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camacha moldadora do vime

A partir de finais do século XIX a indústria do vime desenvolveu-se na Camacha até ocupar lugar central na economia local e ao ponto de, a par do folclore, se tornar um dos embaixadores da localidade serrana. Atualmente, o setor perdeu a importância detida outrora, muito por força das transformações sociais e económicas de uma região especializada nos serviços, com o turismo a desempenhar o papel que antes cabia ao setor primário. E é neste contexto que urge conhecer, não só os modos tradicionais de produção, mas também os processos inovadores. Bazar Flor da Achada Este bazar é atualmente mantido pelas filhas do proprietário, as quais têm outra ocupação profissional. Fazem-no dado ser uma tradição familiar. Para além de através desta relação familiar e da decisão das filhas em manter o negócio, é igualmente demonstrativo da importância da indústria na Camacha e do estatuto social detido. Entre algumas peças importadas do exterior é possível encontrar alguns trabalhos dos artesãos locais. A cobertura interior do teto em vimes é um pormenor que não nos escapa dada a sua particularidade. Café Relógio Um dos espaços que facilmente se associa ao vime, o Café Relógio está de forma directa relacionado com a história do vime, dado que para além de comerciar vimes alberga uma oficina onde se pode ver a execução do trabalho pelos artesãos. Para além desta facto, a torre do edifício alberga um relógio, originário da Igreja Paroquial de Walton, em Liverpool, e é um símbolo da presença inglesa na freguesia, tendo sido mandada construir pelo Drº Michael Graham no que era, na época, a Quinta da Camacha, sua propriedade. Realce-se que a comunidade inglesa na ilha da Madeira desempenhou um papel importante no desenvolvimento de algumas artes tradicionais da freguesia, casos do bordado e do próprio vime. José de Jesus Fernandes Aprendeu com um tio quando tinha 12 anos a arte da obra de vime e aos 19 anos instalou-se por conta própria. Os intermediários traziam o vime do Porto da Cruz, de Santana e de Boaventura. Contribuindo na criação de modelos, chegou a empregar 200 pessoas. Hoje, ocupa sozinho a sua fábrica onde ainda guarda os moldes e as máquinas rudimentares usadas. Cada artesão tendia a especializar-se em determinadas peças. O mestre José Fernandes especializou-se na cestaria. José Pedro O artesão José Pedro, que começou a trabalhar na obra de vime com 8 anos, é um exemplo da inovação e criatividade que os artesãos colocam no seu trabalho. Se a reprodução a partir de outras peças está presente, a inovação surge como reflexo do desejo de aperfeiçoamento da peça segundo a perspetiva individual. Resultam daqui peças funcionais. Para lá chegar, contudo, é necessário várias etapas de confeção. Esta afirmação aplica-se aos trabalhos em que não recorre aos moldes, de dimensão média e grande, como móveis. Nesse caso faz-se o desenho da peça, moldando-se o ferro para o cobrir e ligar nas diversas partes com vime. José Fernandes da Silva Junto à Levada da Meia Serra, José Fernandes da Silva tem o seu pequeno atelier onde tece a arte do vime para com ela fazer cestaria em vime da Camacha. Ocorre também que José Fernandes da Silva é um dos artesãos que mais tem contribuindo para a perpetuação da arte da obra em vime, dando cursos de formação e participando em ações de divulgação. Plantação de Vimes Segundo registos, o início da produção e do uso na confeções de cestaria em vime data do século XIX, embora outras fontes apontem para um período bem anterior, isto é, no século XVI. Em todo o caso, foi no século XIX que o vime, primeiro introduzido na Camacha, veio a desempenhar um papel fundamental na freguesia, sendo sustento de parte significativa da população. Os campos deste pequeno vale eram ocupados na totalidade com vimeiros, restando uma pequena parcela na margem direita da ribeira. Cuidar dos vimeiros requer a execução de tarefas simples, sendo a principal a poda.   Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho

Património História Económica e Social Rotas Madeira Cultural

a arte da tradição e de ser artesão

Se os artesãos moldam as formas dos artefatos tradicionais, em simultâneo procedem igualmente à reinterpretação do legado. Na demanda diária as pequenas transformações da tradição não são visíveis, reafirmando-se neste contexto a sua pureza. As transformações são descortinadas apenas quando analisadas na perspetiva diacrónica ou através de inovadores movimentos trazidos por novos artesãos, os quais são influenciados por dinâmicas externas. É esta mescla de perspetivas sociais e de motivações idiossincráticas relativas aos próprios artistas que transforma constantemente a tradição. Isabel da Eira Isabel da Eira é fiandeira e tece barretes de orelhas, ou barretes de vilão, conhecidos pelo menos desde 1857. Fá-lo desde os 14 anos de idade com um rigor que os torna peças de artesanato consideradas de boa qualidade. Este barrete de orelhas é um dos que eram usados na Madeira, conhecendo-se variação entre as localidades, sendo preparados juntamente com os casacos para as condições meteorológicas extremas da alta montanha. A textura macia da lã resulta do modo como se fia e Isabel da Eira é considerada uma excelente fiandeira, sendo o seu trabalho reconhecido entre os colegas de actividade. As etapas da preparação consistem no lavar, secar, cardar e fiar. O Borracheiro Este bar tem uma relação especial com a história do transporte de carga da Madeira e, em particular, com a história dos borracheiros. A carga na ilha da Madeira era transportada por veredas e pelos Caminhos Reais. Este ponto situa-se num dos extremos da vereda que liga ao Porto da Cruz, terra de vinho. Os borracheiros, assim designados porque transportavam o vinho nos borrachos, avançavam em grupo de entre dez a quinze homens. Aqui chegados, anunciavam-se com o toque do búzio, instrumento musical que os acompanhava nas viagens e que servia de comunicação. Maria Vasconcelos Iniciou a aprendizagem da tapeçaria aos treze anos por vontade própria, e seguiu o modelo comum na época. Aprendeu com uma artesã, a quem eram reconhecidas competências pedagógicas, a troco de remuneração, enquadrando-se numa lógica particular de investimento educativo semelhante ao que ocorre na actualidade. A formação durou sete meses e incentivou a autonomia. Para além dos tapetes de retalhos, caraterizados pela criatividade quanto aos padrões e cores, as quais dependem na maior parte das vezes dos retalhos que os clientes trazem, tece casacos de lã numa parceria com a fiandeira Isabel da Eira, sendo a responsabilidade quanto às decisões relativas ao trabalho nas suas diversas dimensões partilhada. Artesão Humberto Ex-pedreiro, com o abrandar da construção civil na Madeira, iniciou a atividade de artesão em 2007. Faz peças em madeira para fins de natureza diversa: móveis, utensílios diversos, brinquedos, miniaturas, carrinhos de mão, colheres de pau, piões, bengalas. As peças são vendidas nas diversas feiras que se realizam na ilha. Café Relógio Um dos espaços que facilmente se associam ao vime, o Café Relógio, está de forma directa relacionado com a história da indústria, dado que para além de comerciar vimes, alberga uma oficina onde se pode ver a execução do trabalho pelos artesãos. Para além deste facto, a torre do edifício alberga um relógio, originário da Igreja Paroquial de Walton, em Liverpool, e é um símbolo da presença inglesa na freguesia, havendo sido mandada construir pelo Drº Michael Graham no que era, na época, a Quinta da Camacha, sua propriedade. Realce-se que a comunidade inglesa na ilha da Madeira desempenhou um papel importante no desenvolvimento de algumas artes tradicionais da freguesia, casos do bordado e do próprio vime. Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho  

Cultura e Tradições Populares Rotas Madeira Cultural

do ouro branco e pela vinha às quintas

Desde o Século XV, a Madeira recebeu comerciantes e turistas de diversas nacionalidades. Pela Madeira passaram, por exemplo, comerciantes venezianos e flamengos no contexto do afamado período do “ouro branco” deixando a sua marca na toponímia da cidade do Funchal e no sobrenome de famílias madeirenses, mas a partir do século XVII, com a paulatina substituição da cultura do açúcar pela da vinha, os comerciantes britânicos tornaram-se a comunidade estrangeira mais importante no arquipélago. A influência desta comunidade manifestou-se em alguns de setores económicos e na edificação, entre as quais se contam as tão conhecidas quintas da Camacha e do Santo da Serra.     Quinta do Jardim da Serra Esta Quinta, construída no século XIX pelo Cônsul Inglês Henry Veitch, tem importância fulcral na história da própria freguesia. Foi o nome desta propriedade que deu origem à denominação da freguesia: Jardim da Serra. Adaptada em 2010 numa excelente unidade hoteleira, preserva um edifício com arquitetura tradicional. É ainda possível contactar com as práticas de agricultura biológica e alguns exemplares de flores madeirenses nos amplos jardins da propriedade. Realce para o facto da quinta ter sido fonte de inspiração para Max Römer, e estar representada numa gravura do século XIX, patente na reitoria da Universidade da Madeira, no Funchal. Quinta das Romeiras Esta quinta foi desenhada pelo conhecido arquiteto português Raul Lino e foi mandada construir pelo Drº Alberto Araújo, como residência de férias. Foi construída no ano de 1933, ano em que a 14 de Abril o Diário da Madeira noticiava que se estava “trabalhando afanosamente na construção de uma opulenta vivenda de campo, no sítio das Romeiras, desta freguesia, donde se desfruta um largo e aprazível panorama. O povo já a baptizou de Quinta dos Penedos”. A escritora Maria Lamas em 1956 descrevia assim seus jardins: “Do branco de neve ao salmão, ao carmesim, ao amarelo-oiro e ao roxo, passando por todas as escalas de tons - quem poderá imaginar, sem a ter visto, aquela sinfonia de cores?” Quinta do Vale Paraíso Constituída por um edifício principal, construído em meados do século XIX, e por outros 9 de dimensões mais reduzidas, transformadas em pequenas residências de férias, as quais mantêm de um modo geral o nome da sua função original. Este espaço oferece ainda amplos jardins compostos por plantas endémicas e exóticas pertencentes a cerca de 220 espécies. A partir desta quinta acedemos, através de uma vereda, à Levada da Serra do Faial. fonte: ariscaropatrimonio.wordpress.com Quinta do Revoredo Esta propriedade foi mandada construir por John Blandy, em 1840, que depois de conhecer a Madeira como marinheiro de um navio inglês nas guerras napoleónicas viria a tornar-se no mais importante homem de negócios da ilha e cuja família ainda é uma das mais influentes na Região. Hoje a quinta é propriedade da edilidade e é nela que se encontra a sede da orquestra filarmónica de Santa Cruz, sendo utilizada também como Casa da Cultura do município. Quinta de São Cristóvão Esta quinta com caraterísticas da arquitetura portuguesa, foi mandada construir em 1692 pelo morgado Cristóvão Moniz de Menezes e manteve-se como propriedade da família até que recentemente Carlos Cristóvão da Câmara Leme Escórcio de Bettencourt, sem descendentes, o cedeu ao Governo Regional da Madeira. Chegou a albergar o Conservatório de Música e actualmente funciona como casa do artista. Este solar está ainda relacionado com a Paróquia do Piquinho, uma vez que foi aqui erigida a Capela de São Cristóvão, a qual recebe em Maio a festa religiosa de São Cristóvão. Também aqui funcionou uma escola fundada pela irmã Mary Jane Wilson, entre 1904 e 1910.   Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho

Arquitetura Património História Económica e Social Rotas

natureza à medida do homem

Nesta rota abordamos a temática da relação entre o Homem e o meio natural, isto é, a forma como a espécie humana tira partido das condições dos locais habitados. Na Madeira, embora menos visto, ainda se encontram, e se usam em alguns casos, rudimentares construções nas rochas para diversas finalidades, tais como para abrigo de animais, armazenamento de água, para lagares, celeiros e habitação própria, entre outras finalidades. Descarregue aqui esta rota! Levada do Castelejo Iniciamos esta rota no Curral das Freiras na Levada do Castelejo. Esta levada representa um exemplo da importância destes canais de água, devido à dupla funções que desempenhou. Para além do transporte de água, o qual beneficiou a costa Sul da ilha, de clima mais seco, foram as principais vias em algumas localidades, casos do Curral das Freiras. Através desta levada, iam os Homens à costa Sul e transportavam-se mercadorias para os mercados do Funchal, algumas delas provenientes da costa Norte.   . Sítio da Rocha Comprovando a outrora importância desta levada como meio de comunicação e transporte de carga, neste sítio encontramos um conjunto de construções constituído por pequenos lagares na rocha, supõe-se que para produção de vinho, bem como o aproveitamento para abrigos dos assentamentos de grandes pedras.   Veredas e Levadas Um dos aspectos mais visíveis da intervenção do homem na paisagem trata-se das Levadas e das Veredas, constituindo ambas as vias principais de comunicação até à construção da Estrada Regional 107. É de facto notório o perigo e o arrojo dos homens que construíram essas infra-estruturas.   . Caminho das Voltas Este Caminho Real leva-nos ao miradouro da Eira do Serrado, pertencente à freguesia de Santo António, era a principal via de comunicação entre a freguesia do Curral das Freiras e a costa Sul. Rivalizava em importância com a vereda de São Martinho e a vereda de ligação ao Jardim da Serra. Por aqui passavam os homens e os animais, criados no Curral, para além das mercadorias que provinham do norte da ilha. O Curral das Freiras hoje isolado, era um ponto de ligação de mercadorias e homens que provinham do Norte. . Ribeira do Gato Associada à Ribeira do Gato encontra-se a lenda dos “Grima”. Segundo conta, aqui vivia um povo “estranho” à restante população do Curral das Freiras. Os Grima – o mesmo que diabos – desciam das montanhas para roubar o gado. Revoltados com os saques constantes, a população do Curral das Freiras reagiu com uma emboscada, obrigando à integração de alguns elementos e à fuga dos restantes.   Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho

Rotas

caminho das voltas (curral das freiras)

Outrora pelas veredas corria a vida entre as várias populações isoladas na encostas das montanhas abruptas, como a localidade do Curral das Freiras, rodeada de montanhas quase inamovíveis até que o progresso chegou na forma de um túnel , mas até lá eram apenas a veredas que sulcavam mais timidamente a terra e na língua de caminho deslocavam-se pessoas, produtos, notícias e práticas sociais. Hoje são espaços ocupados por hábitos mais prazenteiros, vias que são espinhas dorsais do turismo contemporâneo madeirense mas também onde se mantêm bem vivas manifestações culturais que provêm do passado. Descarregue aqui esta rota!   Eira do Serrado A vereda que iniciamos no miradouro da Eira do Serrado, pertencente à freguesia de Santo António, era a principal via de comunicação entre a freguesia do Curral das Freiras e a costa Sul. Rivalizava em importância com a vereda de São Martinho e a vereda de ligação ao Jardim da Serra. Por aqui passavam os homens e os animais, criados no Curral, para além das mercadorias que provinham do norte da ilha. O Curral das Freiras hoje isolado, era um ponto de ligação de mercadorias e homens que provinham do Norte.   Degraus Pés-de-boi Neste degraus sentimo-nos desajeitados e com naturalidade, dado que os mesmos são desenhados para a passada dos animais, para facilitar a tracção em inclinações significativas. Por toda a ilha, observa-se que nas inclinações superiores a 10% são usadas estas passadas.   Curral das Freiras Designada primeiramente de Curral, nome com origem no facto da freguesia ser local de criação de animais. A alteração para Curral das Freiras terá ocorrido ainda no século XV quando a freguesia passou a propriedade das freiras do Convento de Santa Clara, embora se aponte igualmente para esta alteração ter ocorrido no século XVI quando as religiosos dessa congregação se refugiaram ali de um ataque de corsários. Como os seus 2001 habitantes (dados de 2011), a actividade principal ainda é a agricultura e aqui destacamos o cultivo do brigalhó, único local Madeira que se consume este tubérculo, e nozes. Da esquerda para a direita, os sítios que compõem o Curral das Freiras: Lombo Chão; Seara Velha; Terra Chã; Capela; Murteira; Casas próximas; Ribeira Cidrão; Cumeal; Fajã Escura; Fajã dos Cardos; Pau Formoso; Pico Furão.   Urzes Da família das Ericaceae, dos géneros Erica e Calluna esta espécie é conhecida na Madeira desde a sua descoberta. Ao longo dos tempos e devido à sua madeira extremamente dura, teve diversas utilizações agrícolas mas também em embutidos. É utilizada no fabrico de vassouras, em vedações e como lenha.   Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho

Rotas

re-nhau-nhau - trimensário humorístico

O Re-nhau-nhau foi um trimensário humorístico madeirense, centrado na caracterização do Zé Povinho da Madeira, estereótipo que teve grande importância e um papel relevante no sucesso deste periódico. O jornal saiu pela primeira vez com um número especial no dia 16 de dezembro de 1929, sendo o primeiro número datado de 20 de dezembro desse mesmo ano. O último número, por sua vez, tem a data de 20 de dezembro de 1977. O Re-nhau-nhau surge numa época de “apagada e vil tristeza”. A imprensa existente nesta época estava na dependência dos poderes económico, político e religioso. Os jornais de maior projeção no arquipélago pertenciam aos grandes senhores da terra ou à instituição religiosa. O Re-nhau-nhau surge num contexto histórico difícil, devido à implantação no país de uma férrea ditadura que iria condicionar decisivamente a livre expressão e cercear a liberdade de imprensa, criando a censura prévia e uma polícia política que coartava a liberdade de pensamento, assim como todas as iniciativas jornalísticas que surgiriam. O Re-nhau-nhau surge com esta significativa e corajosa justificação: “Os nossos irrequietos e verdes anos, o nosso inconformismo, não se compadeciam com o estagnamento jornalistico da nossa terra com a brandura das suas críticas” (“Editorial”, Re-nhau-nhau, 29 dez. 1929, 1). Enquanto jornal satírico, iria colocar em evidência esta situação de dependência em que vivia a imprensa regional, sendo portador duma mensagem nova, imbuído de ideais e valores desconhecidos na sociedade madeirense. Era um jornal que pretendia viver exclusivamente das receitas provenientes da sua venda ao público e do recurso a alguma publicidade. A caricatura era então uma arte pouco conhecida na Madeira e o Re-nhau-nhau, revelando-a na Ilha, alforriou-a, emparelhando, assim, por mérito próprio, ao lado das Belas Artes. Das suas oficinas saíram as primeiras gravuras que ilustraram todos os jornais diários madeirenses. Foi aqui que se desenvolveu e aperfeiçoou o sistema da gravura em linolito, que mais tarde todos os jornais madeirenses utilizaram. A ideia surgiu numa noite, junto a uma esquina da R. da Ribeira de S. João, que dá para a Trav. das Violetas, quando Gonçalves Preto, João Miguel e Eduardo Nunes discutiram “a possibilidade de fazerem um semanário humurístico, mas feito com um humurismo (sic) tal que fosse capaz de fazer o indígena morrer de riso, desopilhando o figado e regiões adjacentes” (“Editorial”, Re-nhau-nhau, 21 dez. 1936, 1). Começaram logo a fazer contas, fantasiando os fabulosos lucros que lhes traria um jornal de quatro páginas, idealizando-o recheado de anúncios pagos a peso de ouro. Mas, infelizmente, apenas oito anos passados desde o dia que deu à luz este jornal, estes mesmos homens constatavam que “Proventos deixa-nos Re-nhau-nhau o suficiente para contrairmos as nossas dívidas...” (Ibid.), pois tudo o que recebiam se destinava à tipografia. Arrumadas as ideias e resolvidos os problemas que dificultavam a saída do jornal, o primeiro número surge a 16 de dezembro de 1929, um número especial, onde estes jovens apresentam as ideias mestras do seu projeto: publicar um trimensário humorístico, ilustrado com caricaturas, que sairia aos dias 10, 20 e 30 de cada mês. Este número especial caricatura alguns jovens da “Briosa” – os académicos do Liceu Nacional do Funchal – e também os colaboradores iniciais do Re-nhau-nhau. No desenho de capa do número assinalado como especial, e sob o título “Dedicado Aos Briosos da Briosa Academia”, são apresentados dois estudantes de capa e batina estudantil, naquele tempo um hábito muito em voga mesmo para estudantes liceais, que fora introduzido nos liceus nos finais do séc. XIX e vigoraria até 1939; são eles Teixeira Jardim, presidente da Academia, e Liberato Ribeiro, presidente da Executiva. A seguir surge o subtítulo: “Re-nhau-nhau ao dar os primeiros ares da sua graça, dedica este número especial de miaus a todos os futuros Pais da Pátria em geral, e às suas noivas em particular...” (Re-nhau-nhau, 16 dez. 1929, 1). Mas o seu programa só nos é apresentado no n.º 1, com a justificação de que: “Re-nhau-nhau, ao miar pela primeira vez, neste número dedicado à Briosa, deveria como é costume, fazer a sua apresentação oficial. Como agora porém, se não pode brincar com a tropa e muito menos com os oficiais, vai esta apresentação particular, ficando reservada a apresentação solene para o nosso segundo numero” (Re-nhau-nhau, 16 dez. 1929), que saíria dali a quatro dias, exactamente, no dia 20 de dezembro. Logo na segunda página, num artigo assinado por “Gonçalves de côr ausente”, com o título “In principio erat verbum”, Gonçalves Preto explica a configuração do jornal: “No principio era o verbo! E o verbo se fez carne, e a carne se fez homem, e o homem se fez jornalista. E no principio o jornalista contentava-se apenas com o verbo de encher... colunas. Mas hoje tudo mudou e só o verbo não basta; são precisas as gravuras. Daí a razão do nosso jornal aparecer ilustrado por ilustres ilustradores, que nos honram com as suas ilustrações” . Advertia, ainda, que não aceitariam a colaboração de jornalistas consagrados, “porque estamos na verdura da mocidade e não admitimos os maduros” (GONÇALVES DE CÔR AUSENTE, Re-nhau-nhau, 20 dez. 1929, 2). O cabeçalho do periódico é da autoria de Roberto Cunha, também conhecido pela alcunha de “Terrique”: compõe-se de um gato, de rabo hirto, acossado por uma mão coberta de luva, que o incita a rugir, significando, talvez, o ferir ou arranhar, mas com... luva. O rugido que sai da sua boca é o título do trimensário Re-nhau-nhau. O felino, apoiado nas duas patas traseiras e com as duas da frente levantadas, prepara-se para atacar a sua presa, assumindo a sua posição característica de ataque, encolhendo-se e preparando-se para saltar. Este cabeçalho que se mantém sem alteração até ao último dia da existência do jornal foi o seu ex-libris. De acordo com um dos colaboradores, Manuel Peres (Pinto da Silva), este cabeçalho foi gravado pela primeira vez no Porto, num famoso gravador dessa cidade. As dificuldades em colocar nos escaparates um jornal desta dimensão eram enormes. Estes jovens, entre os 17 e os 24 anos – Gonçalves Preto, João Miguel, Roberto Cunha, Manuel Peres, Gualberto Malho Rodrigues e José Cardoso –, meteram mãos à obra e levantaram um jornal que duraria 48 anos, tantos quantos o regime durante o qual nasceu e cresceu: “sem nunca se ter afastado da sua orientação inicial, tem vindo pela vida fora, com um sorriso ou com uma ironia, sacudir a monotonia sórdida do nosso burgo, como unica nota de vida numa cidade morta” (Re-nhau-nhau, 21 dez. 1935). O Re-nhau-nhau veio assim a constituir um ponto de encontro e de confluência de ideias, um espaço de diálogo e de debate onde outros jovens talentosos se juntaram àqueles, como os redatores Noé Pestana e João França, os caricaturistas Ivo Ferreira, Teixeira Cabral, Alírio Sequeira, Ramon Fernandes, João Rosa, Júlio e Paulo Sá Brás, os gravadores Mendonça, Agostinho, Semeão Gomes (Lico) e Bernardo, e ainda os ilustradores continentais Natalino, Quim e Abel Aragão Teixeira. Estes serão presenças assíduas até um determinado momento, mas a partir de certa altura cada um segue o rumo da sua vida e muitos abandonam o jornal. Esses são substituídos por outros jovens de grande talento e valor, que darão qualidade e vida ao jornal até 1977. A publicação deste jornal causou algum alvoroço na cidade, pois as pessoas não estavam habituadas às novas metodologias usadas por estes jovens irreverentes, que vinham revolucionar o jornalismo da praça, e teciam considerações pejorativas em torno do jornal e dos seus criadores, destinando-lhe um fim precoce. Enganaram-se estes profetas da desgraça, pois o jornal acabou sendo o mais popular entre o povo madeirense e continuou por muitos e bons anos. Abordando os assuntos de forma caricatural, com a sua pontinha de sátira, conseguiram, com o seu riso, fazer aquilo que competia aos jornais sérios: divulgar os problemas de maior interesse para a Madeira, comentar as coisas que não estavam feitas ou a decorrer como deveriam, sugerindo aquilo que, no seu entender, constituiria melhor solução para os problemas da terra. Em resumo: “Aplaudindo quando nos parece de justiça e ironizando sempre que é necessário, temos vivido durante estes […] anos”. Muitas das sugestões preconizadas por estes jovens foram aceites, o que prova as boas intenções de que estava imbuído o jornal: “Re-nhau-nhau tem sido, desde o seu principio, o único periódico que pugna, sinceramente, pelas causas de interesse retintamente madeirense” (Re-nhau-nhau, 21 dez. 1936). O tamanho do jornal era de 33,5 cm de comprimento por 25 cm de largura. Estas medidas permaneceram sem alteração até 1940, mas iriam alterar-se para outras um pouco maiores na déc. de 60. O preço, no início da sua publicação, era de 1$50, baixando para 1$00 (uma pataca, como apregoavam), a partir do n.º 73 de 4 de fevereiro de 1932, continuando assim durante bastante tempo. Seria um preço razoável para a época e para o tipo de jornal que era o Re-nhau-nhau, pois era o mesmo preço do café no Golden Gate. O periódico compunha-se de uma primeira página, ¾ da qual eram preenchidos com uma moldura ilustrada de algum acontecimento importante na Região, na fórmula já experimentada em outros jornais do género no continente, e uma contracapa caricaturada a toda a página. Como jornal humorístico, não tinha secções regulares, persistindo algumas mais tempo do que outras. Durante algum tempo, foram permanentes as seguintes secções: “Jazz Band”, onde se comentavam os faits divers madeirenses; “Zaz Paz Traz” e “Bchi-Bchi”, espaços de poesia; “Politiquices”, secção onde se analisavam, humoristicamente, os acontecimentos políticos da Região; “Fitas e Teatradas”, espaço dedicado à crítica cinematográfica, teatral e restante atividade artística madeirense. Outros espaços existiram no Re-nhau-nhau, que eram oferecidos a alguns jovens de valor, que aí publicavam os seus textos em prosa ou em verso. Este periódico sofreu ligeiras alterações de direção e administração a partir da morte de João Miguel e de Gonçalves Preto. Em 1959, com a morte de João Miguel, a administração passou para os seus herdeiros, e a partir de 1971, com o falecimento de Gonçalves Preto, a direção passou para Maria Mendonça, que por motivo de grave doença o abandonou, algum tempo depois, em favor de Gil Gomes. Um homem em particular foi responsável pelo êxito do Re-nhau-nhau. Referimo-nos a Pedro Alberto Gonçalves Preto, que nasceu no dia 7 de setembro de 1907, na freguesia da Sé, no Funchal, filho de Francisco M. de Freitas Gonçalves Preto, advogado, homem ligado à República na Madeira, e de Sofia Amélia Figueira Gonçalves Preto. Desempenhou o cargo de diretor até à sua morte, dedicando grande parte da sua vida ao jornal, por vezes mesmo em precárias condições de saúde; ao seu cuidado tinha a grande maioria das secções do trimensário: “Jazz Band”, “Fitas e Teatradas”, “Zaz Paz Traz”, “Politiquices”, etc. Segundo alguns colaboradores do Re-nhau-nhau, houve vezes em que Gonçalves Preto o escreveu sozinho, do princípio ao fim. Usava, nas suas brincadeiras jornalísticas, os pseudónimos Gonçalves de Côr Ausente, Preto e Branco (quando escrevia a meias com João Miguel) ou simplesmente Preto. Faleceu no Hospital dos Marmeleiros, no Funchal, no dia 15 de maio de 1971.   Emanuel Janes (atualizado a 17.12.2017) artigos relacionados: pedro, alberto gonçalves periódicos literários (sécs. XIX e XX) nau sem rumo atlântico, revista

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