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arquitetura do turismo terapêutico

A apologia do ameno clima madeirense, especialmente vocacionado para o tratamento de doenças pulmonares, corria pela Europa desde os finais do séc. XVIII. Escritores e poetas, assim como médicos e publicistas em geral, divulgam a Madeira como um sanatório natural e elogiam a sua temperatura, o espaço propício ao lazer e à contemplação da natureza. A instalação de doentes e das respetivas famílias ocorreu em quintas espalhadas pela encosta do Funchal e deu origem a uma primeira forma de turismo. Com o falecimento da princesa D. Maria Amélia de Bragança no Funchal, em 1853, a sua mãe decidiu instituir um hospício em homenagem à filha, que foi o primeiro sanatório levantado em Portugal e por concurso público. Palavras-chave: arquitetura; conflitos internacionais; hospitais; quintas madeirenses; sanatórios; turismo; urbanismo. A apologia do ameno clima madeirense, especialmente vocacionado para o tratamento de doenças pulmonares, corria pela Europa desde os finais do séc. XVIII. A tuberculose, doença que afetou todas as classes, levou a que, especialmente na época do inverno, a Madeira fosse procurada pelas classes mais abastadas, em vista de um melhor clima e, se possível, da almejada cura. Nem todos os médicos eram da mesma opinião, tendo, inclusivamente, havido acesa polémica entre defensores e detratores do clima da Madeira para os tuberculosos. Para estes doentes, no entanto, por vezes quase em fases terminais, qualquer hipótese era sempre uma esperança a não desperdiçar. Escritores e poetas, assim como publicistas em geral, divulgam o nome da Madeira como um sanatório natural, enaltecendo a fama e a excelência da temperatura, do espaço propício ao lazer e à contemplação da natureza, incitando a ida até à Ilha dos doentes provenientes dos rigorosos climas europeus. Alguns destes doentes, inclusivamente, também se dedicaram a registar as suas impressões em diários, devendo um dos mais interessantes ser o de Emily Shore (1819-1839), que com a família foi para a Madeira na esperança de ali recuperar a saúde, mas acabou por falecer no Funchal. A presença de doentes no Funchal é atestada em quase todos esses escritos, como nos de Isabella de França (1795-1880), entre 1853 e 1854, ou de lady Emmeline Stuart Wortley (1806-1855), na mesma altura, que refere, com alguma nostalgia e algum romantismo, reconhecer ao longe, de quando em vez e pelas ruas e jardins do Funchal (Quintas românticas madeirenses), um forasteiro de tez algo pálida e de andar arrastado – por certo, um tísico. Isabella de França, entre inúmeras descrições, quando se refere aos companheiros de viagem para a Madeira, a 23 de junho de 1853, enumera: “Além da menina Davis, formosa e rechonchuda, tínhamos por companheiros três rapazes, todos doentes. Um, de porte corretíssimo, achava-se realmente em estado desesperado, e de facto morreu na Madeira, durante o Inverno. Conforme nos informaram, era pessoa notável em Cambridge e levava consigo uma gatinha de três cores, nada feia. Outro, de estatura elevada, parecia ter-se esgotado a crescer, circunstância que aliás o não preocupava; filho de um comerciante de Londres, haviam-lhe aconselhado os médicos a viagem de ida e volta. O terceiro, nervoso, ou melhor, desequilibrado, não seria de mau aspeto se não fosse a barba crescida e o fez na cabeça. Os homens consideravam-no sensato, mas era tal a sua timidez que fugia o mais possível de mim e da pequena Davis: ou se refugiava no camarote ou escondia a cara num livro, quando vinha para a coberta” (FRANÇA, 1970, 40-41). A expressão “turismo terapêutico” tem sofrido alguma contestação, a partir do entendimento do turismo como atividade de viagem na procura do prazer e de uma cultura e vivência diferentes, de fuga à rotina e de exercício displicente de uma liberdade. O turista não pode assim ser confundido com um quase inválido, como era referido nos guias ingleses do séc. XIX; logo, o termo pode ser considerado como um perigoso equívoco. A verdade, no entanto, é que não é possível traçar uma fronteira clara entre os vários conceitos de turismo, como também não é possível, logo em relação à Idade Média, demarcar a diferenciação entre os peregrinos penitentes dos caminhos de Santiago e o turismo dito religioso que teve início, grosso moo, no séc. XX, mesclados, ambos, dos perigos da jornada, do esforço, da perseverança e da capacidade de suportar a dor para alcançar a graça de chegar a um santuário. Aliás, prazer e dor encontram-se muitas vezes mesclados e, para se não ir mais longe, basta referir os percursos das levadas da Madeira e desportos considerados radicais. Face ao exposto, alargamos o âmbito do termo “turismo” a todo um leque de atividades programadas e que implicam serviços vários de transporte, alojamento e acompanhamento. Com algumas reservas, pois as fronteiras entre esse alargado campo de atividades não são facilmente demarcáveis, podemos englobar, nos inícios dessa atividade de prototurismo, ainda os projetos educacionais ligados ao Grand Tour, tal como as viagens científicas dos naturalistas dos sécs. XVIII e XIX, e o chamado turismo terapêutico, tal como o turismo de lazer, que lhe sucede. O alojamento do turismo terapêutico A presença de elementos enfermos que procuravam o ameno clima para os seus males, especialmente para as doenças pulmonares contraídas nas poluídas cidades do Norte da Europa, somente ocorre em número significativo com as condições advindas das ocupações inglesas de 1801-1802 e 1807-1814, da ampliação do cemitério britânico e da construção da igreja anglicana. Até à déc. de 20 do séc. XIX, essa presença fora perfeitamente pontual e integrada num outro quadro de viagem, que quase não pressupunha estadia, salvo a estritamente necessária para o reabastecimento e a manutenção das embarcações. Excetuam-se aqui as chamadas viagens científicas dos meados e finais do séc. XVIII (Viagens científicas), na procura, documentação e recolha de novas espécies, que, de alguma forma, criaram também as condições para o turismo terapêutico, com a constituição de coleções botânicas que informaram decididamente as chamadas quintas madeirenses. As quintas madeirenses foram, assim, dada a sua localização periférica em relação à cidade e o facto de serem constituídas por casa de habitação com jardim e, não poucas vezes, também com parque, os locais ideais para essa instalação mais ou menos prolongada. As primeiras informações sobre as quintas madeirenses datam dos meados do séc. XVI, dadas pelo conde Giúlio Landi (c. 1510-1578), que esteve na Madeira na déc. de 30: residências temporárias de certa importância, utilizadas pelos nobres e grandes comerciantes para aí usufruírem de ares mais temperados, eram então, essencialmente, unidades agrícolas. Em 1601, no entanto, Jean Mocquet (1575-1617) já denomina estas habitações da encosta da cidade como “maisons de plaisance” (MOCQUET, 1617, 50), e idêntica referência lhes foi feita pelo Rev. John Ovington (1653-1731), que passou pelo Funchal a caminho de Suratt, em 1689. O reverendo anglicano esteve numa dessas quintas, então já habitada por comerciantes britânicos, e escreveu que ali “a Natureza apresentava-se como um cenário de felicidade e amor, e impunha-se com toda a sua pompa, com todas as delícias e belezas campestres” (OVINGTON, 1696, 14-15).   Senhora doente acompanhada por familiares 1890 Sendo os meses de verão bastante quentes no Funchal, todas as famílias de algumas posses, nessa quadra, se retiravam para a encosta, pelos vistos já nos sécs. XVI e XVII. Em meados do séc. XVIII também o governador e capitão-general fazia o mesmo, chegando o Gov. D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (1726-1798) a propor para Lisboa a aquisição da quinta de Charles Murray (c. 1730-1801), no Monte, em 1788. Desde os finais do séc. XVI, aliás, também o faziam os padres da Companhia de Jesus, usando, entre outras, a Qt. do Cardo, em Santo António, e a Qt. do Pico, junto à fortaleza de S. João, onde, nos meses de verão dos finais do séc. XVIII, também habitaram os governadores generais. As quintas passaram assim a bens de aluguer, onde era muitas vezes incluído o recheio e, inclusivamente, o pessoal, embora na maior parte dos casos se optasse depois por escolher o mesmo. As quintas de aluguer mantiveram a tipologia da arquitetura vernácula madeirense, muitas vezes com o edifício a articular-se com uma capela, sobrevivência das iniciais residências vinculadas, como na Qt. das Angústias, posteriormente Quinta Vigia ou integradas na propriedade e com acesso exterior, como na Qt. das Cruzes. A propriedade era quase sempre murada, mantendo uma certa privacidade, e dotada ainda de mirante, dado o escalonamento das encostas, tal como de casinhas de prazer, essencialmente construídas com fasquiados de madeira, chamados rotulados ou muxarabis, que permitiam observar o que se passava no exterior, mas reservando a privacidade dos utentes. A segunda metade do séc. XIX beneficiou desta corrente de turismo terapêutico, pois os outros destinos concorrentes, como o Sul da França, a Itália e a Grécia, estavam nesses anos bloqueados pelas guerras liberais europeias. Os jornais da época em Londres, como The Illustred London News, de 1866, elegiam assim a Madeira como destino ideal das famílias inglesas, graças à sua muito especial natureza, ao seu clima e às comodidades que aí se podiam encontrar, colocando os seus leitores ao corrente dos sucessos alcançados por outros conterrâneos. Enquanto destino, a Madeira era mesmo recomendada por diversos hospitais de renome, e os resultados obtidos eram, na generalidade, muito satisfatórios. Em algumas famílias inglesas parece ter sido tradição, entre os que apresentavam debilidades físicas, a passagem do inverno na Madeira, como foi o caso de lady Susan Harriet Vernon Harcourt (1824-1894), filha do 2.º conde de Sheffield (1802-1876), cujo nome de solteira era Susan Harriet Holroyd, e que se casou com Edward William Vernon Harcourt (1825-1891) em agosto de 1849. No ano anterior teria já acompanhado o noivo à Madeira, com a mãe, a condessa de Sheffield, a quem depois dedica o seu álbum de litografias da Madeira. Edward já havia também estado na Madeira, de outubro de 1847 a abril de 1848; de novembro de 1848 a maio de 1849; de novembro 1848 a maio de 1849; de novembro de 1849 a maio de 1850; e de novembro de 1850 a abril de 1851. Da família Harcourt, ainda ali havia estado o pai, o Rev. William Vernon Harcourt (1789-1871), em data anterior, e, no inverno de 1847 para 1848, o outro filho, William George Granville Venables Vernon Harcourt (1827-1904), posteriormente ministro da Rainha Vitória (1819-1901) e das figuras políticas determinantes do seu tempo, tal como, depois, o seu filho homónimo, William (1827-1904). Algumas quintas remontam aos sécs. XVII e XVIII, mas, na sua grande maioria, são construções totalmente reformuladas na época de Oitocentos e algumas construídas mesmo de raiz, logicamente ao gosto romântico internacional, dentro do cariz neoclássico divulgado pelos Ingleses, mas inspirado muito especialmente na arquitetura clássica italiana. Para tal contribuiu, entre outros, o arquiteto paisagista John Claudius Loudon (1783-1843), com a sua obra An Encyclopædia of Cottage, Farm, and Villa Architecture and Furniture (1833), sucessivamente reeditada. A sua formação romântica é patente nos seus principais trabalhos, essencialmente virados para o arranjo paisagista dos cemitérios britânicos. O jardim foi assim uma das componentes da quinta de aluguer que mais marcada influência recebeu da cultura britânica. Mesmo os mais pequenos e moldados na tradição mediterrânica e insular dos socalcos sê-lo-ão à imagem da mentalidade romântica, de clareiras relvadas, fontanários e tanques decorados com pedra vulcânica, de percursos sinuosos povoados de pormenores arquitetónicos recuperados de outros edifícios, numa natureza moldada a pano de fundo da arquitetura, num dramatismo que estabelece a ligação entre os panoramas abissais, os cumes das montanhas e o horizonte longínquo do oceano. Aos jardins da Madeira coube ainda uma outra função: a terapêutica, pois era ao ar livre que os doentes pulmonares faziam o tratamento. Daí também a criação de um novo tipo de fenestração, dotado de varandas de sacada e de acesso a terraços com comandamento sobre os jardins e, inclusivamente, sobre a paisagem. Acresce que a cura de ares era também uma cura de paixões, o que justifica a relação que a casa passou a manter com o jardim, tal como com a paisagem circundante. Na quinta de aluguer oitocentista, o jardim foi assim tanto manifestação da alma romântica, quanto sistema e quadro essencial de tratamento para aquele tipo de doenças. A casa de habitação também se foi rapidamente adaptando a uma nova vivência e funcionalidade social. O piso térreo, inicialmente uma loja destinada aos produtos da lavoura, que na antiga casa rural funcionava como unidade de produção de apoio à família, desaparece progressivamente. A relação de salas e quartos com o exterior, cuidadosamente ajardinado, é então assegurada por uma ligação tão direta quanto possível, como na Qt. do Monte. As funções dos compartimentos interiores especializam-se, surgindo as salas de jantar, de estar, de jogos e a biblioteca. Diferenciam-se igualmente as áreas de serviço, reservadas aos empregados, ou ocupando o piso térreo ou passando para a parte posterior do edifício. As fachadas também se alteram, introduzindo-se novos corpos relevados e de planta semiesférica, exteriormente dotados de varanda corrida, como na reconstrução da residência da Qt. do Deão, levada a efeito por volta de 1825 pelo cônsul inglês George Stoddart (1795 – c. 1860).   No que respeita à arquitetura geral das novas quintas de aluguer, no entanto, poucas edificações seguiram de perto as villas de inspiração italiana difundidas pela bibliografia internacional. Pontualmente, no entanto, litografias como a do arquiteto galês Edward Jones (1796-1835), Athenian Villa, de 1834, podem ter circulado, mas um conjunto de circunstâncias de ordem social e económica fez com que quase todas essas novas construções ou reconstruções tivessem sido concebidas por mestres anónimos e locais: uma arquitetura sem arquitetos. A sua construção fez-se, assim, de acordo com saberes e tecnologias que mantiveram um elevado grau de imutabilidade ao longo do tempo. Nesse quadro, o modo de lavrar e assentar as cantarias, de erguer as paredes, de escolher a madeira para os sobrados, de armar os telhados e revesti-los a telha de meia cana, ou de calçar, a seixo basáltico rolado, os passeios dos jardins manteve-se (Empedrados madeirenses). É essa a razão por que a maioria das quintas de aluguer, sejam elas originárias do séc. XIX, XVIII, ou mesmo XVII, se apresenta como um conjunto de grande coerência morfológica. O aluguer de residência temporária recaía também, no entanto, sobre habitações urbanas, simples ou não, como aconteceu com inúmeros doentes, entre os quais se destacam algumas figuras importantes das letras portuguesas. Nos finais do séc. XIX, ainda passavam pela Madeira o escritor Júlio Dinis, pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871), que, na casa onde se instalou, na R. da Carreira, viria a iniciar e, depois, a concluir o seu romance Os Fidalgos da Casa Mourisca (1871), e o poeta António Nobre (1867-1900), na mesma altura (ano de 1899) em que também se encontrava no Funchal o conde de Cascais, Manuel Domingos Xavier Teles da Gama (1840-1910), acompanhando os filhos Domingos e Constança Teles da Gama, igualmente afetados pela tuberculose. Entre muitos outros exemplos, em novembro de 1840, também ali esteve o poeta cego António Feliciano de Castilho (1800-1875), acompanhando o irmão, o cónego da Sé de Lisboa, Augusto Frederico de Castilho (1799-1840), em fase terminal de tuberculose; o Cón. Januário Vicente Camacho (1792-1872) colocou de imediato à disposição dos irmãos as casas da Penha de França, mas o cónego viria a falecer a 31 de dezembro desse ano, regressando o poeta a Lisboa a 9 de janeiro seguinte. O primeiro sanatório português Nos meados do ano de 1852, em agosto, foi a vez de se deslocar para a Madeira a Imperatriz-viúva do Brasil, D. Amélia de Beauharnais (1812-1873), irmã do príncipe Maximiliano de Leuchtenberg (1817-1852), que ali havia estado um ano e pouco antes. A ex-Imperatriz vinha acompanhada da sua filha, a princesa D. Maria Amélia (1831-1853), última filha do malogrado Imperador D. Pedro (1798-1834). A princesa estaria muito doente e, segundo o conselho dos seus médicos, o ameno clima da Madeira poderia ser uma das suas esperanças de recuperação. O Gov. José Silvestre Ribeiro (1807-1891) (Ribeiro, José Silvestre) preparou cuidadosamente a receção da princesa e da mãe, que ficaram instaladas na antiga Qt. das Angústias, onde havia estado o tio pouco tempo antes. As condições de saúde da princesa, contudo, pioraram nesse inverno, vindo a falecer na madrugada do dia 4 de fevereiro de 1853. Em sua memória, a ex-Imperatriz mandou levantar o Hospício Princesa D. Maria Amélia – pedindo autorização à sobrinha, a Rainha D. Maria II de Portugal (1819-1853), por carta de 13 de abril desse ano, recebida a 4 de julho seguinte –, que provisoriamente inaugurou na R. do Castanheiro, a 10 desse mesmo mês, num prédio do morgado António Caetano Moniz de Aragão, nos princípios do séc. XXI ocupado por uma unidade hoteleira. A primeira pedra das obras do futuro Hospício teve lugar três anos depois, a 4 de fevereiro de 1856, quase em frente da quinta onde falecera a princesa. A ex-Imperatriz D. Amélia e a filha tinham-se feito acompanhar de um médico pessoal, o Dr. Francisco António Barral (1801-1878), médico pela Faculdade de Medicina da Universidade de Paris, professor da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, que nessa época ocupava o cargo de presidente da Sociedade das Ciências Médicas. Em 1849 já tinha sido encarregado de se deslocar a França e a Inglaterra para contactar ali a montagem dos serviços médicos e, em 1851, fez parte da comissão de reforma do serviço hospitalar em Lisboa, tendo assim sido incumbido de supervisionar todo o processo de montagem do futuro Hospício. A direção clínica da instituição foi entregue ao Dr. António da Luz Pita (1802-1870) (Pita, Dr. António da Luz), formado pela Universidade de Montpellier, em França, que exercera medicina em Gibraltar, tendo passaporte britânico, porventura o mais habilitado clínico então no Funchal, e lente da Escola Médico-Cirúrgica. Foi este clínico o encarregado da aquisição do terreno, de que se tomou posse a 24 de agosto de 1855, embora a escolha tenha sido da responsabilidade do Dr. Barral. O terreno escolhido era muito próximo da antiga Qt. das Angústias, numa área considerada salubre e segura, numa zona ligeiramente elevada em relação à cidade e com muito boa exposição solar, sobre a margem poente da ribeira de S. João, mas a uma cota bem elevada, o que colocava o futuro edifício em segurança face às possíveis cheias daquela ribeira. Confinava para poente com a Casa das Angústias, onde desde 1847 funcionava o Asilo de Mendicidade. O terreno encontrava-se bem afastado das zonas residenciais da cidade e, embora confinante com o então cemitério da Santa Casa da Misericórdia do Funchal (Cemitério das Angústias), dado o futuro desenvolvimento da cidade, entendia o Dr. Barral que, num curto espaço de tempo, haveria de ser relocalizado, embora tal só viesse a acontecer em 1939-1940, quase 100 anos depois. O projeto viria a ser elaborado em Londres, mediante concurso, tendo assim sido, em princípio, a primeira edificação portuguesa a ser feita mediante concurso internacional. O concurso ocorreu em julho de 1855, em Londres, tendo sido selecionado o projeto apresentado pelo Arqt. Edward Buckton Lamb (1805-1869). O programa teria sido fornecido pelo Dr. Barral, de acordo com dados já recolhidos em Londres, e, por certo, com o apoio dos seus contactos clínicos naquela cidade, onde deveriam estar elementos do Hospital de Brompton (1849), para o qual trabalhara o Arqt. Lamb, sendo da sua autoria a capela do mesmo Hospital. Edward Lamb trabalhou por vezes em parceria com o seu colega Frederik John Francis (1818-1896), sendo de ambos a ampliação do Hospital de Brompton. Em 1850, Lamb desenharia o primeiro sanatório inglês, o Royal National Sanatorium for Diseases of The Chest, em Bournemouth, no Sul de Inglaterra. O Arqt. Edward Buckton Lamb, ao que se sabe, nunca se deslocou ao Funchal, tendo sido logo assente que a obra seria dirigida pelo Arqt. João Figueiroa de Freitas e Albuquerque (c. 1820-1867), que acompanhara o pai, o coronel de milícias João Agostinho de Brito Freitas Figueiroa de Albuquerque (1793-1862), a Londres, quando o mesmo emigrara, face à ocupação absolutista da Madeira, em 1828, e de onde não regressaria, ali falecendo. João Figueiroa de Freitas e Albuquerque terá cursado Arquitetura em Londres e foi escolhido para a direção das obras do Hospício pela Imperatriz; usufruía de um ordenado mensal de 60$000 réis. Têm escrito alguns autores madeirenses que João Figueiroa introduziu uma série de alterações ao projeto de Lamb (NÓBREGA, 1867, p. 74 e SILVA e MENESES, 1998, II, p. 129), o que parece ser muito pouco provável. A direção da obra estava em Lisboa a cargo do Dr. Barral, que era consultado sobre todas as alterações, e não constam, nesta fase, grandes alterações ao projeto que tinha vindo de Londres, e que respeitava integralmente o programa elaborado pelo abalizado médico português e pelos seus consultores ingleses. O edifício teria sido um dos primeiros sanatórios construídos na Europa, datando o seu projeto da altura em que se começaram a levantar hospitais especializados, e o primeiro levantado em Portugal. Lamb projetou um edifício revivalista, inspirado nas grandes casas de estilo georgiano do séc. XVIII a princípios do séc. XIX, numa solução com provas dadas na arquitetura hospitalar inglesa e de que o Hospital de S.to António do Porto, de 1770, do arquiteto inglês John Carr (1723-1807), é também um exemplo. Segue a filosofia classificada por sir Henry Charles Burdett (1847-1920) como “corridor type” [tipo corredor] (MATOS, 2016, 317), ou seja, uma planta retangular estruturada por um longo e largo corredor central que atravessa todo o edifício, servindo também para os doentes se exercitarem quando as condições atmosféricas exteriores são desfavoráveis. O conjunto possui cave para arrecadações e dois pisos, com o piso térreo ligeiramente acima do solo, de forma a limitar, tanto quanto possível, o contacto com o solo e a humidade. O eixo do edifício é marcado com a entrada, inscrita num bloco com ligeiro avanço, com átrio interior, e de onde parte uma escada de dois lanços que dá acesso à capela no andar superior. Os blocos laterais também possuem ligeiro avanço, mas os terraços com varanda são acrescentos dos primeiros anos do séc. XX. O Hospício foi desenhado para 24 doentes de ambos os sexos, separados em pequenas enfermarias de seis lugares, devendo as mulheres ficar nas enfermarias do braço nascente e os homens na do braço poente. O edifício possuía ainda pequenas inovações para a época, tais como elevadores para transportar a comida até ao andar superior e um outro para transporte de roupa suja. A ocupação relativamente folgada dos espaços adveio da determinação médica de respeitar um metro cúbico de ar por doente, considerada regra no tratamento dos doentes tísicos. Mais tarde, esta estrutura veio a sofrer alguma contestação; considerada demasiado compacta, optou-se pela distribuição dos doentes por pavilhões mais ou menos independentes, delimitando assim as possibilidades de contágio. O protagonismo da alta e elegante capela central, exteriormente marcada pelas armas pessoais da ex-Imperatriz, deve ter sido imposição de D. Amélia, duquesa de Bragança, dado afastar-se da filosofia arquitetónica inglesa da época. A capela dedicada a N.ª S.ra das Dores, inclusivamente, teria sido paga pelo arquiduque Maximiliano de Habsburgo (1832-1867), que estaria, desde 1852, e aquando da sua visita a Lisboa, prometido à falecida princesa. O futuro Imperador do México encomendou mesmo um projeto neobizantino para a capela ao Arqt. Eduardo Van Del Null (1812-1868) e ao pintor Karl von Blaas (1815-1894), executado em Viena, em 1857, e que figura na coleção de Agostinho de Vasconcelos, no Funchal, mas o seu casamento com a princesa Carlota da Bélgica (1840-1927), a 27 de julho desse ano de 1857, levou a que não fosse executado, tendo o retábulo ali existente sido adquirido em Munique. Na sua segunda passagem pelo Funchal, no inverno de 1859, o futuro Imperador do México visitou o Hospício e, nas suas memórias, referia ser um edifício de estilo renascentista, cuja fachada lhe lembrava um castelo de Nápoles, tal como os hospitais ali construídos. Efetivamente, trata-se de um rígido desenho de inspiração clássica, simétrico e de paredes caiadas, rematado por frontão e cornijas, assente em embasamento de pedra aparente, o que parece contrariar as obras que fizera em Inglaterra e que tinham, então, suscitado alguma polémica. O arquiteto fora acusado de procurar o pitoresco com paredes de aparelho de pedra aparente, de certa rudeza e totalmente assimétricas, enquanto, no Hospício do Funchal, é muito mais classicista. Em causa podem estar as diretivas do encomendador, a duquesa de Bragança, e dos médicos que forneceram o programa, tal como, provavelmente, a execução local pelos mestres pedreiros madeirenses. As obras do Hospício estavam quase terminadas nos meados de 1859, altura em que se teria procedido aos arranjos finais e começado o jardim. Tudo leva a crer que o projeto inicial não comportaria jardim, pois a duquesa de Bragança, em 1860, enviou um projeto de jardim assinado por A. A. Gonçalves, que é quase a única peça que subsiste do arquivo do Hospício. Trata-se de um projeto romântico, aliás presente nos jardins de muitas das quintas madeirenses, com caminhos sinuosos, lagos e tanques, tal como com recantos de estadia e descanso. Em linhas gerais foi o projeto construído, mas ter-lhe-ia depois dado continuidade, nos finais do século, o padre alemão Ernesto João Schmitz (1845-1922). Proveniente da Congregação de S. Vicente de Paulo, onde entrara em 1864, estava pontualmente na Madeira 10 anos depois, como capelão do Hospício da Princesa D. Maria Amélia. Regressava em 1878, para ocupar o mesmo lugar, e, a partir de 27 de setembro de 1881, o de vice-reitor do Seminário. Naturalizado português, em 1898 era transferido para reitor do Seminário de Theux, na Bélgica, voltando à Madeira em 1902, onde só permaneceria até 1908, sendo então transferido para Jerusalém e falecendo à frente da direção do Hospício de S. Carlos, em Haifa, em 1922. A vida no Hospício não foi fácil nesses anos, tendo a entrada dos primeiros doentes ocorrido a 4 de fevereiro de 1862 e a inauguração oficial sido em junho seguinte, e tendo os doentes sido entregues às irmãs francesas da Congregação de S. Vicente de Paulo. Dada a polémica em torno do regresso das Ordens a Portugal, em breve teriam de sair do continente e, na sequência disso, a superiora em Paris mandaria regressar as freiras da Madeira, que se encontravam à frente do Hospício Princesa D. Maria Amélia. Regressariam, entretanto, em novembro de 1871, altura da reabertura do edifício com as Irmãs Vicentinas. D. Amélia veio a falecer em 1873, no palácio das Janelas Verdes, legando a administração do Hospício à sua irmã Josefina (1807-1876), Rainha da Suécia e da Noruega, alegando que administrações daquele tipo não deveriam ter maioria de elementos portugueses ou brasileiros. Desde então, passaram os reis da Suécia a ser os administradores daquela instituição. Volvidos 150 anos, a Rainha Sílvia Sommerlath (n. 1943) da Suécia, administradora titular, continua a ser de origem brasileira, tendo, a 3 de outubro de 1986, visitado pela primeira vez o Hospício. O Hospício Princesa D. Maria Amélia tornou-se, entretanto, emblemático dessa época, sendo visita obrigatória dos viajantes internacionais, e especialmente dos médicos. Em 1883, e.g., o explorador e médico de origem alemã Carl Passavant (1854-1887) aventurou-se numa viagem até Angola para recolher material para o seu doutoramento na Universidade de Basileia, na Suíça. Passando pelo Funchal com outros médicos, não deixou de visitar o Hospício e de levar uma fotografia do mesmo para publicar num trabalho que teria depois o título “Entre Bâle et Angola. Les voyages de Carl Passavant en Afrique de l’Ouest et Centrale en 1883-1885”. Com a sua morte prematura, o seu espólio foi legado ao Museu de Basileia, e os seus trabalhos só foram publicados em 2005, com a fotografia do Hospício. O projeto dos Sanatórios Alemães A estadia prolongada de famílias alemãs e russas, por vezes inteiras, na Madeira dos meados do séc. XIX, veio contribuir para a constituição de um clima cultural muito especial, que as famílias inglesas tinham sido incapazes de desenvolver. Em 1861, e.g., chegava à Madeira Sophie Pirch, princesa de Waxel e baronesa Pirch, acompanhada dos filhos Platão (1844-1914) e Nadechda, ambos doentes de tuberculose, trazendo ainda outra filha, Sophie Pirch, sua homónima. A família instalou-se na Qt. Sarmento e, para fazer face às suas despesas, a princesa deu lições de piano, e o filho lições de canto. Nadechda Waxel viria a falecer na Madeira, mas o irmão Platão recuperaria e a irmã Sophie também, e se casaria na Ilha com o ex-sacerdote José Carlos de Faria e Castro. Entretanto, também passaria pela Madeira o príncipe alemão Maximiliano de Leuchtenberg (1817-1852), irmão da ex-Imperatriz do Brasil, que se casara com uma das arquiduquesas da Rússia, com uma comitiva que teria incluído o pintor russo Karl Briullov (1799-1852) (Briullov, Karl), e, mais para os finais do século, fixar-se-ia na Madeira um dos mais importantes médicos e cientistas do seu tempo, o Dr. Paul Langerhans (1847-1888), autor da descoberta das células que têm o seu nome, tudo contribuindo para a divulgação da Madeira como destino terapêutico. A construção de estabelecimentos para o tratamento de doentes afetados pela tuberculose pulmonar assumia-se como uma necessidade desde os meados do séc. XIX e encontrava-se já então em curso na Madeira, através da fundação do Hospício Princesa D. Maria Amélia. Mas o projeto, no entanto, era perfeitamente pontual para a procura que a Ilha estava a ter como estância de saúde para classes abastadas. Impunha-se assim um projeto muito mais global, em que, a par de unidades hospitalares modernas, especializadas no atendimento de tuberculosos, se construíssem unidades hoteleiras para os acompanhantes dos mesmos doentes e, na mesma sequência, também locais de diversão. A questão da construção dos sanatórios em locais mais ou menos isolados e a certa altitude era assim indissociável da construção de hotéis de luxo e de casinos perto do mar, como era o caso do projeto da Madeira. Foi no seguimento da visita, à Madeira, de D. Carlos e D. Amélia (Visita Régia 1901) que se devem ter constituído as condições para que o príncipe alemão Frederick Charles de Hohenlohe Oehringen (1855-1910), em 1903, se propusesse levar a efeito, na Madeira, um vasto projeto de sanatórios marítimos e de altitude, alguns exclusivamente destinados a doentes ricos, logo, dotados dos anexos indispensáveis de jardins e parques, assim como de outros, destinados à população de menos recursos e que funcionavam como contrapartida da futura sociedade. O projeto foi aprovado pelo Governo português, mediante parecer da comissão executiva da Assistência Nacional aos Tuberculosos, e teria tido apoio da Rainha D. Amélia, amiga pessoal do príncipe alemão. A 22 de setembro de 1903, chegava ao Funchal o príncipe Hohenlohe, com uma vasta comitiva alemã e oficial portuguesa, sendo aí recebido, entre outros, pelo comendador Manuel Gonçalves (1867-1919) e o financeiro João Rodrigues Leitão, visconde de Cacongo (1843-1925) (Cacongo, visconde de), e saindo da Madeira a 3 de outubro seguinte. Em breve, a Sociedade dos Sanatórios da Madeira (Sociedade dos Sanatórios da Madeira) estava em marcha e, a 17 de março de 1904, chegava à Madeira nova delegação alemã, entre outros, com importantes financeiros de Berlim, e que, dentro de um igualmente curto espaço de tempo, liderava um importante projeto de turismo terapêutico, com a construção de várias unidades hospitalares, como foram o Hospital dos Marmeleiros, o sanatório popular, e o Sanatório de Santana, no Monte, já para classes mais abastadas, ambos servidos pelo elevador do Monte (Caminho de ferro do Monte), construído já, em parte, com capitais alemães. Para construção estavam planeados ainda os grandes hotéis marítimos, dependentes de futuras aquisições, a serem levantados nas áreas das quintas Lambert, Vigia, Pavão e Bianchi, praticamente as mesmas que deram lugar ao Casino Park Hotel, duas das quais logo adquiridas. Em breve o projeto avançava para outras vertentes, como eram as facilidades de navegação para o Funchal, prevendo a instalação de um depósito de carvão de pedra não só para os navios que iam servir os hotéis e sanatórios, mas também para a restante navegação. Previa-se, assim, retirar aos Ingleses esses monopólios, passando o Funchal a funcionar como nó de comunicações no Atlântico Norte, e.g., entre a América do Norte e a África do Sul, onde os Alemães já possuíam largos interesses. Estavam assim em causa os interesses ingleses na Madeira e, por acréscimo, mesmo no quadro geral do Atlântico Norte. De imediato os periódicos locais atacaram o projeto, incentivados pelas firmas Blandy e Cory, concessionárias da distribuição do carvão, assim como pelos irmãos Reid, proprietários do Reid’s Palace Hotel (Arquitetura do Turismo de Lazer). Foi protagonista deste ataque o Diário de Notícias do Funchal, já propriedade da Casa Blandy, levando a que a Companhia dos Sanatórios da Madeira tivesse mesmo de apoiar a fundação de um periódico diário, o Heraldo da Madeira, cuja redação foi entregue a Fernando Augusto da Silva (1863-1949) para a defesa dos interesses alemães. A guerra nos anos seguintes seria terrível, envolvendo as chancelarias de Londres e de Lisboa, mas também as de Berlim, e acabaria o Estado português por, mais uma vez, sair a perder, tendo de pagar uma pesada indemnização aos concessionários alemães. Nos anos seguintes, a tensão não deixou de aumentar, pois, logo nos inícios de 1905, se adaptava a antiga Qt. de Santana a hotel e sanatório de luxo, e se iniciava a construção de raiz do pequeno, mas luxuoso, Kurhotel Amélia, por certo em homenagem à Rainha de Portugal, que apoiara a Sociedade; e, a 24 de junho desse ano, procedia-se ao lançamento da primeira pedra do sanatório dos pobres, o Hospital dos Marmeleiros, no Monte, e começavam-se as negociações para a construção do projeto do grande Kurhotel sobre a baía do Funchal, a levantar no espaço das quintas Vigia e Bianchi. Os Alemães já haviam adquirido essas quintas, mas necessitavam ainda de adquirir a Qt. Pavão, ao lado, conseguindo, no entanto, os Ingleses a sua aquisição, por direito de opção de um dos anteriores locatários. Os Alemães exigem do Governo português a expropriação por utilidade pública, colocando Lisboa no meio de um grave incidente diplomático entre os interesses britânicos e alemães, tendo-se, inclusivamente, o príncipe Hohenlohe deslocado a Lisboa nos primeiros dias de novembro de 1905. Nunca a Madeira tinha sido tão falada na imprensa continental e internacional, alvitrando-se mesmo uma arbitragem internacional, através do recurso ao Tribunal de Haia, e falando-se abertamente numa indemnização.   [gallery order="DESC" columns="2" size="full" ids="14339,14342"] O luxuoso complexo do sanatório marítimo, que nunca se chegaria a construir, envolvia conjuntos de parques e jardins para exercícios ao ar livre, acesso a praia de banhos, vilas destinadas às famílias que quisessem viver separadamente, etc. O conjunto central apresentava planta em H, tendo quatro pisos de quartos e suites, todos eles dotados de instalações sanitárias privadas, dispostos de ambos os lados de um corredor central. No rés do chão e na semicave situavam-se as áreas sociais e de serviços, sendo o salão central verdadeiramente monumental. Tratava-se de uma verdadeira revolução nos padrões de conforto oferecido pela hotelaria da Ilha, com que nem os mais importantes hotéis então construídos poderiam competir. O sanatório de montanha destinado aos doentes pobres, que, por pressão da Rainha D. Amélia, havia sido a primeira construção a ser levantada, não se afastava muito das linhas gerais programáticas do Hospício, construído 50 anos antes, com a mesma filosofia de um corredor central servindo as enfermarias e os quartos. Ultrapassava-o, no entanto, na volumetria geral, apresentando quatro pisos compactos, sendo o inferior uma semicave, ocupado com os serviços, e estando os dois superiores dotados, a todo o comprimento, de uma arcaria que formava uma extensa varanda coberta e outra aberta. Não tinha a qualidade de construção aparente do Hospício, e estava marcado por uma característica austeridade alemã. Com a extinção da Sociedade e a indemnização paga, o enorme edifício veio a ser entregue ao Estado e acabou por receber o antigo Hospital de S.ta Isabel, da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, libertando aquele edifício para instalação da Junta Geral. Em 1905, também estava pronta a adaptação da antiga Q.ta de Santana, do outro lado do Monte, para receber um pequeno mas luxuoso sanatório, o Kurhaus Sant’Ana, enquanto não estava pronto o luxuoso Sanatório Palácio-Hotel, que a Companhia dos Sanatórios tencionava levantar nas imediações. A residência da antiga quinta deve ter sido então dotada de alpendres, dos quais só ficaram fotografias. Desocupada, nos meados do século veio a sofrer várias alterações para receber a Escola Superior de Enfermagem de S. José de Cluny. O luxuoso Kurhotel Amélia, que chegou a ser construído, total e luxuosamente equipado, ocupou o espaço logo acima da antiga Qt. de Santana, e acusava, na sua arquitetura, a influência da secessão vienense, que à época também se fazia sentir na Alemanha. Com o seu encerramento, veio a perder todo o recheio, que porventura nunca chegou a ser utilizado, podendo ter restado um serviço de cristofle, de grande dimensão, existente no palácio de S. Lourenço, para além de algumas fotografias, raras. O que restava do antigo edifício foi demolido, em 1941, para dar lugar ao Preventório de S.ta Isabel e Sanatório Dr. João de Almada (1874-1942) projetado pelo Arqt. Carlos Ramos (1897-1969), que, entre 1953 e 1958, seria ampliado, então por iniciativa do Dr. Almada e do genro, o Dr. Agostinho Cardoso (1908-1979). A arquitetura do turismo terapêutico representou, através da construção do Hospício Princesa D. Amélia, uma profunda revolução na área do tratamento da tuberculose, tendo sido aquele o primeiro sanatório construído em Portugal e, ao que saibamos, o primeiro edifício a ser levantado mediante concurso internacional. O megaprojeto da Sociedade dos Sanatórios da Madeira gorou-se, mas deixou na Madeira o edifício que permitiu, algumas décadas depois, transferir o velho Hospital de S.ta Isabel, da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, do centro da cidade, e os pequenos sanatórios da freguesia do Monte serviram de base para a Escola Superior de Enfermagem e para o Sanatório Dr. João de Almada, uma peça notável da arquitetura do Estado Novo.   Rui Carita (atualizado a 22.02.2017)

Património História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social

preto, alberto gonçalves

Pedro Alberto Gonçalves Preto nasceu na freguesia da Sé, Funchal, a 7 de setembro de 1907, filho de Francisco M. de Freitas Gonçalves Preto, advogado e jornalista, e de Sofia Amélia Gonçalves Preto. Casou-se com Maria Aurora de Sousa Gonçalves Preto, com quem teve um filho, Edgar Reinaldo de Sousa Gonçalves Preto, cineasta. No dia 12 de dezembro de 1917, com apenas 10 anos, foi atingido por estilhaços de uma granada num ataque de submarinos alemães, que despejaram sobre o Funchal 50 obuses de grosso calibre em plena Primeira Guerra Mundial, ficando com uma permanente, mas ligeira, deformação no braço direito. Morador na R. da Carreira, no Funchal, Gonçalves Preto tirou o curso no Liceu Jaime Moniz e frequentou a Universidade em Lisboa, cidade que “de lés-a-lés calcorreou de velhusca capa e batina” (Re-nhau-nhau, 25 maio 1971, 4) e onde contactava frequentemente com o conterrâneo e amigo Teixeira Cabral e o caricaturista Reinaldo Ferreira, conhecido como Repórter X. Desde o tempo do liceu começou a firmar qualidades enquanto jornalista. Fundou e dirigiu, em conjunto com Arnaldo Barão, a Piada Académica, cuja realização foi para Preto uma espécie de alvorada no jornalismo. Trabalhou no jornal O Fixe, sob a direção de Jaime de Macedo, de onde sai em consequência de uma cisão. Ao lado de João Miguel, amigo de longa data, Gonçalves Preto funda o Re-nhau-nhau, um jornal satírico. Sob a direção de Gonçalves Preto e tendo como editor João Miguel, o primeiro número, especial, sai no dia 16 de dezembro de 1929. Trimensário humorístico cuja redação foi montada no n.º 42 da travessa das Violetas, dirigia-se, na primeira página, “Aos briosos da briosa academia” do liceu do Funchal, título acompanhado de duas caricaturas, uma de Teixeira Jardim, presidente da academia, e outra de Liberato Ribeiro, presidente da executiva. Na capa deste número especial, o Re-nhau-nhau dá os primeiros ares da sua graça ao ser dedicado aos “‘miaus’ futuros pais da pátria em geral e às noivas em particular”. No dia 20 de dezembro de 1929, saía para as bancas, já com cariz mais político, o n.º 1, intitulado “Donde irradia a ordem e o progresso!...”. Gonçalves Preto dirigiu o trimensário durante 42 anos, ininterruptamente, até ao final da sua vida. A edição de 25 de maio de 1971 ainda o refere como diretor. Ao mesmo tempo que dirigiu esta publicação, Gonçalves Preto foi chefe da secção de serviços administrativos da Caixa de Previdência e Abono de Família do distrito de Funchal. Ou assinando com o seu nome, ou com o pseudónimo Gonçalves Cor Ausente, Gonçalves Preto escreveu tanto prosa como poesia, sendo neste género literário que publica, em 1955, Versos de Gonçalves Preto – Perfis de donzelas várias: “Tão linda que em pequenina/Havia um rapaz, por graça/Que ao vê-la passar, ladina/Dizia em voz cristalina:/– “É a minha noiva que passa”.//Cresceu, tornou-se mais linda,/E agora, o mesmo rapaz/Cheio de saudade infinda/Ao vê-la, suspira ainda,/E já não sabe o que faz,//Seus doces olhos castanhos/Duma suave ternura,/Têm qualquer coisa de estranho,/E a qualquer criatura/No coração fazem lenhos” (PRETO, 1955, 2). Nos palcos do teatro amador e nos salões privados, Gonçalves Preto declamava poesia. Em 24 de agosto de 1933, com João Santana Borges e Filipe Correia, chegou a estrear, no Teatro Municipal do Funchal, uma revista teatral com o título O fim do mundo. Pedro Gonçalves Preto morreu no hospital dos Marmeleiros, no Funchal, no dia 15 de maio de 1971. Foi sepultado no cemitério Nossa Senhora das Angústias, em São Martinho.   Obras de Pedro Gonçalves Preto: Versos de Gonçalves Preto – Perfis de Donzelas Várias (1955).       António José Macedo Ferreira (atualizado a 03.02.2017)

Literatura Sociedade e Comunicação Social Personalidades

forte novo de são pedro

Entre 1704 e 1712, o novo governador Duarte Sodré Pereira, fidalgo e mercador, aumentou a defesa da ilha da Madeira, tendo mandado construir o forte novo de São Pedro, então datado de 1707 em lápide sobre o portal da entrada. O forte tinha planta pentagonal, incorporando-se no pano da muralha sobre a chamada R. dos Balcões, quase em frente da R. dos Barreiros, posterior Campo Almirante Reis, e apoiando as restantes fortalezas da orla marítima. Em 1797, foi ainda este forte dotado de um forno de balas ardentes, vindo a ser demolido entre 1897 e 1898. Palavras-chave: fortes; arquitetura militar; defesa; praça académica; urbanismo.   Nos finais do séc. XVII foram enviados à Madeira alguns fortificadores, habilitados nas novas escolas continentais, que completaram as muralhas (Muralhas do Funchal) e terão deixado algumas propostas de obras, face ao aumento da navegação e do comércio marítimo no Funchal. Assim, com a vigência do Gov. Duarte Sodré Pereira, fidalgo e mercador, a defesa da Ilha foi bastante aumentada, executando-se uma série de fortes, desde Machico (Fortes de Machico) até ao Porto do Moniz (Fortes do norte da Ilha). Duarte Sodré Pereira era morgado de Águas Belas e notabilizara-se como capitão na armada da corte; terá sido nessa altura que estabeleceu contactos comerciais vários, que, durante a sua vigência na Madeira, entre 1704 e 1712, utilizou, tornando-se num fidalgo-mercador. Nos meados do séc. XVII o porto tinha sido melhorado com a construção do baluarte da Alfândega (Reduto da Alfândega), que protegia a entrada das fazendas e com a fortaleza do Ilhéu, que oferecia proteção geral aos navios surtos no local. Com o incremento do porto do Funchal, nos inícios do séc. XVIII, sentiu-se de imediato a necessidade de erigir mais uma fortaleza que apoiasse, concretamente, as de São Filipe e de São Tiago, assim como a longa muralha entre as duas. Nesta sequência, construiu-se o forte Novo de São Pedro, integrado no meio da longa muralha do bairro de Santa Maria do Calhau. O forte tinha planta pentagonal, incorporando-se no pano da muralha sobre a chamada rua dos Balcões, quase em frente da rua dos Barreiros. Possuía seis canhoneiras abertas para artilharia grossa e uma importante porta de cantaria regional, encimada por uma inscrição sob o brasão das armas reais: “No último ano de governo d’el rei D. Pedro II, nosso senhor, mandou levantar este forte de S. Pedro, o governador e capitão general Duarte Sodré Pereira e juntamente os de Machico, Santa Cruz e Ribeira Brava, que se guarneceram de artilharia que meteu nesta Ilha, que foram 54 peças, além de munições, armas e outros reparos que fez fazer em todas as fortificações dela. E tudo se acabou no ano de 1707” (ARAGÃO, 1987, p. 307). Foi primeiro comandante do forte Novo de São Pedro o capitão Zenóbio Acciauoli de Vasconcelos, em 1707 e, no ano seguinte, dado o seu falecimento, foi provido como comandante desta fortaleza, a 8 de setembro, o antigo capitão do Campanário, Jorge Correia de Vasconcelos. O primeiro condestável da fortificação foi Domingos Carvalho e, por provimento de agosto de 1709, Manuel Fernandes Vieira ocupou depois o lugar, passando o anterior condestável para a bateria da Alfândega. Manuel Fernandes Vieira prestara serviço como bombardeiro da Alfândega, com 50 réis por dia e fora aí provido, a 9 de junho de 1704, pelo Gov. Duarte Sodré Pereira, numa “praça paga”, passando a receber 36$000 por ano (ARM, Governo Civil, cód. 418, fls. 1-1v.). Esta “praça” era a que cumpria ao capitão António Nunes e se “achava vaga por impedimento crime e ausência” do mesmo (Id., Ibid.), dado ter-se envolvido numa sedição contra o anterior governador. Em 1724, Manuel Fernandes Vieira era ainda condestável de São Pedro, recebendo a carga de 15 peças de artilharia de ferro, montadas, de calibres de 4 até 24 libras. Havia também uma peça ligeira, de calibre de 4 libras, montada no revelim da “porta grande do cabo do calhau”, igualmente à carga daquela fortificação (Id., Ibid., fls. 9-9v.). Em 1729, dada a idade avançada de Manuel Fernandes Vieira, tomou posse um novo condestável, Francisco Dinis, recebendo a mesma carga. Depois, em 1771 e de acordo com os encargos financeiros do pessoal militar, era condestável do forte, José Gonçalves, com um ordenado 36$000 réis. Nos finais do séc. XVIII, o forte foi ainda dotado de um artifício tecnológico: um forno de balas ardentes. Tratava-se de uma inovação de combate naval, mais tarde vulgarizada a bordo, mas com graves problemas e sem a potência e o alcance da artilharia de costa, assente em terra firme. A alteração baseava-se no disparo, ou seja, enquanto nas bocas-de-fogo tradicionais desta época se colocava a carga de pólvora, a bala e depois se acionava o disparo por um morrão, aqui era a bala incandescente que acionava o disparo. Este dispositivo obrigava ao isolamento da pólvora, que era feito através de um pano humedecido sobre o qual ia atuar a bala previamente colocada ao rubro num forno e depois para ali transportada por tenazes. O disparo da bala e dos pedaços incandescentes do pano que tinham servido de “atraso”, indispensável para pôr a peça em bateria após a colocação da bala ardente, incendiavam as velas, cordame e madeiras dos navios. Na parede exterior do forte, onde se fez o dito forno, havia uma inscrição: “Forno de balas ardentes feito com o conserto neste forte no ano de 1797” (SARMENTO, 1951, 58). Embora fosse dos fortes mais modernos do Funchal, com o decurso do séc. XIX e verificadas as alterações das estratégias de combate, por se encontrar então demasiado exposto, perdeu o interesse militar. Assim, na descrição de Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), de 1817, o forte Novo era considerado em boa posição, “porém, o ângulo saliente que oferece ao mar não foi boa lembrança de quem o construiu, porque o navio que fundear na direção do ângulo não sofrerá o menor dano, só o fogo dos lados serve para proteger S. Tiago e as praças do Pelourinho e Ilhéu” (CARITA, 1982, 92). Nessa data já só tinha duas peças de calibre 12 e cinco de calibre 24. Paulo Dias de Almeida eliminou então a guarita avançada ao mar, colocando nesse espaço uma das novas peças de longo alcance, como fizera em São Tiago, queixando-se de que o forte tinha “um sofrível quartel” e não tinha cisterna (Id., Ibid.). Este engenheiro levantou a planta e o alçado do forte em apreço, como também o fez António Pedro de Azevedo (1812-1889), em 1855 e em 1862. Mesmo assim, nos finais do séc. XIX era considerado inútil e foi demolido em 1898, durante a vigência do Dr. José António de Almada (1843-1905) como chefe do distrito. Esta demolição permitiu o alargamento do “campo das pipas”, como era alcunhado o espaço em frente, dada a localização na área de vários armazéns de vinho, passando então a designar-se “Praça Académica”. Este campo seria depois chamado “das Loucas”, dado ser o local onde passeavam, a horas mortas, algumas mulheres “da miséria social a que a pobreza arrasta”, como se dizia (SARMENTO, 1951, 60). Foi, ainda nesta época, também chamado “dos Chalons” e “de São Tiago”, dados os exercícios militares que ali decorriam. Com a visita do rei D. Carlos e com a exposição comercial e industrial que se realizou, passou a ser “D. Carlos”; com a República, “Almirante Reis”, tal como o conhecemos hoje. O projeto de “melhoramentos” urbanísticos começou a ser equacionado em 1886 e consumou-se em 1897, com a demolição do velho forte, de que só resta um desenho do portal publicado no Diário Popular do Funchal, de 10 de outubro de 1897, as plantas militares entretanto feitas e algumas fotografias daquela área urbana da cidade, onde o mesmo aparece timidamente.   Rui Carita (atualizado a 31.01.2017)

Arquitetura História Militar Património

fortes da ribeira brava

O escarpado das encostas nesta área da Ilha não oferece grandes possibilidades para qualquer desembarque de forças, tendo o sistema de defesa, implantado nos sécs. XVI e XVII, privilegiado a instalação de vigias. No entanto, dada a importância e riqueza do lugar, houve logo a construção de um forte, São Sebastião, designação que parece apontar para a década de 70 do séc. XVI. Mais tarde, em 1708, foi edificado o forte de São Bento, por ocasião da campanha desenvolvida ao tempo do governador Duarte Sodré Pereira, quando se erigiram também as fortificações de Machico (Fortes de Machico), Santa Cruz e o forte Novo de São Pedro, no Funchal; tal como, muito provavelmente, se reforçaram algumas das posições das vigias da costa norte. A aluvião de 9 de outubro de 1803 destruiu ambos, tendo ficado do forte de S. Bento somente a torre de gola, que foi aproveitada para posto de turismo. Palavras-chave: aluviões; artilharia; arquitetura militar; defesa; turismo.   De acordo com a inscrição ainda existente na torre da gola, o forte de São Bento, orago do lugar, foi levantado sob a direção do capitão Henrique Manuel João e “a artilharia dele foi a primeira que entrou neste lugar sem despesa para a fazenda real”. O governador empenhara-se em envolver nesta campanha de fortificação os elementos da governação local, pois eram quem mais beneficiava da defesa, assegurando a proteção das suas propriedades. O forte encontrava-se ativado e guarnecido pouco depois, tendo o governador D. Pedro Álvares da Cunha nomeado para capitão do mesmo, a 14 de janeiro de 1713, João de Vasconcelos Uzel. Em 1742, forneceu-se “papel pardo para cartuchos” ao condestável da Ribeira Brava, provavelmente Tomé Ferreira da Silveira, que custaram $200 réis (ANTT, Provedoria..., liv. 840, 1742, fls. 17-22). O primeiro forte de São Sebastião é referido por Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832) como tendo sido destruído na aluvião de outubro de 1803. O autor comenta que sequer tinham restado vestígios dele, acrescentando que o mesmo acontecera com o de São Bento. Do forte de São Sebastião tinham ficado seis peças de diferentes calibres, reprovadas e do forte de São Bento, oito, também de diferentes calibres, igualmente reprovadas, além de 307 balas. A defesa do lugar reduzia-se a um pequeno plano em cima da ponta de rocha a nascente, a que então chamavam Reduto, onde se instalou uma posição fortificada, entre as duas grandes guerras mundiais e onde existiam três peças no chão, sem palamenta alguma. No entanto, no livro de carga da artilharia de 1724 já não se menciona o forte de São Sebastião, mas sim o forte de São Bento, de que era condestável Ferreira da Silva e ao qual foram entregues, com data de 4 de outubro desse ano, seis peças de artilharia de ferro montadas de calibre de 2 até 9 libras, três colheres de cobre com as suas hastes, cinco soquetes elanados, um riscador, um saca-trapo, duas pranchas de chumbo para os fogões, dois caixões para recolher pólvora e cartuchos, e “um cano de mosquete com seu reparo que serve para exercício de barreira aos artilheiros” (ARM, Governo Civil, liv. 418, fl. 24). A 30 de setembro de 1730 foi carregado ao mesmo condestável outros quatro soquetes, dois polvorinhos e duas agulhas. Em 1733, entretanto, servia de condestável Tomé Ferreira da Silveira, que recebeu ordem de entregar as armas de pedreneira que tinha para guarda no forte, e que recolheram ao Funchal. O engenheiro António Pedro de Azevedo (1812-1889) levantou a planta do lugar em 1841, na sua primeira descrição da ilha da Madeira e, de novo, em 1860, para o “tombo militar” (DSIE, Gabinete..., n.os 5584 e 5540, 1A-12A-16; ARM, Arquivos Particulares), onde o forte surge já reduzido à torre de gola, com um pano adjacente para nascente e dois lanços de escadas no mesmo, o que também aparece registado nas fotografias do final do séc. xix. Tudo parece indicar que o forte inicial era triangular, com torre de gola na entrada e semelhante aos do Amparo de Machico (embora este sem torre) e de São João Batista do Porto do Moniz (Fortes do Norte da Ilha). Na descrição do tombo militar refere-se que, não havendo quem se encarregasse da conservação da pequena parte que restava da fortificação, tinha a mesma sido arrendada para habitação a José Felício de Aguiar. A aluvião de 1842 parece não ter afetado especialmente o que restava do antigo forte de São Bento, embora na planta levantada não haja menção à construção. O forte ou, mais corretamente, o que dele sobejava, veio a ser entregue à nova câmara municipal, criada a 6 de maio de 1914, por interferência do ex-visconde da Ribeira Brava (1852-1918), havendo referências a obras realizadas por volta de 1916, altura em que, por certo, os merlões foram rematados com vivos relevados, de pequena guarita superior de proteção à escada que dá acesso ao terraço e foram executadas as frestas e o oratório do lado do mar, elementos que não se configuravam assim nas fotografias que conhecemos dos finais do séc. XIX e inícios do XX. Nos desenhos de António Pedro de Azevedo e nas fotografias mais antigas, a face, hoje do lado do mar, era dotada de larga porta de acesso à parada do forte inicial e provida superiormente de ampla janela, componentes que foram depois entaipados. Segundo a tradição local, terá servido de prisão camarária, mas não existe qualquer confirmação documental de tal serventia durante o séc. XX. Na década de 90, foi remodelado para servir de posto de turismo, situação que, de forma algo intermitente, se mantém até hoje. Nos alvores da Segunda Guerra Mundial foi levado a efeito um largo plano de defesa para a ilha da Madeira, altura em que algumas das principais baías foram dotadas de novas estruturas defensivas, onde, para além das novas baterias de costa e antiaéreas do Funchal, foram construídos abrigos enterrados, para seções de metralhadoras pesadas, como aconteceu na Ribeira Brava e na praia Formosa (Fortes da Praia Formosa). O trabalho foi entregue à Companhia de Sapadores Mineiros, pertencente à rede das unidades de engenharia, conhecendo-se uma planta para o “abrigo para uma secção de metralhadora pesada” da Ribeira Brava, da autoria do alferes miliciano de engenharia Rogério Afonso, que deve datar de meados de 1942, pois que a aprovação do subsecretário de Estado da Guerra foi de 12 de agosto de 1942 (BOTELHO, 2006, p. 3). Por esse ano ou no seguinte, escavou-se o abrigo enterrado para a secção de metralhadora pesada, que subsiste na arriba do pequeno porto da Ribeira Brava, inclusivamente com um baixo-relevo numa das antigas portas de alvenaria, com o emblema da Companhia de Sapadores Mineiros, ainda com vestígios de pintura.   Rui Carita (atualizado  a 31.01.2017)

Arquitetura História Militar Património

fortes do norte da ilha

O povoamento do norte da Ilha, da responsabilidade da capitania de Machico, foi mais tardio e o alcantilado da costa também contribuiu para não haver especial e urgente necessidade de construções defensivas, que por esta razão foram prorrogadas. Nos inícios do séc. XVIII deve ter sido construído o forte do Porto da Cruz, de que somente resta a casa da guarda. Datado da mesma altura, o arruinado forte do Porto do Moniz foi, entre 1998 e 2000, reconstruído para acolher o aquário. No calhau de São Jorge também veio a ser levantado um pequeno forte, em 1785, que as cheias de novembro de 1848 destruíram, restando somente o antigo portal de entrada. No início do séc. XX, uma das famílias do Faial levantou um miradouro romântico, o chamado forte do Faial, que equipou com velhas bocas-de-fogo abandonadas nas praias. Palavras-chave: aluviões; aquário da Madeira; artilharia; arquitetura militar; Romantismo.   Porto da Cruz Não houve necessidade urgente ou especial de edificar construções defensivas no norte da Ilha, pois o povoamento da área, da responsabilidade da capitania de Machico, foi mais tardio e o perfil da sua costa é alcantilado. A freguesia do Porto da Cruz era a que mais contactos estabelecia com a sede da capitania de Machico, embora por caminhos de difícil acesso, nos sécs. XVI e XVII. Assim, em princípio, terá sido uma das primeiras localidades do norte onde foi erigida uma fortificação, determinada nos primeiros anos do séc. XVIII pelo governador Duarte Sodré Pereira. Estaria em construção em 1708 e para ela foi nomeado capitão João de Vasconcelos Uzel, em 1713. No entanto, no livro de carga da fortificação de 1724 não consta que a mesma estivesse artilhada, ao contrário do Porto do Moniz, que já teria um reduto artilhado. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), em 1817, não considerou que o vago arranjo executado no quase ilhéu do porto fosse uma verdadeira fortificação. Assim, escreveu: “tem um pequeno plano, em que se pode formar uma bateria pelo menos de quatro peças, de que bem necessita” (CARITA, 1982, 73). Conta também que existia no sítio um barbuzano e duas oliveiras, das quais se recolhia o fruto, não havendo memória de terem sido aí plantadas. Acrescenta ainda que a povoação estava dispersa pelos diversos lombos, cobertos de balseiras e que os caminhos até à Portela eram todos feitos através de despenhadeiros. O local em apreço tinha sido objeto de trabalhos de fortificação alguns anos antes, tendo sido efetuada, pelo menos, a reconstrução da casa da guarda, que ainda ostenta a data de 1793 num lintel. Quando Paulo Dias de Almeida elaborou a referida descrição, a obra estaria já levantada, porém, o autor não lhe faz referência, talvez pela sua insignificância e porque, segundo o Elucidário Madeirense, o forte teria sido desmantelado em 1804, sendo a guarnição existente mandada trabalhar na desobstrução da ribeira de Machico. Esta situação, no entanto, terá sido pontual, motivada pela aluvião de 9 de outubro de 1803, não se tratando da guarnição efetiva do forte, que nunca a terá tido em permanência, mas sim do pessoal das companhias de ordenança da freguesia que montavam a guarnição do mesmo. Mais tarde, em 1819, depois da visita geral efetuada à Ilha pelo governador Sebastião Xavier Botelho (1768-1840), o tenente-coronel Paulo Dias de Almeida, na planta da Madeira onde indicou os pontos que necessitavam de ser fortificados, registou que se devia ativar de novo a bateria do Porto da Cruz, bem como montar uma outra bateria na ribeira do Lava-pés, hoje ribeira da Maiata, na encosta nascente, efetivamente um local com um muito bom comandamento sobre toda a baía e de onde nos finais desse século vários viajantes tiraram fotografias. Não cremos que se tenha feito coisa alguma na baía do Porto da Cruz durante as décadas de 20 e 30 do séc. XIX, pois o tombo militar desse forte é de 1870, não foi escriturado por António Pedro de Azevedo (1812-1889) na década anterior, quando este considerou a grande maioria das restantes fortificações da Ilha. O forte encontrava-se na “origem setentrional da Ponta de São Lourenço”, segundo a descrição de 1870 e constava então de uma casa da guarda para depósito de munições, arruinada, e de um terrapleno de parapeito de terra, estando tudo totalmente abandonado (ARM, Arquivos Particulares, tombo militar). Não tinha, assim, qualquer interesse militar, pelo que deveria ser arrendado, segundo opinião do engenheiro Domingos Alberto da Cunha (1826-1892), que assinou a descrição a 31 de dezembro de 1870. A descrição seguinte, de António Leite Monteiro, datada de 3 de novembro de 1893, mantém a mesma opinião e propõe um valor global de 20$000 réis. É tradição local que este forte esteve artilhado até aos inícios ou meados do séc. XX. As peças terão então sido lançadas ao mar, sendo uma delas recuperada depois pela firma Soares Branco e entregue ao Museu da Quinta das Cruzes, nos finais da década de 60, mas entretanto depositada no museu de artilharia do Grupo de Artilharia de Guarnição n.º 2, onde ainda se encontra. A área do forte foi ocupada nos anos 30 por um posto da Guarda Fiscal, que deixou várias inscrições esgrafitadas nas paredes e, em 1960, por uma senhora de nome Raquel, segundo informação local, para exploração agropecuária. Voltou a ficar vago poucos anos depois, sendo ocupado somente como ponto de lançamento de fogo-de-artifício das festas regionais locais. A povoação de São Jorge desenvolveu-se na parte de cima da alta escarpa sobre o calhau da praia, tendo essa área de ocupação inicial sido mais ou menos abandonada entre os finais do séc. XVI e os inícios do XVII, justificando, inclusivamente a desmontagem da igreja matriz inicial da freguesia e a sua reconstrução na achada superior. Paulo Dias de Almeida, na sua descrição de 1817, afirma que por tal era “muito saudável e livre de humidades” (CARITA, 1982, 72-73). Menciona igualmente que “a paróquia é a melhor de toda a Ilha” (Id., Ibid.), referindo-se à igreja paroquial, reformulada nos meados do séc. XVIII, sendo que o templo compreende, de facto, um dos melhores exemplares de talha barroca da Madeira. Explica também que, sendo o porto de rocha, os barcos que ali iam receber os vinhos não se chegavam a terra, recolhendo as pipas em vaivém, pelo que muitas se perdiam. Junto ao porto onde se encontravam os armazéns desta freguesia e da de Santana, havia um pequeno reduto com duas peças de calibre 6 deitadas no chão. Acrescenta ainda Paulo Dias de Almeida que, no porto, só ficava um morador “efetivo” e os restantes recolhiam-se diariamente para o alto da população (Id., Ibid.). São Jorge O forte de São Jorge tinha sido construído a expensas de Francisco Manuel Jardim de Mendonça (Tello de Meneses), em razão do que foi nomeado, em 1785, primeiro capitão do dito forte; por sua morte, o cargo passou ao filho, Honorato Francisco Tello de Meneses. Segundo o tombo deste forte, “tudo” constava de uma “declaração passada por Agostinho Luiz Homem de El-rei, engenheiro e mestre das obras reais, e que só a bandeira, duas peças e dois reparos haviam sido pagos pela fazenda real” (ARM, Arquivos Particulares, tombo militar). Acrescente-se, entretanto, que este Agostinho Luiz Homem de El-rei não era engenheiro nem mestre das obras reais, mas sim apontador. Escreveu António Pedro de Azevedo que uma cheia, ocorrida entre 17 e 20 de novembro de 1848, destruiu totalmente a casa da guarda, que podia alojar cerca de oito homens, assim como parte da muralha do lado da ribeira, ficando o parapeito do forte “totalmente escalavrado e o terrapleno coberto de grossos calhaus” (Id., Ibid.). O forte era triangular, correndo o parapeito paralelo à praia, com 26,5 m e 9 de profundidade. O tombo foi assinado a 19 de fevereiro de 1864, por António Pedro de Azevedo, que calculava que o conjunto valeria então cerca de 350$000 réis. Em nota a esta descrição, António Pedro de Azevedo escreveu que, em toda a costa do norte da Ilha, se não podia tentar um desembarque em força sem grande perigo; embora não tirasse conclusões, tudo parece indicar que este militar não se inclinava para a reconstrução do pequeno reduto de São Jorge. A planta levantada por si, em 1868, apresenta uma “Vista do forte de S. Jorge antes da cheia de 17 de novembro de 1848”, que o mesmo teria efetuado pouco depois da sua chegada à Madeira, em 1841 (DSIE, Gabinete..., n.º 5534, 1A-12A-16). O tombo militar apresenta ainda um apontamento de cerca de 1890, dizendo estar o forte então desocupado e ter um valor de 200$000 réis. Parece ter ido entretanto a hasta pública, dado o terrapleno ser hoje propriedade privada. Faial No remate da propriedade do Faial da família do Dr. João Catanho de Meneses (1854-1942) existe um pequeno e alcantilado “forte” redondo, decorado com uma importante coleção de velhas bocas-de-fogo de ferro, quase todas inglesas e parecendo provenientes de navios desmantelados. O chamado forte do Faial foi construído como mirante de quinta madeirense, ao gosto romântico do séc. XIX, encontrando-se a uma grande altura e distância do mar, o que não lhe permitiria fazer eficazmente qualquer tipo de tiro. Deve datar dos inícios do séc. XX, ter sido executado para puro recreio dos utilizadores da propriedade, tendo a sua decoração sido feita com objetos provenientes dos vários fortes abandonados na costa norte. Num desenho do forte do Porto do Moniz, de cerca de 1850, as três bocas-de-fogo sumariamente traçadas, parecem ser “caronadas” inglesas dos inícios do séc. XIX, como as deste forte. Três destas bocas-de-fogo estiveram a decorar a esplanada do reconstruído forte do Gorgulho, no complexo balnear do Lido, no Funchal, por solicitação da Câmara do Funchal e com o acordo dos proprietários, assim como uma outra, a mais pequena de todas (98 cm de comprimento e 6,8 de calibre), integrou a exposição sobre arquitetura militar da Madeira dos sécs. XVI a XIX, realizada a 10 de junho de 1981 no teatro municipal do Funchal. Ao longo da década de 90, este conjunto de bocas-de-fogo, que tradicionalmente salvavam nas festas de N.ª S.ª do Faial, por razões de segurança, deixaram de ser usados nas ocasiões festivas. Em 1998, entretanto, utilizando-se cargas de pólvora mais fracas e depois de terem sido testadas as suas condições pela equipa militar de salvas de artilharia, os antigos canhões voltaram a disparar. O velho forte foi entretanto classificado, reconhecendo-se o seu valor local, e foi alvo de uma recuperação geral, levada a cabo pela Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC), refazendo-se então as carretas de artilharia, dentro do modelo de marinha e sítio, das várias bocas-de-fogo. Todo o empedrado em calhau rolado madeirense foi refeito, as paredes e a muralha foram consolidadas e a casa de apoio central foi reparada, sendo dotada com uma pequena exposição de fotografias de gravuras antigas da área, acompanhadas por um pequeno historial da família Catanho de Meneses, tudo sob direção e execução de técnicos da DRAC. Porto do Moniz As primeiras informações que temos das defesas do Porto do Moniz são de 1642. Assim, em julho desse ano, o capitão Manuel de Castro da Câmara recebeu 1$970 réis pelo arranjo da vigia local, sinal de ser a esta anterior e decorrente das ordens emanadas no regimento de vigias de 1567. Com a vigência do governador Duarte Sodré Pereira e com os contactos comerciais internacionais que este estabeleceu, foi sentida a necessidade da revisão geral da fortificação da Ilha. Nesse sentido, foi determinada a fortificação do norte e, especificamente, do Porto do Moniz e do Porto da Cruz, ambos sob a invocação de S. João Batista. A construção deve ter sido, assim, iniciada antes de 1711, data em que sabemos ter tido então novas obras. Foram levadas a cabo pelo capitão Manuel Rodrigues Ferreira Ferro (1685-1756), a cuja família foi dado o encargo do respetivo forte. As obras foram orçamentadas pelo mestre das obras reais Domingos Rodrigues Martins (c. 1710-1781), mas só terminadas na vigência do conde de S. Miguel como governador, em 1758. O capitão do Porto Moniz tivera patente assinada no Funchal, a 30 de abril de 1709 e registada em Machico, a 22 de junho, sendo depois provido como sargento-mor de Machico, por patente assinada em Lisboa, a 12 de setembro de 1753 e que tomou posse no Funchal, perante o governador conde de São Miguel, a 25 de março do seguinte ano de 1754. Atendiam-se aos serviços feitos ao “longo de mais de 62 anos de soldado, à sua conta, sem soldo, em toda a costa de mar e no tempo de guerra”, assim como a edificação da “fortaleza daquele lugar”, dotada com “duas bocas-de-fogo, casa de vigia, de soldados e prisão” (ARM, Câmara..., liv. 85, fls. 86-87; ANTT, Provedoria..., liv. 973, fls. 203-204). A dotação de artilharia para este forte foi estabelecida em 1730, como se pode ler no livro de carga iniciado em 1724. Foi então transferida uma boca-de-fogo do forte de São Filipe do Funchal para o do Porto do Moniz, juntando-se-lhe mais duas, ficando o forte com uma carga de três peças de artilharia montadas, de calibre de 3 a 7 libras, três soquetes elanados com as suas hastes, um riscador, um saca-trapo e uma agulha para exercícios de pontaria. Assinou o termo o artilheiro com encargo de condestável, Manuel Lopes da Silva e o tabelião do judicial, António Cotrim, em 11 de novembro de 1730. Nos meados do séc. XVIII e com a vigência na Ilha do governador D. Álvaro José Xavier Botelho de Távora (1708-1789), 4.º conde de S. Miguel, e também com a tomada de posse do capitão do Porto Moniz como sargento-mor de Machico, deram-se andamento a algumas obras já planeadas, que aguardavam fundos e empenho político. Entre elas, a do forte do Porto Moniz, tendo corrido com a obra o filho homónimo daquele último, Francisco Ferreira Ferro (1715-1794). Como se podia ler na entrada do forte, “Este forte se fez por ordem de el rei nosso senhor, o Sr. D. João 5.°, sendo governador desta Ilha o exmo. conde de S. Miguel e provedor da fazenda real e superintendente das fortificações, Manuel Teixeira de Castro e de cuja obra foi inspetor pelo dito senhor, o capitão cabo dele, Francisco Ferreira Ferro, filho do sargento-mor do mesmo nome no ano de 1758”, lápide transcrita por António Pedro de Azevedo em 1848 (ARM, Arquivos..., Planta dos Ancoradouros, 1848). Nos inícios do séc. XIX, quando Paulo Dias de Almeida fez uma volta de inspeção à Ilha o panorama da costa norte era desolador. Toda a costa estava profundamente isolada, só mantendo contactos com a costa sul pelo mar no verão. As ligações por terra com essa costa eram feitas pelo Paul da Serra e pela garganta da Encumeada, descendo depois até à serra de Água e à Ribeira Brava, mas tratava-se de uma verdadeira aventura. A ligação com a Calheta, feita pelo Paul da Serra, era ainda mais perigosa. Segundo Paulo Dias de Almeida, na sua já citada descrição de 1817, o Porto Moniz era o melhor porto que se encontrava no norte da Ilha e onde qualquer barco da costa “corrido do tempo” encontrava abrigo. A povoação estava espalhada pelo alto, nos bons terrenos da Madalena e os habitantes mais ricos tinham as suas propriedades em baixo, no porto, onde estavam igualmente os seus armazéns de vinho. Perante este quadro, alertava Paulo Dias de Almeida, se algum corsário mais esperto quisesse, poderia aproximar-se, fundear e saquear os armazéns, pois que nenhuma defesa havia para se lhe opor. Observa ainda que “um pequeno forte triangular que ali tinham, de nada servia por se encontrar arruinado” (CARITA, 1982, pp. 67-68). Tinha então uma peça de 4 libras em bom estado, e seis de calibre 6, mas reprovadas, no chão e sem reparos. A casa de armas tinha abatido e as 29 espingardas que havia estavam umas sem fechos, outras com as coronhas podres e o correame no mesmo estado. Alguns anos mais tarde, por volta de 1850, temos um desenho do forte feito por um turista inglês: Ruin of a Fort. Porto Moniz. Madeira (Casa-Museu Frederico de Freitas) e do qual, muito provavelmente, foi depois feito um óleo, hoje numa coleção privada do Funchal. Por esse desenho vemos que o forte teria um esquema muito semelhante ao da Ribeira Brava: triangular, fechado a terra por um torreão, com porta encimada por inscrição e brasão das armas reais. No forte do Porto do Moniz havia uma passagem alta, indicativa, em princípio, de ter havido ponte levadiça. No meio do forte, em ruínas, são reconhecíveis três peças de artilharia, duas sobre possíveis reparos navais, que parecem caronadas. Muito provavelmente, estas peças foram depois recolhidas no forte do Faial. A única coisa que parece intacta neste desenho é um mastro alto, mas sem bandeira. Alguns anos depois, escrevendo sobre este forte, o tenente-coronel Alberto Artur Sarmento refere que a inscrição veio nos inícios do séc. XX para a fortaleza de S. Lourenço, no Funchal mas infelizmente, já ali não se encontra. Aliás, algumas peças de ferro igualmente recolhidas ao longo dos anos 30 e 40 desse séc. XX e que chegaram a estar na parada baixa de São Lourenço foram entregues, nos anos 50, à Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. A junta entregou-as ao Museu Quinta das Cruzes que, por seu lado, as entregou à Câmara Municipal de Machico. Encontram-se hoje a decorar o forte de Nossa Senhora do Amparo. Pelas informações do forte de São João Baptista nos tombos militares, com sequência a partir de 1870, podemos reconstruir um pouco da sua vida mais recente. Assim, “o forte referido fica a 55 quilómetros do Funchal, na costa norte da Ilha, onde se não pode tentar desembarque sem grande perigo e trabalho, em razão das escarpas serem muito mais elevadas e aprumadas que na costa sul e por serem raras as praias e enseadas, além da circunstância importantíssima dos ventos do quadrante norte, que na maior parte do ano sopram com violência naquelas paragens”. O forte consistia então numa pequena luneta bastante arruinada, com uma casa para depósito de materiais de guerra, totalmente destruída. Havia ainda uma outra, em estado sofrível, mas sem porta nem janela e que poderia alojar quatro praças. Nesta sequência, havia mais a prisão e o paiol, mas ainda em pior estado. O forte apresentava 12 m na gola onde estavam as casas referidas, ou seus vestígios, como se acrescentava em 1870. Havia também, a 70 m do forte, sobre a escarpa e a leste, uma casa de vigia que podia alojar três praças. O tombo militar descreve ainda o ilhéu Mole em frente do forte, a uma distância de 110 m, que “mascarava” o forte pelo norte e oeste, embora o mesmo continuasse a cobrir bem a praia do lado leste. A fortificação teria sido arruinada pelo mar havia muito tempo, dado se encontrar bastante exposta e situada na praia do porto, pelo qual confrontava por todos os lados. O valor total calculado do forte e vigia nesta época era de 100$000. Mais tarde, por volta de 1890, estimava-se que o valor das ruínas seria de 88$860 réis. Com a promulgação da carta de lei de 13 de setembro de 1897, permitiu-se proceder à alienação das fortificações sem interesse militar, vindo diversos fortes a serem arrematados em hasta pública. Foi o caso deste, em abril de 1926, arrematado pelo Dr. Jaime César de Abreu (1899-1976), médico no Funchal, ao Ministério da Guerra. O imóvel era então constituído pela pequena luneta, as ruínas do pequeno quartel, do paiol e o campo de exercícios anexo, tendo a respetiva posse sido tomada em maio 1927, pelo Dr. Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939), natural da freguesia do Porto Moniz e sogro do novo proprietário. Nos finais do séc. XIX, entretanto, tinha sido editada uma fotografia pelo Bazar do Povo, em princípio da autoria de João Anacleto Rodrigues (1869-1948) e que tem sido dada como tirada no Porto Moniz. No entanto, dada a configuração do forte, tudo parece apontar tratar-se de um fotografia tirada nos Açores e não na Madeira, embora existam referências à baleação no Porto Moniz. Pela configuração do forte e a rampa anexa ao mesmo, somos levados a crer que se trata do forte do Negrito, em São Mateus, na ilha Terceira. Em 1998, a Câmara Municipal do Porto Moniz adquiriu a propriedade e, dois anos depois, iniciaram-se as obras de reconstrução do antigo forte de São João Batista, instalando-se no seu interior um aquário constituído por 12 tanques, nos quais se propôs representar os vários habitats do mundo marinho madeirense.   Rui Carita (atualizado a 31.01.2017)

Arquitetura História Militar Património

fortes de santa cruz

O desenvolvimento de Santa Cruz e da restante costa sul da Ilha, nos finais do séc. XV, encontra-se ligado à produção açucareira. Santa Cruz, embora estivesse integrada na capitania de Machico, foi sede da alfândega ducal em 1474, tendo sido, entretanto, dotada de bocas-de-fogo ou “bombardas”, as primeiras de que existe referência na Madeira. Muito mais tarde, por volta de 1595, o mestre das obras reais Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597) registou que as bombardas de Santa Cruz ainda se encontravam abandonadas e sem estância conveniente, devendo-se construir para elas um reduto, tal como tinha sido feito em Machico. Em 1582, não havia em Santa Cruz qualquer construção defensiva, como refere a Filipe II António da Gama, que pensamos ser o desembargador António da Gama Pereira (1520-1604). Escreveu então que, da vila de Machico para a cidade do Funchal, não havia uma defesa e esta era necessária. Assim, informava que havia um bom “desembarcadouro de praia de seixos miúdos, de largura de um tiro de espingarda”, no porto do Seixo e que distava da vila de Santa Cruz meia légua (AGS, Guerra y Marina, leg. 421, doc. 307). Explicava que era também necessário defender a vila de Santa Cruz, que tinha uma praia com “larga distância para o inimigo poder desembarcar” (Id., Ibid.). Alvitrava que, para se “impedir o desembarcadouro”, se deveriam fazer dois fortes: “um no lugar e sítio que lhe chamam Guindaste, que é defronte do mosteiro de S. Francisco; e outro aonde está a ermida de S. Fernando. E de um ao outro haverá dois tiros de espingarda” (Id., Ibid.). No entanto, parece que só bastante tempo depois tal se concretizou. Com efeito, o primeiro condestável da vila de Santa Cruz de que temos conhecimento, João Baptista da Veiga, só teve nomeação, de Lisboa, a 11 de dezembro de 1699, registada no Funchal a 14 de dezembro do mesmo ano, com 5$000 réis cada ano. Com a implantação dos regimentos de vigias e de ordenanças, por certo se levantaram estâncias mais ou menos perenes, como nos mesmos vem indicado (Vigias, e Ordenanças), posteriormente consolidadas. Pelo menos durante a vigência como governador do bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), foram construídos vários redutos defensivos, havendo informação de o mesmo ter decidido tais obras. Mais tarde, em 1747, o bispo D. Fr. João do Nascimento (c. 1690-1753) determinou a construção do forte de São Francisco, que entendemos ser uma reconstrução, devendo ter feito o mesmo em relação ao de São Fernando, de forma a garantir a defesa e enquadramento correto da praia de Santa Cruz. Nos anos seguintes, procederam-se a novas obras de reconstrução, imprescindíveis para as edificações na orla marítima e que, nos inícios do séc. XVIII, seriam reequacionadas, com a construção de um forte maior no centro da praia da vila. Nos finais do séc. XVII, a defesa da Madeira tinha sido avaliada por dois especialistas nacionais, o capitão de engenheiros Manuel Gomes Ferreira e o estudante António Rodrigues Ribeiro, que tinham estado na Ilha em 1689; provavelmente, em sequência, foi oficializado o lugar de condestável de Santa Cruz. Poucos anos depois, durante a vigência do governador Duarte Sodré Pereira, levantou-se o forte de Nossa Senhora da Graça e Águas Belas, em Santa Cruz, em homenagem a esse governador, morgado de Águas Belas, em Tomar. O forte foi construído no centro da praia da vila, junto à antiga capela desta evocação e deve ter tido, como todos os outros, uma lápide sobre o portal da entrada onde se mencionava quem tinha corrido com a obra e a data dos trabalhos, mas ninguém parece ter anotado tal registo. A fortificação de Santa Cruz deve ter sido concluída antes de 1707, conforme ficou exarado no forte Novo de São Pedro, no Funchal, onde se lia que no “último ano do governo de el-rei D. Pedro” se levantara esse forte, os de Machico, Santa Cruz e Ribeira Brava, “e tudo se acabou no ano de 1707”. A planta do forte de Santa Cruz era igual ao Novo de São Pedro do Funchal, pentagonal e com porta na face virada à povoação, como o desenharam depois os engenheiros do séc. XIX e deveria articular-se com uma muralha ao longo da praia, como se deduz dos desenhos do final do séc. XVIII e dos meados do seguinte. Em 1724 já esta fortificação tinha uma avultada carga de peças de artilharia, tendo o condestável Sintão de Freitas Cunha recebido, a 16 de outubro, toda a carga do distrito, incluindo espingardas e um quantitativo de 10 peças de artilharia que, como mostram as plantas da construção e defendem opiniões posteriores, como a do tenente-coronel António Pedro de Azevedo (1812-1889), não cabiam no citado forte. À data, deviam estar ocupados com artilharia outros redutos, como o de São Francisco ou o de São Fernando, concentrando-se a carga neste. Ao condestável do forte da Graça foi então levada uma pesada carga de bocas-de-fogo; vários apetrechos para tiro de artilharia; “um cano de mosquete em seu reparo para tiro de barreira”; 30 mosquetes; 25 espingardas de pederneira; uma bandeira de veludo com as armas reais pintadas, mastro e corda (ARM, Governo Civil, cód. 418, fls. 34-35). Em breve, foram-lhe abatidas as 25 espingardas, por ordem do governador Francisco da Costa Freire, sendo as mesmas repartidas pelas companhias de ordenanças. Em 1730, foi também abatida uma peça de artilharia de ferro, montada, de calibre de quatro libras, que foi entregue no reduto do Caniçal (Fortes de Machico). Em 1735, a mesma carga foi entregue ao novo condestável do forte, Domingos de Araújo, cuja posse foi dada em Santa Cruz pelo capitão José Teixeira, a 28 de julho de 1735, sendo confirmada no ano seguinte, por Lisboa. Perto do final do século, em 1782, era condestável de Santa Cruz José Dias, com um ordenado de 18$000, como registou contador geral António João Figueira de Chaves, a 18 de julho desse ano. Nos finais do séc. XVIII, o forte da Graça encontrava-se em adiantado estado de ruína. Por essa altura, foi encarregado de rever as defesas da Madeira o major Inácio Joaquim de Castro, que nos deixou a primeira planta da vila de Santa Cruz, datada de 28 de agosto de 1799. Nela aparece representada a dita fortificação, já então tão arruinada, que se figura como se sempre tivesse sido triangular: “Nossa Senhora da Graça e Águas Belas”, acrescentando-se: “Este forte se acha inteiramente arruinado, e só com os bocados de muralha de pé”, “precisa um grande conserto”, “que do fundamento dos seus alicerces, deve principiar a sua edificação” (IICT, Centro..., pasta 33, nº 19). Na mesma planta, tal como se pode interpretar também das seguintes de António Pedro de Azevedo, parece integra-se no forte uma cortina de muralha que ia ao longo do calhau da praia de uma a outra ribeira. Embora o autor refira as linhas ao longo do calhau como “trincheiras”, deveriam estar, muito provavelmente, associadas a muralhas preexistentes. Nas contas da fortificação de outubro de 1744, referem-se as despesas das muralhas da Calheta e de Santa Cruz; embora se possa admitir tratarem-se das muralhas das ribeiras, as mesmas eram, no entanto, da responsabilidade específica da câmara e, muitas vezes, houve sérios conflitos entre o governador e a câmara do Funchal. Contudo, nada parece ter sido feito por esta época. E, quando Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832) passou em revista a Ilha para a sua descrição de 1817, a vila de Santa Cruz passou quase em branco, não sendo feita qualquer referência às suas fortificações, que aquele sequer desenhou, o que não deixa de ser estranho. Dois anos depois, na primeira planta mandada executar pelo governador Sebastião Xavier Botelho (1768-1840), face à revista feita em toda a Ilha, mandou-se proceder a obras na “praça Forte de N.ª S.ª das Águas Belas (ex-S.ª da Graça)” e na vigia do ribeiro do Seixo, que deveria ser transformada em reduto (ACL, Cartografia, 1 G. 4, n.º 11). No entanto, nas várias plantas e informações dos anos seguintes, parece ter-se abandonado a ideia de fazer obras no forte da Graça, só se mencionando obras nos dois fortes laterais. A vila foi, entretanto, também muito afetada pela aluvião de 1842, pelo que a ruína do forte da Graça, situado na praia, deve ter sido progressiva ao longo desse século. A descrição militar executada pelo então capitão António Pedro de Azevedo, em 1841, regista o forte como pentagonal, não devendo ter ocorrido, assim, obras que não as de manutenção, tal como sugere o desenho realizado por volta de 1863. O tombo militar deste forte, efetuado pelo já então tenente-coronel de engenharia e assinado a 15 de julho de 1865, descreve a fortificação como gozando de uma “mais dilatada vista dos navios que dobram a ponta de São Lourenço”, mas adianta que concorria com pouca eficácia para a defesa da vila (ARM, Arquivos Particulares, 1865). Era descrito, à data, como uma pequena luneta com duas faces e dois flancos, que não admitia mais do que quatro bocas-de-fogo de pequeno calibre. O forte da Graça não voltou a ter obras de beneficiação, sendo entregue, em 1893, à Guarda Fiscal. Tinha então um valor estimado de 800$000 réis. Pouco depois, por escritura de 27 de novembro de 1908, foi entregue à Câmara Municipal de Santa Cruz que o demoliu para ampliação do então passeio público. O pequeno reduto intitulado forte de São Fernando ou São Lázaro deve ter sido construído ao longo dos sécs. XVII e XVIII, provavelmente com base numa das vigias da vila. Deveria estar algo arruinado nos finais do séc. XVIII, como cita Inácio Joaquim de Castro na sua planta de 1799. Em 1820, foi objeto de reparação por Paulo Dias de Almeida, quando foi essencialmente ampliada a bateria para poder levar três bocas-de-fogo. O seu nome proveio de uma capela da área, dedicada a S. Fernando, que já não existia nos finais do séc. XVIII e nos inícios do XIX. Ao mesmo tempo, a casa da guarda do forte encostava-se a uma outra capela, dedicada a S. Lázaro, mas também arruinada nos inícios do séc. XIX, como anotou Paulo Dias de Almeida. O tombo militar de 1865 descreve-o como estando situado “num pontal de rocha basáltica, no flanco direito da enseada da vila de Santa Cruz, avançando sobre o mar entre as torrentes ou ribeiras denominadas de Santa Cruz e da Boa Ventura” (Id., Ibid.). Confrontava então com a estrada geral da vila para o Funchal, e com a antiga estufa de Leandro Tibúrcio de Meneses Cabral. No entanto, António Pedro de Azevedo queixava-se de que o forte tinha uma bateria insignificante, com capacidade para apenas duas bocas-de-fogo (na verdade, na ocasião em que o desenhou, entendeu que seria somente uma), quando na baía de Santa Cruz eram capazes de fundear barcos de qualquer porte, embora por vezes fossem sujeitos a ventos de nordeste que sopravam com violência. A casa da guarda só dava para alojar um fiel de munições e uma guarnição de três homens. Alvitrou então, esse militar, a construção de nova e maior bateria (com efeito, os parapeitos de São Fernando tinham 66 cm de espessura), mais acima, logo, não tão sujeita a ser destruída pelos primeiros tiros de qualquer esquadra. No entanto, não foram efetuadas quaisquer obras. Em 1893, a construção teria um valor de 200$000 réis, encontrando-se arrendada a Manuel de Olival. Voltou a ser arrendada ao mesmo em julho de 1898, após o que foi entregue ao Ministério das Finanças e, depois, à Guarda Fiscal, que ainda ali se encontra. Nos inícios do séc. XVI fora instituído, junto da vila de Santa Cruz, um pequeno convento franciscano, tendo sido seus fundadores os descendentes de Urbano Lomelino, em cumprimento das disposições testamentárias do próprio, de 9 de julho de 1518. O convento teve a evocação de N.ª S.ª da Piedade e estava concluído em 1527, data da entrega à província franciscana de Portugal (Convento da Piedade de Santa Cruz). A edificação de uma defesa na pequena praia junto a este cenóbio foi ordenada pelo bispo-governador D. Fr João do Nascimento, em 1749, tendo sido aplicadas, na construção, as muitas multas que pagavam as ordenanças pelas faltas de serviço de vigia. Em 1752, foi nomeado capitão deste forte, designado de São Francisco, António Rodrigues Martins. No entanto, em 1865, no tombo militar da mesma fortaleza, António Pedro de Azevedo escreveu que “parece ter sido na primitiva mandado fazer em 1632 pelo bispo D. Jerónimo Fernando, denominado Apóstolo Bravo, para defender dos piratas o antigo convento de S. Francisco, que lhe fica próximo e de que hoje apenas existem as paredes” (Id., Ibid.). Este engenheiro descreveu o forte como sendo constituído por uma pequena bateria semicircular de duas peças, dois telheiros e uma casa para o governador. Acrescentou ainda que a casa que servia de alojamento ao governador estava então reparada, apesar de se encontrar muito exposta às intempéries. Confrontava com terrenos do morgado das Cruzes, Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880) e valia, à data, cerca de 1$500 réis. Esteve de certa forma abandonado, ao longo da segunda metade do século e foi vendido à edilidade, em 1877, para a instalação da cadeia da comarca, mas pensamos que esta não se concretizou à época. A responsabilidade pelo forte de São Francisco continuou na área militar até 1924, data em que, porque provavelmente abandonado pela edilidade havia alguns anos, se encontrava parcialmente em ruínas, tendo sido então desenhado e levantado por Joaquim Vasconcelos de Gouveia e pelo capitão engenheiro Carlos Venceslau Sardinha. Em causa estava um novo pedido da Câmara de Santa Cruz para ali ser instalada a cadeia comarcã, voltando a ser feito o levantamento e certificadas as confrontações, encontrando-se o forte, a 29 de junho de 1939, entre a estrada para Machico e os terrenos de “Dona Luísa F. Lomelino”, ou seja, a escritora D. Luísa Grande de Freitas Lomelino (1875-1945), neta dos morgados das Cruzes (DSIE, Gabinete..., n.º 5517, 1A-12A-16). O forte, com uma área de 329 m2, veio a ser vendido à Câmara ainda nesse ano ou no seguinte e, nos meados de 1974, foi cedido a algumas famílias dos chamados retornados – Portugueses empurrados das ex-colónias quando estas se tornaram independentes – para residência precária. Classificado com o congénere de São Fernando, com as obras de ampliação do aeroporto, em 1983, foi demolido, tendo o processo de classificação de ser anulado.     Rui Carita (atualizado a 31.01.2017)

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