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clube funchalense

Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Menezes, apontam o Clube Funchalense, criado a 3 de dezembro de 1838, como um dos primeiros clubes do Funchal, tendo os seus estatutos sido aprovados em assembleia geral, ocorrida a 18 de dezembro de 1876, e novamente aprovados pelo governador civil, Francisco d’Alburquerque Mesquista e Castro, a 16 de fevereiro de 1877. Odília Pereira refere todavia que o Clube Funchalense teve dois estatutos ao longo da sua existência: os que foram aprovados em 1853 e os datados de 1876, sob a direção de Gregório Francisco Perestrello da Câmara, J. de Salles Caldeira, Francisco de Castro e Almeida, e Filipe Acciaiolli Ferraz de Noronha. A referida autora, adianta que os estatutos aprovados a 30 de março de 1853 tornam claro que o objetivo desta instituição era “promover, por todos os meios que se possa dispôr, a modesta convivência dos sócios, e de suas famílias: para mútua recreação, e progresso instrutivo” (PEREIRA, 1996, 33). De acordo com os autores do Elucidário Madeirense, a primeira sede do Clube foi uma residência situada na R. do Carmo, tendo sido depois transferida para a R. dos Ferreiros, espaço que ocupou até à sua extinção. Importa notar que este Clube era elistista: o alto comércio tinha admissão imediata e as figuras ilustres que visitavam a Madeira eram convidadas para os bailes e as soireés. Faziam parte do Clube pessoas do continente português e até mesmo estrangeiros. O Clube Funchalense admitia quatro tipos de sócios, a saber: o sócio proprietário, cuja quota rondava os 30$000 réis, acrescidos do pagamento mensal de 1$000 réis; o sócio subscritor residente no Funchal, que pagava a mensalidade de 1$500 réis; o sócio supranumerário que não residia no Funchal e pagava de mensalidade a quantia de 1$200 réis; e, por último, o sócio temporário, que estava sujeito a uma mensalidade de 2$400 réis. Estes pagamentos tinham de ser feitos até ao dia 10 de cada mês. A cada tipo de sócio estavam atribuídos direitos e deveres diferentes, já que os primeiros gozavam de privilégios mais alargados, nomeadamente o de propor candidatos, o de convocar a assembleia geral, o de analisar os livros de contas e o de apresentar uma senhora em cada baile. No entanto, havia um critério comum a todos, tal como consta do art. 7.º dos estatutos aprovados em 1876: só era admitida “pessoa decente, de boa educação e bons costumes, contanto que seja de maior idade ou emancipada” (Id., Ibid., 37). Na realidade, a adesão ao Clube superou a expetativa, como se pode constatar na nota publicada no periódico Chronica, a 18 de maio de 1839: “Este Estabelecimento merece cada vez mais a aprovação dos seus Proprietários e assinantes, e esperamos que continuará a receber o seu apoio para que progrida e melhore se ainda é suscetível de algum melhoramento”. O Clube Funchalense destacou-se nas áreas recreativas, com particular destaque para os jogos, os concertos e, sobretudo, os bailes, que acabaram por lhe dar protagonismo. Era no Carnaval e na Páscoa que se realizavam com maior frequência, embora se tenham encontrado referências a bailes de primavera e de Natal, e ainda a bailes mensais. A publicidade para estes eventos era feita através dos jormais locais. Em 1839, há notícia de um baile realizado a 6 de abril, seguido de um outro, no dia 15 de abril, e ainda de um baile de primavera, realizado a 16 de maio; o que confirma a regulariadade deste tipo de convívio. Um folheto publicado na revista Islenha, em 1857, dá conta da eleição de uma rainha do baile. Importa notar, tal como relembra Susana Caldeira, que o Clube tinha uma missão abrangente no seio da sociedade, já que parte das receitas dos espetáculos era canalizada para instituições, ficando assim demonstrado o carácter benemérito da associação e dos seus membros. No dia 5 de junho de 1839, e.g., foi realizado um baile de subscrição em favor do Asilo de Primeira Infância, tendo-se elogiado na impressa local esta louvavél iniciativa. De acordo com a autora anteriormente referida, os anos 40 mantiveram o glamour das festividades, mas trouxeram novidades, já que Ricardo Porfírio da Fonseca abdicou do cargo, tendo-se convocado os sócios para uma assembleia geral, que ocorreu a 3 de dezembro. Em consequência, a 23 de dezembro, são aprovados novos estatutos , assim como a mesa da assembleia geral e da direção para o ano de 1840. A presidência foi assumida por José da Fonseca e Gouveia, barão de Lordelo e administrador geral do distrito, a vice-presidência por Webster Gordon, e o secretário eleito foi Almeida e Azevedo. A estes juntaram-se Ricardo T. Eduardo Kollway, Oliveira, Júlio Fernandes, T. Burnett, V. de Brito, J. Castello Branco, Burder Taylor Sant’ Anna, Bean, António de Almeida, e Diogo Tellei. Durante os anos seguintes, a impressa local testemunha a ação do Clube Funchalense, dando notícia dos bailes que se vão realizando e dando conta do valor arrecadado pelas subscrições com vista à beneficiência. Todavia, em 1856,  o Clamor Público explica que o Clube enfrentava dificuldades, adiantando, no entanto, que uma nova direção tinha tomado posse e tinha promovido a renovação das salas do edifício. Na verdade, o morgado Diogo d’Ornelas de França Frazão toma as rédeas da instituição e sabe-se que o baile de Páscoa foi muito concorrido e animado. No que diz respeito ao edifício propriamente dito, foi possível apurar que o seu estado de degradação se foi acentuando com o passar dos anos, pelo que, em junho de 1867, foram levados a cabo trabalhos de manutenção e melhoramentos sob a direção de Pedro Júlio Vieira, ao qual a imprensa local tece os maiores elogios. Tendo por base os estatutos, sabe-se que existiam várias salas de reuniões, uma sala de leitura, salas de jogo, nomeadamente para bilhar, xadrez e outros. A sede funcionava todos os dias entre as 10 h e as 24 h, exceto nos dias de baile, em que encerrava mais tarde. Gradualmente, a frequência dos bailes foi diminuindo e durante o final de Oitocentos, as referências a estes convívios tornam-se cada vez mais escassas. Porém, e aquando da visita de Sua Majestade, a Imperatriz da Austria, e de Sua Alteza Real, o infante D. Luiz, a 17 de abril de 1861, o Clube promoveu um baile em sua honra. Surge ainda, em 1874, uma notícia acerca de um baile a favor do Asilo de Mendicidade e Orfãos, cuja receita atingiu 320$000 réis, situação que se repetiu a 17 de janeiro de 1877, tendo a imprensa local elogiado a “deslumbrante decoração da entrada e das salas onde domimavam as luzes e as flores” (Id., Ibid., 34).  O esforço de João de Freitas da Silva, tesoureiro do Clube, que teve a seu cargo a decoração das salas, por recuperar de tempos mais recuados o bom gosto em que os bailes primavam e a sociedade refinada que os frequentava, foi visível. Em meados do séc. XIX, alguns periódicos locais encheram-se de uma animada troca de críticas; acusavam-se alguns cavalheiros de jogar no Clube a dinheiro. Em 1899, há notícia de que se jogava à roleta todas as noites, enumerando-se os sócios que frequentavam o Clube assiduamente, entre eles: Joaquim Simões Cantante, juiz de Direito, Joaquim Augusto Machado, delegado do procurador régio, conde do Ribeiro Real, e José Maria Malheiro, administrador do concelho. Por volta de 1899, houve uma tentativa de dissolver o Clube Funchalense, tendo sido agendada uma reunião para o dia 18 de fevereiro com o objetivo de debater a questão. Apurou-se que a assembleia geral foi adiada para o dia 15 de junho. A intenção inicial de pôr termo ao Clube, manifestada por um grupo de 14 sócios, foi abandonada. No entanto, uma notícia saída a público no Diário de Notícias da Madeira a 5 de abril de 1901 dá conta de que o Grémio dos Bordados pretendia ocupar o espaço que tinha servido de sede ao Clube Funchalense, fazendo supor que o mesmo deixara de existir.   Cláudia Faria (atualizado a 30.12.2016)

Sociedade e Comunicação Social

centro de química da madeira

O Centro de Química da Madeira (CQM) foi criado em 2004, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Este projeto nasceu da vontade de um punhado de investigadores que aceitaram o desafio de criar, na Universidade da Madeira e para a Região, um centro de investigação de qualidade internacional nas áreas da química e da bioquímica. O CQM foi, desde a sua criação, o CQM auditado regularmente por painéis internacionais de avaliação, sendo os seus relatórios de atividades públicos e os resultados mensuráveis através de critérios internacionalmente aceites. Os órgãos de governo emanam da vontade dos investigadores que constituem o Centro, sendo o respetivo coordenador eleito por voto secreto dos seus membros seniores, e os resultados do domínio público. Para além disso, o Centro cumpre as regras de contratação pública e as leis em vigor. O financiamento do CQM, que tem sido obtido através de concursos altamente competitivos, provém, fundamentalmente, da FCT e de fundos europeus. Graças ao trabalho efetuado nas vertentes de investigação, desenvolvimento, inovação, formação de recursos humanos, e apoio e serviços às empresas, bem como na divulgação da ciência, o CQM é, no início do séc. XXI, uma referência para a Madeira e para o país. Tendo por base a experiência e o conhecimento do pequeno grupo de investigadores doutorados que estiveram na sua génese, o CQM cedo definiu como estratégia de desenvolvimento uma forte ligação às necessidades científicas e de formação da Região, procurando sempre, nas parcerias e na internacionalização, a janela de oportunidade para o reconhecimento e para a complementaridade do trabalho produzido. Assentando em dois grupos de investigação interdisciplinares: “Produtos Naturais” e “Materiais”, o CQM é o elemento central de promoção e dinamização da investigação, do desenvolvimento e da inovação em química e bioquímica na Região Autónoma da Madeira, desenvolvendo a sua atividade nas seguintes áreas: Química Analítica, Química Alimentar, Saúde, Materiais, Modelação Molecular, Nanoquímica e Fitoquímica. No final de 2014, o CQM era constituído por 57 investigadores, 15 dos quais eram doutorados; outros 15 investigadores tinham o mestrado, 11 eram estudantes de doutoramento e 14 estudantes de mestrado; do total, 22 % eram investigadores estrangeiros e 54 % do sexo feminino. De acordo com o estudo bibliométrico realizado pela FCT a todas as unidades de investigação nacionais, no período de 2008-2012, a produtividade do CQM foi uma das mais altas do país; além disso, nos critérios: número de citações por investigador a tempo inteiro (full-time equivalent researcher), impacto, e publicações mais citadas, o CQM destaca-se entre todos os centros de investigação portugueses. Nos seus primeiros 10 anos de existência, o CQM estabeleceu e fortaleceu parcerias, não só no espaço português e da Macaronésia, como na China, Índia e Brasil, destacando-se a constituição de protocolos ou colaborações com várias instituições científicas e laboratórios. Tendo por unidade de acolhimento o CQM, foi criada na Universidade da Madeira a primeira cátedra em Nanotecnologia do país. Em resultado deste projeto, a Universidade da Madeira assinou o primeiro protocolo com uma Universidade Chinesa (Universidade de Donghua – Xangai), começou a receber alunos chineses de doutoramento e mestrado para realizarem estágios no CQM, e os investigadores do CQM passaram a visitar regularmente a China para desenvolverem trabalho de investigação. Desta intensa atividade científica conjunta resultou a publicação de vários trabalhos em revistas de elevado fator de impacto, e ainda um aumento do número de alunos estrangeiros, quer no Mestrado em Nanoquímica e Nanomateriais, quer no Doutoramento em Química da Universidade da Madeira. A localização específica do Centro de Química da Madeira na Região é uma característica inerente de apresentação do próprio Centro. A investigação desenvolvida no CQM está, por isso, prioritariamente ligada à comunidade que integra. Desta forma, há uma forte relação entre o CQM e as entidades regionais, como o hospital, o governo e várias empresas locais. As atividades educativas, como o “Ciência Viva nas Férias”, “A Química é Divertida” e os “Estágios de Verão”, têm sido ao longo de vários anos um importante ponto de contacto com as escolas da região e com a população, a que se juntou em 2015 o projeto “Bridging the Gap”. As atividades do CQM permitiram a formação de vários jovens investigadores madeirenses, tendo muitos deles permanecido a trabalhar em empresas da Região. As atividades de investigação e de inovação, além da participação em projetos internacionais, contribuíram para colocar a Madeira e o Porto Santo numa posição de destaque, seja pela divulgação e valorização dos produtos da região, seja pela atração de investigadores e estudantes internacionais, seja ainda pela obtenção de fundos nacionais e internacionais que fomentam a economia regional. No que concerne à internacionalização, o Centro de Química da Madeira tem procurado a excelência e o profissionalismo em todos os domínios da sua atuação, captando conhecimento externo e dinamizando atividades que levam ao enriquecimento dos seus investigadores. O estabelecimento de protocolos e intercâmbios com diferentes universidades – como a Universidade de Nova Delhi (Índia) e a já referida Universidade de Donghua (China) –, a existência da Cátedra em Nanotecnologia, a visita frequente de conferencistas e professores estrangeiros (com a consequente troca de experiências com os investigadores do Centro), a captação de estudantes e investigadores de outros países, e a possibilidade de o Centro oferecer condições para que os investigadores nacionais tenham experiências noutros países e conheçam outra realidade, são pontos fortes que apoiam a contínua internacionalização do trabalho realizado no CQM. A possibilidade de desenvolver colaborações cada vez mais estreitas com entidades internacionais enriquece e revitaliza a investigação no Centro, permitindo aconselhamento científico externo, e fazendo com que a oferta formativa que o CQM disponibiliza seja mais abrangente e a investigação mais competitiva. Após os primeiros 10 anos de existência e passada a fase da criação, o CQM foi colocado perante o desafio de crescer e se sustentar, reforçando o forte compromisso social através da investigação e dos programas educacionais, aumentando a massa crítica do Centro com um maior número de investigadores seniores, dando continuidade ao programa de internacionalização com colaborações capazes de exponenciar o impacto do CQM. No domínio educacional, o objetivo é garantir um ambiente inovador, preparando os estudantes para se tornarem investigadores e empreendedores de excelência, proporcionando-lhes as melhores condições para poderem ter sucesso no mundo empresarial e académico. Ao nível da investigação, o plano estratégico do CQM para o período de consolidação assentou no desenvolvimento de novas abordagens analíticas para aplicação no ramo alimentar e no controlo de qualidade, na identificação precoce de biomarcadores característicos de diferentes doenças, na identificação de compostos moleculares com potencial atividade biológica, no desenvolvimento de novos nanomateriais e sensores para aplicações biomédicas, com especial relevo para as doenças emergentes e para as doenças ressurgentes (malária e dengue). O Centro de Química da Madeira tem a missão de servir a comunidade investigando, desenvolvendo a Região e o país, formando e criando emprego para o mundo e, por isso mesmo, o conhecimento acumulado no CQM destina-se a todos e encontra-se ao serviço de todos.   João Rodrigues (atualizado a 29.12.2016)

Física, Química e Engenharia Educação

exílio

“Exílio” (lat. exilium) significa banimento, desterro ou degredo, sendo o estado de ter sido expulso e estar longe da própria casa, cidade ou nação, podendo assim ser definido também como a expatriação, voluntária ou forçada, de um indivíduo. Alguns autores utilizam o termo “exilado” no sentido de refugiado, embora esta última situação se enquadre somente no quadro de autoexílio ou exílio voluntário, como aconteceu na Madeira no período do absolutismo miguelista. No contexto da Madeira, a situação de exílio, ao contrário da situação de asilo, que pressupõe a ida de elementos nessa situação para a Ilha, aponta para a expulsão de elementos madeirenses da sua casa ou da sua terra. Além de pessoas, pode haver também governos em exílio, como o do Tibete face à invasão do seu território pela China, ou mesmo nações em exílio, como foi o caso dos judeus, exilados na Babilónia no séc. IV a.C. e, depois, após a destruição de Jerusalém, noutros locais, no que ficou conhecido como diáspora. Tal foi também, entre 1078 e 1375, o caso da Arménia, que, depois da invasão do seu território por tribos seljúcidas, se exilou na baixa da Anatólia, na posterior Turquia, formando um novo reino. O termo não tem sido extensivo à deslocação da corte portuguesa para o Estado do Brasil, até então vice-reino, por se entender que se manteve em território nacional. Tal território foi inclusivamente elevado a reino, passando D. João VI, a partir de 16 de dezembro de 1815, a intitular-se Rei de Portugal, Brasil e Algarves, reino que, a partir de 13 de maio do ano seguinte, passou a ter armas próprias. Alguns indivíduos, sentindo-se ameaçados ou vítimas de perseguição política, racial ou religiosa, podem igualmente procurar exílio por iniciativa própria em outros locais ou países, sem que tenha havido qualquer ato legal ou jurídico para tal. Costuma chamar-se a essa atitude autoexílio ou exílio voluntário, embora essa posição seja, na generalidade, desvalorizada pelas autoridades no poder por não configurar um exílio imposto, ou seja, oficial, não sendo assim facilmente detetada na documentação. Somente em meados do séc. XVIII se pode escrever concretamente sobre situações de exílio na Madeira, pois que até então não havia uma concreta consciencialização política que permitisse equacionar tais casos. Porém, já nessa altura ocorreram inúmeras situações de degredo, mas por processos judiciais e não políticos ou religiosos, como na contemporaneidade. Ao analisarmos, e.g., a documentação da Inquisição, constatamos que, nos finais do séc. XVI, terá havido uma forte corrente de autoexílio por parte da comunidade de cristãos-novos madeirenses, quer para Amesterdão, quer para o Brasil. Tal não se terá devido a motivos especificamente religiosos, mas ao medo de futuras denúncias relativas à sua situação, pelo que, instalando-se na Holanda, logicamente acabariam por professar o judaísmo. A ilha da Madeira foi visitada, nos finais do séc. XVI, entre 1591 e 1592, pelo inquisidor Jerónimo Teixeira Cabral (c. 1550-1614), que, entre 1600 e 1614, foi bispo de Angra, tendo sido denunciadas quase 200 pessoas e organizados quase 100 processos, na base dos quais se viria a organizar depois o “Rol dos Judeus e seus Descendentes”. Em 1618, voltou a haver nova visitação, então a cargo de Francisco Cardoso de Torneo, deputado do Tribunal de Coimbra, que terá ficado surpreendido com a escassez de denúncias por judaísmo na Madeira. Assim, a 23 de outubro de 1623, foi à Inquisição de Lisboa Francisco Gomes Simões, cristão-velho, piloto de nau e morador na Madeira, para informar que, tendo partido da Madeira para a Flandres cerca de 5 anos antes, vira ali muitos portugueses fugidos do reino, que lá viviam como judeus. Francisco Simões denuncia cerca de uma dezena de pessoas, entre as quais três que tinham vivido na Madeira: “porquanto ele denunciante partindo das ilhas para a dita cidade de Amesterdão, o senhor Francisco Cardoso, inquisidor, que então visitava as ditas ilhas, lhe encomendou que fizesse na dita cidade diligências sobre as pessoas de nação que para ali eram fugidas, de que ele, denunciante, as fez muito largas e lhas mandou das ditas ilhas” (ANTT, Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor, n.º 202, fl. 301). O autoexílio em questão dos três cristãos-novos detetado nos inícios do séc. XVII era, assim, perfeitamente residual, o mesmo se passando nos dois séculos seguintes, ainda que existissem sempre informações pontuais sobre o autoexílio da chamada gente de nação. Nos meados do séc. XVIII, com a centralização do poder régio e a ação do Gov. João António de Sá Pereira (1719-1804) (Pereira, João António de Sá), existem casos de exílio por razões políticas, embora à data não fossem naturalmente assim apresentados. O referido governador, e.g., mandou prender e degredar para o norte da Ilha o P.e João José Bettencourt de Sá Machado (1707-1781), que, embora mulato e filho de uma escrava, frequentara a Universidade de Coimbra, fazendo-se inclusivamente acompanhar de um criado branco. O padre afrontara, em várias reuniões, as despóticas diretivas do governador, alvitrando que, como capitão-general, a sua ação se deveria restringir à organização militar e pouco mais. Estas opiniões valeram-lhe o desterro do Funchal, não se cansando o governador de repetir que o “soberbo, arrogante e dissoluto clérigo”, “pardo por nascimento, como filho que é de uma preta”, afrontava as suas ordens (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 4804 e 4805). O clérigo em causa era meio tio-avô de Guiomar Madalena de Vilhena (1705-1786), levando a família a intervir a seu favor na corte de Lisboa. O Gov. João António de Sá Pereira tomou idêntica atitude com o Cón. Pedro Nicolau Acciauoli e com o Cón. António Acciauoli, assim como com o P.e Luís Spínola, todos enviados para Lisboa sob escolta do sargento-mor, o que levou o intendente Pina Manique (1733-1805) a investigar a atitude do governador, ouvindo o sargento-mor a esse respeito. O clero madeirense nem sempre se pautou pela contenção devida ao seu ministério. Note-se, e.g., que, tendo-se reformado o P.e António Maria do Sacramento, capelão da infantaria de guarnição da Madeira, propôs-se a nomeação do P.e Francisco José da Silva. No entanto, como expôs para Lisboa o Gov. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (1726-1798) (Coutinho, D. Diogo Pereira Forjaz), “algum tempo depois da expedição desta proposta, ele se ausentou fugitivamente desta ilha, por se lhe imputar o crime de esperar traiçoeiramente um homem” e o tentar assassinar à espadeirada (ABM, Governo Civil, liv. 519, fls. 141v.-142). O padre, entretanto, não voltou à Madeira, acabando o governador por ter de apresentar outro para o lugar. O referido exílio do P.e Bettencourt de Sá Machado para o norte da Ilha não foi caso único. Na complexa situação da ocupação inglesa de 1801 a 1802, o Gov. José Manuel da Câmara (c. 1760-c. 1825), em 1803, chegou a exilar o bispo D. Luís Rodrigues de Vilares (c. 1740-1810) para o Santo da Serra. O bispo teria tido reuniões secretas com o cônsul inglês e com outros elementos dados como maçons, pelo que, em junho de 1803, o governador comunicou tal situação para Lisboa, fixando-lhe residência no Santo da Serra e proibindo-o de entrar no Funchal. A decisão foi revogada pelo Governo de Lisboa num curto prazo de meses, a 22 de agosto, mas a situação de conflito entre as duas autoridades não deixou de piorar, pelo que acabaram por ser obrigados a regressar a Lisboa em navios separados. Na Madeira, a situação complicou-se nos finais do séc. XVIII com a verdadeira guerra levada a efeito pelo bispo do Funchal, D. José da Costa Torres (1741-1813), contra as lojas maçónicas (Maçonaria). O bispo arvorou-se em defensor dos interesses da Coroa e do Estado, posição que, prudentemente, não quis assumir o Gov. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, perseguindo o prelado, feroz e primariamente, os elementos que entendia ligados à Maçonaria. O bispo perseguiu a tal ponto os presumíveis maçons do Funchal, em princípio com o tácito acordo do governador e até com ordens emanadas de Lisboa, que famílias inteiras tiveram de abandonar a Madeira. D. José da Costa Torres exorbitou, assim, a tal ponto as ordens recebidas, que o próprio Governo central teve que intervir nos excessos praticados pelo prelado, ordenando-lhe que soltasse grande parte dos acusados e “recomendando-lhe a maior moderação no castigo dos delinquentes” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 918). A perseguição envolveu civis, militares e eclesiásticos, citando-se em documento oficial que, inclusivamente, “demitira, suspendera e prendera, por castigo alguns eclesiásticos” (SILVA e MENESES, 1998, I, 326), pelo que, tendo já sido transferido para Elvas, foi violentamente levado da sua residência privada, então na Penha de França, para o embarcarem para o continente. A memória das lojas maçónicas madeirenses manter-se-ia na corte de Lisboa. Dissolvidas as Cortes, derrogada a Constituição de 1822 e restabelecido o Governo absoluto em julho de 1823, a Madeira era de novo assolada por uma alçada. Em causa estavam as questões das lojas maçónicas, dos vagos mas emergentes partidos políticos (Partidos políticos) e das ligações às ideias liberais, tudo indiciando que os madeirenses queriam subtrair-se à Coroa portuguesa e ligar-se à Inglaterra. Num breve espaço de tempo, havia mais de uma centena de presos, embora só viesse a ser condenada uma dezena deles. De qualquer forma, eram muitos os indiciados e vários saíram da Madeira. A Ilha veio, assim, a ser desapropriada de muitos dos seus principais quadros, entre morgados, funcionários públicos, cónegos e vigários, escritores, militares de todas as patentes, etc. Tal alçada não seria, infelizmente, a última, pois, com a tomada de poder pelo infante D. Miguel (1802-1866), em 1828, e conquistada a Ilha pelas forças absolutistas, nova alçada era enviada à Madeira, levando à prisão quase duas mil pessoas acusadas de “malhados” e maçons. Num curto espaço de tempo, a Ilha perdia, de novo, exilados para Cabo Verde (Cabo Verde), Angola e Moçambique, parte dos seus principais quadros sociais e económicos, militares, administrativos e religiosos. Muitos deles não voltariam à Madeira, optando por ficar em Londres e, depois, no continente, havendo uma parte que optou por emigrar para o Brasil. Ao longo dos sécs. XIX e XX, a Madeira foi um dos principais locais de exílio das várias revoltas políticas ocorridas no continente. Na sequência, e.g., da Revolta de Torres Vedras, a 4 de fevereiro de 1844, foram enviados para a Madeira 23 dos insurgentes, entre advogados, eclesiásticos e militares. Os primeiros deram entrada na fortaleza do Ilhéu a 20 de abril, e os seguintes na do Pico, mas todos vieram a ser colocados em liberdade após o malogro da Revolta. Também ao Funchal chegavam, a 8 de maio de 1919, os prisioneiros políticos da Revolta de Monsanto, a bordo do vapor África, da Empresa Nacional de Navegação, o qual fora arvorado em transporte de guerra. Os deportados monárquicos, em número de 289, foram acompanhados de uma força da Marinha, desembarcando três dias depois e sendo instalados no Lazareto de Gonçalo Aires. Não obstante as precauções, no dia 3 de junho deu-se pelo desaparecimento de oito prisioneiros, sabendo-se depois que tinham chegado a Las Palmas, na lancha rápida Glafiberta, pertencente ao sportsman Humberto dos Passos Freitas (1893-1926) (Freitas, Humberto dos Passos), que preparara a evasão. A situação mais complicada veio a ocorrer com a Revolta do Porto, de 1927, na sequência da qual uma série de militares foi para a Madeira. Embora deportados, estes gozavam de uma certa liberdade de movimentos e de contactos, podendo alguns estar por detrás do movimento popular conhecido como Revolta das Farinhas, entre 4 e 9 de fevereiro de 1931 (Revolta das Farinhas). A ditadura destacou então para a Madeira uma força especial, sendo os oficiais subalternos da mesma quem desencadeou, a 4 de abril de 1931, a chamada Revolta da Madeira (Revolta da Madeira). Na sequência deste acontecimento, constituiu-se um Governo autónomo com os principais militares deportados na Ilha, mas também civis, como Manuel Gregório Pestana Júnior (1886-1969), que fora ministro das Finanças do Governo de José Domingos dos Santos (1885-1958), nos finais de 1924 e inícios de 1925. A ditadura responderia um mês depois, quase com todas as forças disponíveis no continente, inclusivamente hidroaviões, recuperando a situação, tendo então os principais revoltosos sido deportados para Cabo Verde e Moçambique. O Ten. Manuel Ferreira Camões (1898-1968) e o Ten. Manuel Silvio Pelico de Oliveira Neto (c. 1888-1953) haviam de se radicar na ilha de S. Nicolau, em Cabo Verde, lugar onde continuaram a ser recordados (Cabo Verde). Deportados da Revolta da Madeira em Cabo Verde. 1932. Arquivo Rui Carita Pela Madeira tinham, entretanto, passado exilados internacionais de grande destaque, como, em 1921, o ex-Imperador da Áustria, posteriormente designado por beato Carlos de Habsburgo (1887-1922), acompanhado da família. Depois de breves dias na Vila Vitória, anexa ao Reid’s Palace Hotel, instalou-se na Qt. do Monte (Quinta do Monte), onde viria a falecer de pneumonia dupla a 1 de abril de 1922, sendo os seus restos depositados na igreja de N.ª Sr.ª do Monte, onde permaneceram. Estaria também alguns dias no Reid’s Palace Hotel, nos finais de 1959, o Gen. Fulgêncio Batista (1901-1973), que havia sido derrotado pela Revolução Cubana em janeiro desse ano. Mais tarde, o Funchal ainda seria local de exílio dos principais governantes portugueses afastados com o pronunciamento militar de 25 de abril de 1974: o ex-Presidente da República Américo de Deus Rodrigues dos Reis Thomaz (1894-1987), o ex-presidente do Conselho José das Neves Alves Marcello Caetano (1906-1980) e os ex-ministros Joaquim Moreira da Silva Cunha (1920-2014) e César Moreira Baptista (1915-1982).   Marcello Caetano e Américo Thomaz na Madeira. Comércio do Funchal.01.05.1974. Arquivo Rui Carita   Declaração de Entrega dos Ex-membros do Governo. 26.05.1974. Arquivo Rui Carita           Rui Carita (atualizado a 03.01.2017)

Madeira Global

união, clube de futebol

A associação de recreio União Foot-Ball Club nasce em 1913 com o objetivo de promover os exercícios desportivos, náuticos e terrestres. Todavia, a vertente náutica deste clube, fortemente contemplada nos estatutos a que tivemos acesso, quer por fixar o registo das embarcações e material adquirido, quer pelas provas e concursos desportivos a desenvolver, não se viria a materializar. O União Foot-Ball Club, cuja nomenclatura deixava clara a intenção maior da sua origem, surge, à semelhança de inúmeros clubes da época, na R. de Santa Maria, no Funchal, fruto de uma contenda entre membros que integravam a equipa do Grupo União Marítimo, uma equipa de infantis constituída por jovens residentes junto ao campo D. Carlos, rapidamente batizado, com a República, campo Almirante Reis, em homenagem ao mártir Carlos Cândido Reis (1852-1910). Era uma equipa associada ao Marítimo até ter existido uma discussão em torno da compra, sem autorização, de duas balizas que haviam custado 2$70 e que eram pertencentes ao entretanto extinto Clube Operário Madeirense. Dessa discussão resultou a separação da equipa, tendo César da Silva levado para sua casa a primeira sede do União Foot-Ball Club, a 1 de novembro de 1913, coadjuvado por Ângelo Olim Marote, Luís Vieira Guerra, João Fernandes Rosa,  Alexandre de Vasconcelos,  José Anastácio do Nascimento  e  João Ferreira. O logótipo do União é aquele de que mais versões se conhecem. Muito semelhantes entre si, mantém-se o azul e o amarelo, listado, cores que mais tarde seriam escolhidas para representar a Região. O símbolo em forma de escudo com listas azuis e amarelas é rasgado por uma faixa branca com as iniciais do clube “U.F.C.”, mais tarde “C.F.U.”, tendo no cimo o capacete de Hermes, deus da fertilidade na mitologia grega. Nos primeiros anos do futebol na Madeira, sentiu-se a necessidade de contribuir para que a modalidade seguisse por um caminho de prestígio e de seriedade. Nesse âmbito, do União e do Insulano – grupo desportivo, inaugurado oficialmente a 4 de junho de 1916, que terá um papel muito importante no futebol da Madeira, uma vez que será, entre outros, o responsável pela redação dos primeiros estatutos da Associação de Futebol do Funchal, anos mais tarde denominada de Associação de Futebol da Madeira – partia a iniciativa de reunir as direções dos vários clubes, na sede do segundo, à R. da Queimada de Baixo, também no Funchal. O objetivo central seria a fundação de uma liga desportiva, o único meio de se acabar com as rivalidades que tanto prejudicavam o desporto madeirense. A proposta em discussão seria constituir na cidade uma liga entre clubes, destinando-se, inicialmente, a acordar entre todos os grupos, clubes ou associações desportivas um projeto de estatutos de uma associação, ao exemplo do que acontecia em Lisboa. Assim, em 1916, nascia a Associação de Futebol do Funchal (AFF), tendo sido organizado nesse mesmo ano o primeiro campeonato de futebol da Madeira. Nem oito dias depois da publicação, nos periódicos da época, do que é ser um bom futebolista, o jogo entre o União e o Marítimo, com vitória do primeiro sobre o segundo, acabava envolto em polémica. O jogo é anulado pela AFF com o intuito de ser repetido, mas o União não aceita a decisão, recorrendo junto deste órgão, que, pela pressão de não conseguir resolver o conflito, acabará por ficar inativo dois anos após a sua criação, e por dois anos, não havendo, por isso, competições oficiais em 1919 e 1920. A Associação ressuscita e, na época  1920/1921, a competição regressa, com a disputa do 3.º Campeonato da Madeira, acabando com a vitória do  União.  A partir da época 1921/1922, começa a realizar-se o  Campeonato de Portugal, mas o representante madeirense apenas entrará na competição na época seguinte. O União alcança esse feito na época 1927/1928, defrontando e quase vencendo o Sport Lisboa e Benfica. O União vivia muito para as atividades de lazer, para as excursões com jogos à volta da Ilha, mas também para causas solidárias. Na rubrica “Vida Sportiva” do Diário da Madeira de 4 de julho de 1915, anunciava-se que o União iria, em excursão, a Santa Cruz, acrescentando que “registamos sempre com prazer excursões desta natureza em que a nossa mocidade abandonando a vida ociosa da cidade vai retemperar o seu físico em exercícios proveitosos”(DM, 4 jul. 1915, 1). Outras notícias de 1917 davam conta de que o Club Sports Madeira e o União faziam reverter as entradas do jogo disputado entre ambos em benefício da viúva de António Fernandes, antigo jogador do Marítimo, provando, uma vez mais, que a solidariedade e a preocupação social não distinguem cores nem se alimentam de clubismos, realidade corroborada pelo sucedido no jogo noticiado pelo Diário da Madeira, na antevéspera do Natal de 1917, revelando que num jogo entre o Marítimo e uma equipa mista a verba angariada seria entregue a um fundador do União que à data se encontrava doente e em precárias circunstâncias. Na déc. de 40, o clube entra em crises sucessivas. A modalidade-rainha, o futebol, já não conseguia fazer ignorar os problemas internos. Em julho de 1945, o Diário de Notícias anunciava que o delegado da Direção-Geral dos Desportos havia dissolvido a direção do União, à exceção do presidente, após os desacatos entre jogadores e a direção, na final da Taça da Madeira. Depois de resolvido o conflito, o União vai entrar numa era de grande atividade desportiva, em muito devido ao mestre Medina, jogador que fez furor na déc. de 50 e que, através do hino, o União imortalizou. De facto, as décs. de 50 e 60 representaram as décadas de maior sucesso do clube. A nível regional, o União venceu, por sete vezes consecutivas, o Campeonato da Madeira, entre a época desportiva 1955/1956 e 1962/1963. Tomando presença na luta nacional contra o analfabetismo, o União dispõe, em 1954, de cursos de instrução primária na sua sede para os seus atletas, desde os infantis até à equipa de honra. O clube promove ainda, e sempre que possível, palestras e ações de formação, nomeadamente conferências técnicas e sociais destinadas aos árbitros. Com a autonomia política administrativa da Madeira, assiste-se à passagem de um desporto elitista para um desporto massificado. A ascensão do clube aos nacionais de futebol ocorreu na temporada 1979/1980, com o clube a entrar na III Divisão Nacional. Após duas épocas, sobe à II Divisão Nacional. Mas será na época de 1988/1989 que se viverá o momento mais alto da história do União, então liderado por Jaime Ramos e treinado por Rui Mâncio. Após vencer a Zona Sul da II Divisão Nacional, disputa a sua primeira época nos mais importantes palcos nacionais na época 1989/1990, juntando-se ao Marítimo e ao Nacional. Ficará no escalão máximo do campeonato nacional de futebol durante duas épocas até descer à  II Divisão de Honra, em  1991/1992. No entanto, volta a subir na época seguinte, igualando a melhor classificação obtida, em  1993/1994, na época em que regressa ao Campeonato Nacional da I Divisão, abandonando-a logo na época seguinte. Na época de 1998/1999, com o advento da Sociedade Anónima Desportiva (SAD), o clube cai na  II Divisão Zona Sul, conseguindo em 2001/2002 vencer a Zona Sul e regressar à II Liga. No entanto, os sucessivos sobe-e-desce teimam em repetir-se, ficando em último lugar, indo competir novamente na Zona Sul da II Divisão B. A estrutura da  competição onde o União está inserido muda no final de  2004/2005, passando a ter acesso às competições profissionais apenas dois clubes de um conjunto de quatro séries com 16 equipas. O União é colocado na Série B, conseguindo na primeira época o segundo lugar, tendo ganho a Série na época  2006/2007, contudo falha a qualificação ao perder com o Freamunde. O União consegue subir de divisão, garantindo lugar na Liga de Honra, após dois anos consecutivos a perder no play-off. Em 2011/2012, integrou a II Liga, lugar que ocupa até à época 2014/2015. Ao longo de 100 anos de existência, e apesar de se ter dedicado ao futebol, o União brilhou em outras modalidades importantes, como o andebol, o voleibol, o hóquei em patins, a esgrima, o basquetebol e o râguebi, modalidade introduzida na Madeira pelo clube, movimentando, na temporada de 2005/2006, cerca de 310 atletas federados e conquistando vários prémios, entre os quais a medalha de bons serviços desportivos, a medalha de prata do Instituto de Socorros a Náufragos e a medalha de ouro da Cidade do Funchal. Garantiu, ainda, 1 presença no Campeonato de Portugal (1927/1928), 6 presenças na I Liga (1989/1990, 1990/1991, 1991/1992, 1993/1994, 1994/1995 e 2015/2016), 5 presenças na Liga de Honra (1992/1993, 1995/1996, 1996/1997, 1997/1998 e 1998/1999), 6 presenças no Campeonato Nacional da II Liga (2002/2003, 2003/2004, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014 e 2014/2015), 2 presenças na III Divisão Nacional, 37 presenças na taça de Portugal, 62 presenças e 17 títulos no Campeonato da Madeira, 59 presenças e 15 títulos na taça da Madeira, 8 títulos na taça Cidade do Funchal e 3 títulos na taça de Honra e no torneio Autonomia.     Andreia Micaela Nascimento (atualizado a 04.01.2017)

Sociedade e Comunicação Social

buch, christian leopold von

Christian Leopold von Buch, filho de Adolf Friedrich von Buch II, barão de Gehmersdorf, e de Charlotte von Arnien-Suckow, nasceu em Stolpe an der Order, Brandenburg, Prússia (1774), e faleceu em Berlim (1853). Foi um proeminente geólogo e paleontólogo e dedicou-se ao estudo do vulcanismo, dos fósseis e da definição do sistema jurássico. Fez a escola secundária em Freiberg, Saxónia, e frequentou as universidades de Halle e Göttingen. Foi considerado por Humbolt o melhor geólogo do seu tempo e, em 1842, recebeu a medalha Wollaston, o mais importante prémio concedido pela Sociedade de Geologia de Londres. No campo da mineralogia, conta-se a sua obra Versuch einer Mineralogischen Beschreibung von Landeck (Breslau, 1797), traduzida para francês (1805) e inglês (1810), seguida dos estudos sobre a Silésia, Entwurf einer Geognostischen Beschreibung von Schlesien (1802). A observação da erupção vulcânica do Vesúvio, em 1805, feita com Humboldt e Gay Lussac, permitiu-lhe corrigir interpretações erróneas sobre o vulcanismo. O resultado das suas viagens geológicas originou a obra Geognostische Beobachtungen auf Reisen durch Deutschland und Italien (Berlin, 1802-09). Na Escandinávia, pôde obter os dados que lhe permitiram publicar Reise durch Norwegen und Lappland (Berlin, 1810). Em 1815, na companhia do botânico norueguês Christian Smith, visitou as ilhas Canárias, cuja origem vulcânica constituiu o ponto de partida para o estudo da sua atividade sísmica, atestada na obra Physicalische Beschreibung der Canarischen (Berlin, 1825), na qual manifesta a convicção de que estas e outras ilhas atlânticas estiveram na base de um continente pré-existente. Nesta viagem, de Londres às Canárias, teve oportunidade de visitar a Madeira em abril de 1811, na companhia de outro norueguês, Chetien Smith, e descreve o deslumbramento sentido perante a vegetação desconhecida que contemplava: “après une heureuse traversée, nous mîmes pied à terre le 21 avril à Funchal dans l’île de Madère. Nous restâmes douze jours sur cette île fortunée, occupés à faire de petites courses sur les montagnes et à étudier, en tant que pût le permettre la pluie qui tomba continuellement pendant notre séjour, la végétation nouvelle, et pour nous inconnue, qui se développait sous nos yeux [após uma travessia sem incidentes, pusemos pé em terra a 21 de abril, no Funchal, ilha da Madeira. Permanecemos 12 dias nesta ilha afortunada, fazendo pequenas excursões pelas montanhas e estudando, tanto quanto nos permitiu a chuva, que não parou de cair durante toda a nossa estadia, a vegetação nova, para nós desconhecida, que se apresentava diante dos nossos olhos]” (BUCH, 1836, 1). Nesta obra, insere a lista de plantas da Madeira, organizada pelo botânico britânico Robert Brown, resultante da sua visita à Ilha em 1802. Segundo o Elucidário Madeirense, “é de Robert Brown, e não de Leopold von Buch, o trabalho intitulado Vermzeichniss der auf Madeira Wiedwachsenden Pflanzen, que quase todos atribuem a este último autor, por razão de ter sido incluído na obra que publicou, em 1825, sob o título de Physicalische Beschreibung de Canarishen Inseln” (SILVA e MENESES, 1978, I, 341).   Obras de Christian Leopold von Buch: Versuch einer Mineralogischen Beschreibung von Landeck, 1797; Entwurf einer Geognostischen Beschreibung von Schlesien, 1802; Geognostische Beobachtungen auf Reisen durch Deutschland und Italien, 1802-09; Reise durch Norwegen und Lappland, 1810; Psysicalische Beschreibung der Canarischen, 1825; Physicalische Beschreibung de Canarishen Inseln, 1825; Îles Canaries (1836); Narrative of an Expedition to Explore the River Zaire, usually, Called the Congo, in South Africa in 1816, under the direction of Captain J. K. Tuckey (coautoria) (1818).     António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.10.2016)  

Biologia Terrestre Madeira Global Geologia

brasões de armas

A descrição e o estudo dos brasões de armas ou escudos encontra-se a cargo da heráldica, ciência muito complexa e com uma linguagem que escapa à maioria das pessoas não iniciadas nesse tipo de estudos. As origens da heráldica remontam aos tempos da Idade Média, em que era imperativo distinguir os participantes nas batalhas e nos torneios, pelo que havia a necessidade de utilizar bandeiras ou estandartes (Bandeiras) reconhecíveis a uma certa distância e, depois, de recorrer a outros elementos facilmente reconhecíveis a menor distância. A diferenciação era definida pelo soberano através da atribuição de determinadas cores e de outros elementos identificativos a serem pintados nos escudos dos seus principais servidores. A complexidade progressiva da corte portuguesa, entre os finais do séc. XV e os inícios do XVI, levou à nomeação de um rei de armas, que tinha por função organizar o arquivo dos brasões atribuídos e equacionar os novos, a atribuir, propondo quem os deveria possuir, juntamente com as cores e as peças que deveriam figurar nos respetivos escudos. Os primeiros brasões consistiam essencialmente numa cor, depois definida como sendo um esmalte ou um metal, este último quando se tratava de ouro ou de prata. Quase ao mesmo tempo, foi colocado sobre esse fundo, que em heráldica se designa campo, um animal ou uma parte do mesmo ou até outra figuração, nomeada peça e identificativa da personalidade em questão ou da família. Este elemento, ou um outro, era ainda geralmente colocado sobre o elmo, constituindo o chamado timbre. Acresce que, para os torneios medievais e outros exercícios militares, as cores utilizadas nos esmaltes e nos metais eram ainda aplicadas nas vestes, definindo-se também assim, heraldicamente, o paquife, herdeiro dos antigos mantos vestidos pelos cavaleiros, e o virol, formado por um entrelaçado, em princípio, feito com os mesmos tecidos, com uma das cores do esmalte do escudo e com uma outra de um dos metais, e colocado sobre o elmo, lembrando o torçal que defendia o cavaleiro dos golpes de espada. Portanto, os elementos definidores dos brasões de armas iniciais foram: o escudo, o paquife e o virol, e o timbre. Progressivamente, anexaram-se inúmeros outros, como os tenentes ou suportes do escudo, os coronéis de nobreza, por vezes, impropriamente designados por coroas (só se devem assim nomear quando reais), os listéis com motes, divisas, lemas e gritos de guerra, terrados, etc. A passagem de toda esta linguagem e figuração para a Madeira não foi direta. Com efeito, o aparente isolamento da sociedade insular propiciou, senão algumas inovações, pelo menos alguns abusos. Num contexto geral, o primeiro degrau de nobreza era constituído pelos escudeiros, como o nome indica, aqueles que levavam os escudos dos cavaleiros, sendo recrutados entre os pajens e tendo, na Idade Média, entre 7 a 14 anos. Conforme o seu desempenho e, inclusivamente, a sua posterior prestação em combate, ao atingir a idade adulta, entre os 18 e os 20 anos, podiam ser armados cavaleiros, ascendendo assim ao degrau de nobilitação seguinte. Sendo alguns escudeiros de origem fidalga, porventura, teriam já direito a possuir um brasão de armas próprias. Aqueles que eram armados cavaleiros, em princípio e num futuro mais ou menos próximo, seriam dotados com brasão de armas. Caso o cavaleiro tivesse o pai ainda vivo, e porque o brasão de armas era pessoal, este seria acrescido de uma brica ou diferença, geralmente colocada no cantão direito do chefe, ou seja, no canto superior direito do portador, dado a leitura de um brasão ser feita na perspetiva do utilizar e não do observador. A organização do povoamento da Madeira, até aos meados do séc. XV, inviabilizou um pouco esta organização, que era a que vigorava no continente do reino. João Gonçalves Zarco (c. 1395-c. 1471), p. ex., embora tenha sido armado cavaleiro, em princípio em Ceuta, antes de ser enviado na missão de que resultou o descobrimento da Madeira, só veio a ser agraciado com brasão de armas a 4 de julho de 1460. Tanto quanto se sabe, nem ele nem o filho João Gonçalves da Câmara (1414-1501) parecem ter utilizado o respetivo brasão de armas, pois estes não constam nas lápides sepulcrais de ambos, na capela-mor da igreja de S.ta Clara do Funchal. Em 1452, o primeiro capitão do Funchal terá solicitado, a D. Afonso V, quatro pequenos fidalgos para casarem com as suas filhas, uma vez que a Madeira era “terra nova”, não havendo “com quem pudessem casar, segundo o merecimento de suas pessoas”; segundo escreveu Gaspar Frutuoso, repetindo quase literalmente o que o cónego Jerónimo Dias Leite lhe mandara da Madeira, resultou destes casamentos “a mais ilustre e nobre geração da Ilha” (FRUTUOSO, 1968, 217). Túmulo de Martim Mendes de Vasconcelos. 1493. Ao que sabemos, nenhum dos genros de Zarco possuía brasão de armas e, embora fossem fidalgos, não eram primogénitos. Mas, num curto espaço de tempo, os mesmos ou os seus descendentes assumiram escudos com as armas plenas dos seus antepassados. Assim aconteceu com Martim Mendes de Vasconcelos (c. 1432-c. 1493), que casou com Helena Gonçalves da Câmara, “matrona de tanta virtude que se justifica falar-lhe muitas vezes o crucifixo milagroso de S. Francisco do Funchal”, como escreveu Henriques de Noronha (NORONHA, 1948, 518), numa alusão ao milagre ocorrido a 26 de dezembro de 1482, que depois foi mandado certificar e publicar pelo bispo D. frei Lourenço de Távora (1566-1618), por alvará episcopal de 24 de outubro de 1615 (Convento de São Francisco e Sé do Funchal). Com efeito, Martim Mendes de Vasconcelos era um terceiro filho e o seu pai e homónimo não era, quase certamente, o representante dos “Vasconcelos de Portugal”, como veio a referir depois, de modo abusivo, o mesmo Henriques de Noronha (Id., Ibid.). Porém, as armas que mandou lavrar no seu túmulo, ainda hoje existente na igreja de S.ta Clara do Funchal (Convento de Santa Clara), são as da principal linha dessa família. O mesmo terá acontecido com os restantes genros de Zarco, embora não tenha chegado até nós nenhum exemplar dos seus brasões de armas iniciais: Diogo Afonso de Aguiar, que casou com Isabel Gonçalves da Câmara e que se terá fixado em São Martinho do Funchal, sendo sepultado no convento de S. Francisco; Diogo Cabral (c. 1432-1496), que desposou Beatriz Gonçalves da Câmara e era o irmão mais novo do senhor de Belmonte e, em princípio, tio do futuro almirante Pedro Álvares Cabral, fixando-se o casal em Vale de Amores, na Calheta, e sendo aí sepultado; Garcia Homem de Sousa, que seria filho de João Homem de Sousa e que “se entendia ser” neto de Pedro Homem, um dos “doze de Inglaterra” (Id., Ibid., 329), que contraiu matrimónio com Catarina Gonçalves da Câmara e veio a levantar a chamada torre do capitão, a Santo Amaro do Funchal (Arquitetura senhorial). Não consta qualquer carta de brasão de armas destes parentes de Zarco. Também não possuímos informações concretas sobre as armas dos capitães de Machico, sendo o primeiro capitão, inicialmente, quase apenas designado por Tristão ou Tristão da Ilha e tendo o seu filho e segundo capitão usado o apelido da mãe, sendo assim Tristão Vaz Teixeira. O capitão do Porto Santo, Bartolomeu Perestrelo, possuiria já brasão, pois existiam armas de família, mas não temos muitas referências da sua utilização nessa época, muito menos naquela ilha, onde só se deslocava pontualmente. Bartolomeu Perestrelo foi o primeiro a ter carta de doação da sua capitania, passada a 1 de novembro de 1446, o que parece indiciar uma condição social mais elevada, tal como indicam os dois casamentos que contraiu no continente, sempre com famílias de elevada qualidade social. A sua descendência veio a entroncar-se na dos capitães de Machico e, depois, também na dos capitães do Funchal. Dentro dos arranjos matrimoniais da emergente nobreza madeirense, o segundo capitão do Funchal, João Gonçalves da Câmara, começou por casar com uma cunhada, Isabel Homem, filha de João Homem de Sousa e irmã de Garcia Homem de Sousa. Não houve geração desta união e, falecida D. Isabel, o segundo capitão voltou a casar, então em Ceuta, com D. Maria de Noronha, filha de D. João Henriques e D. Beatriz de Mirabel; D. Beatriz foi depois dada como fidalga aragonesa e o seu marido como filho segundo de D. Diogo Henriques, bastardo do infante D. Afonso de Noronha, conde de Gijón e filho de D. Henrique II de Castela. Os descendentes daquele casamento vieram a optar quase todos pelo apelido Noronha, salvo o primogénito, que, por determinação real e para poder aceder à capitania do Funchal, teve de voltar a usar o apelido anterior, Câmara de Lobos, ficando assim Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530). A partir dos meados do séc. XV, os principais filhos-família da Madeira passaram a combater no Norte de África, no quadro do serviço régio, recompondo-se assim, de certa forma, o quadro medieval de nobilitação. Ao mesmo tempo, estabeleceu-se uma rede de casamentos de primos cruzados entre as principais famílias terratenentes da Ilha, até para a manutenção do património fundiário. E muitas dessas famílias passaram a enviar os seus filhos para serem educados na corte de Lisboa, primeiro como pajens, em seguida como escudeiros; estes indivíduos, geralmente, viriam a ser referidos como tendo sido educados no paço. Nos finais de Quatrocentos, no entanto, emergiu também na Madeira uma nova sociedade de escudeiros, mas agora nobilitados pelo serviço régio da Fazenda e da Justiça, e que, logicamente, não tinham acesso a brasão de armas. As dificuldades iniciais do registo dos brasões de armas ficaram logo patentes nas insígnias dos Câmara de Lobos atribuídas a João Gonçalves Zarco e seus descendentes. Nelas deveriam figurar dois lobos-marinhos afrontando uma torre, porém, ao serem executadas, na corte de Lisboa, por alguém que nunca terá visto tal animal, no lugar dele foram representados dois lobos continentais, espécie que nunca existiu na Madeira, mas que passou a ser a utilizada por todos os descendentes de Zarco, nomeadamente o bispo de Lamego D. Manuel de Noronha (c. 1491-1569) e depois, e de forma plena, os vários ramos da família, especialmente o açoriano, dos condes da Ribeira Grande (embora, neste caso, com o campo do escudo de negro). As armas que parecem ter sido seguidamente atribuídas a um residente da Madeira foram as de António Leme; desta feita, por D. Afonso V, a 2 de novembro de 1475 e por intercedência do príncipe D. João, devido à sua participação na tomada de Arzila e de Tânger, para onde foi enviado pelo pai, Martim Leme de Bruges, da Flandres. A carta de armas refere, inclusivamente, que, embora “da parte de seu pai pudesse trazer armas com diferença”, D. Afonso V lhe atribuía armas “sem diferença alguma” e como “chefe delas” (ANTT, Leitura Nova, Místicos, liv. 3, fl. 15). Trata-se de uma distinção excecional, somente compreensível à luz de um conjunto de serviços muito importantes prestados à coroa pelo seu destinatário, incluindo, certamente, os das navegações executadas a cargo do futuro D. João II. António Leme, nos finais da déc. de 70, encontrava-se radicado na vila do Funchal, fornecendo informações a Cristóvão Colombo sobre a existência de terras para ocidente. Em março de 1485, apareceu na Câmara como um dos homens-bons do concelho e, em agosto, foi citado como cavaleiro e morador na mesma vila, passando a assumir os negócios da família, dado o falecimento do irmão, Martim Leme, que tinha negócios na Madeira, pelo menos, desde agosto de 1481 e usava também armas plenas em Portugal. A partir de outubro, passou a surgir como vereador ao lado do também navegador Álvaro de Ornelas, sendo de abril de 1489 a última referência que temos da sua atividade nesse cargo e da sua presença no Funchal. De 20 de fevereiro de 1485 são as armas de João Fernandes do Arco, filho do segundo casamento de Fernão Dias de Andrada e que adquirira as propriedades de seu irmão, Diogo Fernandes de Andrada, que regressara a Castela, no Arco da Calheta. As armas em questão, com um sagitário em campo de ouro, encontram-se registadas tanto no Livro do Armeiro-Mor de João de Cró, de 1509, como no Livro da Nobreza e da Perfeição das Armas de António Godinho, elaborado depois, entre 1521 e 1541, com o pormenor de estar o sagitário virado para a direita neste e para a esquerda no outro. Parece que nenhum ramo dos seus descendentes voltou a utilizar estas armas, não as reivindicando, até porque passaram a usar o apelido Abreu. Com efeito, João Fernandes do Arco (c. 1450-1527) casou com Beatriz de Abreu e deste matrimónio houve 13 descendentes, todos conhecidos pelo apelido Abreu. Os filhos distinguiram-se no Norte de África, inclusivamente acompanhando o pai, passando depois à Índia, onde António de Abreu ganhou uma notável reputação. A maioria da descendência masculina passou assim à Índia e, depois, ao Brasil, tendo poucos fixado residência na Madeira. As filhas entraram para as principais famílias madeirenses, mas não só, pois Beatriz de Abreu, homónima de sua mãe, casou com Bartolomeu de Paiva, vindo a ser ama-de-leite do futuro D. João III e uma das principais figuras da corte de D. Manuel I, pelo que o marido passou a ser conhecido como o Amo. Uma outra filha de João Fernandes do Arco, D. Joana de Abreu, p. ex., veio a casar, por volta de 1510, com D. João Henriques, segundo filho de D. Fernando Henriques, senhor das Alcáçovas, e de D. Filipa de Noronha, filha do terceiro capitão do Funchal, tomando assento na Ponta do Sol. Desta família notabilizou-se o padre jesuíta D. Leão Henriques (c. 1515-1589), que fora criado em Lisboa, em casa de seu tio D. Fernando Henriques, e veio a ser o primeiro reitor do colégio do Espírito Santo, universidade de Évora, confessor do cardeal D. Henrique, ao longo de 24 anos e, depois, seu testamenteiro (Henriques, Leão). Uma pedra de armas desta família, dos meados do séc. XVII, encontra-se hoje na casa do Pé do Pico, em Câmara de Lobos, propriedade da família Henriques de Gouveia. Entre os finais do séc. XV e os inícios do XVI, devem ter sido atribuídas, ou pelo menos confirmadas, várias cartas de armas, mas cuja documentação não perdurou. Tiveram carta de brasão, muito provavelmente, Álvaro de Ornelas, o Velho, pois o filho, Álvaro de Ornelas Saavedra, requereu e recebeu nova carta de armas, como as que usavam seu pai e avô, em 1513; ainda consultámos o documento original na Quinta das Almas, encontrando-se atualmente com os descentes, em Paris. O referido Livro do Armeiro-Mor de João de Cró já regista este brasão; e a magnífica laje sepulcral de Álvaro de Ornelas Saavedra, em calcário-brecha da serra da Arrábida, com as suas armas esculpidas em baixo-relevo, já existiria na sé do Funchal, onde ainda hoje se encontra, por volta de 1515 e 1526, como se infere dos codicilos do seu testamento, de mão comum com a sua segunda mulher, D. Branca Fernandes de Abreu (Lápides sepulcrais e Sé do Funchal). Mais tarde, também recebeu carta de armas o flamengo João Esmeraldo, com data de 1520 e depois registada no Livro da Perfeiçam das Armas de António Godinho, elaborado entre 1521 e 1541. Este códice regista uma série de brasões de armas que não vêm no livro de João de Cró, que aliás simplifica a emblemática, não registando os timbres, e apresenta também o dos Câmara de Lobos, na mesma página do de João Esmeraldo, o dos Perestrelo e o de João Fernandes do Arco, entre outros. João Esmeraldo tinha casado com Joana Gonçalves da Câmara, filha de Martim Mendes de Vasconcelos e de Helena Gonçalves da Câmara e, enviuvando, casou com Águeda de Abreu, filha de João Fernandes do Arco, vindo a falecer em 1536. No entanto, a sua laje tumular não tem brasão de armas, mas sim o seu retrato e da sua segunda mulher, que terá mandado fazer a peça na Flandres. Entre as cartas de brasão mais antigas que não chegaram até nós estará a de Gonçalo de Freitas, filho do tesoureiro do infante D. João, mestre da Ordem de Santiago, que se mudou para a Madeira com o filho, João de Freitas, na sequência do assassinato do duque de Viseu, em Setúbal, por D. João II, a 28 de agosto de 1484 e a cuja casa então pertenciam. Fixaram-se na área de Santa Cruz, na capitania de Machico e, muito provavelmente, a eles se deve a determinação da instalação da alfândega ducal naquele local, decidida anteriormente, em 1477, pela infanta D. Beatriz, filha do falecido infante D. João. Em julho de 1486, João de Freitas representou, com mestre Batista, os proprietários de Santa Cruz numa reunião ocorrida no Funchal; a partir de março de 1496, surge na documentação como homem-bom de Machico, em abril, como vereador e, em maio, como juiz. Desconhecemos a sua carta de armas, como afirmámos, mas conhecemos o pedido que fez para ser enterrado com a sua mulher, Guiomar de Lordelo, na capela da matriz do Salvador de Santa Cruz, de cuja construção fora encarregado, em 1500. Esse pedido foi deferido a 19 de setembro de 1533, atendendo ao dinheiro que gastara na igreja “e à qualidade da sua pessoa” (NORONHA, Ibid., 283-284). A laje tumular veio da Flandres e o brasão de armas que exibe deve ser o mais interessante que hoje existe dessa época, caracterizando-o uma grande qualidade formal, com cinco estrelas de seis pontas e utilizando como timbre uma estrela idêntica entre duas asas, marcando a diferença para os Freitas do continente, que utilizavam como timbre duas garras de leão segurando uma flecha. Com a importância económica da cultura açucareira, inúmeros comerciantes italianos, flamengos e de outras origens tiveram igualmente carta de brasão, nos inícios do séc. XVI, embora a maioria das armas atribuídas não figurem nos livros de João de Cró e de António Godinho, dado serem, em princípio, versões de armas que apresentaram como pertencentes às suas famílias de origem. Provavelmente, esse será o caso dos Bettencourt, Berenguer, Catanho, Drumond ou Escórcio, Florença, Lomelino, Salvago, Spínola, Teive, Valdavesso e outros. Existem algumas arcas tumulares destas famílias de origem estrangeira, p. ex., na matriz de Santa Cruz, igreja de S. Salvador, mas, infelizmente, os brasões iniciais foram apagados. O principal panteão insular destas famílias terá sido o convento de S. Francisco do Funchal, mas as constantes obras a que foi sendo sujeito e a sua própria demolição, nos finais do séc. XIX, levaram a que se tivesse perdido quase todo esse património. Ao longo do séc. XVII, as principais famílias madeirenses ganharam um novo ascendente social, principalmente advindo da sua participação na expansão ultramarina ibérica e do seu desempenho na América Latina. Neste quadro, construindo algumas das famílias em causa as suas capelas, assumiram, pura e simplesmente, as armas que entenderam. O exemplo mais evidente será o dos túmulos parietais da igreja do Carmo do Funchal, onde António de Carvalhal Esmeraldo, casado com Maria Brandoa, usou as armas plenas dos Câmara, e os seus cunhados, no túmulo em frente, as dos Brandões do continente, embora a família fosse proveniente de lavradores da Ribeira Brava (Igreja e recolhimento do Carmo). Existe um certo vazio de documentação sobre a atribuição de cartas de armas ao longo desse século e mesmo do XVIII. Mas a atividade conheceu novo incentivo nos finais da última centúria e propagou-se exponencialmente ao longo de Oitocentos, justificando-se, sobretudo, enquanto retribuição de serviços políticos, com a correspondente componente económica, deixando de ser apenas um retrato da antiga fidalguia. Divulgaram-se então armas de costados com as representações das armas dos avós, quando não dos bisavós, trisavós, ou outros, inclusivamente, pelo nome e nem sempre pertencendo a essas linhagens (Genealogias). Em pouco tempo, o cartório de nobreza da corte de Lisboa abandonaria a relação com os anteriores elementos heráldicos de identificação, passando a emitir as chamadas armas novas, quase nada relacionadas com o pensamento subjacente às do passado. De facto, esta nova cultura desenvolveu-se um pouco por toda a Europa, em especial, na Alemanha. A questão das mercês novas foi objeto de vários trabalhos, mostrando, inclusivamente, a incongruência de algumas das soluções apontadas. Se algumas armas novas dificilmente encontrariam enquadramento na heráldica tradicional, outras há em relação às quais não se compreende a opção tomada. Na primeira situação, encontra-se, e.g., o caso de João Rodrigues Leitão (1843-1925) que, tendo tido larga atividade comercial em Cabinda e conseguindo estabelecer muito boas relações na área, foi um dos responsáveis pelo reconhecimento da presença portuguesa naquele território pelos membros da Conferência de Berlim, em 1883. Sendo agraciado com o título de visconde de Cacongo, em 1900 (Visconde de Cacongo), houve que encontrar elementos algo abstratos para as armas que lhe eram atribuídas: campo de prata com três faixas vermelhas carregadas com flores-de-lis, tendo como tenentes ou suportes um leão e um grifo. Por sua vez, uma das soluções pouco felizes, e logo no título escolhido, foi a encontrada para o visconde e depois conde do Canavial (Visconde e conde do Canavial), João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902), a quem se atribuiu um escudo partido, tendo, num lado, uma figura de mulher vestida de azul, sentada num rochedo sobre o mar, com um ramo de videira e um pão-de-açúcar em cada mão, em alusão à ilha da Madeira, e no outro, uma mão de prata com uma pena de oiro, numa alegoria às suas imensas publicações, não se tendo optado pelos elementos das inúmeras famílias de que descendia, o que é um paradoxo. A partir dos meados do séc. XVIII e depois no XIX, foram ainda utilizados inúmeros brasões de armas pelos elementos da feitoria britânica radicada no Funchal, especialmente em ex-líbris e em sepulturas do cemitério britânico, mostrando todas uma certa economia de meios e contenção, e que não eram comuns na Europa coeva. O brasão mais antigo será o de James Murdoch (1744-1806), seguindo-se o de Thomas Holloway (1751-1816), o de William Mills (1994-1834) e outros tantos. Entre os abundantes ex-líbris podemos citar os do Robert Page (1775-1829), com as armas circundadas pelas insígnias da Ordem Militar da Torre e Espada, de que era somente titular honorário, por despacho do Rio de Janeiro, de 15 de novembro de 1817, ou referir os de James Charles Duff, de cerca de 1860, cuja família chegou a deter o palacete da R. do Esmeraldo, através da firma Gordon and Duff e em cujo logradouro chegou a funcionar o primeiro cemitério britânico. Relativamente à heráldica eclesiástica, o seu uso não se deve ter estendido de imediato à Madeira. Os Franciscanos, que forneceram os primeiros quadros eclesiásticos durante as décadas iniciais do povoamento, não eram propensos a esse tipo de ostentação e os primeiros vigários paroquiais, nomeados pela Ordem de Cristo e que não provinham especialmente da nobreza senhorial portuguesa, também não. Os primeiros bispos da diocese do Funchal não se deslocaram pessoalmente ao território, pelo que, até aos meados do séc. XVI, não terá havido heráldica eclesiástica na Madeira. O primeiro prelado a viajar até à Ilha, D. João Lobo (?-1542), bispo titular de Tânger e com armas atribuídas por D. Manuel I, não parece ter tido especiais cuidados nesse campo, não tendo ficado qualquer referência sobre o tema na sua passagem pela Madeira, em meados de 1508. A base da heráldica eclesiástica comunga das normas que regem o desenho geral dos brasões, embora nela se use, prioritariamente, a forma oval para o escudo; assim, diferencia-se, em especial, nos ornamentos exteriores, seguindo os cânones e disposições da Igreja. Com efeito, não utiliza o conjunto elmo, paquife e virol, identificativo do exercício da função militar, mas sim o galero, chapéu eclesiástico por excelência, descendente dos chapéus de abas largas dos peregrinos, sendo a hierarquia definida pela ordem de borlas do mesmo. Pontualmente, podem usar coronéis de nobreza, como aconteceu com o 11.º bispo do Funchal, D. frei António Teles da Silva (c. 1610-1682), que se fez sepultar com coronel de conde, título que nunca teve. Mais tarde, sob o galero, apareceu uma cruz episcopal e, por vezes, um báculo; depois, ao longo do séc. XX, surgiu uma mitra a substituir o galero, podendo figurar sob ela uma cruz episcopal e um báculo cruzados. Os elementos do alto clero sempre assumiram armas próprias, em especial, após a divulgação das normas do Concílio de Trento, ganhando elas um sentido quase pessoal e afastando-se das regras específicas da heráldica familiar, nomeadamente, com o uso de brica e de diferenças. Se tal aspecto ainda aparece em 1509, quando João de Cró representa as armas do bispo D. João Lobo, marcando as armas dos Lobo com um castelo de ouro como diferença, por certo em alusão à praça-forte de Tânger, o mesmo não sucede depois na maioria das armas eclesiásticas, que assumem a diferença somente nos ornatos. Assim fez o bispo de Lamego D. Manuel de Noronha (c. 1491-1569), empregando as armas plenas dos Câmara, usadas pelo pai, Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530) e pelo irmão mais velho, João Gonçalves da Câmara (III) (1489-1536). O seu isolamento em Lamego e o facto de ter estado em Roma levaram a que se intitulasse camareiro secreto do Papa Leão X (1475-1521), fazendo-se enterrar sob laje sepulcral com quatro ordens de borlas, insígnias de arcebispo que nunca foi. Determinadas liberdades ocorreram, depois, com outros prelados do Funchal. P. ex., D. Luís Figueiredo de Lemos (1544-1608) assumiu as armas dos apelidos dos quatro avós, da ilha de Santa Maria, Açores: Velho, Figueiredo, Cabral e Lemos. Como pormenor, nas várias representações das suas armas, mandou carregar as dos Figueiredo com uma merleta, que na Madeira era usada pelos Leme, de origem flamenga. Esta diferença, em princípio, identificativa do prelado Leme, manteve-se, no entanto, no quartel dos Figueiredo, quando mandou, num outro quartel, lavrar as armas dos Lemos, como aparecem na sua lápide tumular. Não se encontram levantados os brasões de armas dos bispos do Funchal, salvo a partir dos meados do séc. XIX; os iniciais terão que ser apurados a partir dos selos de armas dos primeiros prelados. Não constam, inclusivamente, da maior parte dos retratos mandados pintar para a sala do cabido da sé do Funchal, a partir de 1790, em princípio. Assim acontece com o de D. Jerónimo Barreto (1543-1589), que utilizou as armas dos Barreto na impressão das Constituições Synodaes de 1579, mas que não figura com elas no retrato que lhe mandaram pintar, muito depois. No entanto, tal não se verifica no retrato do seu sucessor, D. Luís Figueiredo de Lemos, que, tendo também mandado imprimir as suas insígnias nas Extravagantes, m 1601, surge com elas representado. Os retratos dos bispos do Funchal parecem ter tido inicio com o de D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1703-1784), que o terá mandado pintar em Lisboa, por volta de 1757; na sequência deste, e usando-o vagamente como modelo, depois, foram sendo pintados os dos prelados anteriores. Parece que o cabido não era muito sensível aos aspectos heráldicos, embora ele próprio utilizasse selo com armas, pois só um número muito reduzido de retratos apresenta brasão de armas. Nos retratos dos bispos mais antigos, tal só acontece no de D. Luís Figueiredo de Lemos, talvez porque as respetivas armas se encontram na fachada da sua capela de S. Luís, no paço episcopal e na sua lápide sepulcral. No entanto, não figuram armas no retrato de D. frei António Teles da Silva (c. 1620-1682), que as havia mandado gravar na sua lápide tumular, na capela-mor da sé do Funchal, inclusivamente, encimadas por coronel de 11 pérolas, atributo dos condes. Esse espírito algo laico da sociedade madeirense parece ter sido corrente em muita da sociedade madeirense nos finais do séc. XVIII, pois, tendo sido pintados também os retratos de alguns antigos governadores e capitães-generais para o palácio de S. Lourenço, também ali existem poucos brasões de armas, o que é algo surpreendente, quando verificamos que todos os governadores, até ao liberalismo, eram obrigatoriamente oriundos da nobreza de corte, pelo que eram todos portadores de armas pessoais. Com efeito, recorreram a elas para autenticar a correspondência oficial, tendo passado a fazê-lo, depois, para a correspondência governamental da Madeira, com o selo das armas reais. A heráldica estendeu-se também às ordens religiosas, embora os exemplares existentes na Madeira sejam, em princípio, bastantes tardios. Quase todos os edifícios foram da responsabilidade da Fazenda Régia, pelo que, tanto o paço episcopal, datável de 1610 (Paço episcopal), como o colégio dos Jesuítas do Funchal, cujo elemento heráldico mais antigo, a antiga porta da cerca da R. dos Ferreiros, está datado de 1619, ostentam as armas reais. Chegaram até nós algumas armas de fé dos Franciscanos, entre elas, a pedra de armas do antigo convento do Funchal, datável de cerca de 1750 e hoje no jardim municipal, associada às armas reais, indicativo de que a campanha de obras em causa fora paga pela Fazenda Régia; ou, p. ex., as armas existentes no convento de S. Bernardino de Câmara de Lobos, provavelmente da campanha de 1763 (Convento de São Bernardino). A pedra de armas similar que está no portal da entrada do convento de S.ta Clara, datável, talvez, de data próxima a 1770, poder ter vindo do demolido convento masculino do Funchal, pois dali também vieram outros elementos, designadamente, painéis de azulejos. É ainda possível que tenha existido, como é vulgar no continente, loiça conventual decorada com armas religiosas, em S. Francisco do Funchal e em S.ta Clara, mas, até ao momento e nas escavações arqueológicas realizadas nessas áreas, embora haja milhares de fragmentos de faiança exumada, nada parece ter sido detetado. Nas coleções do paço episcopal, no entanto, existe uma bilha ou pote de faiança com as armas de fé dos Franciscanos que a tradição aponta como sendo proveniente do convento do Funchal. Das restantes ordens religiosas somente conhecemos as armas de fé dos Carmelitas, na fachada da igreja do recolhimento do Carmo, que devem ser dos finais do séc. XVIII, período em que toda a fachada da igreja foi remodelada. Os Jesuítas nunca usaram armas de fé, propriamente ditas, somente uma espécie de emblemática, que, aliás, copiaram do franciscano S. Bernardino de Siena: o trigrama cristológico IHS, que significa Jesum Habemus Socium (“temos Jesus como companheiro”), colocado sobre um sol, como aparece na fachada da igreja de S. João Evangelista do Funchal, logo abaixo das armas reais. Este símbolo ou monograma aparece, por vezes, acompanhado da legenda Ad Maiorem Dei Gloriam (“para a maior glória de Deus”), surgindo invertida, no teto da mesma igreja, em princípio, para ser lida do alto pelo Pai e não pelos filhos que demandam o interior do templo. Existem mais duas pedras com este símbolo ou emblema, uma delas encontra-se numa situação muito interessante: na porta do paço episcopal do Funchal, no acesso à antiga cerca, depois Lg. do Município. O facto de este bloco do paço ter sido mandado edificar pelo bispo jacobeu D. João do Nascimento (c. 1690-1753), que professara no convento franciscano de Varatojo e dirigira pessoalmente parte das obras do novo corpo edificado, levanta a hipótese de ter sido o próprio prelado a mandar colocar ali aquele emblema, precisamente quase perante a fachada da igreja dos Jesuítas, recuperando assim, para os Franciscanos, a sua antiga simbologia. A outra pedra hoje existente está no pequeno jardim do pátio da Assembleia Legislativa e foi encontrada na intervenção de reabilitação ali efetuada, em 1990, podendo ter vindo de obras realizadas no edifício do colégio dos Jesuítas pela antiga Fazenda Régia. As ilhas da Madeira e do Porto Santo possuem uma quantidade apreciável de brasões de armas reais portuguesas, uma vez que a grande maioria do património edificado, militar, civil e religioso foi construído sob a responsabilidade da Fazenda Régia. Tal é o caso da sé do Funchal e, depois, do baluarte de S. Lourenço e demais fortificações militares (Arquitetura militar e República). Mas, também, da maior parte das igrejas matrizes, cujos edifícios eram incumbência régia (Arquitetura religiosa), acontecendo o mesmo com o respetivo recheio, encontrando-se brasões de armas reais em grande parte dos retábulos das suas capelas-mores. O mesmo se verifica em outros edifícios: referimos antes o do paço episcopal, mas poderíamos apontar ainda os das misericórdias insulares. Este aspecto transitou, igualmente, para os edifícios das câmaras municipais, parte dos quais levantados também com verbas da Fazenda Régia, levando a que as armas reais rematassem grande número deles, inclusivamente, o da Câmara do Funchal, onde figurariam, juntamente com as armas da cidade, na fachada ou no interior. Do antigo edifício do Lg. da Sé que pertencera à casa comercial de D. Guiomar, onde a Câmara do Funchal se instalou, nos últimos anos do séc. XVIII, subsiste um importante brasão de armas nacional, assente em esfera armilar, datável, assim, de data próxima a 1819 ou 1820, quando se criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O imóvel foi demolido em 1916, dentro da reforma programada pelo arquiteto Ventura Terra (Urbanismo) e o brasão recolheu, então, ao palácio de S. Pedro (Palácios), onde se previa organizar um museu regional. O Funchal deve ter tido armas próprias ainda no séc. XV, mas só conhecemos exemplares da centúria seguinte. O mais antigo, em princípio, é o que está gravado na campainha de prata da Câmara, que serviria para chamar um empregado, p. ex., ou para mandar entrar os peticionários, e que se encontra datado de 1584. Apresenta cinco pães de açúcar dispostos em cruz e ladeados por duas canas-de-açúcar. Mais tarde, o poeta e intérprete dos navios estrangeiros Manuel Tomás (1585-1665), na sua Insulana, de 1635, refere cinco formas de açúcar, “cor de fogo”, colocadas num campo de prata e rodeadas por duas canas-de-açúcar (TOMÁS, 1635, 128), o que repete Henrique Henriques de Noronha, em 1722 (NORONHA, 1996, 43). As armas do Funchal voltam a surgir numa salva de prata dos inícios do séc. XVII, neste caso, encimadas por uma cruz de Cristo, e num areeiro de tinteiro do mesmo período. No séc. XVIII, começam a aparecer informações de se usar também um ramo de videira nas armas da cidade do Funchal, existindo uma pedra de armas, hoje no núcleo museológico da Prç. Colombo, com a data de 1758, onde já não figuram as formas de açúcar, mas pães, estando o escudo ladeado por uma cana e um ramo de videira e as armas encimadas por coronel de nobreza. Sendo os pães-de-açúcar representados em prata, não poderiam, heraldicamente, assentar igualmente em prata, devendo datar dessa época a definição do campo do escudo em verde, pelo que, tanto a cana-de-açúcar como o ramo de videira passaram para o enquadramento do escudo. A partir de então, começou a vigorar, assim, campo verde, com cinco pães de açúcar de prata ladeados por uma cana-de-açúcar e um ramo de videira, embora com pequenas variantes, pois podem aparecer duas canas-de-açúcar e as armas podem apresentar-se com coronel de nobreza e com coroa real. Na segunda metade do séc. XIX, entre 1860 e 1862, foi editada, por Inácio de Vilhena Barbosa, a vasta obra As Cidades e Villas da Monarchia Portugueza que teem Brasão d’Armas, onde as armas do Funchal aparecem ladeadas por uma cana-de-açúcar e um ramo de videira. Nesta publicação, figuram, igualmente, as armas da vila do Porto Santo, ostentando um dragoeiro, mas não as das restantes vilas madeirenses. Este conjunto de brasões teve reedição, em 1881, com um outro emolduramento, mas só conhecemos os dos referidos locais do arquipélago. A configuração das armas do Funchal manteve-se até à proposta do heraldista Afonso de Ornelas Cisneiros (1880-1944), que assinava por vezes “Affonso Dornellas”. Nos inícios da déc. de 30 do séc. XX, ele bateu-se pela reforma da heráldica municipal, conseguindo fazer aprovar, em 1935, armas novas para a Câmara Municipal do Funchal, bem ao gosto dito tradicionalista do Estado Novo. As armas mantiveram o campo verde, mas os pães de açúcar passaram a ouro e foram avivados com um espiralado a púrpura, cor do domínio eclesiástico, em memória do protagonismo da Diocese do Funchal nos Descobrimentos; foram ainda acrescentados quatro cachos de uvas de sua cor, carregados com as quinas de Portugal, tornando o conjunto, à primeira vista, perfeitamente irreconhecível. Não possuímos qualquer referência sobre as primeiras armas municipais de Machico, Santa Cruz, Calheta, Ponta do Sol e Porto Santo, sendo certo que todas as tiveram, pelo menos, na época manuelina. Tem havido alguma confusão com as armas de Machico, que são dadas, nos meados do séc. XX, como tendo tido a esfera armilar manuelina, o que seria inviável, na medida em que um brasão de armas é uma forma de identificar uma entidade pessoal ou coletiva e um rei não poderia ter os elementos das suas armas individuais a identificar uma câmara municipal. O mesmo se passa com a Câmara de Santa Cruz, que, por vezes, alega serem suas as armas reais que encimam a porta do edifício municipal, o que também não é possível. Os paços do concelho do Porto Santo são igualmente encimados pelas armas reais, mas elas indicam apenas que o edifício foi feito pelo mestre das obras reais, Domingos Rodrigues Martins (c. 1710-1781), em 1774, e que as obras correram pela Fazenda Régia, um aspecto que referenciámos antes. A grande reforma da heráldica municipal iniciou-se com a circular de 14 abril de 1930 da Direção-geral da Administração Pública, que, tentando regularizar a situação, obrigava as comissões administrativas das câmaras municipais a legalizar os brasões segundo o parecer compulsório da secção de heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses. A situação do estabelecimento de selo, armas e bandeira de cada localidade veio a integrar, inclusivamente, através do dec. 31.095, de 31 de dezembro de 1940, o Código Administrativo, através dos artigos 14 e 48. Data desses anos a instituição do coroamento dos escudos municipais com coronéis de torres aparentes, hierarquizadas entre as cidades e as vilas com cinco e quatro torres, o que foi alargado às juntas de freguesia, em 1991, com três. Entretanto, também na RAM se procedeu a reforma idêntica, parte da qual assumida pelas autarquias, como aconteceu na vila de São Vicente, onde se aprovou uma raridade iconográfica, com o orago a empunhar uma grelha em vez de uma embarcação. Outras entidades terão tido instrumentos bélicos, como é o caso da Alfândega do Funchal e, provavelmente, de Santa Cruz, conhecendo-se dois selos de chumbo daquela, datáveis de 1520 a 1550, exumados nas escavações arqueológicas na Prç. Colombo, em 1989, com a esfera armilar envolta pela legenda “Alfândega do Funchal”, com o pormenor de estar rematada por um pequeno escudete com as quinas de Portugal e, do outro lado, ter as armas reais com coroa aberta. Pontualmente, os elementos heráldicos foram utilizados por instituições de ensino, como a Escola Afonso Domingues, em 1889, que veio a dar origem à Escola Industrial e Comercial do Funchal, e, em 1989, a UMa. Data dos meados e dos finais do séc. XIX o aparecimento, na Madeira, de um esboço de heráldica corporativa, assumida, entre outras, pelas sociedades agrícolas e, depois, pelos grémios, sindicatos e diversas associações. Com o advento do Estado Novo, o assunto veio a ser encarado noutros moldes, solicitando-se propostas a essas instituições, mas, na maior parte das vezes, impondo-se as soluções finais. Tal ocorreu nas associações mais caras ao governo, designadamente, nas casas do povo e dos pescadores, conhecendo-se o brasão da Casa do Povo de Santo António, no Funchal e o brasão da Camacha, em Santa Cruz, ambos apresentados em Lisboa na Exposição de Heráldica do Trabalho, por altura dos festejos do XX aniversário da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT). No ano seguinte, Franz Paul de Almeida Langhans editou o Manual de Heráldica Corporativa, onde figura ainda o da Casa dos Pescadores do Funchal. No catálogo da exposição dos 20 anos da FNAT, o organizador da mesma, Mário de Albuquerque, ao apresentar o brasão da casa do Povo da Camacha, comenta ter sido deixado em branco o brasão da Câmara Municipal de Santa Cruz por o concelho “não as ter ordenadas e aprovadas” (ALBUQUERQUE, 1955, 114). As unidades militares não terão usado brasões de armas próprios até ao séc. XX, devendo ter-se limitado a utilizar bandeiras com as armas reais e com uma legenda da unidade em questão. O mesmo não se terá passado com as unidades de ocupação britânicas, nos inícios do século anterior, de que se exumaram, nas escavações de emergência de 1992, efetuadas no pátio dos estudantes do antigo quartel do colégio dos Jesuítas, alguns botões de farda, indicativos de terem distintivos próprios, pelo menos, os correspondentes aos uniformes de artilharia. Ao longo desse século, as unidades portuguesas destacadas para a Madeira parecem ter utilizado somente uma emblemática com o número da força em causa, algarismos que foram ficando registados na calçada da antiga parada do mesmo quartel do colégio, hoje integrada na reitoria da UMa. Data das décs. de 80 e 90 a reforma geral heráldica do Exército, passando as unidades militares da Madeira a possuir brasão de armas próprio. Estas armas foram sendo adaptadas ao longo das várias reformas das forças em causa (Guarnição militar). A reforma estendeu-se, entretanto, às restantes forças militares da Marinha e da Força Aérea, depois, ao Comando-Chefe das Forças Armadas da RAM, tal como à Companhia Independente da Guarda Fiscal (Guarda Fiscal) e ao Comando da Polícia de Segurança Pública (Polícia de Segurança Pública). O assumir de armas próprias pela RAM foi feito de forma consistente, em 1991, quando a Região completou as armas do seu brasão. O arquipélago tinha constituído os seus símbolos próprios numa relação direta com as suas origens, assentando a bandeira e o escudo com campo de azul, uma pala de ouro e a mesma carregada com a cruz Ordem de Cristo. As insígnias foram discutidas, na generalidade, a 26 de julho, sendo aprovadas dois dias depois; a respetiva regulamentação foi publicada a 12 de setembro. Estas armas foram completadas, depois, por proposta de dois historiadores locais, decidindo-se a utilização do elmo de “boca-de-sapo”, geralmente atribuído a D. João I e existente no Museu Militar de Lisboa, dado ter sido este Rei quem determinou o povoamento do arquipélago; no entanto, em rigor, esse elmo será, muito mais provavelmente, aquele que veio do mosteiro da Batalha, em 1901, e que se encontrava no túmulo de D. João II. Assim, o elmo de ouro apresenta-se de frente e forrado a vermelho. Como timbre, optou-se por uma esfera armilar, pela sua ligação aos Descobrimentos e a D. Manuel I, existindo este elemento em inúmeros edifícios públicos do Funchal. Como suportes, dois lobos-marinhos, vivos e de sua cor, simbolizando a homenagem da Região aos únicos grandes mamíferos encontrados quando da chegada dos primeiros povoadores. Como divisa, inicialmente, foi proposto o seguinte fragmento de Os Lusíadas alusivo à Madeira: “Das que nós povoámos a primeira” (CARITA e SAINZ-TRUEVA, 1990, 103-107). Porém, nos inícios do ano seguinte, em reunião de Governo, veio a decidir-se pelo verso “Das ilhas as mais belas e livres” (Decreto Legislativo Regional n.º 11/91/M, de 24 de abril).   Rui Carita (atualizado a 12.10.2016)

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