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júnior, antónio félix pita

Filho de António Félix Pita Júnior e de Maria da Conceição Góis Pita, nasceu a 3 de dezembro de 1895 na freguesia da Sé, concelho do Funchal. Depois de completar o liceu, no Funchal, faz o curso de Medicina, que inicia na Universidade de Coimbra em 1912-13. É mobilizado para a I Grande Guerra sem que tivesse chegado a ser incorporado, facto que o leva a interromper os estudos, retomados em Lisboa assim que é desmobilizado. Casa-se aos 28 anos, a 3 de janeiro de 1925, com Maria da Conceição Ferreira Mesquita Spranger, em cerimónia civil seguida da religiosa na igreja de Santa Maria Maior, no Funchal. Por esta época, reside na avenida Miguel Bombarda, freguesia de São João da Pedreira, Lisboa, continuando a viver na capital após o matrimónio. Tem três filhas e um filho. Desde cedo revelara tendência para a cirurgia, especialização que conclui, tendo trabalhado durante dois anos como assistente livre da Faculdade de Medicina e do Hospital de Santa Maria de Lisboa na equipa do conceituado médico-cirurgião Professor Dr. Custódio Maria de Almeida Cabeça. No retorno à Madeira, instala consultório à rua Carvalho Araújo, n.º 61, 1.º (posterior rua do Aljube), no Funchal. Dedica-se a várias especialidades: “Clínica Geral, Partos, Cirurgia e Operações”, como anuncia no Diário de Notícias (DNM, 27 mar. 1927, 3). Será, nesta qualidade, um dos sócios da Casa de Saúde da Vila Guida, assim como cirurgião do quadro clínico do Hospital da Santa Casa da Misericórdia, sendo numerosa a sua clientela nesta cidade, segundo afirma o referido periódico na nota biográfica que publica na sequência do seu falecimento. A 8 de abril de 1931, domingo de Páscoa, encontra-se no Palácio de São Lourenço, na qualidade de dirigente do Partido Republicano Nacionalista (PRN), entre outros representantes partidários locais participantes na sublevação política da Madeira contra a Ditadura. Estes são nomeados responsáveis de diversos organismos públicos (Junta Geral, Câmara do Funchal e administradores dos diferentes concelhos), cabendo-lhe, por nomeação do comandante militar da Madeira, general Adalberto Gastão de Sousa Dias, em conjunto com João Maximiano de Abreu Noronha e Carlos Fernandes Correia, a comissão administrativa da Junta Geral do Distrito do Funchal. Os nomeados para esta comissão tomam posse a 6 de abril. No dia seguinte, António Félix Pita é eleito presidente em votação por escrutínio secreto, à qual concorrem duas listas. Esta situação, apesar da resistência exercida pelo regime ditatorial, dura 28 dias, entre 4 de abril e 2 de maio, data em que o movimento é definitivamente controlado. Encontra-se entre os muitos intervenientes políticos envolvidos no movimento retidos no Lazareto, de onde partirão para os seus destinos de deportação, cabendo-lhe, primeiro, a ilha do Sal e, depois, a cidade da Praia, em Cabo Verde, lugar onde está em julho de 1931, quando vão ao seu encontro a sua esposa e filhos. Em Cabo Verde, é chamado a prestar serviço como médico numa urgência de saúde pública relacionada com a debelação de uma epidemia. Em outubro de 1932, o ministro do Interior, em nota abreviada e pouco explicativa registada no seu cadastro da Direção Geral de Segurança, dá “por finda a sua fixação em Cabo Verde”, autorizando-o a regressar à Madeira (ANTT, PIDE/DGS, Serviços Centrais, cadastro 4015, NT 737). Assim, por ter cessado a sua condição de deportado político, regressa ao Funchal acompanhado da sua esposa e filhos, sendo anunciado pelo Diário de Notícias, no dia 26 de novembro, que retomaria na semana seguinte a sua prática clínica. No entanto, a 10 de dezembro, o mesmo matutino faz notícia de primeira página de um “jantar de despedida e homenagem” “ao ilustre clínico”, iniciativa do jornal republicano O Povo, a realizar-se no Savoy Hotel, estando as inscrições abertas na sede daquele periódico, na Fotografia Perestrelos e na Maison Blanche, contando já com um elevado número de inscritos entre os amigos pessoais que dele se querem despedir, uma vez que partiria na terça-feira seguinte para a colónia de Moçambique. O jantar não se realiza “por motivos da vida particular do homenageado” (DN da Madeira, 11 dez. 1932, 1). Parece ficar claro ter sido forçado, pelas condições políticas adversas então existentes, a partir de novo, desta vez para a África Oriental Portuguesa, Lourenço Marques, protegendo-se a si e à sua família com a saída da ilha e distanciando-se da atividade política anterior. Parte para a província de Moçambique a 13 de dezembro, no vapor Kenilworth Castle, por acabar de “ser contratado para a Companhia da Zambézia”, tendo o distinto cirurgião “tanto no cais de embarque como a bordo, uma afetuosa despedida” (DN da Madeira, 14 dez. 1932, 2). Será médico contratado da empresa agroindustrial Sena Sugar Estates Ltd., empresa de capitais privados, essencialmente britânicos, dedicada à produção de açúcar de cana sacarina, para onde é levado pelo amigo Dr. João Sabóia Ramos, que ali se encontrava a trabalhar. Exerce também clínica particular paralelamente aos serviços de cirurgião que presta na missão de São José. Em 1942, com o fim das companhias comerciais, integra-se no quadro de saúde da Companhia de Moçambique e passa ao quadro de província. Exerce cirurgia no hospital da Beira e, depois, no Hospital Miguel Bombarda, em Lourenço Marques, até ao seu falecimento. Em África, viverá duas décadas de realizações, pois parece ter encarado este território como auspicioso. Aí, ao desenvolvimento de uma carreira de prestígio na área da Medicina, associará, no decurso da déc. de 40, nos últimos anos da sua curta mas promissora vida, o mundo empresarial, revelando-se um empreendedor fora da sua área de formação. Funda uma indústria, no espaço empresarial da Matola, que se dedica à moagem do trigo daquela província. Situado a cerca de 10 km de Lourenço Marques, este complexo industrial (fábrica de massas e bolachas de linha e conceito modernos) é construído faseadamente, vindo a incluir um bairro para o pessoal. A Companhia Industrial da Matola comercializará os seus produtos sob a marca Polana e iniciará a sua laboração na comemoração do 28 de maio, no ano de 1952, após o falecimento do seu fundador, conforme concluímos pela informação colhida no Livro de Ouro do Mundo Português – Moçambique, publicação de 1970, de modelo típico do Estado Novo, em edição que reúne alguns dos sucessos empresariais nesta província. As imagens nele incluídas revelam a grandiosidade do complexo fabril que construiu, à entrada do qual é colocado o seu busto, retirando qualquer margem de dúvida sobre a importância deste empreendimento e do seu empreendedor na economia colonial portuguesa. No curto período em que viveu na Madeira, é também professor do 7.º grupo do Liceu do Funchal, lugar de que toma posse a 9 de outubro de 1929. Está ainda ligado ao desporto, dedicando algum do seu tempo à organização associativa, incluindo-se na lista dos presidentes da direção do Club Sport Marítimo, entre 21 de julho de 1927 e 3 maio de 1928. A 26 de fevereiro de 1930, passa a pertencer aos novos corpos gerentes da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Funchal, eleitos em assembleia geral, presidindo à sua direção. As atas desta associação mostram que, apesar de ter tomado posse, deixa de estar presente nas reuniões logo a partir de 19 de janeiro de 1931. Faleceu em Lourenço Marques, a 18 de dezembro de 1951, na sequência de forte comoção resultante da morte de um grande amigo, Augusto Adida de Gouveia, a quem, como médico, não consegue salvar dos efeitos de um violento desastre de automóvel. O seu funeral realizou-se na vila da Ponta do Sol, para onde foi trasladado o seu corpo, a 11 de abril de 1952.   Maria de Fátima Vieira de Abreu (atualizado a 18.12.2017)

Ciências da Saúde Personalidades

jorge, antónio vitorino castro

Dr. António Vitorino Castro Jorge. Foto: Dicionário Corográfico de Câmara de Lobos   Nascido em Santa Maria Maior, no Funchal, em 1913, filho de Luís Jorge e Josefina Antónia de Castro e Jorge, casou-se, em 1944, com Matilde Martins da Silva Castro Jorge; deste casamento nasceram três filhos. Faleceu, com 91 anos, no Estreito da Câmara de Lobos. Depois de ter completado o liceu no Funchal, inscreveu-se no 1.º ano da Faculdade de Ciências de Coimbra, da qual desistiu para tirar Medicina na Universidade de Lisboa, cuja licenciatura foi concluída em 1938. Mobilizado para a Madeira em 1942, como médico da Marinha, pediu, pouco tempo depois, a passagem à vida civil, tendo sido médico municipal de Porto Santo (durante seis meses) e de Câmara de Lobos e Curral das Freiras (de 1944 a 1983), ao mesmo tempo que exercia medicina privada como clínico geral. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e da Sociedade da Língua Portuguesa. Na freguesia do Estreito, desenvolveu, desde 1953, várias iniciativas de alcance popular, como a festa das cerejas, o desfile da freguesia na festa das vindimas no Funchal, a festa dedicada a S.to Isidro, padroeiro dos animais, e a fundação da Casa do Povo. Como político, foi admirador de Salazar, apesar dos defeitos que apontou ao seu regime nas rubricas “Papagaio” e “Giz na Parede”, do Diário da Madeira, antes de 25 de abril de 1974; apresentou-se como candidato à Câmara Municipal de Câmara de Lobos (1976), tendo sido eleito vereador na lista do CDS; foi fundador e primeiro presidente do Partido Democrático do Atlântico (PDA), em 1978, e diretor do semanário Zarco, órgão oficial deste partido, fundado em 1984; foi mandatário da lista de cidadãos pela desanexação de Jardim da Serra da freguesia do Estreito, em 1993, e mandatário da lista do PS à Câmara de Lobos em 1997. Como jornalista, foi proprietário e diretor do Diário da Madeira (1961-1982), após ter exercido as funções de diretor do Eco do Funchal (1959-1961). Os artigos “Com Quem Vivemos”, “Na Madeira Vitória da Social-Democracia, uma Razão para a Independência” e a carta aparecida na secção “Correio da Madeira”, publicados no Diário da Madeira, valeram-lhe a prisão política, em Caxias, a 15 de maio de 1975, ordenada pelo brigadeiro Carlos Azeredo, governador civil na Madeira, sob a acusação de independentista. Foi também presidente da Associação Política do Arquipélago da Madeira (APAM). Publicou uma brochura sobre Salazar no centenário do seu nascimento (1989), e o livro Casos do Acaso da Minha Vida e do meu Tempo. Obras de António Vitorino Castro Jorge: Casos do Acaso da Minha Vida e do meu Tempo.     António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.04.2018)

Ciências da Saúde Personalidades

jogos florais

Os jogos florais, conhecidos como “floralia”, eram festividades religiosas consagradas à deusa grega Flora, divindade que reinava sobre as flores dos jardins e dos campos, no mês que corresponde a abril do calendário romano. Segundo alguns estudiosos, nestes jogos, as cortesãs participavam dançando, sendo a vencedora coroada com um ramo de flores. Ao longo dos tempos, a forma de celebração dos jogos florais mudou. Na Baixa Idade Média, deu-se a instituição dos jogos florais como se tornaram posteriormente conhecidos, ou seja, como competições literárias. No ano de 1323, em Toulouse, França, segundo a tradição, um grupo de jovens poetas, com o desejo fazer renascer o brilhantismo da língua d’Oc e mantê-la em uso (mais tarde conhecidos pelos “mantenedores”), decidiram organizar uma competição das suas composições nessa mesma língua. No séc. XVIII, Luís XIV institui a Academia dos Jogos Florais com o objetivo de manter as tradições culturais da região e promover a criação literária. O aparecimento dos jogos florais em Portugal data de fevereiro de 1936. A Emissora Nacional, com o propósito de comemorar os 10 anos da revolução nacional que levou ao poder a ditadura do Estado Novo, lança ao público os primeiros jogos florais. Os autores podiam concorrer nas áreas da prosa e poesia, cada uma nas suas mais variadas formas, sendo dada maior importância à poesia e prosa que exaltasse nos versos o orgulho da pátria e o ser português. Os jogos florais em Portugal gozaram de grande vitalidade e visibilidade na época como grande evento público, em cuja comissão de honra apareciam as mais importantes figuras do Estado, sendo as obras vencedoras lidas nas emissões radiofónicas da Emissora Nacional. Na ilha da Madeira, a iniciativa dos jogos florais foi lançada pelo periódico Eco do Funchal, no dia 21 de setembro de 1941. O principal impulsionador e organizador dos primeiros jogos florais da Madeira foi o jornalista e poeta César Pestana (Pausania) que, conjuntamente com o diretor do Eco do Funchal, José da Silva, organizou o concurso literário tendo como modelo os primeiros jogos florais realizados pela Emissora Nacional e o Secretariado de Propaganda. Segundo o regulamento do concurso, os jogos florais da Madeira constituíam uma competição que tinha como objetivos valorizar a poesia madeirense e fomentar o cultivo das letras entre os poetas da Ilha. Os poetas podiam participar com as suas composições em quatro modalidades poéticas: soneto, quadra, poemeto e glosa. Na criação da glosa, eram obrigados a escrever composições com a seguinte mote: “Não canto por bem cantar/Nem por bem cantar o digo:/Canto só para espalhar/Mágoas que trago comigo”. Foram atribuídos três prémios para cada modalidade poética. O primeiro e o segundo prémio equivalia a uma flor e o terceiro a uma menção honrosa. O soneto vencedor do 1.º prémio receberia um Lys de Oiro e o do 2.º prémio um Lys de Prata. A quadra vencedora do 1.º prémio receberia um Cravo de Oiro e a do 2.º prémio um Cravo de Prata. O poemeto ao qual fosse atribuído o 1.º prémio receberia uma Túlipa de Oiro e o do 2.º prémio uma Túlipa de Prata. A glosa teria como 1.º prémio um Malmequer de Oiro e como 2.º prémio um Malmequer de prata. Nos números seguintes do Eco do Funchal foram sendo publicadas regularmente as poesias que em grande número afluíam à redação do jornal, gerando enorme entusiasmo entre a intelectualidade madeirense da época. Um entusiasmo que teve eco nos jornais do continente e dos Açores, sendo largamente transcrito um artigo escrito no Comercio do Porto a louvar a iniciativa, mas criticando a falta de empenho da Câmara Municipal e da presidência de Fernão de Ornelas em reunir as poesias num volume. O mesmo entusiasmo não chegou aos dois jornais diários madeirenses, que se manterão em silêncio relativamente à iniciativa do Eco do Funchal. No dia 18 de janeiro de 1942, o Eco do Funchal dá por encerrado a receção e publicação dos trabalhos, com um total de 75 poetas e poetisas, que concorreram com 30 sonetos, 37 quadras, 35 poemetos e 36 glosas, num total de 138 poesias inéditas. O júri que procedeu à leitura e avaliação dos primeiros jogos florais da Madeira foi constituído por cinco personalidades da sociedade madeirense, Eugénia Rego Pereira, Cón. António Homem de Gouveia, Jaime Vieira Santos, João Velez Caroço e Manuel Higino Vieira. A declamação dos poemas vencedores ficou a cargo da poetisa Idalina Salvador (Inah). A sessão solene para a entrega dos prémios dos jogos florais realizou-se no Ateneu Comercial do Funchal, no dia 12 de novembro de 1942. No sarau literário, reuniram-se as mais altas individualidades, contando com a presença, entre outros, de A. Branco Camacho, chefe do gabinete do governador do distrito, de Alberto Araújo e de Eduardo Homem de Gouveia e Sousa. Na sessão solene, celebraram-se várias iniciativas de cariz artístico antes da entrega de prémios aos concorrentes e da recitação dos poemas vencedores. Nas várias categorias poéticas, os grandes vencedores dos primeiros jogos florais foram: no soneto, Humberto Nunes da Silva com o poema “Filha”; na quadra, um poeta que permaneceu anónimo; no poemeto, Viterbo Dias, com o poema “Ilha da Madeira”; e na glosa, Abel Nunes com “Glosa n.º 9”. Deste primeiro concurso ressalva-se a promessa, por parte dos organizadores, da edição de um volume das melhores composições poéticas dos primeiros jogos florais da Madeira. No entanto, apesar do sucesso dos primeiros jogos florais do Eco do Funchal, a organização do concurso literário não voltaria a ter o apoio desta empresa, passando assim a ser organizados pelo Ateneu Comercial do Funchal. A 27 de agosto de 1945, o Diário de Notícias da Madeira anuncia a realização dos jogos florais pelo Ateneu do Funchal, presididos por Luiz de Sousa, com o objetivo de movimentar e tornar conhecidas as obras dos escritores madeirenses. No quadro organizativo da prova literária, encontravam-se como colaboradores Horácio Bento Gouveia e Manuel Silvério Pereira. As modalidades literárias em que os autores podiam participar eram o conto, o conto infantil, o soneto, a poesia alegórica à Madeira, a quadra popular, o poema filosófico e o poema lírico. O júri dos jogos florais do Ateneu Comercial do Funchal era constituído pelo presidente da instituição, Alberto Jardim, e por Ernesto Gonçalves, Horácio Bento de Gouveia, Jaime Vieira Santos e Marmelo e Silva. Os prémios atribuídos aos vencedores eram de valor monetário e, conforme a modalidade literária, iam dos 1.000$00 aos 300$00. A cerimónia solene de encerramento dos primeiros jogos florais do Ateneu Comercial realizou-se no dia 23 de maio de 1946, no edifício da associação recreativa e cultural, à semelhança do encerramento dos primeiros jogos florais do Eco do Funchal. Na cerimónia, discursaram o presidente do Ateneu Comercial do Funchal, Luiz de Sousa, Alberto Jardim e Jaime Vieira Santos; seguiu-se a entrega dos prémios aos vencedores nas várias categorias. Os primeiros classificados nas diversas modalidades literárias foram: no conto, “A última luz da candeia tem três bicos”, por Manuel dos Canhas, pseudónimo de Elmano Vieira; no conto infantil, o prémio foi para “Viagem ao Polo”, por Maria de Roma, pseudónimo de Lisetta Zarone D’Arco Vieira; na poesia alegórica à Madeira, o vencedor foi Silvado Prado, pseudónimo de Manuel Silvério Pereira, com o poema “Madeira”; na categoria do soneto, o vencedor foi Florival dos Passos, que assinou como Emanuel Jorge; no poema filosófico, o prémio foi para Humberto Nunes da Silva, Plauto, com o poema “Carta”; na poesia lírica, o vencedor foi António Jorge Gonçalves Canha, com o poema “Voltar à Escola”. Por fim, na categoria da quadra popular, foi A. Cílio, pseudónimo de Aurélio Nelson Pestana, o vencedor. Nos jogos florais do Ateneu Comercial do Funchal destacou-se a presença feminina entre os laureados do torneiro literário: o primeiro prémio para a modalidade de conto infantil foi ganho por Lisetta Zarone D’Arco Vieira e, na modalidade de poesia alegórica à Madeira, J. Crus Baptista Santos, com o nome de Ana Rosa, ganhou uma menção honrosa com o poema “Poesia à Madeira”. A tradição dos jogos florais na Madeira conta com dois momentos importantes, ou dois inícios por assim dizer, o Eco do Funchal inaugura a novidade da competição literária na Ilha e o Ateneu Comercial do Funchal continua com a competição dando-lhe um novo e renovado impulso até ao último quartel do séc. XX.     Carlos Barradas (atualizado a 18.12.2017)

Literatura Sociedade e Comunicação Social

jogos de fortuna e azar

De acordo com o dec.-lei 422/89, de 2 de dezembro, os jogos de azar são definidos como “operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”, sendo “abrangidos rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”. Para além disso, enquadram-se neste conceito os jogos proibidos, que se fazem portas adentro, em locais reservados. No passado, eram associados às cartas de jogar, ao jogo da hoca, do osso, de dados, solimão e tavolagem. Na Madeira, associam-se ainda ao jogo do bicho, à milhada, um jogo de adivinhação feito com grãos de milho – que foram depois substituídos por moedas, ficando o jogo conhecido como a moedinha – e, posteriormente, ao raspa, criado pela Associação de Municípios da Madeira. Note-se que a diversão e o jogo fazem parte de todas as sociedades, estando condicionados pelas limitações impostas, nomeadamente pela Igreja, através das constituições sociais, da prática episcopal das visitações, das ordenações régias e da sua expressão local através das posturas. Muitas vezes, a documentação não nos fala da prática destes jogos, mas o facto de existirem estas medidas proibitivas é, por si só, a prova da sua existência. O facto de a Madeira ter sido local de acolhimento de forasteiros, que, muitas vezes, aí passavam temporadas, trouxe para a Ilha essas formas de jogo europeu para ocupar o tempo. Ocupar o tempo não era tarefa fácil numa terra em que faltavam muitos serviços de diversão e entretenimento. Assim, as autoridades demonstraram empenho em promover tudo o que fosse possível para que, aos poucos, se criassem as condições necessárias ao acolhimento destes forasteiros, destacando-se a ação do Gov. José Silvestre Ribeiro, que insistiu nos melhoramentos das ruas da cidade, calcetando-as e provendo-as de iluminação noturna, e a construção de casas de abrigo no interior da Ilha. Alguns estrangeiros queixavam-se do tédio permanente das estadias no Funchal, por falta de locais de diversão, má qualidade dos músicos e pouca variedade dos repositórios musicais. É disso exemplo Isabella de França, que, em 1853, declarava: “Não posso dizer muito em louvor da música destes bailes, porque só há uma no Funchal e o público não fica mais bem servido do que noutro monopólio qualquer. Outra consequência é que, durante a temporada, se tocam sempre os mesmos números. São eles, como em toda a parte, uma ou outra quadrilha, por mera formalidade, e muitas polcas, valsas, mazurcas, etc. – tantas quanto possível” (FRANÇA, 1970, 173). Outros ainda, como Dennis Embleton em 1882, apontavam a pouca veia musical dos madeirenses. Talvez por isso a presença de uma banda a bordo de um navio de passagem fosse motivo de interesse e curiosidade, providenciando-se a sua participação em bailes oficiais ou organizados pelos clubes. Em 1853, a banda de um barco americano foi convidada a atuar num baile no palácio de S. Lourenço, como também conta Isabella de França: “Na mesma sala dos quadros tocava a banda do navio americano surto no porto e cujo comodoro tivera a gentileza de a ceder para aquela ocasião. A música, de que o instrumento mais importante era o bombo, devia soar bem no mar alto mas ensurdecia muito debaixo de um teto” (Id., Ibid., 203). A noite era um momento importante para o convívio e animação nas casas das principais famílias da Ilha e da comunidade britânica aí residente. Nos seus solares apalaçados no espaço urbano ou quintas nos arredores da cidade, todos dispunham de amplos aposentos servidos com sala de jantar e de dança para muitos convidados. Entre estes, contavam-se sempre estrangeiros de diversas nacionalidades que ocupavam o tempo de estadia na Ilha pulando de festa em festa. Tais saraus eram marcados por grande animação de música e dança. Disso nos dá conta, uma vez mais, Isabella de França: “A reunião não teve muita concorrência, mas incluiu várias nações. Havia uma dama russa, três ou quatro alemães, além de ingleses, franceses e portugueses. Depois do chá, houve música nacional, para nossa distração: machete primorosamente tocado, viola e cavaquinho (machete de seis cordas em vez de quatro, peculiar ao Porto). Estes instrumentos foram todos bem tangidos e harmonizaram-se na perfeição em músicas que lhes são próprias. Gostei bastante” (Id., Ibid., 182). No séc. XIX, o Teatro Grande, criado em 1780 próximo da fortaleza de S. Lourenço, era considerado o principal centro de diversão por acolher as mais famosas companhias europeias, como foi o caso da companhia de teatro do S. Carlos, em 1808. A aposta das autoridades neste tipo de espaços foi, no entanto, sendo adiada, pelo que, quer a imprensa, quer os forasteiros reclamavam uma casa de espetáculos. Criá-la era, em 1819, no entendimento do Gov. Sebastião Xavier Botelho, a possibilidade de travar os espaços não autorizados, na medida em que eram “forçados seus habitantes a buscarem más distrações quando lhes faltem as honestas” (ALMEIDA, 1907, 295). É o mesmo governador quem promove uma lotaria com um prémio até 18 contos, com duas ou três extrações anuais, sendo os lucros, que poderiam chegar a 12%, destinados a obras ligadas à diversão, como o reparo do teatro, por exemplo. Em 1822, surge a ideia de uma nova lotaria, no valor de 24 contos, que, nas palavras do governador, podia ajudar a evitar o tédio e falta de diversão na cidade: “vantagens são bem conhecidas de todos mormente numa cidade que não tem outros entretenimentos com que se possa distrair e fazer diversão...” (Id., Ibid.). O Funchal era, então, uma cidade cosmopolita que fervilhava de gente de passagem e de doentes em busca da cura para a tísica. Como as diversões eram poucas e não havia teatro, ópera ou outras diversões europeias, o tempo era ocupado por passeios a pé ou de barco e piqueniques. Perante isto, foi preocupação de vários governadores promoverem o entretenimento. Todavia, só na déc. de 80 do séc. XIX a pertinácia do Dr. João da Câmara Leme venceu a inércia das autoridades centrais. Assim, em 25 de fevereiro de 1880, constituiu-se a companhia edificadora do Teatro Funchalense, mas a decisão da sua construção por parte da Câmara só ocorreu em 9 de fevereiro de 1882. O espaço abriria as suas portas apenas cinco anos depois, com o nome teatro D. Maria Pia. Com a República, em 1911, passou a ser chamado teatro Manuel de Arriaga, mas, face à recusa desta personalidade, ficou como teatro Funchalense até à sua morte, em 1917. Já na déc. de 30 do séc. XX, com Fernão Ornelas como presidente da Câmara, passou a designar-se Baltasar Dias, como forma de homenagem ao maior dramaturgo madeirense do séc. XVI. A primeira notícia sobre uma casa de representação é de 1776. João Rodrigues Pereira fez construir a Casa da Ópera do Funchal no local de outra, que havia sucumbido num incêndio. Passados 10 anos, temos referência a dois teatros: a Comédia Velha e o referido Teatro Grande. Já o séc. XIX pode ser considerado o grande momento do teatro, do circo e da ópera. Surgiram novas casas de espetáculo que mantiveram uma atividade permanente, trazendo à Ilha personalidades de destaque do bel canto, concertos, récitas e festas de beneficência, circo e teatro. Ao mesmo tempo, surgiram sociedades dramáticas, como a Concórdia (1840) e Talia (1858), com o objetivo de promover a construção de salas de espetáculos e o seu funcionamento. Ao visitante de passagem ou de estadia temporária restavam ainda outras diversões. As atividades desportivas são assinaladas no decurso do séc. XIX. Assim, em 1838, John Driver dá conta de uma corrida de cavalos, no percurso da estrada Monumental. Depois, foram surgindo outros desportos, por influência da comunidade britânica residente. Em 1875, Harry Hinton trouxe o futebol, que começou a ser praticado na Achada, na freguesia da Camacha, em 1870. Por sua vez, o ténis estava presente no Monte e na Qt. do Palheiro Ferreiro, onde o rei D. Carlos jogou uma partida. A estas modalidades, juntam-se ainda o criquet e o bilhar, que se tornaram duas das principais atrações dos clubes de recreio da cidade. Por fim, para os mais destemidos, havia a caça à codorniz, ao coelho, à galinhola e à perdiz, que tanto poderia ter lugar no Santo da Serra, no Caniçal ou no Paul da Serra, bem como no Porto Santo e nas Desertas. A animação e o lazer encontram, assim, novas formas de expressão para as elites locais. Os clubes de diversão e de recreio são uma realidade a partir da déc. de 30 do séc. XIX. Entre estes destacaram-se o Clube União (1836-1879) e o Clube Funchalense (1839-1899). Este último ficou célebre pelos bailes e soirées, afirmando-se, ainda, como um dos principais espaços de receção dos visitantes. Para além destes, vários outros clubes vieram animar a cidade: o Clube Económico (1856), o Clube Recreativo (1856), o Clube Aliança (1867), o Clube Restauração (1879), o Clube Internacional do Funchal (1896), o Clube dos Estrangeiros (1897), o Clube Recreio Musical (1900), o Turt Club (1900), o Novo Clube Restauração (1908), o Sports Club (1910), o Clube Republicano da Madeira (1911), o Clube Naval Madeirense (1917), o Clube Recreio e Restauração, o Novo Clube Renascença, o Clube Funchalense e o Commercial Rooms. Algumas das homenagens prestadas a personalidades de passagem tinham lugar nestes clubes. Assim, em 1885, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens foram aclamados no clube Funchalense e, em 1921, Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram obsequiados pelo Club Sport Madeira. Aos clubes e aos hotéis, juntaram-se os casinos, como locais privilegiados de diversão e de jogo. O casino da Qt. Vigia (1895), sobranceiro ao porto, era um dos mais visitados e conhecidos pelos saraus dançantes que tinham lugar todos os dias. Destaca-se igualmente, a partir de 1880, uma novidade que veio animar as ruas da cidade e as amplas quintas dos arredores do Funchal: as esquadras de navegação terrestre. Este jogo, que consistia genericamente na organização de “esquadras militares” fardadas a rigor que, em momentos determinados, realizavam assaltos entre si, acabou por monopolizar o lazer dos proprietários das principais quintas. Na Madeira, a segunda metade do séc. XIX foi marcada por uma conjuntura difícil para as diversas classes socioprofissionais, marcando, nesta medida, o despertar da sua consciência para o associativismo ou para a busca de soluções que propiciassem a assistência e a proteção aos trabalhadores, nos acidentes, na doença e na velhice. A tudo isto acresce o filantropismo social de ajuda aos mendigos, crianças e viúvas. Deste modo, a partir de meados da centúria, o mutualismo, o cooperativismo e o associativismo socioprofissional foram um meio capaz de minorar as dificuldades com que se debatia a população. Nesta sociedade, os jogos de fortuna e azar estão em todo lado e em lado nenhum, praticando-se de forma velada. À exceção dos que são legais, como a lotaria, os jogos de cartas e os que acontecem dentro dos casinos, apenas se sabe deles quando acontece algum desacato que implica a presença da autoridade, ou quando alguém apresenta denúncia. Em 1710, os vendeiros José Maria, Pedro Matos e a mulher de António Gonçalves Renhim são notificados para que nas “vendas não armassem jogos de moços e homens casados, nem negros e mulatos, sob pena de 6$000 réis” (RIBEIRO, 1993, 89). Depois, em 1768, transfere-se um deportado “por jogar e dar casa a jogos proibidos e crime de Mollicie” (CARITA, 1999, 252). Já em 1777, foi informado Francisco José, morador à R. do Hospital Velho, que “não teria mais jogo em sua casa” (Id., Ibid., 252). Não era só na cidade que o jogo se generalizara. Também no meio rural existiu, mesmo sem registo documental. Veja-se, por exemplo, este aviso lançado no Diário Popular, em 1901, por uma vítima do jogo que define o Seixal como uma escola de jogatina: “Joga-se nas casa particulares, em vários edifícios desabitados, nas tabernas por toda a parte, enfim, e quem se recusa a acompanhar os viciosos em tal divertimento é perseguido” (RIBEIRO, 1996. 260). Esta denúncia é um exemplo de que o jogo existe em toda a Ilha.   O estanco Consistia numa forma de monopólio legal, exercido pelo Estado ou concedido por este a um particular, para produção ou venda de um determinado produto, como o tabaco, o sal, a urzela, cartas de jogar ou diamantes. No caso de exercício por um particular, estamos perante uma doação como forma de mercê ou uma concessão a troco de uma renda fixa. O estanco também pode significar o armazém onde se encontra depositado e onde se faz a venda do produto do monopólio. O contratador do estanco providenciava estes espaços nas diversas localidades através do sistema de subarrendamento, sendo conhecido como estanqueiro. O mais importante foi o estanco do tabaco que perdurou desde do séc. XVII até à publicação da lei de 13 de maio de 1864, altura em que foi permitida a plantação de tabaco nas ilhas da Madeira e dos Açores e o seu livre fabrico e comércio. No Funchal, existiu uma rua com a designação “Estanco Velho”, cuja referência mais antiga é de 1572, reportando-se, possivelmente, à existência de um estanco na mesma rua. Outro estanco, não menos importante, foi o das cartas de jogar, surgido em 1607. Estando proibido o fabrico e a venda de cartas, pertencia ao estanqueiro esse direito, mediante uma renda cujo contrato era feito por arrematação. No séc. XVIII, o meirinho do estanco estava autorizado a fazer buscas em navios, barcos e quintas quando houvesse suspeita da existência de cartas falsas ou da sua venda sem licença do contratador. Ao contratador ou estanqueiro das cartas de jogar, era reconhecido o direito de ter mestres de fazer cartas, situação que estava vedada aos particulares. No séc. XVI, o baralho de cartas custava 80 réis. Ao longo de todo o séc. XVIII, vigorou na Madeira o contrato das cartas de jogar e solimão, instituído no séc. XVII e arrematado em Lisboa. Este contrato devia ter ligação à Madeira, dado encontrar-se registado na Câmara do Funchal, nos inícios do séc. XVII, o contrato celebrado com João Almedo de O'Campo, assim como uma outra provisão passada a Manuel Mendes Cardoso. O contrato referia que se poderia “jogar todo e qualquer jogo de nove e doze cartas, sem pena alguma e que se não possa o ‘jogo de parar’, sob as penas da lei” (CARITA, 1999, 252). Este contrato envolvia a venda das cartas de jogar, fabricadas em Lisboa pela Real Fábrica das Cartas de Jogar. Em 1770, o estanco das cartas de jogar era administrado por João dos Santos Coimbra e funcionava numa casa na R. do Sabão. No entanto, algo terá corrido mal, na medida em que os bens do administrador foram penhorados. Em 1793, Pedro Jorge Monteiro, procurador na Ilha da “real renda”, ainda procedia de acordo com este auto.   Lotarias Sabe-se da criação, em 1688, de uma companhia de jogos de rendas e que, em 1702, o rei determina a criação de uma lotaria, havendo notícia de outra em 1720. A primeira lotaria de que se tem conhecimento na Ilha foi criada pelo Gov. e Cap. Gen. José Manuel da Câmara, a 5 de fevereiro de 1803. Esta lotaria era de 30.000$000 réis, dividida em 6000 bilhetes, ao preço de 5$000. O 1.º prémio era de 4000$000 réis e o 2.º de 1600$000. Contudo, a 24 de março de 1804, o Gov. Ascenso de Sequeira Freire informa o visconde de Anadia da impossibilidade de esta se realizar, por ainda não se ter vendido metade dos bilhetes. Uma lei de 18 de outubro de 1806 atribui o negócio da lotaria às Casas da Misericórdia, mas, mesmo assim, a segunda lotaria de que há notícia terá sido criada, no Funchal, para benefício dos lázaros, de acordo com uma ata da sessão da Câmara Municipal do Funchal de 12 de janeiro de 1814 referida por Eduardo Almeida. O mesmo poder foi atribuído à Santa Casa da Misericórdia do Funchal para financiar as suas obras de caridade. Assim, em 1823, o provedor da Santa Casa, o Dr. João Francisco de Oliveira, teve autorização para uma nova lotaria, cuja receita revertia a favor do Recolhimento das Órfãs. Em 1931, defendeu-se uma lotaria local com base nas corridas de cavalos de Inglaterra, mas esta não foi autorizada. Pouco depois, em 1935, João Abel de Freitas reclamava as receitas da lotaria para a assistência local, mas Salazar não aceitou, mantendo-as como apanágio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A propósito de prémios da lotaria, há notícia de que, em 1928, o emigrante madeirense João Gonçalves de Jesus, residente na ilha de Trinidade, venceu a lotaria de S.to António, doando o que ganhou para a construção do monumento de N.ª S.ª da Paz, no Monte. Outro madeirense, João Fernandes, de Câmara de Lobos, que fora emigrante no Curaçau, encontrou a sua recompensa, em Lisboa, ao ganhar a lotaria no valor de 300 contos.   Os casinos Há notícia do funcionamento de três casinos no Funchal – Monumental, Vitória e Pavão – e de que a companhia de ferro do Monte pretendia explorar um casino no término da linha de comboio dessa freguesia. Em 1906 ateou-se a polémica na imprensa local com o projeto da Companhia dos Sanatórios da Madeira, que pretendia montar na Qt. Pavão um kurhotel. No entanto, a companhia seria comprada pelos ingleses, que aí montaram um casino. Em 1936, o Ministério das Finanças cedeu as quintas Vigia, Pavão e Biachi à empresa que adjudicou a zona de jogo, a empresa de turismo da Madeira, sendo instalado um casino na Qt. Vigia no mês de julho do mesmo ano. O casino Vitória, que era muito frequentado por estrangeiros, ardendo em 1927, e o casino Pavão funcionaram até à déc. de 30 do séc. XX, quando o governo decidiu concessionar a sua exploração. Tenha-se em atenção que, das sete zonas de jogo existentes em 1928-1929 em Portugal, a da Madeira era a que rendia mais ao Estado, com uma receita anual de 861.988$80. Na década seguinte, gerou-se um movimento a favor da concessão e construção de um casino, reivindicado por Henrique Vieira de Castro e pelo próprio João Abel de Freitas em carta de 1935 endereçada a Salazar, que, em resposta privada, se manifestou contra. O primeiro concurso para a concessão do jogo na zona da Madeira foi aberto em dezembro de 1935, surgindo na sequência da publicação do dec.-lei n.º 14.643, de 3 de dezembro de 1927, que regulamentou a exploração do jogo. A Associação Comercial manifestou interesse nessa concessão, criando para o efeito uma sociedade, a Empresa de Turismo da Madeira Lta. (1936). No entanto, apenas em 1958 lhe foi entregue a concessão do jogo por um período de 35 anos, sendo esta posteriormente prorrogada, em 1996 e 2006, por mais 10 anos. Mais tarde, o dec.-lei n.º 48.912, de 18 de março de 1969, estabeleceu duas zonas de jogo na Madeira, uma para cada ilha, sendo posteriormente alterado por outro decreto, o 10/95, de 10 de janeiro.   O jogo do bicho e o raspa O jogo do bicho joga-se na Madeira e no Rio de Janeiro. Na cidade brasileira, começou em 1892, por iniciativa do barão de Drummond. Não se sabe se antes desta data existia o jogo na Madeira, mas é muito provável que os emigrantes madeirenses no Rio de Janeiro tenham sido os seus divulgadores no Funchal, em data que se desconhece. Este jogo clandestino baseava-se em apostas feitas em números que correspondiam a animais, sendo os mesmos estabelecidos pelas terminações da lotaria nacional. Não se sabe, pois, quando começou, na Ilha, o jogo do bicho. Tratando-se de um jogo clandestino, não tem registo histórico, aparecendo na documentação oficial apenas quando, por qualquer razão, a polícia intervinha. Assim, sabemos que, na déc. de 30 do séc. XX, era bastante praticado, pois o Governo Civil promoveu uma ação, em 1930, para acabar com ele, na medida em que fazia concorrência à lotaria nacional da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Era nas vendas e mercearias que este jogo circulava, sendo assim apreendido, em 1937, o jogo em Santa Cruz e condenado o merceeiro. Por outro lado, vários angariadores espalhavam-se por toda a cidade e meio rural, no sentido de atrair novos jogadores. Embora saibamos muito pouco sobre o seu funcionamento, podemos afirmar que este jogo foi muito popular na Ilha e que ainda continua a existir na clandestinidade, não obstante ter entrado em decadência a partir da déc. de 70 do séc. XX. Há uma expressão popular dos madeirenses que tem origem neste jogo, “dar no porco”, significando que algo acaba mal. A expressão terá origem num momento em que, segundo o povo, saiu uma elevada quantia no porco, no âmbito do jogo do bicho, ficando o banqueiro com o dinheiro todo. Nos jogos de fortuna e azar, é também de destacar o raspa ou jogo instantâneo, que surgiu a 19 de dezembro de 1985, sendo explorado pela Associação de Municípios da Madeira. Passados 10 anos, apareceria, a nível nacional, a raspadinha, jogo lançado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Este é um dos chamados jogos instantâneos, uma vez que a atribuição ou não do prémio acontece na hora em que se procede ao raspar do cartão adquirido.   O imposto A primeira situação que conhecemos em relação à tributação do jogo prende-se com as cartas de jogar e solimão, que estavam sujeitas ao regime de monopólio. O estanco era nacional e existia na Madeira. O primeiro imposto a recair sobre o jogo foi o de selo, que existiu entre 1797 e 1988. Este tributo foi criado por alvará de 10 de março de 1797, como meio de financiar a guerra com a França e seus aliados (1793-95, 1801, 1807-14). Acabou por manter-se como mais uma fonte de rendimento para o Estado. A sua incidência sobre a lotaria foi determinada pela carta de lei de 4 julho de 1889. O imposto foi regulado pela lei de 20 de dezembro de 1837, a que se seguiu o dec. n.º 12.700, de 20 novembro de 1926. Aqui se refere que o imposto incide sobre “documentos, livros, papéis, atos e produtos”, visando-se tributar a circulação de riqueza, bens e valores que, de alguma forma, não tenham sido abrangidos por outro tributo. Os impostos estão, assim, presentes em anúncios, editais, escrituras, emissão de cheques, doações, obrigações, atos notariais, etc. A lei de 26 de abril de 1861 introduziu a possibilidade do seu pagamento através da inutilização de estampilhas fiscais. Já a lei de 29 de junho de 1902 alargou a sua cobrança às especialidades farmacêuticas. As taxas são variáveis: tanto pode ser uma percentagem da verba que está na origem do ato, como um valor fixo, que vai sendo atualizado com o tempo. Pelo dec. n.º 4056, de 6 de abril de 1918, foi criado um adicional de 50% enquanto durasse a guerra. Temos notícia de tabelas aprovadas: lei de 10 de julho de 1834; lei de 21 de abril de 1845; lei de 26 de abril de 1861; lei de 1 de julho de 1867; lei de 30 de agosto de 1869; lei de 2 de abril de 1873; lei de 7 de maio de 1878; lei de 21 de julho de 1893; lei de 24 de maio de 1902; lei n.º 1193, de 31 de agosto de 1921, que duplicou as taxas que foram publicadas no dec. n.º 7772, de 3 de novembro; lei n.º 1152, de 1 de março de 1924, que quintuplicou as taxas; lei n.º 1633, de 17 de julho de 1924, que procedeu a alterações na tabela publicada pelo dec. n.º 10.039, de 26 de agosto do mesmo ano; dec. n.º 16.732, de 13 de abril de 1929, que mandou integrar neste imposto a parte do imposto de transações que incidia sobre as operações bancárias; nova tabela aprovada pelo dec. n.º 21.916, de 28 de novembro de 1932; dec. n.º 21.427, de 30 de junho de 1932, que mandou multiplicar as taxas por 1,25, publicando-se as novas tabelas pelo dec. n.º 21.591, de 11 de agosto; decreto com força de lei n.º 21.916, de 28 de novembro de 1932, em que foi aprovada uma nova tabela. A parte do imposto de selo que recaia sobre bilhetes de lotaria e rifas foi abolida em 1988 (dec.-lei n.º 442-A/88, de 30 de setembro e dec.-lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro), com a criação de dois novos impostos: imposto sobre rendimento de pessoas singulares e imposto sobre rendimento de pessoas coletivas, pelo dec.-lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro do ano imediato. Também foram abolidas algumas das tributações que estavam na tabela deste imposto de selo. O IRS, imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, surgiu em 1988, na sequência da reforma fiscal provocada pela entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia. Foi criado pela lei n.º 106/88, de 17 de setembro, e teve código aprovado pelo dec.-lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, tendo substituído os seguintes impostos: profissional, de capitais, sobre a indústria agrícola, de mais-valias, complementar e de selo, contribuição industrial e predial. São elegíveis para este imposto os rendimentos da categoria I, provenientes de jogo, lotaria e apostas mútuas. As taxas deste imposto são progressivas, sendo o lançamento e liquidação realizados a partir de declarações feitas pelos contribuintes. A partir de 1989, com o dec.-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, é cobrada uma taxa às empresas concessionárias de jogos de fortuna ou azar, como imposto especial pelo exercício da atividade do jogo, para o fundo de turismo. O Estado tem conservado, assim, o direito de exploração dos jogos de fortuna e azar, sendo tal exploração feita por concessão. Desta forma, em 1927, o Estado português decidiu regulamentar a incontornável atividade do jogo, através da publicação do dec. n.º 14.643, de 3 de dezembro, que autorizava a exploração de jogos de fortuna e azar em regime de concessão exclusiva (em sítios específicos denominados como zonas de jogo). Imediatamente, inicia-se o primeiro regime fiscal sobre a atividade de exploração dos jogos de fortuna e azar, com a tributação a incidir sobre os lucros diários auferidos. Neste contexto, surge, em 29 de maio de 1948, o dec. n.º 36.889, que altera a tributação sobre o jogo de azar, de forma a tributar apenas o lucro normal, presumido com base no capital de giro, ao invés do lucro real, apurado conforme a intensidade do jogo. Após 10 anos, sobreveio o dec. n.º 41.562, de 18 de março de 1958, no qual se retorna à diretriz da primeira legislação fiscal sobre a matéria, a tributação de capitais de giro, lucros e receitas brutas com taxas elevadas, por se considerar o jogo um setor de exceção. Pelo dec.-lei n.º 318/84, de 1 de outubro, foram transferidas para as regiões autónomas dos Açores e da Madeira as competências do Governo para a adjudicação da concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, com exceção das referentes a lotarias e concursos de prognósticos ou apostas mútuas. Posteriormente, a tributação sobre o jogo de azar é disciplinada pelo dec.-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, cujo regime mantém o carácter de exceção.     Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

Sociedade e Comunicação Social

joeiras

Os jogos tradicionais e as brincadeiras constituem formas de estar, formas de sociabilizar e, embora possuam características universais, identificam uma cultura, na medida em que entre os seres humanos é a cultura que determina a forma de jogar. Um dos mais populares jogos ou brincadeiras tradicionais é o lançamento de papagaios de papel. Na Madeira estes artefactos voadores são conhecidos por joeiras. A origem da designação “joeira” pode dever-se ao facto de o desenho da sua estrutura ser semelhante à estrutura de um utensílio, com o mesmo nome, utilizado nas eiras para separar o trigo do joio e utilizado também pelos pescadores. Palavras chave: papagaios de papel, joeiras, brincadeiras tradicionais, barbante, canas-vieiras, cola. No começo do séc. XXI, é normal ver uma criança que, ao mesmo tempo, navega na Internet, folheia uma revista, fala ao telefone e ainda vê televisão. Em períodos anteriores, porém, as crianças disponibilizavam uma parte do seu dia para brincar com carrinhos, jogar ao pião e lançar papagaios. Duas realidades que estão cada vez mais distantes. As brincadeiras infantis mudaram muito. Houve períodos em que a maioria das crianças tinha poucos brinquedos e, por isso, tinha de usar mais a criatividade para os criar. Os brinquedos tradicionais, construídos pelas crianças com os materiais disponíveis no meio envolvente, utilizando a sua imaginação, fazem parte do património lúdico de uma cultura. Assim, os jogos tradicionais e as brincadeiras constituem formas de estar, formas de sociabilizar e, embora possuam características universais, identificam uma cultura, na medida em que, entre os seres humanos, é a cultura que determina a forma de jogar. Um dos mais populares jogos ou brincadeiras é tradicionalmente o lançamento de papagaios de papel. Existem teorias, lendas e suposições que dizem que o primeiro voo de um papagaio de papel ocorreu em tempos diferentes e em várias civilizações. Na versão mais antiga, os papagaios de papel nasceram na China no ano 200 a.C.. Por sua vez, no Egito, existem hieróglifos sobre objetos que voavam controlados por fios, e os fenícios também já conheciam o seu segredo, assim como os africanos, indianos e polinésios. Nos países orientais, sempre foi grande a utilização de papagaios com motivos religiosos e míticos, como atrativos de felicidade, sorte, nascimento, fertilidade e vitória. Por volta de 1250, o Inglês Roger Bacon escreveu um estudo sobre asas acionadas por pedais, tendo como base experiências realizadas com papagaios de papel. Pensa-se que os papagaios de papel foram introduzidos em Portugal durante o séc. XVII, a partir do Oriente. Salvo a utilização militar estes objetos mágicos sempre tiveram o poder de alegrar, ajudar e dar esperança à humanidade. Posteriormente, em 1901, Marconi utiliza papagaios de papel para fazer experiências com transmissão de rádio, que mais tarde Bell utilizaria como testes do seu invento, o telefone. Durante a Segunda Guerra Mundial, os papagaios de papel eram utilizados pelos alemães para observar as movimentações das tropas aliadas ou como alvo móvel para exercícios de tiro. Nos começos do séc XXI, tanto em Portugal como no Brasil (onde os papagaios de papel têm a designação de “pipa”, e uma forma diferente dos papagaios construídos em Portugal) não estão totalmente esquecidos. Podemos ver em algumas cidades destes dois países crianças e adultos a brincar com papagaios, objetos que ocorrem também como material publicitário e em obras de ficção televisiva. É oportuno ainda referir que um artigo publicado pela revista Visão de 30 de julho de 2015, intitulado “Ideias para sobreviver às férias grandes dos miúdos”, sugere a construção destas brincadeiras: “Lançar um papagaio de papel. E façam-no, primeiro. Pode reciclar o que tiver por perto: um saco de lixo ou uma toalha de papel, estacas em bambu ou pauzinhos chineses para o papagaio ficar direito e uma corda de nylon. O essencial é que a estrutura se mantenha leve, de forma ir pelo ar com um pouco de vento. A ver quem consegue mantê-lo a voar mais tempo”. (“Ideias…”, Visão, 9 ago. 2015). Na Madeira, estes artefactos voadores são conhecidos por joeiras. Trata-se de objetos mais pesados que o ar, mas que, uma vez impelidos pelo vento, são manobrados a partir do solo com um barbante (fio de dois ou mais cabos torcidos, possivelmente oriundo da província de Brabante – Holanda), que serve de ligação entre o objeto e o alteador (pessoa que manobra a joeira). A origem da designação (joeira) pode estar no facto de o desenho da sua estrutura ser semelhante à estrutura de um utensílio com o mesmo nome, utilizado nas eiras para separar o trigo do joio e utilizado também pelos pescadores. Como se referiu atrás, os artefactos voadores recebem na Madeira, em geral, a designação de joeiras; contudo, segundo Agostinho Vasconcelos, os objetos de voo à vela podem ser classificados quanto à estrutura (feitos de cana vieira, inteira ou rachada) e quanto ao desenho (executados com linha de coser, no interior da carcaça, ou recortados no papel colorido dos forros). Quanto à sua estrutura, podem ser papagaios, bacalhaus, joeiras, rodas e aviões. De referir que os papagaios não têm qualquer estrutura de suporte preliminar; contudo, excecionalmente poderão ter uma estila (lasca de cana ou de outra planta), que será usada como reforço para lhe dar estabilidade. O bacalhau tem estrutura inicial ou de suporte ao forro (papel de seda ou outro material, como plástico, celofane, tecido fino, entre outros), com duas ou mais canas, dispostas em cruz, parecendo um bacalhau salgado seco. Por sua vez a joeira tem uma armação feita com três canas, as quais são fixadas com um alfinete, ou arame fino, no seu ponto médio; ao passarmos uma linha equidistante nos seus extremos, aparecerá um polígono hexagonal. Semelhante à joeira, temos a roda, construída com quatro ou mais canas, dispostas como no caso anterior, radialmente (ligando todos os extremos ou mais, conforme as canas utilizadas). Por fim temos o avião, estrutura de cinco ou mais canas, dispostas de modo a parecer a forma daquela nave. Quanto ao desenho, a forma de estrela pode ser encontrado em vários artefactos voadores; mas este desenho é mais comum e facilmente reconhecível nas joeiras e nas rodas. Para se construir uma joeira, as crianças usavam o material que tinham ao seu dispor, nomeadamente: pincel (para espalhar cola); alicate (para cortar e torcer os alfinetes); plaina (para preparar as canas rachadas); régua (guia, para cortar em linha reta o papel); agulha (para armar o desenho, com linha); alfinetes (que servem de eixo às canas); lápis (para marcar o papel antes de colar); teco (para auxiliar na colagem); tesoura (para cortar o papel e a linha); afiador (para afiar os instrumentos cortantes); passador (para puxar a linha, para fazer o nó); pinça (para repuxar o papel); canivete (para preparar as canas); faca (para cortar o papel). As matérias-primas eram constituídas essencialmente pelo que a natureza disponibilizava e por alguns materiais reutilizados; são elas: folhas de papel de seda (para o forro das joeiras); papa de milho/semilha (utilizadas como cola); novelos (barbante de joeira ou linho); tubo de linhas (fibra artificial e para fazer a configuração dos desenhos, no interior); fio torcido (algodão) e canas (inteiras ou rachadas) para a estrutura. Contudo, outros materiais poderão ser utilizados, dependendo essencialmente da criatividade do construtor das joeiras. As joeiras estiveram e estão bastante presentes no quotidiano madeirense. Podemos encontrar referência a estas brincadeiras na literatura, e.g. no conto “A beleza das joeiras”, de Graciela Dias da Silva, inserido na obra Rasgos da Minha Infância: – Não foram compradas as joeiras. […] Mas… pergunta o miúdo: – Como as fizeram?!... Pacientemente, elucida-o o professor com palavras tão radiantes de frescura, que o deixam atento ao seu discorrer!... E fala-lhe das diversas fases da elaboração de uma joeira, a saber: – Depois de cortado devidamente o papel de seda e ajustadas as ripas de cana, inventariam o conjunto, segundo o modelo previamente escolhido. – Em segundo plano, é só colar o papel, geralmente com uma massa feita de farinha e água. – Finalmente, após a secagem e, para que seja mantido um certo equilíbrio, apõem ao papagaio um rabo, feto de pano esfrangalhado, a capricho (SILVA, 2011, 49-50). Encontramos também referência às joeiras na obra de Manuel Pita Ferreira, Natal na Madeira – Estudo Folclórico: “Fecham o cortejo, o músico do bombo, o dos pratos e o da caixa, marcando o ritmo da marcha e numeroso bando de rapazitos com as mãos cheias de canas de foguetes e as algibeiras abarrotadas de canudos. Vêm contentíssimos, porque encontraram um tesouro, – canas e barbante para as joeiras” (FERREIRA, 2010, 15) Também na tradição oral é frequente encontrar referências à construção e utilização de joeiras, e.g. numa quadra popular dedicada a S. João: “São João / São João da Ribeira / dá-me vento, / para altear esta joeira”. Por fim, é oportuno ainda verificar que em várias freguesias da ilha da Madeira são feitos concursos de joeiras, com destaque para os concursos organizados pela Junta de Freguesia de S. Roque, pela junta de Freguesia de Machico, pelos Cursos de Educação e Formação de Adultos da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos da Torre, em conjunto com a Casa do Povo de Câmara de Lobos; também nos concelhos da Calheta e da Ponta do Sol há concursos deste género. De uma maneira geral, os objetivos destes diferentes concursos são: reavivar a tradição da construção e do lançamento de joeiras; incentivar o gosto pelos jogos tradicionais; estimular a criatividade e a imaginação dos participantes; incentivar o convívio intergeracional; promover atividades ao ar livre; e realizar atividades educativas e culturais que envolvam toda a comunidade. Os critérios de seleção dos vencedores são, em geral: criatividade e inovação; utilização de materiais recicláveis e tempo de voo.  Todos estes concursos têm grande recetividade por parte do público, tanto dos jovens como dos menos jovens, e contribuem para a persistência desta tradição madeirense.     José Xavier Dias (atualizado a 18.12.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

ribeiro real, visconde do

Visconde do Ribeiro Real. 1885. Arquivo Rui Carita João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo. Casando-se, a 24 de junho de 1882, já com mais de 40 anos, com Teresa da Câmara Carvalhal, filha do 2.º conde de Carvalhal, recebeu o título de visconde do Ribeiro Real. Passara, entretanto, pela Junta Geral e depois pela presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia. Na sua vereação camarária ainda se fundou o corpo de bombeiros voluntários e procedeu-se a reformas urbanas na área do cemitério britânico, tendo hoje o seu nome o largo que fica mais a sul. Foi ainda cônsul de França e elevado a conde do Ribeiro Real, título que parece não ter usado. Faleceu em 1902. Palavras-chave: bombeiros voluntários; Câmara Municipal do Funchal; cemitério britânico; caminho de ferro do Monte; Teatro Municipal.     João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo, de São Pedro, no Funchal, e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo, de Ponta Delgada. Casando-se, a 24 de junho de 1882, com Teresa da Câmara Carvalhal (1857-c. 1925), filha do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888), recebeu o título de visconde do Ribeiro Real por decreto de 23 de março desse ano, sendo depois elevado a 1.º conde, por decreto de 16 de fevereiro de 1899, após a sua passagem pelo governo civil do Funchal, em 1897, como interino. Para além do cargo que ocupou na Junta Geral e da presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia (Teatro Municipal), ocupou também o lugar de cônsul de França. O futuro visconde do Ribeiro Real deveria ser uma figura muito discreta e reservada, não sendo fácil recuperar o seu percurso político e social. Casou-se bastante tarde para a época, já passando dos 40 anos, não havendo descendência do seu casamento. A primeira referência política a seu respeito é como procurador da Junta Geral, quando se pronuncia sobre a lei de 13 de maio de 1872, que criara as bases da nova regulamentação. Como vogal, João Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo esteve na reunião de 11 de março de 1874 e na de 11 de abril seguinte, aprovando as alterações que o vogal do conselho de distrito, visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875) mandou imprimir a 14 de abril desse ano. A sua ação mais relevante foi à frente da Câmara Municipal do Funchal, onde sucedeu ao sogro, 2.º conde de Carvalhal, que somente ocupara o lugar no quadriénio de 1882-1885 por ser, ainda, o maior proprietário latifundiário do Funchal, mas cujas funções tinham sido desempenhadas pelo vice-presidente, morgado João Sauvaire da Câmara e Vasconcelos (1828-1890). A partir de 1886, a Câmara do Funchal teve uma interessante atividade, entre outras coisas, acabando as obras do Teatro Municipal, apresentado aos funchalenses a 29 de julho de 1887, e inaugurado oficialmente a 11 de março de 1888. Nessa altura, teve o visconde de se defrontar com o primo, João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902), conde de Canavial e então governador civil, que queria ocupar o camarote da presidência, o que veio a acontecer, mas como convidado, pois o Teatro era propriedade da Câmara. A questão do camarote do Teatro ocupou então as primeiras páginas da imprensa da cidade. Foi durante a presidência do visconde do Ribeiro Real, quando tinha o pelouro dos incêndios o Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), então também médico do hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, que se fundaram os bombeiros voluntários do Funchal, serviço inaugurado oficialmente a 24 de setembro de 1888. A apresentação pública do inúmero material adquirido para esse serviço, de que existe abundante documentação fotográfica, foi feita junto à fachada do referido hospital, a 7 de abril de 1889. O primeiro quartel foi construído na antiga R. do Príncipe (assim designada em homenagem ao príncipe, depois D. João VI (1767-1826)), posteriormente R. 31 de Janeiro, passando, duas décadas depois, para a R. da Princesa (em referência a D. Carlota Joaquina (1775- 1830)), posteriormente R. 5 de Outubro. José Joaquim de Freitas era um republicano de arreigadas convicções (República), mas tal não obstou ao apoio que sempre lhe foi dado pelo visconde do Ribeiro Real, tendo-se registado, inclusivamente, um forte apoio das mais destacadas famílias funchalenses à criação dos bombeiros voluntários, existindo fotografias destes anos de inúmeros dos seus elementos fardados de bombeiros, independentemente da sua filiação partidária e, inclusivamente, nacionalidade; há mesmo fotografias de comerciantes britânicos, o que só se explica pelo apoio dado à iniciativa pelo visconde. João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo foi igualmente um dos principais impulsionadores do projeto do caminho de ferro do Monte, numa altura em que o projeto poderia ter sucumbido ao conflito de interesses entre os comerciantes britânicos radicados na Ilha e os financeiros alemães, que o apoiavam. Ao nível do Governo central, o apoio ao projeto não foi muito evidente, exceto na isenção de impostos que concedeu à Companhia do Caminho-de-Ferro do Monte, aquando da entrada na Alfândega do Funchal do material fixo e circulante para a via-férrea. O grande apoio partiu da Junta Geral, que adquiriu algumas ações, e, especialmente, da Câmara do Funchal, através do vereador João Luís Henriques e do presidente, o visconde do Ribeiro Real, tendo a Câmara adquirido 250 obrigações. As transformações ocorridas na malha urbana da cidade permaneceram e decorrem da urbanização envolvente do traçado da via-férrea e da montagem de uma série de instalações turísticas de apoio, como o Hotel do Bello Monte, e depois das instalações do Terreiro da Luta, consolidando a estruturação da freguesia de Santa Luzia e a ligação da cidade à freguesia do Monte, e contribuindo para a visão geral de anfiteatro que da encosta do Funchal. Foi também a vereação do visconde de Ribeiro Real que permitiu e apoiou a ampliação do cemitério britânico (Cemitério britânico), como contrapartida pela expropriação de uma faixa do terreno do mesmo. Foram então demolidas duas das vielas anexas entre aquele espaço e a R. dos Aranhas, do que resultou a R. 5 de Junho, depois R. Major Reis Gomes, onde viria a ser construído o largo com o seu nome. Os viscondes do Ribeiro Real habitaram o palácio de S. Pedro que, desde 1883, era partilhado com o Colégio de S. Jorge, dirigido pela futura M.e Mary Jane Wilson (1840-1916). Também ali faleceu, a 4 de fevereiro de 1888, o 2.º conde de Carvalhal, António Leandro Carvalhal Esmeraldo e, em 1897, ainda se instalou em parte do palácio o Clube Internacional. O visconde do Ribeiro Real seria elevado a conde do Ribeiro Real, a 16 de fevereiro de 1899, mas parece nunca ter usado o título, falecendo a 22 de março de 1902, altura em que se encontrava já retirado da vida pública, não havendo, por exemplo, qualquer referência a seu respeito na visita régia de junho de 1901. A condessa do Ribeiro Real, em 1921, deu início ao processo de venda do palácio, mas a mesma foi contestada pelos coproprietários, conde de Resende e família de Eça de Queiroz, descendentes de sua irmã, Maria das Dores Carvalhal (1855-1910). A a 20 de janeiro de 1923, a condessa mandou vender em leilão o recheio do palácio, momento em que se dispersou aquele importante espólio. Deverá ter falecido pouco depois dessa data. O espadim de honra do visconde do Ribeiro Real, como fidalgo da Casa Real, deve ter sido logo entregue à Câmara Municipal do Funchal, por legado do mesmo. A sua liteira, no entanto, com as armas de visconde envolvidas pelos atributos utilizados pela Câmara, um ramo de videira e outro de cana-de-açúcar, tal como o seu monograma, encimado por coroa de visconde, deve ter ido então a leilão, tendo passado a mãos particulares e depois ao Museu Quinta das Cruzes, sendo dos poucos exemplares deste tipo de transporte que sobreviveu. É provável que do leilão de 1923 tenha sobrevivido uma fotografia, onde aparece um dos dois óleos de Tomás da Anunciação (1818-1879), encomendados pelo 2.º conde de Carvalhal em 1865, e que fazem igualmente parte do acervo do Museu Quinta das Cruzes. No mesmo leilão deve ter sido vendido o retrato das duas filhas do 2.º conde de Carvalhal, depois depositado na Fundação Eugênia de Canavial.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

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