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meneses, albino de

De seu nome completo Albino Espiridião de Meneses (Santana, 18 de dezembro de 1889-Funchal, 26 de abril de 1949), assinou alguns dos seus textos com o pseudónimo Adème ou com as iniciais A, A. E. M. ou A. M. Licenciado em Direito pela Univ. de Coimbra e senhor de uma vasta cultura, colaborou na imprensa madeirense a partir de 1907, destacando-se os periódicos Almanach de Lembranças Madeirenses, Diário da Madeira, Diário de Notícias, Diário Popular e O Primeiro de Dezembro. Mesmo vivendo alguns anos no continente, manteve a participação nos jornais da Madeira. Antes de partir para Coimbra, em 1909, cooperou com outros autores ilhéus no romance Uma Tragédia na Madeira, que ficou inacabado. Consta que escreveu um romance que, em 1918, a Livraria Teixeira tinha já no prelo, do qual se imprimiram somente algumas páginas por ter desistido de o publicar. Editores de Lisboa propuseram-lhe a publicação dos seus textos, o que recusou, alegando não produzir nada de valor. No continente, colaborou assiduamente em periódicos e revistas, nomeadamente em O Primeiro de Janeiro, do Porto, em 1913, e, já regressado à Ilha, em 1921, nas revistas coimbrãs Ícaro e Presença. Nesta última, em 1927, publicou o poema“Olá, vadio!”. Pouco se sabe da sua vida. No entanto, tem-se conhecimento de haver participado, de 1917 a 1918, na Primeira Guerra Mundial, o que lhe causou um problema de surdez. Na Ilha, foi colocado em Santana como conservador do Registo Civil, cargo em que se manteve até 1946. A sua predisposição para a doença mental e o alcoolismo levou-o a arredar-se do mundo literário e social, tendo vivido perigosamente até à sua morte, em 1949, devido a uma hérnia estrangulada. Aquando da sua estada no continente, considerado pela crítica um ficcionista de mérito, foi convidado por Boavida Portugal a colaborar no Portugal Intelectual. Inquérito à Vida Literária (1915). Tinha uma escrita poderosa, vibrante e heroica, altamente imagética e metafórica, razão que levou Octávio de Marialva a cognominá-lo de “príncipe da prosa helénica”. Tal como ele, Albino de Meneses praticou o culto da aristocracia do espírito, do vago, do esotérico e do misterioso, exaltando a cultura grega e os exotismos orientais, o que se nota sobretudo no conto A Noite Bizantina, título que o historiador Nelson Veríssimo atribuiu a um livro resultante de uma aturada pesquisa dos seus textos dispersos, que em 1991, a então Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC) publicou. Em 2011, a investigadora Dalila Pestana fez uma recolha de grande parte dos seus escritos, que reuniu num livro, publicado também pela DRAC, intitulado Lava Fervente, o qual contou com o prefácio do Prof. Doutor Arnaldo Saraiva. No período que passou na capital, frequentou a tertúlia da Brasileira, onde pontificavam os órficos. Ali conheceu e privou com Fernando Pessoa, o qual, admirando-o, o convidou, em 1917, a colaborar no Orpheu 3. Albino de Meneses dispôs-se a fazê-lo com o conto “Após o rapto”. No entanto, por falta de verba, a revista acabou por não ser editada. Autor singular de epístolas, contos e novelas, publicou também boa poesia. Tanto Nelson Veríssimo como Pedro da Silveira inserem-no no decadentismo que coexistiu com o modernismo no Orpheu. Há também, na sua obra, marcas ultrarromânticas e parnasianas. Só a partir de 1915 o seu discurso passa a apresentar coordenadas modernistas, aproximando-se de Mário de Sá-Carneiro e, em parte, do heterónimo pessoano Álvaro de Campos pelas marcas futuristas, sensacionistas e intersecionistas que se revelam nos seus textos. O amor e a mulher, a própria mãe foram os temas centrais da escrita menesiana, numa linguagem rítmica e descritiva, apresentando ricas figuras de estilo como, e.g., sinestesias. Deixou inédita a novela Caleschèse. Abandonou definitivamente a literatura em 1936, ficando dispersos todos os seus textos. No início do séc. XXI, vários investigadores nacionais têm-se debruçado sobre a sua prosa, considerando-a digna de profundos estudos e ampla divulgação. Obras de Albino de Meneses: “Olá, vadio!” (1927); A Noite Bizantina (1991); Lava Fervente (2011). Bibliog.: CLODE, Luiz Peter, Registo Bio-Bibliográfico de Madeirenses. Sécs. XIX e XX, Funchal, Caixa Económica do Funchal, 1983; GOUVEIA, Horácio Bento, “Grande escritor madeirense Albino de Meneses (1889-1949)”, Das Artes e da História da Madeira, n.os 19-20, 1955, pp. 19-22; Id., “Evocando Albino de Meneses”, Diário de Notícias, Funchal, 7 jun. 1964; GUIMARÃES, Fernando, “Albino de Meneses e o modernismo”, Jornal de Letras, Artes & Ideias, 12 maio 1992; MARINO, Luís, Musa Insular: Poetas da Madeira, Funchal, Eco do Funchal, 1959; MARTINS, Carlos, “Ainda recordando um amigo Dr. Albino Espiridião de Meneses”, Comércio do Funchal, 5 jul. 1964, p. 3; PEREIRA, José Carlos Seabra, “Em torno do Orpheu. A outra literatura”,in DIX, Steffen (org.), 1915. O Ano do Orpheu, Lisboa, Tinta-da-china, 2015, pp. 97-120;PESTANA, Dalila, “Albino de Meneses e o fascínio do feminino”, Islenha, n.º 43, jul.-dez. 2008, pp. 37-55; SARAIVA, Arnaldo, “O ‘frustrado’ e abençoado Orpheu”, in DIX, Steffen (org.), 1915. O Ano do Orpheu, Lisboa, Tinta-da-china, 2015, pp. 407-420; SILVA, António Marques da, “Dr. Albino de Meneses”, Jornal da Madeira, 4 jul. 1973; SILVEIRA, Pedro da, “Um modernista madeirense. Albino de Meneses”, Islenha, n.º 6, jan.-jun. 1990, pp. 115-116; TEIXEIRA, Maria Mónica, “A Noite Bizantina de Albino de Meneses em busca da Alma Rara”, Islenha, n.º 13, jul.-dez. 1993, pp. 5-10; Id., Tendências da Literatura na Ilha da Madeira nos Séculos XIX e XX, Funchal, CEHA, 2005; VERISSÍMO, Nelson, “No centenário do nascimento dum modernista, Albino de Meneses”, Diário de Notícias, sup. Cultura, Funchal, 17 dez. 1989. Fátima Pitta Dionísio artigos relacionados: poetas bettencourt, edmundo luzia (luísa susana grande de freitas lomelino) nascimento, joão cabral do marialva, octávio de  

Literatura

nóbrega, ciríaco de brito

  Ciríaco de Brito Nóbrega (1856-1928). Photographia Vicente, 17 Dezembro 1912. Col. ABM – Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira. Jornalista e escritor, Ciríaco de Brito Nóbrega nasceu a 16 de março de 1856 na freguesia de São Pedro, Funchal. Filho de Roberto Constantino Nóbrega e de Matilde Leocádia de Nóbrega, moradores na Rua Nova de São Pedro da freguesia com o mesmo nome. Foi batizado na igreja de São Pedro a 27 de março do mesmo ano e apadrinhado pelos clérigos Zeferino José de Santa Ana, "reverendo beneficiado" da Igreja de São Pedro e Joaquim Gomes da Silva Lume, Vigário da mesma, segundo consta do seu registo de batismo. Casou a 13 de setembro de 1883 na Igreja Paroquial de São Pedro com D. Maria Cândida Mesquita Spranger, de quem teve três filhos: D. Maria Isabel Mesquita Spranger de Brito e Nóbrega, Fernando Ciríaco Spranger Brito e Nóbrega e D. Ana Brito e Nóbrega Lomelino Victor. Foi funcionário das finanças como primeiro-oficial da repartição da Fazenda do Distrito do Funchal, integrou as comissões executiva e de propaganda e publicidade para as comemorações do V Centenário do Descobrimento da Madeira e terá também feito parte da comissão instaladora do Instituto Madeirense das Letras, Sciencias e Artes, conforme noticiado na edição de 11 de março de 1917 do periódico O Progresso. Foi redator do periódico literário mensal As Faíscas (de março a setembro [4 nºs] de 1883), do Aurora Liberal: Semanario Litterario, mais tarde designado de Orgão do Gremio Litterario Madeirense (de Dezembro de 1875 a Fevereiro de 1876, havendo sido publicados oito números) e redator principal do Diário de Notícias da Madeira durante vinte anos (1907 - 1927) “e como jornalista deixou o seu nome ligado à reportagem dos mais importantes acontecimentos dessa época” (CLODE, 1983, 333). Foi autor de diversas crónicas publicadas em vários periódicos literários e noticiosos usando diversos pseudónimos. É descrito nas páginas do Elucidário Madeirense como um dos escritores regionais destacados do último quartel do séc. XIX, ao lado de nomes como Dª. Joana Castelo Branco, Carlos Azevedo de Menezes ou António Feliciano Rodrigues (Castilho), (SILVA e MENEZES, 1998, III, 276. Considerado pioneiro na literatura madeirense no que concerne às narrativas ficcionais de crime, por alturas da sua morte era “o decano dos jornalistas madeirenses”, tendo nessa qualidade prestado importantes serviços, pois na escrita dos editoriais que diariamente abriam cada nova edição do Diário de Notícias, onde era chefe redator, não se coibia de ter uma atitude interventiva focando vários temas de interesse para o desenvolvimento da sociedade madeirense tais como questões sociais, com artigos reivindicativos da criação de um serviço de medicina dentária para as populações desfavorecidas, de melhores salários para a polícia pública, manutenção e alargamento do sistema de abastecimento de água potável à população; questões relacionadas com igualdade de género; questões económicas, versando acerca do monopólio inglês da indústria açucareira, mostrando-se contra o mesmo; e até temas relacionados com urbanismo, focando a cidade do Funchal e fazendo observações a partir das quais é possível alvitrar que Ciríaco de Brito Nóbrega seria provavelmente apoiante do plano urbanístico de Ventura Terra, apresentado no ano de 1915. Focava ainda assuntos da História regional, abordando o tema do Descobrimento da Madeira e de política. Esta atitude interventiva é corroborada pelos editoriais na imprensa regional que lhe foram dedicados aquando da sua morte: “Deve ainda estar na memória de muitas pessoas os retumbantes artigos que publicou (...) todos em prol dos oprimidos e das necessidades mais urgentes da Madeira.” (Diário de Notícias, 03.04.1928); “As classes pobres perderam um amigo, porque no jornal em que ele trabalhou, não recusava o auxílio da sua pena na colaboração e propaganda das obras creadas para irem ao encontro do órfão, ou da velhice, enfim, dos desherdados da sorte.” (O Jornal, 03.04.1928). Publicou em 1898 o romance Um marinheiro do século XV, em coautoria com Óscar Leal e em 1901 o romance O Perdão do Marido, cujos primeiros capítulos foram inicialmente publicados na secção “Folhetim” do Diário de Notícias do Funchal nos primeiros meses do ano, cujos primeiros exemplares foram colocados para venda a partir do dia 23 de junho, conforme noticiou este jornal a 15 de junho de 1901 (Diário de Notícias, 15 de Junho de 1901). Escreveu A Visita de Suas Majestades os reis de Portugal ao archipélago Madeirense: narração das festas, obra que descreve as comemorações ocorridas na Madeira por altura da visita do rei D. Carlos e da rainha Dª Amélia em 1901 dedicada e oferecida ao então recém-eleito governador civil do distrito José Ribeiro da Cunha, a quem “coube a singular honra (…) de dirigir as imponentes festas realisadas na Madeira por occasião da recente visita de Suas Majestades” e a quem “também em boa parte [coube] a glória do brilhante exito d'essas festas, cuja descrição se impôz ao meu espírito como um dever patriótico.”(NÓBREGA, 1901, 3). Esta é uma obra que ostenta um elevado cunho patriótico de exaltação nacionalista, seja por parte do próprio autor, seja na forma como narra a reação dos habitantes da ilha à presença da família real, impressões estas que seriam corroboradas pelos telegramas enviados pelo Conselheiro de Estado e então líder do Partido Regenerador Ernesto Hintze Ribeiro ao Ministro da Justiça: “ Suas Majestades gozam de excellente saude, e vivamente impressionadas com a belleza das paizagens e o inexcedível enthusiasmo com que são acolhidas” (ç, 115). Dedicou a sua narrativa histórica intitulada Uma Gloria Portugueza publicada nas páginas do jornal O Liberal, Orgão do Partido Liberal, a Álvaro Rodrigues de Azevedo, responsável pela cadeira de oratória, poética e literatura do Liceu Nacional do Funchal, procurador à Junta Geral e membro do Conselho de Distrito “como homenagem á elevada erudicção e aos nobres sentimentos que adornão a alma de v. excª, digne-se permittir que o seu nome respeitavel venha honrar este humilde trabalho, - debil producto da minha pobre intellingencia” (O Liberal, 15 de Dezembro de 1875, p 1). Publicou os romances Um Crime Célebre (1883), sob o pseudónimo de Alberto Didot, e Jorge (1875), como F. Arnault tendo sido possível estabelecer que Ciríaco assumiu o papel de “tradutor” de obras que ele próprio concebera, assinando sob pseudónimo. Ainda que não tenha sido possível determinar as razões pelas quais Brito Nóbrega se dizia tradutor do seu próprio trabalho, ter-se-á que assumir essa atitude como incontestável através da leitura da nota introdutória em Um Crime Célebre onde claramente assume Didot como sendo um pseudónimo: “Alberto Didot – um pseudonymo, - (...) foi inspirado por uma ideia, que julgou a mais feliz da sua vida: escrever um romance...”, o que entra em contrassenso com a nota final da mesma obra: “… [o] único merecimento [do leitor ler esta obra] é devido ao talento do auctor. O traductor para si não quer glorias. Com sinceridade: a tradução do romance nada vale.”(DIDOT, 1883). Este comportamento ambíguo na produção literária de Brito Nóbrega, que também se manifestou nos contos e novelas, quase sempre com forte cunho moralista, que publicou em diversos periódicos que assinou sob diversos pseudónimos (periódicos literários) pode ter estado na origem de uma contenda com o poeta Jaime Câmara, que lhe dedicou um opúsculo satírico intitulado Sátyra – O Funeral do Cyriaco. Ainda da autoria de Brito Nóbrega é o romance Os Mistérios do Funchal, cuja publicação data de 1881 pela Typographia do Diário da Madeira, numa edição dita “anónima”, mas que foi posteriormente a si atribuída numa recensão literária publicada no Diário de Notícias, provavelmente da autoria de Alfredo César de Oliveira (1840-1908), fundador do título matutino (Diário de Notícias, 28 de Agosto de 1881). De cunho marcadamente situado no âmbito da “Literatura de mistérios”, género muito em voga e com grande popularidade na época a que nos reportamos, a obra foi reeditada pela Imprensa Académica em 2018. Isabel de Brito Nóbrega, sua filha, terá seguido as pegadas do pai pelos caminhos da literatura pois figura na antologia de poetas da Madeira Musa Insular organizada por Luis Marino publicada em 1959 onde encontramos, entre outros, um soneto petrarquiano dedicado ao pai sob o título “Coração de Pai (trinta anos depois)”: naquela escura tarde em que partia / Sereno, as mãos em cruz, como a rezar, / Com ele se apartou, foi a enterrar / A luz que neste mundo incerto eu via (MARINO, 1959, 377). Com elevado sentido crítico e considerado por muitos um “polemista de largos recursos”, Brito Nóbrega era imbuído dos ideais liberais e refere-se entusiasticamente à fundação do jornal O Liberal, orgão do Partido Liberal na edição do periódico Aurora Liberal: “Appareceu um novo campeão das ideias democratas com o titulo de Liberal. O primeiro numero, apresentou-se grave e elegantemente redigido. Bemvindo sejaes, ó Liberal! Desejamo-vos um futuro brilhante e uma vida duradoura!” (Aurora Liberal, 21.12.1875). Faleceu no Funchal no dia 1 de abril de 1928 vítima de “sincope cardíaca” aos 72 anos. Obras de Ciríaco de Brito Nóbrega: A Visita de Suas Majestades os Reis de Portugal ao Arquipélago Madeirense: narração das Festas, Tipografia Esperança, Funchal, 1901; Os Mistérios do Funchal, Typographia do Diário da Madeira, 1881 e Imprensa Académica, 2018 ; O Perdão do Marido,Tipografia Esperança, Funchal, 1901; Um Crime Célebre, pseud. Alberto Didot, Funchal, Tipografia Popular, 1883; Um Marinheiro do Século XV, (co-autor.) Tipografia Esperança, Funchal, 1898; Jorge, de F. Arnault, (trad.) Funchal, 1875. teatro: A Roleta, apresentada em três actos pela Companhia Lírica italiana, sob a direcção do Maestro Petri, Funchal, 1889   Isilda Quintal Fernandes   artigos relacionados luzia (luísa susana grande de freitas lomelino) bettencourt, edmundo nunes, diocleciano francisco de assis periódicos literários (sécs. xix e xx)

Literatura Sociedade e Comunicação Social

a paixão do povo e a páscoa porta a porta

Durante o recato que caracteriza a época pascal existe espaço para as brincadeiras infantis e juvenis. Mas estes jogos são usados por todos, desempenhando talvez a função de distracção num período usado pelos Cristãos para a reflexão. Talvez se possa encontrar nesta prática semelhanças com práticas contemporâneas visíveis noutras latitudes, onde o desporto e o lazer surgem como uma forma de alterar as rotinas concentradas num determinado período. Lembramos a este propósito o que ocorre em Inglaterra com o designado Boxing Day. Jogos Tradicionais Esta é umas das recriações da tradição realizada pela Casa do Povo da Camacha, que se realiza na altura da Quaresma. Neste período, nesta vila serrana da Madeira não se ouviam tocar os instrumentos musicais, como noutras épocas do ano. O recato em respeito pelo sofrimento do Salvador era regra, pelo que nos dias de descanso o tempo era ocupado com diversos jogos, casos do “jogo do pião”, jogo do batoque (consiste derrubar uma rolha de cortiça colocada no chão, atirando moedas) ou o jogo do burro (placa no chão numerada à qual os participantes atiram rodelas de borracha, ganhando quem atingir maior numero de pontos) ou o “jogo das pedrinhas” e “saltar à corda”. Outros jogos populares são as escondidas, a bilhardeira ou o Jogo do lenço. Os Acólitos e o Espírito Santo Já no elucidário faz-se referência às comissões que constituídas com a coordenação do pároco para levar a efeito a celebração do Espírito Santo. Ainda segundo o Elucidário Madeirense, esta comissão é reconhecida “pelas capas encarnadas dos seus membros, um dos quais leva a coroa, outro o ceptro, outro a bandeira e um quarto o pendão”. Na Camacha tal comissão está a cargo do Grupo de Acólito da Paróquia da Camacha, que se fazem acompanhar por saloias e instrumentistas. Na Camacha as visitas ocorrem durante três dias, em que o ponto mais alto ocorre no Domingo com as visitas aos estabelecimentos comerciais, seguindo-se o cortejo do pão, realizado em benefício dos mais necessitados da freguesia. Banda Paroquial de São Lourenço. Fonte: www.paroquiadacamacha.com Banda Paroquial de São Lourenço Tem realizado um concerto, por altura das Páscoa. Fundada em 1973, pelo pároco António Joaquim Figueira Pestana Martinho. Ao seu lado esteve o primeiro ensaiador e maestro, o professor Raul Gomes Serrão, seguido pelo maestro José da Costa Miranda. Por ter sido fundada sob a égide da Fábrica da Igreja Paroquial da Camacha a banda recebeu o nome do padroeiro da freguesia (São Lourenço). Registe ainda o facto de ter sido das primeiras bandas em solo português a adoptar elementos do sexo feminino na sua formação. O estandarte ostenta as cores vermelhas (o sangue derramado por São Lourenço) e o branco (evocativo da sua santidade) e no centro a lira musical bordada a ouro, ladeada pela grelha e pela palma. Senhor dos Passos e procissão do Enterro do Senhor Este é o centro das cerimónias religiosas dedicadas à Páscoa. As cerimónias começam na Quinta-feira com o acto do Lava-Pés. Na Sexta, realiza-se a Procissão do Enterro do Senhor, que percorre o Largo da Achada, no centro da freguesia, procissão recuperada pelo actual pároco depois de uma interrupção de quarenta anos. No Sábado realiza-se a Vigília Pascal “com a bênção do círio Pascal e do lume novo”. Finalmente, no Domingo, é tempo dos cristãos celebrarem Cristo Ressuscitado, realizando a eucaristia pela manhã, seguida da Procissão, novamente em redor da Achada. Gastronomia típica da Páscoa A gastronomia da Páscoa na Madeira apresenta características comuns a todas as freguesias. Entre os pratos tidos como mais representativos desta época conta-se o bacalhau assado, o filete de espada e de atum e o atum de escabeche, acompanhado de salada, inhame, feijão e batatas. No Domingo de Páscoa volta-se a comer carne, sendo um dos pratos o borrego assado. Na doçaria, comprovando a riqueza da doçaria madeirense, relacionado com a outrora dinâmica açucareira na ilha, de que damos alguns exemplos como os torrões de açucar, bolos e doces de amêndoas. Da terra o Homem retira o tremoço, apreciado ao longo do ano a acompanhar uma cerveja ou um copo de “vinho seco”, mas muito associado a esta época.     textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho  

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares Religiões Rotas

o calor das lapinhas no natal de cada lugar

O Natal é uma festa universal mas em cada lugar ela assume particularidades que resultam da incorporação de elementos locais, ganhando caraterísticas únicas. O resultado desta relação é visível antes de mais na própria forma como se vive a Festa, mas vêem-se mais nitidamente nos encontros religiosos, exemplo das missas do parto e das manifestações materiais como a tão singular lapinha madeirense. Mas o Natal é também uma oportunidade para a delícia com as iguarias da época e os tradicionais cânticos de Natal. Igreja Nova da Camacha Depois da missa do parto com início às 6 horas da manhã, cerimónias de celebração do nascimento de Jesus Cristo, que se realizam a partir do dia 15 de dezembro diariamente, juntam-se festeiros, munidos dos instrumentos tradicionais. A participação nesta roda de instrumentos é livre, sendo que o número pode ultrapassar largamente a dezena. Ao mesmo tempo, distribuem-se as letras da quadras típicas da época, numa ação que tem sido realizada pelo Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha. Cantam-se a Virgem do Parto e Da Serra veio um Pastor, sendo que a primeira música apresenta a particularidade de o seu ritmo se ter tornado mais alegre e vivo por sugestão de um padre. Casa do Povo da Camacha A multidão que se junta no adro parte em romaria tendo por destino a Casa do Povo da Camacha. Aqui é servida uma sopa de feijão e uma sandes de carne em vinha d’alhos. É apresentado ainda um presépio em escadinha, um dos que se fazem no Natal madeirense, o qual é decorado com os produtos da terra entre os quais, a castanha e o trigo. Igreja do Rochão A romaria segue depois para a Igreja do Rochão, onde se repetem os cantares e onde também é apresentado um presépio, mas a visita e receção dos “romeiros” num casa particular é outra manifestação do Natal. O “estrangeiro”, no sentido bíblico de estranho, é recebido com licores e outras iguarias da época. Neste caso, a modernidade presenteada pela casa e pelo seu recheio, concorre com a tradição onde não falta o presépio em “lapinha”. Presépio em lapinha De acordo com Ana Maria Ribeiro (revista Xarabanda, 6), entre as representações de Natal considera-se distintos presépios (menos elaborados) e as lapinhas (mais elaboradas). Estas são de dois tipos, ou a “rochinha”, como neste caso, em que se faz a representação da paisagem, ou em escadinha. Mas segundo outras interpretações, é possível que o nome lapinha tenha origem no facto de representar rochas e grutas, local associado ao nascimento de Jesus Cristo, que na Madeira são conhecidos como “lapas”. A tasca do Sr. José Este estabelecimento abre apenas excecionalmente em alturas festivas, casos do dia 21 de dezembro, em que a manhã é animada no centro da freguesia por força da missa do parto. Particularmente neste dia assistem à missa do parto fiéis ou zelosos da tradição da Camacha e de outras freguesias da Madeira. Nesta antiga padaria, onde ainda se vê o forno, serve-se diversas infusões, entre as quais a de camomila, que se carateriza pela suavidade.   textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho

Cultura e Tradições Populares Rotas

a arte da tradição e de ser artesão

Se os artesãos moldam as formas dos artefatos tradicionais, em simultâneo procedem igualmente à reinterpretação do legado. Na demanda diária as pequenas transformações da tradição não são visíveis, reafirmando-se neste contexto a sua pureza. As transformações são descortinadas apenas quando analisadas na perspetiva diacrónica ou através de inovadores movimentos trazidos por novos artesãos, os quais são influenciados por dinâmicas externas. É esta mescla de perspetivas sociais e de motivações idiossincráticas relativas aos próprios artistas que transforma constantemente a tradição. Isabel da Eira Isabel da Eira é fiandeira e tece barretes de orelhas, ou barretes de vilão, conhecidos pelo menos desde 1857. Fá-lo desde os 14 anos de idade com um rigor que os torna peças de artesanato consideradas de boa qualidade. Este barrete de orelhas é um dos que eram usados na Madeira, conhecendo-se variação entre as localidades, sendo preparados juntamente com os casacos para as condições meteorológicas extremas da alta montanha. A textura macia da lã resulta do modo como se fia e Isabel da Eira é considerada uma excelente fiandeira, sendo o seu trabalho reconhecido entre os colegas de actividade. As etapas da preparação consistem no lavar, secar, cardar e fiar. O Borracheiro Este bar tem uma relação especial com a história do transporte de carga da Madeira e, em particular, com a história dos borracheiros. A carga na ilha da Madeira era transportada por veredas e pelos Caminhos Reais. Este ponto situa-se num dos extremos da vereda que liga ao Porto da Cruz, terra de vinho. Os borracheiros, assim designados porque transportavam o vinho nos borrachos, avançavam em grupo de entre dez a quinze homens. Aqui chegados, anunciavam-se com o toque do búzio, instrumento musical que os acompanhava nas viagens e que servia de comunicação. Maria Vasconcelos Iniciou a aprendizagem da tapeçaria aos treze anos por vontade própria, e seguiu o modelo comum na época. Aprendeu com uma artesã, a quem eram reconhecidas competências pedagógicas, a troco de remuneração, enquadrando-se numa lógica particular de investimento educativo semelhante ao que ocorre na actualidade. A formação durou sete meses e incentivou a autonomia. Para além dos tapetes de retalhos, caraterizados pela criatividade quanto aos padrões e cores, as quais dependem na maior parte das vezes dos retalhos que os clientes trazem, tece casacos de lã numa parceria com a fiandeira Isabel da Eira, sendo a responsabilidade quanto às decisões relativas ao trabalho nas suas diversas dimensões partilhada. Artesão Humberto Ex-pedreiro, com o abrandar da construção civil na Madeira, iniciou a atividade de artesão em 2007. Faz peças em madeira para fins de natureza diversa: móveis, utensílios diversos, brinquedos, miniaturas, carrinhos de mão, colheres de pau, piões, bengalas. As peças são vendidas nas diversas feiras que se realizam na ilha. Café Relógio Um dos espaços que facilmente se associam ao vime, o Café Relógio, está de forma directa relacionado com a história da indústria, dado que para além de comerciar vimes, alberga uma oficina onde se pode ver a execução do trabalho pelos artesãos. Para além deste facto, a torre do edifício alberga um relógio, originário da Igreja Paroquial de Walton, em Liverpool, e é um símbolo da presença inglesa na freguesia, havendo sido mandada construir pelo Drº Michael Graham no que era, na época, a Quinta da Camacha, sua propriedade. Realce-se que a comunidade inglesa na ilha da Madeira desempenhou um papel importante no desenvolvimento de algumas artes tradicionais da freguesia, casos do bordado e do próprio vime. Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho  

Cultura e Tradições Populares Rotas Madeira Cultural

luzia (luísa susana grande de freitas lomelino)

  Luísa Susana Grande de Freitas Lomelino, cujo pseudónimo era Luzia, nasceu a 15 de Fevereiro de 1875, em Portalegre (cf. Registo de batismo de Luísa Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). O pai era o capitão Eduardo Dias Grande, bisneto do Dr. Francisco Grande e Metelo, este último nascido em 1755 na freguesia de Galinde, reino de Leon, e formado pela Universidade de Salamanca. Dr. Francisco Grande e Metelo casou em 1797 com D. Antónia Isabel Caldeira d’Andrade, natural do Crato e oriunda de uma família brasonada, fixando a sua residência em Portalegre. Dos sete filhos do casal, apenas uma teve descendência, Antónia Benedita Grande e Caldeira (CONDE, 1990, p.40). Luzia com 26 anos de idade. Fotografia tirada em 12 de Março de 1901, chapa nº 19.009, Luísa Grande de Freitas Lomelino, espólio de José de Sainz-Trueva, Arquivo Regional da Madeira. O pai de Luzia tinha dois irmãos, o general José Maria Grande e D. Sofia Cândida Dias Grande, que foram os padrinhos de Luzia (cf. Registo de batismo de Luísa Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). Eduardo Dias Grande foi Secretário-geral do Governo Civil do Distrito do Funchal (CLODE, 1983, p.251) e casou com uma rapariga da alta sociedade madeirense, Luísa de Freitas Lomelino, filha do morgado da Quinta das Cruzes, Nuno de Freitas Lomelino e D. Ana Welsh de Freitas Lomelino provenientes de uma antiga família madeirense, «Os primeiros deste apelido que passaram à Madeira, por 1470, foram Urbano Lomelino e seu irmão Baptista Lomelino, aristocratas de Génova, que fizeram assento em Santa Cruz» (CLODE, 1950, p. 188). Do casamento de Eduardo Dias Grande e Luísa de Freitas Lomelino nasce a primeira filha do casal, Ana Luísa, a 7 de Dezembro de 1867, na freguesia de S. Pedro, no Funchal (cf. Registo de batismo de Ana Luísa, Arquivo Regional da Madeira, livro 1372). Luzia nasce oito anos depois, já no continente, e logo ao nascer, o seu percurso de vida fica marcado por uma ausência, a da mãe, que morre após o parto (cf. Registo de óbito de Luísa Lomelino Dias Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). Escreve José Martins dos Santos Conde que «a infeliz criança, envolta num cobertor, foi imediatamente transportada da casa onde nasceu, na Rua 1º de Maio, para a casa grande de sacadas de ferro, na Rua dos Canastreiros, onde morava a tia Sofia Cândida» (CONDE, 1990, p.40). O mesmo autor refere também que foi com a tia que Luzia viveu dois períodos importantes da sua vida: os seis meses que passou com ela quando nasceu, e, mais tarde, aos nove anos, quando é mandada de novo para casa da tia Sofia. Ao fim dos seis meses passados em Portalegre, o pai de Luzia, que sofria de uma grave doença pulmonar, decidiu mudar-se para a Madeira com as duas filhas, em busca de um clima mais favorável à sua doença. Foram viver para a Quinta das Cruzes (homónima da de Portalegre), propriedade dos avós maternos de Luzia (CONDE, 1990, p.42). Com nove anos apenas, Luzia vê a vida levar-lhe a pessoa que mais adora, o pai, que falece vítima de tuberculose. Aos catorze anos, é enviada pelos tios para o colégio das Salesas, em Lisboa (CONDE, 1990, p.42). Atingida a maioridade, Luísa «viveu algum tempo em Lisboa em casa dos viscondes de Geraz de Lima. Seguidamente acompanhou-os até à Madeira e passou a residir em casa da avó Ana, na Rua dos Netos, nº 19» (CONDE, 1990, p.42). É na Madeira que Luzia casa com Francisco João de Vasconcelos, a 4 de Abril de 1896 (cf. Registo de casamento de Luísa Grande de Freitas Lomelino e Francisco João de Vasconcelos Couto Cardoso, Livro 6814 A, Arquivo Regional da Madeira). Após os primeiros tempos na Quinta das Cruzes, os noivos rumaram ao Jardim do Mar e passaram a residir no Solar de Nossa Senhora da Piedade. Mas o casal não era feliz, e a Lei do Divórcio (de 3 de Novembro de 1910), que foi um dos primeiros atos legislativos do Governo Provisório saído da revolução de 5 de Outubro 1910, foi imediatamente aproveitada por Luzia. A 19 de Novembro de 1911, Luzia escreve no seu Jornal: «Seulette, seulette, sans compagnon ni maître… E agora, julgo que para sempre. Mas não me sinto feliz… Ai de mim! Ai de todos nós! Passamos a vida a dizer: se não fosse isto, se tivéssemos aquilo… Isto deixa de ser, temos enfim aquilo, e ri dos nossos vãos, temerários “ses”, a cruel, irónica felicidade!...» (CONDE, 1990, p.51). Posteriormente a esta fase da sua vida, Luzia vai ainda passar por grandes sofrimentos, já que para além do divórcio, terá vários problemas de saúde dos quais a tuberculose (SAINZ – TRUEVA, nº 20, 1989, p. 304) e a neurastenia, cultivará a solidão, com receio de uma nova desilusão, o que quase a conduziu à loucura, à destruição dos seus sonhos, a um desequilíbrio emocional e físico que a levaram a desejar a morte. Luzia recorre a um sanatório em França para se restabelecer e após esse período passa anos de uma interessante vida intelectual, tendo começado a publicar os seus livros, envolvendo-se na vida em sociedade, que era circunscrita a um pequeno mundo elegante, e inicia as suas viagens pelo estrangeiro Luzia, pelas várias terras pelas quais vai passando, sente a nostalgia de todos os lugares por onde foi deitando raízes (LUZIA, 1923, p. 172), como refere, em Cartas do Campo e da Cidade, mas à medida que os anos vão passando é da Madeira que sente mais falta, «a Madeira parece-me a minha terra de promissão onde hei de enfim descansar de tantos temporais que têm batido a minha pobre vida» (SOARES, s.d., p. 72). Tendo passado algum tempo nas terras portuguesas do norte, no Buçaco, nas suas estâncias de águas, decide voltar à Madeira. Nos primeiros anos, no Funchal, tudo lhe correu a seu gosto, num ambiente calmo e alegre, como refere Feliciano Soares: «Depois de vagabundear por hotéis, instalou-se logo adiante da Ponte Monumental, de tão estranha, impressionante paisagem, na quinta Nogueira de que ela, com os seus quadros, as estantes dos seus livros ricamente encadernados, as suas flores sempre renovadas, fez um petit chateau de France» (SOARES, s.d., p. 82). Luzia mudou-se da Quinta da Nogueira para a Quinta Carlos Alberto, na rua do Jasmineiro, número 3, onde, como constata Feliciano Soares, mão amiga lhe proporcionou o seu cantinho confortável e convidativo, pois Luzia não suportava qualquer esforço físico, e, desde que se mudou, «todos os males do mundo nela se reuniram para lhe demolirem a vida, numa lentidão tal que os seus amigos chegavam a iludir-se sobre a gravidade do seu estado» (SOARES, s.d., p. 86). Luzia deixara de se queixar, mostrando relativa boa disposição. Mais tarde, vem a confessar que «olhando o inaudito sofrimento da humanidade inteira, não se sentia com o direito de se queixar» (SOARES, s.d., p. 86). Os achaques foram-se multiplicando, o declínio acentuava-se, os médicos redobravam os cuidados e os amigos começavam a alarmar-se. Após sofrimentos físicos e morais que se prolongaram ao longo da vida, Luzia falece a 10 de Dezembro de 1945, pelas 14h, na Quinta Carlos Alberto (cf. Registo de óbito de Luísa Grande, nº 1569, Arquivo Regional da Madeira). Relativamente ao seu percurso literário, é desde tenra idade que Luzia sonha ser escritora. O seu primeiro conto é publicado a 8 de Janeiro de 1894, no Correio da Manhã (cf. Correio da Manhã, 08.01.1894, “A lenda das estrelas”). Luzia colaborou também na imprensa da Madeira, com o pseudónimo de Lady Butterfly (SOARES, s.d., p. 14).O lançamento do primeiro livro de Luzia, Os que se divertem, a comédia da vida, aconteceu quando a escritora tinha já quarenta e cinco anos, em 1920, e não foi uma surpresa no mundo das letras portuguesas. Como refere Feliciano Soares, na frequência assídua do salão de Maria Amália Vaz de Carvalho, Luzia foi conhecida de perto e logo admirada. Dir-se-ia que já se esperava que ela se afirmasse grande desde a primeira hora. O sucesso foi enorme e imediato e a obra conheceu três edições, a primeira em 1920 (229 pp.), a segunda em que não aparece data de publicação (223 pp.) e a terceira edição em 1929 (305 pp.), esta última uma edição aumentada e com ilustrações de Bernardo Marques (nesta edição novos capítulos são acrescentados, mas um é retirado, “As Cartas de Clara”, sendo substituído pelo capítulo “A Récita de Caridade”, já publicado em Rindo e Chorando). Os que se divertem, a comédia da vida é um retrato da alta sociedade em que Luzia se movimentava. Os novos e velhos ricos, os vestidos, os eventos, a sociedade das aparências em que se movia são simultaneamente cenário e protagonistas das suas histórias. A ironia prevalece praticamente sobre todos os quadros que “pinta”, apontando os ridículos do que a rodeia. Dos retratos mais comuns, aparece o das mulheres: a mulher vaidosa, que só se importa com a aparência e tudo faz para ocultar a idade; a mulher que inveja, que desdenha das amigas íntimas e de outras mulheres; a escrava do chic; a intriguista; os flirts; as novas-ricas com seu mau gosto, a falta de cultura e educação; entre outras situações ridículas e pequenas. Rindo e Chorando (291 pp.) é publicado dois anos depois, em 1922, e mantém os mesmos traços e até as mesmas personagens do livro anterior. Sente-se quase como uma continuação das “comédias da vida”, mas revela uma ironia mais trágica que faz o leitor flutuar entre episódios de riso genuíno e de sorriso amargurado, de tão terrível que pode ser a ironia da vida. Cartas do campo e da cidade vem a público em 1923 (222 pp.), e, tal como o próprio nome indica, situa-se entre as paisagens e ambientes opostos destes dois lugares: das quarenta e quatro cartas, vinte e oito são escritas na cidade, algumas em Lisboa, outras no Funchal, e dezasseis no campo, a maioria delas nas Quintas de Portalegre. Cartas d’uma vagabunda é o quarto livro de Luzia (310 pp.), no qual não aparece a data de publicação. Esta obra revela a enorme paixão que Luzia tem pela epistolografia e como ela própria se destaca neste género. Nas cartas, Luzia testemunha que acaba de chegar de França e descreve como encontra Lisboa e os seus hotéis favoritos. Depois de instalada, retrata de novo a cidade e os seus ridículos. Nada escapa ao olhar de Luzia, dos políticos à moda, dos hábitos culturais à alta sociedade, todos são alvo da sua ironia. Mas um grupo em particular é alvo do seu mais violento sarcasmo, os novos-ricos. Nesta obra, Luzia continua a caracterizar-se pela sua irreverência, não faltando exemplos, como o trecho: «Parece-me que escolheste péssima conselheira. Por distração e... talvez por um bocadinho de implicação também, faço sempre o contrário do que o código elegante manda fazer» (LUZIA, s.d., p.31). Em Cartas d’uma vagabunda, Luzia também relembra os doces momentos passados no colégio das Salesas, e algumas das histórias da temporada passada em Pau, no sanatório, fazendo referência ao conflito mundial que o mundo tinha atravessado. A chegada a Portugal, a estadia em Lisboa, seguidamente, em Pedras Salgadas e, por fim, de novo a sua amada França. É o percurso que Cartas d’uma vagabunda leva o leitor a fazer. Sobre a vida…sobre a morte, máximas e reflexões surge em 1931 (84 pp.) e é um livro de pequeno formato em que Luzia faz reflexões sobre o que lhe ensinaram as suas vivências, iniciando um diálogo com a morte. Tem cinquenta e seis anos e abate-se sobre a sua alma a desilusão de sonhos desfeitos, de uma vida muito sofrida até ao momento: «Não sejas tão severo com os novos. Lembra-te que já seguiste a sua esperança e que eles caminham já para a tua desilusão…» (LUZIA, 1932, p.45). Como refere José Martins dos Santos Conde, Luzia, inteligente, culta e viajada, já sofrera «a morte dos seres mais queridos, a separação cruel do marido gastador e os espinhos da depressão e da doença, estava credenciada para transmitir aos menos experientes, em forma de breves sentenças e avisos, as suas experiências sobre a vida e os seus pensamentos sobre a morte» (CONDE, 1990, p.23). Almas e terras onde eu passei é publicado em 1936 (285 pp.) e é constituído por relatos de fragmentos da vida de Luzia, pedaços de memórias, das pessoas, das coisas e dos lugares por onde passou. O texto fixa impressões dos tempos vividos no Jardim do Mar, pedaços de histórias vividas em Portalegre, as “personagens” que com ela conviviam no sanatório, a vida elegante de Lisboa, o colégio das Salesas, a Madeira, a revolução, os seus bem-amados livros, entre muitos outros assuntos. Tudo desfila, de forma aprazível e bem contada, com toques de nostalgia e saudade, perante o leitor. Última Rosa de Verão (cartas de mulheres) surge quatro anos depois, em 1940 (329 pp.), com toda a probabilidade inspirado na leitura de Chéri (1920), da escritora francesa Colette, conta a história de Ana Guiomar, que é incumbida de “educar” o primo da sua amiga íntima Maria do Carmo, que vai uns tempos para fora. O primo de Maria do Carmo, Nuno, tem metade da idade de Ana Guiomar, e com a convivência ambos se apaixonam. O romance entre os dois é contado maioritariamente em cartas escritas de Ana Guiomar a Nuno. Como Conde refere, «manejando o género epistolar com a destreza que já lhe conhecemos – neste caso o uso da carta poderá ser um artifício literário – Luzia consegue uma perfeita urdidura de romance» (CONDE, 1990, p.26). São aqui retratados um amor impossível, a expressão de genuínos sentimentos e as condenações sociais. As semelhanças com a história de vida são evidentes. A morte da mãe de Ana Guiomar, o marido que a despreza, o divórcio, as vivências de infância, tudo no romance encontra um paralelo com vida real de Luzia. Como sublinha José Martins dos Santos Conde, «Luzia está aqui retratada de corpo e alma. Ninguém diga que este romance não é profundamente autobiográfico» (CONDE, 1990, p.28). Quatro anos antes da sua morte, em 1941, Luzia lança Lições da Vida, Impressões e Comentários (108 pp), mais um livro de pequeno formato, com reflexões sobre as efemeridades da vida, o amor, a beleza, as ilusões, os sonhos, a morte. Dias que já lá vão foi publicado um ano depois da morte de Luzia, em 1946(248 pp.), pois: «apesar de muito doente e quase cega Luzia continuava a escrever. Estava preparando um novo livro, intitulado Dias que já lá vão. Não teve tempo de o acabar» (CONDE, 1990, p.32), conta J. Conde. A edição apresenta um prefácio de Fernanda de Castro e Teresa Leitão, com ilustrações de Anne Marie Jauss. A maior parte das narrativas deste livro lembram os episódios da infância de Luzia em Portalegre, o início da sua paixão pelos livros, as aulas em casa, os invernos rudes que passava de livro na mão em frente à lareira, e descrevem a Quinta das Assomadas, nos meses de bom tempo, que fazia as suas delícias, cheia de flores campestres, águas da ribeira, onde brincava com a sua amiga Georgina e fingia ser D. Quixote. Os episódios do livro constituintes da segunda parte não sofreram os retoques da autora e isso faz-se notar. Sobressai um estilo definido pelo ritmo dos apontamentos, a que Luzia teria acrescentado sem dúvida graça e vivacidade se tivesse tido oportunidade de os trabalhar. José Martins dos Santos Conde refere que, logo após Luzia ter publicado o romance Última Rosa de Verão, tencionava editar um original intitulado Pelos Caminhos da Vida, e, de facto, é o que é anunciado na página seguinte à capa de Última Rosa de Verão, referindo-se à preparação daquela obra. O mesmo autor esclarece: «Desconhecemos os motivos por que o original em causa, já datilografado e rigorosamente corrigido, não chegou nunca a ser editado. Há, no entanto, uma suposição, que é quase uma evidência: as referências constantes a pessoas ainda vivas poderiam vir a melindrar muita gente» (CONDE, 1990, p.32). O estudioso informa que o inédito Pelos Caminhos da Vida tem como subtítulo Jornal, e trata-se, na verdade, de um diário íntimo da autora, de trezentas e cinquenta e nove páginas datilografadas. Abrangendo um período que vai de 24 de Julho de 1902 a 10 de Maio de 1915, Luzia começa-o com vinte e sete anos, quando era casada, e termina-o quando tinha já quarenta, depois do divórcio, na fase da sua vida em que não queria nada, apenas morrer. Apesar de Luzia ser uma presença estimada, e de se pressentirem naquela alma tantos sonhos, adivinhava-se também nela uma imensa solidão. Luzia redigiu uma última versão do seu testamento a 21 de Julho de 1945, no qual integrou dois apontamentos referentes às suas obras e aos seus papéis que deixou a duas amigas distintas: Laura de Castro Soares e Teresa Leitão de Barros. Laura de Castro, que usou o pseudónimo de Maria Francisca Teresa, nasceu no Funchal em 1870 e casou com o escritor e jornalista de Aveiro, Feliciano Soares. Foi a grande e íntima amiga de Luzia, desde a infância (CRUZ, III volume, 1953, p.49). No seu testamento Luzia escreve: «Lego à minha amiga Laura de Castro Soares a quantia de dez mil escudos, um anel rodeado de pérolas que pertenceu à sua mãe, o par de castiçais de prata que está na sala, uma bolsa de prata antiga e ainda todas as minhas cartas, papeis e retratos podendo-lhes dar o destino que quiser» (cf. Testamento de Luísa Grande, Arquivo Regional da Madeira). É a esta amiga que Luzia confia os seus papéis mais privados, todas as cartas, todos os retratos e também todos os diários íntimos, não deixando a nenhum familiar o precioso legado. Tal como não é a nenhum familiar que Luzia entrega a propriedade das suas obras e os seus inéditos que tinha deixado prontos para publicação, mas sim à amiga de Lisboa, Teresa Leitão de Barros, jornalista e escritora: «Deixo a Teresa Leitão de Barros, residente em Lisboa, a quantia de vinte mil escudos e a propriedade de todos os livros escritos e publicados por mim, a minha maior bandeja de prata e um tinteiro antigo de latão amarelo» (cf. Testamento de Luísa Grande, Arquivo Regional da Madeira). Após a morte de Luzia, Teresa Leitão de Barros, em parceria com Fernanda de Castro, publicam o livro Dias que já lá vão, a obra que Luzia tinha começado, mas que tinha deixado a meio. Não se consegue compreender o porquê desta escolha das escritoras, pois Luzia tinha deixado Pelos Caminhos da vida, Jornal I, já pronto para ser editado, estava dactilografado e rigorosamente corrigido. Foram várias as personalidades que depois da morte de Luzia a continuaram a referenciar e elogiar nos anos seguintes. O Visconde do Porto da Cruz refere que, depois de Maria Amália Vaz de Carvalho, Luzia foi a Senhora que mais ilustrou a Literatura feminina de Portugal: «Pelo seu imenso talento, pela sua vastíssima cultura literária e pela elegância do seu estilo, foi uma das maiores Escritoras de Portugal» (CRUZ, III volume, 1953, p.85). Um interessante livrinho composto de recortes de notícias sobre Luzia, bem como alguns inéditos da mesma, e sem autor, encontrado na biblioteca da Universidade da Madeira, testemunha que, em 1956, por algum motivo que se desconhece, foi feita uma grande evocação a Luzia na imprensa madeirense, bem como na nacional. Um dos artigos é considerado um texto inédito de Feliciano Soares, grande amigo de Luzia que acompanhou de perto a sua vida literária, e que já tinha falecido na data desta evocação à escritora. Neste artigo, Feliciano Soares revela um acontecimento extremamente importante e que demonstra o quanto Luzia era lida, reconhecida e apreciada na sua época: «É ainda digno de nota o facto de que quando a Lisboa chegou a dolorosa notícia do falecimento de Luzia, as livrarias exporem nas suas montras, lado a lado, os livros de Eça e os de Luzia» (Evocação de Luzia, no 11º aniversário da sua morte, Funchal, s.e., s.d.). Mesmo depois da sua morte, Luzia continuou a ser referenciada e elogiada, existindo um consenso comum entre as personalidades da época em considerar Luzia como uma das maiores escritoras portuguesas, existindo a convicção de que Luzia tinha criado uma obra que jamais seria destruída com o passar do tempo. Obras de Luzia:“A lenda das estrelas” in Correio da Manhã, 08.01.1894. Os que se divertem, A comédia da vida, 1ª edição, Lisboa, s.e., 1920. Os que se divertem, A comédia da vida, 2ª edição, Lisboa, Guimarães &C.ª, s.d. Os que se divertem, A comédia da vida, 3ª edição aumentada e com ilustrações de Bernardo Marques, Lisboa, s.e., 1929. Rindo e Chorando, Lisboa, Portugália, 1922. Cartas do Campo e da Cidade, Lisboa, Portugália, 1923. Cartas d’uma Vagabunda, Lisboa, Portugália, s.d. Sobre a vida…sobre a morte, máximas e reflexões, Lisboa, s.e., 1931. Almas e terras onde eu passei, Lisboa, Edições Europa, 1936. Última Rosa de Verão, Lisboa, Portugália, 1940. Lições da vida, Lisboa, Portugália, 1941. Dias que já lá vão, Porto, Livraria Tavares Martins, 1946. “Ruas”, Bem Viver (dir. Fernanda Castro), ano 1, n.º 7, 1953, Lisboa.   Cláudia Sofia Neves   artigos relacionados nogueiras, viscondessa das areosa, matilde das neves e melo matos soares, laura veridiana castro e almeida (pseud. maria francisca teresa) fernandes, olímpia pio

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