fila era o chamado candeeiro, que cantava umas quadras de métrica irregular, a que respondiam os restantes (o gado), com vivas. O último do grupo era o boieiro. O canto servia para animar os elementos do grupo, fazendo alusão ao próprio caminho, podendo também incluir elementos de troça em relação a algum componente ou de incentivo ao esforço. A construção de estradas e infraestruturas levou ao inevitável fim dos borracheiros. Em 1974, por iniciativa de Eduardo Caldeira, constituiu-se um grupo, no Porto da Cruz, que recuperou essas tradições, apresentando-as em diversos eventos madeirenses. Cantiga da carga A força humana foi, desde sempre, o elemento que assegurou o transporte na ilha. Mesmo cargas pesadas eram levadas aos ombros ou à cabeça. Por vezes, onde os terrenos o permitiam, podia recorrer-se à ajuda de animais para facilitar a tarefa. No entanto, a ida à serra para recolher lenha para aquecer a casa ou cozinhar, ou para cortar erva para o gado que, no palheiro, a aguardava, dificilmente escapava à necessidade da força humana para o transporte dos pesados fardos. Esta cantiga era entoada naqueles percursos do regresso, aliviando, de certa forma, a dureza do esforço. A letra era composta por quadras, que podiam ser improvisadas, intercaladas por apupos e entoadas numa cadência lenta, acompanhando o ritmo lento da tarefa. Cantiga de embalar Adormecer uma criança é uma tarefa que pode ser árdua e que está muito dependente do tempo necessário para atingir o objetivo. Assim, a tradicional cantiga de embalar tem um andamento muito lento, sem grandes irregularidades. A letra tem versos intercalados por onomatopeias destinadas a fazer adormecer mais facilmente a criança.   Cantigas de carácter religioso O ciclo do Natal O primeiro momento do ciclo do Natal na Madeira, em termos musicais, é constituído pelas Missas do Parto. No seu estudo sobre o tema, Rufino da Silva (1998) afirma que os cantos que têm presença certa nestas cerimónias são conhecidos, pelo menos, desde finais do séc. XIX>, sendo no entanto impossível determinar se são de origem madeirense. Segundo o mesmo autor, estes cânticos apresentam traços de lirismo popular, revelam influência minhota pela harmonização em terceiras e a sua estrutura harmónica é basicamente de alternância entre a tónica e dominante e quase exclusivamente em modo maior. Embora esta seja a caracterização da maior parte das canções, o autor detecta nalgumas delas traços de influência do canto gregoriano.   Romagem. Missa do Galo. Boaventura. Foto: Rui A. Camacho A missa da Noite de Natal é um mais alto momento das vivências religiosas da população regional. Associadas à importância litúrgica de comemorar o nascimento de Cristo, há diversas práticas tradicionais que ajudam a que esta seja realmente a grande Festa. Em alguns locais, esta celebração ainda assume características muito próprias, terminando com as romagens, nas quais grupos de vizinhos, familiares ou amigos percorrem a nave do templo tocando e cantando, para levar até ao sacerdote as suas oferendas. A própria missa é intercalada por diversos momentos de representação e entoação de cantos, como o da “Anunciação aos Pastores” ou a “Pensação do Menino”, tradicionalmente cantados junto do presépio. Possivelmente, estes serão os últimos vestígios de um ancestral auto apresentado na ocasião. A alteração das condições de realização da cerimónia, incluindo alguma necessidade de encurtar a sua duração, poderá estar na origem da eliminação de componentes ou redução do número de estrofes entoadas, daí resultando a sobrevivência de apenas algumas canções isoladas. As romagens são um bom exemplo de uma outra realidade: o que aqui é tradicional é o contexto de interpretação e não a canção em si. Apesar de ser uma tradição que tende a perder-se, nos locais onde se mantém, a principal preocupação dos vários grupos que preparam a sua romaria é mostrar qualquer coisa que as pessoas presentes na igreja não conheçam, pelo menos no que respeita à letra, pelo que muitas vezes se adapta uma música conhecida a uma letra criada. Principalmente nas zonas onde essa preocupação pela conservação da tradição é maior, o grupo que apresente uma romaria que ele ou outro cantou naquela igreja no ano anterior ou dois anos antes, da qual toda a gente se lembra, é alvo de troça, uma vez que não foi capaz de preparar e apresentar uma romagem original, o que obriga a questionar o lugar da tradição. A tradição está na prática de as pessoas de um determinado sítio se reunirem e levarem uma canção para a missa de Natal, com ou sem instrumentos. Por definição, se o que o grupo tem de apresentar é uma novidade, então as músicas não podem ser tradicionais. O que acontece por vezes é que se o público gostar de uma romaria de Natal, seja pela situação em que ela foi apresentada, seja pela qualidade artística da sua melodia ou da sua letra, esta permanece e pode tornar-se tradicional, como uma cantiga de passatempo.   Noite de Reis. Foto: Rui A. Camacho Cantiga de Reis Na noite de 5 para 6 de janeiro, formam-se grupos que percorrem as casas dos vizinhos ou amigos, entoando cantos próprios da época, como forma de desejar um bom Ano Novo. Ao chegar à porta, canta-se enquanto se aguarda que o dono da casa abra e ofereça a todos as bebidas e bolos que os esperam. Depois de uns minutos de convívio, há que prosseguir o percurso, que dura até de manhã. Em cada zona da ilha tende a haver um canto próprio desta noite, embora haja alguns mais conhecidos que são partilhados por várias localidades. A cantiga é entoada em uníssono por todos os participantes. A sua estrutura melódica é constituída por duas partes distintas: uma primeira cantada em compasso de 3/4 e uma segunda em compasso de 3/8, embora haja casos em que surge o compasso 2/4. No final, é frequente haver uma quadra de despedida aos donos da casa. Espírito Santo. Camacha. Foto: Rui A. Camacho Espírito Santo Após a Páscoa, começam as visitas das insígnias do Espírito Santo às casas. Num número de domingos variável em função da quantidade de locais a percorrer, forma-se um grupo constituído pelos festeiros, portadores das insígnias (pendão com a pomba desenhada, coroa e cetro), músicos e duas ou quatro saloias (meninas que transportam cestos para acolher as ofertas). Ao chegar a cada casa, as saloias entoam o Hino, que pode variar de freguesia para freguesia, alusivo à entrada do Espírito Santo, a que se seguem o pedido e o agradecimento das esmolas ao dono da casa. Podem seguir-se outras cantigas, de acordo com pedidos feitos pelos moradores e/ou decisão dos festeiros. Cantigas de lazer Cantos improvisados Brinco em bailinho O despique em bailinho é, ainda hoje, o momento alto da festa popular. Em qualquer arraial tradicional, ou mesmo nas festas familiares, se pode encontrar um brinco. Um músico, pelo menos – tocando rajão, braguinha ou viola de arame, hoje frequentemente substituídos pelo acordeão –, atrai uma roda de cantadores que, à vez, entoam as suas quadras, podendo haver um acompanhamento adicional de palmas (se necessário, pode-se prescindir inclusivamente da presença de músicos). Musicalmente, encontramos uma melodia tonal, com base na harmonia da tónica, dominante.   Despique. Arraial de Ponta Delgada. Foto: Rui A. Camacho O canto é, no essencial, improvisado. No entanto, um bom despicador pode recorrer, se necessário, a quadras decoradas. Esta situação será um recurso aceite no contexto de um despique que se prolongue num arraial. A tentativa de “atirar” quadras críticas ou irónicas sobre os restantes pode proporcionar momentos de grande alegria. A forma poética escolhida é a quadra de verso curto, com rima cruzada (ABAB ou ABCB). Habitualmente, cada verso é bisado, e após o segundo verso toca-se o interlúdio musical. Por vezes, o despicador acrescenta mais dois versos (rima CB ou DB), como mecanismo que permite completar melhor a ideia. Em casos mais raros, poderá ser entoada uma nova quadra completa, tendência que se tem tornado mais comum em tempos mais recentes, possível sinal de uma menor capacidade inventiva e de síntese. A satisfação dos presentes é manifestada por meio de apupos. O despicador, ao chegar a sua vez, pode prescindir de participar, passando a vez ao seguinte. A conclusão mais natural do despique será a que resultar do progressivo abandono dos participantes, vencidos pelo mais inspirado. Num arraial, o brinco poderia prolongar-se por longo tempo, sendo um dos grandes momentos de animação antes da generalização dos grupos de música moderna. Na ilha do Porto Santo, é habitual chamar “Retirada” ao despique em bailinho. Charamba   Charamba. Foto: Rui A. Camacho É hoje a forma musical associada por excelência à viola de arame, embora tradicionalmente pudesse ser acompanhado por outros instrumentos. É uma forma de canto despicado, quase exclusivamente masculino. Na maior parte das vezes, os tocadores não participam no canto, sendo este alternado entre os participantes, que podem cantar quadras ou estrofes mais longas e também com uma métrica variável. A sequência é obrigatoriamente no sentido dos ponteiros do relógio. Ao conjunto dos charambistas que participam numa determinada sessão chama-se “quadrado”. Segundo alguns dos intérpretes tradicionais, o importante neste género musical era o conteúdo do que se cantava. Nalguns casos, acordava-se previamente um tema (fundamento) que estaria obrigatoriamente presente em todas as intervenções. O tema poderia também ser acordado após quadras iniciais entoadas pelos participantes. No momento do canto, o intérprete tem toda a liberdade de definir o andamento e a extensão dos seus versos. Se necessário, o tocador terá de “ir atrás” do cantor, prolongando as frases musicais ou repetindo-as. Para alguns, a opção é ir tocando uns acordes muito simples durante o canto. As quadras são entoadas com repetição de cada verso ou repetindo cada par de versos. Após a repetição, há o indispensável interlúdio musical, que tem uma forma padronizada e bem definida, num padrão rítmico regular de 2/4 (embora possa mudar para 5/8), sendo ele que, musicalmente, define o charamba. A estrutura harmónica é simples, baseando-se na Tónica e Dominante do tom de Sol maior. O seu andamento é lento/andante. Jogos cantados Nos momentos de convívio dos mais jovens, seja entre si, seja com os adultos da família ou amigos, as lengalengas e os jogos ocupavam um lugar importante. Estes apresentam uma grande diversidade de características, podendo ser cantados ou não, tal como ter associada uma coreografia própria. Embora não sendo possível efetuar generalizações, existe um conjunto de aspetos que se podem apresentar como sendo muito comuns aos jogos cantados: – São cantados em tom maior, com refrão e um ritmo simples; – É habitual possuírem refrão, cantado por todos em uníssono, intercalado com outras partes entoadas a solo por algum dos participantes; – Sem acompanhamento instrumental; – Recurso a acompanhamento de palmas; – A sua letra é composta maioritariamente por quadras de verso curto Muitos dos jogos têm uma coreografia associada. Os jogadores podem colocar-se em roda simples ou dupla, podendo ter um elemento no centro, podem estar em fila, frente a frente, etc. Histórias Outra forma muito comum de passar o tempo livre, ou mesmo acompanhar as longas horas de trabalho do bordado, era contando ou cantando histórias. Estas podiam assumir características diversificadas. Tanto podiam ser os antigos romances da tradição hispânica, como narrativas inspiradas em factos da vida real, como ainda histórias de animais ou mesmo lengalengas. Um elemento importante é assumirem, com grande frequência, um carácter didático ou terem uma conclusão moral. A sua componente musical varia muito. Ainda podemos encontrar alguns romances com as suas melodias ancestrais, a par de outros textos a que se foi adaptando uma música mais recente. Nestes casos, o facto de se tratar de uma melodia bem conhecida facilitava a sua memorização e podia tornar mais recetivos os ouvintes. De qualquer modo, são sempre melodias com frases musicais curtas, que se vão repetindo ao longo de todo o texto. Danças As duas formas dançadas mais comuns na RAM são os já referidos bailinho e mourisca. Para além delas, pode referir-se duas outras tradicionais da ilha do Porto Santo, a Meia Volta e o Ladrão, e uma outra, a Dança das Espadas, associada à festa de São Pedro, na Ribeira Brava. Meia volta Na ilha do Porto Santo, os momentos de festa em família ou com vizinhos e amigos tinham lugar nas eiras ou num espaço amplo dentro de casa. Aí, o tocador da rabeca colocava-se no centro e os restantes participantes do baile iam formando pares em roda (pares que nunca se tocavam, realçavam alguns dos mais antigos). Na roda, incluíam-se os tocadores dos outros instrumentos, como o rajão e viola de arame. Caso único nas danças da RAM, existia um mandador que orientava a sequência coreográfica do baile, ao mesmo tempo que cantava e tocava a viola de arame. Os restantes cantadores ficavam fora da roda. A música tem ainda hoje carácter modal (frígio), claro sintoma da sua antiguidade, embora todas as hipóteses até hoje lançadas para explicar a sua origem sejam puramente especulativas. Tradicionalmente, o canto era improvisado. Atualmente extinto da tradição, são elementos do Grupo Folclórico local que preservam a sua recordação. Musicalmente, apresenta uma sequência harmónica de três acordes: Sol, Lá, Sol, tom de Sol maior. O andamento é moderado e mantém-se sempre inalterável, mudando o número de notas musicais, criando uma intensidade sonora e desenvolvendo uma dinâmica rítmica, enquanto o violino executa uma interessante melodia com base na escala de Sol maior. A meia volta é única em relação a todas as outras músicas tradicionais. Dança das espadas Música tradicionalmente executada durante os festejos de São Pedro, na Ribeira Brava. Praticada até meados do séc. XX, esta dança desapareceu progressivamente da tradição, sendo alvo de trabalho de reconstituição em finais do século, tendo posteriormente retomado o seu lugar na festa.   Dança das Espadas. Ribeira Brava. Foto: Rui A. Camacho É interpretada por um conjunto de homens com um trajo próprio, tendo duas partes distintas: uma executada em marcha e a outra com uma coreografia própria. Aspecto peculiar, a dança é apenas instrumental, sem qualquer canto associado, o que faz com que seja a única dança da tradição popular que apresenta essas características. Musicalmente, é simples, baseando-se apenas em quatro compassos, em tom maior. Embora haja registo de ligeiras alterações, podemos definir o acompanhamento musical como sendo feito por rajão, braguinha, viola de arame e pandeiro.   Jorge Torres Rui Camacho (atualizado a 01.02.2018)

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herédia, família

António de Herédia (c.1560-1624), o primeiro deste apelido que chegou à Madeira em 1602, natural de Ávila, Castela, entrou em Portugal com o exército do duque de Alba em 1580. “Os deste apelido procedem de D. António de Herédia, o primeiro que passou a esta ilha da Madeira em 1602” (CLODE, 1952, 167). Foi capitão, depois comandante da companhia do presídio castelhano e, mais tarde, governador substituto. Morreu em 12 de março de 1624. “Casou com D. Ana de Cuebas, natural das Ilhas Canárias e filha de D. José de Estupinga e Cuebas, espanhol nobilíssimo” (Id., Ibid.). A guarnição espanhola foi muito contestada na Madeira, mas “os seus descendentes acabaram por se ligar às mais importantes famílias nobres locais, originando uma linhagem muito poderosa e contestatária dos poderes administrativos” (VERÍSSIMO, 2000, 157). Francisco Corrêa Herédia (1793-1880), avô paterno do visconde da Ribeira Brava, pertenceu ao Conselho de Sua Majestade, foi deputado pela Madeira nas sessões legislativas de 1842 e 1845 e presidente da Junta Governativa que se organizou na ilha da Madeira aquando do movimento da Maria da Fonte; foi também presidente da Câmara do Funchal e governador civil interino. Casou-se com sua prima coirmã, Ana Margarida de Bettencourt Acciaiuoli e Sá Escórcio Drumond, e tiveram, entre outros filhos, António Corrêa de Herédia (1822-1899), “notável jornalista e polemista, assim como uma das importantes figuras depois da Regeneração. Exerceu inúmeros cargos públicos como presidente da câmara do Funchal, procurador à Junta Geral, secretário-geral e governador interino do Funchal, diretor das alfândegas do Funchal, do Porto e de Lisboa, assim como diretor-geral das alfândegas. Representou a Madeira nas sessões legislativas de 1857 a 1858, 1858 a 1859 e 1865 a 1868” (CARITA, 2008, 123). Casou-se com Ana de Bettencourt e tiveram Ana Amélia de Herédia e Francisco Correia de Herédia, agraciado com o título de visconde da Ribeira Brava (em decreto de 4 de maio de 1871), o qual, depois da abolição dos títulos nobiliárquicos, passou a chamar-se Francisco Correia de Herédia Ribeira Brava. Francisco Correia de Herédia nasceu na Ribeira Brava (Madeira) a 2 de abril de 1852 e faleceu em Lisboa, a 16 de outubro de 1918, assassinado durante a “leva da morte” no consulado de Sidónio Pais. Casou-se em Lisboa, em 1867, com Joana Gil de Borja de Macedo e Menezes, natural de Beja, nascida em 8 de abril de 1851 e falecida na Madeira em 4 de setembro de 1925. Notável sportsman, em particular na esgrima e no tiro, foi extraordinário promotor da prática desportiva na Madeira, transmitindo essa apetência aos seus descendentes. Foram seus filhos António Gil de Borja de Macedo e Menezes Correia de Herédia (1872-1966), natural de Miragaia, Porto, casado em Lisboa a 19 de maio de 1899 com Alice de Oliveira Guedes (1876-1943), com quem teve Josefina Guedes de Herédia (1900-1987) e António Guedes de Herédia (1901-1997), atleta olímpico em Amesterdão (1928), Berlim (1936) e Londres (1948); Francisco Gil de Borja de Macedo e Menezes Correia de Herédia (1873-?), s.g.; e Sebastião Sancho Gil de Borja de Macedo e Menezes Correia Herédia (1876-1958), que nasceu em Lisboa, tendo vivido largos anos na Madeira, onde foi governador civil. Exímio atleta em ciclismo e em esgrima, este último é considerado a primeira figura do olimpismo madeirense; atleta olímpico em Amesterdão (1928), nasceu no Porto, casou-se com Maria d’Assumpção Garcia de Freitas Branco (1875-1953), de quem teve Sebastião de Freitas Branco Herédia (1903-1983), atleta olímpico em Amesterdão (1928), onde, curiosamente, também se encontrava o pai, e em Los Angeles (1932), em pentatlo moderno; Maria Luísa de Freitas Branco de Herédia (1905-1961), s.g., uma das primeiras mulheres portuguesas a integrar uma comissão técnica do COP e defensora da participação desportiva das mulheres; Joana de Freitas Branco de Herédia (1907-2003), s.g., Ana de Freitas Branco de Herédia (1910-?), s.g., e José de Freitas Branco de Herédia (1916-1993). Descende desta família D. Isabel de Castro Curvello Herédia (casada com D. Duarte Pio de Bragança), filha de Jorge de Herédia e neta de Sebastião de Freitas Branco Herédia.   Francisco J. Fernandes (atualizado a 01.02.2018)    

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