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livrarias

A existência de livrarias, com espaço físico ou virtual, e a facilidade no acesso ao livro, em termos de preço e disponibilidade no mercado, bem como a vulgarização do livro nas estantes das livrarias e bibliotecas pessoais é uma realidade tardia. Inicialmente, as bibliotecas (designadas de livrarias) eram institucionais. Só as famílias mais destacadas tinham lugar na sua casa para uma biblioteca, uma vez que a maioria da população não dispunha de condições para ter um espaço dedicado a essa função ou, tão-pouco, para comprar um livro. Note-se que em 7 de agosto de 1815, quando Napoleão Bonaparte escalou o Funchal a bordo do HMS Northumberland, a caminho de Santa Helena, o cônsul geral de Inglaterra, Henry Veitch, o visitou para lhe oferecer vinho, livros e fruta fresca. Também, mais tarde, Isabella de França, uma Inglesa casada com um morgado madeirense, que visitou o Funchal em 1853, refere a presença de livros em algumas casas, onde pareciam funcionar como elementos de decoração. Assim, numa visão geral das casas visitadas, refere: “Sobre as mesas encontram-se livros ricamente encadernados, porcelana francesa e outros adornos, entre os quais não faltam jarras de flores delicadas” (FRANÇA, 1970, 67). Sabemos que os livros faziam parte da bagagem dos viajantes, pois Isabella de França testemunha a presença destes no seu baú, entre roupa e outros objetos. Maria Clementina (1803-1867), freira do Convento de S.ta Clara e filha de Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcellos e de sua mulher, Ana Augusta de Ornelas, tinha em seu poder uma coleção de livros. Fanny Anne Burney, no jornal que escreveu em 1838 e que só publicou em 1891, refere que a freira era detentora e leitora de obras de Racine, de Corine, de M.me de Stael, da tradução francesa de Abbot de Walter Scott, das Maximes de Chateaubriand, de Paulo e Virgínea, e de Génie du Christianisme. Até ao aparecimento da imprensa, a circulação do livro fazia-se através de cópias entregues a copistas especializados de instituições como conventos. Na Madeira, só com a publicação, em 1821, do jornal O Patriota Funchalense se registou a primeira tipografia, sendo a atividade exclusiva desta a edição de jornais. O primeiro livro que terá sido editado na Ilha foi Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso, com as anotações de Álvaro Rodrigues de Azevedo, em 1873, na Tipografia Funchalense. Por outro lado, não podemos esquecer o controlo da edição de livros que existiu em Portugal, primeiro pela Inquisição e depois por ordem política, que condicionou a circulação de livros. O livro era um produto raro e quase só estava disponível em bibliotecas, ou livrarias, de instituições. Conhecemos a importância das livrarias dos conventos, nomeadamente da livraria do Colégio dos Jesuítas, e da livraria da Escola Médico-Cirúrgica, no Funchal. Também podemos assinalar algumas bibliotecas privadas de instituições industriais, como a de Hinton, ou de técnicos especializados, como João Higino Ferraz, que tinham necessidade de obras especializadas de âmbito científico e que encomendavam, por interposta pessoa, livros editados em França e Inglaterra. Mas, na segunda metade do séc. XIX, a realidade madeirense começa a mudar, de forma que José Silvestre Ribeiro refere as livrarias do Paço Episcopal, dos conventos, do Seminário e da Câmara. Ademais, a tradição dos clubes privados e das associações conduziu à valorização da leitura com a disponibilização de livros. Assinale-se o Clube Inglês, onde se anuncia, com muita pompa, a disponibilidade de uma sala de leitura que vinha colmatar as necessidades de lazer dos súbditos britânicos de passagem. Note-se que os Ingleses insistiam nas carências culturais da cidade funchalense, apontando a falta de teatro, cafés e livrarias, como sucede com Emiline Stuart Wortley, em 1854. A venda de livros na Madeira parece ter começado através do comércio a retalho em lojas, mercearias e bazares, onde se vendia tudo. O comércio por miúdo de produtos em lojas especializadas é uma realidade do séc. XX. Mais tarde, vamos encontrar a venda de livros associada às tipografias em geral, às tipografias especializadas e à publicação de jornais, através de anúncios que publicitavam os locais de assinatura das publicações que apareciam em fascículos, a saber, algumas lojas de referência na cidade, que tinham representações das editoras de Lisboa. Em 1850, John Driver estranha a ausência de livrarias no Funchal, afirmando: “There is no literature – no bookseller's shop – on the whole Island; although a few books may be had in other shops, but very few [Não há literatura – não há nenhuma livraria – em toda a Ilha; embora se possa comprar um ou outro livro noutras lojas, mas muito poucos]” (DRIVER, 1850, 381-382). Dennis Embleton confirma esta ausência de livrarias e conclui: “The want of booksellers' shops is a sure sign of the backwardness of education among the people, and it is a great inconvenience to visitors [A ausência de livrarias é um sinal evidente do atraso educativo do povo, e um grande inconveniente para os visitantes]” (EMBLETON, 1862, 36). Em 1868, Gomes Leal esteve no Funchal e, numa das suas missivas, referiu uma biblioteca na Madeira “que o deixou atónito. Era muito cheia de livros de Jesuítas e, entre eles, um Dicionário Universal composto de 200 volumes. É a coisa mais curiosa que tenho visto” (NEPOMUCENO, 2008, 41). Ainda na mesma data, vemos António Nobre dizer que, na sua viagem para a Ilha, ia carregado de livros: “levo livros, muitos livros e o ‘Regresso’ para o completar: desta vez sempre irá” (NEPOMUCENO, 2008, 50). Em 1885, a situação persiste, afirmando J. Y. Johnson que: “A private library is a thing unheard of, and there is not a Portuguese bookseller's shop on the island. Some of the shopkeepers, it is true, keep books on their shelves, hut they are very few in number and chiefly works of religious devotion [Não há bibliotecas particulares, nem existe uma livraria portuguesa na Ilha. É verdade que algumas lojas vendem livros, mas são muito poucos e são essencialmente obras de devoção]” (JOHNSON, 1885, 55). Por tradição, se os leitores da Ilha não importassem os livros do continente e do estrangeiro, tinham de se sujeitar ao regime de assinaturas, que operava apenas com as publicações mais vulgarizadas. Em 1882, O Crime de Alberto Didot, por exemplo, poderia ser comprado mediante assinatura, que poderia ser feita no Funchal, nas lojas Nova Minerva, Camacho & Irs. e Camisaria Central. Já a assinatura da História de Portugal de Manuel Pinheiro Chagas poderia ser feita diretamente no jornal que publicava o respetivo anúncio. No entanto, em 1877, o Diário de Noticias refere que o Bazar Camacho e Irs. já vende livros e que a Casa Camacho e Carregal tem disponível o Almanach das Senhoras para o ano de 1878. As razões que explicam o facto de o livro ser um produto pouco comum na sociedade madeirense e de ser rara a sua venda em lojas são o elevado custo das publicações e o problema do analfabetismo, que chegou, em parte, ao séc. XXI. A paulatina vulgarização do ensino levou à necessidade de livros escolares e abriu caminho para um potencial de leitores. Assim, em 1889, a Gramática de Língua Portuguesa de João de Nóbrega Soares, que apresentava maior procura, vendia-se em diversos estabelecimentos no Funchal. Já o livro de J. C. Faria, O Archipelago da Madeira, tinha um depósito geral na casa Dilley no Funchal. A déc. de 80 do séc. XIX, marca, portanto, uma mudança de atitude em relação à venda dos livros. As publicações que eram vendidas, quase sempre através de anúncio de jornal, passam a dispor de livrarias e de vários estabelecimentos de depósito de livros. O Funchal passa a ter uma loja especializada para a sua venda. Surge, assim, em 1886, a Livraria e Tipografia Esperança, que perdurou como espaço exclusivo para a venda de livros. Em 1914, esta livraria com projeção nacional mudou-se para a R. da Alfândega e, em 1938, para a R. dos Ferreiros. Em 1973, instala-se definitivamente no número 119 da R. dos Ferreiros, com um stock de 12.000 livros diferentes. Em 1991, a continuidade da livraria foi assegurada com a criação da Fundação Livraria Esperança, Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) declarada como sendo de utilidade pública. Passados cinco anos, ampliou-se o espaço de exposição com a aquisição de um prédio que serve de anexo, com uma área de 1200 m2 e mais de 96.000 livros expostos. A partir do séc. XX, começam a surgir novas livrarias, o que quer dizer que o livro, como produto de venda, tem cada vez mais clientes. Assim, em 1906, temos a livraria Funchalense e, em 1907, a livraria Escolar de Polonia & C.ª. O Almanac Madeirense para 1909 apresenta publicidade ao Bureau de la Presse de J. M. da Rosa e Silva, um quiosque da época sito à Pç. da Constituição, onde se vendia: “livros Nacionais e estrangeiros aos preços das casas editoras – sempre as últimas novidades literárias!” (Almanac de Lembranças Madeirense para 1909, 1908). Em 1910, o Roteiro do Funchal de A. Trigo apresenta as seguintes papelarias e livrarias: Antonio d’Andrade, R. dos Ferreiros, 24 e 26; Bazar do Povo, R. do Bettencourt, 1 a 21; Coelho, Irs., Lg. da Sé, 4; livraria Escolar, R. Camara Pestana, 14; livraria Funchalense, R. do Bispo, 25 a 35; Loja Dilley, R. do Aljube, 13 e 15; Minerva Phenix, R. do Príncipe, 53; Nova Minerva, R. da Alfandega, 45. Já o almanaque ilustrado de 1913 refere em anúncio a livraria Popular de José Eduardo Fernandes na R. de João Tavira, que vende “grande variedade de quinquilharias, vidros, objetos para escritório, livros de estudo e objetos de culto religioso” (1913 – Almanach Ilustrado do Diário da Madeira, 1912). Mesmo assim, Charles Thomas-Stanford, no mesmo ano, fica com a imagem de uma terra que não é de amantes de livros, pela sua raridade: “Book-lovers will deplore the booklessness of the town – which does not boast a bookseller of any sort [Os amantes dos livros não deixarão de lamentar que se trate de uma cidade sem livros – uma cidade onde não existe uma única livraria]” (THOMAS-STANFORD, 1910, 201). No séc. XXI, o Funchal, para além destas livrarias, dispunha de outras com menor dimensão, sendo de destacar as livrarias Bertand, FNAC e Worten. Todavia, devemos salientar que o conceito de livraria corre o perigo de se perder com a assimilação por parte dos espaços de venda de produtos variados, como é o caso da livraria FNAC, que está incorporada numa loja de artigos eletrónicos e eletrodomésticos, e das livrarias dos supermercados, nomeadamente da marca Continente e Pingo Doce. O Funchal contava ainda com a Fundação Livraria Esperança, a Julber papelaria e livraria Lda, a Leya SA, e a livraria Papel e Caneta. Por tradição, as lojas especializadas em serviço de papelaria, como a livraria Figueira, a papelaria Condessa, a papelaria do Colégio e o Bazar do Povo, tinham serviço de venda de livros. A livraria Figueira viria a desaparecer. A papelaria Condessa e o Bazar do Povo cessariam o serviço de venda de livros. Apenas a papelaria do Colégio manteria uma diminuta secção de livros Por outro lado, as instituições oficiais dispõem de expositores e de serviço de vendas de publicações tanto num regime material como num virtual, pela Internet. Assim, a Direção Regional de Cultura apresenta, na R. dos Ferreiros, os livros publicados pela extinta DRAC e pelo Arquivo Regional da Madeira; já o Centro de Estudos de História do Atlântico tem, na R. das Mercês, um expositor e serviço de vendas. Também a Câmara Municipal do Funchal apresenta, no átrio do Teatro Municipal, o seu Serviço de Publicações. Com orientação definida em termos das publicações, deveremos referir a Paulinas Multimédia, que existe no Funchal. Esta livraria dedica-se a publicações de carácter religioso. Podemos referir ainda a livraria Inglesa, que funcionava em diminuto espaço do Pateo Photographia Vicentes e que tinha um serviço especializado de venda de publicações em inglês. Num âmbito especializado da banda desenhada, merece, por fim, referência a livraria Quinta Dimensão, criada em setembro de 2004, que se transformou num polo de divulgação de banda desenhada. Ainda no âmbito do mercado livreiro, não podemos esquecer a realização dos festivais literários e das feiras do livro, organizadas, desde 1975, pela Câmara Municipal do Funchal, que sempre foram um espaço de divulgação e de contacto do público com o livro.     Alberto Vieira (atualizado a 14.12.2017)  

História da Educação Literatura Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

jersey

Nome de uma ilha situada no canal da Mancha, ao largo da costa da Normandia, que, junto com Guernsey, forma o arquipélago das ilhas do Canal, uma dependência da Coroa britânica que não faz parte do Reino Unido. Estas ilhas foram propriedade do duque da Normandia, tendo passado para a Coroa inglesa, quando William, o Conquistador, se tornou Rei da Inglaterra, em 1066, sendo que os habitantes das ilhas do Canal são cidadãos britânicos. Apesar de, no ano de 1204, a Inglaterra ter perdido a Normandia – a parte continental –, as ilhas permaneceram na posse da Inglaterra. Entre 1940 e 1945, foram ocupadas pela Alemanha. As ilhas têm como línguas oficiais o inglês e o francês. As ilhas foram divididas em bailiados, regidos por parlamentos eleitos, chamados Estados. Estas assembleias aprovam a sua própria legislação, com o consentimento da Coroa (responsável pela defesa, representação diplomática e de cidadania). Apesar de não fazerem parte da União Europeia, estas ilhas estão sujeitas a uma união aduaneira. O território de Jersey, a ilha maior, tem uma área de 116 km2 e é governado por representantes do Governo britânico, os baillifs. São juízes máximos da justiça nomeados pela Coroa e presidem o Parlamento dos Estados. Entre o séc. XX e começos do séc. XXI, os poderes destes representantes começaram a transferir-se para os Estados, adotando-se um sistema ministerial e a nomeação de ministros-chefe em 2005. De acordo com estudos realizados, e tendo como base o censo de 2011, a população residente em Jersey foi estimada em 97.857 pessoas, 34 % das quais na cidade de Saint Helier. Uma análise aos dados disponíveis permite concluir que apenas metade da população terá nascido na ilha, sendo a restante população migrante. Desta, 7 % é portuguesa, nomeadamente madeirense, num total, para o ano de 2011 (data do último censo), de 7031 pessoas. Estes números explicam o facto de o português ser uma língua comummente escutada na ilha, em particular na capital, onde se encontra em avisos, afixados sobretudo nas cabines telefónicas. Devido à emigração, Jersey está, então, ligada à Madeira de modo especial, não obstante haver registos de trocas comerciais entre os dois espaços insulares. Daquela ilha britânica, chegava o trigo e a farinha, fundamentais para a alimentação, como prova uma ordem de António Noronha, datada de junho de 1823, e dirigida ao guarda-mor João António Gouveia Rego, para dar entrada ao bergantim inglês Comet, apesar de não trazer a carta da saúde referendada pelo consulado, alegando como principal motivo o facto de os cereais serem um produto de primeira necessidade; o mesmo aconteceu com a chalupa inglesa Thane, em agosto de 1823, proveniente daquela ilha britânica, e carregada com farinha. Há muito tempo que Jersey é procurada por madeirenses, que ali encontram possibilidades de trabalho. Embora houvesse alguns Portugueses na ilha na primeira metade do séc. XX, a emigração propriamente dita para Jersey começou nos anos 40 do séc. XX, com a chegada de madeirenses para trabalhar na agricultura, nas fábricas e no sector doméstico. Os primeiros dados sobre a presença madeirense nesta ilha remontam ao ano de 1934, mas é efetivamente nos anos 40 que a emigração insular começa a ganhar maior expressão. Ao proceder à análise do fenómeno económico e social da emigração do arquipélago da Madeira, Agostinho Cardoso situa em 1952 a alteração do paradigma da emigração de madeirenses para Jersey: “Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952 com a emigração sazonal para Inglaterra, principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ocupados na hotelaria, deslocavam-se na época de verão rumo a este destino para trabalhar no mesmo sector, regressando à ilha para a época invernal. Hoje mantém-se esta tradição mas ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismo madeirense perdeu a sazonalidade que então mantinha” (CARDOSO, 1968, 16). Aproveitando a sazonalidade que caracterizava o turismo da Madeira (sendo o inverno especialmente importante), os madeirenses empregados na hotelaria deslocavam-se, durante o verão, para as ilhas do Canal, nomeadamente para Jersey, para o mesmo sector. Em 1961, existiam cerca de 500 Portugueses na ilha, não se sabendo, ao certo, quantos destes seriam madeirenses. As oportunidades de trabalho dos madeirenses foram muito condicionadas pela falta de conhecimentos de inglês, pelo que os empregos eram pouco qualificados – na construção civil, em cozinhas de hotéis, em serviços de hotelaria e de limpeza, em restauração e bar. Por outro lado, a primeira geração de Portugueses fixou-se numa área muito afastada da capital, o que não facilitou a aprendizagem do inglês, na medida em que se abriam lojas portuguesas, cafés portugueses, clubes sociais de Portugueses, o que lhes permitia continuar a comunicar na sua língua materna (algo que, por outro lado, facilitou a sua integração). Em 1971, por iniciativa de um madeirense, Luís Vieira, surge o Jersey Portuguese Football Club, um pequeno bastião de Portugal naquela ilha britânica. O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de junho, foi aí celebrado, pela primeira vez, em 1980. Por outro lado, houve um manifesto esforço para integrar, o melhor possível, estes imigrantes, oferecendo-lhes aulas de inglês e disponibilizando tradutores, de forma a facilitar-lhes o acesso aos serviços sociais. O sector da agricultura só começou a recrutar trabalhadores estrangeiros nos anos 70. Um historial da emigração da Região Autónoma da Madeira, publicado pelo Centro das Comunidades Madeirenses e Migrações, dá indicação da existência de 1800 madeirenses em Jersey, em 1972, número que se manteve inalterado até ao censo de 1981, e que triplicou no de 1991. A emigração organizada para a região autónoma de Jersey terá tido o seu início em 1978. Nesse ano, terão saído da Madeira 12 pessoas rumo a Jersey, sendo que, em 1980, esse número já ultrapassava as 500, tendo duplicado em 1990, em que 1000 madeirenses trabalhavam na agricultura daquela ilha do Canal. A crescente procura deste destino por parte das gentes da Madeira e do Porto Santo era clara nas percentagens reveladas pelos recenseamentos: em 1981, 3 % dos imigrantes são madeirenses; em 1991, 4 %; em 2001, 6 %; e 7 % em 2011. Em 1998, foi assinado um acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, que potenciou as relações económicas, ambientais e culturais entre as duas ilhas, conforme um discurso proferido pelo baillif no Dia da Madeira de 2010, o primeiro ano em que aquele foi assinalado em Jersey: “The Friendship Agreement signed between Jersey and Madeira in May 1998 committed the Governments of both Islands to promote mutual respect for the different cultural traditions of the two Islands and their peoples” [“O acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, assinado em maio de 1998, empenha os Governos de ambas as ilhas na promoção do respeito mútuo pelas diferentes tradições culturais das duas culturas e respetivos povos”] (“Speech for Madeira Day”). De registar a ajuda de Jersey à Madeira, aquando da aluvião de 20 de fevereiro de 2010: “An indication of the close relations between Madeira and Jersey can be seen in the events following the terrible floods in Madeira in February of this year in which 40 people lost their lives and a great number lost their homes. The response from the community in Jersey was immediate and generous and I commend all those who participated in those fund raising activities or contributed financially” [“A estreita ligação entre a Madeira e Jersey ficou demonstrada na sequência das terríveis inundações que tiveram lugar na Madeira em fevereiro deste ano, durante as quais cerca de 40 pessoas perderam a vida e muitos ficaram desalojados. A resposta da comunidade de Jersey foi imediata e generosa e foram muitos os que participaram na angariação de fundos assim como nas ofertas monetárias”] (Ibid.). Nos começos do séc. XXI, os madeirenses estavam integrados na sociedade de Jersey, trabalhando sobretudo nas áreas da hotelaria e da restauração, se bem que, nesta fase migratória, muitos jovens desempenhassem outras funções, designadamente em repartições públicas, em hospitais (e.g., na enfermagem), assim como na praça financeira e zona franca fiscal [offshore], um dos aspetos mais importantes da economia de Jersey. Por outro lado, foi realizada nesta altura uma missão empresarial entre as duas regiões autónomas, que resultou no aumento das exportações de bebidas e de produtos hortofrutícolas da Madeira para Jersey (banana, anona, pera abacate, inhame e maracujá, entre outros). À distância de 02.45 h de avião, Jersey continuava a ser, nos começos do séc. XXI, um dos destinos europeus mais importantes para a mobilidade madeirense, o que facilita as trocas comerciais entre os dois espaços insulares e garante trabalho e estabilidade.   Graça Alves (atualizado a 18.12.2017)

Madeira Global

jamestown (ilha de santa helena)

É a capital da ilha de Santa Helena no Atlântico sul. Foi fundada em 1659 pela English East India Company e mereceu este nome em honra de James, duque de Yorke e futuro Rei James II de Inglaterra. Foi em Longwood House, próximo desta cidade, na parte norte da ilha, que Napoleão Bonaparte passou os últimos cinco anos da sua vida. À figura de Napoleão, associa-se um período fulgurante da história da Madeira, definido pela dominância do vinho e pela cada vez mais omnipresente posição do Inglês. Talvez por tudo isso, quando o fatídico Imperador passou pela Ilha, em agosto de 1815, a caminho do exílio, o cônsul inglês Henry Veitch não terá encontrado uma melhor lembrança para lhe ofertar que um tonel de vinho. A conjuntura europeia protagonizada por Napoleão fizera com que o vinho madeirense adquirisse uma posição dominante no mercado atlântico, fazendo aumentar a riqueza dos Ingleses, os principais comerciantes e consumidores. Diz a tradição que o tonel com o precioso néctar regressou à Ilha, reclamado pelo doador. O vinho regressado à Madeira multiplicou-se, em 1840, em centenas de garrafas, que fizeram as delícias de inúmeros Ingleses. Churchill, de visita à Ilha em 1950, foi um dos felizes contemplados. Quando se menciona o fim que teve Napoleão, todos, ou quase todos, reclamam a inevitável referência à passagem do mesmo pela Ilha a caminho do cativeiro em Santa Helena e também ao retorno dos seus restos mortais em 1840. Alguns recordam a importante peça literária que, a esse propósito, leu J. Reis Gomes, na sessão da classe de letras da Academia de Ciências, em 18 de janeiro de 1934, publicada, em separado, com o título O Anel do Imperador. Note-se que, na Madeira, o termo “vintage” se refere a um vinho feito de uma casta nobre, numa colheita especial que deve permanecer o mínimo de 20 anos encascado e 2 anos engarrafado. Particulares e empresas dispõem de coleções variadas deste tipo de vinho, sendo a mais famosa a de 1815, engarrafada em 1840 por John Blandy. É do vinho que Napoleão Bonaparte nunca bebeu no exílio em Santa Helena, conhecido como Waterloo Madeira. O desfecho funesto do Imperador Napoleão Bonaparte repercutiu-se de forma evidente na história da Madeira, sendo mais um fator favorável à quase total afirmação da comunidade britânica na Ilha. Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

Madeira Global

jamestown (california)

Foi a primeira cidade fundada pelos primeiros colonos americanos, em 14 de maio de 1607, na Virgínia, numa ilha da margem do rio James. Foi capital de colónia entre 1616 e 1699. Porém, as dificuldades geradas pelos mosquitos e o facto de a água ser imprópria para consumo levaram os colonos a procurar nova morada. Desta forma, a partir do séc. XVIII, a cidade perdeu importância e, nos princípios do séc. XXI, apresenta-se como uma herança em ruínas. Não existe conhecimento de quaisquer ligações diretas à Madeira, mas é muito provável que esses contactos tenham existido em relação ao vinho, cuja presença em solo norte-americano ficou documentada desde a segunda metade do séc. XVII. Jamestown é também um lugar em Tuolumne County, na Califórnia, que tem uma ligação com a Madeira, pois existem referências a madeirenses que aí se fixaram, de acordo com o estudo de Donald Warren sobre John Pereira. A afirmação da Califórnia como destino de emigração enquadra-se na corrida ao ouro, a partir de 1848. É neste quadro que se deve compreender a presença de madeirenses, a partir de Massachusetts ou diretamente da Madeira, por via ferroviária. John Pereira (1814-1902), filho de Francisco Pereira Camacho e Anna de Jesus, é um dos que partiu, em 1838, para os Estados Unidos. Primeiro, foi acolhido em Luisiana, mas a divulgação, a 24 de janeiro de 1848, da notícia da descoberta de uma pepita de ouro, nas margens do rio Yuba, fê-lo mudar de direção. Decidiu então partir à procura do Eldorado na Califórnia, deixando a mulher e filhos em Nova Orleães. Sabe-se que, passado algum tempo, eles se lhe juntaram, pois em 1853 nasceu o terceiro filho, em Jamestown. Foi um dos primeiros a subir o rio Yuba até Foster's Bar e a encontrar as desejadas pepitas de ouro, conseguindo um pecúlio de 1800 dólares, com que iniciou nova vida no acampamento de Jamestown. Com esta pequena fortuna, começou a comprar terrenos e a organizar o seu assentamento num rancho de 124 ha, onde cultivava hortaliças e plantou árvores de fruto, incluindo a vinha. No ano seguinte, não era o único madeirense atraído pelo ouro, estando já registados outros 23, alguns dos quais como trabalhadores no seu rancho. John Pereira era maçon e filiado no Partido Democrata, sendo considerado uma personalidade influente em Jamestown, na medida em que “acumulara bens imóveis de avultado valor e era conhecido de todos como cidadão empreendedor, patenteando muito interesse no bem-estar e no progresso da comunidade”; a par disso, “era um homem de acentuadas opiniões sobre todos os assuntos e, em tempos passados, exercia muita influência no comércio e na política” (WARREN, 2003, 2008).   Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

Madeira Global

havai, emigração para o

Na Madeira, no séc. XIX, o fenómeno emigratório foi uma constante, devido a períodos de fome, à crise económica e a um grande crescimento demográfico. Tratou-se, também, de uma emigração alimentada por fortes solicitações do mercado internacional de mão de obra. Dentro deste fenómeno, há a destacar, pela sua especificidade, a emigração para as ilhas do Havai, entre 1878 e 1912. Este processo fez-se ao abrigo de uma convenção assinada entre o reino de Portugal e o reino do Havai, em 5 de maio de 1882, pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, António de Serpa Pimentel, e pelo ministro plenipotenciário Henrique A. P. Carter, representante do Rei havaiano Kalakaua. Esta convenção estipulava os procedimentos a seguir na contratação de emigrantes, tendo deixado de vigorar em 4 de março de 1892 por aviso publicado no Diário do Governo n.º 154, de 15 de julho de 1891. Apesar de existir um cônsul honorário, o Governo de Portugal decidiu enviar um cônsul de carreira para acompanhar a aplicação da convenção nas ilhas havaianas. Foi nomeado António de Sousa Canavarro, que apresentou as suas credenciais ao Rei Kalakaua a 6 de setembro de 1882, exercendo o cargo até 1886. Os cônsules posteriores foram depois nomeados cônsules honorários, uma vez que o Havai foi integrado nos EUA em 1896. Um dos motivos para a nomeação de um cônsul de carreira teve a ver com denúncias publicadas em jornais da Califórnia sobre o modo de vida dos imigrantes portugueses no Havai. Tendo em conta os preconceitos sociais da época e a distância entre as ideias de liberdade americanas e a monarquia havaiana, não admira que houvesse desconfiança relativamente aos EUA. Na sequência de tais denúncias relativas às condições de vida dos açorianos e dos madeirenses no Havai, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português mandou realizar um inquérito, do qual foram encarregadas as administrações dos concelhos da Madeira e dos Açores, e cujos resultados foram publicados no Diário do Governo n.º 88, de 20 de abril de 1882. Este inquérito baseou-se nos testemunhos de familiares dos emigrados e nas cartas recebidas por eles, embora fossem muito incompletos para uma visão global da vida do imigrante. Entre madeirenses, açorianos e continentais, o Havai recebeu mais de 20.000 imigrantes portugueses entre 1878 e 1913. No Consulado Geral de Portugal em Honolulu, no livro de registo de matrículas, que ficou depois na posse da Portuguese Genealogical Society, estão registados 4556 madeirenses, entre homens, mulheres e crianças, chegados a Honolulu. No entanto, sabemos que o livro não está completo. Segundo a lista existente no Harbor Master’s Record Archives do Havai, os navios que transportaram contratados portugueses foram: Priscilla, barca alemã que aportou em Honolulu a 30 de setembro 1878, após 116 dias de viagem, com 80 homens, 40 mulheres e 60 crianças, num total de 180 passageiros (os documentos do consulado de Portugal apontam a chegada aproximada de 120 passageiros); Ravenscrag, navio inglês que chegou a 23 de agosto de 1879, com 123 dias de viagem desde a Madeira, com 133 homens, 110 mulheres e 176 crianças, num total de 419 pessoas; High Flyer, barca inglesa, chegada a 24 de janeiro de 1880, com 99 dias de viagem a partir de Ponta Delgada, nos Açores, com 109 homens, 81 mulheres e 147 crianças, num total de 337 pessoas; High Flyer, barca inglesa chegada a 2 de maio de 1881, com 130 dias de viagem desde São Miguel, nos Açores, com 173 homens, 66 mulheres e 113 crianças, num total de 352 pessoas; Suffolk, barca inglesa chegada a 25 de agosto de 1881, com 102 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 206 homens, 100 mulheres e 182 crianças, num total de 488 passageiros; Earl Delhausie, barca inglesa chegada a 27 de março de 1882, com 113 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 94 homens, 82 mulheres e 146 crianças, num total de 322 pessoas; Monarch, navio a vapor inglês chegado a 8 de junho de 1882, com 57 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 202 homens, 197 mulheres e 458 crianças, num total de 857 pessoas; Hansa, navio a vapor inglês chegado a 15 de setembro de 1882, com 70 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 307 homens, 286 mulheres e 584 crianças, num total de 1177 pessoas; Abergeldie, navio a vapor inglês chegado a 4 de maio de 1883, com 62 dias de viagem desde São Miguel, Açores (não temos informações sobre o número de passageiros); Hankow, navio a vapor inglês chegado a 9 de julho de 1883, com 66 dias de viagem desde São Miguel e a Madeira, com 427 homens, 317 mulheres e 718 crianças, num total de 1462 pessoas; Bell Rock, navio a vapor inglês chegado a 1 de novembro de 1883 com açorianos, 396 homens, 294 mulheres e 715 crianças, num total de 1405 passageiros; City of Paris, navio a vapor inglês chegado a 13 de junho de 1884, com 74 dias de viagem a partir da Madeira e de São Miguel, com 295 homens, 199 mulheres e 330 crianças, num total de 824 pessoas; Bordeaux, navio a vapor francês chegado a 3 de outubro de 1884, com 72 dias de viagem a partir da Madeira e com 273 homens, 173 mulheres e 262 crianças, num total de 708 pessoas. Inicialmente, no Funchal, o Bordeaux aceitara mais de 1000 passageiros. No entanto, quando o governo civil fez a vistoria do navio, verificou que perante a legislação em vigor só poderiam seguir 760 passageiros, pelo que o governador mandou desembarcar 440, sendo que dos embarcados já tinham falecido duas crianças, uma de pneumonia e outra de fraqueza. Esse excedente de passageiros foi alojado num armazém na R. da Queimada de Cima, tendo as autoridades distribuído aos candidatos a emigrantes 120 réis aos adultos e 60 réis aos menores. Uns desistiram e outros seguiram no navio Daca. A lista prossegue com Daca, navio inglês chegado a 19 de janeiro de 1885, após 114 dias de viagem, com 63 homens, 50 mulheres e 165 crianças, num total de 278 passageiros; Stirlingshire, navio inglês chegado a 4 de março de 1886, com 112 dias de viagem desde a Madeira, com 157 homens, 107 mulheres e 203 crianças, num total de 467 pessoas; Amana, navio inglês chegado a 23 de setembro de 1886, após 142 dias desde a Madeira, com 117 homens, 116 mulheres e 239 crianças, num total de 501 pessoas; Thomas Bell, barca inglesa chegada a 13 de abril de 1888, após 156 dias de viagem desde a Madeira, com 117 homens, 62 mulheres e 163 crianças, num total de 342 pessoas; Braunfels, navio a vapor alemão chegado a 4 de abril 1895, após 68 dias de viagem desde Ponta Delgada, Açores, com 274 homens, 124 mulheres e 259 crianças, num total de 657 pessoas; Victoria, navio a vapor inglês chegado a 13 de setembro de 1899, após 67 dias de viagem desde a Madeira, com 215 homens, 56 mulheres e 72 crianças, num total de 343 pessoas; Heliopolis, navio a vapor espanhol chegado a 26 de abril de 1907 do Faial, Açores, e de Malága, com 608 homens, 554 mulheres e 1084 crianças, num total de 2246 passageiros; Kumeric, chegado a 27 de junho de 1907 da Madeira, com 333 homens, 306 mulheres e 475 crianças, num total de 1114 pessoas; Swanley, chegado a 12 de dezembro de 1909 da Madeira e Açores, com 337 homens, 221 mulheres e 310 crianças num total de 868 pessoas; Osteric, navio a vapor chegado a 13 de abril de 1911 da Madeira, com 547 homens, 373 mulheres e 531 crianças, num total de 1451 passageiros; Willesden, navio a vapor chegado a 3 de dezembro de 1911 dos Açores e do continente português, com 639 homens, 400 mulheres e 758 crianças, num total de 1797 pessoas; Harpalien, navio a vapor chegado a 16 de abril de 1912 dos Açores e do continente português, com 496 homens, 328 mulheres e 626 crianças, num total de 1450 pessoas; Willesden, navio a vapor chegado a 30 de março de 1913, proveniente das ilhas e do continente português, com 491 homens, 377 mulheres e 440 crianças, num total de 1308 passageiros; Ascot, navio a vapor chegado a 4 de junho de 1913, proveniente das ilhas e continente português, com 424 homens, 327 mulheres e 532 crianças, num total de 1283 pessoas. Os madeirenses que com suas famílias partiam para o Havai suportaram tempestades terríveis junto ao cabo Horn, sofrendo doenças – que resultaram, por vezes, na sua morte –, falta de alimentos e más condições de acomodação. Houve famílias inteiras emigraram com contratos de três ou cinco anos para trabalharem nos campos de cana sacarina, nos engenhos ou nas plantações de ananases. O Governo havaiano tinha um departamento de imigração, que controlava o número de contratos e de imigrantes que entravam anualmente, olhando às necessidades de mão de obra dos plantadores e às necessidades do reino. Este departamento tutelava os contratos e, enquanto os imigrantes estivessem abrangidos pelo contrato de trabalho, este organismo também exercia fiscalização sobre as condições de trabalho, de alojamento e de alimentação. No caso de o contratado desejar mudar de plantação, o departamento procedia a essa mudança. Por vezes, à chegada, os imigrantes com um contrato firmado para uma certa plantação eram colocados noutra, sob a orientação do departamento. Com efeito, depois da promulgação de lei do Great Mahele, de 1846, na qual o Rei autorizava os estrangeiros a serem proprietários de terras, os Americanos residentes no Havai iniciaram o processo de aquisição de terras nas ilhas do arquipélago e desenvolveram o cultivo da cana sacarina. Em finais do séc. XIX, a indústria açucareira era a principal indústria havaiana, tendo substituído em importância a indústria da pesca da baleia. O aparecimento de novas plantações e a aplicação de novas tecnologias industriais exigiam um aumento constante de mão de obra a que os nativos não conseguiam dar vazão – em parte porque, quando os europeus chegaram ao Havai, levaram doenças como a gripe e o sarampo, entre outras, que provocaram uma tremenda baixa demográfica –, o que levou os plantadores a exigirem a importação de mão de obra estrangeira. Os plantadores importavam mão de obra com um contrato de três ou cinco anos, como já referido, usando um modelo de contrato semelhante ao utilizado na Guiana Inglesa e noutras áreas do Império Inglês nas plantações de cana sacarina. Estes contratos surgiram nas colónias inglesas para colmatar a falta de mão de obra escrava após a libertação dos escravos; no Havai, o contrato foi utilizado para colmatar a falta de mão de obra livre. A importação de mão de obra com contratos de trabalho iniciou-se no Havai por volta de 1850 e, a partir desta data, muitos imigrantes oriundos de Portugal, principalmente madeirenses e açorianos, mas também alguns continentais, bem como espanhóis, noruegueses, chineses, japoneses e filipinos entraram nas vagas de contratados. Em 1850, já existia no Havai um núcleo de Portugueses, constituído fundamentalmente por marinheiros dos navios baleeiros contratados nos Açores, na Madeira e na ilha Brava, Cabo Verde, que fugiam das duras condições de vida e de trabalho nesses navios. A contratação dos trabalhadores portugueses fora sugerida ao departamento de imigração havaiano inicialmente por Jacinto Pereira, natural do Faial que, em 1878, era cônsul honorário de Portugal, tendo assumido o nome de Jason Perry, e pelo botânico alemão William Hillebrand, que vivera no Havai em 1871, a fim de fazer pesquisas botânicas, e que em 1876 visitara as ilhas da Madeira e dos Açores; em carta enviada à associação de produtores da cana de açúcar do Havai (HSPA), Hillebrand afirmava que os ilhéus eram sóbrios, honestos, pacíficos e trabalhadores com grandes capacidades para o trabalho manual. Atendendo ao teor da carta, o departamento autorizou, em novembro de 1876, a contratação e o pagamento das passagens a Portugueses oriundos das ilhas, pagando 75 dólares por homem, 50 dólares por mulher e 25 por cada criança. Além disso, os imigrantes assinavam um contrato de trabalho que estipulava um período de 36 meses, com 26 dias de trabalho mensal e 10 h diárias de trabalho a partir do nascer do sol. Os homens receberiam um salário de 10 dólares por mês, teriam direito a uma ração diária, alojamento, horta, assistência médica e medicamentos gratuitos. As mulheres e as crianças que trabalhassem receberiam igualmente salários. Com a anexação do Havai pelos EUA, em 1898, as ideias de liberdade individual passaram a ter de ser expressas na legislação. Daí a denúncia que houve dos contratos de trabalho, dado a legislação americana considerar as obrigações pessoais expressas naqueles contratos de trabalho inconsistentes com a democracia. Na América, a escravatura fora abolida em 1863 e a contratação e importação de trabalhadores, tal como era feita, tornara-se ilegal a partir de 1885. Todos os contratos assinados antes do desembarque no Havai foram declarados nulos. Normalmente após o término do primeiro contrato, os Portugueses saíam das plantações e fixavam-se nas ilhas onde trabalhavam ou, em alternativa, iam para a ilha de Oahu, onde havia mais oportunidades de trabalho. Aí iniciavam atividades agrícolas, no pequeno comércio e na construção civil, entre outras. Em Portuguese-Hawaiian Memories, Joaquim Francisco de Freitas refere muitas famílias portuguesas, as suas origens, ilhas de residência e atividades. Através dele, verificamos o seguinte: na ilha de Kaui, uma das ilhas onde existiam muitas plantações, os Portugueses de primeira geração tornavam-se, após o contrato, capatazes de plantação; depois de novo contrato, ganhavam mais liberdade, convertendo-se em contabilistas ou trabalhadores livres nas plantações. Os que deixavam as plantações tornavam-se proprietários de pequenas explorações agrícolas, funcionários do comércio, pequenos negociantes a retalho, jardineiros, motoristas, mecânicos de locomotivas, donos de mercearias, armazenistas ou assistentes de gerência em área comercial, havendo até o caso de um agente de cinema. Nestes casos, os alfabetizados chegavam a gerentes comerciais, ficando os empregos mais modestos para aqueles que tinham chegado analfabetos. Olhando para os Portugueses de segunda geração em Kaui, vemos pelo seu posicionamento social que tinham maior instrução: eram capatazes, agentes comerciais, assistentes de gerência, polícias de campo ou juízes de distrito; as filhas de algumas famílias exerciam a profissão de professoras primárias de língua portuguesa. Relativamente a Oahu, na cidade de Honolulu, mesmo entre os elementos de primeira geração, há uma maior diversidade de atividades profissionais. Assim, encontramos eletricistas, proprietários de terras ou pequenas explorações, comerciantes, donos de padarias, comerciantes de laticínios, empresários, vendedores comerciais, pedreiros e construtores civis, técnicos de hidráulica, motoristas, mecânicos, maquinistas, carpinteiros e industriais de móveis, advogados e notários. Podemos inferir que muitos dos que se estabeleceram em Honolulu na primeira geração traziam já uma boa escolarização. Quanto à segunda geração de Portugueses, encontramos construtores civis, capatazes, barbeiros, eletricistas, inspetores de eletricidade, contabilistas, gerentes comerciais, joalheiros, funcionários bancários, inspetores de obras, inspetores alfandegários, funcionários superiores, corretores de seguros, supervisores, professores, médicos, advogados e deputados. Na ilha de Havai, José Gomes Serrão e seus irmãos Luís e Alfredo, oriundos de Santo António, na Madeira, fundaram, após o término dos seus contratos, uma casa de comercialização de aguardente de cana de açúcar, vinhos e licores, a primeira e única do Havai em 1891. O vinho era produzido com as vinhas que os mesmos cultivavam nas suas terras. O negócio tornou-se próspero, com exportações para Nova Iorque e Califórnia, até à publicação da 18.ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, em 29 de janeiro de 1929. Depois dela, a firma só produzia sumos, fechando definitivamente no início da Segunda Guerra Mundial. Segundo as pesquisas de Randy Borges, lusodescendente residindo em Honolulu em 1998, foram os Portugueses que introduziram a construção em pedra vulcânica nos edifícios. Conta a tradição que um dia, ao construírem um campo numa plantação, o capataz ordenou que deitassem fora as pedras, respondendo os Portugueses que era pena, pois nas suas terras construíam prédios em pedra vulcânica. O capataz desafiou os trabalhadores a demonstrarem o que diziam. Aceitando o desafio, estes pediram apenas que lhes dessem uma planta. Assim aconteceu: o primeiro edifício em pedra construído em Honolulu, concluído em 1886, foi aquele que se tornaria no Bishop Museum. Entre 1886 e 1924, foram construídos pelos Portugueses o Pauahi Hall, a Punahou School em 1889, a estação de bombeiros em 1906, o Music Hall em 1916, a igreja protestante dos Pioneiros, a estação de bombagem de água de Honolulu, o Mid Pacific Institute, a igreja protestante Central Union e o edifício MCCandles da Universidade do Pacífico do Havai. Os pedreiros portugueses cedo criaram uma sociedade conhecida como Cabinet Makers. Nos censos de 1900 do Havai, estavam recenseados 34 pedreiros portugueses com a designação de “stone mason”, referindo-se que tinham chegado ao Havai entre 1878 e 1886. No mesmo censo já estavam indicados filhos de portugueses nascidos em Honolulu com a qualidade de aprendizes. A cultura musical havaiana sofreu influências madeirenses. O ukulele, instrumento musical do folclore havaiano que consiste numa pequena viola de quatro cordas dedilhadas, tem as suas raízes na braguinha madeirense. A bordo do navio Ravenscrag, que saiu do Funchal a 23 de agosto de 1879, seguiam os imigrantes Augusto Dias, José do Espírito Santo, Manuel Nunes, João Luís Correia e João Fernandes. Segundo Leslie Nunes, descendente de Manuel Nunes, construtor de ukuleles, ele foi o primeiro madeirense a tocar em terras havaianas após o desembarque foi João Fernandes. Aliás, era hábito os imigrantes, quando chegavam a terra firme, tocarem e dançarem. Manuel Nunes abriu uma loja de mobílias e instrumentos musicais em 1884, sendo João Fernandes o afinador dos ukuleles. Também Augusto Dias abriu uma loja em 1884 e José do Espírito Santo em 1888. João Fernandes, Augusto Dias e João Luís Correia formaram um trio musical que atuava em várias festividades, tocando muitas vezes no Palácio Real Iolani a convite do Rei. O ukulele, por ser um instrumento fácil de tocar, tornou-se no preferido dos havaianos. Nas plantações, os Portugueses gostavam de cantar ao desafio e à desgarrada; nas festas, usavam a guitarra, a braguinha, o rajão, o acordeão e, para além destes, os madeirenses usavam o brinquinho e os ferrinhos. Manuel de Jesus Coito (Paul do Mar, Madeira, 1876-Honolulu, 1957), conhecido como o poeta do Punchbowl, zona preferida para viver pelos Portugueses que trabalhavam em Honolulu, que embarcara com seus tios António Joaquim de Freitas e Maria Violante de Freitas, publicou poesia em jornais portugueses de Honolulu, principalmente no Luso-Havaiano, entre 1899 e 1919. Mostrava bom domínio da língua materna escrita, bem como da cultura e poesia portuguesas da época, pois refere-se, nos seus poemas, a Pinto Coelho, madeirense e redator no Diário de Notícias da Madeira, Tomás Ribeiro, Guerra Junqueiro, João de Deus e Camões, entre outros. Mostrava uma educação católica cuidada, referia o culto de N.ª S.ª do Monte, o culto do divino Espírito Santo e aspectos da história do cristianismo. Mostrava um bom conhecimento da história de Portugal, da expansão portuguesa, da situação portuguesa nos finais da monarquia, das pressões internacionais sobre as colónias na Conferência de Berlim, em 1895, e defendia o regime republicano, tendo referido igualmente o papel do exército português na Primeira Guerra Mundial. Como a religião da monarquia havaiana era a protestante, mandou-se vir de Jacksonville e Springfield, no estado do Illinois, pastores que falavam português. Estes faziam parte dos madeirenses que tinham sido forçados a sair da Madeira devido à perseguição religiosa que sofreram por se terem convertido ao protestantismo pela ação evangelizadora do escocês Robert Reid Kalley, tendo ido inicialmente para a ilha de Trindade e posteriormente para os EUA. Alguns madeirenses optaram pelo protestantismo, pois era a religião dos Reis e dos haoles – expressão havaiana que designa os caucasianos de origem inglesa e americana – e um modo de progressão social. Como a maioria continuou católica, foram depois enviados padres católicos, tendo o primeiro bispo católico no Havai sido D. Estêvão de Alencastre, natural do Porto Santo. Depois da sua morte, o Havai ficou subordinado a uma diocese americana, a de São Francisco. Os portugueses tinham a preocupação de garantir o seu futuro e o apoio às famílias, razão pela qual constituíram sociedades de socorros mútuos. No livro de Joaquim de Freitas atrás referido, para além de se relatar a origem das famílias portuguesas, é indicada a sociedade de socorros mútuos a que pertenciam. Encontramos, neste contexto, referência à Sociedade Lusitana Beneficente de Havai, à Sociedade Portuguesa de Santo António Beneficente de Havai, à Court Camões, à Sociedade Madeirense, à Sociedade Beneficente de São Martinho e à Redmen. A primeira sociedade foi a Sociedade de Santo António, que foi fundada em 1877 e terminou a sua atividade a 1 de abril de 1965; os seus fundadores foram António Joaquim Lopes, M. S. Pereira, Manuel G. Correa, João Gaspar, António de Fraga e José Francisco Medeiros. Segundo o testemunho de James Gonçalves em 1998, além das sociedades Santo António e Lusitana, seu avô pertencera a outra sociedade beneficente, a Court Camões, tendo seu pai pertencido ainda a uma terceira, a Redmen, cujo objetivo fundamental era o apoio às famílias nas despesas de funerais, dando 200 dólares à viúva. A maioria das sociedades desapareceu durante a Segunda Guerra Mundial, na opinião de James Gonçalves devido à lei marcial publicada em 8 de dezembro de 1941, em Honolulu, após o ataque japonês a Pearl Harbour; nessa ocasião, todos os cidadãos estrangeiros tiveram de se registar junto da polícia militar, sendo de ressaltar que a maioria dos imigrantes portugueses ainda mantinha a nacionalidade portuguesa. Nessa época, os estrangeiros eram olhados com suspeita pelos militares americanos. Muitos Portugueses morreram durante a guerra e os de primeira geração foram falecendo até cerca dos anos 50 do séc. XX. Para além disso, as terceiras e quartas gerações foram integradas na sociedade havaiana, nomeadamente ao nível laboral, pelo que as sociedades de socorros mútuos deixaram de ser necessárias. Os Portugueses foram aceites como cidadãos americanos por volta de 1940, sendo só a partir dessa data que, nos censos, deixam de ser tratados como portugueses e passaram a ser incluídos como americanos. Os Portugueses desde sempre lutaram contra a discriminação a que foram sujeitos e tudo fizeram para serem considerados haoles, como eram designados os Americanos escolarizados. Assim, foram gradualmente cortando as suas raízes e a sua ligação com o “velho mundo”, pelo que os seus jornais em língua portuguesa, os clubes e as sociedades foram desaparecendo após a guerra. Os Portugueses eram olhados como classe média, tendo contribuído para o aparecimento de uma nova cultura havaiana pelos seus casamentos inter-raciais. Curiosamente, enquanto católicos, continuaram a dançar, nas festividades religiosas, as danças folclóricas tradicionais trazidas pelos primitivos colonos. Assim, no Festival de Danças Folclóricas Portuguesas, em 1954, a cultura portuguesa emergiu com toda a pujança, quando a maioria das pessoas pensava que os Portugueses tinham perdido a sua raiz europeia Os promotores desse festival – no qual se cantou em português – realçaram o valor da cultura portuguesa e o orgulho que tinham nas suas origens lusas. A partir de 1954, houve uma tendência para fazer renascer as origens madeirenses, açorianas e, de uma forma geral, portuguesas face à discriminação de que os imigrantes tinham sido alvo no passado. Em 1978, foi festejado o centenário da chegada dos primeiros colonos oriundos da Madeira à cidade de Honolulu, no Havai. A comissão do centenário, nomeada pelo governador do estado, George Ariyoshi, era composta por John Henry Félix, cônsul de Portugal; Jack Mello, vice-cônsul de Portugal; Edna Rebelo Ryan, presidente do Hawaiian Portuguese Heritage, da direção do grupo musical Camões Players e da Portuguese Civic Association; Audrey Rocha, vice-presidente do Portuguese Civic Association e diretora de um programa de rádio na ilha de Maui, entre outros. Desde então, passou a celebrar-se, em setembro, a festa portuguesa, rotativamente nas ilhas da Oahu, Maui e Hawai, organizada pelas associações culturais de origem portuguesa. No ano de 1978, existiam as seguintes organizações portuguesas no Havai: Brotherhood Holy Ghost of Holy Trinity em Honolulu; Camões Players em Honolulu; Crianças de Portugal em Honolulu; Hawaiian Portuguese Heritage Council em Honolulu; Kalihi Holy Ghost em Honolulu; Kewalo Holy Ghost em Honolulu; Pioneer Civic Association em Honolulu; Portuguese Genealogical Society em Honolulu; Hilo Chamarrita na ilha de Havai; e Maui Portuguese Corporation na ilha de Maui. Como podemos ver, muitas associações estavam ligadas à religião. Oriundos maioritariamente de um grupo social iletrado, como se referiu, os Portugueses começaram as suas vidas nas plantações, tendo, logo após os contratos, iniciado atividades fora delas; tornaram-se assim uma classe média respeitada e deram instrução aos filhos, que vieram a ocupar lugares de relevo na administração havaiana: sendo senadores, juízes e deputados. Apesar de as novas gerações terem a cidadania americana, por volta dos anos 50 do séc. XX, começaram a interessar-se pelas suas origens europeias, aprendendo a língua portuguesa em cursos livres particulares ou frequentando cursos na Universidade do Havai. A emigração insular para o Havai contribuiu para a criação da cultura havaiana.   Ana Isabel Spranger (atualizado a 30.12.2017)

Madeira Global

susan harriet vernon harcourt

Lady Susan Harriet Vernon Harcourt nasceu em 1824 e recebeu o nome de Susan Harriet Holroyd. Era filha do 2.º conde de Sheffield (1802-1876) e casou-se, em agosto de 1849, com Edward William Vernon Harcourt (1825-1891). No ano anterior ao do seu casamento, lady Susan acompanhou o noivo à Madeira com sua mãe, a condessa de Sheffield. Edward já tinha estado na Madeira de outubro de 1847 a abril de 1848., e esteve com a noiva de novembro de 1848 a maio de 1849. Volta à Ilha depois do casamento, de novembro de 1849 a maio de 1850 e de novembro de 1850 a abril de 1851. Na família Harcourt parece ter sido tradição, entre os que apresentavam debilidades físicas, a passagem do inverno na Madeira, onde esteve o pai de Edward, Rev. William Vernom Harcourt, e, no inverno de 1847 para 1848, seu irmão William George Granville Venables Vernon Harcourt (1827-1904), depois ministro do Interior de um dos governos da rainha Vitória e uma das figuras políticas determinantes do seu tempo; mais tarde, o filho deste também frequentaria a Madeira (Turismo terapêutico). O álbum de lady Susan Harcourt Sketch of Madeira, editado em Londres, em 1851, por Thomas McLean, espelha a educação das classes abastadas da sua época, a que não escapava a autora e o marido, que edita na mesma data e pelo mesmo editor A Sketch of Madeira, Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitor, dedicado à sogra, condessa de Sheffield. Edward também se interessava por ornitologia e daria à estampa as suas observações sobre as aves da Madeira, igualmente editadas em Londres, em 1855. Trocava, inclusivamente, correspondência com Charles Darwin; da qual se extraíram as informações sobre as suas deslocações à Madeira. O conjunto de litografias de lady Susan reúne 22 vistas da Madeira, litografadas pela própria ou pelo menos com a sua colaboração. Destas litografias 3 são em grande formato, demonstrando muito boa qualidade de desenho, com um traço suave, delicado e feminino, abarcando os grandes planos gerais e esboçando somente os pequenos detalhes. Desconhece-se o destino dos originais, bem como de posteriores trabalhos da autora, que terá passado a dedicar-se inteiramente à educação dos dois filhos. Morre aos 64 anos, em abril de 1894. A documentação da família encontra-se hoje integrada na Bodleian Library da Universidade de Oxford, onde, em conformidade com o que foi dito não constam os desenhos originais nem referência a trabalhos posteriores, que talvez se mantenham na posse da família. O conjunto editado do casal Harcourt enquadra-se no “grand tour” de educação das sociedades europeias abastadas, que olhavam para a Madeira como um destino no leque de possibilidades do turismo terapêutico. Ao mesmo tempo, este conjunto retrata uma nova posição e atitude da mulher ao longo do séc. XIX, que não só desenha em público, o que até então era quase impossível, como edita depois as suas obras, podendo, inclusivamente, trabalhar na sua passagem à litografia. Poucos anos antes, em 1845, também Jane Wallas Penford (1821-1884) editara os seus trabalhos em Londres, no conjunto Madeira Flowers, Fruits, and Ferns, este elaborado a partir de aguarelas feitas na sua propriedade da quinta da Achada – e não em público – e de litografias posteriormente aguareladas pela sua mão, também na sua quinta do Funchal. Edward Harcourt tece algumas considerações sobre os desenhos da sua então ainda noiva lady Susan, onde descreve a dificuldade em captar o cenário grandioso da paisagem madeirense, face à contínua mudança de luminosidade. Ao contrário da permanente neblina dos ambientes nórdicos, na Madeira a constância dos brilhos alterava-se constantemente pela simples passagem de uma nuvem. O autor conta ainda as dificuldades em que se via a pintora ao iniciar o seu trabalho, por ser de imediato rodeada de inúmeros observadores que, parecendo não ter mais nada para fazer, ali se mantinham inabaláveis durante horas a fio. Informa e alerta também os futuros leitores sobre a taxa imposta pela Alfândega do Funchal aos desenhos levados da Ilha, 6 xelins e 8 pences por libra de peso, o que considerava um verdadeiro exagero, mas que configura a consciência do interesse económico dos mesmos por parte das autoridades aduaneiras insulares.   Rui Carita (atualizado a 30.12.2017)

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