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andrade, maria lucinda de sousa

Maria Lucinda de Sousa Andrade nasceu no sítio das Feiteiras de Cima, freguesia e concelho de São Vicente, na costa Norte da Ilha da Madeira a 10 de março de 1903. Filha de João Francisco de Andrade e de Dª. Amélia Carolina de Sousa, foi batizada na igreja matriz desta freguesia a 24 de março do mesmo ano sendo seus padrinhos seu tio materno Carlos João de Sousa e Nossa Senhora, (segundo prática habitual no seio da religião católica em que é possível consagrar uma criança a uma figura do culto católico no momento do batismo ou por falta de um dos padrinhos ou por vontade dos pais). O casal teve outras duas filhas, Maria Pia (n. 22.06.1900) e Teresa (n. 09.02.1908) sendo Lucinda a filha do meio e, segundo relatos, em São Vicente as três irmãs eram conhecidas quando solteiras como “as meninas Andrade”, sendo que Lucinda Andrade nunca viria a contrair matrimónio. Após terminar o ensino básico no ensino particular, rumou à capital madeirense onde completou o sétimo ano do Curso dos Liceus no Liceu Nacional do Funchal e na década de 30, com vista a prosseguir uma carreira no ensino, terá frequentado um curso de Pedagogia em Lisboa no Liceu de Pedro Nunes, segundo uma notícia publicada no Jornal da Madeira aquando da sua morte (Jornal da Madeira, 13.10.2000), embora no decurso desta investigação tenha surgido também a hipótese de haver frequentado a Escola Pedagógica João de Deus, não nos foi possível confirmar nenhuma das hipóteses sendo que certo é que ambas as instituições eram então estruturas vocacionadas para a formação de professores. Mais tarde, de volta ao Funchal, iniciou a sua carreira docente e em 1943 regressou à freguesia de São Vicente, de onde, exceto em viagem, não voltaria a sair, dedicando-se ao ensino – atividade que exerceria durante toda a sua vida. Considerada a “mãe” do ensino secundário no concelho de São Vicente, a vida de Lucinda Andrade está intimamente ligada à evolução do ensino nesta localidade, pois até meados da década de 60, em São Vicente, o ensino era ministrado em regime de ensino particular por professores em suas residências, sendo que Lucinda Andrade ensinava já matérias do nível secundário e chegou a preparar na sua residência uma divisão para o efeito, onde em “mesas estreitas e bancos corridos”, ensinava Inglês, Português, Matemática, Desenho e Físico-química sendo a sua área de eleição o Francês, em que era considerada “excelente”, preparando os alunos ditos “auto-propostos” para os exames de 2º e 5º ano do Liceu. Tendo em conta que os dados estatísticos revelam que na primeira metade do século XX o analfabetismo na RAM ascendia aos 70%, valor que só minguaria para os 33% a partir da década de 60 após a criação do Plano de Educação Popular e da Campanha Nacional de Educação de Adultos em 1952, pode-se associar a crescente alfabetização da população do Norte da ilha da Madeira, e em especial no concelho de São Vicente, à enérgica ação de Lucinda Andrade assumindo esta o papel de grande impulsionadora do ensino neste concelho, que a agraciou por seus méritos em 1983 com a sua Medalha Municipal (Id., Ibid ,.). Em 1964, aquando da criação do Externato São Vicente, no sítio das Casas Novas, fez parte do corpo docente inicial desta instituição de ensino vocacionada para o ensino do 1º e 2º ciclo do ensino Liceal, com capacidade para 80 alunos de ambos os sexos – algo pouco habitual na época – e que se manteria em regime de ensino particular até 1988, ano em que, por se considerar “ser necessário proceder à criação do Ensino preparatório e Secundário oficial nesta Vila [de São Vicente] (…), foi criada a Escola Preparatória e Secundária de São Vicente; que entrou em funcionamento no ano letivo de 1988-1989”. Ainda no ano de 1988, por deliberação do Conselho de Governo e assente no Ofício – Circular nº 189/4.0.1/88, atribuiu-se à nova entidade escolar a denominação de Escola Preparatória e Secundária Dona Lucinda Andrade, como forma de homenagear a professora que “dedicou toda a sua vida ao ensino, com espírito de abnegação invulgar e extraordinária competência e zelo.”, citando o documento supramencionado. As novas instalações da atual Escola Básica e Secundária Dona Lucinda Andrade foram inauguradas no sítio do Passo no dia 04 de outubro de 1993, em cerimónia que contou com a presença do então Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim, do Secretário Regional da Educação, Francisco Santos e Gabriel Drummond, Presidente da Câmara Municipal de São Vicente e em que Lucinda Andrade teve a honra de destapar a placa ostentando o seu nome (fig.2). De referir que a atual escola comemora anualmente o Dia da Escola a 10 de março, data de nascimento de Lucinda Andrade. Fig. 2– Inauguração da Escola Básica e Secundária Dona Lucinda Andrade. 04.10.1993. Foto do arquivo pessoal de Teresa Silva Atendendo ao falecimento recente de Lucinda Andrade, bem como à escassez de material consultável onde se pudesse apoiar este texto, ele acabou por ser produzido com recurso, sobretudo, a testemunhos obtidos de antigos alunos, colegas de profissão, amigos e familiares que nos traçaram o perfil de uma mulher de personalidade forte, vivaz e determinada, ainda que reservada e pouco dada a contactos sociais tendo recebido as homenagens que lhe foram prestadas com “aparente modéstia”. Pioneira e empreendedora, terá sido das primeiras mulheres a conduzir um automóvel em São Vicente, era “muito culta”, amante da moda, cultivando um extremo cuidado com a sua imagem, sendo senhora de postura altiva e grande beleza física, “a sua maior relação era com os alunos”, segundo relatos, dizendo-se mesmo que “dava a vida pelos alunos”, atribuindo-se à sua paixão pela Educação o facto de não haver constituído família. Contudo, ainda segundo relatos a própria Lucinda Andrade terá comentado certa vez sobre o tema: “não calhou” [casar]. Faleceu na cidade do Funchal no dia 12 de outubro de 2000, aos 97 anos, vítima de acidente doméstico em sua residência de São Vicente. Isilda Quintal Fernandes     artigos relacionados silva, ângelo augusto da liceu / escola secundária jaime moniz moniz, jaime a obra das mães pela educação nacional na madeira

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a paixão do povo e a páscoa porta a porta

Durante o recato que caracteriza a época pascal existe espaço para as brincadeiras infantis e juvenis. Mas estes jogos são usados por todos, desempenhando talvez a função de distracção num período usado pelos Cristãos para a reflexão. Talvez se possa encontrar nesta prática semelhanças com práticas contemporâneas visíveis noutras latitudes, onde o desporto e o lazer surgem como uma forma de alterar as rotinas concentradas num determinado período. Lembramos a este propósito o que ocorre em Inglaterra com o designado Boxing Day. Jogos Tradicionais Esta é umas das recriações da tradição realizada pela Casa do Povo da Camacha, que se realiza na altura da Quaresma. Neste período, nesta vila serrana da Madeira não se ouviam tocar os instrumentos musicais, como noutras épocas do ano. O recato em respeito pelo sofrimento do Salvador era regra, pelo que nos dias de descanso o tempo era ocupado com diversos jogos, casos do “jogo do pião”, jogo do batoque (consiste derrubar uma rolha de cortiça colocada no chão, atirando moedas) ou o jogo do burro (placa no chão numerada à qual os participantes atiram rodelas de borracha, ganhando quem atingir maior numero de pontos) ou o “jogo das pedrinhas” e “saltar à corda”. Outros jogos populares são as escondidas, a bilhardeira ou o Jogo do lenço. Os Acólitos e o Espírito Santo Já no elucidário faz-se referência às comissões que constituídas com a coordenação do pároco para levar a efeito a celebração do Espírito Santo. Ainda segundo o Elucidário Madeirense, esta comissão é reconhecida “pelas capas encarnadas dos seus membros, um dos quais leva a coroa, outro o ceptro, outro a bandeira e um quarto o pendão”. Na Camacha tal comissão está a cargo do Grupo de Acólito da Paróquia da Camacha, que se fazem acompanhar por saloias e instrumentistas. Na Camacha as visitas ocorrem durante três dias, em que o ponto mais alto ocorre no Domingo com as visitas aos estabelecimentos comerciais, seguindo-se o cortejo do pão, realizado em benefício dos mais necessitados da freguesia. Banda Paroquial de São Lourenço. Fonte: www.paroquiadacamacha.com Banda Paroquial de São Lourenço Tem realizado um concerto, por altura das Páscoa. Fundada em 1973, pelo pároco António Joaquim Figueira Pestana Martinho. Ao seu lado esteve o primeiro ensaiador e maestro, o professor Raul Gomes Serrão, seguido pelo maestro José da Costa Miranda. Por ter sido fundada sob a égide da Fábrica da Igreja Paroquial da Camacha a banda recebeu o nome do padroeiro da freguesia (São Lourenço). Registe ainda o facto de ter sido das primeiras bandas em solo português a adoptar elementos do sexo feminino na sua formação. O estandarte ostenta as cores vermelhas (o sangue derramado por São Lourenço) e o branco (evocativo da sua santidade) e no centro a lira musical bordada a ouro, ladeada pela grelha e pela palma. Senhor dos Passos e procissão do Enterro do Senhor Este é o centro das cerimónias religiosas dedicadas à Páscoa. As cerimónias começam na Quinta-feira com o acto do Lava-Pés. Na Sexta, realiza-se a Procissão do Enterro do Senhor, que percorre o Largo da Achada, no centro da freguesia, procissão recuperada pelo actual pároco depois de uma interrupção de quarenta anos. No Sábado realiza-se a Vigília Pascal “com a bênção do círio Pascal e do lume novo”. Finalmente, no Domingo, é tempo dos cristãos celebrarem Cristo Ressuscitado, realizando a eucaristia pela manhã, seguida da Procissão, novamente em redor da Achada. Gastronomia típica da Páscoa A gastronomia da Páscoa na Madeira apresenta características comuns a todas as freguesias. Entre os pratos tidos como mais representativos desta época conta-se o bacalhau assado, o filete de espada e de atum e o atum de escabeche, acompanhado de salada, inhame, feijão e batatas. No Domingo de Páscoa volta-se a comer carne, sendo um dos pratos o borrego assado. Na doçaria, comprovando a riqueza da doçaria madeirense, relacionado com a outrora dinâmica açucareira na ilha, de que damos alguns exemplos como os torrões de açucar, bolos e doces de amêndoas. Da terra o Homem retira o tremoço, apreciado ao longo do ano a acompanhar uma cerveja ou um copo de “vinho seco”, mas muito associado a esta época.     textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho  

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natal

Na Madeira, o Natal é a quadra do ano mais festejada pela grande maioria da população. É a principal festa da tradição madeirense e é celebrada desde o início do povoamento. Na verdade, os povoadores portugueses, vindos de várias zonas do país, transportaram consigo as tradições e costumes das suas terras. Estes povoadores, junto com outras gentes, que afluíram à Ilha, de nacionalidades e origens diferentes, contribuíram para a formação da cultura e da sociedade madeirense. O modo de viver da população resultou, assim, de um processo de assimilação e de fusão de vários usos e costumes, embora tivessem predominado as raízes culturais e as crenças cristãs dos antepassados lusos. Também a celebração e a vivência do Natal foi herdada dos povoadores portugueses, à qual o povo madeirense associou um rico folclore cristão e elementos profanos. Segundo a liturgia da Igreja, o Natal não traduz apenas o nascimento de Jesus, estabelecido na data de 25 de dezembro, no séc. IV, pelo Papa Júlio I. O Natal constitui um ciclo que vai de 27 de novembro a 17 de fevereiro e compreende o conjunto das celebrações mais significativas, referentes à longa expetativa do mundo antigo pela vinda do Messias e também da sua infância. Assim, esta longa expetativa foi fixada pela Igreja no chamado tempo do Advento, que abrange as quatro semanas anteriores ao dia 25 de dezembro (28 dias), ou seja, desde os últimos 4 dias de novembro aos primeiros 24 dias de dezembro. O Advento como esperança do povo judeu pela vinda do Messias desapareceu da memória do povo, sendo substituído, na liturgia popular, por outro Advento, que começa a 16 de dezembro e termina a 24 desse mês. Durante esse tempo, celebram-se nas paróquias da Madeira nove missas em honra da Virgem Maria, denominadas popularmente de Missas do Parto. Nas manifestações litúrgicas em que a Igreja recorda a infância de Jesus, incluem-se a circuncisão, a 1 de janeiro; a epifania, a 6 de janeiro; e a fuga para o Egito, a 17 de fevereiro. Destas comemorações da Igreja, apenas transitaram para a liturgia popular as celebrações natalícias do tempo do Advento, de 16 a 24 de dezembro, e a festa dos Reis Magos, a 6 de janeiro. Na etnografia madeirense, o ciclo do Natal é popularmente conhecido e designado por Festa. É a Festa por excelência, que só termina no dia de Reis, ou, em algumas localidades da Ilha, no dia de S.to Amaro, depois de desmontados os presépios tradicionais e demais decorações da época. Os festejos natalícios no arquipélago não se limitam ao dia do nascimento do Menino Jesus e começam a ser preparados com grande antecedência. Os madeirenses preparam-se espiritualmente, cumprem a liturgia da Igreja, exteriorizando a sua fé nas cerimónias sagradas, mas também conjugam as práticas religiosas com as manifestações profanas, interligando-as de forma natural e espontânea. Os preparativos para a maior efeméride do calendário festivo islenho dividem-se em várias fases e envolvem todo o núcleo familiar. Estes momentos de preparação consistem em arranjar a casa, tratar da confeção de diversas iguarias, doces e licores típicos da época, matar o porco, armar o presépio, comprar presentes e organizar convívios familiares ou sociais. Noutros tempos, a Festa era aguardada com muito entusiamo, especialmente pelas classes mais desfavorecidas, que, apesar dos seus parcos recursos económicos e financeiros, conseguiam ter no Natal uma mesa farta, novas peças de vestuário, calçado e brinquedos para as crianças. A Festa era preparada ao longo de todo o ano: guardava-se dinheiro no mealheiro a fim de comprar algo melhor para a quadra natalícia, destinavam-se os melhores produtos, sobretudo no meio rural, para o Natal; reservava-se o trigo necessário para amassar o pão no Natal, guardava-se um quarto do melhor vinho para os brindes daqueles dias; engordava-se o porco para matar nessa altura e escolhia-se os maiores galos e galinhas. As crianças ansiavam pela Festa, por toda a envolvência da época, desde a armação do presépio aos doces e iguarias típicas, à expetativa das prendas, das roupas, dos sapatos e dos brinquedos novos, às férias escolares e aos convívios com familiares e amigos. Os adultos também esperavam o Natal de um modo especial, pois tinham um período de descanso mais prolongado, ao qual associavam os convívios e as festas litúrgicas nos templos. As festividades natalícias na Madeira foram-se adaptando às transformações sociais, económicas e religiosas que ocorreram na Ilha. No início do séc. XXI, com o aumento do poder de compra, a melhoria das condições de vida e consequentes alterações dos hábitos de consumo, algumas tradições natalícias foram gradualmente cedendo lugar a outras e muitas caíram em desuso. Os madeirenses já não esperam um ano para comer carne de porco, galinha ou outras carnes, ou para confecionar e comer os doces tradicionais, porque tudo se encontra à venda nos estabelecimentos comerciais. Por sua vez, o termo “Festa”, também comum no Minho, foi gradualmente a ser substituído pela palavra “Natal”, embora ainda prevaleça no espaço insular, sobretudo nos meios rurais e entre os mais idosos. No entanto, apesar das diferentes transformações ocorridas na sociedade, o Natal na Madeira é a quadra do ano mais celebrada pela população, quer a nível social e cultural, quer a nível religioso, mantendo muitas das suas tradições.   Os preparativos para o Natal As Missas do Parto Os festejos do Natal madeirense iniciam-se com as novenas do Menino Jesus, designadas localmente de Missas do Parto e realizadas em quase todas as paróquias do arquipélago, uma tradição introduzida pelos padres franciscanos aquando da sua ação pastoral nos primórdios do povoamento das ilhas. Este tempo de preparação é também uma devoção mariana, que comemora os nove meses de gravidez da Virgem Maria ou N.ª Sr.ª do Ó, popularmente designada Virgem do Parto. A 17 de dezembro, a Igreja celebra a festa de N.ª Sr.ª do Ó, que passou a ser assim denominada pelo povo por se proferirem nas chamadas vésperas do Ofício Divino, de 17 a 24 de dezembro, sete antífonas que começam pela interjeição exclamativa “Ó”, como suspiro pela vinda do Salvador do mundo: “O Sapientia, quae ex ore Altissimi prodisti”, “O Adonai et Dux domus Israel”, “O Radix Jesse, qui stas in signum populorum”, “O Clavis David”, “O Oriens, splendor lucis aeternae”, “O Rex gentium”, “O Emmanuel, Rex et Legifer noster”. De acordo com o folclorista Eduardo Antonino Pestana (1891-1963), o povo madeirense interpretou que tal período celebrava também a gravidez da Virgem Maria, sugerindo que o formato da letra “o” lembra os últimos tempos da gravidez da mulher. O antigo culto do Menino foi transferido para sua Mãe, passando a chamar-se Missas do Parto às novenas do Menino Jesus ou novenas do Natal. Assim, desde a véspera da festa da Senhora do Ó (16 de dezembro) até a véspera do Natal (24 de dezembro), celebram-se nove missas em honra da Virgem, sendo que cada missa corresponde a um mês de gravidez e simbolizam o parto divino que Nossa Senhora terá. As Missas do Parto eram celebradas de madrugada, entre as 05.00 h e as 07.00 h, sobretudo nas igrejas das zonas rurais, por ser uma hora conveniente para os lavradores, que começavam a trabalhar antes do nascer do sol. No início do séc. XXI, após um período de crescente desmobilização, foi recuperada a tradição de celebrar a missa na alvorada, pelas 06.00 h, correspondendo ao simbolismo de que o Menino Jesus é a luz que nasce para o mundo inteiro. Apesar da hora matutina, estas têm muita participação. A ida para a igreja era muito animada nas diferentes localidades, em grupos formados por familiares, amigos e vizinhos, sobretudo quando a utilização do automóvel não era frequente. Os fiéis seguiam juntos, a cantar, ao som de diversos instrumentos musicais, entre os quais, gaitas, flautas, rabecas, machetes, pandeiros e castanholas, proporcionando-se momentos de grande folia e convívio. Por vezes, também ressoam bombas e foguetes, que começavam nas Missas do Parto e só terminavam quando findava a quadra festiva, depois do Ano Novo. As igrejas enchem-se de pessoas que, durante a celebração religiosa, vão entoando cânticos próprios. O repertório de músicas e cantigas desta tradição é muito vasto, remontando alguns desses versos aos tempos do povoamento. Terminada a missa, a comunidade reúne-se nos adros das igrejas, prolongando a celebração religiosa numa dimensão de carácter pagão e lúdico, o que sublinha a ligação entre o religioso e o profano, com um convívio onde não faltam bebidas quentes, licores, broas e outros doces e petiscos tradicionais desta quadra. A música anima também os presentes, quer com os cantares de cariz popular, ao som de instrumentos regionais, quer ainda, em alguns locais, com a presença de bandas de música ou filarmónicas. Fig. 1 Ritual da matança do porco: ChamuscarFoto: acervo e autoria de M. Nicolau A matança do porco Outra tradição da Festa é a matança do porco (também conhecida na Ilha como a função do porco), essencial para os pratos típicos do Natal. Esta função acontece normalmente entre 8 de dezembro e o início das Missas do Parto, sobretudo no meio rural. No dia marcado para a matança do porco, reúnem-se familiares e amigos para assistir ao sacrifício do animal, que foi engordado nos meses anteriores. A ocasião proporciona momentos de convívio, com partilha de petiscos e bebidas. O ritual da matança é realizado por vários homens: uns tiram o porco do chiqueiro, amarram-no, deitam-no no chão e seguram-no com força para outro homem, denominado “marchante”, desferir o golpe certeiro, com rapidez. O sangue do porco é aparado para um alguidar, porque vai servir de petisco, depois de cozido e temperado com alho, pimenta e salsa, e misturado com cebola picada. O animal é lavado, pendurado e cortado com um serrote para se lhe limpar as vísceras, sendo-lhe retirados os intestinos, o pâncreas, o fígado e outros órgãos. O dia seguinte à morte do porco é reservado para cortar (ou “picar” como é popularmente designada esta operação) e desmanchar o suíno, que é cortado em diversas porções. As salgadeiras foram preparadas para receber a carne e a gordura, que servirá para conservá-la, a fim de poder ser consumida nos meses seguintes. Todas as partes do animal são aproveitadas: a febra destina-se ao consumo durante a quadra natalícia; a barriga é utilizada na confeção da tradicional carne de vinho e alhos; com uma parte da carne gorda fazem-se torresmos e a outra parte é para fazer banha, utilizada para fins culinários durante o ano. O debulho (intestino) é escaldado e salgado para ser comido em sopas; a cabeça é salgada e fumada, para ser consumida mais tarde, com couves e semilhas. Reserva-se ainda uma parte da carne para outras épocas do ano, sendo esta salgada. Também era hábito reservar uma boa porção para oferecer aos vizinhos, amigos e familiares que não podiam matar ou ainda não o tinham feito e que, por sua vez, retribuíam com a carne do seu porco. Oferecia-se ainda uma peça da melhor carne ao padre da paróquia e a alguma figura ilustre, como o médico da localidade. Nesse dia também havia convívios de amigos, onde não faltavam vinhos, doces, torresmos, carne de porco assado na panela e pão, entre músicas e cantigas, muitas vezes até altas horas da noite. Dado que a alimentação das classes mais desfavorecidas consistia praticamente no consumo dos produtos da terra, principalmente o inhame, e da fruta que não estava em condições de ser vendida no mercado, o ritual da matança do porco, criado em casa, era um dos momentos altos da época natalícia. Os arranjos da casa Nesta quadra, é costume efetuarem-se grandes limpezas nos lares da Ilha, preparando a habitação para receber as visitas durante os dias da Festa. Outrora, as tradicionais limpezas nas residências consistiam em pintar as paredes, as portas e as janelas, lavar as vidraças, os pavimentos e a louça guardada nos armários. Todos os cantos das casas eram limpos, incluindo a mobília. No mês de novembro, aproveitava-se o chamado verão de S. Martinho para lavar e passar a ferro as colchas, as toalhas e as rendas que estavam guardadas, para serem usadas na Festa. Depois de feitas as limpezas, arrumações e eventuais reformas nas residências, começava a azáfama da confeção dos licores e doces, das compras e das decorações natalícias, com flores naturais e artificiais e outros objetos típicos da quadra. As mulheres juntavam-se ao redor de um alguidar para amassar grandes quantidades dos típicos bolos de mel, broas de mel, broas de coco, rosquilhas e outras variedades de doces. Os bolos de mel e as broas eram cozidos no forno a lenha, sendo também frequente usarem-se os fornos das padarias, sendo a data previamente marcada no estabelecimento; ali se reuniam várias mulheres para cozerem as respetivas amassaduras, em alegres convívios, enquanto aguardavam pela sua fornada. Nas vésperas do Natal, faziam-se os licores caseiros de vários sabores, sendo os mais apreciados os licores de tangerina, de anis, de caramelo e o tim-tam-tum. Fig 2. Pão caseiro cozido em forno a lenhaFoto: acervo e autoria de M. Nicolau. MACHICO - 1985 Na véspera da Festa, amassava-se e cozia-se o pão. O trigo, lançado à terra em fins de janeiro, depois de ceifado, fora reservado numa caixa para ser moído e amassado naqueles dias festivos. No início do mês de dezembro, era moído, para fabricar o pão caseiro e os brindeiros (pão mais pequeno feito com o resto da massa) para as crianças. A 24 de dezembro, antes do raiar da aurora, a mulher do lavrador levantava-se para amassar e cozer o pão no forno a lenha. O cheiro a pão espalhava-se pela casa, enquanto os filhos iam acordando e chegavam à cozinha à espera para comer o pão fresco. Nestes dias festivos, nas cidades, sobretudo no Funchal, as ruas ficam mais movimentadas, enchem-se de cor e de luz, e o comércio ganha uma nova dinâmica. As transações comerciais aumentam consideravelmente, desde as compras de presentes para oferecer no Natal à aquisição de produtos alimentares, nomeadamente os ingredientes necessários para a confeção do bolo de mel, das broas e de outros doces; os condimentos para temperar a carne de vinho e alhos; as cebolinhas e outras verduras para fazer as conservas em vinagre; o cacau; o queijo; as azeitonas e outras iguarias; sem esquecer as bebidas espirituosas, entre as quais, a aguardente, a genebra e o vinho. Adquirem-se hortaliças frescas e frutas, onde não faltam as laranjas, as tangerinas, as peras, os peros, as maçãs, as goiabas e o ananás. Compram-se ainda as verduras, para as decorações do presépio e outros ornamentos natalícios, os galhos verdes e as flores, entre os quais, o alegra campo (Semele androgyna), o azevinho (Ilex aquifolium), a cabrinha (Davallia canariensis), os pinheirinhos, os galhos de musgo, os sapatinhos (Paphiopedilum insigne) e os junquilhos (Freesia x hybrida).   O presépio (lapinha) e outras ornamentações natalícias A tradição de armar o presépio chegou à Madeira através dos colonos e povoadores oriundos de Portugal continental, entre os quais os franciscanos, que foram os primeiros a exercer atividades pastorais e funções eclesiásticas na Ilha, influenciando a vida religiosa local. Fig 3. Lapinha tradicional (escadinha)Foto: coleção particular da autora O primeiro presépio ao vivo terá sido representado por S. Francisco de Assis, em 1223, em Greccio, no Vale de Rieti, em Itália, para melhor explicar aos camponeses a história do nascimento do Menino Jesus. S. Francisco de Assis reuniu frades e habitantes locais, em torno da imagem do Menino, reclinado na manjedoura, dentro de uma gruta, interpretando o nascimento do Cristo Salvador. Os Franciscanos levaram esta ideia de representação do Nascimento por todo o mundo, criando figuras em barro e outros materiais. Este tipo de figuração começou então a chamar-se presépio, termo que deriva do termo latino “praesepium” e significa manjedoura, curral ou estábulo, ou seja, um lugar onde se recolhe o gado. O culto do Menino Jesus e a liturgia do presépio generalizou-se nas tradições da Igreja e também pelas casas reais e da nobreza, dando origem a presépios públicos, em igrejas e nas casas de família, com imagens de madeira, barro ou plástico, em tamanhos diversos e segundo o gosto e as posses da comunidade eclesial ou familiar. No arquipélago madeirense, o presépio é também chamado lapinha. De acordo com os autores do Elucidário Madeirense, o termo “lapinha” deverá ser o diminutivo de “lapa”, que significa gruta ou furna, assemelhando-se ao local de nascimento do Menino Jesus (SILVA e MENESES, 1998, II, 219). A lapinha tradicional pode ser representada de duas formas características, denominadas, no meio insular, de escadinha e de rochinha. Fig 4. Lapinha tradicional (escadinha)Foto: acervo e autoria de M. Nicolau Na variante de escadinha, a lapinha é armada sobre uma mesa ou cómoda. O móvel é coberto com uma colcha vermelha e, sobre esta, é colocada uma toalha de linho branco, em renda ou bordada. No centro do móvel, sobre a toalha, fica a escadinha de três degraus, em forma de pirâmide, com poucos centímetros de altura, forrada a papel de fantasia de cor branca. Os degraus são ornamentados com vários adereços. No topo da escada surge a figura do Menino Jesus, de pé, de coroa na cabeça, ostentando um rico vestido branco com o típico bordado Madeira, com a escultura emoldurada por um arco de flores de papel. Em cada lado da imagem ficam colocadas duas jarras com flores, geralmente junquilhos ou sapatinhos. Nos outros degraus da escada e em torno desta, ficam dispostos alguns elementos figurativos, denominados pastores, alternados com fruta da época (laranjas, tangerinas, peros, anonas, castanhas ainda nos ouriços, e outros frutos). A lapinha é também enfeitada com verduras, designadas popularmente de ensaião (Ænium arboreum), cabrinhas e searinhas. O ensaião e as cabrinhas são colhidos nas serras madeirenses; a primeira planta, de folhas carnudas, vive agarrada às paredes rochosas mais expostas ao sol, e as cabrinhas são fetos que nascem nas fendas dos muros rochosos. Já as searinhas são obtidas colocando de molho gramíneas ou leguminosas (trigo, lentilha, tremoço ou alpista), que grelam; as searas são colocadas de molho aquando da primeira Missa do Parto e, quando começam a germinar, são plantadas em vasinhos, em pires ou outros recipientes, com uma pequena porção de terra. Por este processo obtém-se as típicas searinhas de folhas verdes que adornam a lapinha madeirense. Para complementar a ornamentação da lapinha, é colocado um brindeiro e uma lamparina de azeite. A parede também é enfeitada, com ramos verdes de alegra-campo, dispostos em arco, que envolvem todo o conjunto. Fig 5. Presépio-rochinha (pormenor da gruta)Foto: acervo e autoria de M. Nicolau. MONTE - FUNCHAL - 16-12-2004 A rochinha, a outra variante da lapinha ou presépio, pode ter várias dimensões, dependendo do espaço disponível e da criatividade de cada um. Pode ser armada em cima de uma mesa ou de outro móvel, ou ocupar uma divisão inteira, ou um canto da habitação. A rochinha é feita com papel pardo, pintado com viochene, para lhe dar uma cor acastanhada, sobre o qual são aplicados pós de mica para lhe dar cores e brilhos. O papel pintado é moldado de modo a imitar montanhas, vales, socalcos, encostas e ribeiras, onde não pode faltar uma gruta, tendo por suporte caixas, caixotes e estrados de madeira. Outrora, eram muito utilizadas socas de canavieira para moldar o papel das rochinhas mais pequenas, que se colocavam sobre mesas, arcas ou cómodas. Armada a rochinha, colocam-se as figuras de presépio, que representam cenas do nascimento. Os elementos originais do presépio incluem as figuras do Menino Jesus deitado na manjedoura, de Maria, de José e do anjo que anunciou o acontecimento. A estes juntaram-se as figuras da vaca e do burro, dos três reis magos que chegaram a Belém levando presentes, e a estrela que os guiou até à gruta. Este conjunto constitui o presépio clássico. Nos presépios-rochinha mais elaborados, é recriada a paisagem da Ilha, surgindo figuras feitas em barro que recebem o nome coletivo de pastores nas suas lides quotidianas ou em ambiente festivo, os camponeses com os seus rebanhos, e outros animais; representações do arraial madeirense, com os mastros, as bandeiras e a banda de música à volta do coreto, as espetadas, o fabrico do pão de casa, a matança do porco e outras tradições madeirenses. Aparecem casas e igrejas distribuídas pelas encostas, e há quem construa pontes, caminhos, fontes, poços, ribeiras, com algodão a invocar o curso da água e lagos com patos de plástico, entre outros elementos. A rochinha é também enfeitada com verduras e flores (alegra-campo, azevinho, ensaião, sapatinhos, junquilhos, cabrinhas e searinhas) e com frutos da época. Quer seja elaborada com simplicidade ou maior complexidade, a originalidade da lapinha madeirense traduz a alma de um povo crente, que tenta representar os seus costumes, o seu quotidiano, o seu meio envolvente e a sua vivência social e religiosa, não se limitando a apresentar um simples presépio clássico. Inicialmente, a lapinha era armada nas vésperas do dia de Natal; mais tarde, contudo, os presépios tradicionais madeirenses começam a ser construídos com mais antecedência, normalmente no dia de N.ª Sr.ª da Conceição, a 8 de dezembro, ou no dia da primeira Missa do Parto. Além do presépio, os madeirenses enfeitam as suas casas com verduras, flores e ramagens, onde não falta o pinheirinho de Natal, ornamentado com luzes ou gambiarras, bolas, sinos, anjos, bonecos e outros adereços, embora este hábito seja um costume posterior, que teve origem nos turistas e forasteiros que aportaram na Ilha, levando novos hábitos e enriquecendo os costumes seculares locais. Julga-se que a primeira árvore de Natal da Madeira tenha sido feita por membros da comitiva da arquiduquesa Carlota da Bélgica, mulher do Imperador Maximiliano do México, que visitou a Ilha em 1859-1860. Um pouco por toda a casa, enfeitam-se as jarras e fazem-se arranjos com os aromáticos junquilhos, que deixam no ar um cheiro adocicado, muito característico, com os tradicionais sapatinhos, que também podem ser deixados nos vasos, ou ainda com ramos de perinhos (Pyracantha angustifolia), um arbusto com frutos de cor alaranjada, e galhos de azevinho, de cor verde-escura em contraste com as bagas vermelhas, que conferem às casas um aroma característico da quadra. Posteriormente, muitos madeirenses foram incluindo nas suas decorações natalícias plantas como os safaris, as próteas e as manhãs-de-Páscoa.   O Natal na cidade Na quadra mais aguardada do ano, os espaços públicos de todos os municípios da Região são arranjados para o Natal, enchendo-se de luz, cor e elementos decorativos, que incluem presépios de grandes dimensões e outras representações religiosas e pagãs. O Funchal apresenta diversos ornamentos e iluminações em quase todas as artérias, que embelezam a cidade. No mês de novembro, ou até antes, os estabelecimentos comerciais começam a expor os produtos próprios da estação. O ambiente festivo da quadra natalícia atrai mais gente à cidade cosmopolita, e as ruas ganham uma nova dinâmica, com diversos polos de atração na urbe. Turistas idos de barco ou de avião, nativos da Ilha, visitantes e residentes circulam pela cidade apreciando as decorações da época. As iluminações percorrem as principais artérias da cidade e são ligadas, habitualmente, a 8 de dezembro, permanecendo até 6 de janeiro. Fig 6. Pormenor de um presépio com as figuras dos três Reis MagosFoto: acervo e autoria de M. Nicolau PRESEPIO NATAL- LARGO RESTAURAÇÃO - FUNCHAL - 23-12-2004 Na déc. de 80 do séc. XX, começou a construir-se no centro da cidade, por iniciativa de Maria Augusta Nóbrega (1929-2007), uma aldeia etnográfica, com o objetivo de recriar, dentro da cidade, os hábitos, as tradições e o modo de viver dos madeirenses em tempos mais recuados. A aldeia, que recebe anualmente milhares de turistas e residentes, apresenta barracas para venda de licores caseiros e várias casinhas que dão a conhecer o artesanato tradicional, como o brinquinho (instrumento musical típico), as botas de vilão e os barretes de orelhas. No entanto, a principal atração é o presépio, que representa a orografia madeirense, com as suas montanhas; poios, com muralhas de pedra, e plantações de pequenas alfaces e couves; cursos de água com as suas nascentes; levadas e veredas, ribeiras e alguma verdura típica da Ilha. Surgem figuradas cenas do quotidiano e das tradições populares: a labuta dos lavradores; o porco da Festa; as zonas altas da Madeira, com as suas casas brancas e janelas verdes, em redor da igreja paroquial ou viradas ao mar; a banda filarmónica, o grupo de folclore e as procissões religiosas, entre outras.   Das vésperas ao dia de Festa Antes da construção do Mercado dos Lavradores, o Funchal conheceu outras zonas de venda de bens alimentares, nomeadamente o Mercado D. Pedro V (aberto ao público em 1880 para alojar a venda de frutas e hortaliças), situado na R. do Mercado, contigua à R. da Praia. Nas imediações deste antigo mercado era grande a azáfama no dia 24 de dezembro, véspera de Festa, logo após a última Missa do Parto. Grande parte da população funchalense deslocava-se ao mercado para realizar as últimas compras de Natal. Nos alvores do séc. XX, de acordo com o testemunho de Alberto Artur Sarmento (1878-1953), os camponeses acorriam de todas as partes da Ilha para vender os seus produtos. O espaço do mercado tornava-se pequeno nesse dia e os vendedores ambulantes ocupavam lugares pelos largos mais espaçosos, pelas pontes e pelos muros das ribeiras. A população da urbe aproveitava para comprar flores, frutos e verduras. Fig 7. Borracheiros do Porto da Cruz, em frente à Sé, no âmbito do programa de animação de NatalFoto: acervo e autoria de M. Nicolau FUNCHAL - 2006 Com o desenvolvimento da cidade, a construção de novas infraestruturas e consequente encerramento do Mercado D. Pedro V, o Mercado dos Lavradores tornou-se o centro de convergência da população nas vésperas da Festa. O Mercado dos Lavradores foi inaugurado a 24 de novembro de 1940 e, desde a sua abertura, atraiu sempre numerosas pessoas, que para ali convergiam, sobretudo no Natal, para fazer compras de última hora, nas barracas de brinquedos, e nos vendedores de fruta e legumes que enchiam as ruas circundantes. Já no dia 23 de dezembro, dentro e fora do Mercado, era grande o movimento e a circulação de pessoas, proporcionando-se momentos de entretenimento e convívio, com cantigas e despiques. Os bares das proximidades vendiam bebidas e sandes de carne de vinho e alhos e, no antigo campo Almirante Reis, era instalado, durante a quadra natalícia, um parque de diversões e um circo, que garantia diversão até de madrugada. A noite de 23 de dezembro, a revéspera da Festa, passou a ser conhecida como a noite do mercado; esta noite foi-se transformando progressivamente num evento cultural mais formalmente organizado, com um programa de animação musical. Quanto à vertente religiosa da véspera de Natal, destaca-se a celebração da Missa do Galo no dia 24 de dezembro, pela meia-noite, na maioria das igrejas da Ilha. Os templos enchem-se de fiéis, para assistir à celebração litúrgica do nascimento do Menino Jesus. Em quase todas as paróquias realizam-se autos de Natal e romagens de pastores, onde são representadas cenas evangélicas com encenações simples, sobre as profecias, a anunciação do anjo, o Nascimento e a adoração dos pastores. Os pastores são homens e mulheres, geralmente trajando as vestes típicas madeirenses, que entram na igreja cantando quadras ao Menino Jesus ao som de instrumentos tradicionais, nomeadamente cordofones, harmónio, ferrinhos, castanholas e pandeiros. Surgem carregados de oferendas, mormente hortaliças, fruta, carne de porco, galinhas, cordeiros e vinho, que entregam ao celebrante e que revertem a favor da paróquia ou do pároco. Quem não assistiu à Missa do Galo, pode assistir depois à denominada missa dos pastores ou missa da manhã. Os que não participam na cerimónia religiosa da véspera de Natal podem ficar pelos adros, ou encontrar-se em locais públicos de convívio. Uma prática típica desta época era a chamada pensação do Menino, representada depois da Missa do Galo. Normalmente ficava a cargo de um grupo de raparigas, designadas por pastoras, que, sentadas ou de joelhos, rodeavam o presépio e entoavam quadras alusivas aos sofrimentos presentes e futuros do Menino Jesus. Por vezes, levavam uma bacia, uma toalha e sabonete, interpretando os cuidados que deveriam ser aplicados ao Menino após o parto. Considerado impróprio por alguns, este costume chegou a ser proibido pelo bispo D. Manuel Agostinho Barreto (1835-1911), e deixou de ser representado em muitas igrejas. Fig 8. Panela de ferro, para cozer a lenha, a sopa de trigoFoto: acervo e autoria de M. Nicolau. ACHADINHA - SAO JORGE - SANTANA - 27-06-2003 Acabada a Missa do Galo, a família regressa a casa e reúne-se à mesa para tomar canja de galinha e comer sandes recheadas com carne da ave desfiada. Brinda-se com vinho Madeira ou com os licores feitos naqueles dias, come-se bolo de mel, partido à mão, e outros doces, como o bolo de família, as broas e as rosquilhas. O dia de Natal é tradicionalmente um dia de ócio, normalmente passado em casa, consagrado à família, e destinado a degustar as diversas iguarias preparadas nos dias anteriores. Ao almoço, apresenta-se uma mesa farta, com produtos regionais, carne de porco e diversas sobremesas doces. A carne de porco é servida como a tradicional carne de vinho e alhos com semilhas novas e fatias de pão, a perna assada no forno, o lombo assado na panela. As carnes são geralmente acompanhadas com cebolinhas, batatas e cuscuz aromatizado de segurelha. No final da refeição, depois dos doces, bebe-se genebra e comem-se laranjas e tangerinas aos gomos, para ajudar a ter uma boa digestão, segundo a sabedoria popular. Depois do almoço, convive-se, fazem-se brindes e as crianças divertem-se com os seus novos brinquedos. No dia de Natal, era raro encontrar vivalma nas ruas, como afirmou Alberto Artur Sarmento, ao descrever uma rua do Funchal no séc. XIX. Este costume foi-se esbatendo, com as pessoas a encontrarem-se mais em público neste dia.   Das oitavas ao desmontar da lapinha As oitavas do Natal eram aproveitadas para visitar familiares e amigos, com os rapazes e as raparigas passeando com os seus fatos e vestidos novos, estreados na missa da primeira oitava. Os filhos casados iam passar o dia a casa de seus pais, reunindo-se toda a família. Os afilhados iam dar as Boas Festas aos padrinhos, levando uma galinha de presente. As madrinhas ofereciam às afilhadas vinho, doces e um vestido novo, enquanto os afilhados recebiam dinheiro. As oitavas duravam três dias, o comércio fechava e ninguém trabalhava no campo, pelo que estes dias eram também aproveitados para realizar as habituais visitas às lapinhas, pelos casais conhecidos, e renovar os votos de Boas Festas, entre convívios, cantigas alusivas à quadra, jogos tradicionais, rodas, despiques e outros folguedos, sobretudo nas freguesias rurais, onde era frequente ver mascarados a passear pelas ruas. As tradições cristãs da época do Natal conjugam-se com as manifestações de regozijo pela chegada do novo ano, pelo que, depois das oitavas, o povo começava a preparar-se para a festa do final do ano. Fig 9. Fachada do Mercado dos Lavradores, com iluminações natalíciasFoto: acervo e autoria de M. Nicolau. FUNCHAL - 2006 A noite do Fim de Ano na Madeira é uma festa cheia de luz e de cor. Pela meia-noite, na transição de 31 de dezembro para 1 de janeiro, começa no anfiteatro do Funchal o tradicional espetáculo pirotécnico, que “remonta aos donatários que tinham o costume de queimar o fogo no momento da transição da meia-noite para o princípio do ano seguinte. Costume que prolonga e amplia profanamente um costume litúrgico antigo de produzir o lume novo, topos simbólico do tempo novo que se avizinha. Esta tradição intensificou-se nos últimos decénios e alargou-se de tal maneira que passou a ser uma verdadeira apoteose de luz em todo o ‘anfiteatro’ da cidade funchalense” (FRANCO, 1999, 348). Segundo o Elucidário Madeirense, “o costume de festejar com tiros e foguetes a transição do ano velho para o novo” ter-se-ia generalizado na déc. de 60 do séc. XIX, promovido pelo banqueiro João José Rodrigues Leitão (SILVA e MENESES, 1998, II, 337). As famílias abastadas da Ilha começaram a competir no lançamento de foguetes em vários sítios, que se estendiam até às zonas altas da cidade. A partir da déc. de 30 do séc. XX, esta manifestação festiva começou a ganhar maior importância, uma vez que, em 1932, foi criada uma comissão das festas da cidade para coordenar todas as suas atividades de diversão. Assim, os festejos na passagem do ano da cidade, que antes tinham por palco salões e hotéis, como o Reid’s e o Savoy, ganharam uma nova dinâmica e foram também apoiados pelos comerciantes locais. Promoveram-se eventos culturais no teatro, recitais e concertos, e ainda um cortejo folclórico pelas ruas da cidade. Mais tarde, organizou-se uma marcha luminosa, que deu lugar às iluminações das árvores, dos contornos dos edifícios públicos e das igrejas. Fig 10. Fogo-de-artifício, na transição de 31 de dezembro para 1 de janeiro, FunchalFoto: acervo e autoria de M. Nicolau. FUNCHAL - 01-01-2005 O gosto pela exibição pirotécnica foi crescendo ao longo dos anos até se tornar um espetáculo organizado pelas entidades governativas da Região. Na passagem de ano de 2006 para 2007, a Madeira alcançou reconhecimento internacional como maior espetáculo pirotécnico do mundo, atribuído pelo Guiness Book of World Records. Nos alvores do séc. XXI, o dia 31 de dezembro é um dia de festa no Funchal, para onde convergem inúmeras pessoas de toda a Ilha, familiares e amigos, entre centenas de turistas, para assistir ao fogo de artifício, que começa à meia-noite, com o som das buzinas dos navios de cruzeiro ancorados na baía do Funchal. No final do espetáculo pirotécnico, a festa continua nas ruas da cidade, ou nos eventos que têm lugar nos hotéis, restaurantes, bares e discotecas da cidade. A festa dos Reis tem associado um rico folclore, herdado dos povoadores portugueses, que levaram o costume de cantar as janeiras: na véspera, 5 de janeiro, organizam-se grupos de amigos ou familiares que percorrem os casais da vizinhança para cumprir a tradição de cantar os reis. O povo tem um reportório de cantares próprios para celebrar a festa dos reis magos, que soube tornar original, sem perder a sua inspiração inicial. É um dia aproveitado também para visitar as lapinhas e saborear o típico bolo-rei. No dia 15 de janeiro, festeja-se o S.to Amaro nas freguesias de Santa Cruz, Paul do Mar e Ponta do Sol. À festividade religiosa junta-se o costume profano de cantar ao S.to Amaro: no dia 14 à noite, formam-se grupos, que percorrem as casas de familiares, amigos e vizinhos, munidos de uma vassoura e de uma pá, para cantar e comer as guloseimas e as bebidas que restaram da Festa. É por isso designado popularmente de dia de varrer os armários. A festa durava até de madrugada, e a última casa a ser visitada geralmente tinha de sacrificar galinhas para oferecer canja aos convivas. Na freguesia da Camacha, o varrer dos armários acontece a 17 de janeiro, dia de S.to Antão. Em Câmara de Lobos, desmonta-se a lapinha a 20 de janeiro, após a celebração do dia de S. Sebastião. A quadra do ano mais festejada na Madeira tem sido celebrada também por autores naturais da Ilha, através das suas criações literárias. Vejam-se, e.g., algumas obras de vários géneros literários, desde contos, crónicas, narrativas de memórias, poemas e estudos folclóricos e etnográficos: Natais: Contos e Narrativas, de João dos Reis Gomes; O Natal na Madeira – Estudo Folclórico, de Manuel Juvenal Pita Ferreira; Ilha da Madeira, II Estudos Madeirenses (1970), de Eduardo Antonino Pestana; O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses (1989), antologia organizada por José António Gonçalves, que também escreveu o livro de poesia Lembro-me desses Natais (2000); Cânticos Religiosos do Natal Madeirense, de João Arnaldo Rufino da Silva; O Natal na Cidade, a Festa no Campo (2001), de Horácio Bento de Gouveia (com seleção de textos de Nelson Veríssimo); A Festa (2002), crónicas de Lídio Araújo; e Lapinha do Caseiro (2008), uma coletânea de fotografias de Ricardo Jardim das figuras do santeiro Francisco Ferreira, bisavô de Herberto Helder, com poemas do bisneto. Para além destas obras, destaquem-se ainda vários textos publicados nos periódicos regionais evocando e perpetuando diversos aspetos da etnografia natalícia do arquipélago. Assim, os dois principais jornais da região, o Diário de Notícias e o Jornal da Madeira (antigo O Jornal), publicam, entre 23 e 25 de dezembro, artigos dedicados a este tema; e a revista Das Artes e da História da Madeira divulgou, entre 1950 e 1957, estudos de autores como Álvaro Manso de Sousa e João Cabral do Nascimento (1950); Alberto Artur Sarmento (1951); Manuel Juvenal Pita Ferreira (1953); J. de Sousa Coutinho (1955); e Antonino Pestana (1957). Há ainda a considerar os textos publicados em revistas como Xarabanda, Origens, Islenha e Atlântico, entre outras. De referir também alguns estudiosos que têm divulgado as suas pesquisas sobre o tema do Natal na Madeira, como João David Pinto Correia, José Eduardo Franco e Nelson Veríssimo.   Sílvia Gomes (atualizado a 20.01.2016) artigos relacionados: festividades folclore festas religiosas católicas nóbrega, maria augusta correia

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companhia portuguesa rádio marconi

A Companhia Portuguesa Rádio Marconi (CPRM), popularmente conhecida como Marconi, assumiu um papel importante na sociedade madeirense a partir dos finais do primeiro quartel do séc. XX, com realce para o seu protagonismo no campo das telecomunicações. De facto, a intervenção da Marconi veio transformar os hábitos quotidianos dos madeirenses. Além disso, os meios que a empresa colocou ao dispor vieram banir as barreiras que definiam o casulo do isolamento do arquipélago. Os anos 20 foram de autêntica euforia em relação às ondas elétricas. O período de 1920 a 1926 foi de perfeita loucura nos Estados Unidos, o que levou o Governo a estabelecer, em 1926, uma legislação especial para disciplinar o espetro radioelétrico. Esta vaga chegou à Madeira no verão de 1927, altura em que surgiram os primeiros anúncios para a venda de material de telefonia da Marconi e Sterling. As primeiras receções de rádio tiveram lugar no ano seguinte e, em 1929, davam-se os primeiros passos de uma emissão, com a onda de 47 m. Para isso, deverá ter contribuído a presença de Alberto Carlos de Oliveira, funcionário da empresa do cabo submarino. Ele havia iniciado, em 1914, em Cabo Verde, as primeiras comunicações com os navios do alto mar. Em 1920, foi transferido para a delegação da empresa no Funchal e aqui manteve as experiências, tendo ensaiado, em 1925, a transmissão com um emissor de lâmpadas em ondas curtas. Foi assim que se gerou na Madeira uma verdadeira e duradoura afición pelo “senfilismo”. Uma das fases mais decisivas da história da Marconi na Madeira aconteceu em 1986, com a elevação da delegação local ao estatuto de direção regional. Até 1982, a empresa era representada por um gerente de estação, passando, desde então, a existir o cargo de delegado regional, para o qual foi empossado Graciano Góis, a 15 de maio. A partir de 15 de março de 1991, a Marconi passou a dispor de novas instalações para a sede da sua delegação regional na Madeira. Um espaço amplo, até então abandonado, foi transformado e adaptado para a prestação de um novo serviço, que a imortalizará nos anais da história da Ilha. No ano de 1995, a Portugal Telecom adquiriu o capital da CPRM na íntegra, concluindo, em 2002, o processo de fusão. A Companhia Rádio Marconi foi constituída em 20 de junho de 1897, mas só em 1922 a empresa chegou a Portugal, onde se tornou pioneira na prestação do serviço de telecomunicações: pela lei n.º 1353, de 22 de agosto de 1922, o Governo foi autorizado a contratar com a Marconi Wireless Telegraph Company Ltd. o estabelecimento de uma rede radiotelegráfica. Todavia, nesta lei estabelecia-se como cláusula contratual a obrigatoriedade de a empresa constituir uma congénere nacional até ao fim do ano. A constituição teve lugar a 14 de setembro e, a 8 de novembro, foi assinado o acordo de concessão do serviço público de radiocomunicações da CPRM, ficando ela com o direito de exploração dos serviços entre o continente, a Madeira, os Açores, as províncias ultramarinas e o estrangeiro, por um período de 40 anos. Novos contratos foram assinados a 23 de abril de 1930, 20 de novembro de 1956 e 23 de abril de 1966. No último, foi ampliada a concessão ao serviço de cabo submarino e o prazo foi prorrogado por mais 25 anos. Durante o período da primeira concessão, a CPRM empenhou-se no estabelecimento de um serviço nacional e ultramarino: a 15 de dezembro de 1926, a inauguração das instalações em Lisboa coincidiu com a abertura dos circuitos radiotelegráficos entre o continente e as novas estações telegráficas do Funchal e de Ponta Delgada. Nos anos imediatos, para além da prestação de novo serviço (o radiotelefone), abriram-se novos circuitos nas possessões ultramarinas: em Cabo Verde, em Angola e em Moçambique (1927), e, depois, em Macau (1939), em Goa (1938), em São Tomé (1949), em Timor (1950) e na Guiné-Bissau (1959). Com estas iniciativas, a Marconi dava corpo à unidade do espaço metropolitano e colonial. A concretização, em 1926, de uma estação de telefonia sem fios (TSF) no Caniçal, trouxe a este rincão o nome de Marconi, através dos inventos e de uma delegação da empresa, criada em setembro de 1922 para prover o território nacional de uma rede de TSF. Esta presença foi evidente a partir de 15 de dezembro de 1926, data memorável para os anais da firma, e que marca o início de atividade em Portugal e também a afirmação da TSF em detrimento do cabo submarino, que entra na curva descendente. Desde então, a concorrência entre os dois meios de comunicação dominará o panorama regional, até que a companhia do cabo submarino encerre, em 1970, os seus serviços na Ilha, ficando a CPRM com o exclusivo das comunicações por TSF e por cabo submarino. A viragem não foi pacífica, manifestando-se através de uma concorrência entre os meios de transmissão de telegramas por TSF e por cabo submarino. Uma das primeiras consequências foi a redução das taxas cobradas por palavra na emissão de telegramas. Em 1942, a Via Portucale confirma a supremacia da TSF. A derrota do cabo submarino na guerra de comunicação era evidente: o cabo estava velho e sujeito a constantes e custosas reparações e as despesas de manutenção eram elevadas, não podendo o cabo, deste modo, competir com o seu concorrente, a TSF. Os reflexos das descobertas de Marconi chegaram a Portugal por intermédio da companhia Marconi Wireless Telegraph Co. Ldt., a quem o Governo português concedeu, a 22 de agosto de 1922, a exploração, por um período de 40 anos, da rede de radiotelegrafia nacional. A 14 de setembro do mesmo ano, foi constituída a empresa em Portugal e, a 15 de dezembro de 1926, data já mencionada, eram inaugurados os primeiros serviços de TSF de ligação do continente com a Madeira, os Açores e a Inglaterra. Entretanto, em 1966, foi feita nova concessão por 25 anos, sendo a prestação de serviços alargada ao cabo submarino, de que resultou o aparecimento de novo cabo, no Funchal, em 1970. No entanto, as transmissões da telegrafia sem fios na Madeira não se iniciaram só em 1926 com a estação da Marconi do Caniçal, pois no período da Primeira Guerra Mundial os Ingleses haviam já criado um serviço na Quinta Santana (espaço do Hospital Dr. João Almada), que encerrou as suas atividades a 2 de abril de 1919. O material ficou na Ilha, sendo usado na montagem de uma nova estação no 1.º andar de um edifício da R. de João Gago, onde estava instalada a Estação Telegráfico-Postal do Funchal. As obras da primeira estação ficaram concluídas a 31 de maio de 1922, iniciando-se as emissões no dia seguinte. As primeiras comunicações foram com Las Palmas e, depois, com o vapor inglês Kenil Worth Castle. Esta estação fora criada por despacho publicado no Diário do Governo, a 26 de julho. Todavia, a pretensão dos madeirenses era a de uma estação telegráfica mais adequada, integrada na rede estabelecida para todo o país, aprovada na Câmara dos Deputados a 21 de agosto de 1922. A 20 de agosto, o Diário de Notícias reclamava a montagem de uma estação telegráfica no Funchal, para o necessário apoio à navegação, uma vez que a existente cobria um raio de ação de apenas 400 milhas. Em 1926, a estação do Funchal estava situada no Pico Rádio, mas, com a entrada em funcionamento, a 4 de novembro, da estação do Caniçal, o serviço marítimo passou a ser assegurado por esta. O desenvolvimento dos meios de comunicação por meio de ondas eletromagnéticas iniciara-se em 1924, tendo-se alcançado alguns progressos nos anos de 1935-1938, que levaram ao início das emissões regulares de televisão em Londres, a partir de 25 de agosto de 1938. Note-se que algumas das experiências que conduziram à afirmação da televisão tiveram lugar na Madeira em 1936, por iniciativa de W. L. Wrigth. Todavia, a televisão só chegou aos lares madeirenses bastante mais tarde, se excetuarmos a receção da das Canárias. O historial da CPRM em Portugal estende-se por mais de meio século, sendo rico em realizações que fizeram deste rincão ocidental um espaço aberto e em contacto permanente com o mundo. A posição charneira de Portugal continental e das ilhas do arquipélago da Madeira e dos Açores fez com que este eixo se afirmasse como importante no domínio das telecomunicações. A segunda fase de concessão, que se iniciou em 1956, distingue-se pelo recurso a novos e mais adequados meios de comunicação. Na déc. de 60, deu-se a reafirmação do cabo submarino, com a inauguração da estação de Sesimbra, a 11 de agosto de 1969. Este serviço (Sat-1) divergia para uma ligação de Londres a Portugal e à África do Sul, num comprimento total de 10.787 km, com capacidade para 360 circuitos. Estabeleceram-se três amarrações ao longo do percurso (Tenerife, Sal e Ascensão). Seguiram-se outros, que estabeleceram a ligação com a Madeira (1971), a França (1979), Portugal/Senegal/Brasil (1982), Marro­cos (1982) e a África do Sul (1992). Em 1964, foi criada, nos Estados Unidos, a Intelsat (Organização Internacional para a Exploração de Telecomunicações por Satélite), mas Portugal só aderiu à organização em 1971, de modo que o primeiro serviço só foi instalado em 1974. Na estação terrena instalada em Sintra, estabeleceram-se os primeiros contactos, com Angola e Moçambique, e só depois com os Açores (1917) e a Madeira (1982). Em Sintra, foram instaladas estações para o serviço de satélites disponíveis: Intelsat, Eutelsat, Inmarsat. Na Madeira, até à inauguração do serviço radiotelegráfico da Marconi, a 15 de dezembro de 1926, como anteriormente referido, o serviço de comunicação entre a Ilha e o exterior fazia-se por cabo submarino ou por uma incipiente estação de TSF, montada em junho de 1922 na Estação Rádio Telegráfica do Funchal, situada na R. de João Gago. Todavia, um mês depois, chegava ao Funchal o equipamento necessário para a montagem da nova estação radiotelegráfica da Madeira, que ficou instalada no Caniçal. Os trabalhos continuaram em ritmo acelerado e, a 10 de julho de 1926, o superintendente da estação de Lisboa, João Maria Carneiro, fez a primeira inspeção ao posto do Caniçal, onde se davam os últimos retoques na instalação das antenas e dos equipamentos. Finalmente, a 4 de novembro, os trabalhos estavam concluídos, podendo a estação receber as primeiras mensagens e estabelecer contactos com o exterior. Durante o dia, 10 telegrafistas mantiveram contactos com os inúmeros vapores que circulavam nas águas do oceano, próximas da Madeira. A abertura do serviço da Marconi na Madeira surgiu num momento de grandes dificuldades económicas, agravadas com a crise do comércio do bordado e do encerramento de algumas casas bancárias. Os prenúncios da crise que assolou o Estado americano em 1929 eram já evidentes neste ano, e conduziram ao processo conhecido como Revolta da Madeira. O serviço da estação de TSF da Marconi era feito com extrema dificuldade, devido às difíceis condições de acesso ao local onde estavam instaladas as antenas e à inexistência de pessoal habilitado. O acesso às referidas instalações era muito mais fácil por via marítima do que pelos caminhos íngremes que circundavam as serras entre Machico e o Caniçal. Deste modo, a empresa tinha ao seu dispor, na vila de Machico, uma embarcação a remos que transportava os técnicos e os operadores. Eles, de um modo geral, viviam no Funchal e deslocavam-se para aí, no início, de barco e, depois, nos transportes públicos disponíveis. A estação encontrava-se isolada e, por isso mesmo, haviam-se instalado aí os meios para que os funcionários da empresa se pudessem manter entre uma semana a 15 dias. Para além das instalações de radiotelegrafia, existiam quartos de dormir, cozinha e refeitório. A alimentação dos funcionários baseava-se em peixe seco e carne salgada, que adquiriam na vila vizinha do Caniçal, e em produtos de produção própria no local: aí plantavam leguminosas e tratavam de coelhos e de galináceos. O testemunho de alguns funcionários traça de forma emotiva os primeiros anos de vida da Marconi na Madeira. Numa prolongada conversa que tivemos oportunidade de presenciar em Lisboa, ficamos a saber das dificuldades e da monotonia do dia a dia na estação do Caniçal, das dificuldades para aí chegar e da vida boémia dos saraus musicais dos casinos e dos salões madeirenses da época, no período de descanso. Foi com esta verdadeira aventura, que exigiu um redobrado esforço, que a Madeira perdeu o isolamento, através dos serviços de TSF da Marconi. As antenas e a estação estavam colocadas num extremo da Ilha, num local com as melhores condições de receção e emissão para os meios técnicos da época, mas o principal destinatário estava no Funchal. Deste modo, entre as duas localidades, existiam fios telegráficos de comunicação que percorriam mais de 50 km. O centro estava instalado na estação telegráfica postal da Trav. do Cabido. Todavia, a partir de 1927, foi negociado com os CTT a instalação de um posto da Marconi nesta estação. Aí foi instalado, em setembro de 1927, um aparelho de comunicação permanente com o Caniçal. Em face disto, melhoraram os serviços de atendimento ao público, que passaram a ser feitos ininterruptamente, só fechando aos sábados, domingos e feriados, mas, em 4 de fevereiro de 1931, passarão a ficar abertos todos os dias. Durante os 42 anos de existência, este serviço de radiotelegrafia fixa da Marconi foi alvo de múltiplas transformações, sendo as mais significativas operadas em 1947, com a oferta do serviço radiotelefónico, a partir da estação do Garajau. As telecomunicações implantam-se para serviço da sociedade, em que elas são o cordão umbilical que mantém a ancestral ligação ao velho continente e ao espaço envolvente. A TSF, ativa durante as 24 h do dia, é a voz permanente do madeirense anónimo, das autoridades locais, dos veraneantes e dos estrangeiros de passagem, e a única boia de salvação para as embarcações em dificuldades. Pelos transmissores de faísca e depois pelos eletromagnéticos perpassam variados problemas. O operador e o boletineiro são correias de transmissão do circuito e nada mais. Apenas quando a situação atinge os limites e acontece alguma anormalidade, os operadores, até então meros agentes passivos, passam a ser ativos protagonistas. Assim sucedeu em abril de 1931, durante a célebre Revolta da Madeira, em que, pela primeira vez, foi posta à prova a funcionalidade e a importância da Marconi nas transmissões a longa distância, através da estação de TSF do Caniçal. Quando, a 4 de abril, rebentou a Revolta, o cabo que ligava o Funchal a Lisboa emudeceu e, por isso, a única via de contacto com o exterior eram as ondas eletromagnéticas emitidas pela estação de TSF da Marconi, no Caniçal. As comunicações preferenciais da estação eram com Lisboa, que depois fazia a conexão com o mundo. Todavia, a Madeira poderia estabelecer contactos com as estações de Ponta Delgada, de Las Palmas e de Madrid. Quando, em Lisboa, o recetor emudeceu para os sinais da Ilha, o emissor madeirense não deixou de emitir, orientando-se para os Açores, Las Palmas ou Madrid. Todavia, até ao dia 26 de abril, a troca de telegramas com Lisboa foi apenas entre o Governo da Junta Revolucionária e o da ditadura. A 26 de abril, os emissores e recetores da estação de TSF da Marconi foram silenciados. As tropas destacadas para a Ilha, com o objetivo de pôr cobro à rebelião, desembarcaram primeiro no Caniçal, com o intuito de desmantelar a estação telegráfica. A força tomou, sem oposição da guarnição revolucionária, as instalações da estação e desmantelou o emissor e o recetor. Por algum tempo, a Madeira perdeu a ligação com o mundo. Os técnicos telegrafistas da Marconi das estações do Caniçal e do Funchal tiveram alguns dias de férias. Este foi o único período, em 65 anos da empresa na Madeira, em que as instalações foram silenciadas, após terem sido protagonistas ativas de uma conjuntura política peculiar, e um importante instrumento de agitação política por parte dos revolucionários. O desenvolvimento das novas tecnologias conduziu ao paulatino apagamento desta estação, que terminou em 1982, com o aparecimento de uma via alternativa para o cabo submarino, com a inauguração da Estação de Satélites. Desde esta data, com as remodelações posteriormente realizadas, aí passou a funcionar apenas uma estação do serviço móvel marítimo e uma casa de repouso para os funcionários da empresa. O Porto Santo, porém, já então uma importante estância de veraneio, continuava isolado e carente destes meios. Foram incessantes os esforços do Ateneu Comercial do Funchal e de um grupo de madeirenses ilustres para que o Porto Santo ficasse servido de TSF. Em fevereiro de 1927, conjugaram-se os esforços da Marconi com os das autoridades do arquipélago e deu-se início às obras de construção do edifício para instalar a estação de TSF. As habituais dificuldades burocráticas impediram que o material para a montagem da estação chegasse prontamente. Por outro lado, o equipamento era obsoleto e provinha da estação de Sintra. Mesmo assim, conseguiu-se mantê-lo e, em outubro de 1928, faziam-se os primeiros ensaios, estabelecendo-se contactos com a estação do Caniçal e o Funchal. Entretanto, a imprensa anunciava que estava prevista a sua inauguração para 25 de novembro de 1928. Mas só a 16 de março do ano seguinte saiu do Funchal o Gavião, levando a bordo as autoridades que, no dia seguinte, iriam inaugurar a nova estação. O equipamento aí instalado, sendo de segunda mão, não durou muito tempo, e cedo sugiram as dificuldades: a 15 de dezembro de 1932, o transmissor estava mudo, e permaneceu nestas circunstâncias até à chegada de novo aparelho, a 10 de novembro de 1935. Este era um novo equipamento de radiotelegrafia, mas não se adaptou às condições da Ilha, uma vez que, a 15 de janeiro de 1939, perdeu de novo a “voz”, e só em novembro chegou à Ilha novo equipamento. A Marconi, entretanto, mantinha-se atenta aos novos inventos ao nível das telecomunicações, procurando adequar as instalações e os serviços na Madeira a esta realidade. Foi neste sentido que, em janeiro de 1938, iniciou as obras para a construção de um novo posto no Garajau (Caniço), capaz de prestar o serviço de radiotelefonia. A 10 de dezembro, todos os serviços foram transferidos para a nova estação, que começou os contactos com o continente e os Açores. As instalações do Caniçal (1 de janeiro de 1939) foram desmanteladas e postas à venda a 9 de julho de 1939, sem haver comprador. No decurso da Segunda Guerra Mundial, esta estação exerceu uma função primordial nas ligações da Madeira com exterior, mercê do bloqueio marítimo a que a Ilha esteve sujeita. Entretanto, as instalações da empresa no Funchal ganharam uma nova dinâmica com a abertura ao público de um serviço de aceitação e distribuição de telegramas. A nova realidade surge a partir de 31 de dezembro de 1943, com a inauguração em novo edifício, na Av. Arriaga. O serviço funcionou até 1942 na Trav. do Cabido, sendo transferido a 29 de março de 1942 para o 1.º andar da Rosa d’Ouro, à Av. Dr. António José de Almeida, de onde depois foi deslocado, a 29 de março do ano seguinte, para a sede definitiva da Av. Arriaga, inaugurada a 28 de outubro. Aqui passou a funcionar um serviço permanente de atendimento e de distribuição de telegramas. O último era realizado, de início, pelos boletineiros-peões, e, depois, a partir de 1970, por motociclistas. Na déc. de 50, redobraram as responsabilidades da Companhia, ao ser-lhe atribuída a exploração do rádio móvel marítimo: os serviços aumentaram em área, volume e qualidade. Imperativos técnicos conduziram a que se fizesse uma subdivisão entre os serviços de emissão e receção: o Garajau permaneceu como central, dispondo apenas das antenas de receção, enquanto o Caniçal foi reativado como posto de emissão, e, no Funchal, ficaram centralizados, desde 4 de julho de 1951, os serviços de rádioescuta naval. A mudança técnica das instalações do Caniço só ficou concluída a 25 de março de 1968, com a inauguração da nova estação do Caniçal. No ato, estiveram presentes o governador civil do distrito e o diretor técnico da Marconi, Fernando Feijó. Aí ficaram instalados os serviços de receção das comunicações telegráficas e telefónicas e da estação costeira para a navegação. As obras iniciaram-se em setembro de 1966, nas instalações abandonadas em 1942, tendo sido visitadas a 17 de agosto de 1967 pelo então ministro das Comunicações. Nos primeiros anos das comunicações por radiotelefone para o exterior, o ambiente das operações era algo surrealista, comparado com a situação que muito depois se viveria: a ligação era feita via rádio através do operador da Marconi com a estação de Lisboa. Quando sucedia qualquer interferência, interrompia-se a ligação e os operadores procediam à mudança de canal para uma melhor receção. A sintonia era feita por meio de uma gravação do bailinho da Madeira, que era passada pela estação do Caniçal. Concluída esta operação, os utentes continuavam a sua receção. As ligações com o Porto Santo continuavam a ser um problema, pois, em junho de 1945, em plena época de veraneio, houve mais de uma interrupção. A solução viria a estar na nova estação de radiotelefonia inaugurada a 30 de agosto de 1959. Na época, era grande o incremento do serviço telefónico no arquipélago e a Marconi preparava-se para adequar a disponibilidade dos serviços aos madeirenses. No Natal de 1958, prometeu presentear os madeirenses com novos serviços (o telex e a radiofotografia), mas tal só veio a suceder muito mais tarde. O telefone chegou à Madeira em 1911, mas só na déc. de 50 teve um maior incremento, tendo-se iniciado, em 1958, o processo de automatização da rede telefónica do Funchal, através das novas instalações no edifício dos Correios, na Av. de Zarco. O aumento desmesurado da procura dos serviços de radiotelefonia e o carácter obsoleto dos meios disponíveis para a ligação com o exterior levaram a Marconi a apostar noutro serviço capaz de satisfazer as necessidades da Ilha. Sob o lema “servir mais e melhor”, a Marconi avançou, a partir de 1969, com um novo meio de comunicação: o cabo submarino. A partir do verão de 1971, a Madeira foi servida por novo cabo submarino, com capacidade para corresponder às necessidades dos locais, em substituição do cabo dos Ingleses. As obras começaram em dezembro de 1971, e em maio do 1972 foi lançado o cabo submarino, que viria a ser inaugurado a 2 de setembro. Para a inauguração, deslocou-se propositadamente à Ilha o secretário de Estado das Comunicações, Oliveira Martins. No ato, estiveram presentes o presidente e o vice-presidente do Conselho de Administração da Marconi, respetivamente Manuel de Athayde Pinto de Mascarenhas e José Maria Camolino Ferraz de Matos e Silva. As referidas instalações foram, depois, visitadas pelo Chefe de Estado, Américo de Deus Rodrigues Thomaz, aquando da sua visita à Madeira, em 1962. O cabo submarino alargou as possibilidades às ligações com o exterior e à disponibilização de novos serviços, como o telex. As telecomunicações, que haviam avançado de forma lenta no meio aquático, ganharam um novo vigor com a conquista do espaço celeste. Desde as primeiras tentativas de afirmação, na déc. de 50, sucederam-se inúmeros progressos que chegaram também às telecomunicações madeirenses. Todavia, a Madeira, que havia sido dos primeiros locais a usufruir das ligações por cabo submarino e depois por TSF, foi a última a usufruir desse novo serviço de telecomunicações – o satélite. As ligações por essa via entre as ilhas, o continente português e o mundo só tiveram lugar em 1982, i.e., passados mais de oito anos sobre a entrada em funcionamento deste serviço em Portugal. Esta nova via foi possível graças à abertura de uma nova estação terrena em Sintra. A montagem da estação do Funchal, situada em São Martinho, iniciou-se em fevereiro de 1980, num investimento global de mais de meio milhão de contos. Os trabalhos para este empreendimento tiveram lugar em outubro de 1977, com a criação de um grupo de trabalho que tinha o objetivo de estudar as possibilidades de alargamento à Madeira deste meio de comunicação. Em fevereiro de 1980, iniciaram-se as obras e foi aberto um concurso internacional para o fornecimento do material necessário às estações terrenas da Madeira e de Sintra: o contrato de fornecimento foi assinado a 18 de fevereiro de 1981 com o consórcio italiano Satelit Telecomunications Systems. A antena instalada foi do tipo Cassegram, com refletor parabólico de 25 m de diâmetro, pesando 240 t. No ato de inauguração, que teve lugar no dia 16 de novembro, estiveram presentes o secretário de Estado dos Transportes Exteriores e Comunicações, José da Silva Domingos, e os presidentes dos conselhos de administração da CPRM e dos CTT (Correios e Telecomunicações de Portugal)/TLP (Telefones de Lisboa e Porto), Miguel Horta e Costa e Oliveira Martins, respetivamente, bem como as autoridades regionais. A abertura do referido serviço na Ilha veio propiciar aos madeirenses o acesso direto às emissões televisivas. Por outro lado, este meio veio proporcionar aos 20.000 assinantes da rede telefónica da Madeira o acesso telefónico direto à Europa e a alguns países da África e da América, favorecendo uma maior aproximação entre os madeirenses residentes na Ilha e aqueles que se encontravam emigrados nos mais diversos destinos. Neste contexto, merece referência a inauguração, a 20 de fevereiro de 1984, das ligações telefónicas diretas com a Venezuela e a África do Sul; seguiram-se o Panamá e as Antilhas Holandesas (20 de setembro de 1984), o Havai (19 de janeiro de 1985) e a Europa Oriental (28 de agosto de 1986). Esta ligação direta chegou a mais de 70 países. Em 15 e 16 de dezembro de 1986, a Marconi propiciou aos madeirenses o visionamento de alguns canais televisivos que, recebidos em Sintra através do Eutelsat I-F1, eram retransmitidos para o Funchal pelo Intelsat V-F11. Esta situação transitória foi uma demonstração daquilo que foi possível com o lançamento da série de satélites Eutelsat II, que permitiram à Madeira a receção de TV e outros sinais de telecomunicações, com uma antena parabólica de dimensões reduzidas. Perante esta situação, a Marconi passou a oferecer aos madeirenses 288 circuitos, sendo 144 de cabo submarino e 144 via satélite. Todavia, os serviços da Companhia não se ficaram por aqui, pois, para além do cabo submarino de fibra ótica, para substituir o de 1972, digitalizou-se as comunicações por satélite. Este esforço de modernização dos serviços da empresa, a partir de 1982, está avaliado em 1.700.000 contos. Refira-se ainda o Serviço Móvel Marítimo (SMM). Esta via baseava-se num serviço telefónico e telegráfico permanente em VHF (frequência muito alta), onda média e curta. A sua modernização teve lugar a partir de 1979, assistindo-se, desde 1984, a uma melhoria e a uma variedade na oferta de serviços: em 1984, entrou em funcionamento a estação de VHF do Porto Santo; em maio de 1986, foi a vez da estação da Ponta do Pargo; a 1 de agosto de 1988, inaugurou-se o centro de operações do Funchal, a partir do qual são telecomandadas as estações espalhadas pelo litoral da Ilha; em 1989, foi o estabelecimento da cobertura em onda média, com a entrada ao serviço das estações da Ponta do Pargo (em abril), de Pico da Cruz (em maio) e do Porto Santo (em julho). Com este investimento, no valor de cerca de 350.000 contos, a Marconi conseguiu a cobertura total da zona económica exclusiva madeirense, sendo a primeira no país a merecer tal oferta de serviços. A maior oferta de serviços pela Marconi e a reafirmação da Madeira como eixo importante das telecomunicações com o Atlântico Sul levaram a Companhia a apostar num novo Centro de Telecomunicações, capaz de corresponder a esta realidade. Assim, desde 25 de setembro de 1992, a Madeira dispõe deste Centro, que coordena a atividade da empresa, em termos do tráfego dos cabos submarinos de fibra ótica e transmissão digital (Eurafrica, Sat-2, Columbus-2, Inland), da rede móvel e dos satélites. Esta infraestrutura concentra os serviços que estavam dispersos pelo Porto Novo, Garajau e Funchal. Aí está instalada a nova estação de cabos submarinos dos sistemas Euráfrica e Sat-2, os serviços de exploração, englobando o Centro de Operação e Controlo do SMM e a Central Telegráfica, bem como os serviços técnicos e administrativos. A inauguração do Centro foi simultânea à do cabo submarino internacional Euráfrica. A esta seguiu-se, a 28 de abril de 1993, a do cabo Sat-2, que liga a República da África do Sul às Canárias e à Madeira. Este é o maior cabo submarino do Atlântico e o terceiro a nível mundial. O Sat-2 permite a ligação de 15.000 circuitos telefónicos e a transmissão de 32 canais de televisão. Esta aposta da Marconi levou a que a Madeira retomasse a histórica vocação de plataforma do Atlântico. De novo, a Madeira assume um papel destacado como entroncamento de infraestruturas submarinas de telecomunicações, e Portugal passa a dispor de uma posição de relevo na rede atlântica de cabos submarinos. Alberto Vieira (atualizado  01.02.2018)   artigos relacionados: ateneu comercial do funchal radiodifusão portuguesa / rdp - madeira correios telegrafia sem fios (tsf)

Física, Química e Engenharia Sociedade e Comunicação Social

moçambique

A mais antiga referência que existe sobre a região de Moçambique está relacionada com o açúcar da ilha da Madeira, pois foi com conservas madeirenses que Vasco da Gama, aquando da sua primeira viagem, presenteou o xeque de Moçambique. Isto aconteceu porque os Portugueses sabiam que aquelas conservas seriam presentes muito apreciados no mundo islâmico. Este foi um episódio que marcou o início das relações da Ilha com aquela região de África e que, ao longo dos tempos, permitiu outras oportunidades. No séc. XVI, em 1588, o primeiro bispo nomeado para o Japão, o Jesuíta madeirense Sebastião de Morais, faleceu em Moçambique, quando seguia de viagem para tomar posse do bispado. António de Abreu, do Arco da Calheta, andou pelo Oriente desde 1511 e prestou serviços importantes à Coroa. Em 1526, quando foi nomeado capitão-mor de Malaca, foi obrigado a invernar em Moçambique. Na centúria seguinte, em 1642, Francisco Fernandez Furna, dedicado ao tráfico de escravos, criou uma empresa para o comércio em Moçambique, na Índia e na China. Depois, foi muito importante, no cimentar das relações de Moçambique com a Madeira, a presença de madeirenses ilustres nesse terriório, e.g. Aires de Ornelas (1866-1930), D. Manuel Ferreira Cabral (1918-1981), e D. Teodósio Clemente Gouveia (1889-1962): o primeiro como governador-geral de Moçambique (de 1896 a 1906), o segundo como arcebispo de Moçambique (de 1936 a 1962) e o terceiro como bispo da Beira (de 1967 a 1971). É necessário ainda assinalar a passagem pelo Funchal, em viagem de retorno, do Maj. Joaquim Mouzinho de Albuquerque, que desempenhava o cargo de comissário régio em Moçambique. À sua chegada ao Funchal, a 7 de dezembro de 1897, foi muito saudado, com um jantar no Palácio de S. Lourenço e com um espetáculo de música e iluminações no Jardim Municipal. Partiu para Lisboa, no dia 12 de dezembro. É precisamente durante o período do governador natural da Camacha que surgiram dados sobre o movimento de emigrantes, assinalando-se, entre 1872 e 1915, através dos registos de passaporte, a intenção de 391 madeirenses emigrarem para Moçambique. Destes, apenas um manifestou concretamente o seu destino final – a Beira; pensa-se que os demais se dirigiam à então Lourenço Marques (posterior Maputo) e que, depois, se decidiram por outros destinos. Outros faziam de Lourenço Marques uma escala para entrarem na África do Sul, como foi o caso de Joe Berardo, que em 1963 aportou em Moçambique, e de outros que tentavam, desta forma, escapar à Guerra Colonial. Para o período de 1930 a 1948, existem dados sobre a emigração de madeirenses para Moçambique, através da documentação do arquivo da Agência Ferraz. Por aqui, sabe-se que saíram 122 madeirenses. Outras fontes indicam que, em 1935, saíram 226 madeirenses e que, num período de 10 anos, Moçambique recebeu 389 emigrantes da Ilha. O grupo associado à Agência Ferraz fixou-se maioritariamente na capital, e apenas 24 seguiram para outros destinos, e.g. Beira, Manhiça, João Belo, Vila Cabral, Quelimane, Ressano Garcia, Namaacha, São Jerónimo/Magude, Malhadugene. A proveniência destes também é maioritariamente da Calheta, com particular incidência para a freguesia do Estreito da Calheta, da qual partiram 33 madeirenses, representando 31 % das diversas freguesias do concelho, donde saíram 75 moradores. Se se considerar o perfil destes emigrantes, constata-se que foram maioritariamente ligados à terra, pois 49,2 % foram identificados, em termos profissionais, como agricultores e lavradores. Também havia indivíduos de outros ofícios (pedreiro, carpinteiro, padeiro, moleiro, mestre de obras, trabalhador) e de outras atividades (empregada doméstica, empregado de comércio, proprietário, construtor civil, estudante, funcionário público, comerciante). Atente-se que a Madeira podia ser também uma etapa para chegar aos altos cargos de administração em Moçambique, tendo-se verificado isto no caso de António Manuel de Castro e Mendonça, que foi governador da Ilha, de São Paulo, e, entre 1809 e 1812, de Moçambique. O mesmo sucederia com Gabriel Teixeira e Sebastião Xavier Botelho, que, da Madeira, passou para idênticas funções em Moçambique. Este grupo de madeirenses que saíram para Moçambique foi oriundo de diversas freguesias do Funchal (Santo António, São Martinho, São Gonçalo, Santa Maria Maior, São Pedro, Santa Luzia, Sé) e rurais (Estreito e Arco da Calheta, Calheta, São Vicente, Paul do Mar, Porto Moniz, Fajã da Ovelha, Ribeira da Janela, Prazeres, Santana, Gaula, Ponta de Sol, Madalena do Mar, Porto Santo, Ponta do Pargo, Porto da Cruz). O grupo mais numeroso, com 134 madeirenses (34 %), era proveniente do Estreito da Calheta. Deve-se ainda referir a emigração forçada, com a pena de degredo, que aconteceu em algumas situações. Em 1828, houve o degredo de Luiz Pimenta de Aguiar, por razões políticas, nunca regressando à Ilha. Seguiu-se o P.e João Rodrigues Pestana, da Calheta, em 1886. Em 1887, assinalou-se o degredo de João Reinolds, do Porto Santo.   Os registos históricos documentaram muitos madeirenses que se dirigiram para Moçambique e tiveram um papel de relevo na colónia, e.g. militares, médicos e funcionários do Estado. O Com. João Inocêncio Camacho de Freitas, que foi governador civil da Madeira entre 1951 e 1969, procedeu a levantamentos hidrográficos em Moçambique. Outros, de que ficaram notícias, foram: Aires Ferreira Sousa (1867-1947); Alexandre José Sarsfield (1856-1926); Alfredo França Dória Nóbrega (1897-1979); Álvaro de Sousa Drumond Borges (n. 1897); António Américo da Costa Pereira (1879-1922); António Avelino Afonso (1872-1964); António Félix Pita Júnior (1895-1951); Cândido Augusto Pereira (1892-1956); Daniel Pereira Pestana (1824-1906); Elmano de Freitas Moura (n. 1932); Emanuel da Paz Correia Aguiar (n. 1940); Francisco Silvestre Varela (1883-1963); Gabriel Maurício Teixeira (1897-1973); Jacinto Ferreira Rodrigues Baptista (1883-1936); Jacinto Sebastião Spínola (1881-1951); Jaime de Campos Ramalho (1873-1935); Jaime Martinho Ferreira Leal (1888-1962); João António de Bianchi (1884-1969); João de Freitas Alves (1926-1998); João de Silvério Caldeira; João Gomes de Abreu (1888-1958); João Inocêncio Camacho de Freitas (1899-1969); Joaquim do Espírito Santo Mota de Vasconcelos (1902-1976); Jordão Abel Rodrigues (1880-1956); Jorge Teófilo Jardim Bulher (n. 1926); Jorge de Almada Schiappa de Azevedo (1905-1972); José Afonso (n. 1912); José Almada (1888-1979); José Carlos de Vasconcelos (1878-1933); José de Freitas Soares (n. 1908); José Gonçalves Costa (1899-1967); José Gonçalves Costa (1899-1968); José J. Ferreira; José Joaquim de Freitas Ferraz (n. 1821); Leonel Câmara (n. 1923); Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939); Luís Camacho Barbeito (1902-1971); Luís Vieira de Castro (1921-1984); Manuel de Sousa Brazão (1884-1923); Manuel Ferreira Rosa (n. 1898); Manuel Gonçalves Alegria (1919-1977); Manuel Leovegildo Rodrigues (1881-1959); Manuel Simão Rodrigues (n. 1932); Manuel Teodoro dos Ramos (n. 1925); Nicolau António de Sousa Drumond Borges (n. 1923); Teófilo de Andrade Rodrigues (1912-1980); Tomás de Jose Basto Machado (n. 1913); Tomás José Basto Machado (n. 1913); Vasco da Gama Andrade Rodrigues (n. 1909); Vasco da Gama Pestana (n. 1907); Vasco da Gama Rodrigues (1888-1977). Por fim, a testemunhar a influência e presença de madeirenses em Lourenço Marques, destaca-se, naquela cidade, uma casa típica da Madeira.   Alberto Vieira (atualizado a 24.02.2018)

Madeira Global

a madeira vista pelos ingleses

Os primórdios Não é possível afirmar com segurança quem foi o primeiro britânico a pisar a Madeira, mas dizem as lendas que Robert Machim, após um naufrágio, deu à costa da Ilha juntamente com a sua companheira, Anne d’Arfet, em 1344. A realidade historicamente documentada é bem mais prosaica: na sequência de uma expedição portuguesa às ilhas atlânticas, então desabitadas, em 1418, o infante D. Henrique reenviou os seus capitães ao território no ano seguinte a fim de o reivindicarem para a Coroa. Em 1425, a Madeira tinha-se tornado uma província de Portugal, sendo a produção de açúcar iniciada em 1452. Na verdade, é bastante provável que a Madeira tenha sido descoberta antes da data oficial do seu descobrimento, mas não teria sido do interesse dos Portugueses ou sequer dos Espanhóis dar crédito a pretensões de outras nações. Existem provas da existência da Madeira em mapas do séc. XIV, embora este conhecimento não fosse necessariamente do domínio público. Gomes Eanes de Zurara refere-se à descoberta da Madeira e de Porto Santo na sua Chronica da Descoberta e Conquista da Guiné 1434-1438, mas esta obra apenas ficou disponível em inglês entre 1896 e 1899, quando Charles Raymond Beazley e Edgar Prestage publicaram uma tradução em dois volumes da mesma. Infelizmente, os capítulos sobre a Madeira são pequenos. As relações anglo-madeirenses remontam ao mesmo século, de acordo com os dados citados em estudos sobre as viagens inglesas para fins de comércio e de exploração, e.g.: “A partir da documentação, é difícil saber que contactos tiveram os navios de Bristol, antes de 1480, com a Madeira, os Açores, Cabo Verde e as ilhas atlânticas, que os Portugueses descobriram e onde se instalaram no século XV” (HART, 2003, 56-57). Carus-Wilson, a organizadora de The Overseas Trade of Bristol in the Later Middle Ages, observa, com base numa série de fontes documentais, que Portugal era um dos “clientes mais assíduos” de Bristol (CARUS-WILSON, 1937, 14). Por exemplo, a 17 de março de 1463, foi concedida a John Jay, de Bristol, uma licença para “enviar 300 quartos de trigo de Bristol para Portugal, em qualquer navio” (Id., Ibid., 130); os registos alfandegários também evidenciam que, a 18 de maio de 1480, William Weston enviou um carregamento de têxteis na embarcação Mawdeleyn (de Quimperlé) de Bristol para a Madeira. Por outro lado, a primeira viagem da Madeira para Bristol de que há registo ocorreu em setembro de 1486, numa altura em que vários mercadores portugueses enviaram açúcar e peças de barris diretamente para Bristol (WILLIAMSON, 1962, 187). Os começos da modernidade O contacto entre os Ingleses e a ilha da Madeira nem sempre foi amigável ou reciprocamente benéfico. No final do séc. XVI, mais especificamente em 1595, durante o período de união das Coroas ibéricas, Amyas Preston, um dos principais lobos do mar de Isabel I, pilhou o Porto Santo enquanto se encontrava a caminho das Américas, onde depois saqueou Caracas (HARRISON, 1999, 46). Outros britânicos, comerciantes respeitáveis e cumpridores da lei, utilizavam regularmente a Madeira como porto de escala das longas viagens transatlânticas, reabastecendo ora aí, ora nas ilhas Canárias; alguns deles acabaram mesmo por se estabelecer na Madeira, contribuindo para o comércio de vinho, para o artesanato e para as plantações da Ilha. A mais significativa fonte de informação sobre a Madeira e outros territórios ultramarinos foi a literatura de viagens, entendida em sentido amplo e não raras vezes em traduções. Na verdade, como salienta Alison Yarrington, “a estreita relação entre as traduções e a promoção da expansão territorial está bem patente na carreira de Hakluyt” (YARRINGTON et al., 2013, 29-30). Apesar de tudo, havia alguma reserva em relação aos textos, devido ao intervalo entre a data original de publicação e a sua tradução para inglês, e porque nem todas as traduções eram fiáveis, conforme explica o próprio Hakluyt na sua Epistle Dedicatorie a Robert Cecil (HAKLUYT, 1862, VI-VII). Assim aconteceu com uma tradução inglesa anónima do Tratado dos Descobrimentos de António Galvão, concluída em 1550 e publicada em 1563, que foi corrigida e publicada por Hakluyt em 1601. Esta obra contém bastante mais informação do que a publicação anterior de Hakluyt, datada de 1599, que só dedicava quatro páginas à descoberta da Madeira, às características físicas da Ilha e à sua produção agrícola, incluindo o dragoeiro. A Madeira é mencionada por Camões em Os Lusíadas, cuja primeira tradução inglesa, de Fanshawe, foi publicada em 1655. No cômputo geral, o séc. XVII representou um período de consolidação das relações anglo-lusas, incluindo naturalmente as ilhas atlânticas e o comércio de vinho da Madeira. Nas palavras de David Hancock, “A exportação de vinho da Madeira para a América era diretamente moldada pela geografia e pela diplomacia” (HANCOCK, 2000, 109). Com efeito, as relações comerciais entre a Grã-Bretanha e a Madeira foram reguladas por vários tratados e diversas leis, que geralmente serviam os interesses britânicos: o Tratado de Paz de Cromwell e a Aliança entre Inglaterra e Portugal (1654), e a Lei da Navegação (1660). Todavia, uma grande parte das proibições impostas pelos Ingleses às importações e exportações foi simplesmente ignorada, pelo que os bens eram enviados da Europa diretamente para as colónias inglesas da América sem passarem pelos portos ingleses, onde seriam taxados. Na sequência do casamento de Charles II com Catarina de Bragança, e graças às disposições de uma Lei de Navegação de 1663, também conhecida como Lei para a Promoção do Comércio, a Madeira e os Açores foram isentados das proibições constantes na legislação anterior, tornando-se um dos principais fornecedores de vinho das colónias britânicas. O Tratado de Methuen, de 1703, não só reforçou a exportação de vinhos da Madeira para Inglaterra e para as colónias inglesas, como posicionou a Ilha na rede comercial britânica, conforme atestado em The Bolton Letters, que fornece informações preciosas sobre o comércio britânico com a Madeira. O período abrangido pelo primeiro volume desta obra coincide com a visita de Edmund Halley à Madeira a bordo do Paramore, de caminho para o Atlântico Sul no quadro de uma expedição científica que decorreu entre 1698 e 1701. O porto do Funchal, com a sua Feitoria Britânica, assumiu-se como peça de relevo da estratégia colonial de Inglaterra, de tal modo que as embarcações militares inglesas patrulhavam regularmente o perímetro marítimo das ilhas – que eram consideradas quase como um posto avançado do Império Britânico –, protegendo os seus interesses. “Durante as Guerras Napoleónicas, a Grã-Bretanha ocupou duas vezes a ilha da Madeira” (NEWITT, 1999, 70), que chegou a ter o estatuto de colónia da Coroa britânica entre 24 de dezembro de 1807 e 24 de abril de 1808, com o pretexto de a proteger dos iminentes ataques franceses. Se, por um lado, encontramos homens de negócio astutos que tiraram partido da posição geográfica estratégica da Madeira e do seu potencial agrícola, por outro, também havia autores que, talvez com objetivos específicos, promoveram intencionalmente os mitos fundacionais da Ilha. O Descobrimento da Ilha da Madeira Anno 1420, de Francisco Manuel de Melo, obra escrita com base na Relação de Francisco Alcoforado, foi publicado em inglês em 1750, com o título as An Historical Relation of the Discovery of the Island of Madeira, Abridged from the Portugueze Original. To Which Is Added, an Account of the Present State of the Island ... etc. No mesmo volume encontram-se outras duas obras. A primeira é An Account of the Present State of the Island, in a Letter to a Friend, com data de 7 de abril de 1748; independentemente de o título ser genuíno ou mera convenção, esta interessante descrição da sociedade e dos costumes madeirenses fornece abundante material aos investigadores de história social e económica. A segunda obra consiste numa série de excertos de A Voyage to Surat, de J. Ovington, nomeadamente o seu Account of Madeira, de 1689, onde o autor descreve a sua partida de Inglaterra, narra a descoberta das ilhas — novamente o mito de Machim —, e faz observações sobre o clima, a produção de vinho, a escassez de cereais e as plantações de frutas da Ilha. Aparentemente, já havia mercadores ingleses a viver na Ilha, que plantavam groselha; a terra era menos fértil do que já tinha sido, e o clero era permeável à indolência que atingia os homens mais corpulentos, custando-lhes levantar-se às 04.00 h para a leitura do ofício divino. Como Tony Claydon salienta em Europe and the Making of England, 1660-1760, a literatura de viagens era “um empreendimento coletivo no qual os autores contribuíam conscientemente para um conjunto partilhado de factos e de opiniões. Os exemplos mais evidentes de cooperação entre escritores são as frequentes referências a comentadores anteriores” (CLAYDON, 2007, 20). Assim, A New General Collection of Voyages and Travels (1745-1747) inclui uma breve história e justificação da literatura de viagens, reportando-se explicitamente a Galvão e a Alcoforado para os capítulos sobre os Descobrimentos portugueses; o “compilador”, como se autointitula o autor desta obra, repete os habituais lugares-comuns, incluindo a informação sobre a praga de coelhos no Porto Santo. Esta prática será retomada vezes sem conta ao longo dos registos de viagens do séc. XIX, nos quais os autores se referem habitualmente aos seus antecessores e pares. An Historical Account também aparece num livro publicado em Londres por R. Griffiths, em 1756, com o título The Affecting Story of Lionel and Arabella, Who, by a most Unhappy Accident, first Discover'd the Island of Madeira, and Perish'd there. To Which Is Added, the Dangerous Voyage of Juan Gonsalvo Zarco, a Portuguese Commander, Who Compleated the Discovery. Não há dúvida de que o apetite por estas leituras continuava voraz. Do Iluminismo ao século XIX Por volta deste período, parece surgir uma nova geração de britânicos com um interesse um tanto diferente pela Madeira, nem exclusivamente comercial nem certamente literário, mas antes inclinado para o saber científico, botânico ou médico – por outras palavras, homens (e mulheres) do Iluminismo. Por exemplo, Thomas Heberden (1703-1769), um cirurgião, médico e botânico residente na Ilha, remeteu a seu irmão vários artigos científicos decorrentes das suas observações na Madeira, para que este os lesse na Real Sociedade de Londres. Em 1768, o Endeavour partiu de Plymouth com destino à Madeira numa expedição científica patrocinada pela Real Sociedade de Londres, a fim de observar o trânsito de Vénus no hemisfério sul no ano seguinte, conforme previsto por Edmund Halley; a outra missão da expedição, esta secreta, era tomar posse da Austrália. O Endeavour esteve atracado na Madeira entre 13 e 18 de setembro. Para além do Cap. Cook, o navio transportava Joseph Banks, da Real Sociedade de Geografia, Daniel Solander, um estudante sueco, e Sydney Parkinson, o artista responsável pelos desenhos das descobertas botânicas. O Endeavour Journal de Banks, escrito entre 25 de agosto de 1768 e 12 de julho de 1771, descreve novas espécies de peixes, a flora e os microclimas da Ilha, a produção vinícola, bem como os hospitaleiros residentes britânicos e os Portugueses, que caracteriza como indolentes: “Durante a nossa estadia neste local, muito devemos ao Dr. Heberden, o principal médico da ilha, e irmão do médico com o mesmo nome de Londres, que viveu longos anos nas Canárias e nesta Ilha, e fez várias observações, predominantemente filosóficas, embora algumas fossem de natureza botânica, descrevendo as árvores da Ilha: destas, facultou-nos de imediato uma cópia, juntamente com alguns espécimes que tinha em sua posse, não poupando esforços para nos arranjar espécimes vivos em flor. [...] Os habitantes locais são, no geral, ociosos, ou antes, incultos como eu nunca vi; todos os seus instrumentos, mesmo aqueles com que produzem o vinho, o único artigo de comércio da ilha, são perfeitamente simples e básicos. [...] Estivesse [a Ilha] nas mãos de qualquer outro povo do mundo e o seu valor facilmente duplicaria, graças à excelência do seu clima, capaz de amadurecer qualquer tipo de produto, uma circunstância da qual os Portugueses não tiram o mínimo proveito.” Por seu turno, as freiras de S.ta Clara eram excessivamente faladoras: “durante a nossa visita, de cerca de meia hora, não deve ter havido uma fração de segundo durante a qual as suas línguas não se movessem a um ritmo extraordinário” (BANKS, The Endeavour Journal of Sir Joseph Banks …). Era frequente os exploradores e os cientistas registarem e publicarem as suas experiências e observações. A Madeira oferecia uma infinidade de possibilidades de estudo para botânicos, entomologistas, meteorologistas, conquiliologistas e especialistas de todo o género de disciplinas. Também se podem encontrar memórias marítimas e militares com informação cientificamente relevante, escritas por marinheiros de passagem ou em serviço militar. Com efeito, estas duas esferas de interesse convergem em “An Account of a Barometrical Measurement of the Height of the Pico Ruivo, in the Island of Madeira”, de Edward Sabine; o grupo do Cap. Sabine incluía outros oficiais da marinha, o cirurgião do navio, George Don, o primeiro coletor profissional de plantas para a Sociedade de Horticultura de Londres, e ainda um prestável residente inglês, de nome Veitch, que ocupava o cargo de cônsul-geral, e que lhes serviu o pequeno-almoço na sua residência. Não é inverosímil supor que os botânicos e naturalistas aproveitariam todas as oportunidades que se lhes oferecessem para viajar, em tempo de paz e presumivelmente sem grandes custos, até à Madeira e outros laboratórios naturais. Não era incomum encontrar médicos britânicos, como Thomas Heberden, a exercer medicina na Madeira, já que a Ilha se afirmava como um apetecível destino para o turismo de saúde. “Para os finais do século XVIII, a Madeira assumia-se cada vez mais como um local propício ao tratamento da tuberculose. Começaram a circular brochuras elogiando o clima da ilha, registando-se um conjunto de médicos britânicos que ali se fixaram” (NEWITT, 1999, 73). A título de exemplo, Joseph Adams publicou The Superiority of the Climate of Madeira e Guide to the Island of Madeira; with An Account of Funchal, and Instructions to Those Who Resort thither for Their Health. Foram publicados artigos de especialistas nas revistas médicas da época, incluindo The Lancet, e os guias de saúde para a Madeira constituíam uma subcategoria da literatura de viagens. William Gourlay, médico da Feitoria Britânica, escreveu as suas Observations on the Natural History, Climate, and Diseases of Madeira, during a Period of Eighteen Years. Em An Historical Sketch of the Island of Madeira, o mesmo autor aborda os benefícios do clima para o tratamento da tísica e da asma, referindo ainda que três dos quatro médicos portugueses da Ilha se tinham formado na Universidade de Edimburgo. Na sequência da morte de T. E. Bowdich em África, devido à malária, a viúva publicou o seu Excursions in Madeira and Porto Santo. Com exceção de uns breves comentários sobre a situação política, esta obra é um verdadeiro reflexo do interesse do autor por diferentes aspetos da história natural – peixes, pássaros, plantas, formações geológicas, conchas. Apesar de ser feita uma breve referência a Machim, Bowdich interessa-se muito mais pela flora e pela fauna das ilhas, com destaque para o dragoeiro de Porto Santo, conforme descrito pelas fontes portuguesas. Por entre as suas observações científicas, descreve a vida social da Ilha, comparando os habitantes de Porto Santo com os camponeses do País de Gales, admira o sentido português de beleza, e menciona os cálculos de Gourlay e do Dr. Heineken. Alfred Lyall, autor de Rambles in Madeira, and in Portugal, in the Early Part of MDCCCXXV, dedicado ao cônsul George Stoddard, destaca a escassez de livros com informação sobre a Madeira, que é um local de interesse especial para os britânicos, sobretudo os inválidos. Lyall faz referência às Excursions de Bowdich apenas para as descartar porque “se dedica quase exclusivamente a questões científicas” (LYALL, 1827, ix). Os capítulos do texto de Lyall descrevem a paisagem e a população da Ilha; no que às mulheres diz respeito, “a superioridade das mulheres francesas […] é incontestável” (Id., Ibid., 26-27). Lyall não acredita na lenda de Machim, mas não vê proveito em a contestar, dado que os locais a acolhem com grande estima. James Clark, doutor em medicina, recordado pela história como médico da corte e autor de um tratado de tísica, também escreveu uma obra sobre The Influence of Climate in the Prevention and Cure of Chronic Diseases, que incluía “indicações para inválidos em viagem ou que vivam no estrangeiro”. Clark considerava Lisboa “um local de residência inadequado para tísicos” (CLARK, 1830, XII), opondo-se fortemente à prática de enviar os doentes terminais para o estrangeiro (Id., Ibid., 196). Também discute os benefícios do clima da Madeira, citando Gourlay e as Rambles de Lyall. John Driver visitou a Madeira em 1834, por indicação médica, tendo depois publicado as cartas que escreveu aos amigos em 1838, dando resposta aos muitos pedidos que lhe eram endereçados de informações sobre a Ilha: “Obtive informações atualizadas sobre a melhor forma de viajar, a escolha de residência, o custo de vida, etc.” (DRIVER, 1838, VI). Os capítulos principais descrevem a Ilha e a sua população, incluindo Henry Veitch (1782-1857), que também é mencionado noutros livros de viagem do mesmo período. A Carta V refere a capela de Machim, mas sobretudo a presença das forças miguelistas na Ilha; e faz uma descrição das corridas no Funchal, e de uma exposição floral e hortícola organizada por Webster Gordon. A Carta VIII descreve as melhoras que sentiu desde que se encontra na Ilha. As informações práticas (navios que viajam para a Madeira, hotéis, médicos, o preço da alimentação, estatísticas sobre exportações, etc.) estão contidas no apêndice, juntamente com a obrigatória repetição da história de Machim, narrada por Alcoforado. Muitos dos detalhes coincidem com os que autores anteriores já haviam fornecido, sendo Bowdich e Lyall explicitamente citados. Driver contribuiu ainda com “An Historical Account of the Island”, que dedicou a James Clark, para um volume editado por James Sheridan Knowles, onde é identificado como cônsul da Grécia na Madeira; este texto baseia-se na sua publicação anterior. Fig. 1 – Reprodução da gravura “O Funchal visto de São Lázaro”.Fonte: PICKEN, 1840. Entre os Ingleses que ajudaram a promover a Madeira como estância terapêutica, encontra-se o artista Andrew Picken, autor de Madeira Illustrated. Picken especializou-se na ilustração de livros de viagens e passou algum tempo na Madeira porque tinha uma saúde precária, acabando por perecer com uma doença pulmonar após regressar em definitivo a Inglaterra, em 1845. O livro é dedicado à Sr.ª Webster Gordon e nele são mencionados Alcoforado, Barros, Galvão e Frutuoso. Picken descreve as Rambles de Lyall como “uma das melhores e mais completas descrições da ilha publicadas em Inglaterra”. O esboço histórico transporta os leitores para o séc. XIX, e a descrição que faz da Ilha oscila entre o geográfico e o pitoresco, com uma série de observações sobre os nativos: “os Portugueses da Madeira são um povo excelente”; “a aparência e o carácter dos camponeses são universalmente elogiados” (PICKEN, 1840, 4); e considera que a distância entre os Ingleses e os Portugueses, em termos sociais, está a tornar-se cada vez mais curta. Picken faculta informações sobre os navios e os respetivos preços, desaconselha o uso de letras de crédito e recomenda o ouro espanhol em vez dos soberanos ingleses, entre outras sugestões úteis. Nesse mesmo ano de 1840, William White Cooper, cirurgião da Honourable Artillery Company, publicou The Invalid's Guide to Madeira, with a Description of Teneriffe, Lisbon, Cintra, Mafra, etc and a Vocabulary of the Portuguese and English Languages. Aparentemente, a obra baseia-se na sua própria experiência, enquanto recuperava de um ferimento. Curiosamente, Cooper afirma que não encontrou qualquer informação sobre a Madeira pelo que, adotando o registo de diário, embarca numa jornada “tanto para descrever as paisagens das ilhas da Madeira e de Tenerife, como para fornecer uma panóplia de informações para orientação daqueles que as procuram, seja para uma curta visita ou para uma estadia mais prolongada” (COOPER, 1840, III). Este autor não difere grandemente de outros escritos de viagens ingleses, na medida em que também refere detalhes sobre a logística da viagem e das acomodações, os nomes dos médicos locais e a separação entre residentes portugueses e ingleses. À semelhança de vários registos de viagens do mesmo período sobre Portugal continental, os comentários sobre as mulheres portuguesas e os seus hábitos de higiene pessoal são muito pouco lisonjeiros. O autor anota tudo o que considera ser de interesse para os viajantes britânicos, mencionando também o reverendo R. T. Lowe, “um cavalheiro altamente distinto enquanto naturalista, e que está prestes a publicar uma elaborada obra sobre os peixes da Madeira” (Id., Ibid., 40), obra que viria à luz entre 1843 e 1860. Cooper descreve Maria Clementina, “a linda freira do Convento de Santa Clara” (Id., Ibid., 41), lista os vinhos que se podem encontrar na Ilha, e descreve o Clube do Funchal, bem como o baile que o cônsul George Stoddard organizou em honra do casamento da Rainha Victória. Não se mostra impressionado com a aparência e o comportamento dos soldados britânicos estacionados na Ilha, embora considere – o que não é surpreendente, dada a sua filiação – que “a artilharia constitui um corpo mais viril e militar” (Id., Ibid., 57), ainda que não treinem o suficiente. Os inválidos devem levar consigo os seus medicamentos e cadeiras confortáveis, bem como uma sineta. O facto de o conselho de Cooper sobre a melhor moeda para levar para a Madeira coincidir com o de Picken, a par de outras observações, leva-nos questionar se alguma vez se terão cruzado. Pouco tempo depois, William Samuel Pitt Springett (1818-1860) dedicou as suas Recollections of Madeira à Sr.ª George Stoddard, que era irmã da sua esposa. Um ano mais tarde, Edward Vernon Harcourt escreveu A Sketch of Madeira Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitorı, publicado por J. Murray, que também publicou The Diary of an Invalid, de Henry Matthew, e a versão definitiva do Handbook for Portugal (1855). Harcourt pretendia que o seu livro fosse útil, pelo que dá uma série de conselhos práticos, desde informações sobre os transportes (a liteira de rede) e os locais a visitar (refere que passou pela casa de campo da Sr.ª Penfold), até esclarecimento sobre rotas de navegação, bagagem, acomodações e moeda. Talvez numa tentativa de sossegar os mais doentes, explica que a desagradável cena retratada por Ovington em Voyage to Surat, de recusa de um funeral cristão a um protestante inglês, não se repetiria, uma vez que havia mais tolerância religiosa e que os visitantes estrangeiros tinham agora o seu próprio cemitério, onde aqueles “que procuravam saúde numa terra estrangeira encontraram o repouso eterno. O cipreste debruça-se sobre a campa do estrangeiro, e o seu túmulo solitário está adornado de flores” (HARCOURT, 1851, 33). Na verdade, Susan Vernon Harcourt também fez um retrato dos cemitérios ingleses. À semelhança de outros escritores, Edward Harcourt informa os seus leitores sobre a vida social na Madeira; aconselhando os inválidos a não saírem à noite – algo que os seus antecessores também recomendam –, deixa escapar um comentário bastante elucidativo: “Os ingleses e os portugueses não se costumam misturar, de modo que o leitor não terá a sensação de viver entre estrangeiros” (Id., Ibid., 35); não lhe ocorreu que os estrangeiros eram os Ingleses. Harcourt preenche muitas páginas do seu livro com tabelas de dados sobre as condições meteorológicas, a demografia, a história da Madeira (o mito de Machim), as instituições judiciárias e religiosas, o sistema educativo, a agricultura, as plantas, a produção vinícola, a ornitologia – por outras palavras, tudo o que pudesse interessar ao cavalheiro inglês no estrangeiro. Narrative of a Voyage to Madeira, Teneriffe and along the Shores of the Mediterranean, da autoria de William Wilde, inclui o material habitual, e menciona Picken, Macaulay, Clark, Bowdich, Combe e o cônsul Henry Veitch. À imagem de muitos outros visitantes da Ilha, o autor adquire nos conventos “bens de luxo” como flores artificiais e confeitaria; e, tal como outros turistas ingleses, recorda a triste história da irmã Maria Clementina, “a bela reclusa”, que compara a Cinderela, embora à primeira não tenha sido destinado o final feliz do conto de fadas (WILDE, 1844, 92-93). Caption   Outro escritor frequentemente citado é Robert White, autor de Madeira, Its Climate and Scenery Containing Medical and General Information for Invalids and Visitors; a Tour of the Island, etc. O autor viveu 15 anos na Ilha, pelo que o livro se tornou uma obra de referência, que contou com mais duas edições, atualizadas com a inclusão de novo material. O conteúdo não é original, sendo na sua maior parte derivado de anteriores publicações; mas, apesar de os autores anteriores fornecerem informações sobre as paisagens, a variedade de castas, os vinhos e o comércio, bem como dados estatísticos, White salienta que “há uma grande confusão sobre estes tópicos nas obras publicadas até agora” (WHITE, 1851, v). Robert White principia com a lenda da descoberta, os factos históricos da mesma, e uma breve história da Ilha até ao séc. XIX; onde diverge dos seus antecessores é na acutilância da sua crítica aos governos portugueses, que saquearam e negligenciaram a Madeira: “A situação melhorou muito durante o breve período em que foi governada pelos Britânicos, sob a competente administração do General Beresford, em 1808” (Id., Ibid., 10). Os detalhes não são novos; mas o tempo passou e a bela Ir. Maria Clementina “está avançada em anos e restam-lhe poucos, ou nenhuns, traços daquela beleza que o nosso poeta tão calorosamente descreveu” (Id., Ibid., 21). Com efeito, a fama desta mulher alastrara para além da Madeira e das ilhas Britânicas, chegando aos Estados Unidos da América. Maria Clementina também fora descrita em termos extraordinariamente românticos pelo Rev. Walter Colton, capelão naval e autor de Ship and Shore, primeiramente publicado sob anonimato em 1835 e reeditado em 1851, com um desenho da freira nas páginas preliminares. Publicado entre a segunda e a terceira edições do guia de White, The Climate and Resources of Madeira, as regarding chiefly the Necessities of Consumption and the Welfare of Invalids, de Michael Comport Grabham, foi presumivelmente ao encontro de uma necessidade sentida neste nicho de mercado; com efeito, uma vez que ainda não existia um tratamento eficaz para a tuberculose, os pacientes deslocavam-se à Madeira em busca de repouso. Para além da sua competência de médico, Grabham também publicou artigos no The Lancet, partilhando as suas experiências, e escreveu sobre botânica, sobre a vida animal e sobre geografia; o seu tratado de medicina foi considerado relevante já bem entrado o séc. XX. Michael Grabham não se demora em detalhes descritivos nem nos temas sociais, uma vez que esses já tinham sido abordados “em muitos tratados existentes e […] no excelente e exaustivo ‘Guide-Book’ do Sr. R. White” (GRABHAM, 1870, X); ao invés, foca-se em assuntos meteorológicos e médicos. Apesar disto, não consegue escapar inteiramente ao tipo de conteúdos que mais interessam aos leitores: os pormenores científicos e técnicos, apresentados sem mais, poderiam afastar os espíritos menos graves, pelo que o autor introduz o mito de Machim, aborda a história dos princípios da Ilha, e descreve os edifícios, as instalações e os passatempos locais ou, pelo menos, os passatempos praticados pelos residentes ingleses. Tal como os seus antecessores, informa os leitores sobre a paisagem e os meios de locomoção; e dedica um longo capítulo às condições meteorológicas, assim como às questões médicas e aos tratamentos. Conforme seria de esperar numa obra desta natureza, explica como chegar à Madeira, qual a melhor moeda a usar, e como enviar cartas para a Ilha. Grabham é extremamente preciso – cirúrgico, até –, sendo a sua obra isenta de alguns dos preconceitos presentes noutras publicações, talvez porque se casou com um membro da aristocracia da Ilha e valorizava o que a Madeira tinha de bom. J. M. Rendell seguiu as pisadas de White e de Grabham em A Concise Handbook of Madeira, embora sem a pretensão de ter conhecimentos sobre medicina. Como seria de esperar nesta altura, tece comentários sobre o tempo e a geografia da Ilha, cita especialistas, refere viagens, navios e hotéis. Está presente o capítulo obrigatório sobre a história da Ilha, informações sobre a botânica, a comida, as aves, os peixes, a música, os costumes, as superstições da população (outro tema favorito dos escritores de viagens que se focam em Portugal continental), as excursões e viagens à volta da Ilha, os salários das empregadas domésticas, o preço do tratamento de roupas, os pesos e as medidas, algumas palavras úteis e outros aspetos da língua portuguesa. Por outras palavras, nada de inesperado ou original. Os guias para a Madeira continuaram a aparecer no século sucedâneo. Assim, e.g., Oswald Crawfurd, cônsul no Porto, crítico literário e escritor prolífico, produziu, em janeiro de 1874, um artigo de 18 páginas para o The New Quarterly Magazine intitulado “A winter holiday in Madeira”, que pretende ser um compêndio de toda a informação sobre a Ilha. Tal como grande parte da literatura deste género, o artigo elucida-nos mais sobre os preconceitos do seu autor do que sobre as pessoas que ele descreve: “Os madeirenses são uma estranha raça de homens. Maioritariamente de origem portuguesa, são claramente uma nação de mestiços, e a presença da negritude é notória nas suas caras feias e bondosas, na sua estatura – têm mais dois a cinco centímetros que os continentais –, no seu andar estranho, e na sua compleição algo doentia. A sua atitude moral também é, de certa forma, influenciada pelo laxismo dos negros. No entanto, não são de modo algum grandes criminosos, praticando apenas vícios menores como pequenos roubos e grandes narrativas, combinando, por assim dizer, a sua complacência com os pequenos furtos e as mentiras inofensivas com uma rigorosa economia de crimes maiores” (CRAWFURD, 1874, 410). Nem toda a gente discorria sobre a Madeira do ponto de vista dos inválidos ou dos médicos; havia pessoas que tinham outros interesses ou visavam outros públicos. Assim, a família e os amigos que acompanhavam os inválidos aproveitavam o seu tempo para desenhar ou pintar o que iam observando, publicando depois os seus álbuns. Afinal de contas, a Madeira era um paraíso botânico e, dado o relativo sossego da vida na Ilha (em comparação com Londres e outras cidades inglesas), as pessoas tinham muito tempo para escrever um diário, relatos da viagem e cartas, um fenómeno que se tornou muito comum nos visitantes de Portugal continental.   O século XX No séc. XX, assistiu-se a um declínio no número de livros sobre a Madeira, talvez como reflexo de uma mudança nos interesses e gostos dos leitores. No entanto, de entre os que escreveram sobre a Ilha na primeira década deste século, ressaltamos S. Samler Brown, W. H. Koebel, que se centra na história e se baseia em Grabham, e Charles Thomas-Stanford, com um livro intitulado Leaves from a Madeira Garden. O prefácio desta obra constituiu uma versão mal disfarçada do topos da humildade: “Pergunto-me se será necessário arranjar desculpa para esta história trivial de um inverno banal numa ilha insignificante” (THOMAS-STANDFORD, 1909, VII), salientando o autor que “muito se tem escrito sobre a Madeira”, pelo que não pretende “afirmar ou dizer coisas novas, nem revelar aspetos relevantes” (Id., Ibid., IX); na verdade, afirma, “limitei-me a enunciar apontamentos algo inconsequentes – e temo que, por vezes, irrelevantes – sobre diversas matérias” (Id., Ibid., VIII). Devido ao gosto dos Britânicos pela jardinagem, a Madeira tinha para eles um interesse considerável, em virtude da sua vegetação rica e exótica. Conforme prometera no prefácio, Stanford critica certas atitudes do governo português, mas está manifestamente convencido de que tem legitimidade para o fazer por força da sua relação de longa duração com a Ilha, sua residência de inverno. O autor desdenha “o número cada vez maior de turistas, americanos, ingleses e alemães” que são despejados pelos navios (Id., Ibid., 4), não conhecendo nada da “verdadeira Madeira”, e esforça-se por demonstrar o seu conhecimento da história e das tradições da Ilha. Apesar de tudo, a sua própria relação com a Madeira e os seus habitantes é ambivalente: há alguns aspetos da vida na Ilha que o irritam nitidamente, nomeadamente a falta de telefones, mas a sua relação com a população portuguesa parece não diferir substancialmente da dos seus predecessores. Quando se convence de que os empregados tentam extorquir-lhe salários excessivamente elevados, não hesita em “os despedir”; e declara que os madeirenses nada sabem de jardins nem de jardinagem, o que consitui “uma grande prova, especialmente quando a pessoa só está presente um terço do ano, e as operações mais importantes, a poda das roseiras etc., têm de ser feitas na nossa ausência” (Id., Ibid., 68). Fundando os seus pontos de vista em estereótipos e em amostras bastante reduzidas da população, demarca claramente os Portugueses como “os outros” (Id., Ibid., 73-74), embora se identifique como “nós, os madeirenses” (Id., Ibid., 189); de facto, conheceu a sua mulher na Ilha, onde ela era proprietária rural. Ainda assim, o livro redime-se em alguns momentos de honestidade: “Se os criados são para nós um estranho e interessante objeto de estudo, o que seremos nós para eles?” (Id., Ibid., 74). Thomas-Stanford também escreveu um romance de aventuras que decorre na Madeira, The Ace of Hearts. Os Ingleses continuaram a escrever sobre a Madeira. É o caso, e.g., de Lethbridge, com o seu Madeira – Impressions and Associations; de Stuart Mais, que publicou ininterruptamente entre 1915 e 1966, juntamente com a mulher, incluindo o relato de viagens Madeira Holiday; e de Sacherevell Sitwell, extravagante mas empobrecido diletante que, segundo consta, persuadiu vários governos a subsidiarem-lhe o turismo de luxo escrevendo livros de viagem; há indubitavelmente abundantes exemplos de marketing indireto – nomeadamente referências a empresas de transportes e a hotéis – no seu Portugal and Madeira. O leitor também poderá perguntar até que ponto a filiação ideológica e de classe orientam as suas perceções; com efeito, ou Sacherevell Sitwell acreditava genuinamente nas virtudes do Estado Novo, à imagem de outros escritores de viagens ingleses do seu tempo (como John Gibbons, lady Marie-Noële Kelly), ou a sua escrita está temperada com uma não pequena dose de ironia: “[Portugal] esteve a dormir durante a época de industrialização que enegreceu grande parte da Europa. Se acordou, imaculado, para um presente mais feliz, foi graças à influência de mãos benevolentes e sábias” (SITWELL, 1954, 39). O capítulo sobre a Madeira extravasa em descrições líricas de plantas exóticas e vegetação tropical: “É uma ilha que se visita pelas suas flores e pelo seu clima” (Id., Ibid., 43). Diz muito pouco sobre os ilhéus, até porque “uma das belezas da Madeira é que não tem propriamente passado. [...] Era uma ilha virgem. Não havia habitantes aborígenes para exterminar” (Id., Ibid., 43). E, quando faz algum comentário sobre as populações locais, é para dizer que “é uma população imaculada, talvez o menos corrompido e contaminado de todos os povos europeus. Os madeirenses estão ainda na idade da inocência” (Id., Ibid., 49). Com o tempo, os livros de viagens tornaram-se mais breves, por causa dos custos de edição, das restrições de bagagem, das mudanças nos hábitos de leitura – as razões que explicam esta tendência são múltiplas. As edições online e a digitalização também tiveram impacto no consumo de livros. Todavia, independentemente do seu formato, os livros de viagens do séc. XXI centram-se mais nas necessidades dos turistas e dos aventureiros do que nas experiências pretensamente autênticas vividas pelo viajante entendido.   A questão da autoria feminina e da voz feminina na literatura de viagens Não foram unicamente os homens a visitar a Madeira e a publicar as suas memórias ou impressões. Apesar de o número de mulheres viajantes nunca ter constituído mais do que uma minoria, por razões óbvias de índole social e histórica – as mulheres não fizeram o Grand Tour e, mesmo que o tivessem feito, a Madeira não seria uma etapa do itinerário –, os seus contributos para o corpus da literatura de viagens inglesa não deve ser negligenciado. A literatura de viagens, no sentido que aqui é dado à expressão, compreende memórias, autobiografias, diários, cartas, registos de viagens e guias. Clare Bloome Saunders sugeriu que foi a ligação entre a literatura de viagens e os “textos associados com a esfera doméstica e privada” que permitiu às mulheres entrar neste género literário (SAUNDERS, 2014, 3). Não há dúvida de que assim é, embora haja um grande número de autores do sexo masculino que optou por essa via, possivelmente por a considerarem mais adequada à temática, ou um meio eficaz de chegar aos leitores. Saunders também salienta que “as primeiras obras de viagem escritas por mulheres começavam geralmente com um pedido de desculpas, uma passagem pelo topos da humildade e uma declaração de autenticidade” (Id., Ibid.). Mais uma vez, são abundantes os exemplos de autores masculinos de livros de viagens que principiam as suas obras da mesma forma. Sarah Mills refere que “os autores viajavam por motivos diferentes e para países diferentes, escrevendo sobre as suas viagens no quadro de uma multiplicidade de condicionamentos – de género, de classe, de finalidade da viagem, de convenções textuais, de audiência, etc. – que influenciavam e estruturavam a sua escrita” (MILLS, 1991, 21). Para Mills, uma diferença evidente entre os homens e as mulheres que escrevem livros de viagens encontra-se “na ênfase que colocam no envolvimento pessoal e nas relações com pessoas de outras culturas, e na atitude menos autoritária que assumem perante a voz narrativa” (Id., Ibid.). Embora tal possa ser verdade nalguns contextos, esta análise dos escritos britânicos sobre a Madeira não revela um maior grau de rapprochement entre as escritoras e os habitantes portugueses da ilha, em comparação com os escritores. No contexto português, as viajantes poderão ter tido de lidar com os locais para resolverem questões domésticas, mas isso não significa que tivessem um relacionamento pessoal com eles. A atitude autoritária talvez seja mais visível nos escritos sobre os campos da medicina e da ciência, à época dominados pelo sexo masculino. A autoridade poderia derivar, em parte, das qualificações académicas, dos títulos profissionais e dos graus militares que uma série de autores incluía na página de rosto das suas obras. Em contrapartida, a não ser que fossem membros da aristocracia, as escritoras limitavam-se a referir o seu estatuto de mulheres casadas. Mary Louise Pratt analisou o impacto da história natural e da ciência em geral na literatura de viagens, argumentando que “a história natural era um meio para narrar as viagens de exploração do interior, já não com a finalidade de descobrir rotas de comércio, mas de vigiar o território, explorar os recursos e exercer um controlo administrativo sobre o mesmo” (PRATT, 1992, 39), o que dá azo ao aparecimento de um discurso bastante próprio; no caso específico da Madeira, os botânicos e os meteorologistas parecem, de facto, reivindicar a Ilha para si. Em paralelo, há uma série de obras sobre a Madeira que corroboram a afirmação de que “a história natural estabeleceu uma autoridade urbana, literata, masculina sobre todo o planeta; elaborou uma compreensão racionalizante, extrativa e dissociativa, que se sobrepôs às relações funcionais e experienciais entre pessoas, plantas e animais” (Id., Ibid., 38). Por fim, em termos de considerações teóricas, para Saunders, “a ‘verdade’ na literatura de viagens aparece, paradoxalmente, quer como asserção da retórica objetiva ‘masculina’, quer como uma aparentemente ‘autêntica’ proclamação da literatura ‘feminina’, doméstica, privada” (SAUNDERS, 2014, 3). À exceção das obras assentes em dados científicos – sobre a precipitação, a temperatura e as espécies de plantas e insetos –, não há garantias de objetividade ou autenticidade. Além disso, quanto mais íntimo é o registo de escrita, mais tendência têm os autores para a subjetividade, ou para distorções de memória e perceção.   Mulheres viajantes As mulheres estiveram na Madeira por várias razões, quer para fazer uma pausa neste porto de escala tão bem situado, usualmente sob a proteção de membros da sua família, quer para visitar Ingleses nela residentes, quer para acompanhar os maridos, empenhados em investigações científicas, na escrita de um livro ou noutras atividades profissionais. Em todo o caso, nem sempre se limitaram a ilustrar as produções científicas e intelectuais dos cônjuges, tendo-se afirmado como autoras e artistas independentes. Ao contrário da jovem “ultramarina” de que se falará adiante, uma mulher da classe alta raramente sentia a necessidade de pedir desculpa por trabalhar; os dados sugerem que a idade e a classe social são condicionantes tão importantes como o sexo. Uma das primeiras mulheres a escrever sobre a Madeira foi Maria Riddell (1772-1808), autora das Voyages to the Madeira and Leeward Caribbean Islands, que tinha relações próximas com a Escócia devido ao seu casamento com Walter Riddell. Poetisa, embora menor, Maria Riddell é lembrada sobretudo pela sua amizade com o poeta nacional da Escócia, Robert Burns; mas não deixa de ser notável que tenha escrito um registo de viagens aos 20 anos. Na opinião de Corey Andrew, ela “faz juízos claros e raramente produz afirmações distanciadas. […] Considera que os habitantes da ilha possuem qualidades que os redimem, embora os seus elogios sejam muito parcos: ‘Os nativos são […] notavelmente engenhosos, e famosos pela sua capacidade de fazer perfumes, pastas, etc. Os Portugueses têm feições extremamente escuras, mas têm belos olhos e dentes; a classe baixa deste povo é indolente, suja, e muito viciada no roubo; têm muito talento musical, e são extremamente delicados’” (ANDREWS, 2013, 181). O nome que figura a seguir nesta cronologia é o de Elizabeth Macquarie (1778-1835), uma escocesa que viajou para a Austrália em 1809, juntamente com o marido, Lachlan, que havia sido nomeado governador da Nova Gales do Sul. Fez a viagem a bordo do navio de carga Dromedary, na companhia do Hindostan, um navio de guerra de Sua Majestade, tendo feito uma paragem na Madeira. Ao chegarem à Ilha, a 12 de junho, os Macquaries foram convidados a residir na casa de Henry Veitch, o cônsul britânico, que estava aparentemente muito ambientado à Madeira, e que, tendo sobrevivido a todos os amigos, não fazia tenções de regressar à Grã-Bretanha, uma atitude que muito desagradou à Sr.ª Macquarie. Um dos militares que os escoltou parecia “conhecer intimamente os habitantes locais, incluindo as freiras de diferentes conventos”. Tendo adoecido, a Sr.ª Macquarie não pôde fazer grandes passeios durante a semana que passou na Madeira, mas ficou chocada ao ver uma jovem tomar o hábito religioso, o que talvez não seja uma reação completamente inesperada numa protestante escocesa daquela época. Quanto à Ilha, o brilho inicial desapareceu rapidamente: “A ilha da Madeira é sem dúvida um dos lugares mais bonitos e românticos que já vi. Para uma pessoa que passou muito tempo em alto mar e que padeceu de alguma doença ou sofreu com o mau tempo, a visão do Funchal é do mais gratificante que se pode imaginar; mas, depois de se terem passado alguns dias em terra, a falta de ar e o imenso calor, a total ausência de qualquer tipo de exercício físico, dada a dureza das estradas, que são muito inclinadas, e pavimentadas com pequenas pedras, e, acima de tudo, a imundice dos ilhéus é tão desagradável, que creio que nunca chegaria a contemplá-la com indiferença – e tudo isto serve para ilustrar os confortos que são necessários para tornar a vida aprazível a uma pessoa acostumado a viver em Inglaterra” (MACQUARIE, 1809). [caption id="attachment_15563" align="alignleft" width="380"] Fig. 3 – Reprodução de “The Belladona Lily”Fonte: PENFOLD, 1845.[/caption] Houve duas Inglesas residentes na Madeira que foram responsáveis por promover a imagem da Ilha como paraíso tropical. Jane Wallas Penfold era filha de William Penfold, que era sócio de Henry Veitch; William Wordsworth compôs versos em sua homenagem, e Jane Penfold publicou os seus desenhos de plantas em Madeira Flowers, Fruits, and Ferns. Sua irmã, Augusta Jane (Penfold) Robley, também publicou as suas ilustrações em Selections of Madeira Flowers, Drawn and Coloured from Nature. Estas duas obras devem ter estimulado o interesse pela Madeira como destino adequado para o estudo da botânica e a produção artística. Emmeline Stuart Wortley, descrita por Jane Robinson como uma viajante obsessiva (ROBINSON, 1990, 121), escreve longamente tanto sobre Portugal continental como sobre a Ilha em A Visit to Portugal and Madeira. Confiante no seu estatuto social e nas suas capacidades literárias, Wortley narra a sua viagem a Portugal sem perder tempo com desculpas ou com falsas humildades. Por vezes, a sua obra lê-se como um romance, com retratos detalhados e extravagantes que roçam a caricatura; mas, a par das conversas e anedotas sobre a realeza europeia, figuram alguns comentários inteligentemente satíricos sobre a escravatura e o racismo, bem como críticas abertas ao deficiente sistema agrícola, que provoca a malnutrição infantil da população local. Apesar do estilo intenso, a autora fornece informações exatas sobre a Ilha, repetindo detalhes encontrados em livros anteriores. Também faz a obrigatória visita a S.ta Clara para ver a lendária Maria Clementina, imortalizada por Coleridge: “Esta freira foi uma criatura deslumbrante, que em tenra idade foi metida num convento por um pai austero, penso que por instigação da madrasta, e foi durante algum tempo muito infeliz. Já não é nova (e espero que já não seja infeliz), mas ainda se detetam traços da sua beleza outrora resplandescente” (WORTLEY, 1854, 302). [caption id="attachment_15566" align="aligncenter" width="332"] Fig. 4 – Reprodução de “Bird of Paradise”Fonte: ROBLEY, 1845[/caption] A autora explica então que houve um relaxamento da regra monástica no período do Governo Constitucional, e conclui a história de Clementina, que regressou à tranquilidade do convento, descrevendo de seguida a personagem, que se assemelha mais à marquesa de Alorna na sua grade do que a Mariana Alcoforado, discutindo os méritos relativos de madame de Staël e de lady Morgan (mencionada por Almeida Garrett no Diário de Minha Viagem a Inglaterra (1823-1824)). Tal como outros viajantes, Emmeline Wortley conhece Stoddard e o cônsul Veitch, nesta altura presumivelmente a gozar a reforma ou a tratar de negócios; e, à semelhança de outros escritores, não consegue deixar de referir a lenda de Machim. O leitor fica com a impressão de que lady Wortley tem um grande talento para ocultar os seus profundos conhecimentos em matérias como a agricultura, os negócios, a economia e a política por detrás de aparentes mexericos e meandros narrativos. A ironia é enganadora, até porque esta autora visitou a Madeira com um espírito aberto, e não com o simples fito de confirmar os seus preconceitos. Em 1882, Ellen M. Taylor publicou Madeira: Its Scenery and how to See It. With Letters of a Year's Residence and Lists of the Trees, Flowers, Ferns, and Seaweeds, um guia de viagem extremamente detalhado. Tendo-se deslocado à Madeira com uma amiga enferma, presume-se que tivesse bastante tempo disponível, e percebeu que tipo de informação era necessário dar para tornar mais fáceis a viagem e a estadia na Ilha; fez, pois, o seu trabalho de casa, consultando as autoridades na matéria. Não refere os aspetos já tratados por Grabham, e pede autorização à Sr.ª White, viúva de Robert White, e a James Yate Johnson, para se referir a Madeira. Its Climarw and Scenery. Regista o apoio que lhe foi dado por Charles Cossart e cita um artigo da Fraser’s Magazine, de agosto de 1875. O seu guia de viagens não se destina apenas a inválidos, informando também os leitores sobre hotéis, navios a vapor, restrições de bagagem, atividades recreativas e excursões, compras, a história e os hábitos, para além de ter uma lista de vocabulário útil. Para os que têm interesses culturais, cita John Mason Neale sobre a arquitetura de igrejas. Nas palavras de Jane Robinson, “tanto a ilha como o seu guia eram dedicados à busca passiva da saúde” (ROBINSON, 1990, 197). A Voyage in the “Sunbeam”. Our Home on the Ocean for Eleven Months difere em alguns aspetos de outros registos de damas inglesas: Annie Brassey descreve a viagem de circum-navegação que a sua família empreendeu à volta do mundo a bordo do iate a vapor do marido (1876-1877), a primeira do género. O iate atracou na Madeira (cap. 2) para uma breve visita, a que se seguiu o ritual de os visitantes de relevo serem recebidos pelos residentes ingleses. O livro foi um enorme êxito, tendo chegado às 19 edições e sido traduzido em 5 línguas. A família regressou à Madeira 7 anos depois, conforme é narrado em In the Trades, the Tropics, and the Roaring Forties: 14,000 Miles in the “Sunbeam” in 1883. A autora começa por pedir desculpa pelo seu trabalho, e depois conta os labores da viagem de ida para a Madeira para se encontrar com o marido e se juntar a ele no Sunbeam, após ter perdido a maior parte da bagagem porque o navio onde seguia meteu água; felizmente, os filhos e o cão, Sir Roger, tinham saído ilesos desta experiência. A narrativa inclui uma descrição de um navio escocês de emigrantes com destino à Austrália, e do hotel de S.ta Clara, onde foram atendidos pelo Sr. Reed, o proprietário, e pelo Sr. Cardwell, o gerente, que se encarregou da bagagem. A Ilha é povoada por uma série de figuras conhecidas, nomeadamente “o nosso velho amigo, o Dr. Grabham, o único médico inglês desta terra, um homem de enorme sucesso, repleto de informação sobre todas as matérias” (BRASSEY, 1878, 29); tal como muitos outros, visitam a quinta dos Blandy. Brassey sente-se obrigada a esboçar os momentos chave da história da Madeira, incluindo o mito de Machim, a visita do Cap. Cook no Endeavour, em 1768, e as ocupações britânicas em 1801 e 1807. O foco anglocêntrico é evidente. A família visita os locais habituais, é transportada em liteiras de rede, lancha com a Sr.ª Taylor, “uma antiga residente na Madeira, que generosamente partilhou connosco muitas informações úteis” (Id., Ibid., 56), e admira a paisagem e a vegetação. Há muito pouca informação sobre a população local e a cultura portuguesa, à exceção de aspetos pitorescos ou etnográficos; o leitor fica com a impressão de que a Ilha é praticamente uma colónia britânica, cuja principal função é dar conforto e entreter as classes privilegiadas das ilhas Britânicas. Helena Beatrice Richenda Saunders (1862-1947), a “ultramarina”, que mais tarde se casou com Charles Parham, escreveu The Contents of a Madeira Mail-bag, or, Island Etchings quando estava ainda na casa dos 20 anos; trata-se de um conjunto de cartas dirigidas a sua mãe, que se encontrava em Inglaterra, e que não se destinavam a ser publicadas, onde descreve a sua vida na Qt. das Flores com a tia. Algumas das suas experiências coincidem com as de Brassey, como o facto de o mesmo Sr. Cardwell lhes tratar da bagagem, apesar de nem ela nem a tia estarem hospedadas no hotel. Helena Parnham observa os homens que conduzem os carros de bois e transportam as liteiras, as mulheres nos seus trajes, as crianças semi-nuas, descreve a costureira, que treme de frio, comenta a meteorologia e a gastronomia (não aprecia a cozinha portuguesa) e os eventos sociais (não há referência a convidados portugueses), e conta à mãe que fica muito cansada depois dos banhos de mar, apesar de não haver indicações de que seja inválida. Receber uma carta de casa é para ela um evento importante, tal como é escrever à família a partilhar os conhecimentos recém-adquiridos, e.g., a lenda de Machim e o facto de Beresford ter vivido na Achada durante a ocupação. Mais tarde, Helena Parnham será uma conhecida botânica, sendo bastante provável que as suas experiências na Madeira tenham despertado o seu interesse pela flora e o mundo natural. O que é invulgar nela é a preocupação com a literatura: todas as suas cartas têm como epígrafe um verso, na sua maioria retirados de poemas de poetas ingleses eminentemente românticos – Southey, Hemans, Longfellow, entre outras figuras literárias a que se refere frequentemente. Além disso, ao contrário de outros escritores de viagens que temos vindo a mencionar, esforça-se por aprender português, tendo até ouvido falar de Camões; numa das suas cartas, refere-se mesmo à tradução de Mickle: “Leste ‘Os Lusíadas’ de Camões? Não me refiro ao original, visto que a obra é conhecida há um século em Inglaterra, graças à tradução em verso de Mickle. Tenho de a ler assim que tiver a oportunidade, visto que se trata do grande chef d’œuvre português, e descreve a descoberta do cabo da Boa Esperança, e de toda a costa de África” (PARHAM, 1885, 87). As flores da Madeira continuaram a exercer o seu fascínio sobre os visitantes ao longo do séc. XX. Ella Du Cane, que caiu nas graças da Rainha Vitoria, pintou aguarelas delicadas enquanto sua irmã Florence Du Cane escrevia o texto que preenche as páginas de The Flowers and Gardens of Madeira (1909). Florence cita Bowdich, Lyall, Yate Johnson e outros, refere-se a The Discovery of Madeira, escrito em 1750, menciona o dragoeiro, debate a origem de algumas plantas, discute design de jardins e fornece várias sugestões práticas de jardinagem. O livro também contém uma descrição histórica, com as habituais lendas e os costumeiros factos. Entre as mulheres que escreveram sobre a Ilha, contam-se ainda Jessie Edith Hutcheon e Elizabeth Nicholas. Há também, esporadicamente, publicações de especialstas, e.g. The Quintas of Madeira: Windows into the Past, uma obra de Marjorie Hoare sobre arquitetura, horticultura e história social.   Cultura literária A literatura nunca foi o foco da atenção dos visitantes britânicos da Madeira, que, na melhor das hipóteses, tinham um conhecimento rudimentar da língua portuguesa e aceitavam sem a questionar a tese estabelecida de que Portugal não possuía grandes escritores. Helena Parnham é a exceção à regra. Terence Macmahon Hughes – que compôs um poema à Madeira e sobre a Madeira, The Ocean Flower – comentou a poesia portuguesa apenas para a criticar. Os visitantes, quer por motivos de saúde, quer para fazer escala em viagens mais longas, mostravam-se bastante mais interessados na paisagem e na flora. Desde os finais do séc. XV que os Britânicos visitam a Madeira ou se instalam na Ilha, por uma multiplicidade de razões. A Ilha atraiu mercadores e comerciantes, indivíduos com olho para as possibilidades comerciais, primeiro do açúcar, depois do vinho, exportando o Madeira para Inglaterra e as suas colónias, e importando bens para vender aos ilhéus. Estes homens, por sua vez, precisavam de funcionários, e as mulheres deles de criados e de amas para os filhos; as famílias careciam de médicos e de padres, os inválidos e os visitantes de instalações médicas e hotéis, e foi assim que a elite expatriada e abastada se expandiu. Vale a pena perguntar se os Britânicos trataram a Madeira como trataram Portugal continental. Quando a Ilha se tornou estrategicamente importante para os Britânicos, estes não hesitaram em a ocupar, formalizando uma organização colonial que data do reinado de Carlos II. Este comportamento não será surpreendente quando recordamos a ocupação britânica de Portugal durante a Guerra Peninsular e o Ultimatum de 1890. Somos por isso tentados a questionar se as constantes alusões dos escritores de viagens a Robert Machim não serão uma forma subconsciente de legitimar as pretensões britânicas à Ilha. Com o tempo, a Madeira adquiriu o estatuto de “colecionável”. A “pérola do Atlântico” veio a ser estimada pelos Ingleses pelo seu calor benigno e pela beleza da sua flora e das suas paisagens. Era um objeto para admirar e tentar capturar, em texto e em imagem, através de desenhos, de aguarelas ou de fotografias. Tal como outros colecionáveis, podia ser transacionada, sucessivamente “vendida” às gerações de leitores que consumiam livros de viagens, para lhes satisfazer a curiosidade sobre terras distantes e exóticas e a forma de lá chegar. O atrativo da Madeira para os Britânicos talvez resultasse, em parte, da sensação de constituírem uma ilha dentro da Ilha, uma sociedade fechada dentro da qual não tinham de interagir grandemente com o outro – os católicos de pele escura –, num lugar onde os valores centrais da britanicidade podiam permanecer salvaguardados e intactos, mas num clima temperado. Ironicamente, além de divulgarem informações sobre o passado e o presente da Ilha, as obras discutidas tiveram o resultado acidental de construírem a história social dos ingleses na Madeira. Bibliog.: impressa: ADAMS, Joseph, The Superiority of the Climate of Madeira, Etc. An Account of Arrangements Made for the Treatment of Invalids on the Island, s.l., s.n., 1800; Id., Guide to the Island of Madeira. With An Account of Funchal, and Instructions to Those Who Resort thither for Their Health, London, T. N. Longman and O. 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