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Como resultado da rutura de relações entre Portugal e a Santa Sé provocada pela implantação definitiva do liberalismo em Portugal, em 1834, as dioceses do reino sofreram um processo de vacatura. No Funchal, durante o período de 10 anos que durou essa situação, o governo do bispado esteve entregue a um franciscano egresso, António Alfredo de Santa Catarina Braga (c. 1795-c.1845), entre 1834 e 1840, e, depois, ao cabido. Só quando se repôs a normalidade nas relações entre o reino e Roma teve lugar a indigitação de novo prelado, tendo a escolha recaído na pessoa de D. José Xavier de Cerveira e Sousa, natural de Mogofores, onde nascera a 27 de novembro de 1797. Filho de um magistrado, o Dr. José Xavier Cerveira, e de D. Rosa Joaquina Cerveira de Sousa, estudou teologia em Coimbra, em cuja universidade se doutorou e foi docente até ser escolhido para o desempenho de funções episcopais na Madeira. Confirmado bispo em 14 de junho de 1843, foi sagrado a 2 de junho de 1844, e chegou à Madeira a 8 de julho do mesmo ano. Ao tomar, presencialmente, contacto com a diocese, deparou com um território perturbado pela presença e ação prosélita do reverendo Robert Reid Kalley (1809-1888), que, como membro da igreja presbiteriana escocesa e grande pregador, tinha conseguido arregimentar um considerável número de madeirenses, os quais, com alguma facilidade, trocavam o seu catolicismo tradicional pelas novas ideias protestantes. Robert Kalley era um médico e pastor escocês que, em 1838, se fixara na Madeira acompanhado pela mulher, Margaret Crawford. Para poder exercer medicina em Portugal, fora a Lisboa, em 1839, matricular-se na faculdade de Medicina, a qual, nesse mesmo ano, o declarou apto para exercer em território nacional. Regressado à Madeira, o reverendo Robert Kalley abriu então um consultório tendo primeiramente em vista atender pacientes ingleses da já grande colónia britânica fixada na Ilha, mas logo depois estendeu a sua ação aos madeirenses pobres, que atendia gratuitamente. Ajudado pelos fundos disponibilizados pelos comerciantes ingleses, pôde abrir um pequeno hospital de 12 camas, onde atendia e tratava os madeirenses de menos recursos, alargando, depois, a sua ação à difusão do ensino primário, para o qual abriu várias escolas espalhadas pela parte oriental da Madeira, nas zonas de Santa Cruz, Santo da Serra, Machico e Porto da Cruz, onde ele próprio assumiu funções de alfabetização. Atendendo a que as autoridades portuguesas pouca atenção dedicavam, na altura, quer à generalização da educação, quer à prestação de cuidados de saúde aos mais desfavorecidos, cedo a fama de benemérito do reverendo Kalley se consolidou, valendo-lhe os maiores elogios de todos os quadrantes sociais da Madeira e até da própria câmara municipal do Funchal, que, em maio de 1841, publicamente o louvou pela atividade filantrópica. Aproveitando a onda de simpatia gerada à sua volta, o reverendo Kalley iniciou, então, uma campanha de conversão ao protestantismo que, graças às suas qualidades oratórias e ao reconhecimento do seu trabalho meritório na assistência social, rapidamente conquistou um inusitado número de adeptos, começando a preocupar as autoridades. As notícias destas conversões terão chegado a Lisboa em 1841, vindo de lá ordens para o deão da sé, Dr. Januário Vicente Camacho, no sentido de travar a campanha evangelizadora. Apesar destas determinações, o Dr. Januário Camacho, amigo pessoal do reverendo Kalley e antigo exilado em Inglaterra por razões políticas, não agiu com a assertividade que o momento requeria, pelo que, em vez do pretendido esmorecimento do proselitismo protestante, assistiu-se, pelo contrário, a um aumento da sua atividade, patente, por exemplo, na adoção da Bíblia protestante como fonte de textos usados nas escolas fundadas por Kalley. A agravar esta conjuntura, já de si complexa, a Madeira sofreu, em 1842, uma grande aluvião que veio maximizar os efeitos da crise económica que já se sentia como reflexo das alterações do contexto político, fazendo grassar a fome por todo o arquipélago. A degradação das condições de vida na Madeira teria, também, contribuído para o engrossar das fileiras dos seguidores de Kalley, fenómeno que, em 1843, começou a gerar grande apreensão por parte das autoridades insulares. Essa preocupação revelou-se, por exemplo, em advertências do administrador do concelho do Funchal ao pastor, no sentido de não falar de religião aos madeirenses, e em alertas do governador, Domingos Olavo Correia de Azevedo, à população, salientando a ilegalidade do culto protestante. Por outro lado, a Igreja também reagia, e instaurava processos por heresia a dois convertidos. A imprensa juntou-se ao coro das críticas, chegando o periódico católico O Imparcial a recomendar o chicote, a forca e a fogueira como únicos meios capazes de travar a progressão das ideias calvinistas. O governador, por seu turno, continuava a oficiar para Lisboa, informando da marcha dos acontecimentos, que se sentia incapaz de travar, e pedindo auxílio à rainha, a quem solicitava que as notícias fossem comunicadas. A 23 de maio de 1843, o governador chegou a um entendimento com o reverendo, que garantiu não voltar a receber madeirenses nas suas práticas, compromisso que violou logo um dia depois. Em julho do mesmo ano, instaurou-se a Kalley um processo-crime no tribunal do Funchal, do qual resultou a prisão do pastor e de 26 seguidores. Encarcerado durante seis meses, o reverendo foi, depois, libertado por diligências da comunidade inglesa, de novo retomando as suas atividades, para as quais tinha conseguido mais financiamento no decurso de uma viagem que efetuou a Inglaterra. Foi este o conturbado contexto com que deparou o novo bispo do Funchal, que, ao desembarcar na Ilha em 8 de julho de 1844, logo meteu mãos à complicada obra que o aguardava, publicando uma pastoral com data de 13 do mesmo mês, na qual, depois de declarar que por várias vezes declinara a mitra, passava a louvar o clero diocesano que reputava de respeitável, conspícuo e benemérito, para além de muito competente para dirigir o rebanho, numa alusão, ainda que velada, à ausência de necessidade de recurso a outros pastores. Mais abertamente, logo depois referia-se aos dias de tribulação por que passava a Ilha, sujeita ao cisma e à heresia, contra os quais apontava a firmeza na fé como solução, exortando os fiéis a permanecerem constantes na crença dos antepassados. Depois deste, e antes de o ano findar, saíram à luz outros três textos, mais ásperos, e todos voltados para o combate à heresia. Aproveitando os recursos que a época disponibilizava, D. José Cerveira e Sousa fazia igualmente publicar na imprensa, dois dias depois, uma exortação pastoral consonante com o texto referido, pretendendo assim alcançar um público o mais vasto possível, o mesmo acontecendo com outras determinações episcopais que também serão anunciadas em periódicos. Ciente dos efeitos que a crise económica tinha sobre a população, o bispo alertava também contra o impacto que as fingidas ações de beneficência traduzidas “num capcioso bocado de pão” produziam no povo, falando da importância de se não cair nas garras do “lobo” (ARM, Arquivo Paroquial do Episcopado do Funchal, doc. 411, fl. 17). A produção de tantas pastorais num tão curto espaço de tempo dá bem a medida da inquietação do bispo, que se começava a ver impotente para deter o avanço das conversões de Kalley, e explica que, logo em janeiro de 1845, o prelado tenha continuado o seu labor com mais um documento em que, desta feita, aplicava à Madeira o resultado de uma súplica para que se diminuíssem os dias santos, por se considerar que eram sério obstáculo ao trabalho necessário à sobrevivência em tempos tão difíceis. O mesmo texto dava, ainda, conta da ausência de Kalley para Inglaterra, apelando à população para que aproveitasse o momento para se purificar do “mortífero veneno” que a atingira (Ibid., fl. 18). Perante o regresso do pastor protestante, D. José Cerveira e Sousa, desiludido com a falta de resposta positiva às suas repetidas exortações, decidiu trocar a Ilha pelo reino, invocando, a 12 de fevereiro de 1846, um débil estado de saúde, o cansaço da administração e a necessidade de pessoalmente resolver alguns negócios, deixando, por algum tempo, o governo da diocese ao provisor do bispado. Sem conseguir prever o rumo dos acontecimentos, despedia-se, considerando que aquela exortação pudesse ser “talvez, Deos o sabe, […] a ultima que vos dirigimos” (Ibid., fl. 21). A 2 de agosto de 1846, contudo, deu-se um volta-face na situação do reverendo Kalley, que viu alguns seguidores perseguidos pela população. Travado o processo pela polícia, reacendeu-se poucos dias depois, quando, a 8 e 9 do mesmo mês, se registaram novos incidentes em que foram visados habitantes “calvinistas” de Santo António da Serra e do Lombo das Faias, expulsos das suas residências, as quais acabaram pasto das chamas. No mesmo dia 9 também a casa do próprio reverendo foi objeto da fúria popular, que a invadiu na esperança de encontrar o pastor. Este, contudo, avisado a tempo, tinha conseguido refugiar-se, embarcando no dia seguinte, disfarçado de mulher, num barco inglês que o levou para não mais voltar. Este ponto final na questão Kalley na Ilha não pôde deixar de agradar ao prelado, que graças a ele e em resposta à chamada do novo governador, José Silvestre Pereira, se aprestou a regressar, congratulando-se, a 30 de outubro de 1846, pela devolução do seu rebanho que, depois de dilacerado por “esse lobo da Escócia”, era exortado a retornar ao redil do catolicismo (Ibid., fl. 32). José Silvestre Ribeiro, empossado como governador a 7 de outubro de 1846, ficara, à sua chegada ao Funchal, consternado com dois aspetos da vida na Ilha: um enorme fluxo migratório para Demerara e outros pontos da América do Sul e a devastadora miséria que assolava os residentes. Para fazer face a esse cenário desolador, o governador encetou, de imediato, contactos com diversas personalidades locais, nomeadamente com autoridades eclesiásticas, e a 13 de outubro enviava para o reino um pedido de urgente regresso de D. José Cerveira e Sousa, o qual foi, como se viu, prontamente correspondido. Na procura de soluções incluiu o governador a reativação de uma Comissão Central de Auxílio que então se passou a designar Comissão de Socorros Públicos, de cuja presidência encarregou o prelado. Este foi apenas um dos sinais do apreço que Silvestre Ribeiro tinha pelo bispo, mas outros se podem encontrar no período de tempo em que coexistiram na Madeira. Um deles foi a nova indigitação do prelado para presidir ao Asilo de Mendicidade, que o governador fez acompanhar de sentido agradecimento da “inestimável fineza” de que dera provas D. José Cerveira de Sousa ao aceitar aquele encargo (CARITA, 2008, 115). Outro prende-se com a colaboração do governador com a Igreja insular demonstrada na campanha de obras levadas a cabo para recuperar igrejas degradadas, nomeadamente a do Santo da Serra, a matriz de S. Jorge e a igreja do Colégio que, depois de reabilitada, foi entregue à diocese. Podendo, agora, depois de desaparecida a ameaça Kalley, dedicar-se a outros aspetos da vida diocesana, D. José Cerveira e Sousa apelava, em fevereiro, à caridade dos fiéis, exortando-os a ajudar os necessitados, e, a 11 de março de 1847, à realização de novenas de preces para se acabar a fome. A 10 de agosto, o bispo dirigia-se aos madeirenses para que se mantivessem em paz, evitando replicar na Ilha o clima de agitação social que se vivia no reino. Já em julho de 1848, e graças a cartas régias enviadas por D. Maria II, se ficava a saber que o bispo tinha procedido a diligências anteriores que visavam um aumento das côngruas eclesiásticas e a uma nova divisão paroquial que reformulava quatro paróquias anteriores: Água de Pena, Achadas da Cruz, Quinta Grande e Faial, cuja área se pretendia aumentar. No tocante às remunerações do clero, a carta régia refere ter emitido, em maio de 1845, ordens no sentido de se proceder a averiguações sobre o verdadeiro estado económico dos eclesiásticos, das quais ficaram encarregados o bispo e o governador. A essas pesquisas se ficarão, talvez, a dever os comentários que José Silvestre Ribeiro produziu sobre a situação, quando declarava que os membros do clero, apesar de muito necessários, eram “contra toda a razão, os mais mal recompensados” (CARITA, 2008, 116). A ação conjunta das duas personalidades permitiu, pois, que se remediasse o estatuto financeiro de párocos, curas e beneficiados. Assim, quando em 1849 D. José Cerveira de Sousa trocou o bispado da Madeira pelo de Beja, levava a consciência de ter realizado um trabalho meritório na diocese, que tinha deixado mais serena e apetrechada do que quando a recebera. D. José de Cerveira e Sousa acabou por, depois de Beja, ser bispo de Viseu, cargo a que resignou, retirando-se para a sua terra natal, Mogofores, onde veio a falecer a 15 de março de 1862.       Ana Cristina Trindade Rui Carita (10.02.2017)                        

História Económica e Social História da Educação Religiões

sousa, david de

Nasceu a 25 de outubro de 1911, em São João de Alpendurada, Marco de Canaveses, sendo filho de Manuel de Sousa e Maria de Jesus de Sousa. Aos 14 anos entrou no Colégio Seráfico de Santo António, em Tui, Espanha, vindo a completar os estudos de humanidades no Colégio de Montariol, em Braga, em 1931. Neste mesmo ano foi aceite como noviço na Primeira Ordem de S. Francisco, tendo professado a 26 de novembro de 1935. Em 1932, regressou a Tui para cursar filosofia e aí permaneceu até 1934, altura em que se transferiu para Roma, onde terminou os estudos com doutoramento em Sagrada Escritura obtido no Pontifício Ateneu Antoniano, organismo pertencente à Ordem dos Frades Menores (OFM). Findo o percurso curricular em 1940, tornou-se professor e reitor do seminário do convento da Luz, em Lisboa, a que se seguiu o desempenho de funções como provincial e visitador dos conventos da OFM, tanto no continente português como nas antigas colónias. Bom orador, viu os seus dotes reconhecidos em diversas intervenções que realizou no estrangeiro, em semanas bíblicas e congressos internacionais. De entre as suas intervenções, destacam-se as comunicações que apresentou ao Congresso Mariológico Luso-Espanhol, realizado em Fátima, de 12 e 16 de julho de 1944, ao Congresso Mariano Assuncionístico, decorrido em Lisboa e Fátima, entre 9 e 13 de outubro de 1947, e, finalmente, ao Congresso da União Missionária do Clero, efetuado em Fátima, de 10 e 13 de agosto de 1948. Além desta atividade, foi, ainda, participante em cursos anuais destinados a homens e mulheres da Liga Católica de Lisboa que tiveram lugar nos anos de 1946 a 1949. A 24 de setembro de 1957, foi indicado por Pio XII para a diocese do Funchal, em substituição do falecido D. António Manuel Pereira Ribeiro, tendo sido a sua eleição saudada pelos diocesanos que, segundo Eduardo Pereira, veriam com bons olhos um franciscano na mitra do Funchal, atendendo à longa tradição franciscana da Madeira. O seu episcopado ficou assinalado, sobretudo, pela profunda transformação que operou no território paroquial da Ilha, que subdividiu, fazendo-o passar de 52 paróquias para 102, embora nem todas tenham vingado; hoje, o número de circunscrições paroquiais cifra-se em 96 (Paróquias). Com efeito, a 24 de novembro de 1960, D. frei David fez publicar o Decreto sobre a Atualização das Paróquias da diocese do Funchal que remodelava o território, tendo entrado em vigor a 1 de janeiro de 1961. De acordo com palavras do próprio, a reorganização ocorria num contexto de grande estudo e diálogo com diversas instâncias, civis e religiosas, relativamente às “condições topográficas, as distâncias e a dispersão da população”, bem como a melhoria das acessibilidades à igreja por parte das populações (Jornal da Madeira, 15 fev. 1958). A complementar esta iniciativa, decidiu D. David de Sousa criar, igualmente, o arciprestado de Câmara de Lobos, que englobava as paróquias dos concelhos de Câmara de Lobos e Ribeira Brava. A reforma territorial, que deixou intactas 16 das 52 paróquias existentes, mas transformou 36 em 50, trouxe, como seria quase inevitável, alguns dissabores, mas deixou também, em D. frei David, a satisfação de um desígnio que para ele, que considerava que na “paróquia-comunidade” estava o futuro da Igreja, era importante. Outra das iniciativas de D. frei David de Sousa passou pela aquisição de um edifício onde, até então, funcionava o hotel Bela Vista, e que o prelado destinou ao acolhimento do seminário maior da diocese, intitulado Nossa Senhora de Fátima. Segundo o prelado, o bispado precisava de “moderno e desafogado seminário maior para os estudos superiores de filosofia e teologia”, embora também necessitasse de manter em funcionamento o seminário menor (SOUSA, 2015, 13). O contexto da época fazia dos seminários escolas muito procuradas, o que se comprova pelo facto de, entre 1915 e 1963, terem frequentado esses estudos 1313 alunos, explicando estes números a necessidade sentida pelo prelado de dotar a diocese de maiores e melhores espaços para o cumprimento daquela função educativa (SEMINÁRIOS). A intervenção de D. frei David de Sousa também se fez sentir nas estruturas administrativas do bispado, com a criação do cargo de vice-vigário geral da diocese, para o qual foi nomeado, a 1 de agosto de 1964, o cónego Dr. Manuel Ferreira Cabral, futuro bispo da Beira, em Moçambique. Para além deste lugar, criou novos patamares na hierarquia da igreja regional, designadamente os de secretário diocesano dos cursos de cristandade, atividade que também se iniciou no seu episcopado e que se destinava a promover a evangelização dos fiéis. O prelado dotou, ainda, a diocese de um capelão militar e de um assistente do Apostolado do Mar. Em 1962, aquando da visita do presidente Américo Tomás à Madeira, em homilia proferida na sé, D. David, depois de manifestar o seu agrado pelo facto de Portugal ter dado Cristo ao mundo, referiu o seu contributo pessoal para a melhoria das condições da igreja no arquipélago, com a subdivisão paroquial a que procedera havia pouco tempo. Terminou a prédica a referir que “Alguns dos que andam nos bastidores da ONU inscreveram o arquipélago da Madeira como território a autodeterminar-se”, acrescentando que “Felizmente, nem um só madeirense existe a quem o aceno da autodeterminação feito na ONU não lhe causasse a maior náusea. A Madeira é de pleno direito Portugal” (FUNCHAL, 1962, 192), o que, apesar da introdução de um assunto polémico, o não impedia de se manifestar em sintonia com o regime. D. frei David de Sousa participou, também, no Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, regressando então à diocese, tendo sido, em seguida, nomeado arcebispo de Évora, funções em que foi empossado a 15 de setembro de 1965. Permaneceu em Évora pelo espaço de 16 anos, até 1981, altura em que resignou ao cargo por motivos de saúde. Veio a falecer a 5 de fevereiro de 2006, no seminário franciscano da Luz para onde se retirara. Hoje, o seu corpo encontra-se sepultado em Évora, na igreja do Espírito Santo, para onde foi tresladado a 10 de novembro de 2012.     Ana Cristina Machado Trindade Rui Carita (atualizado a 10.02.2017)

Religiões

sínodos diocesanos do funchal

O Sínodo Diocesano é uma reunião ou assembleia consultiva, convocada e dirigida pelo Bispo, à qual são chamados, segundo as prescrições canónicas, sacerdotes e outros fiéis da Igreja particular, para o ajudarem na sua função de guia da comunidade diocesana. No Sínodo e através dele, o Bispo exerce de forma solene o ofício e o ministério de apascentar o seu rebanho. Na sua dupla dimensão de ato de governo episcopal e evento de comunhão, o Sínodo é meio idóneo para aplicar e adaptar as leis e as normas da Igreja universal à situação particular da Diocese, indicando os métodos que importa adotar no trabalho apostólico diocesano, superando as dificuldades inerentes ao apostolado e ao governo, animando obras e iniciativas de carácter geral, propondo a reta doutrina e corrigindo, se existirem, os erros acerca da fé e da moral. Deve-se celebrar quando as circunstâncias o aconselharem, a juízo do Bispo diocesano e ouvido o conselho presbiteral. No passado, os sínodos diocesanos eram assembleias que congregavam o clero de uma diocese, convocado pelos bispos diocesanos, com o objetivo de avaliar o estado da vida religiosa e a situação clerical, e de propor medidas de atuação nesses domínios. São uma forma de reunir o clero e de criar comunhão e meio eficaz para transmitir informações e normas oriundas dos diversos níveis de poder da Igreja (Concílios, concílios nacionais e provinciais e provisões episcopais). As primeiras notícias de sínodos diocesanos, como manifestação da unidade do presbitério, reunido em volta do seu bispo, remontam, no Oriente, ao século IV e, no Ocidente, ao século VI. O Decreto de Graciano, em meados do século XII, já salientava a utilidade da celebração anual dos sínodos. O Concílio de Latrão IV (1215) estabeleceu, na sua constituição 6, que os sínodos diocesanos deviam ser celebrados todos os anos e que os respetivos decretos deviam ser publicados. O Concílio de Trento voltou a regulamentar sobre os sínodos (Sessão XXIV, em 11 de novembro de 1563, Decretum de Reformatione, cap. 2), reiterando a disposição que obrigava à realização de sínodos diocesanos anuais. Acolhidas em Portugal, em 1564, as resoluções do Concílio de Trento (1545-1563) determinavam que competia às autoridades episcopais a adaptação do vasto projeto reformador às condições de cada localidade e que, para tanto, deveriam ser realizados sínodos diocesanos nos bispados ou arcebispados, reunindo bispos das dioceses próximas, dos quais resultasse a elaboração de constituições. De acordo com a determinação definida na 24.ª sessão do Concílio de Trento, os sínodos provinciais deveriam ser convocados trienalmente e os diocesanos anualmente. Todavia, esta medida nunca foi levada a sério e ninguém foi capaz de a pôr em prática. Apenas se poderá referenciar uma maior preocupação por parte dos prelados na sua realização, que nunca conseguirá atingir os prazos estipulados. Segundo o elenco cronológico dos sínodos diocesanos publicado no Dicionário da História Religiosa de Portugal (PAIVA, 2001), foram celebrados na Diocese do Funchal 10 sínodos diocesanos: em 1578, por D. Jerónimo Barreto; em 1597 e 1602, por D. Luís de Figueiredo de Lemos; em 1615, por D. Frei Lourenço de Távora, em 1622, 1626, 1629 e 1634, por D. Jerónimo Fernandes; em 1680, por D. Frei António Teles da Silva; e em 1695, por D. Frei José de Santa Maria. Dos vários sínodos diocesanos apenas chegaram às nossas mãos as constituições promulgadas em 1578 e 1597. As últimas, da iniciativa de D. Luís de Figueiredo de Lemos, fizeram-se a exemplo das de Lisboa, aprovadas em 1566 com o mesmo título de "Constituições Extravagantes". Estas constituições foram impressas em 1601, juntamente com as constituições do sínodo de D. Jerónimo Barreto, sendo formadas por 34 títulos sobre matérias muito variadas: 1. Constituição única; 2. Dos sacramentos em geral; 3. Do Batismo; 4. Do Sacramento da Confirmação; 5. Do Sacramento da Confissão; 6. Do Santíssimo Sacramento da Comunhão; 7. Do Santíssimo Sacramento da Extrema-unção; 8. Dos Santos óleos; 9.Do Sacramento da Ordem; 10. Do Sacramento do Matrimónio; 11. Das festas de guarda; 12. dos Vigários, Curas e Beneficiados; 13. Da vida e honestidade dos clérigos; 14. Do serviço nas igrejas e de como se hão de fazer os ofícios divinos; 15. Das procissões; 16. Dos enterramentos, capelas e missas de defuntos; 17. Da imunidade das igrejas e isenção das pessoas eclesiásticas; 18. Dos ornamentos do altar e como se há-de prover e concertar os altares e igrejas; 19. Da prata, bens e propriedades das igrejas; 20. Dos dízimos, aforamentos e alienamentos dos bens das igrejas; 21. Dos testamentos; 22. Dos testamenteiros e execução dos testamentos; 23. Dos que pedem, pregam e celebram sem licença, ou sem ela comem carne nos dias proibidos; 24. Dos sacrilégios; 25. Das cartas de excomunhão e do que se deixam andar excomungados; 26. Dos feiticeiros e benzedeiros; 27. Dos que testemunham falso; 28. Dos onzeneiros; 29. Dos barregueiros e que os Vigários saibam dos pecados públicos de sua freguesia; 30. Das querelas e denunciações feitas à justiça e dos seguros; 31. Dos oficiais de nossa justiça; 32. Das injúrias feitas aos oficiais de justiça; 33. Quem será obrigado a ter estas constituições; 34. Das penas. Cada um destes títulos é composto por várias constituições. Tomemos, por exemplo, o n,º 13, sobre a Vida dos Clérigos. É formado por 18 constituições sobre diversos temas relativos à vida dos sacerdotes: 1. Dos vestidos e trajos das pessoas eclesiásticas; 2. Da barba e da tonsura – os clérigos devem fazer a barba e a tonsura ao menos de 15, até 20 dias; 3. Que tenham sobrepeliz quando rezarem no coro ou quando ministrarem algum sacramento; 4. Que os clérigos não tragam armas e como pedirão licença quando lhes forem necessárias; 5. Que os clérigos não joguem cartas, ou dados, nem outros jogos semelhantes; 6. Que não tenham mesa de jogo; 7. Que os clérigos não procurem nem jurem perante juiz secular; 8. Que os clérigos não sejam rendeiros, nem regatões, nem cacem para vender; 9. Que os clérigos não andem de noite; 10. Que os clérigos não sejam jograis, nem acompanhem mulheres; 11. Que nenhum clérigo coma ou beba em tabernas; 12. Da pena que auferirão os clérigos que tem mancebas, ou mulheres suspeitosas; 13. Como devem ser amoestados os clérigos que forem conhecidos ter mancebas; 14. Que os clérigos não tenham em casa mulheres de idade de cinquenta anos para baixo; 15. Que maneira se terá no proceder contra os clérigos que cometerem adultério; 16. Que os clérigos não tenham os filhos em casa; 17. Que os clérigos não façam doação, nem deixem legado a mulheres com que foram infamados, ou tenham por mancebas; 18. Que nenhuma pessoa blasfeme, pondo a boca em Deus, em Nossa Senhora ou em seus Santos. E a pena que auferirão as pessoas eclesiásticas e seculares que o fizerem. Por seu lado as “Extravagantes” de D. Luís de Figueiredo de Lemos são constituídas por 20 títulos: 1. Do Sacramento do Batismo; 2. Do Sacramento da Confissão; 3. Do Santíssimo Sacramento da Eucaristia; 4. Do Sacramento da Extrema-unção; 5. Do Sacramento da Ordem; 6. Da veneração da Santa Cruz, festas, Relíquias e imagens dos Santos; 7. Da vida e honestidade dos clérigos; 8. Dos vigários, curas e beneficiados; 9. Do serviço das Igrejas; 10. Das procissões; 11. Dos ornamentos dos altares e igrejas; 12. Das eleições dos mordomos das confrarias e como hão de dar sua conta; 13. Do pagamento das ordinárias; 14. Dos sacrilégios; 15. Das querelas e denunciações feitas à justiça e dos seguros; 16. Dos Ouvidores e sua jurisdição e em que casos apelarão por parte da justiça; 17. Das injúrias feitas aos Ouvidores e como cumprirão os seus mandatos; 18. Das suspeições aos nossos oficiais da justiça; 19. Dos oficiais da justiça; 20. Das penas. Sobre a vida dos clérigos, as “Extravagantes” contêm apenas três constituições: 1. Que os clérigos e beneficiados não desafiem nem ameacem pessoa alguma; 2. Que não levem cães à igreja, nem aves na mão, nem sejam caçadores; 3. Que os sacerdotes e clérigos de ordens sacras extravagantes venham à Sé aos ofícios diurnos e pregações. D. Lourenço de Távora convocou o quarto sínodo diocesano ocorrido no Funchal em 1615, e foram promulgadas constituições. Estas são em número de 15, referindo-se a 1.ª, 2.ª e 3.ª ao perigo dos estrangeiros cismáticos, que devido ao comércio passavam e habitavam na Ilha; a 4.ª constituição é sobre as festas e os excessos do povo, a ornamentação das igrejas e o encerramento das portas das igrejas antes de anoitecer; a 5.ª refere as festas dos santos e padroeiros; a 6.ª e a 7.ª regulam o pagamento aos eclesiásticos e a arrecadação das rendas; a 8.ª trata dos estatutos que os capitulares pediam ao apontador; a 11.ª refere-se ao vestuário dos eclesiásticos; a 12.ª é sobre os cantores; a 13.ª ordena que se faça um novo regimento do cerimonial; a 14.ª regula os enterros fora das respetivas freguesias e a 15.ª trata da redução de encargos pios das capelas. As constituições do sínodo de 1695, de D. Frei José de Santa Maria, dominicano, não chegaram a ser impressas, em razão da transferência do bispo para a Diocese do Porto. Os manuscritos dessas constituições foram publicados por José Pereira da Costa nas atas do II encontro sobre história dominicana (COSTA, 1987). Gaspar Frutuoso afirma, nas Saudades da Terra (FRUTUOSO, 2007, 221-222), que D. Martinho de Portugal já teria umas constituições. Todavia, Alberto Vieira contrapõe que, não havendo notícia de outros sínodos no Funchal, tais constituições seriam uma adaptação das de Lisboa. A composição do sínodo diocesano foi mudando ao largo da história, até à exclusão dos leigos. De acordo com o Código de Direito Canónico de 1917, no seu cânone 356, §1, os sínodos deviam ser celebrados pelo menos de 10 em 10 anos. No seu Decreto Christus Dominus, Sobre o múnus pastoral dos bispos (n.º 36), o Concílio Vaticano II afirma desejar que as «veneradas instituições dos Sínodos [...] entrem de novo em vigor, para que melhor e eficazmente se atenda ao incremento da fé e à conservação da disciplina nas várias igrejas». A linguagem conciliar foi expressa, mais tarde, nos cânones 460-468 do Código de Direito Canónico de 1983.     P. Marcos Gonçalves (atualizado a 03.02.2017)  

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protestantismo

O termo “protestante” (do latim protestari) tornou-se comum como referência aos opositores da Igreja Católica Romana que surgiram na sequência da declaração pública (protesto) exarada pelos príncipes que apoiavam Martinho Lutero (1483-1546), em resposta à deliberação da Dieta de Espira (1529), que reafirmou a condenação das 95 Teses de Lutero (1517). O vocábulo “evangélico” foi o preferido pelos reformadores, designadamente Lutero e João Calvino (1509-1564), que o aplicaram desde cedo à sua expressão de fé e às comunidades que se foram formando. O termo “reformado”, embora de aplicação mais estrita aos seguidores de Calvino, decorre do movimento comummente conhecido como Reforma protestante que, encetado no séc. XVI tem antecedentes que remontam ao período medieval O protestantismo é uma confissão cristã que se reclama herdeira dos ensinamentos de Jesus Cristo e dos seus apóstolos, e que tem como base os escritos preservados na Bíblia. As suas raízes encontram-se estruturadas em torno da discussão de temas nucleares da fé católica, como o da centralidade e autoridade das Escrituras, o dos sacramentos, o da liturgia e o das mediações, em grande medida postas em causa como meios legítimos na prossecução do acesso à graça e à salvação. As múltiplas denominações surgidas e desenvolvidas depois da Reforma têm um fundamento unitário – sola gratia, sola fide, sola scriptura [só a graça, só a fé, só as Escrituras] –, mas a partir deste formularam-se diferentes conceções eclesiológicas e cristológicas. A mundividência protestante, muito influenciada pela ênfase dada ao indivíduo e à sua relação pessoal com Deus, obriga a um reposicionamento do crente perante Deus que vai para além da sua relação com a igreja. Este é o pressuposto básico do pensamento protestante, que ultrapassa em muito a contestação doutrinária e a refutação do sistema sacramental e hierárquico católico (centrados na figura e autoridade do Papa). Os princípios do sacerdócio universal de todos os crentes e da livre interpretação das Escrituras repercutem-se nos valores da igualdade e da liberdade. A diferença é inata ao protestantismo, tanto na diversidade de pensamento, como na pluralidade de vozes. Esta permanente atitude, não só promove a crítica e a liberdade de pensamento, como influencia a forma como o indivíduo atua na sociedade. Pode dizer-se que o protestantismo vive uma dupla dinâmica: a experiência da fé como iluminação interior do crente individual e a busca da comunidade perfeita como realização social da santidade. O cristianismo protestante tem na Bíblia o seu único compêndio de literatura sagrada. Esta é constituída pelo Antigo Testamento, que corresponde ao cânone curto dos judeus, que não tem todos os livros contidos no Antigo Testamento dos católicos e ortodoxos, e pelo Novo Testamento, que é comum a todas as confissões cristãs. As datas mais festejadas são as que correspondem à celebração do nascimento de Jesus (Natal) e à celebração da sua ressurreição (Páscoa). Algumas denominações também assinalam o início histórico da Igreja (Pentecostes). Embora o uso, mais particularmente a veneração, de imagens de escultura e outros elementos iconográficos de culto não sejam aceites, a imagem da cruz é o símbolo mais associado ao protestantismo. Todavia, alguns sectores utilizam representações do peixe, em alusão ao uso que dele faziam as comunidades paleocristãs. Acrescente-se que em alguns sectores, em particular grupos adventistas, existem restrições alimentares decorrentes da aplicação literal da Lei de Moisés sobre os interditos. Foi sobretudo a partir da segunda metade do séc. XIX que a Península Ibérica passou a ser perspetivada como espaço de missionação pelas denominações evangélicas, em particular pelas sociedades missionárias britânicas. Mas os pioneiros portugueses do cristianismo reformado encontraram na história do país as raízes de um protestantismo nacional, pelo que procuraram legitimar e valorizar o percurso histórico das comunidades reformadas do país. Surgidas de um movimento amplo e abrangente, as comunidades evangélicas de Portugal viram a sua uniformidade reforçada pelo seu carácter minoritário e pela afirmação de princípios de fé fundamentais, que os diferenciavam do catolicismo. O cristianismo evangélico expandiu-se através de um processo de desmultiplicação, numa verdadeira dinâmica sociológica. Esse percurso deu origem a uma multiplicidade de igrejas que se podem organizar em três correntes principais: a corrente sinodal, que congrega no seu interior a Igreja Lusitana, o metodismo e o presbiterianismo, representada pelo Conselho Português de Igrejas Cristãs, estabelecido em 1971; a corrente não hierárquica, que comporta as comunidades de regime congregacionalista, como os Irmãos Darbistas, as sensibilidades batistas e as expressões pentecostais, neopentecostais e carismáticas, representada institucionalmente pela Aliança Evangélica Portuguesa, organizada em 1921; e, por último, a corrente que dá lugar ao protestantismo de novas fronteiras, que inclui denominações tão distintas como a Igreja Adventista do Sétimo Dia, as Testemunhas de Jeová, a Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias, cujos membros são conhecidos por mórmons, e ainda algumas comunidades neopentecostais não integradas na Aliança Evangélica, como a Maná-Igreja Cristã e a Igreja Universal do Reino de Deus, entre outras. Em 2016, o protestantismo lato sensu era a maior minoria religiosa em Portugal, representando cerca de 4 % da população. A análise aos movimentos pioneiros do protestantismo insular, deve partir, por um lado, das Igrejas Britânicas e, por outro lado, da importância do pioneirismo da Sociedade Bíblica, cujo trabalho na distribuição de Bíblias na Ilha precedeu a organização das primeiras igrejas na Madeira. São também relevantes a Igreja Evangélica Alemã (1761) e a Igreja Presbiteriana (1845). E não se pode esquecer o desenvolvimento do ecumenismo na Madeira, onde se inclui a participação do movimento metodista, bem como a fundação da Igreja Evangélica de Portugal. Concomitante à implantação destes grupos religiosos, é de salientar o papel de alguns dos seus fundadores: Robert Reid Kalley, António de Matos e Arsénio Nicos da Silva. No séc. XX apareceu na Ilha um segundo grupo de igrejas cristãs não católicas que, apesar das divergências com as tradições cristãs reformadas, se reclamaram herdeiras da herança evangélica e que também são percecionadas como protestantes. Esta geração é representada pela Igreja Adventistas do Sétimo Dia (1932), pela Igreja Evangélica Assembleias de Deus (1972) e pela Igreja Evangélica Batista (1974). Considerando a relevância que teve o fluxo de imigração que ocorreu no arquipélago no final do séc. XX, tanto na profusão de novas comunidades de origem brasileira, como no impulso que estas deram à emergência de novos e renovados grupos de carácter nacional, não se pode deixar de assinalar o desenvolvimento de novas expressões pentecostais, as já referidas igrejas neopentecostais; entre elas estão a Igreja Maná e a Igreja Universal do Reino de Deus. Cabe ainda enunciar dois momentos relevantes. Em primeiro lugar, a diáspora protestante madeirense, que levou os protestantes a refugiarem-se nos Estados Unidos da América e na ilha da Trindade, entre outros lugares, experiência da qual se destaca a vida e a obra de Alfred Hubert Mendes e de João José Vieira Júnior. Em segundo lugar, a intolerância religiosa por parte da imprensa local e do Estado português perante instituições como as Testemunhas de Jeová e a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Outras realidades religiosas que, não obstante terem sido identificadas, ficaram por analisar, são a Congregação Cristã em Portugal, a Igreja Mundial do Poder de Deus, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus Pentecostal, a Igreja Comunidade Evangélica da Ilha da Madeira, a Igreja Cristãos Do Evangelho Pleno e a Igreja Nova Apostólica. E ainda as comunidades de carácter nacional, tais como a Catedral de Vida e a Igreja Cristã do Renovo. A imprensa protestante também teve um papel importante no âmbito da história do protestantismo, para além de ter sido uma fonte a partir da qual se podem compreender certos aspetos da história insular. Simão Daniel Cristóvão Fonseca (atualizado a 03.02.2017)

Religiões

esoterismo

O esoterismo é o lado oculto e não revelado das doutrinas, das religiões e dos grupos espirituais, que apenas se transmite por via oral, de mestre para os discípulos. Também poderá estar associado ao misticismo, no sentido em que sinaliza a busca das leis e dos conhecimentos que regem o Universo. É a busca aprofundada do significado das coisas, naquilo que normalmente escapa à nossa perceção. Tendo em consideração a origem etimológica da palavra, pode-se dizer que o esoterismo é o contrário de exoterismo. Ou seja, esotérico é aquilo que está dentro, escondido e não pode ser revelado, em oposição ao que é exterior e é, ou pode ser, conhecido de todos. Sendo assim, reporta-se a conhecimentos teológicos, filosóficos, religiosos e teosóficos, que não podem ser publicados e revelados. Estes grupos ou ordens são definidos como iniciáticos, no sentido em que os novos membros são submetidos a um ritual de iniciação onde um dos aspetos é o juramento de guardar segredo, relativamente a diversos aspetos da ordem ou associação. Assim, no taoismo e tantra, os novos discípulos recebem um mantra secreto. A primeira utilização do conceito foi feita por Johann Gottfried Herder (1744-1803), em oposição ao racionalismo iluminista. Mas foi Eliphas Lévi (1810-1875) quem o vulgarizou, em conjunto com o ocultismo. Assim, o esoterismo pode ser entendido como ocultismo, misticismo e hermetismo. É ocultismo no sentido de que é oculto, pois há conhecimentos e realidades espirituais e sobrenaturais que não estão visíveis e que implicam o recurso a artes divinatórias, e.g., tarot, astrologia, runas, cartomância, iching, ou práticas espirituais, através da necromancia e da bruxaria. Já o misticismo, como o gnosticismo e a cabala, situa-se a um nível superior e pretende, a partir do estudo, de práticas e de rituais, estabelecer o contacto com o divino através da contemplação, enquanto o hermetismo defende uma realidade visível e invisível e o estabelecimento de contactos entre os dois mundos, estando ligado a Hermes e ao antigo Egito. Em primeiro lugar, é necessário considerar que a figura do chamado feiticeiro ou bruxo não tem qualquer significado esotérico. Aquele representa alguém que domina o conhecimento popular e que se afirma pelos dizeres e cantares, sendo uma referência para a comunidade. Destes, podemos salientar as figuras do Feiticeiro do Norte (Manuel Gonçalves, 1858-1927) e do Feiticeiro da Calheta (João Gomes de Sousa, 1895-1974). A ligação do esoterismo à Madeira começou a partir do momento em que se associou ao mito da Atlântida o próprio arquipélago, considerado como uma reminiscência daquela lendária ilha. Por outro lado, não se pode esquecer as ligações da Madeira à maçonaria, que remontam ao séc. XVIII. Todos os que foram contagiados por conhecimentos esotéricos sentem algo especial relativamente ao arquipélago da Madeira, fazendo da Ilha um local de peregrinação obrigatória na sua missão esotérica. A propensão de vários grupos esotéricos pela Madeira é reveladora dessa situação. Assim, para além do facto de a maçonaria em Portugal ter tido a sua primeira etapa na Madeira, assinalam-se múltiplas presenças pessoais e institucionais com ligações ao esoterismo, relacionadas com locais de emigração, e.g., Brasil, Venezuela e África do Sul. De entre as diversas personalidades adeptas e/ou estudiosas do esoterismo, pode-se assinalar, em primeiro lugar, a figura de Octávio José dos Santos, que assinava com o pseudónimo de Octávio de Marialva (1898-1992). Este apresentou, na sua trajetória, uma formação em escolas esotéricas e escreveu vários estudos (inéditos) sobre o esoterismo: Soluções, Sapiência, Cátedra, Polémicas, Mistérios, Cabala, Iniciação, Panaceia, Astrognose, Arcanos, Suma, Astramundo, Universo e Profecias. Referencie-se ainda o grupo Hermetismo e Nouesis, com ligações ao grupo Corpus Hermeticum, criado em 2000 na rede Facebook.     Alberto Vieira (atualizado a 23.01.2017)

Cultura e Tradições Populares Religiões

canovai, stanislao

Stanislao Canovai nasceu a 27 de março de 1740 em Florença, e nesta mesma cidade morreu a 17 de novembro de 1812. Foi um dos matemáticos e físicos mais famosos do séc. XVIII, e é considerado o iniciador da corrente científica que se afirmou na segunda metade deste século, nas Escolas Pias de Toscana. A par disto, Canovai foi considerado pelos seus contemporâneos um grande escritor, pela sua doutrina e pelo seu estilo preciso e eloquente. Estudou em Florença e Pisa, como iniciante na Ordem dos Esculápios, e em 1765, foi nomeado para a cátedra de Filosofia e Teologia no seminário episcopal de Cortona, onde lecionou Matemática durante 15 anos. Em 1768, interrompeu, por um período muito curto, o seu ensino em Cortona para ensinar Física matemática no colégio real de Parma. Em seguida foi chamado para ensinar Hidráulica no colégio florentino dos Esculápios. Publicou em Florença, com o editor Giovacchino Pagani, o volume Elogio di Amerigo Vespucci, che Riportò il Premio dalla Nobile Accademia Etrusca di Cortona nel dì 15 Ottobre dell'Anno 1788. Con una Dissertazione Giustificativa di questo Celebre Navigatore. A obra apresentava-se bem fundamentada e historicamente fundada. Canovai confrontou códices e publicações, e discutiu as escolhas e declarações de estudiosos anteriores, como Angelo Maria Bandini. A obra visava sobretudo considerar e enquadrar o significado cultural do empreendimento de Vespúcio num âmbito crítico e científico mais amplo, e acabou por provocar um debate animado. Canovai, como eminente cientista, queria estabelecer a jornada de Vespúcio de forma conclusiva, e, em particular, decidiu examinar as rotas, a fim de resolver a questão da longitude. A passagem pela Madeira era crucial, dado que a Ilha e o arquipélago eram um dos pontos geográficos fundamentais, tanto para os cálculos de Canovai, como para confirmar a verdade histórica das várias viagens de Vespúcio. Obras de Stanislao Canovai: Elogio di Amerigo Vespucci, che Riportò il Premio dalla Nobile Accademia Etrusca di Cortona nel Dì 15 Ottobre dell'Anno 1788. Con una Dissertazione Giustificativa di questo Celebre Navigatore (1798).   Valeria Biagi (atualizado a 28.01.2017)

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