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jogos florais

Os jogos florais, conhecidos como “floralia”, eram festividades religiosas consagradas à deusa grega Flora, divindade que reinava sobre as flores dos jardins e dos campos, no mês que corresponde a abril do calendário romano. Segundo alguns estudiosos, nestes jogos, as cortesãs participavam dançando, sendo a vencedora coroada com um ramo de flores. Ao longo dos tempos, a forma de celebração dos jogos florais mudou. Na Baixa Idade Média, deu-se a instituição dos jogos florais como se tornaram posteriormente conhecidos, ou seja, como competições literárias. No ano de 1323, em Toulouse, França, segundo a tradição, um grupo de jovens poetas, com o desejo fazer renascer o brilhantismo da língua d’Oc e mantê-la em uso (mais tarde conhecidos pelos “mantenedores”), decidiram organizar uma competição das suas composições nessa mesma língua. No séc. XVIII, Luís XIV institui a Academia dos Jogos Florais com o objetivo de manter as tradições culturais da região e promover a criação literária. O aparecimento dos jogos florais em Portugal data de fevereiro de 1936. A Emissora Nacional, com o propósito de comemorar os 10 anos da revolução nacional que levou ao poder a ditadura do Estado Novo, lança ao público os primeiros jogos florais. Os autores podiam concorrer nas áreas da prosa e poesia, cada uma nas suas mais variadas formas, sendo dada maior importância à poesia e prosa que exaltasse nos versos o orgulho da pátria e o ser português. Os jogos florais em Portugal gozaram de grande vitalidade e visibilidade na época como grande evento público, em cuja comissão de honra apareciam as mais importantes figuras do Estado, sendo as obras vencedoras lidas nas emissões radiofónicas da Emissora Nacional. Na ilha da Madeira, a iniciativa dos jogos florais foi lançada pelo periódico Eco do Funchal, no dia 21 de setembro de 1941. O principal impulsionador e organizador dos primeiros jogos florais da Madeira foi o jornalista e poeta César Pestana (Pausania) que, conjuntamente com o diretor do Eco do Funchal, José da Silva, organizou o concurso literário tendo como modelo os primeiros jogos florais realizados pela Emissora Nacional e o Secretariado de Propaganda. Segundo o regulamento do concurso, os jogos florais da Madeira constituíam uma competição que tinha como objetivos valorizar a poesia madeirense e fomentar o cultivo das letras entre os poetas da Ilha. Os poetas podiam participar com as suas composições em quatro modalidades poéticas: soneto, quadra, poemeto e glosa. Na criação da glosa, eram obrigados a escrever composições com a seguinte mote: “Não canto por bem cantar/Nem por bem cantar o digo:/Canto só para espalhar/Mágoas que trago comigo”. Foram atribuídos três prémios para cada modalidade poética. O primeiro e o segundo prémio equivalia a uma flor e o terceiro a uma menção honrosa. O soneto vencedor do 1.º prémio receberia um Lys de Oiro e o do 2.º prémio um Lys de Prata. A quadra vencedora do 1.º prémio receberia um Cravo de Oiro e a do 2.º prémio um Cravo de Prata. O poemeto ao qual fosse atribuído o 1.º prémio receberia uma Túlipa de Oiro e o do 2.º prémio uma Túlipa de Prata. A glosa teria como 1.º prémio um Malmequer de Oiro e como 2.º prémio um Malmequer de prata. Nos números seguintes do Eco do Funchal foram sendo publicadas regularmente as poesias que em grande número afluíam à redação do jornal, gerando enorme entusiasmo entre a intelectualidade madeirense da época. Um entusiasmo que teve eco nos jornais do continente e dos Açores, sendo largamente transcrito um artigo escrito no Comercio do Porto a louvar a iniciativa, mas criticando a falta de empenho da Câmara Municipal e da presidência de Fernão de Ornelas em reunir as poesias num volume. O mesmo entusiasmo não chegou aos dois jornais diários madeirenses, que se manterão em silêncio relativamente à iniciativa do Eco do Funchal. No dia 18 de janeiro de 1942, o Eco do Funchal dá por encerrado a receção e publicação dos trabalhos, com um total de 75 poetas e poetisas, que concorreram com 30 sonetos, 37 quadras, 35 poemetos e 36 glosas, num total de 138 poesias inéditas. O júri que procedeu à leitura e avaliação dos primeiros jogos florais da Madeira foi constituído por cinco personalidades da sociedade madeirense, Eugénia Rego Pereira, Cón. António Homem de Gouveia, Jaime Vieira Santos, João Velez Caroço e Manuel Higino Vieira. A declamação dos poemas vencedores ficou a cargo da poetisa Idalina Salvador (Inah). A sessão solene para a entrega dos prémios dos jogos florais realizou-se no Ateneu Comercial do Funchal, no dia 12 de novembro de 1942. No sarau literário, reuniram-se as mais altas individualidades, contando com a presença, entre outros, de A. Branco Camacho, chefe do gabinete do governador do distrito, de Alberto Araújo e de Eduardo Homem de Gouveia e Sousa. Na sessão solene, celebraram-se várias iniciativas de cariz artístico antes da entrega de prémios aos concorrentes e da recitação dos poemas vencedores. Nas várias categorias poéticas, os grandes vencedores dos primeiros jogos florais foram: no soneto, Humberto Nunes da Silva com o poema “Filha”; na quadra, um poeta que permaneceu anónimo; no poemeto, Viterbo Dias, com o poema “Ilha da Madeira”; e na glosa, Abel Nunes com “Glosa n.º 9”. Deste primeiro concurso ressalva-se a promessa, por parte dos organizadores, da edição de um volume das melhores composições poéticas dos primeiros jogos florais da Madeira. No entanto, apesar do sucesso dos primeiros jogos florais do Eco do Funchal, a organização do concurso literário não voltaria a ter o apoio desta empresa, passando assim a ser organizados pelo Ateneu Comercial do Funchal. A 27 de agosto de 1945, o Diário de Notícias da Madeira anuncia a realização dos jogos florais pelo Ateneu do Funchal, presididos por Luiz de Sousa, com o objetivo de movimentar e tornar conhecidas as obras dos escritores madeirenses. No quadro organizativo da prova literária, encontravam-se como colaboradores Horácio Bento Gouveia e Manuel Silvério Pereira. As modalidades literárias em que os autores podiam participar eram o conto, o conto infantil, o soneto, a poesia alegórica à Madeira, a quadra popular, o poema filosófico e o poema lírico. O júri dos jogos florais do Ateneu Comercial do Funchal era constituído pelo presidente da instituição, Alberto Jardim, e por Ernesto Gonçalves, Horácio Bento de Gouveia, Jaime Vieira Santos e Marmelo e Silva. Os prémios atribuídos aos vencedores eram de valor monetário e, conforme a modalidade literária, iam dos 1.000$00 aos 300$00. A cerimónia solene de encerramento dos primeiros jogos florais do Ateneu Comercial realizou-se no dia 23 de maio de 1946, no edifício da associação recreativa e cultural, à semelhança do encerramento dos primeiros jogos florais do Eco do Funchal. Na cerimónia, discursaram o presidente do Ateneu Comercial do Funchal, Luiz de Sousa, Alberto Jardim e Jaime Vieira Santos; seguiu-se a entrega dos prémios aos vencedores nas várias categorias. Os primeiros classificados nas diversas modalidades literárias foram: no conto, “A última luz da candeia tem três bicos”, por Manuel dos Canhas, pseudónimo de Elmano Vieira; no conto infantil, o prémio foi para “Viagem ao Polo”, por Maria de Roma, pseudónimo de Lisetta Zarone D’Arco Vieira; na poesia alegórica à Madeira, o vencedor foi Silvado Prado, pseudónimo de Manuel Silvério Pereira, com o poema “Madeira”; na categoria do soneto, o vencedor foi Florival dos Passos, que assinou como Emanuel Jorge; no poema filosófico, o prémio foi para Humberto Nunes da Silva, Plauto, com o poema “Carta”; na poesia lírica, o vencedor foi António Jorge Gonçalves Canha, com o poema “Voltar à Escola”. Por fim, na categoria da quadra popular, foi A. Cílio, pseudónimo de Aurélio Nelson Pestana, o vencedor. Nos jogos florais do Ateneu Comercial do Funchal destacou-se a presença feminina entre os laureados do torneiro literário: o primeiro prémio para a modalidade de conto infantil foi ganho por Lisetta Zarone D’Arco Vieira e, na modalidade de poesia alegórica à Madeira, J. Crus Baptista Santos, com o nome de Ana Rosa, ganhou uma menção honrosa com o poema “Poesia à Madeira”. A tradição dos jogos florais na Madeira conta com dois momentos importantes, ou dois inícios por assim dizer, o Eco do Funchal inaugura a novidade da competição literária na Ilha e o Ateneu Comercial do Funchal continua com a competição dando-lhe um novo e renovado impulso até ao último quartel do séc. XX.     Carlos Barradas (atualizado a 18.12.2017)

Literatura Sociedade e Comunicação Social

jogos de fortuna e azar

De acordo com o dec.-lei 422/89, de 2 de dezembro, os jogos de azar são definidos como “operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”, sendo “abrangidos rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”. Para além disso, enquadram-se neste conceito os jogos proibidos, que se fazem portas adentro, em locais reservados. No passado, eram associados às cartas de jogar, ao jogo da hoca, do osso, de dados, solimão e tavolagem. Na Madeira, associam-se ainda ao jogo do bicho, à milhada, um jogo de adivinhação feito com grãos de milho – que foram depois substituídos por moedas, ficando o jogo conhecido como a moedinha – e, posteriormente, ao raspa, criado pela Associação de Municípios da Madeira. Note-se que a diversão e o jogo fazem parte de todas as sociedades, estando condicionados pelas limitações impostas, nomeadamente pela Igreja, através das constituições sociais, da prática episcopal das visitações, das ordenações régias e da sua expressão local através das posturas. Muitas vezes, a documentação não nos fala da prática destes jogos, mas o facto de existirem estas medidas proibitivas é, por si só, a prova da sua existência. O facto de a Madeira ter sido local de acolhimento de forasteiros, que, muitas vezes, aí passavam temporadas, trouxe para a Ilha essas formas de jogo europeu para ocupar o tempo. Ocupar o tempo não era tarefa fácil numa terra em que faltavam muitos serviços de diversão e entretenimento. Assim, as autoridades demonstraram empenho em promover tudo o que fosse possível para que, aos poucos, se criassem as condições necessárias ao acolhimento destes forasteiros, destacando-se a ação do Gov. José Silvestre Ribeiro, que insistiu nos melhoramentos das ruas da cidade, calcetando-as e provendo-as de iluminação noturna, e a construção de casas de abrigo no interior da Ilha. Alguns estrangeiros queixavam-se do tédio permanente das estadias no Funchal, por falta de locais de diversão, má qualidade dos músicos e pouca variedade dos repositórios musicais. É disso exemplo Isabella de França, que, em 1853, declarava: “Não posso dizer muito em louvor da música destes bailes, porque só há uma no Funchal e o público não fica mais bem servido do que noutro monopólio qualquer. Outra consequência é que, durante a temporada, se tocam sempre os mesmos números. São eles, como em toda a parte, uma ou outra quadrilha, por mera formalidade, e muitas polcas, valsas, mazurcas, etc. – tantas quanto possível” (FRANÇA, 1970, 173). Outros ainda, como Dennis Embleton em 1882, apontavam a pouca veia musical dos madeirenses. Talvez por isso a presença de uma banda a bordo de um navio de passagem fosse motivo de interesse e curiosidade, providenciando-se a sua participação em bailes oficiais ou organizados pelos clubes. Em 1853, a banda de um barco americano foi convidada a atuar num baile no palácio de S. Lourenço, como também conta Isabella de França: “Na mesma sala dos quadros tocava a banda do navio americano surto no porto e cujo comodoro tivera a gentileza de a ceder para aquela ocasião. A música, de que o instrumento mais importante era o bombo, devia soar bem no mar alto mas ensurdecia muito debaixo de um teto” (Id., Ibid., 203). A noite era um momento importante para o convívio e animação nas casas das principais famílias da Ilha e da comunidade britânica aí residente. Nos seus solares apalaçados no espaço urbano ou quintas nos arredores da cidade, todos dispunham de amplos aposentos servidos com sala de jantar e de dança para muitos convidados. Entre estes, contavam-se sempre estrangeiros de diversas nacionalidades que ocupavam o tempo de estadia na Ilha pulando de festa em festa. Tais saraus eram marcados por grande animação de música e dança. Disso nos dá conta, uma vez mais, Isabella de França: “A reunião não teve muita concorrência, mas incluiu várias nações. Havia uma dama russa, três ou quatro alemães, além de ingleses, franceses e portugueses. Depois do chá, houve música nacional, para nossa distração: machete primorosamente tocado, viola e cavaquinho (machete de seis cordas em vez de quatro, peculiar ao Porto). Estes instrumentos foram todos bem tangidos e harmonizaram-se na perfeição em músicas que lhes são próprias. Gostei bastante” (Id., Ibid., 182). No séc. XIX, o Teatro Grande, criado em 1780 próximo da fortaleza de S. Lourenço, era considerado o principal centro de diversão por acolher as mais famosas companhias europeias, como foi o caso da companhia de teatro do S. Carlos, em 1808. A aposta das autoridades neste tipo de espaços foi, no entanto, sendo adiada, pelo que, quer a imprensa, quer os forasteiros reclamavam uma casa de espetáculos. Criá-la era, em 1819, no entendimento do Gov. Sebastião Xavier Botelho, a possibilidade de travar os espaços não autorizados, na medida em que eram “forçados seus habitantes a buscarem más distrações quando lhes faltem as honestas” (ALMEIDA, 1907, 295). É o mesmo governador quem promove uma lotaria com um prémio até 18 contos, com duas ou três extrações anuais, sendo os lucros, que poderiam chegar a 12%, destinados a obras ligadas à diversão, como o reparo do teatro, por exemplo. Em 1822, surge a ideia de uma nova lotaria, no valor de 24 contos, que, nas palavras do governador, podia ajudar a evitar o tédio e falta de diversão na cidade: “vantagens são bem conhecidas de todos mormente numa cidade que não tem outros entretenimentos com que se possa distrair e fazer diversão...” (Id., Ibid.). O Funchal era, então, uma cidade cosmopolita que fervilhava de gente de passagem e de doentes em busca da cura para a tísica. Como as diversões eram poucas e não havia teatro, ópera ou outras diversões europeias, o tempo era ocupado por passeios a pé ou de barco e piqueniques. Perante isto, foi preocupação de vários governadores promoverem o entretenimento. Todavia, só na déc. de 80 do séc. XIX a pertinácia do Dr. João da Câmara Leme venceu a inércia das autoridades centrais. Assim, em 25 de fevereiro de 1880, constituiu-se a companhia edificadora do Teatro Funchalense, mas a decisão da sua construção por parte da Câmara só ocorreu em 9 de fevereiro de 1882. O espaço abriria as suas portas apenas cinco anos depois, com o nome teatro D. Maria Pia. Com a República, em 1911, passou a ser chamado teatro Manuel de Arriaga, mas, face à recusa desta personalidade, ficou como teatro Funchalense até à sua morte, em 1917. Já na déc. de 30 do séc. XX, com Fernão Ornelas como presidente da Câmara, passou a designar-se Baltasar Dias, como forma de homenagem ao maior dramaturgo madeirense do séc. XVI. A primeira notícia sobre uma casa de representação é de 1776. João Rodrigues Pereira fez construir a Casa da Ópera do Funchal no local de outra, que havia sucumbido num incêndio. Passados 10 anos, temos referência a dois teatros: a Comédia Velha e o referido Teatro Grande. Já o séc. XIX pode ser considerado o grande momento do teatro, do circo e da ópera. Surgiram novas casas de espetáculo que mantiveram uma atividade permanente, trazendo à Ilha personalidades de destaque do bel canto, concertos, récitas e festas de beneficência, circo e teatro. Ao mesmo tempo, surgiram sociedades dramáticas, como a Concórdia (1840) e Talia (1858), com o objetivo de promover a construção de salas de espetáculos e o seu funcionamento. Ao visitante de passagem ou de estadia temporária restavam ainda outras diversões. As atividades desportivas são assinaladas no decurso do séc. XIX. Assim, em 1838, John Driver dá conta de uma corrida de cavalos, no percurso da estrada Monumental. Depois, foram surgindo outros desportos, por influência da comunidade britânica residente. Em 1875, Harry Hinton trouxe o futebol, que começou a ser praticado na Achada, na freguesia da Camacha, em 1870. Por sua vez, o ténis estava presente no Monte e na Qt. do Palheiro Ferreiro, onde o rei D. Carlos jogou uma partida. A estas modalidades, juntam-se ainda o criquet e o bilhar, que se tornaram duas das principais atrações dos clubes de recreio da cidade. Por fim, para os mais destemidos, havia a caça à codorniz, ao coelho, à galinhola e à perdiz, que tanto poderia ter lugar no Santo da Serra, no Caniçal ou no Paul da Serra, bem como no Porto Santo e nas Desertas. A animação e o lazer encontram, assim, novas formas de expressão para as elites locais. Os clubes de diversão e de recreio são uma realidade a partir da déc. de 30 do séc. XIX. Entre estes destacaram-se o Clube União (1836-1879) e o Clube Funchalense (1839-1899). Este último ficou célebre pelos bailes e soirées, afirmando-se, ainda, como um dos principais espaços de receção dos visitantes. Para além destes, vários outros clubes vieram animar a cidade: o Clube Económico (1856), o Clube Recreativo (1856), o Clube Aliança (1867), o Clube Restauração (1879), o Clube Internacional do Funchal (1896), o Clube dos Estrangeiros (1897), o Clube Recreio Musical (1900), o Turt Club (1900), o Novo Clube Restauração (1908), o Sports Club (1910), o Clube Republicano da Madeira (1911), o Clube Naval Madeirense (1917), o Clube Recreio e Restauração, o Novo Clube Renascença, o Clube Funchalense e o Commercial Rooms. Algumas das homenagens prestadas a personalidades de passagem tinham lugar nestes clubes. Assim, em 1885, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens foram aclamados no clube Funchalense e, em 1921, Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram obsequiados pelo Club Sport Madeira. Aos clubes e aos hotéis, juntaram-se os casinos, como locais privilegiados de diversão e de jogo. O casino da Qt. Vigia (1895), sobranceiro ao porto, era um dos mais visitados e conhecidos pelos saraus dançantes que tinham lugar todos os dias. Destaca-se igualmente, a partir de 1880, uma novidade que veio animar as ruas da cidade e as amplas quintas dos arredores do Funchal: as esquadras de navegação terrestre. Este jogo, que consistia genericamente na organização de “esquadras militares” fardadas a rigor que, em momentos determinados, realizavam assaltos entre si, acabou por monopolizar o lazer dos proprietários das principais quintas. Na Madeira, a segunda metade do séc. XIX foi marcada por uma conjuntura difícil para as diversas classes socioprofissionais, marcando, nesta medida, o despertar da sua consciência para o associativismo ou para a busca de soluções que propiciassem a assistência e a proteção aos trabalhadores, nos acidentes, na doença e na velhice. A tudo isto acresce o filantropismo social de ajuda aos mendigos, crianças e viúvas. Deste modo, a partir de meados da centúria, o mutualismo, o cooperativismo e o associativismo socioprofissional foram um meio capaz de minorar as dificuldades com que se debatia a população. Nesta sociedade, os jogos de fortuna e azar estão em todo lado e em lado nenhum, praticando-se de forma velada. À exceção dos que são legais, como a lotaria, os jogos de cartas e os que acontecem dentro dos casinos, apenas se sabe deles quando acontece algum desacato que implica a presença da autoridade, ou quando alguém apresenta denúncia. Em 1710, os vendeiros José Maria, Pedro Matos e a mulher de António Gonçalves Renhim são notificados para que nas “vendas não armassem jogos de moços e homens casados, nem negros e mulatos, sob pena de 6$000 réis” (RIBEIRO, 1993, 89). Depois, em 1768, transfere-se um deportado “por jogar e dar casa a jogos proibidos e crime de Mollicie” (CARITA, 1999, 252). Já em 1777, foi informado Francisco José, morador à R. do Hospital Velho, que “não teria mais jogo em sua casa” (Id., Ibid., 252). Não era só na cidade que o jogo se generalizara. Também no meio rural existiu, mesmo sem registo documental. Veja-se, por exemplo, este aviso lançado no Diário Popular, em 1901, por uma vítima do jogo que define o Seixal como uma escola de jogatina: “Joga-se nas casa particulares, em vários edifícios desabitados, nas tabernas por toda a parte, enfim, e quem se recusa a acompanhar os viciosos em tal divertimento é perseguido” (RIBEIRO, 1996. 260). Esta denúncia é um exemplo de que o jogo existe em toda a Ilha.   O estanco Consistia numa forma de monopólio legal, exercido pelo Estado ou concedido por este a um particular, para produção ou venda de um determinado produto, como o tabaco, o sal, a urzela, cartas de jogar ou diamantes. No caso de exercício por um particular, estamos perante uma doação como forma de mercê ou uma concessão a troco de uma renda fixa. O estanco também pode significar o armazém onde se encontra depositado e onde se faz a venda do produto do monopólio. O contratador do estanco providenciava estes espaços nas diversas localidades através do sistema de subarrendamento, sendo conhecido como estanqueiro. O mais importante foi o estanco do tabaco que perdurou desde do séc. XVII até à publicação da lei de 13 de maio de 1864, altura em que foi permitida a plantação de tabaco nas ilhas da Madeira e dos Açores e o seu livre fabrico e comércio. No Funchal, existiu uma rua com a designação “Estanco Velho”, cuja referência mais antiga é de 1572, reportando-se, possivelmente, à existência de um estanco na mesma rua. Outro estanco, não menos importante, foi o das cartas de jogar, surgido em 1607. Estando proibido o fabrico e a venda de cartas, pertencia ao estanqueiro esse direito, mediante uma renda cujo contrato era feito por arrematação. No séc. XVIII, o meirinho do estanco estava autorizado a fazer buscas em navios, barcos e quintas quando houvesse suspeita da existência de cartas falsas ou da sua venda sem licença do contratador. Ao contratador ou estanqueiro das cartas de jogar, era reconhecido o direito de ter mestres de fazer cartas, situação que estava vedada aos particulares. No séc. XVI, o baralho de cartas custava 80 réis. Ao longo de todo o séc. XVIII, vigorou na Madeira o contrato das cartas de jogar e solimão, instituído no séc. XVII e arrematado em Lisboa. Este contrato devia ter ligação à Madeira, dado encontrar-se registado na Câmara do Funchal, nos inícios do séc. XVII, o contrato celebrado com João Almedo de O'Campo, assim como uma outra provisão passada a Manuel Mendes Cardoso. O contrato referia que se poderia “jogar todo e qualquer jogo de nove e doze cartas, sem pena alguma e que se não possa o ‘jogo de parar’, sob as penas da lei” (CARITA, 1999, 252). Este contrato envolvia a venda das cartas de jogar, fabricadas em Lisboa pela Real Fábrica das Cartas de Jogar. Em 1770, o estanco das cartas de jogar era administrado por João dos Santos Coimbra e funcionava numa casa na R. do Sabão. No entanto, algo terá corrido mal, na medida em que os bens do administrador foram penhorados. Em 1793, Pedro Jorge Monteiro, procurador na Ilha da “real renda”, ainda procedia de acordo com este auto.   Lotarias Sabe-se da criação, em 1688, de uma companhia de jogos de rendas e que, em 1702, o rei determina a criação de uma lotaria, havendo notícia de outra em 1720. A primeira lotaria de que se tem conhecimento na Ilha foi criada pelo Gov. e Cap. Gen. José Manuel da Câmara, a 5 de fevereiro de 1803. Esta lotaria era de 30.000$000 réis, dividida em 6000 bilhetes, ao preço de 5$000. O 1.º prémio era de 4000$000 réis e o 2.º de 1600$000. Contudo, a 24 de março de 1804, o Gov. Ascenso de Sequeira Freire informa o visconde de Anadia da impossibilidade de esta se realizar, por ainda não se ter vendido metade dos bilhetes. Uma lei de 18 de outubro de 1806 atribui o negócio da lotaria às Casas da Misericórdia, mas, mesmo assim, a segunda lotaria de que há notícia terá sido criada, no Funchal, para benefício dos lázaros, de acordo com uma ata da sessão da Câmara Municipal do Funchal de 12 de janeiro de 1814 referida por Eduardo Almeida. O mesmo poder foi atribuído à Santa Casa da Misericórdia do Funchal para financiar as suas obras de caridade. Assim, em 1823, o provedor da Santa Casa, o Dr. João Francisco de Oliveira, teve autorização para uma nova lotaria, cuja receita revertia a favor do Recolhimento das Órfãs. Em 1931, defendeu-se uma lotaria local com base nas corridas de cavalos de Inglaterra, mas esta não foi autorizada. Pouco depois, em 1935, João Abel de Freitas reclamava as receitas da lotaria para a assistência local, mas Salazar não aceitou, mantendo-as como apanágio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A propósito de prémios da lotaria, há notícia de que, em 1928, o emigrante madeirense João Gonçalves de Jesus, residente na ilha de Trinidade, venceu a lotaria de S.to António, doando o que ganhou para a construção do monumento de N.ª S.ª da Paz, no Monte. Outro madeirense, João Fernandes, de Câmara de Lobos, que fora emigrante no Curaçau, encontrou a sua recompensa, em Lisboa, ao ganhar a lotaria no valor de 300 contos.   Os casinos Há notícia do funcionamento de três casinos no Funchal – Monumental, Vitória e Pavão – e de que a companhia de ferro do Monte pretendia explorar um casino no término da linha de comboio dessa freguesia. Em 1906 ateou-se a polémica na imprensa local com o projeto da Companhia dos Sanatórios da Madeira, que pretendia montar na Qt. Pavão um kurhotel. No entanto, a companhia seria comprada pelos ingleses, que aí montaram um casino. Em 1936, o Ministério das Finanças cedeu as quintas Vigia, Pavão e Biachi à empresa que adjudicou a zona de jogo, a empresa de turismo da Madeira, sendo instalado um casino na Qt. Vigia no mês de julho do mesmo ano. O casino Vitória, que era muito frequentado por estrangeiros, ardendo em 1927, e o casino Pavão funcionaram até à déc. de 30 do séc. XX, quando o governo decidiu concessionar a sua exploração. Tenha-se em atenção que, das sete zonas de jogo existentes em 1928-1929 em Portugal, a da Madeira era a que rendia mais ao Estado, com uma receita anual de 861.988$80. Na década seguinte, gerou-se um movimento a favor da concessão e construção de um casino, reivindicado por Henrique Vieira de Castro e pelo próprio João Abel de Freitas em carta de 1935 endereçada a Salazar, que, em resposta privada, se manifestou contra. O primeiro concurso para a concessão do jogo na zona da Madeira foi aberto em dezembro de 1935, surgindo na sequência da publicação do dec.-lei n.º 14.643, de 3 de dezembro de 1927, que regulamentou a exploração do jogo. A Associação Comercial manifestou interesse nessa concessão, criando para o efeito uma sociedade, a Empresa de Turismo da Madeira Lta. (1936). No entanto, apenas em 1958 lhe foi entregue a concessão do jogo por um período de 35 anos, sendo esta posteriormente prorrogada, em 1996 e 2006, por mais 10 anos. Mais tarde, o dec.-lei n.º 48.912, de 18 de março de 1969, estabeleceu duas zonas de jogo na Madeira, uma para cada ilha, sendo posteriormente alterado por outro decreto, o 10/95, de 10 de janeiro.   O jogo do bicho e o raspa O jogo do bicho joga-se na Madeira e no Rio de Janeiro. Na cidade brasileira, começou em 1892, por iniciativa do barão de Drummond. Não se sabe se antes desta data existia o jogo na Madeira, mas é muito provável que os emigrantes madeirenses no Rio de Janeiro tenham sido os seus divulgadores no Funchal, em data que se desconhece. Este jogo clandestino baseava-se em apostas feitas em números que correspondiam a animais, sendo os mesmos estabelecidos pelas terminações da lotaria nacional. Não se sabe, pois, quando começou, na Ilha, o jogo do bicho. Tratando-se de um jogo clandestino, não tem registo histórico, aparecendo na documentação oficial apenas quando, por qualquer razão, a polícia intervinha. Assim, sabemos que, na déc. de 30 do séc. XX, era bastante praticado, pois o Governo Civil promoveu uma ação, em 1930, para acabar com ele, na medida em que fazia concorrência à lotaria nacional da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Era nas vendas e mercearias que este jogo circulava, sendo assim apreendido, em 1937, o jogo em Santa Cruz e condenado o merceeiro. Por outro lado, vários angariadores espalhavam-se por toda a cidade e meio rural, no sentido de atrair novos jogadores. Embora saibamos muito pouco sobre o seu funcionamento, podemos afirmar que este jogo foi muito popular na Ilha e que ainda continua a existir na clandestinidade, não obstante ter entrado em decadência a partir da déc. de 70 do séc. XX. Há uma expressão popular dos madeirenses que tem origem neste jogo, “dar no porco”, significando que algo acaba mal. A expressão terá origem num momento em que, segundo o povo, saiu uma elevada quantia no porco, no âmbito do jogo do bicho, ficando o banqueiro com o dinheiro todo. Nos jogos de fortuna e azar, é também de destacar o raspa ou jogo instantâneo, que surgiu a 19 de dezembro de 1985, sendo explorado pela Associação de Municípios da Madeira. Passados 10 anos, apareceria, a nível nacional, a raspadinha, jogo lançado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Este é um dos chamados jogos instantâneos, uma vez que a atribuição ou não do prémio acontece na hora em que se procede ao raspar do cartão adquirido.   O imposto A primeira situação que conhecemos em relação à tributação do jogo prende-se com as cartas de jogar e solimão, que estavam sujeitas ao regime de monopólio. O estanco era nacional e existia na Madeira. O primeiro imposto a recair sobre o jogo foi o de selo, que existiu entre 1797 e 1988. Este tributo foi criado por alvará de 10 de março de 1797, como meio de financiar a guerra com a França e seus aliados (1793-95, 1801, 1807-14). Acabou por manter-se como mais uma fonte de rendimento para o Estado. A sua incidência sobre a lotaria foi determinada pela carta de lei de 4 julho de 1889. O imposto foi regulado pela lei de 20 de dezembro de 1837, a que se seguiu o dec. n.º 12.700, de 20 novembro de 1926. Aqui se refere que o imposto incide sobre “documentos, livros, papéis, atos e produtos”, visando-se tributar a circulação de riqueza, bens e valores que, de alguma forma, não tenham sido abrangidos por outro tributo. Os impostos estão, assim, presentes em anúncios, editais, escrituras, emissão de cheques, doações, obrigações, atos notariais, etc. A lei de 26 de abril de 1861 introduziu a possibilidade do seu pagamento através da inutilização de estampilhas fiscais. Já a lei de 29 de junho de 1902 alargou a sua cobrança às especialidades farmacêuticas. As taxas são variáveis: tanto pode ser uma percentagem da verba que está na origem do ato, como um valor fixo, que vai sendo atualizado com o tempo. Pelo dec. n.º 4056, de 6 de abril de 1918, foi criado um adicional de 50% enquanto durasse a guerra. Temos notícia de tabelas aprovadas: lei de 10 de julho de 1834; lei de 21 de abril de 1845; lei de 26 de abril de 1861; lei de 1 de julho de 1867; lei de 30 de agosto de 1869; lei de 2 de abril de 1873; lei de 7 de maio de 1878; lei de 21 de julho de 1893; lei de 24 de maio de 1902; lei n.º 1193, de 31 de agosto de 1921, que duplicou as taxas que foram publicadas no dec. n.º 7772, de 3 de novembro; lei n.º 1152, de 1 de março de 1924, que quintuplicou as taxas; lei n.º 1633, de 17 de julho de 1924, que procedeu a alterações na tabela publicada pelo dec. n.º 10.039, de 26 de agosto do mesmo ano; dec. n.º 16.732, de 13 de abril de 1929, que mandou integrar neste imposto a parte do imposto de transações que incidia sobre as operações bancárias; nova tabela aprovada pelo dec. n.º 21.916, de 28 de novembro de 1932; dec. n.º 21.427, de 30 de junho de 1932, que mandou multiplicar as taxas por 1,25, publicando-se as novas tabelas pelo dec. n.º 21.591, de 11 de agosto; decreto com força de lei n.º 21.916, de 28 de novembro de 1932, em que foi aprovada uma nova tabela. A parte do imposto de selo que recaia sobre bilhetes de lotaria e rifas foi abolida em 1988 (dec.-lei n.º 442-A/88, de 30 de setembro e dec.-lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro), com a criação de dois novos impostos: imposto sobre rendimento de pessoas singulares e imposto sobre rendimento de pessoas coletivas, pelo dec.-lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro do ano imediato. Também foram abolidas algumas das tributações que estavam na tabela deste imposto de selo. O IRS, imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, surgiu em 1988, na sequência da reforma fiscal provocada pela entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia. Foi criado pela lei n.º 106/88, de 17 de setembro, e teve código aprovado pelo dec.-lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, tendo substituído os seguintes impostos: profissional, de capitais, sobre a indústria agrícola, de mais-valias, complementar e de selo, contribuição industrial e predial. São elegíveis para este imposto os rendimentos da categoria I, provenientes de jogo, lotaria e apostas mútuas. As taxas deste imposto são progressivas, sendo o lançamento e liquidação realizados a partir de declarações feitas pelos contribuintes. A partir de 1989, com o dec.-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, é cobrada uma taxa às empresas concessionárias de jogos de fortuna ou azar, como imposto especial pelo exercício da atividade do jogo, para o fundo de turismo. O Estado tem conservado, assim, o direito de exploração dos jogos de fortuna e azar, sendo tal exploração feita por concessão. Desta forma, em 1927, o Estado português decidiu regulamentar a incontornável atividade do jogo, através da publicação do dec. n.º 14.643, de 3 de dezembro, que autorizava a exploração de jogos de fortuna e azar em regime de concessão exclusiva (em sítios específicos denominados como zonas de jogo). Imediatamente, inicia-se o primeiro regime fiscal sobre a atividade de exploração dos jogos de fortuna e azar, com a tributação a incidir sobre os lucros diários auferidos. Neste contexto, surge, em 29 de maio de 1948, o dec. n.º 36.889, que altera a tributação sobre o jogo de azar, de forma a tributar apenas o lucro normal, presumido com base no capital de giro, ao invés do lucro real, apurado conforme a intensidade do jogo. Após 10 anos, sobreveio o dec. n.º 41.562, de 18 de março de 1958, no qual se retorna à diretriz da primeira legislação fiscal sobre a matéria, a tributação de capitais de giro, lucros e receitas brutas com taxas elevadas, por se considerar o jogo um setor de exceção. Pelo dec.-lei n.º 318/84, de 1 de outubro, foram transferidas para as regiões autónomas dos Açores e da Madeira as competências do Governo para a adjudicação da concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, com exceção das referentes a lotarias e concursos de prognósticos ou apostas mútuas. Posteriormente, a tributação sobre o jogo de azar é disciplinada pelo dec.-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, cujo regime mantém o carácter de exceção.     Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

Sociedade e Comunicação Social

jersey

Nome de uma ilha situada no canal da Mancha, ao largo da costa da Normandia, que, junto com Guernsey, forma o arquipélago das ilhas do Canal, uma dependência da Coroa britânica que não faz parte do Reino Unido. Estas ilhas foram propriedade do duque da Normandia, tendo passado para a Coroa inglesa, quando William, o Conquistador, se tornou Rei da Inglaterra, em 1066, sendo que os habitantes das ilhas do Canal são cidadãos britânicos. Apesar de, no ano de 1204, a Inglaterra ter perdido a Normandia – a parte continental –, as ilhas permaneceram na posse da Inglaterra. Entre 1940 e 1945, foram ocupadas pela Alemanha. As ilhas têm como línguas oficiais o inglês e o francês. As ilhas foram divididas em bailiados, regidos por parlamentos eleitos, chamados Estados. Estas assembleias aprovam a sua própria legislação, com o consentimento da Coroa (responsável pela defesa, representação diplomática e de cidadania). Apesar de não fazerem parte da União Europeia, estas ilhas estão sujeitas a uma união aduaneira. O território de Jersey, a ilha maior, tem uma área de 116 km2 e é governado por representantes do Governo britânico, os baillifs. São juízes máximos da justiça nomeados pela Coroa e presidem o Parlamento dos Estados. Entre o séc. XX e começos do séc. XXI, os poderes destes representantes começaram a transferir-se para os Estados, adotando-se um sistema ministerial e a nomeação de ministros-chefe em 2005. De acordo com estudos realizados, e tendo como base o censo de 2011, a população residente em Jersey foi estimada em 97.857 pessoas, 34 % das quais na cidade de Saint Helier. Uma análise aos dados disponíveis permite concluir que apenas metade da população terá nascido na ilha, sendo a restante população migrante. Desta, 7 % é portuguesa, nomeadamente madeirense, num total, para o ano de 2011 (data do último censo), de 7031 pessoas. Estes números explicam o facto de o português ser uma língua comummente escutada na ilha, em particular na capital, onde se encontra em avisos, afixados sobretudo nas cabines telefónicas. Devido à emigração, Jersey está, então, ligada à Madeira de modo especial, não obstante haver registos de trocas comerciais entre os dois espaços insulares. Daquela ilha britânica, chegava o trigo e a farinha, fundamentais para a alimentação, como prova uma ordem de António Noronha, datada de junho de 1823, e dirigida ao guarda-mor João António Gouveia Rego, para dar entrada ao bergantim inglês Comet, apesar de não trazer a carta da saúde referendada pelo consulado, alegando como principal motivo o facto de os cereais serem um produto de primeira necessidade; o mesmo aconteceu com a chalupa inglesa Thane, em agosto de 1823, proveniente daquela ilha britânica, e carregada com farinha. Há muito tempo que Jersey é procurada por madeirenses, que ali encontram possibilidades de trabalho. Embora houvesse alguns Portugueses na ilha na primeira metade do séc. XX, a emigração propriamente dita para Jersey começou nos anos 40 do séc. XX, com a chegada de madeirenses para trabalhar na agricultura, nas fábricas e no sector doméstico. Os primeiros dados sobre a presença madeirense nesta ilha remontam ao ano de 1934, mas é efetivamente nos anos 40 que a emigração insular começa a ganhar maior expressão. Ao proceder à análise do fenómeno económico e social da emigração do arquipélago da Madeira, Agostinho Cardoso situa em 1952 a alteração do paradigma da emigração de madeirenses para Jersey: “Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952 com a emigração sazonal para Inglaterra, principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ocupados na hotelaria, deslocavam-se na época de verão rumo a este destino para trabalhar no mesmo sector, regressando à ilha para a época invernal. Hoje mantém-se esta tradição mas ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismo madeirense perdeu a sazonalidade que então mantinha” (CARDOSO, 1968, 16). Aproveitando a sazonalidade que caracterizava o turismo da Madeira (sendo o inverno especialmente importante), os madeirenses empregados na hotelaria deslocavam-se, durante o verão, para as ilhas do Canal, nomeadamente para Jersey, para o mesmo sector. Em 1961, existiam cerca de 500 Portugueses na ilha, não se sabendo, ao certo, quantos destes seriam madeirenses. As oportunidades de trabalho dos madeirenses foram muito condicionadas pela falta de conhecimentos de inglês, pelo que os empregos eram pouco qualificados – na construção civil, em cozinhas de hotéis, em serviços de hotelaria e de limpeza, em restauração e bar. Por outro lado, a primeira geração de Portugueses fixou-se numa área muito afastada da capital, o que não facilitou a aprendizagem do inglês, na medida em que se abriam lojas portuguesas, cafés portugueses, clubes sociais de Portugueses, o que lhes permitia continuar a comunicar na sua língua materna (algo que, por outro lado, facilitou a sua integração). Em 1971, por iniciativa de um madeirense, Luís Vieira, surge o Jersey Portuguese Football Club, um pequeno bastião de Portugal naquela ilha britânica. O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de junho, foi aí celebrado, pela primeira vez, em 1980. Por outro lado, houve um manifesto esforço para integrar, o melhor possível, estes imigrantes, oferecendo-lhes aulas de inglês e disponibilizando tradutores, de forma a facilitar-lhes o acesso aos serviços sociais. O sector da agricultura só começou a recrutar trabalhadores estrangeiros nos anos 70. Um historial da emigração da Região Autónoma da Madeira, publicado pelo Centro das Comunidades Madeirenses e Migrações, dá indicação da existência de 1800 madeirenses em Jersey, em 1972, número que se manteve inalterado até ao censo de 1981, e que triplicou no de 1991. A emigração organizada para a região autónoma de Jersey terá tido o seu início em 1978. Nesse ano, terão saído da Madeira 12 pessoas rumo a Jersey, sendo que, em 1980, esse número já ultrapassava as 500, tendo duplicado em 1990, em que 1000 madeirenses trabalhavam na agricultura daquela ilha do Canal. A crescente procura deste destino por parte das gentes da Madeira e do Porto Santo era clara nas percentagens reveladas pelos recenseamentos: em 1981, 3 % dos imigrantes são madeirenses; em 1991, 4 %; em 2001, 6 %; e 7 % em 2011. Em 1998, foi assinado um acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, que potenciou as relações económicas, ambientais e culturais entre as duas ilhas, conforme um discurso proferido pelo baillif no Dia da Madeira de 2010, o primeiro ano em que aquele foi assinalado em Jersey: “The Friendship Agreement signed between Jersey and Madeira in May 1998 committed the Governments of both Islands to promote mutual respect for the different cultural traditions of the two Islands and their peoples” [“O acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, assinado em maio de 1998, empenha os Governos de ambas as ilhas na promoção do respeito mútuo pelas diferentes tradições culturais das duas culturas e respetivos povos”] (“Speech for Madeira Day”). De registar a ajuda de Jersey à Madeira, aquando da aluvião de 20 de fevereiro de 2010: “An indication of the close relations between Madeira and Jersey can be seen in the events following the terrible floods in Madeira in February of this year in which 40 people lost their lives and a great number lost their homes. The response from the community in Jersey was immediate and generous and I commend all those who participated in those fund raising activities or contributed financially” [“A estreita ligação entre a Madeira e Jersey ficou demonstrada na sequência das terríveis inundações que tiveram lugar na Madeira em fevereiro deste ano, durante as quais cerca de 40 pessoas perderam a vida e muitos ficaram desalojados. A resposta da comunidade de Jersey foi imediata e generosa e foram muitos os que participaram na angariação de fundos assim como nas ofertas monetárias”] (Ibid.). Nos começos do séc. XXI, os madeirenses estavam integrados na sociedade de Jersey, trabalhando sobretudo nas áreas da hotelaria e da restauração, se bem que, nesta fase migratória, muitos jovens desempenhassem outras funções, designadamente em repartições públicas, em hospitais (e.g., na enfermagem), assim como na praça financeira e zona franca fiscal [offshore], um dos aspetos mais importantes da economia de Jersey. Por outro lado, foi realizada nesta altura uma missão empresarial entre as duas regiões autónomas, que resultou no aumento das exportações de bebidas e de produtos hortofrutícolas da Madeira para Jersey (banana, anona, pera abacate, inhame e maracujá, entre outros). À distância de 02.45 h de avião, Jersey continuava a ser, nos começos do séc. XXI, um dos destinos europeus mais importantes para a mobilidade madeirense, o que facilita as trocas comerciais entre os dois espaços insulares e garante trabalho e estabilidade.   Graça Alves (atualizado a 18.12.2017)

Madeira Global

ribeiro real, visconde do

Visconde do Ribeiro Real. 1885. Arquivo Rui Carita João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo. Casando-se, a 24 de junho de 1882, já com mais de 40 anos, com Teresa da Câmara Carvalhal, filha do 2.º conde de Carvalhal, recebeu o título de visconde do Ribeiro Real. Passara, entretanto, pela Junta Geral e depois pela presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia. Na sua vereação camarária ainda se fundou o corpo de bombeiros voluntários e procedeu-se a reformas urbanas na área do cemitério britânico, tendo hoje o seu nome o largo que fica mais a sul. Foi ainda cônsul de França e elevado a conde do Ribeiro Real, título que parece não ter usado. Faleceu em 1902. Palavras-chave: bombeiros voluntários; Câmara Municipal do Funchal; cemitério britânico; caminho de ferro do Monte; Teatro Municipal.     João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo, de São Pedro, no Funchal, e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo, de Ponta Delgada. Casando-se, a 24 de junho de 1882, com Teresa da Câmara Carvalhal (1857-c. 1925), filha do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888), recebeu o título de visconde do Ribeiro Real por decreto de 23 de março desse ano, sendo depois elevado a 1.º conde, por decreto de 16 de fevereiro de 1899, após a sua passagem pelo governo civil do Funchal, em 1897, como interino. Para além do cargo que ocupou na Junta Geral e da presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia (Teatro Municipal), ocupou também o lugar de cônsul de França. O futuro visconde do Ribeiro Real deveria ser uma figura muito discreta e reservada, não sendo fácil recuperar o seu percurso político e social. Casou-se bastante tarde para a época, já passando dos 40 anos, não havendo descendência do seu casamento. A primeira referência política a seu respeito é como procurador da Junta Geral, quando se pronuncia sobre a lei de 13 de maio de 1872, que criara as bases da nova regulamentação. Como vogal, João Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo esteve na reunião de 11 de março de 1874 e na de 11 de abril seguinte, aprovando as alterações que o vogal do conselho de distrito, visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875) mandou imprimir a 14 de abril desse ano. A sua ação mais relevante foi à frente da Câmara Municipal do Funchal, onde sucedeu ao sogro, 2.º conde de Carvalhal, que somente ocupara o lugar no quadriénio de 1882-1885 por ser, ainda, o maior proprietário latifundiário do Funchal, mas cujas funções tinham sido desempenhadas pelo vice-presidente, morgado João Sauvaire da Câmara e Vasconcelos (1828-1890). A partir de 1886, a Câmara do Funchal teve uma interessante atividade, entre outras coisas, acabando as obras do Teatro Municipal, apresentado aos funchalenses a 29 de julho de 1887, e inaugurado oficialmente a 11 de março de 1888. Nessa altura, teve o visconde de se defrontar com o primo, João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902), conde de Canavial e então governador civil, que queria ocupar o camarote da presidência, o que veio a acontecer, mas como convidado, pois o Teatro era propriedade da Câmara. A questão do camarote do Teatro ocupou então as primeiras páginas da imprensa da cidade. Foi durante a presidência do visconde do Ribeiro Real, quando tinha o pelouro dos incêndios o Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), então também médico do hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, que se fundaram os bombeiros voluntários do Funchal, serviço inaugurado oficialmente a 24 de setembro de 1888. A apresentação pública do inúmero material adquirido para esse serviço, de que existe abundante documentação fotográfica, foi feita junto à fachada do referido hospital, a 7 de abril de 1889. O primeiro quartel foi construído na antiga R. do Príncipe (assim designada em homenagem ao príncipe, depois D. João VI (1767-1826)), posteriormente R. 31 de Janeiro, passando, duas décadas depois, para a R. da Princesa (em referência a D. Carlota Joaquina (1775- 1830)), posteriormente R. 5 de Outubro. José Joaquim de Freitas era um republicano de arreigadas convicções (República), mas tal não obstou ao apoio que sempre lhe foi dado pelo visconde do Ribeiro Real, tendo-se registado, inclusivamente, um forte apoio das mais destacadas famílias funchalenses à criação dos bombeiros voluntários, existindo fotografias destes anos de inúmeros dos seus elementos fardados de bombeiros, independentemente da sua filiação partidária e, inclusivamente, nacionalidade; há mesmo fotografias de comerciantes britânicos, o que só se explica pelo apoio dado à iniciativa pelo visconde. João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo foi igualmente um dos principais impulsionadores do projeto do caminho de ferro do Monte, numa altura em que o projeto poderia ter sucumbido ao conflito de interesses entre os comerciantes britânicos radicados na Ilha e os financeiros alemães, que o apoiavam. Ao nível do Governo central, o apoio ao projeto não foi muito evidente, exceto na isenção de impostos que concedeu à Companhia do Caminho-de-Ferro do Monte, aquando da entrada na Alfândega do Funchal do material fixo e circulante para a via-férrea. O grande apoio partiu da Junta Geral, que adquiriu algumas ações, e, especialmente, da Câmara do Funchal, através do vereador João Luís Henriques e do presidente, o visconde do Ribeiro Real, tendo a Câmara adquirido 250 obrigações. As transformações ocorridas na malha urbana da cidade permaneceram e decorrem da urbanização envolvente do traçado da via-férrea e da montagem de uma série de instalações turísticas de apoio, como o Hotel do Bello Monte, e depois das instalações do Terreiro da Luta, consolidando a estruturação da freguesia de Santa Luzia e a ligação da cidade à freguesia do Monte, e contribuindo para a visão geral de anfiteatro que da encosta do Funchal. Foi também a vereação do visconde de Ribeiro Real que permitiu e apoiou a ampliação do cemitério britânico (Cemitério britânico), como contrapartida pela expropriação de uma faixa do terreno do mesmo. Foram então demolidas duas das vielas anexas entre aquele espaço e a R. dos Aranhas, do que resultou a R. 5 de Junho, depois R. Major Reis Gomes, onde viria a ser construído o largo com o seu nome. Os viscondes do Ribeiro Real habitaram o palácio de S. Pedro que, desde 1883, era partilhado com o Colégio de S. Jorge, dirigido pela futura M.e Mary Jane Wilson (1840-1916). Também ali faleceu, a 4 de fevereiro de 1888, o 2.º conde de Carvalhal, António Leandro Carvalhal Esmeraldo e, em 1897, ainda se instalou em parte do palácio o Clube Internacional. O visconde do Ribeiro Real seria elevado a conde do Ribeiro Real, a 16 de fevereiro de 1899, mas parece nunca ter usado o título, falecendo a 22 de março de 1902, altura em que se encontrava já retirado da vida pública, não havendo, por exemplo, qualquer referência a seu respeito na visita régia de junho de 1901. A condessa do Ribeiro Real, em 1921, deu início ao processo de venda do palácio, mas a mesma foi contestada pelos coproprietários, conde de Resende e família de Eça de Queiroz, descendentes de sua irmã, Maria das Dores Carvalhal (1855-1910). A a 20 de janeiro de 1923, a condessa mandou vender em leilão o recheio do palácio, momento em que se dispersou aquele importante espólio. Deverá ter falecido pouco depois dessa data. O espadim de honra do visconde do Ribeiro Real, como fidalgo da Casa Real, deve ter sido logo entregue à Câmara Municipal do Funchal, por legado do mesmo. A sua liteira, no entanto, com as armas de visconde envolvidas pelos atributos utilizados pela Câmara, um ramo de videira e outro de cana-de-açúcar, tal como o seu monograma, encimado por coroa de visconde, deve ter ido então a leilão, tendo passado a mãos particulares e depois ao Museu Quinta das Cruzes, sendo dos poucos exemplares deste tipo de transporte que sobreviveu. É provável que do leilão de 1923 tenha sobrevivido uma fotografia, onde aparece um dos dois óleos de Tomás da Anunciação (1818-1879), encomendados pelo 2.º conde de Carvalhal em 1865, e que fazem igualmente parte do acervo do Museu Quinta das Cruzes. No mesmo leilão deve ter sido vendido o retrato das duas filhas do 2.º conde de Carvalhal, depois depositado na Fundação Eugênia de Canavial.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

Direito e Política História Militar História Política e Institucional

guarda republicana

A Guarda Republicana nasceu com a implantação da República, incorporando a antiga Guarda Municipal de Lisboa e Porto, essencialmente com funções de policiamento urbano (Polícia de Segurança Pública), cujo nome passou a ser Guarda Republicana de Lisboa e Porto, por decreto de 3 de maio de 1911 (República). De notar que a Guarda Municipal fora a última força monárquica a render-se aos republicanos, sendo, por isso, curioso o facto de se ter transformado talvez na única instituição pública portuguesa com o título de “republicana”. Tratava-se de uma força de segurança composta por militares e organizada num corpo especial de tropas. Em tempo de paz, dependia do ministério responsável pela segurança pública para efeitos de recrutamento, administração e execução dos serviços correntes, e do ministério responsável pelos assuntos militares para efeitos de uniformização e normalização da doutrina militar, de armamento e de equipamento. Em situação de guerra ou de crise grave, esta força ficava operacionalmente sob comando militar. Isto explica o seu destacamento para o Funchal em maio de 1919, no quadro da chamada República Nova e após o assassinato do “Presidente-Rei”, Sidónio Pais, a 14 de dezembro de 1918, quando se encontrava como representante da Madeira em Lisboa e presidente da Câmara de deputados o antigo Gov. civil do Funchal José Vicente de Freitas (1869-1962), já então com interferência na área de segurança interna, que o levaria, após o golpe de 1926, à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, ao Ministério do Interior e à presidência do Conselho de Ministros. Guarda Republicana na Quinta Vigia. 1921. Arquivo Rui Carita O decreto de criação da companhia independente n.º 1 da Guarda Republicana foi de 10 de maio de 1919. Esta força chegou ao Funchal a 3 de dezembro do mesmo ano, no paquete Quelimane, com 2 sargentos, 3 cabos e 21 soldados, oriundos de forças de militares de infantaria e cavalaria. Foi reforçada na Madeira com 16 elementos locais, constituindo uma força de comando de capitão e com um total de quase 90 homens, tendo tido por quartel a antiga Quinta Vigia, que passara à posse do Estado com a extinção da Sociedade dos Sanatórios e onde mais tarde se instalou o Casino Park Hotel. O efetivo desta força nunca foi perfeitamente definido. Pensou-se que poderia vir a ter de criar destacamentos na Ilha mas, dada a instabilidade política no continente, foi mandada recolher a Lisboa em 1922, viagem que efetuou no vapor São Miguel nos meses de abril e maio desse ano.   Rui Carita (atualizado a 13.12.2017)

Sociedade e Comunicação Social

quintas românticas: arquitetura e turismo

Ao longo do séc. XIX, a desagregação do regime de morgadio, que as reformas liberais realizaram em Portugal, libertou a propriedade rural e suburbana dos seus vínculos (Vínculos e capelas), pondo-a ao alcance de uma nova burguesia comercial. Vendidas ou alugadas a terceiros, i.e., transformadas em bens transacionáveis, as quintas madeirenses (Quintas madeirenses), incluindo as de origem mais antiga, foram-se adaptando ao novo regime e ao novo estilo de vida – o estilo de vida burguês. O mesmo aconteceu com os seus proprietários, que se “inglesaram” – termo que, quando aplicado à Madeira oitocentista, se pode traduzir por “aburguesaram”. A quinta romântica madeirense não deve, pois, ser associada à lavoura, ao regime de morgadio (Morgadios) ou à aristocracia terratenente, mas sim à residência burguesa oitocentista: a unidade unifamiliar rodeada por jardim ocasionalmente, por mata, etc. As pequenas quintas que, a partir de finais do séc. XVIII, mas sobretudo no séc. XIX, povoaram os arrabaldes do Funchal, constituíram, pois, uma tipologia semelhante à villa burguesa, a qual, a partir de meados de Oitocentos, proliferou também na Europa e na América do Norte. Em ambos os continentes, esta tipologia apareceu não só na periferia das urbes industriais, como também nas estâncias terapêuticas – elas próprias satélites dessas urbes, lugares de cura e de refúgio das suas atmosferas poluídas e irrespiráveis. Na Europa, era possível encontrá-la com frequência nas rivieras francesa ou italiana. No séc. XIX, a maior parte das quintas madeirenses constituíram proveitosas fontes de receita para os seus proprietários. Estas receitas não resultavam da exploração agrícola dos seus terrenos, que eram escassos ou mesmo inexistentes, mas do aluguer à estação, i.e., do chamado turismo terapêutico. Com efeito, os seus principais inquilinos foram os enfermos, que, desde inícios do séc. XIX, se deslocavam para as ilhas em cura de ares e que, ao contrário do turista posterior, aí permaneciam por longas temporadas (normalmente durante a estação de Inverno). A quinta romântica madeirense foi, pois, uma tipologia “proto-turística” ou, utilizando uma terminologia mais precisa: uma tipologia do turismo terapêutico. É essa a razão pela qual se deveria preferencialmente designá-la como “quinta de aluguer”. Na periferia do Funchal – do início do séc. XIX ao eclodir da Primeira Guerra Mundial – a quinta de aluguer foi, aliás, a mais importante tipologia do turismo terapêutico na Madeira. No quadro das ilhas atlânticas, o fenómeno pode considerar-se uma verdadeira especificidade do arquipélago português. Nas Canárias , o aluguer de quintas não só foi mais tardio, como nunca chegou a ter a mesma expressão. A manifesta superioridade económica e militar de Inglaterra, que chegou a ocupar a Madeira no início de Oitocentos (Ocupações inglesas), teve uma pesada influência sobre o modo de vida das elites locais. No séc. XVIII, os negociantes de vinho britânicos (Vinho da Madeira) que fixaram residência na Ilha começaram por se instalar em casas que já existiam, adaptando-as, em muitos casos, ao seu modo de vida. No primeiro terço do século seguinte, porém, surgiram os primeiros exemplares construídos por eles de raiz. Estes traduziam a nova mentalidade vigente em Inglaterra: o Romantismo, uma relação contemplativa com a paisagem, a inserção da casa em contextos que convidavam a meditar sobre a alma da natureza e a natureza da alma. Tudo isto era novidade absoluta na Ilha. Com efeito, a residência deixou de ser a sede de uma exploração agrícola, para passar a ser, fundamentalmente, um lugar de habitação, de lazer e de desfrute da paisagem – um novo tipo, muito distinto da casa rural insular anterior ao séc. XIX. A antiga loja destinada à lavoura, que fazia da antiga casa rural não só uma residência da família, como também uma unidade de produção, já não estava presente neste novo tipo. A relação de salas e quartos com o exterior, cuidadosamente ajardinado, era assegurada pela janela à francesa, que proporcionava aos moradores um contacto direto com o jardim. As escadas eram interiores, sendo uma delas de aparato e outra de serviço. A entrada conduzia às zonas sociais da habitação e os percursos que se estabeleciam entre os diversos compartimentos eram concebidos para responder aos rituais do receber da polite society, ao qual, a casa, independentemente da sua dimensão, tinha de responder. As funções dos compartimentos interiores especializaram-se, surgindo as salas de jantar, de estar e de jogos, a biblioteca e as áreas de serviço, reservadas aos empregados. Os compartimentos destinados a receber exploravam as formas contrastantes, as plantas elípticas ou retangulares, com absides salientes nas fachadas – as chamadas bow e bay windows. Para além da inovadora relação que teciam com a paisagem, estas villas introduziram no arquipélago um novo repertório formal: os vãos com lintel curvo; o uso frequente do motivo serliano – os vãos tripartidos em que a abertura central era maior e rematada em arco; a presença de cornijas e platibandas em vez do tradicional beirado; os cunhais com aparelho rusticado; e, finalmente, as referidas bow e bay windows que, muitas vezes, assumiam a forma de volumes cilíndricos a toda a altura das fachadas. Os padrões de conforto ao gosto inglês constituíram também uma novidade. Os chamados rotulados ou mucharabis em madeira que, ainda no séc. XVIII, preenchiam os vãos de muitas das casas do Funchal, foram substituídos pela janela de guilhotina com gelosia e lamberquim exteriores –justamente atribuída à influência inglesa. Se bem que a introdução da janela de guilhotina possa ter constituído uma melhoria nas condições de conforto da casa, é discutível que os tetos em estuque, que vieram substituir os altos tetos em masseira, tenham contribuído para melhorar o conforto interior da casa, revelando um progresso. O mesmo se pode dizer da platibanda, que foi utilizada em algumas das villas construídas por estes mercadores de vinho, a qual, ao contrário do beirado com sub-beira (duplo ou triplo) de utilização comum na Ilha, lidava mal com o escoamento de águas do telhado, dando origem a infiltrações e à consequente degradação de paredes e de revestimentos. Dir-se-ia, portanto, que o complexo processo de miscigenação, em que a arquitetura local se viria a cruzar com modelos oriundos de outras paragens, não resultou apenas em progressos para a primeira, devendo antes falar-se de um processo com perdas e ganhos. O jardim foi outra das componentes da quinta de aluguer que mais marcada influência receberam da cultura britânica. Todos eles, mesmo os mais pequenos, mesmo aqueles moldados na tradição mediterrânica dos socalcos, foram herdeiros da mentalidade romântica que, no início do séc. XIX, esteve intimamente ligada ao jardim inglês, destacando-se: os bosques e as clareiras relvadas, os lagos, os fontanários, os tanques, os percursos sinuosos povoados de pequenos templos, os pormenores arquitetónicos recuperados de outros edifícios e de outros acontecimentos, e a moldagem da natureza, que constituía o esplendoroso pano de fundo da arquitetura. No território escasso e acidentado da Ilha, o que estes jardins perderam em extensão ganharam em dramatismo, ao abrirem-se aos panoramas abissais, aos cumes das montanhas ou ao horizonte longínquo do oceano. A influência de Loudon (1783-1843), o grande divulgador desta arte junto da classe média oitocentista, chegou à Madeira por via dos ingleses. Naquela influência se refletia com nitidez o ideal da casa burguesa, que encontrava no jardim – a natureza criteriosamente domesticada – o enquadramento ideal para o florescimento da vida privada. Este estava relacionado, simultaneamente, com a proteção da intimidade da casa e com o espaço de encontro e de lazer dos seus habitantes. À Madeira coube, ainda, outra função: a terapêutica, pois era ao ar livre que os doentes pulmonares faziam o tratamento. Mas a cura de ares era também uma cura de paixões. Por isso, na relação que a casa tecia com o jardim – e, num sentido mais lato, com a paisagem – ressoava um quadro difuso em que sintomas e sentimentos se confundiam. Na quinta de aluguer oitocentista, o jardim foi tanto a manifestação da alma romântica, quanto o dispositivo de tratamento. No que respeita à arquitetura da casa, não eram, todavia, as villas construídas pelos mercadores de vinho o tipo mais característico da quinta oitocentista da Madeira. Houve, na Ilha, um conjunto de circunstâncias de ordem social e económica que fez com que quase todas estas casas tivessem sido concebidas por construtores anónimos. A sua construção fez-se de acordo com saberes e tecnologias que, durante séculos, mantiveram um elevado grau de imutabilidade: o modo de lavrar e de assentar as cantarias, de erguer as paredes, de caiar as fachadas, de escolher a madeira para os sobrados, de armar os telhados e de revesti-los a telha de meia cana, bem como de calçar, a seixo basáltico, os passeios dos jardins. A grande maioria destas quintas, independentemente do seu grau de erudição, alicerçou-se no sistema de medidas e proporções que caracterizava a “casa da Macaronésia” (FERNANDES, 1992, 233) – um sistema que não foi exclusivamente de invenção local, mas que se inscrevia no património comum da cultura mediterrânica, transportada para a Ilha pelos primeiros povoadores. É por essa razão que a maioria das quintas de aluguer, sejam elas originárias do séc. XIX, do séc. XVIII ou mesmo do séc. XVII, se apresentava como um conjunto de grande coerência morfológica. Com efeito, foi a persistência de determinadas constantes de natureza construtiva, estrutural, espacial e decorativa que tornou reconhecível a arquitetura destas casas, conferindo-lhes um carácter singular que as distinguiu das que foram construídas durante a mesma época noutras regiões do país – um facto que levou alguns autores do século passado a falar da existência de uma “casa madeirense” (MATOS, 2008, 130). Na verdade, tratava-se mais de uma “maneira madeirense” de adaptar a um novo meio um modelo forâneo (MARTÍN RODRÍGUEZ, 1978, 40) – a casa mediterrânica e da Europa ocidental. Essa adaptação deu origem a uma síntese entre as componentes nacional e regional que, na Ilha, a partir de finais do séc. XVIII, se cruzou com a arquitetura inglesa de inspiração romântica. Não é difícil descrever a aparência da maioria destas casas: um volume paralelepipédico com dois pisos; uma planta retangular ou quadrada; uma predominância dos cheios sobre os vãos, cuja proporção tendia a repetir-se; o recurso à simetria como regra compositiva elementar das fachadas, quase sempre planas, onde os vãos, com as suas persianas instaladas à face, pareciam reduzir-se a um desenho sem espessura; o telhado de quatro águas, com o característico “sanqueado” e remate em duplo ou triplo beirado; um alpendre adossado à fachada do piso em contacto com o solo ou no patamar da escada exterior, nos exemplares de origem setecentista. Dir-se-ia, portanto, que, em todas elas, a arreigada devoção do construtor a um determinado tipo de soluções, mil vezes testadas pelas gerações que o precederam, acabava por vingar. A exceção a esta regra residia, pois, nas villas dos mercadores de vinho, cuja arquitetura – sobretudo a dos exemplares mais puros – deixava claramente transparecer a sua conceção erudita de origem exógena. Não querendo deliberadamente pactuar com as tradições locais, os britânicos introduziram, na cadeia evolutiva da casa insular, uma verdadeira rutura morfológica e tipológica. Desde cedo, porém, alguns dos seus novos repertórios formais, bem como os padrões de conforto que exigiam das suas casas, foram sendo apropriados pelos construtores locais. Num lento processo de miscigenação, estes souberam afeiçoá-los à sua austera e frugal arquitetura, cujas raízes mergulhavam profundamente no solo da Ilha e na memória coletiva da sua gente. Por obra destes construtores, populares ou eruditos, as tradições locais e os contributos alheios enlaçaram-se, dando lugar a uma expressão original, onde por detrás de uma aparência chã e frugal, se ocultavam interiores sofisticados. Tendo em atenção, fundamentalmente, a sua estrutura espacial e funcional, as quintas românticas madeirenses podem ser classificadas em três tipos. O tipo 1, que poderia designar-se como a casa rural sobrada e anterior ao séc. XIX, resultou da adaptação de casas rurais de origem setecentista, ou mesmo seiscentista, ao aluguer à estação. Construídas na sua origem como residências de agricultores abastados ou como sedes de morgadio, todas elas eram casas complexas, que se desenvolviam em dois pisos, com cozinha, quartos e loja, integrando um corpo único e formalmente coerente. Uma característica comum a todos os exemplares que integravam este tipo era a presença do piso nobre, que coincidia sempre com o andar, e a presença da escada exterior, normalmente com alpendre. O piso térreo – a loja – originalmente reservado às alfaias, ao lagar ou à arrecadação de produtos agrícolas, passava a piso habitável depois das obras de adaptação que usualmente introduziam também a escada interior e o corredor. A cozinha tanto podia ocupar o rés-do-chão, como o piso nobre, sobrevivendo em algumas o sistema de forno-lareira-chaminé, uma das características morfotipológicas da casa da Macaronésia. Este tipo era, portanto, o que mais se aproximava do fundo comum e original da casa insular, e revelava, apesar da adaptação ao novo meio, uma arreigada ligação à casa mediterrânica. A existência de capela em algumas delas era outra das características que ocorriam apenas neste tipo. A casa e a capela datavam, quase sempre, de épocas diferentes e, quando juntas, nem sempre apresentavam fachadas complanares, deixando transparecer um processo de construção ao longo do tempo que testemunhava a sucessão de ciclos de fartura e de escassez. Este tipo teve como exemplares mais significativos as quintas das Angústias (núcleo original) (Quinta Vigia), de S. João (demolida), e da Achada. O tipo 2, que poderia designar-se como as villas dos mercadores de vinho, cujos exemplos mais notáveis surgiram no primeiro terço do séc. XIX, foi acima caracterizado e teve como exemplares mais significativos as quintas do Monte (Quinta do Monte), Palmeira, e Deão (demolida). Quinta do Monte. Foto: Museu Vicentes Finalmente, o tipo 3, que poderia designar-se como a casa compacta de origem oitocentista, era o mais comum na quinta de aluguer. Na segunda metade do séc. XIX, assistiu-se a uma síntese em que a casa enraizada na tradição local se adaptou às exigências funcionais e aos padrões de conforto da sua clientela vitoriana. Quer na disposição dos compartimentos interiores, quer na forma como se relacionava com a sua envolvente, ela era o reflexo da nova moral burguesa, de um ideal higiénico e antiurbano, irrealizável no denso tecido da cidade tradicional. Concebida para a vida familiar – ocupando, por regra, o miolo de um lote murado –, a casa precisava do jardim não só como espaço de lazer e de proteção da intimidade dos seus habitantes, mas também como garantia de salubridade. Tratava-se de uma casa compacta, com dois ou mais pisos, com cobertura em telhado de quatro águas, e com planta quadrada ou retangular. No interior, apareciam um corredor e escadas – uma principal, geralmente centralizada, e uma secundária destinada ao serviço. A cozinha e as zonas de serviço anexas ocupavam, quase sempre, o piso em contacto com o solo, sendo o tradicional sistema de lareira-forno-chaminé a exceção. No sótão, usualmente reservado aos quartos dos empregados, apareciam por vezes as trapeiras; no piso de contacto com o jardim, localizavam-se as áreas comuns da habitação – as salas de estar ou de jantar –, estando os pisos superiores reservados aos quartos. A simetria era, quase sempre, a regra compositiva das fachadas onde, à semelhança das antigas casas da Macaronésia, imperava a regularidade de proporções e predominavam os cheios sobre os vãos, rasgados a espaços iguais. Esta austera frugalidade podia ser, porém, enganosa. Com efeito, o interior beneficiava de um sofisticado grau de conforto, a que não eram alheias as exigências da clientela vitoriana que as alugava: janelas de guilhotina com sistema de contrapeso, tetos em estuque ornamentado, soalhos em madeira, requintados trabalhos de carpintaria pintada, lareiras ou salamandras inglesas em vários compartimentos, e um quarto de banhos. No exterior, debruçada sobre o arruamento, surgia com frequência a casinha-de-prazer – termo que designava, na Madeira, os pequenos pavilhões de jardim de onde era possível observar o exterior ou contemplar a paisagem sem ser observado de fora. Este tipo teve como exemplares mais significativos as quintas da Vista Alegre, Perestrelo, Faria, Favilla (demolida), Lyra, e dos Ilhéus.   Rui Campos Matos (atualizado a 16.12.2017)

Arquitetura História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social