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almada, lourenço de

O Gov. D. Lourenço de Almada (1645-1729) descendia de alguns dos principais fidalgos que tinham aclamado D. João IV, tendo sido de sua casa que os mesmos partiram para o Paço da Ribeira no dia 1 de dezembro de 1640. Essa situação parece explicar a sua nomeação para a Madeira sem serviço militar prévio e o facto de ter ocupado o lugar somente por 2 anos, embora as funções desempenhadas tivessem dado mostras de estar preparado para o lugar. A pedido da Coroa preparou uma leva de 100 soldados para Angola, resolveu uma série de problemas pendentes na Fazenda Régia e concluiu a construção da muralha de frente mar, que fez rematar com o Portão dos Varadouros. Ocupou depois os lugares de governador de Angola e do Brasil, tendo-se escrito que em Luanda se portara com tanta circunspeção que, além do bispo, nenhuma pessoa se sentou em sua casa. Palavras-chave: Defesa; Levas militares; Muralhas do Funchal; Nobreza de Corte; Portão dos Varadouros; Relações institucionais.   Filho de D. Luís de Almada (c. 1620-1666) e de sua segunda mulher, D. Luiza de Meneses, veio a herdar a casa de seus pais pelo falecimento prematuro do irmão mais velho, D. Antão de Almada (1644-1669). A partir dessa altura, passou a usar os vários títulos da família, tais como 12.º senhor dos Lagares d’El Rei e 7.º senhor do Pombalinho, a que juntou ainda, em 1675, a comenda de S. Vicente de Vimioso e a alcaidaria de Proença-a-Velha, na Ordem de Cristo, que pertencera ao seu avô materno, D. Antão de Almada (1573-1644). Embora o pai já houvesse acompanhado o avô na aclamação de D. João IV (1604-1656), sendo assim esta família da alta nobreza da corte de então, D. Lourenço de Almada (1645-1729) ter-se-á fixado em Condeixa-a-Nova, onde a família também possuía residência. Antes da sua nomeação, em 1687, para governador da Madeira, não há conhecimento do exercício de especiais funções – ao contrário, aliás, da grande maioria dos seus antecessores e sucessores, praticamente todos com provas dadas na vida militar – apesar de ter tido um papel de certo relevo em Condeixa-a-Nova, mesmo que circunscrito à localidade, designadamente na Fundação da Confraria das Almas, em 19 de novembro de 1679, de que foi o primeiro juiz. Mas foi o papel desempenhado na Madeira que demonstrou que D. Lourenço de Almada estava preparado para o lugar de governador e que o projetou como uma das primeiras figuras na nobreza da corte da sua época, vindo mais tarde a ocupar outros altos cargos nos domínios ultramarinos. Casa de Almada 1509. Arquivo Rui Carita. Foi nomeado governador da Madeira a 4 de agosto de 1687, mas só prestou menagem a 1 de abril de 1688 e tomou posse no Funchal a 13 do mesmo mês, onde substituiu Pedro de Lima Brandão (c. 1640-1718) (Brandão, Pedro de Lima). Uma das suas primeiras funções foi preparar uma leva de 100 soldados, determinada em Lisboa, a 21 de fevereiro de 1688, logo antes de prestar menagem; do Funchal, a 28 de maio, veio a informação de que tal leva se encontrava em preparação e de que, dada a existência de grande número de criminosos e vadios na Madeira, não seria difícil cumprir a ordem da Coroa. A leva destinava-se a acompanhar o Gov. D. João de Lencastre (1646-1705) e deveria estar pronta quando aquele governador passasse pelo Funchal, a caminho de S. Paulo de Luanda, em Angola. A leva foi assumida pelo morgado Pedro de Bettencourt Henriques (1632-1687). Em 1689, por esse serviço e pelas suas qualidades pessoais, seu segundo filho, Henrique Henriques de Noronha (1667-1730) (Noronha, Henrique Henriques), receberia alvará de moço-fidalgo com 1$000 réis de moradia por mês e um alqueire de cevada por dia.   Família Almada 1525. Arquivo Rui Carita. Logo no início do seu governo, o Rei D. Pedro II (1648-1706), por carta de 2 de abril de 1688, determinou-lhe a arrecadação das avultadas quantias em dívida ao erário régio, que se encontravam nas mãos de tesoureiros e recebedores, e que as remetesse através de letras para Lisboa. O trabalho decorreu ao longo dos seus dois anos de governo, no termo dos quais o Rei determinou, a 9 de setembro de 1690, a prisão dos culpados na “devassa dos descaminhos da Fazenda Real”, tirada pelo provedor Ambrósio Vieira de Andrade (ANTT, Ministério do Reino, Decretos, mç. 8, n.º 13, docs. DLA), e também a execução dos bens de Diogo Fernandes Branco (filho) (c. 1636-1683), por dívidas à Junta do Comércio Geral (Junta Geral do Comércio). Desta última execução foi efetuada certidão por João de Bettencourt, escrivão judicial, a 25 de outubro do mesmo ano, transcrita na Câmara do Funchal, a 24 de março de 1695. O provedor chegou também a escrever ao Rei registando a colaboração que recebeu da parte do governador. Um dos casos registados envolveu o Cap. Gonçalo de Freitas Correia, que tentou raptar uma jovem escrava da casa de um depositário, ao qual tinha sido entregue por mandado judicial. O problema foi agravado por ter ocorrido à porta da Alfândega e por ter desencadeado tumulto, para além de o capitão ter oferecido resistência à justiça. O provedor entendeu, por fim, que toda a situação tinha colocado em causa a segurança da Alfândega e poderia ter levado a algum descaminho da Fazenda Real. A intervenção atempada, prudente e eficaz do governador, segundo o provedor, tinha conseguido repor a normalidade. O capitão viria a receber mandado de prisão, a 21 de março de 1689, para a cadeia do Limoeiro, em Lisboa; o Rei voltou a escrever ao governador, a 23 de março do mesmo ano. Logo no início do seu governo, D. Lourenço de Almada, na carta de 28 de maio de 1688 em que aborda a organização da leva de 100 soldados para Angola, justificava o excesso de crimes na ilha da Madeira pela falta de uma rigorosa aplicação da justiça. Nessa altura, não havia corregedor de comarca na Ilha, e D. Lourenço observa que fazia muita falta. Constava-lhe ainda ser prática corrente colocar suspeições ao juiz de fora; nas vilas, a justiça estava a cargo dos juízes ordinários, em sua opinião, pouco esclarecidos na matéria e comprometidos por laços de parentesco e vizinhança. Assim, o governador solicitava ao Rei que mandasse “considerar muito esta matéria pelo grande prejuízo de que padece este Povo” (Ibid.). O conde de Castelo Melhor (Castelo Melhor, conde e marquês de), Luís de Vasconcelos e Sousa (1636-1720), antigo escrivão de puridade de D. Afonso VI (1643-1683), entretanto caído em desgraça, mas depois reabilitado, tentou tomar posse dos seus antigos senhorios. Nesse quadro, em 1689, João Pereira de Paiva, seu procurador, apresentou-se no Funchal para tomar posse da Fortaleza de S. Lourenço , de que os condes de Castelo Melhor e da Calheta eram alcaides-mores. Perante o inusitado da situação, o Gov. e Cap.-Gen. D. Lourenço de Almada prendeu-o, dando conhecimento a D. Pedro II; numa carta de 22 de junho desse ano, o Rei condescendeu com a atitude do procurador por “supina ignorância” (Ibid.) e recomendou que João Pereira de Paiva fosse libertado quando o governador considerasse suficiente o castigo. Pedra de armas. Jardim Quinta das Cruzes_2000. Arquivo Rui Carita Na vigência do Gov. Lourenço de Almada, houve nova pressão de Lisboa para se acabarem as demoradas obras da fortificação do Funchal. A carta do Rei, de 2 de abril de 1688, logo no conjunto de ordens determinadas mesmo antes de prestar menagem (que, todavia, só viria a ser registado no Funchal a 24 de setembro de 1689), insiste para se acabarem “fortes e com boa posição” (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 968, fl. 61) as obras iniciadas pelo Gov. João da Costa de Brito (c. 1640-c. 1700) (Brito, João da Costa de), recorrendo-se ao parecer dos oficiais de guerra mais experientes no assunto. Foi ainda chamada a atenção para os vários redutos e plataformas que necessitavam de reparo e para outras estruturas que poderiam precisar de revisão ou reconstrução total (Defesa Muralhas do Funchal). É neste enquadramento que se deve filiar a deslocação à Madeira dos técnicos continentais, em março de 1689: o capitão de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e um ajudante, o estudante de engenharia Manuel Gomes Ferreira, que finalmente completaram a muralha da frente mar da cidade e construíram um portão dentro do gosto maneirista internacional – o chamado Portão dos Varadouros (Portão dos Varadouros), onde, no ano de 1689, o governador mandou colocar uma inscrição em latim, que se pode traduzir por “Cada um dos antecedentes governadores debalde se esforçou por concluir estas muralhas; ao Senhor Lourenço de Almada estava reservada a satisfação da sua conclusão” (SILVA e MENESES, 1998, II, 467). Refere o provedor Ambrósio Vieira de Andrade, em certidão de 30 de setembro de 1690, que o governador “fez findar a muralha com toda a perfeição, brevidade e comunidade”, para além de ter mandado reparar “com grande cuidado” algumas vigias e fortins da ilha da Madeira (VERÍSSIMO, 2000, 321). Os registos deixados por D. Lourenço de Almada referem ainda algum aumento do número das companhias de ordenanças, que de cerca de 70, em 1683, passaram em 1688 para 75. Talvez pelo aumento desses efetivos e do serviço militar geral, em 1689, o juiz do povo solicitou ao Rei dispensa do serviço de vigias e de trabalhos nos entulhos das ribeiras para os aprendizes dos ofícios. O juiz argumentava que, desviando-se os mesmos da aprendizagem da sua arte para essas ocupações, faltariam, no futuro, oficiais na cidade devidamente habilitados, “pois muitos mestres os não querem ensinar com estas pensões” (ANTT, Ministério do Reino, mç. 8, n.º 13, docs. DLA). O pedido foi enviado de Lisboa a D. Lourenço de Almada, a 26 de agosto desse ano, para o governador dar o seu parecer, mas D. Lourenço de Almada não lhe deve ter dado seguimento. O governador veio a ser substituído, dois anos depois (um dos mais curtos governos da época), por D. Rodrigo da Costa (1657-1722) (Costa, D. Rodrigo da), filho de D. João da Costa (1610-1664), 1.º conde de Soure, general de Artilharia, mestre de campo general e governador da província do Alentejo, que tomou posse a 20 de outubro de 1690 e foi depois vice-rei da Índia. A residência do Gov. e Cap.-Gen. D. Lourenço de Almada revelou uma atuação considerada exemplar e em conformidade com as obrigações e disposições do seu regimento. O Rei D. Pedro II, no despacho de 4 de abril de 1691, elogiou e agradeceu os bons serviços deste governador, escrevendo ter “procedido com muita vigilância, esforço, cristandade e zelo”, “muita limpeza de mãos” e, inclusivamente com gastos pessoais, sem, porém, deixar de garantir o aumento da Fazenda Real (ANTT, Ibid.). D. Lourenço de Almada fixou-se na corte de Lisboa, dedicando-se a recuperar o Palácio Almada ou Palácio da Independência, no Lg. de S. Domingos, onde foram depois instaladas a Sociedade Histórica da Independência de Portugal e a Comissão Portuguesa de História Militar. As primeiras obras de reconstrução deste edifício devem datar de 1684, quando D. Lourenço de Almada pediu à Câmara de Lisboa que lhe aforasse o chão público necessário para endireitar as suas casas; e continuaram em 1713, quando lhe foi concedido outro aforamento, que deve corresponder a uma nova campanha de obras de remodelação e ampliação, com um alinhamento diverso do original. Permaneceram, no entanto, algumas portas manuelinas, painéis de azulejos dos anos 70 do séc. XVII, assim como outros de 80, assinados pelo célebre mestre Gabriel del Barco (c. 1650-c. 1708). Tinha-se casado a 28 de outubro de 1671 com D. Catarina Henriques (c. 1650-1721), dama da Rainha D. Maria Francisca de Saboia-Nemours (1646-1683), filha de D. João de Almeida, vedor da Casa Real, e de D. Violante Henriques, irmã de D. Tomás de Noronha, 3.º conde dos Arcos; teve larga geração e os seus herdeiros residiram neste palácio até aos inícios do séc. XIX. Palácio Almada 1690-1740. Arquivo Rui Carita. D. Lourenço de Almada foi mestre-sala da Casa Real de D. Pedro II e de D. João V (1689-1750), fidalgo do Conselho Real, deputado da Junta dos Três Estados e, por último, Presidente da Junta do Comércio. Deveria, entretanto, ter usado o título de conde de Abranches, a que em princípio teria direito, mas não consta que alguma vez o tenha feito; esse título só voltaria a aparecer na família no séc. XIX. Em 1702, foi um dos fidalgos nomeados em Santarém para acompanhar D. Pedro II na primeira fase da Guerra de Sucessão de Espanha e, em 1705, foi nomeado governador de Angola, lugar de que tomou posse a 20 de novembro desse ano, tendo governado até 4 de outubro de 1709 “com grande prudência e integridade, mas com tanta circunspeção, que além do Bispo, nenhuma pessoa se sentou em sua casa” (TORRES, 1825, 230). A 29 de novembro, o Rei escreveu-lhe a convidá-lo para governar a capitania-geral do Estado do Brasil, sob o mesmo preito de homenagem – convite esse que ele aceitou. No entanto, a situação nesse local revelou-se muito difícil, coincidindo com a Guerra dos Mascates no Recife e mais tarde, em setembro de 1711, com o assalto à cidade do Rio de Janeiro, levado a cabo pelo corsário francês René Duguay-Trouin (1673-1736). A circunstância do assalto francês – a que a guarnição da cidade quase se entregou sem resistência, limitando-se a negociar um importante resgate – levou D. Lourenço de Almada a apresentar a demissão, regressando algum tempo depois ao continente. Faleceu a 2 de maio de 1729, sendo sepultado na capela de S. Fulgêncio da igreja do convento de N.a Sr.a da Graça, em Lisboa, pertencente à sua família.     Armas dos Almada 1690-1740. Arquivo Rui Carita.     Rui Carita (atualizado a 13.11.2016)

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albuquerque, manuel de saldanha de

Filho de Aires de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e Noronha e de D. Maria Leonor de Lencastre e Moscoso, pertencia a uma das principais famílias da nobreza de corte, da qual já haviam saído vários governadores da Madeira. O seu governo da Ilha marca o início da implantação do despotismo iluminado, com uma nova forma de governar e a produção de uma série de relatórios para a corte de Lisboa. Exercendo tal cargo durante o conflito conhecido como a Guerra dos Sete Anos, deveu-se-lhe a construção do molhe do porto da Pontinha. Palavras-chave: colonia; comércio internacional; despotismo iluminado; Guerra dos Sete Anos; porto do Funchal.   Filho de Aires de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e Noronha (1681-1756), pertenceu a uma das principais famílias da nobreza de corte, da qual já haviam saído vários governadores da Madeira, entre os quais o seu avô João de Saldanha e Albuquerque (c. 1630-1723) (Albuquerque, João de Saldanha e). Seu pai era da câmara do infante D. António (1695-1757), filho de D. Pedro II (1648-1706) e de sua segunda mulher, a Rainha D. Maria Sofia Isabel de Neoburgo (1666-1699), tendo sido governador e capitão-general do Rio do Janeiro, e a mãe, D. Maria Leonor de Lencastre e Moscoso (c. 1685-1731), segunda mulher de Aires de Saldanha, era filha do 5.º conde de Santa Cruz e 2.º marquês de Gouveia. Manuel de Saldanha de Albuquerque foi sargento-mor de batalha com exercício na torre de Belém e, antes, fora mestre de campo, coronel e brigadeiro com exercício em ocasião de guerra, bem como comendador de Santa Maria de Castro Laboreiro, na Ordem de Cristo e no arcebispado de Braga. Manuel de Saldanha de Albuquerque e Castro ou Coutinho Matos e Noronha, apelidos que também utilizou, nasceu em 1712 e casou-se tardiamente, a 24 de fevereiro de 1754, com D. Ana Ludovina de Almada Portugal (1722-1790) – filha de D. Luís José de Almada (c. 1680-1735), mestre-sala da Casa Real, e neta do ex-governador da Madeira D. Lourenço de Almada (1645-1729) –, que, em 1748, se casara com o secretário de Estado Marco António de Azevedo Coutinho (1688-1750), tendo enviuvado sem descendência. Os primeiros anos do governo de D. José (1714-1777) marcam o progressivo protagonismo de uma nova nobreza de corte, parte da qual ligada ao Iluminismo europeu, situação já patente nos últimos anos do governo de D. João V (1706-1750). Tendo falecido em 1750, Marco António de Azevedo Coutinho foi substituído na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra por Fr. Gaspar da Encarnação (1685-1752), religioso do Convento do Varatojo e irmão do 3.º marquês de Gouveia que, antes de professar, se chamava Gaspar de Moscoso e Silva (Jacobeia e Coutinho, D. Fr. Manuel). Substituído à frente dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 1750, por Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), posterior conde de Oeiras e marquês de Pombal, teria sido ainda ele a orientar, por certo, o casamento de D. Ana Ludovina com o seu sobrinho Manuel de Saldanha de Albuquerque, embora tal casamento ocorresse somente após o seu falecimento. A família Saldanha foi uma das que o futuro marquês de Pombal, nos primeiros tempos do seu Governo, favoreceu e elevou aos mais altos cargos do Império, embora depois, dadas as suas ligações aos Távora e aos Cunha, também tenha contribuído para a sua queda. Manuel de Saldanha de Albuquerque estaria já apontado para o lugar desde os inícios de fevereiro de 1754, mas só teve patente de governador e capitão-general da Madeira, título do Conselho e ajuda de custo com data de 6 de maio desse ano. Tomou menagem no dia seguinte, a 7 de maio, e seguiu para o Funchal, com D. Ana Ludovina, logo no dia 8, tomando posse a 16 do mesmo mês. O novo governador substituiu, na Madeira, D. Álvaro José Xavier Botelho de Távora (1708-1789), 4.º conde de São Miguel (Távora, D. Álvaro Xavier Botelho de) e ainda seu parente, que foi entretanto nomeado para o Governo de Goiás, no Brasil. Aguardando desde fevereiro a chegada do seu sucessor, D. Álvaro acabou por seguir diretamente da Madeira para o Brasil sem se deslocar a Lisboa a prestar menagem do lugar, entregando assim o governo a D. Manuel. Tendo tomado posse a 16 de maio de 1754, Manuel de Saldanha, após alguns meses de análise da situação, elaborou, a 1 de outubro, um extenso e interessante relatório, no qual começava por referir a inexistência de um regimento em que estivessem consignadas as competências do governador da Madeira. O futuro conde da Ega mostrava mesmo os inconvenientes de tal situação, ressaltando que tal falta não podia “deixar de servir de embaraço em muitas ocasiões” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 48) e que, na melhor das intenções, poderia levar a interferências entre os vários poderes instituídos, quer da justiça, com o corregedor, o juiz de fora e o ouvidor, quer da Fazenda, com o provedor. Assim, o governador insiste: “este tão justo receio, me obriga a rogar e pedir a Vossa Majestade, com o mais profundo respeito e a maior submissão [...], que para este governo se passem ordens que declarem qual é a jurisdição dos seus governadores” (Ibid.). A resposta seria, no entanto, mais ou menos vaga. Em maio do ano seguinte, o governador agradece as cartas de 20 de fevereiro e de 6 de março, em resposta às questões levantadas sobre a leva de casais para Santa Catarina, no Brasil (Levas de casais), assunto que se arrastava desde 1747, e sobre o estado geral da Ilha. O agradecimento e a citação do governador não deixam dúvidas de que tudo tinha ficado na mesma: “Fico advertido pelo que pertence à jurisdição deste governo, ser a mesma que em todos os outros” (Ibid., doc. 73). Apesar de tudo, acrescenta o governador que tinha ficado mais sossegado “nessa parte, por saber o que diretamente me toca, para não exceder, nem faltar ao que sou obrigado” (Ibid.). Não restam assim dúvidas de que nada de especial se adiantara. Nos meados do século já se adivinhava um novo conflito, que veio a eclodir na Europa em 1756, ficando conhecido como a Guerra dos 7 Anos. O governador Manuel de Saldanha de Albuquerque, pouco depois de tomar posse, logo enviou para Lisboa mapas detalhados das forças e das fortificações da Ilha, com uma descrição pormenorizada que só voltamos a encontrar no séc. XIX e que é sinal de uma nova filosofia governativa, depois personalizada no gabinete do marquês de Pombal. O mapa das forças, ligeira e ingenuamente aguarelado e decorado, tem como título “Ilha da Madeira. Mapa do Presídio Militar da Dita Ilha, do das Milícias da Ordenança Que a Guarnecem e Vigiam, das Suas Fortalezas, Armas, Munições e Apetrechos de Guerra Existentes. Ano de 1754” (Ibid., anexo ao doc. 48). Em quadro lateral, apresenta o seguinte genérico: “O Presídio pago de Ilha consta do seu Governador e Capitão General, de dois capitães entretenidos, com exercício de ajudantes de ordens, um dos quais se acha vago, de uma companhia de Infantaria de 100 praças, oficiais de Artilharia, artilheiros e os mais seguintes” (Ibid.). Em face disso, especifica depois tais elementos, dando conta de que a companhia paga é dotada de 1 capitão de infantaria, 1 alferes, 1 sargento, 2 tambores, 4 cabos de esquadra e 96 soldados. Ainda pagos, encontravam-se 2 “aposentados com praças mortas” (Ibid.), termo que tinha evoluído ao longo do tempo e que, nessa altura, indicava simplesmente um aposentado. Neste quadro de 1754, junto com a fortificação, citam-se ainda como pagos os 2 sargentos-mores das capitanias e respetivos ajudantes, somando um total de 146 elementos que, ao todo, recebiam por ano 8276$700 réis, acrescidos de 11 pipas de vinho, pagamento tradicional da Ilha aos iniciais bombardeiros, não se pagando já qualquer quantitativo em moios de trigo, mas indicando-se o espaço correspondente e colocando-o em zero (Artilheiros e Bombardeiros). Na faixa de baixo, vem este genérico: “As Ordenanças constam de 88 companhias nas duas capitanias da Ilha, das quais se acham sem capitães, 23 e faltas de 2 alferes e 2 sargentos. São todas exercitadas pelos 2 sargentos-mores e 2 ajudantes acima [citados]” (Ibid.) (Companhias de ordenanças). Os quantitativos são depois discriminados pelo tipo de armamento utilizado, acrescido ainda dos artilheiros da ordenança para as diversas fortalezas: 338 na capitania do Funchal, 54 na de Machico e um total de 392 homens, não pagos. As ordenanças guarneciam ainda 13 vigias na capitania do Funchal e 12 na de Machico, num total de 25 vigias. Para além destes quantitativos, o governador ainda indica no mapa, de forma quase exaustiva, os materiais existentes. O preenchimento dos lugares militares superiores foi abordado pelo governador, em 1754, no relatório elaborado logo depois da sua chegada à Ilha. Refere então ter encontrado uma série de lugares militares providos indevidamente, i.e., contra o que estipulava o alvará de 18 de outubro de 1709, que determinava o preenchimento dos lugares de capitães de ordenanças através de eleições efetuadas nas câmaras, especificando os prazos e os trâmites legais por que deveriam passar. No entanto, até meados do século, nenhum dos governadores teve coragem de tocar nesta situação, dado que, quando tomavam posse, já encontravam providos nesses lugares uma série de capitães, e outros já apresentados e funcionando interinamente como tal, o que tornava a situação melindrosa. Acrescenta então Manuel de Saldanha: “esta mesma ordem tem vindo a este governo repetidas vezes aos meus antecessores e todos eles acharam inconvenientes na sua execução” (Ibid., doc. 48), pelo que optava pela mesma posição até se definirem mais corretamente os princípios de aplicação da mesma lei. Em maio de 1755, o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque advoga uma série de medidas para fazer face à crise geral das propriedades agrícolas, citando, inclusivamente, o cultivo do Paul da Serra. No entanto, com a chegada das primeiras informações sobre este projeto às zonas rurais, logo rebentaram motins na Calheta, Ponta do Sol e São Vicente, pelo que o assunto não foi avante (Ibid., doc. 54). Em carta de 15 de junho de 1756, o governador volta a referir que, depois de ter tomado “mais conhecimento desta Ilha, por ter visto já alguma parte dela” (Ibid., doc. 73), achava que os moradores só cultivavam as terras vizinhas do mar, deixando as demais incultas. Os agricultores apresentavam então como razão a necessidade de pastos para o gado, mas o governador acrescentava que não seria verdade, dada a configuração alcantilada do terreno, que não permitia a sua utilização para gado. Teria então este averiguado a verdadeira causa e chegado à conclusão de que a maior parte daquelas terras tinha sido dada aos avós dos atuais proprietários por sesmaria, com a obrigação de as aproveitarem, pelo que, não tendo tal sido feito, deviam voltar à Coroa. Nessa carta, no entanto, alertava para os cuidados a ter neste campo – “sem fazer sangue” (Ibid.) –, ao mesmo tempo que obrigava os proprietários a cultivar essas terras. Alvitra mesmo que se poderia fazer como na América do Sul, “ainda que fosse só por empréstimo, para eles em alguns anos o satisfazerem” (Ibid.). Segundo a opinião do futuro conde da Ega, em breve a Madeira seria uma terra farta e não precisaria de se valer “tanto das nações estrangeiras que aqui comerciam” (Ibid.). Assim, na sua opinião, ganharia a Madeira e a Coroa Real, porque dessa forma não sairia tanto dinheiro como na altura acontecia. Neste ofício de 1756, referia ainda que “a maior parte do povo desta Ilha são caseiros, ou para melhor dizer, meeiros da nobreza dela, ou daqueles que têm algumas fazendas, nas quais os senhorios, por um antigo costume, não gastam um só real e são os caseiros ou meeiros que as beneficiam à sua custa, utilizando para essa despesa de metade do que rendem as fazendas” (Ibid.). Sendo a Ilha uma terra essencialmente montanhosa, era necessário, para que as terras não fossem para o mar, fazer grande “multidão” de paredes, nas quais “despendem os pobres todo o seu cabedal e subsistência, sucedendo que, quando querem largar as fazendas e procuram as suas benfeitorias aos senhorios, estes, ou porque estão bem servidos, ou porque não têm com que lhes paguem, o não fazem e os obrigam a que busquem outro caseiro, a contento dos donos das propriedades, que lhes satisfaça o seu trabalho e despesa, dizendo que eles não são obrigados a comprar o que lhes não rende e estão de tal sorte persuadidos deste uso, que lhes parece que o contrário é violência e injustiça” (Ibid.). Salientava, no entanto, que “é bem certo, que a maior parte das fazendas são tais, que não valem a terça parte das benfeitorias e que, se obrigarem os senhorios à satisfação daquelas, ficariam muitos deles miseráveis" (Ibid.). Os aspetos económicos gerais da Madeira e os particulares do próprio governador foram logo referidos oficialmente na carta e no relatório de 31 de outubro de 1754, dirigida ao conde de Oeiras. O governador começa por notar que na cidade do Funchal a vida era mais cara que na cidade de Londres, o que levava qualquer governador a ter de contrair dívidas para aí sobreviver, “pela carestia com que aqui se vende tudo”, “bem mau princípio para um filho segundo, com pouco ou nada de seu” (Ibid., doc. 46). Refere, então, que “os governadores desta Ilha, sem exceção nenhuma, têm todos feito negócio” (Ibid.) e vai ainda mais longe, dizendo, e.g., que o conde de São Miguel, seu antecessor, tinha mesmo feito um contrato com os comerciantes ingleses para “lhe darem um tanto, para que não o fizesse” e que, apesar disso, tinha mantido negócios por intermediários, “e se utilizava assim por dois caminhos” (Ibid.). Uns governadores teriam feito comércio em nome próprio, outros por interposta pessoa, e outros ainda de ambas as formas. Manuel de Saldanha pede assim que não se estranhe se tiver de recorrer a essa situação para sobreviver como governador; em alternativa, propõe que o pagamento de metade do seu ordenado e de 6000 cruzados que lhe eram devidos fosse feito em espécie, em trigo e vinho, como se fazia com o clero, o que representaria uma franca melhoria na sua vida de casa. Explicava que “seria o único modo de aqui poder viver sem dívidas” (Ibid.). A carta remata com a oferta de “casquinha desta terra, que é muito gabada” (Ibid.) – i.e., de citrinos em calda ou cristalizados – a Sebastião José de Carvalho e Melo, assim como de um barril de vinho para a sua mulher, a condessa de Daun, “que é alemã”, “para lhe ser oferecido da sua parte” (Ibid.). Manuel de Saldanha de Albuquerque, no entanto, iniciou os seus negócios pessoais com vinho da Madeira ainda em Lisboa, à semelhança do seu avô João de Saldanha e Albuquerque, negócios que continuou na Ilha e que depois transferiu para a Índia, quando para ali partiu como conde da Ega e vice-Rei, chegando a fretar navios para o efeito. No Funchal, também não resistiu a outros negócios que aí eram habituais, importando móveis de Londres que o Rei, a 14 de julho de 1756, autorizou que entrassem na Ilha sem pagarem direitos através do secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real, como faziam os cônsules ingleses, por certo a pedido do governador. As condições económicas da Ilha eram francamente adversas nesses anos, sentindo-se uma grande falta de cereal com a recessão provocada pela Guerra dos 7 Anos, agora a decorrer com especial intensidade no quadro da América do Norte. Neste quadro, foi proibido pelo futuro marquês de Pombal o embarque de qualquer marítimo português em embarcação estrangeira, sob pesadas penas, ordem que depois se repete nos anos seguintes, sinal de não estar a ser cumprida. O continente americano era então o principal fornecedor de cereais na Ilha, citando o governador a falta de tais produtos em carta de 1757: “por faltarem há meses na terra os navios ingleses, única nação que aqui comercia [...] ou porque a guerra tenha interrompido o seu comércio, se acham inteiramente desanimados, do que da sua América, donde eles tiravam a maior porção para esta Ilha, possam tirá-lo tão cedo” (Ibid., doc. 108). Neste quadro, o governador optou mesmo por enviar navios a Cádis e às Canárias para tentarem obter trigo. Saliente-se que, nos meados desse ano de 1757, aportou ao Funchal uma corveta da praça do Funchal vinda de Dublin, com abastecimento para mantimento de algumas naus de guerra dos ingleses, que vinham proteger o comércio britânico, o que é sinal de se terem entretanto encontrado outras soluções. Assim, ao longo de todo o século, ocorreram contínuos atritos entre as autoridades superiores da Ilha por motivos vários, entre os quais se conta o facto de receberem ordens de diferentes entidades. O Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque chegou mesmo a reclamar instruções precisas junto do secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real, a 25 de novembro de 1755, sobre a sua competência na determinação das obras de que careciam as fortificações do Funchal, “a fim de evitar conflitos com o provedor da fazenda” (Ibid., doc. 63). No entanto, a situação só foi sanada com a extinção da Provedoria e com a criação da Junta da Fazenda, a que presidiria o próprio governador. Deve-se ao Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque o início das obras do porto do Funchal, para o que foi expressamente enviado o engenheiro de origem italiana Francisco Tosi Colombina (1701-c. 1770). Não são muito percetíveis os primeiros passos deste engenheiro na Ilha, pois, em carta de 15 de janeiro de 1756, o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque alvitra a Diogo de Mendonça Corte Real a conveniência de enviar este engenheiro à América, onde efetivamente esteve entre 1751 e 1756. Ora, como oficialmente este engenheiro só teve patente em março e se apresentou ao serviço na Madeira em julho, parece entender-se que teria passado particularmente pela Madeira, propondo-se então levar a cabo as obras do porto do Funchal, após o que estagiou alguns meses no Brasil e só então se fixou na Madeira. Os estudos levados a cabo pelo engenheiro foram transmitidos a Lisboa, recebendo-se, com data de 22 de março de 1756, a ordem de execução do porto de abrigo (Porto do Funchal). A 29 de julho de 1757, o governador dava conta para Lisboa do bom ritmo das obras, informando que já se havia consultado as nações estrangeiras para parecer e apoio às mesmas, bem como que se encontravam em pagamento as expropriações dos terrenos para a construção de um caminho que ligaria o novo cais à cidade por debaixo dos arrifes de Santa Catarina. Na mesma data, o provedor da Fazenda Manuel Teixeira de Castro confirma as informações do governador, acrescentando que, com o desenvolvimento geral do comércio, também seriam necessárias obras em Santa Cruz, Machico e Ribeira Brava. O controlo das verbas desta primeira fase do porto do Funchal, então da ligação do chamado Ilhéu Pequeno aos arrifes da Penha de França, com a construção de um pequeno forte sobre aquele ilhéu, à época denominado S. José (Forte de S. José da Pontinha), iria envenenar as relações entre o governador e o provedor, colocando continuamente em causa os trabalhos de Francisco Tosi Colombina. Face às contínuas queixas de parte a parte, em julho de 1757 o provedor Manuel Teixeira de Castro foi repreendido pelo secretário de Estado Tomé Joaquim da Costa Corte Real e afastado do controlo das obras, que passaram para a administração direta do governador e para as quais lhe foram entregues 3000 cruzados. As relações entre o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque e o Eng.º Francisco Tossi Colombina também teriam sido postas em causa, chegando o governador a duvidar das capacidades do engenheiro para levar a cabo uma obra de tal envergadura. No entanto, Colombina, regressado do Brasil, dissipou completamente essa impressão e passou a acompanhar o governador como seu oficial às ordens, havendo uma perfeita comunhão de opiniões e interesses, patentes, e.g., nas cartas enviadas por ambos a propósito da lei e alvará relativos à libertação dos índios do Brasil. Em 1758, tendo Manuel de Saldanha de Albuquerque sido nomeado vice-Rei da Índia, fez-se acompanhar depois precisamente por este engenheiro. A 5 de agosto de 1757, chegava ao Funchal o novo bispo, D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1703-1784) , criteriosamente selecionado pelo gabinete pombalino, e Manuel Saldanha de Albuquerque era apresentado para vice-Rei da Índia. A 13 de fevereiro de 1758, o bispo tomava posse do governo de armas interino da Ilha e dava a Tomé Joaquim Corte Real lisonjeiras referências sobre o governador. O governador da Madeira, que recebera ordem para ir a Lisboa para ser empregado numa comissão de serviço, parte, assim, para o Oriente com a nomeação de vice-Rei da Índia, de 10 de março de 1758, e é agraciado com o título de conde da Ega, por decreto de 25 de março seguinte. O governo do conde da Ega no Oriente foi muito complicado, com as várias guerras em que o Estado da Índia andava empenhado e, depois, com a extinção da Companhia de Jesus, em 1759, situação em que o vice-Rei cumpriu fielmente as ordens do marquês de Pombal, prendendo e enviando para o reino 231 padres que então existiam na Índia e que eram um dos principais suportes da presença portuguesa no Oriente. Nesse mesmo ano, foi residir em Pangim, mas a despesa causada por esta mudança, o ambiente faustoso em que sempre vivia, bem como alguns atos despóticos e pouco regulares que praticou, deram origem à grave acusação de ter delapidado a fazenda pública por ocasião do sequestro dos bens dos Jesuítas. O facto de o seu primo, o cardeal Francisco de Saldanha da Gama (1713-1776), ter votado no Conselho de Estado contra o marquês de Pombal, no caso dos meninos de Palhavã, também concorreu muito para o seu desmerecimento no agrado do ministro, sendo o conde de Ega exonerado do cargo e substituído por um conselho constituído por D. António Taveira de Neiva Brum da Silveira, arcebispo de Goa, João Baptista Vaz Pereira e D. João José de Melo. Entregou o governo a 25 de dezembro de 1765, saindo de Goa a bordo do navio Nossa Senhora de Brotas. Ao entrar no Tejo, foi preso e encarcerado na torre do Otão, em Setúbal, aí permanecendo mais de dois anos. Já de saúde muito debilitada, conseguiu autorização para se recolher na casa de família, à Junqueira, onde, totalmente cego, veio a falecer a 6 de dezembro de 1771, sendo sepultado na igreja do Convento dos Marianos. Assumiu, tenazmente, a sua defesa D. Ana Ludovina de Almada, que consegue, pelo decreto de 27 de maio de 1777, após o falecimento de D. José e o afastamento do marquês de Pombal, a nomeação de um novo juiz relator do processo acusatório, podendo assim provar a improcedência das acusações e, por sentença da Relação de Lisboa, de 26 de janeiro de 1779, ilibar a conduta do conde da Ega como vice-Rei da Índia. Foi só então que o seu filho Aires de Saldanha e Albuquerque (1755-1827) herdou o título paterno. O 2.º conde da Ega haveria de casar, em segundas núpcias, com a filha de D. Leonor de Almeida (1750-1839), 4.ª marquesa de Alorna, a condessa de Oyeinhausen-Grave, D. Juliana Luísa Maria Carolina Sofia de Oyenhausen e Almeida (1784-1864), assim também condessa da Ega e, depois ainda, condessa de Strogonoff, na Rússia, ambas mulheres notáveis no seu tempo.    Rui Carita (atualizado a 13.11.2016)

História Militar História Política e Institucional Personalidades

abreu, antónio de

No seguimento da descoberta do caminho marítimo para a Índia (Índico, Oceano), alguns madeirenses participaram na armada de 1502, entre os quais Lopo Mendes de Vasconcelos (c. 1480-?) (Vasconcelos, Lopo Mendes), bisneto de Zarco (c. 1390-1471) e cunhado de Vasco de Gama (c. 1460-1524), que voltou à Índia na armada de 1504, de que era capitão-mor Lopo Soares. Nessa armada de 13 velas, que partiu de Lisboa a 22 de abril, seguiu também, como capitão de uma outra nau, Lopo de Abreu da Ilha, embora João de Barros (1496-1570) o cite somente como Lopo de Abreu; no Livro de Lisuarte de Abreu aparece como Diogo de Abreu da Ilha, e no Livro das Armadas da Academia das Ciências novamente como Lopo de Abreu. Alguns autores consideram que o apelido “da Ilha” indica que estes capitães (ou este capitão) eram naturais da Madeira, mas os nobiliários insulares conhecidos não lhes fazem qualquer referência. A hipótese de se tratar de António de Abreu, já alvitrada, não é possível, dado o mesmo ter então cerca de sete anos. António de Abreu, moço fidalgo nascido a 1495, era o quinto filho de João Fernandes do Arco (Arco, João Fernandes do). Os irmãos Abreu, filhos de João Fernandes do Arco (c. 1470-1527) e de Beatriz de Abreu (c. 1470-c. 1526), ganharam nomeada: Aleixo, o mais velho (c. 1490-1528), que, depois de servir em Marrocos com o pai (Marrocos), teve mercê da capitania de uma nau da armada de Manuel de Lacerda, em 1527, morreria no ano seguinte, a caminho da Índia, como “capitão de uma nau que se perdeu no mar” (CORREIA, 1975, III, 182-183), junto à costa da ilha de São Lourenço (posteriormente Madagáscar); Francisco (c. 1492-1526), que esteve nas praças de Marrocos como capitão, ali matou uma onça, cuja pele mandou ao Rei D. Manuel (1469-1521); Jerónimo (c. 1494-c. 1540), que veio a ser assassinado na Calheta pelos Cabrais; e, por fim, António de Abreu (c. 1495), o mais conhecido e amplamente citado (embora nem sempre essas citações digam efetivamente respeito ao filho de João Fernandes do Arco). Os elementos femininos desta geração – Isabel, Joana, Mécia, Águeda, Filipa, Branca, Francisca e Inês – gozaram igualmente de grande protagonismo à época, inclusivamente na corte de Lisboa, pois uma das irmãs, Filipa de Abreu, casada com Bartolomeu de Paiva, primo de Fernão de Magalhães (1480-1521), foi ama do príncipe D. João (1502-1557), filho e herdeiro do Rei D. Manuel, no impedimento da cunhada, D. Brites de Paiva, mulher de D. Álvaro da Costa. Bartolomeu de Paiva ficou por isso conhecido como “o amo”, embora a ama tivesse sido a mulher (Bartolomeu de Paiva foi vedor da carga das naus, capitão da Torre de Belém, camareiro de D. João III e vedor das obras do Reino, ainda no tempo de D. Manuel). A importância destas irmãs do Arco da Calheta é patente no caso de Isabel de Abreu: depois de enviuvar de João Rodrigues de Noronha, que fora comandante de Ormuz, foi cortejada pelo primo do marido, António Gonçalves da Câmara, quando se encontrava recolhida em casa da sua irmã Águeda de Abreu (c. 1495-1545), segunda mulher de João Esmeraldo (c. 1460-1536), então em serviço no Norte de África. Perante o assédio de António Gonçalves da Câmara, as famílias Abreu, Esmeraldo e Câmara envolveram-se numa batalha campal no Arco da Calheta, com fortificação de residências e utilização de artilharia, o que levaria à intervenção régia através de uma alçada. A importância desta geração é patente nos casamentos das restantes irmãs, como Joana de Abreu, mulher de D. João Henriques, segundo senhor das Alcáçovas; Mécia de Abreu, mulher de D. Pedro de Moura; Branca Fernandes de Abreu, segunda mulher de Álvaro de Ornelas Saavedra (c. 1460-1526); e Inês de Abreu, mulher de D. João de Noronha. Depois de militar em Marrocos, onde esteve na tomada de Safim (Safim) – aí ficando como fronteiro, juntamente com Nuno Fernandes de Ataíde (c. 1480-1516) –, António de Abreu fez parte das forças de D. Jaime de Bragança (1479-1532), que tomaram Azamor. Henrique Henriques de Noronha (1667-1730), descendente de Inês de Abreu, contará depois que António de Abreu teria embarcado para a Índia em 1511, acompanhando Afonso de Albuquerque (1453-1515) no mar Roxo (Vermelho), e que, chegado a Malaca, este o teria enviado à descoberta das ilhas de Maluco e Barba na qualidade de capitão-mor de três navios, tendo ele chegado às ilhas de Bornéu. António de Abreu teria ainda feito o reconhecimento das ilhas do Maluco (Ilhas Molucas), para o que seria portador de uma carta do vice-Rei da Índia dirigida ao soberano local. Ainda “alcançou a ilha de Banda, onde carregou as naus de cravo e fez outras viagens, onde descobriu a ilha de Amboíno”. Escreveu Noronha que João de Barros, “com más informações” (NORONHA, 1948, 22-23), o faz filho de Garcia de Abreu, fidalgo que residia em Avis. Por sua vez, João Cabral do Nascimento (1897-1978) desfez, em 1931, o engano do próprio Noronha: se António de Abreu esteve nas forças de D. Jaime de Bragança, na tomada de Azamor de 1513, não pode ter embarcado em 1511 para a Índia. Entretanto, o António de Abreu nascido em Avis regressou ao reino depois de 1518, mas perdeu-se no mar, pela altura dos Açores. O António de Abreu registado na Índia é efetivamente o madeirense filho de João Fernandes do Arco, como também menciona João de Barros, que diz ainda que, em 1523, quando D. Duarte de Meneses chegou a Ormuz, encontrou oito velas que tinham saído do reino a 3 de maio desse ano, duas das quais para transporte de especiarias, sendo uma delas – a Santo António – a de António de Abreu (a nau figura de Relação das Naus, do Livro das Armadas e do Livro de Lisuarte, embora não se refira nestes textos o respetivo nome). António de Abreu teria recebido, segundo Noronha, a capitania-mor do mar de Malaca em 1522, mas não possuímos a documentação respeitante a esse facto; quando é referido, em 1523, por João de Barros, comandava uma nau de transporte de especiarias para Lisboa. Regressou certamente a Portugal continental em 1524, pois em 1525 comandava a nau Rosa, que integrou a armada de D. Filipe de Castro, mas a nau tomou vento contrário, arribando de novo a Lisboa. Voltou a embarcar em 1526, na armada de Francisco de Anaia, que também integrara a armada anterior e cuja nau se perdera logo à saída da barra de Lisboa, comandando António de Abreu a nau Conceição. No ano seguinte, seria a vez de embarcar o seu irmão Aleixo, como capitão da nau Bastiana, que haveria de se perder nos baixios da ilha de Madagáscar, juntamente com a nau-capitã de Manuel de Lacerda. O capitão-mor da armada salvar-se-ia, mas o mesmo não se passaria com Aleixo de Abreu. Nesta armada seguiu também Gaspar de Paiva, primeiro capitão da Torre de Belém e substituído na Torre por seu irmão Bartolomeu de Paiva, cunhado do malogrado Aleixo de Abreu. O nome de António de Abreu aparece mais tarde como tendo sido indicado pelos notáveis do Estado Português da Índia para ser um dos fidalgos que, juntamente com Pero de Faria, Gaspar de Paiva e Diogo da Silveira, serviriam de juízes no pleito suscitado em Goa, em 1527, entre Pedro de Mascarenhas (c. 1484-1555), governador e capitão-mor de Malaca, e Lopo Vaz de Sampaio (c. 1484-1534), governador da Índia, que depois recebeu ordem de prisão proveniente de Lisboa. Diogo do Couto (1542-1616) não o menciona na Década 4 da Ásia, mas vem referido por Francisco de Andrade (1540-1614) na Crónica de D. João III. O nome de António de Abreu aparece ainda na armada de Pero Lopes de Sousa, que partiu de Lisboa a 24 de março de 1539, comandando o galeão Salvador, e é mencionado em quase todos os registos que àquela se referem. Os navios da armada regressaram a salvo ao reino, salvo a nau-capitã e o almirante, que se perderam no regresso, mas não sabemos se se tratava efetivamente do capitão do Arco da Calheta, que se encontrava então já numa idade avançada e sobre o qual mais nenhum registo possuímos da vida no mar. António de Abreu casou-se com Branca de França, filha de João de França e de Inês Pires de Leiria, tendo ambos sido pais de Aleixo de Abreu, que veio a morrer solteiro na Índia, de Jerónimo de Abreu, que veio a herdar a casa de seus pais, de Fernão de Abreu, que casou com Maria da Silveira, e de Maria de Abreu, que casou Baltasar Berenguer. Houve entretanto, na Índia, vários fidalgos e navegadores com o mesmo nome de António de Abreu, sendo este nome referido: em mercês de 1568, na capitania das Molucas, por serviços prestados na Índia; em 1596, então em Fernão Lopes de Sousa de Abreu, por renúncia de seu pai, António de Abreu; em 1604, na capitania de Mascate, a outro António de Abreu; e em 1614, então também na capitania de Manar, a outro ou ao mesmo. Contudo, em nenhum dos casos se trata de António de Abreu do Arco da Calheta. Morreu em data incerta.   Rui Carita (atualizado a 21.11.2016)

História Militar Personalidades

arquitetura militar

A consciência da necessidade de fortificação das ilhas atlânticas com vista às alterações do quadro estratégico do Atlântico Norte foi tardia, ao contrário do que sucedeu no Norte de África, onde uma população islamizada nunca aceitou de bom grado a presença portuguesa, obrigando à rápida construção de estruturas defensivas. No entanto, o termo arquitetura militar envolve outros pressupostos, inclusivamente teóricos, pelo que a sua incipiente instalação na Ilha, ao longo do séc. XV e perante a inexistência de um inimigo imediato, dificulta a escrita sobre o tema. Claro que se construíram estruturas defensivas, como a torre do Capitão, em Santo Amaro, no Funchal ou a torre dos Esmeraldos, na Lombada da Ponta do Sol, mas foi principalmente por questões de prestígio (Arquitetura senhorial). Mesmo o pedido de construção de uma fortaleza feito à infanta D. Beatriz, em 1475 e a construção do chamado baluarte do Funchal (a fortaleza e palácio de São Lourenço), em 1540, resultaram mais em edificações senhoriais do que militares, numa época em que já se começava a equacionar outro tipo de construções, mas não a entendê-las totalmente. Nos meados do séc. XV, começou a ser introduzido em Portugal armamento de fogo, o que, a par das novas bestas com tração mecânica, por exemplo, alterou os pressupostos das construções defensivas. A utilização de armamento de fogo pesado obrigou ao reforço das antigas muralhas com sapatas e, progressivamente, foram desaparecendo as altas torres de menagem, alvos facilmente reconhecíveis à distância e também facilmente derrubáveis. A primeira fortificação construída na Madeira, pedida em 1528, determinada em 1529, mas só levantada entre 1540 e 1541, dirigindo a obra o pedreiro Estêvão Gomes, era uma fortificação de transição, não sendo ainda aquilo que se denominaria posteriormente “fortificação moderna”, “regular”, divulgada pelos novos tratados internacionais. O baluarte do Funchal implicou a construção de uma torre semioval, assente nos afloramentos rochosos da praia, ostentando os emblemas e as armas reais, articulada com uma muralha a correr sobre o chamado altinho das fontes de João Dinis, que envolvia as casas do capitão. Ao lado das fontes, o baluarte ou fortaleza tinha um torreão-cisterna que, flanqueando a muralha, protegia a aguada dos navios e a população na praia do Funchal. A fortaleza do Funchal e a organização geral defensiva militar mostrou-se assim totalmente incapaz perante o ataque corsário francês de outubro de 1566. A fortaleza foi atacada por terra, onde não possuía qualquer proteção e, não sendo possível movimentar as pesadas bocas de fogo em direção ao mar, não resistiu ao ataque, sofrendo a cidade um pesado saque de cerca de 15 dias a que quase nada escapou. A partir de então, a atenção da corte de Lisboa virou-se para as ilhas atlânticas e, logo na armada de socorro enviada à Madeira, terá viajado um arquiteto militar altamente habilitado, o mestre das obras reais Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), ligado à família dos arquitetos do mosteiro da Batalha, alguns militares continentais para reverem a organização das companhias de ordenanças e das vigias, ainda vindo alguns meses depois, dois técnicos militares italianos para o apoiarem. Data desta época a instalação em Lisboa de uma provedoria das obras reais, que passou a controlar a documentação expedida para o vasto império ultramarino português e à qual ficaria depois ligado o arquiteto mor do reino. O novo mestre das obras reais da Madeira, Mateus Fernandes, recebeu, nos primeiros dias de 1567, ordens várias, enviadas pela provedoria das obras, em Lisboa, entre as quais o Regimento das Vigias, datado de 22 de abril de 1567. Este documento serviu de ensaio ao regimento geral promulgado em todo o reino a 10 de dezembro de 1570. O Regimento das Vigias de 1567, dirigido ao capitão do Funchal, mandava montar vigias em todos os portos, “calhetas, praias ou pedras, em que parecesse que os inimigos poderiam desembarcar” (ARM, Câmara Municipal..., Registo Geral, tomo 2, fl. 142v.). Este regimento avança ainda com outras diretivas respeitante à artilharia, tendo sido a base de muitos dos pequenos fortes ou fortins depois levantados pela Ilha. Assim, no reconhecimento que o capitão e os restantes elementos deveriam fazer dos lugares para “guarda do mar”, “surgidouros e desembarcadouros”, também deveriam ser contemplados os lugares “para guarda da terra” (Id., Ibid., fls. 109-112v.). Nesses lugares, deveriam ser levantadas estâncias para colocar artilharia, cuja praça deveria ser “chã e calçada como convém”, para que o pessoal depois ali em serviço se pudesse movimentar bem e as “rodas dos reparos estarem sempre enxutas, sem humidade de água ou lama” (Id., Ibid.). Deveria ainda ser montada uma casa sobradada para a pólvora, tal como uma guarita para observação e vigia. Em março de 1567, Mateus Fernandes recebeu a visita e o apoio de dois arquitetos italianos, Pompeo Arditi (c. 1520-1571) e Tomás Benedito (c. 1520-1567), ambos de Pézaro, que lhe entregaram um primeiro regimento de fortificação para o Funchal, datado de 14 de março desse ano. Estes italianos, com quem o mestre das obras reais já teria contactado no Norte de África, ficaram na Ilha cerca de um mês e seguiram depois para os Açores, onde aquele último reformulou e dirigiu a nova fortaleza de S. Brás, em Ponta Delgada. Com esta colaboração, o mestre das obras do Funchal levantou uma planta da cidade, algo que poderá também ter feito antes, hoje na Biblioteca Nacional do Brasil e imaginou uma enorme fortaleza para o morro da Pena, a descer até à praia do Funchal, ocupando toda a zona velha, conforme a entendemos no começo do séc. XXI, ou bairro de Santa Maria Maior. Fortaleza da Pena-1567. Arquivo Rui Carita.   A fortaleza do morro da Pena previa a construção de um importante complexo fortificado sobre esse morro, descendo parcialmente sobre o bairro de Santa Maria com dois núcleos defensivos abaluartados, sendo a fortaleza parcialmente rodeada por fosso e tendo o total do conjunto uma dimensão que só veio a ter paralelo em Portugal durante o séc. XVII e com as guerras da aclamação de D. João IV. Mateus Fernandes ultrapassou francamente a sua época com um planeamento desta envergadura, o mais antigo que conhecemos em Portugal e que poderia recolher no seu interior toda a população da cidade do Funchal em caso de perigo. A existirem algumas semelhanças, somente com a fortaleza de S. Filipe, planeada dez anos depois para Setúbal pelo italiano Jacomo Palearo, el Fratin (c. 1520-1586) e levantada sob a direção de Filipe Terzi (1520-1597), ou com a congénere da Ribeira Grande, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, em princípio, projetada pelo mesmo Filipe Terzi, sendo que nenhuma delas tinha a dimensão da delineada para a do Funchal. O planeamento compreendia dois núcleos abaluartados: um sobre o morro da Pena e outro na baixa do bairro de Santa Maria, que desapareceu totalmente com a construção da monumental fortaleza. O núcleo mais alto, sobre o morro, era dotado com dois terraplenos, tendo o de cima quatro baluartes pentagonais e o de baixo dois baluartes retangulares, com canhoneiras a flanquearem as muralhas de união dos dois terraplenos. Indicam-se no projeto as diferenças de altura das várias áreas para o leito da ribeira de João Gomes, que chegavam aos 140 palmos, ou seja, quase 30 m. Um corredor murado sobre a ribeira ligava os dois núcleos, com canhoneiras a flanquearem os muros a norte e a sul, utilizando-se a ribeira ainda como fosso. O núcleo inferior possuía uma enorme esplanada, delimitada por um baluarte pentagonal e dois meios baluartes. Mas o planeamento não foi aceite em Lisboa, optando-se por um esquema mais tradicional e reduzido para a futura fortaleza de S. Lourenço, articulado com panos de muralhas (Muralhas do Funchal). D. Sebastião enviou, assim, um novo regimento de fortificação, em 1572, no qual a cidade era envolvida, na frente mar e ao longo das ribeiras de João Gomes e de São João, por panos de muralhas que fechariam nos morros da Pena e de São João com pequenas posições fortificadas. A fortaleza central da cidade foi ampliada com o planeamento feito por Mateus Fernandes para o núcleo superior do morro da Pena, mas reduzida a menos de um terço das dimensões iniciais. Ficou com dois baluartes pentagonais gémeos virados a norte e um quadrangular, a proteger a zona ocidental, mantendo a nascente o baluarte joanino de 1541. Mais tarde, por volta de 1600, veio a ser dotada de um novo baluarte pentagonal, projeto de Jerónimo Jorge (c. 1570-1617), para proteger a porta. Como apoio da fortaleza principal, foi executada uma pequena estância fortificada, a ocupar a foz das ribeiras de Santa Luzia e de João Gomes, a futura fortaleza de S. Filipe da Pç. do Pelourinho, havendo um pano de muralha a unir ambas, mas do qual quase nada ficou. A cidade considerada por D. Sebastião era já um pouco maior do que a de D. Manuel, isto é, o limite oriental passou da ribeira de Santa Luzia para a de João Gomes. No entanto, o primitivo bairro de Santa Maria do Calhau continuou a não ser considerado cidade, só vindo a possuir o seu troço amuralhado alguns anos depois e num outro enquadramento histórico. No verão de 1582, face à ameaça das armadas de D. António, prior do Crato, com base no arquipélago dos Açores, Filipe II mandou avançar, das Canárias, o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598). As primeiras preocupações do conde de Lançarote foram para a segurança interna e externa da Ilha, começando por visitar as duas fortalezas com o mestre das obras reais Mateus Fernandes, inteirando-se do seu estado e das suas necessidades. Conforme informa a 18 e 26 de junho, a fortaleza velha era essencialmente um bom palácio residencial, mas encontrava-se cercada de edificações muito próximas e mais altas, pouco valendo, assim, como defesa. A nova ainda se encontrava em piores circunstâncias, pouco havendo a fazer para melhorar as suas condições, pois não só estava mal localizada como também se encontrava mal construída. Perante o conflito que opunha as forças de Filipe II às de D. António, prior do Crato, com franceses e ingleses, envolvendo muitas centenas de homens de parte a parte, a pequena estância “nova” da Pç. do Pelourinho do Funchal era mínima para as necessidades e a de S. Lourenço também oferecia muitas reservas face ao seu envolvimento. As fortalezas e o seu autor, o mestre das obras reais Mateus Fernandes, receberam as mais duras críticas dos governadores e técnicos desses finais de século, dado não estarem previstas para fazer frente a um conflito como o que se desenrolava. O problema de ampliação da muralha do Funchal à frente mar foi resolvido por Tristão Vaz da Veiga (1537-1604), quando, em 1585, tomou posse da capitania do Funchal, determinando o prolongamento da muralha para nascente. Este troço de muralha ao longo do calhau chegou parcialmente ao séc. XXI, confrontando com o que é, no começo do segundo milénio, a entrada do hotel levantado no antigo arsenal de Santiago ou de S.ta Maria Maior. As obras do novo troço de muralha confinavam com os arrifes por de baixo da antiga igreja de Santiago Menor, justificando a construção de uma fortaleza nessa baixa. A fortaleza de Santiago deve ter tido projeto de Mateus Fernandes, mas terá sido reformulado depois por Jerónimo Jorge, enviado de Lisboa em 1595, até então a trabalhar nas obras de S. Julião da Barra e do forte do Bugio.   Penha de França. Arquivo Rui Carita.   Desde a união das duas coroas que se discutia no Funchal a muralha poente e a edificação de uma fortaleza no Pico dos Frias, “padrasto”, ou seja, mais alto que toda a cidade e, inclusivamente, com comandamento sobre a fortaleza de S. Lourenço, tendo sido elaborado, de imediato, um projeto da autoria de Mateus Fernandes (Fortaleza do Pico). A situação foi ultrapassada pelo governador Cristóvão Falcão de Sousa, que após tomar consciência das necessidades da defesa do Funchal, em finais de 1601, enviou a Lisboa o sargento-mor da cidade, Roque Borges de Sousa, com uma planta da nova fortificação, por certo, a que fora executada por Mateus Fernandes, pois só nessa altura voltou à Ilha o fortificador Jerónimo Jorge. Regressado o sargento-mor ao Funchal, logo a fortaleza foi levantada, mas somente em madeira, encontrando-se já guarnecida nos inícios de 1602 e sendo passada a pedra e cal ao longo do século. Durante a mesma centúria, ainda seria levantada a bateria da Alfândega (Reduto da Alfândega), constituída por um baluarte triangular avançado ao mar, construído sobre a cortina da cidade e a fortaleza do Ilhéu, no meio do porto do Funchal, ambas com projeto e direção do mestre das obras reais Bartolomeu João, (João, Bartolomeu). Consolidava-se, assim, uma rede de fortalezas modernas, constituídas por conjuntos de baluartes pentagonais, de paredes inclinadas e reforçados nos cunhais, como a fortaleza do Pico, quase de traçado regular, sendo a artilharia colocada nas esplanadas dos mesmos. As novas fortificações adaptavam-se ao terreno e às restantes estruturas defensivas, como os muros da cidade, podendo ser apenas quase estâncias de tiro e formando um conjunto articulado, cruzando fogos obrigatoriamente entre si. O centro de comando era a fortaleza de S. Lourenço e, dada a sua localização, a do Pico funcionava como cidadela ou seja, de recurso e refúgio para o caso de invasão da baixa da cidade. A defesa e a fortificação da Madeira foram revistas várias vezes no séc. XVII, mas os elementos produzidos não chegaram até nós. Nos finais da centúria, por exemplo, deslocaram-se à Madeira o capitão de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e o engenheiro Manuel Gomes Ferreira, mas apenas sabemos que teria sido então executado o portão dos Varadouros, datado de 1689. Mais tarde, em 1705, Manuel Gomes Ferreira, citaria que haviam feito um levantamento quase total das costas da Ilha, mas do qual nada conhecemos. Tudo leva a crer que estes trabalhos tivessem ido com os seus autores para Lisboa e aguardassem aí despacho favorável, perdendo-se no curso do tempo. A primeira grande campanha de obras de fortificação do séc. XVIII decorreu no governo de Duarte Sodré Pereira, um fidalgo mercador que tomou posse a 29 de abril de 1704. Como ficou exarado no demolido forte novo de S. Pedro (Forte novo de S. Pedro), na praia do Funchal e onde se construiu mais tarde o campo do Almirante Reis, o governador mandou levantar esse forte, juntamente com os de Machico (Fortes de Machico), Santa Cruz (Fortes de Santa Cruz) e Ribeira Brava (Fortes da Ribeira Brava), que se guarneceram de artilharia, tendo-se concluído todos os trabalhos em 1707. A data é referente ao forte novo de S. Pedro, pois a campanha geral de obras só foi terminada entre 1708, data limite das lápides e 1711, ano das últimas nomeações para os mesmos fortes. As estruturas levantadas não se afastam especialmente das do século anterior, embora tenham definido um novo modelo de fortificação triangular de uma só bateria, em que o lado virado a terra, em algumas, aparece dotado de torreão de gola, como no de S. Bento da Ribeira Brava, datado de 1708, ou no de S. João Batista do Porto Moniz, mais tardio, datado de 1758 (Forte do Porto Moniz). Nos finais do séc. XVIII procedeu-se a novo estudo de defesa da Ilha, determinado por D. Maria I, com data de 11 de junho de 1797, como vem referido na cartografia então levantada, pois não conhecemos registos no governo local. Para cumprir o plano determinado por D. Maria I, deslocou-se no ano seguinte para a Ilha o major do regimento de artilharia da corte, Inácio Joaquim de Castro, nomeado cavaleiro da Ordem de Cristo a 4 de dezembro de 1778, depois governador da ilha de São Miguel, nos Açores e da torre de S. Julião da Barra, em Lisboa. A instabilidade política dos anos seguintes não permitiu qualquer obra de fortificação e o que fora proposto em nada alterava o que estava feito. Os acontecimentos dos inícios do século seguinte, com a saída da corte para o Brasil, as ocupações inglesas do Funchal e mesmo a terrível aluvião de 1803, não só alteraram profundamente estes estudos como os levaram a outras resoluções, onde houve que equacionar não apenas a defesa imediata contra um ataque exterior. Com a referida aluvião, ocorrida a 9 de outubro, foi destacada para o Funchal uma equipa de engenheiros militares chefiada pelo brigadeiro, de origem francesa, Reinaldo Oudinot (1747-1807) e da qual fazia parte o então tenente Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), cujo primeiro trabalho foi o levantamento da planta do Funchal e dos estragos causados pela aluvião, porventura a melhor peça cartográfica efetuada na Madeira até essa data. A equipa foi para a Madeira, essencialmente, para colmatar os estragos da aluvião de 1803, mas num curto espaço de tempo alargou o trabalho à reforma da carta topográfica da Ilha e à defesa do Funchal, não só das intempéries, mas também numa perspetiva militar propriamente dita. Ao longo do ano de 1805, em abril, por exemplo, o brigadeiro Oudinot e Paulo Dias de Almeida ainda executaram as plantas da nova bateria das Fontes, que representa toda uma outra forma de entender a defesa e a arquitetura militares. A ideia já não era construir fortificações adaptadas ao terreno, mas grandes esplanadas capazes de receber as novas bocas de fogo, muito maiores do que as anteriores, necessitando assim de todo um outro campo de manobra. A bateria das Fontes veio a receber grande parte da guarnição da fortaleza e palácio de S. Lourenço, que a partir dos últimos anos do século anterior passara, essencialmente a palácio. Mais tarde, em 1824, sob a direção do brigadeiro engenheiro Raposo, o então tenente-coronel Paulo Dias de Almeida planeou uma estrutura idêntica de bateria rasante para a frente da velha fortaleza de Santiago, integrada então no novo molhe do cais do Funchal e que o mar rapidamente destruiu. Nos anos seguintes, Paulo Dias de Almeida dirigiu uma ampla campanha de obras militares nos pequenos fortes e vigias, desde o Funchal até Machico, motivada pela possibilidade de desembarque dos absolutistas, o que veio a acontecer a 22 de agosto de 1828, na baía daquela vila. A mais importante estrutura defensiva desta área era o forte novo do Porto Novo (Fortes do Porto Novo e Caniço), reforçado com forças mercenárias inglesas, porém, a explosão do paiol do mesmo levou à debandada das forças liberais, entrando os absolutistas no Funchal sem qualquer resistência. Os meados do séc. XIX assistiram à emergência dos engenheiros militares, aliás, e ao longo de décadas, à frente do governo português, verificando-se o mesmo, embora apenas pontualmente, na Madeira. Mas o seu domínio revelou-se essencialmente nas obras públicas, sendo necessário esperar pelos alvores da Primeira Grande Guerra para se fazerem obras especificamente militares no Funchal, de certa forma improvisadas, com as novas baterias de costa da antiga Q.ta Vigia e a bateria da Cancela, que dotadas com material do século anterior, pouco efeito tiveram nos dois bombardeamentos alemães sofridos pela cidade. Os trabalhos levados a efeito, tal como os seguintes, de 1940, com o deflagrar da Segunda Grande Guerra, no entanto, não se enquadram já bem na área da arquitetura militar, mas sim na da defesa. Nos finais do séc. XX houve um especial interesse pela arquitetura militar na ilha da Madeira, dadas as caraterísticas, de certa forma inovadoras, que a mesma possuía. Assim, foi objeto de uma exposição, efetuada nas comemorações nacionais do Dia de Portugal no Funchal, em 1981 e, no ano seguinte, remontada na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa e, ainda depois, na Casa do Infante, no Porto e em Vila Viçosa. Em sequência e dentro do processo autonómico, muitas dessas edificações, já então sem específico interesse militar, vieram a transitar para a tutela da RAM.       Rui Carita (atualizado a 10.10.2016)

Arquitetura História Militar Património

andrade, osvaldo da conceição vieira de

Oficial do exército português. Nasceu no dia 6 de fevereiro de 1891, tendo recebido o batismo a 18 de abril do mesmo ano, na igreja paroquial de São Pedro, concelho e Diocese do Funchal. Era filho legítimo de António José de Andrade, natural da vila de São Vicente, negociante e proprietário, e de sua mulher Juliana Teodolinda Vieira, natural da freguesia de São Pedro, Funchal, que haviam contraído matrimónio a 6 de outubro de 1887. Era neto paterno de Francisco José de Andrade e de Silvéria Teresa de Jesus; e neto materno de Manuel Vieira e de Joana Constância Vieira. A 13 de maio de 1936, casou-se com Jeannette Albertine Tellapier, na 2.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa. Em 1917, tomou parte, como aspirante a oficial de artilharia, na revolta militar de 5 de dezembro, liderada por Sidónio Pais. Pouco depois, a 31 de agosto de 1918, já alferes de artilharia, partiu para França integrado no Corpo Expedicionário Português (CEP). Incorporado no 11.º Corpo de Artilharia Inglesa, participou na tomada de Lille e na de Tournai, em outubro e em novembro de 1918, respetivamente, tendo regressado a Portugal a 21 de março de 1920. Anos mais tarde, cooperou de forma ativa na preparação do golpe militar de 28 de maio de 1926, liderado pelo Gen. Gomes da Costa, que pôs fim à Primeira República; e em setembro de 1931, esteve envolvido, segundo relatório da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, datado de 1935, no movimento de revolta militar: chegou a estar a postos para sair com um destacamento para a revolução, mas isso acabou por não suceder. Ao longo da carreira, desempenhou distintas e importantes missões de serviço, tendo sido ajudante de campo do ministro de Guerra Cor. Fernando Freiria e do Gen. Passos e Sousa durante o período em que este foi governador militar de Lisboa. Aquando da sua morte, encontrava-se na situação de reserva, prestando serviço na Secretaria do Ministério da Guerra. Foram vários os louvores registados na sua caderneta militar e também várias as condecorações com que foi galardoado. Em 1920, recebeu um louvor pela competência e o empenho evidenciados durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1922, foi agraciado com o grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo. Em 1925, quando era tenente de artilharia de campanha, foi condecorado com a medalha de prata de serviços distintos da Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha, com a legenda “Revolta Militar de Lisboa, 18-IV-1925”. No ano seguinte, numa altura em que já ascendera a capitão de artilharia, foi-lhe atribuído o grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Avis e, em 1930, o grau de oficial da mesma Ordem. Não obstante, o seu processo do CEP contém uma advertência, posteriormente riscada, segundo a qual teria sido punido com a pena de repreensão por ter agredido e insultado o clarim no dia 5 de março de 1919, aquando da distribuição de uma refeição. Além do distinto percurso militar, destacou-se noutras áreas. Enquanto residente na ilha da Madeira, foi redator do jornal O Direito e, posteriormente, do Diário de Notícias, periódico onde trabalhou alguns anos. Mais tarde, em Lisboa, foi um dos fundadores e diretores da Casa da Madeira, fundada a 18 de março de 1931, cuja primitiva direção era presidida por Daniel Rodrigues de Sousa. A propósito desse grémio, Osvaldo de Andrade concedeu uma longa entrevista ao Diário de Notícias do Funchal, publicada na primeira página do jornal, a 27 de março de 1931, na qual deu a conhecer o novo organismo e os seus desígnios. Nos anos seguintes, permaneceu na direção da Casa da Madeira, tendo sido reeleito primeiro secretário para os biénios 1935-1936, 1937-1938 e 1939-1940. Por outro lado, em 1933, integrou, juntamente com Carlos Meireles da Silva Carvalho, inspetor de saúde, e Manuel Gonçalves Monteiro, subdiretor da Alfândega de Lisboa, a comissão administrativa que substituiu os corpos gerentes da Cruzada das Mulheres Portuguesas, após divergências no seio daquela associação. Durante as cerca de três décadas que morou na capital, visitou a Madeira numa única ocasião, em janeiro de 1948, na companhia da esposa, para uma vilegiatura de algumas semanas – efeméride que não deixou de ser noticiada pela imprensa periódica local, como foi o caso do Diário da Madeira. Morreu em Lisboa, na sua residência, na manhã do dia 17 de janeiro de 1951, vítima de doença prolongada.   Ricardo Pessa de Oliveira (atualizado a 22.09.2016)

História Militar Personalidades

alterações climáticas

As alterações climáticas apresentam-se nos alvores do séc. XXI como um dos temas que mais atenção tem recebido por parte da comunidade científica, decisores políticos e económicos. Esta importância advém não só da magnitude dos impactes negativos que lhes têm sido associados ao nível dos ecossistemas e atividades económicas, como também da magnitude dos impactes potenciais previstos em função de projeções climáticas produzidas. As mudanças climáticas são um processo comum ao longo da história geológica da Terra, sendo mesmo interpretado como uma norma e não como a exceção. Vários registos fósseis permitem inferir mudanças profundas nas condições paleoambientais, onde se identificam oscilações climáticas que contemplam tanto períodos quentes e húmidos, aos quais se associa a expansão das massas florestais, como períodos frios, caracterizados pela expansão das massas de gelo continentais e calotes polares. Esta oscilação climática bastante pronunciada é evidente em escalas temporais da ordem dos milhares ou milhões de anos. Se a escala temporal for reduzida para a ordem das centenas de anos, então essas variações assumem uma oscilação muito menos significativa, como é possível inferir a partir da análise de registos históricos, onde apenas é possível identificar, no caso das plantas, mudanças fenológicas com base nos registos da época das colheitas, induzir impactes associados através da arte, como no caso da pintura durante a Pequena Idade do Gelo na Europa (séc. XV a séc. XVIII), ou através dos anéis de crescimento de árvores (dendrocronologia). Mas foi o registo contínuo do comportamento dos elementos climáticos  (v.g.: temperatura, precipitação, humidade relativa, etc.) que permitiu identificar mudanças climáticas a escalas ainda mais finas que o século. Foi com base nos registos efetuados (séries climáticas), numa parte significativa do globo terrestre durante o séc. XX, que foi possível confirmar as tendências de aquecimento climático na segunda metade deste século, determinado por um aumento da temperatura média. Identificado como “aquecimento global”, vários são os impactes que lhe são associados, nomeadamente a fusão dos gelos dos glaciares continentais e calotes polares, maior intensidade e frequência dos paroxismos climáticos (ciclones tropicais, precipitações intensas, secas prolongadas), alterações nas rotas de espécies migratórias, modificações na distribuição de animais e plantas, redução do número de dias com cobertura nivosa, bem como a antecipação da fusão da cobertura nivosa, entre outros. Esta tendência climática, evidente a partir dos anos 70 nas análises de tendências climáticas, tem sido relacionada com o aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, uma consequência da intensificação e expansão de atividades humanas que dependem energeticamente do consumo de combustíveis fósseis, cuja combustão é responsável pela libertação de grande quantidade de gases com efeito de estufa para a atmosfera (v.g.: dióxido de carbono). Além de ter sido considerada estatisticamente significativa, esta tendência climática teve já reflexos, nomeadamente em termos fenológicos, promovendo uma antecipação da época de floração e frutificação nas plantas. O impacte das mudanças climáticas nas ilhas da Macaronésia Apesar das diferenças em termos de magnitude e direção nas mudanças climáticas projetadas, é expectável que os impactes associados às mudanças climáticas sejam inflacionados por sinergias entre fatores em pequenas ilhas habitadas, nomeadamente devido às consequências do uso do território pelas atividades humanas. O grau de vulnerabilidade destes territórios depende muito dos respetivos atributos geográficos e do domínio em análise. No caso de alguns arquipélagos da Macaronésia (Madeira, Canárias), o seu caráter insular e posicionamento foi determinante para explicar o seu papel como refúgios para elementos florísticos relacionados com a flora paleotropical, que aqui sobreviveram às crises climáticas plio-pleistocénicas, responsáveis pela sua extinção nos territórios continentais próximos, uma dinâmica confirmada por estudos filogenéticos e registos fósseis. Estes arquipélagos mantiveram condições ambientais adequadas à permanência de vegetação perenifólia de folhas largas, já extinta no território europeu desde o final do Pliocénico (Piacenziano – 3,6-2,6 Ma), devido a um processo de degradação climática iniciada no final do Miocénico. Na verdade, um clima quente, húmido e sem estações bem definidas, que permitiu a presença de flora paleotropical na Europa ocidental até ao Miocénico (23-5,3 Ma), deverá ter persistido até ao Pliocénico médio (4,1 Ma) nos arquipélagos atlânticos, uma inferência suportada na presença de registos fósseis em depósitos marinhos mio-pliocénicos nas Canárias orientais, nomeadamente gastrópodes marinhos de águas pouco profundas atualmente associadas a latitudes tropicais. O arrefecimento climático associado aos reajustes na circulação oceânica e atmosférica decorrentes do encerramento definitivo do istmo do Panamá (2,5 Ma) deverá ter implicado algumas mudanças espaciais, e talvez florísticas, na organização dos tipos de vegetação neste grupo de arquipélagos atlânticos, sem que no entanto possam ser comparadas com as alterações que ocorreram nesse período nos territórios continentais Europeu e Norte Africano. É precisamente neste período, marcado pela formação de calotes polares no hemisfério Norte, que se define a influência da cintura de altas pressões subtropicais, reforçando a estacionalidade das condições climáticas no sentido da mediterranização do clima devido a uma redução e concentração dos totais pluviométricos, suportando a definição de um regime climático estruturado em função de uma estação seca. O vigor desta estação seca terá sido menor nas ilhas oceânicas, principalmente nos arquipélagos mais setentrionais, onde a posição latitudinal (arquipélago dos Açores), o predomínio de massas de ar húmido, e as condições orográficas (ilha da Madeira) garantiram valores de precipitação anual mais elevados comparativamente aos territórios continentais. As condições orográficas terão sido mesmo determinantes no caso dos arquipélagos da Madeira e Canárias, pela presença de barreiras montanhosas perpendiculares aos ventos dominantes de nordeste. As massas de ar húmido, impelidas contra as ilhas durante a estação mais seca pelo impulso gerado pelos ventos Alísios, deveriam garantir valores de humidade relativa elevados, principalmente nas vertentes a barlavento, onde, à semelhança do padrão climático registado ao longo do séc. XX, seria muito frequente a formação de nevoeiros. Aliás, é neste enquadramento topográfico que se encontram as manchas mais significativas de laurissilva na ilha da Madeira e algumas ilhas do arquipélago das Canárias (Tenerife, La Gomera, La Palma). A favorecer a permanência desta flora esteve ainda o facto de o rigor do inverno, traduzido no registo de temperaturas negativas que promovem a formação de geada ou a ocorrência de precipitação no estado sólido, apenas tocar ligeiramente os picos mais elevados das ilhas (ilha do Pico nos Açores, maciço central na ilha da Madeira, pico Teide na ilha de Tenerife e maciço do Roque de los Muchachos na ilha de La Palma – Canárias). Poderá, no entanto, ter sido mais importante nos períodos mais frios, como na Pequena Idade do Gelo, provocando mesmo uma significativa contração da floresta de planifólios e formações termófilas de caráter mediterrâneo durante o último máximo glaciário (18-11,6 Ka), em paralelo com a expansão de comunidades dominadas por urzes, zimbro e teixo (nas Canárias verifica-se a expansão de Pinus canariensis), um cenário suportado pela análise de sequências sedimentares de fundos marinhos. Esta variação das condições climáticas pode ainda ser inferida a partir de depósitos costeiros, onde a alternância de fácies permite diferenciar: i) períodos mais frios e secos, caracterizados pela acumulação de areias eólicas de origem marinha, disponibilizadas num contexto de nível do mar mais baixo; ii) períodos mais quentes com alguma humidade, onde se identificam processos de pedogénese (construção de solo), embora muitas vezes incipientes, e restos vegetais, indicando condições ecológicas adequadas à colonização vegetal; iii) períodos de grande aridez, identificados por níveis de calcretos (precipitação de carbonatos). Todas estas variações climáticas permitiram, no entanto, que nestes arquipélagos atlânticos tivessem subsistido elementos florísticos com afinidade à flora paleotropical, como sejam alguns taxa associados à laurissilva, como fanerófitos perenifólios de folha larga, e pteridófitos, os quais estão incluídos no registo fóssil do território europeu, principalmente na Península Ibérica, onde terão permanecido até mais tarde, comparativamente à restante Europa. Um dos últimos momentos em que as mudanças climáticas implicaram significativas alterações ao nível dos ecossistemas ocorreu há cerca de 18.000 anos, e ficou conhecido por último máximo glaciário, tendo-se caracterizado por um período de arrefecimento muito pronunciado. Neste período, o território continental europeu registou um aumento significativo de glaciares de montanha, e registou uma redução significativa das florestas caducifólias temperadas, ao passo que se verificou um aumento significativo de vegetação associada a ambientes frios. Os arquipélagos atlânticos, dada a sua condição insular, beneficiaram do efeito suavizante do oceano, pelo que o processo de arrefecimento não terá sido tão pronunciado. No entanto, é expectável que tivessem ocorrido ajustes espaciais na representatividade dos tipos de vegetação presentes nas ilhas, no sentido de uma expansão dos tipos de vegetação mais tolerantes ao frio, como sejam os dominados por espécies como as urzes, o teixo, o zimbro e a sorveira. Mudanças climáticas na ilha da Madeira Nos registos históricos produzidos após a ocupação das ilhas no séc. XV é possível detetar o reflexo atenuado de mudanças climáticas, que no território continental europeu produzem impactes significativos. Na ilha da Madeira, a um avanço registado no período das colheitas nos sécs. XV e XVI, associado a um período mais quente, sucede um período mais frio e húmido nos sécs. XVII e XVIII, com o consequente atraso no período das colheitas. Esta oscilação corresponde à transição entre o período quente da Alta Idade Média e o período identificado como Pequena Idade do Gelo, sendo este último período caracterizado pela frequência de invernos muito rigorosos e longos, bem como verões muito curtos. Em termos de tendências climáticas no séc. XX, a análise das séries climáticas do Funchal, uma das estações com registo mais longo no arquipélago da Madeira, permite verificar alguma coincidência temporal ao nível das tendências climáticas identificadas para territórios europeus para o mesmo período. O padrão identificado mostra um aumento mais significativo da temperatura média a partir de 1975, suportado principalmente por uma diminuição da amplitude térmica diária, já que a temperatura mínima sofre um aumento superior ao registado pela temperatura máxima. Verifica-se mesmo um aumento do número de dias com temperaturas superiores a 25 °C no verão, bem como um aumento do número de noites tropicais (temperatura mínima superior a 20 °C). Ainda que não se identifique uma tendência clara em termos de precipitação, é identificado um aumento do número de verões sem registo de precipitação. Estas tendências climáticas, nomeadamente as associadas ao comportamento da temperatura média, que parecem configurar uma situação de tropicalização do clima, podem ter reflexos ao nível da saúde pública, nomeadamente pela ocorrência de doenças associadas aos ambientes tropicais, como é o caso de registos de dengue, cuja ocorrência no início do séc. XXI é consistente com esta suposição. Projeções climáticas para a ilha da Madeira feitas no começo do séc. XXI As projeções climáticas criadas para a ilha da Madeira estão baseadas no modelo Clima Insular à Escala Local (CIELO), um modelo climático construído para regionalizar (downscaling) parâmetros climáticos para o contexto de pequenas ilhas montanhosas, a partir dos resultados produzidos por modelos oceano-atmosfera de larga escala, como os modelos Hadley Centre Coupled Model, versão 3 (HadCM3) ou CSIRO Atmospheric Research, Australia (CSIRO_MK3.6), os quais suportam as projeções climáticas em cenários de emissão de gases com efeito de estufa (Special Reports on Emission Scenarios – SRES). Dadas as incertezas que subsistem em termos de comportamento futuro dos vários parâmetros que servem de base à criação destas projeções, são consideradas várias situações, identificadas como cenários possíveis: A1B, A1T, A1Fl, A2, B1 e B2. Cada cenário climático está associado a um determinado cenário de emissão de gases com efeito de estufa, que por sua vez está ancorado em parâmetros sócio-demográficos, económicos e tecnológicos precisos. Isto porque a dinâmica de emissão de gases com efeito de estufa está muito associada à variação em termos de consumo de combustíveis fósseis, o qual é condicionado pela dinâmica ao nível dos referidos parâmetros. Esta relação é a base da teoria que apresenta o aumento da concentração de gases com efeito de estufa como fator determinante para o fenómeno de aquecimento global identificado no final do séc. XX e início do séc. XXI, sendo este aumento o reflexo da dinâmica económica e demográfica, das condições sociais e do desenvolvimento tecnológico pós-Revolução Industrial. No caso da ilha da Madeira, as projeções climáticas, regionalizadas pelo modelo CIELO, baseiam-se no modelo de larga escala HadCM3. Em termos de precipitação, os cenários projetam um decréscimo dos valores anuais na ordem dos 20 a 35%, com perdas mais acentuadas na face Sul da Ilha. Em termos absolutos, as perdas mais elevadas são projetadas para os topos da Ilha, e podem atingir os 800 mm. Estes valores médios escondem, no entanto, tendências contraditórias ao nível estacional. Os cenários projetam um aumento dos valores de precipitação no período de verão, particularmente importantes na face Norte da Ilha no âmbito do cenário A2. Apesar de este aumento projetado para o verão não permitir superar o decréscimo previsto para o inverno, outono e primavera, revela-se como importante do ponto de vista ecológico, pois ocorre no período em que a disponibilidade de água representa uma limitação importante para as funções dos ecossistemas da Ilha. Ao nível da temperatura projeta-se um aumento em todos os cenários (v.g.: A2: 2,4-3 °C; B2: 1,6-2.2 °C), um aumento que se prevê mais pronunciado nas áreas costeiras da face Norte da Ilha. No inverno o aumento projetado para a temperatura média está estruturado principalmente pelo aumento mais significativo da temperatura mínima, promovendo uma redução das amplitudes térmicas diárias, sendo este aumento previsto mais significativo nos topos da Ilha. Estas projeções desencadearão um processo de reajuste dos sistemas naturais, o que certamente terá reflexos nos recursos naturais, principalmente em pequenas ilhas, como é o caso da ilha da Madeira, com reflexos importantes nas sociedades cujas atividades dependem da exploração destes recursos. No caso da ilha da Madeira, os reflexos podem ocorrer em vários domínios, de forma direta ou indireta: i) na disponibilidade de recursos hídricos, fortemente dependente das condições climáticas; ii) no aumento da vulnerabilidade à ocorrência de paroxismos climáticos, como o aumento da frequência e intensidade de eventos de precipitação intensa, favorecendo um aumento da suscetibilidade à ocorrência de episódios de aluvião; iii) pela subida do nível do mar, com importantes reflexos na área costeira, principalmente devido à concentração das áreas urbanas e infraestruturas ligadas ao turismo em áreas de baixa altitude junto mar; iv) o aumento da vulnerabilidade à proliferação de doenças tropicais (dengue, malária, febre do Nilo Ocidental), pela possibilidade de ocorrer a instalação de vetores, com implicações na saúde pública e na atratividade do destino turístico; v) devido a mudanças nas florestas nativas da Ilha, não só por fatores internos, associados às exigências ambientais das espécies que as constituem, como por fatores externos, como o aumento do risco meteorológico de incêndio florestal; vi) a extinção/extirpação de espécies endémicas por alterações nos habitats. Todas estas alterações, com múltiplas relações com diferentes sectores, podem promover um “efeito cascata”, provocando um impacte muito forte no equilíbrio da Ilha. Ao nível dos recursos naturais, os recursos hídricos, as florestas nativas e a biodiversidade mereceram já especial atenção ao nível da definição de medidas de mitigação de impactes e adaptação a novas condições, dadas as vulnerabilidades identificadas. Impactes previstos nos recursos hídricos Tendo em conta a redução prevista dos totais pluviométricos anuais e o possível reforço da irregularidade ao nível do regime pluviométrico, é de esperar uma redução dos recursos hídricos disponíveis. Esta previsão é reforçada pelo facto de a redução prevista de totais pluviométricos ocorrer principalmente nos sectores de maior altitude, sectores onde ocorre preferencialmente o processo de recarga do sistema aquífero da Ilha. Esta previsão, com potenciais problemas no abastecimento, desencadeou a necessidade de definir planos de adaptação. Estes impactes poderão ser mais significativos se for considerado o importante contributo da precipitação oculta para o balanço hídrico da Ilha, o qual pode sofrer uma redução devido a uma alteração na posição e intensidade dos centros barométricos que determinam o padrão climático da Ilha. Refira-se a ação do anticiclone dos Açores, motor responsável pela frequência dos ventos Alísios, e um fator determinante para a formação de nevoeiros de origem orográfica na face a barlavento da Ilha, responsáveis pela ocorrência do tipo de precipitação mencionada. Impactes previstos na distribuição da flora endémica A flora endémica, nomeadamente as espécies exclusivas de distribuição mais restrita, pode apresentar maior suscetibilidade às mudanças climáticas projetadas, sofrendo alterações mais significativas na sua distribuição. Além de estarem associados a condições ecológicas específicas, a elevada suscetibilidade é reforçada pela elevada fragmentação e perturbação dos seus habitats, resultantes do padrão de uso do solo vigente durante séculos nas suas áreas de distribuição potencial. É expectável que as espécies endémicas, cuja distribuição atual está resumida a um reduzido número de populações constituídas por poucos efetivos nos topos das ilhas, figurem como o tipo de endemismo que apresenta susceptibilidade mais elevada aos impactes das mudanças climáticas, podendo verificar-se a extinção de condições adequadas à sua ocorrência. Entre os endemismos que mais se associam a esta descrição está o ameixieiro de espinho (Berberis maderensis Lowe), a sorveira (Sorbus maderensis (Lowe) Dode), a arméria da Madeira (Armeria maderensis Lowe) ou a urze da Madeira (Erica maderensis (Benth.) Bornm). [caption id="attachment_11692" align="aligncenter" width="807"] Fig. 1 – Área de ocorrência potencial, para as condições climáticas dos começos do séc. XXI, dos endemismos Berberis maderensis (A) e Sorbus maderensis (B).Fonte: FIGUEIREDO, 2013.[/caption] São espécies que apresentam uma reduzida área de ocorrência potencial nos começos do séc. XXI (fig. 1), e os modelos preveem que em cenários climáticos futuros deixem de estar reunidas as condições adequadas à sua presença na Ilha, o que, aliado à sua atual restrição geográfica nos cumes da Ilha e reduzido número de populações de poucos indivíduos, pode configurar uma combinação deletéria de fatores, favoráveis à sua extinção. Impactes previstos nas florestas nativas Os impactes das alterações climáticas podem acarretar mudanças ao nível da área ocupada e composição florística das comunidades vegetais, pois os diferentes organismos, árvores ou arbustos, terão respostas diferenciadas perante as alterações das condições ecológicas derivadas. Dada a resiliência que massas florestais adultas apresentam em relação a mudanças ao nível das condições ambientais, é possível que os impactes das mudanças climáticas projetadas se manifestem primeiro em termos de vulnerabilidade a pragas e doenças, e só depois sejam percetíveis em termos de alterações de distribuição de algumas plantas, sem que a estrutura seja de imediato especialmente afetada. Segundo A. Figueiredo, e considerando apenas as projeções para dois cenários climáticos (A2 e B2), as alterações na área de distribuição potencial dos diferentes tipos de florestas presentes na Ilha (florestas e micro-florestas) variam conforme o cenário considerado, podendo mesmo apresentar tendências opostas. [caption id="attachment_11698" align="aligncenter" width="673"] Fig. 2 – Área de ocorrência potencial da laurissilva do til para as condições climáticas e começos do séc. XXI (A) e para o cenário A2 (B). Fonte: FIGUEIREDO, 2013.[/caption] Segundo o autor, os modelos prevêem um aumento da área adequada à ocorrência do zambujal, principalmente na face Sul da Ilha, e da área adequada à ocorrência da laurissilva mediterrânea (laurissilva do barbusano), resultado de uma expansão em altitude na face Norte, superando a perda prevista para os sectores de menor altitude no lado Sul da Ilha. Apesar de os resultados dos modelos apontarem para um aumento da área potencial de ocorrência destes bosques, a verdade é que vários fatores podem condicionar esta previsão. Ambos os tipos de bosque estão na atualidade reduzidos a pequenas manchas limitadas a enclaves, o que limitará certamente a possibilidade de se reinstalarem nas áreas envolventes, a maior parte associadas a uso agrícola ao longo de séculos. Ou mesmo colonizarem novas áreas, dado o reduzido número de áreas-fonte de propágulos disponíveis. Mesmo considerando a importância da área agrícola afetada pelo abandono, o que poderia ser um fator favorável, desconhece-se a capacidade que as espécies estruturantes destes bosques apresentam em termos de competição com espécies exóticas invasoras, com algumas das quais apresentam uma sobreposição muito significativa em termos de áreas previstas como adequadas à sua ocorrência. No caso da laurissilva do til, também designada por laurissilva temperada, a floresta nativa que ocupa maior área no começo do séc. XXI, as alterações na sua distribuição, nomeadamente uma redução da área potencial, podem significar perdas importantes, dado o papel relevante ao nível do fornecimento de serviços (turismo, biodiversidade, proteção dos solos, balanço hídrico). A perda significativa da área adequada à ocorrência deste tipo de bosque, no âmbito dos resultados obtidos para o cenário A2 (fig. 2), está prevista para os sectores de menor altitude, enquanto se verifica uma expansão da área adequada a esta floresta nos sectores de maior altitude da Ilha, nomeadamente nas cabeceiras dos vales que se instalam nos maciços montanhosos e na bordadura norte do Paul da Serra. Esta expansão para sectores de maior altitude determinará certamente uma redução da área potencial dos urzais de altitude, reduzidos a pequenas manchas no início do séc. XXI. A avaliação dos impactes das mudanças climáticas na distribuição dos organismos na ilha da Madeira, nomeadamente das plantas, deve ter em conta o facto de que grande parte dos habitats foi de alguma forma perturbado pelas atividades humanas. Assim, a distribuição das espécies está certamente enviesada pela fragmentação de habitats, uso do solo, etc., o que favorece um aumento da incerteza nos resultados dos modelos. Como a área profundamente alterada pelas atividades humanas constituirá um obstáculo à ocupação de novas áreas pela vegetação nativa, ajustando-se a um novo padrão climático, será benéfico considerar possíveis cenários de mudança no uso do solo, tendo em conta tendências observadas no final do séc. XX e início do séc. XXI, permitindo uma interpretação mais adequada dos resultados dos modelos, considerando a sua importância para a definição de medidas de mitigação e adaptação a novas condições climáticas.   Albano Figueiredo Miguel Sequeira (atualizado a 14.09.2016)

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