Mais Recentes

casas do povo

As Casas do Povo foram criadas durante o Estado Novo, em 1933, e constituíam-se, inicialmente, em organismos de cooperação social, com a finalidade de intervir no campo da previdência e assistência social, colaborar no desenvolvimento das comunidades da sua área de atuação e garantir a representação profissional e proteção dos trabalhadores rurais. Ao longo da sua existência, surgiram vários diplomas para legislar ou reorganizar os seus desígnios, o que resultou em diversas transformações nestes organismos. Palavras-chave: Casa do Povo; Organização; Madeira; Cultura; Atividades; Formação     Durante o regime corporativista do Estado Novo, em Portugal, foi autorizada a criação de casas do povo em todas as freguesias rurais, pelo dec.-lei n.º 23.051, de 23 de setembro de 1933. As casas do povo constituíam-se, inicialmente, em organismos de cooperação social, com personalidade jurídica, com a finalidade de intervir no campo da previdência e assistência social, assegurando a proteção e o auxílio aos sócios, nos casos de doença, desemprego e velhice; de colaborar no desenvolvimento educacional e cultural, através da criação de bibliotecas, escolas ou postos de ensino, destinados à instrução dos sócios e dos seus filhos; de promover a prática de desportos, diversões e cinema educativo e ainda de contribuir nos progressos locais, na realização de obras de interesse comum. A criação das casas do povo podia ser por iniciativa de particulares, das juntas de freguesia ou de qualquer autoridade administrativa com jurisdição na respetiva zona rural. Os sócios eram classificados nas categorias de efetivos (chefes de família e homens maiores de 18 anos) e protetores (proprietários rurais da freguesia). As mulheres e os menores de 18 anos podiam inscrever-se como sócios para efeitos de benefícios. As receitas provinham das cotas dos sócios, das atividades das Casas do Povo, de donativos e do Estado. As casas do povo foram sofrendo diversas transformações, ao longo da sua existência, tendo surgido vários diplomas para legislar ou reorganizar os seus desígnios. Em 1940, através do dec-lei n.º 30.710, de 29 de agosto, estabelece-se a sua nova organização, sobretudo no que diz respeito à previdência social, passando estas casas a funcionar como instituições de previdência para a população rural. Cinco anos mais tarde, pelo dec.-lei n.º 34.373, de 10 de janeiro de 1945, surge a Junta Central das Casas do Povo, uma entidade responsável por coordenar e orientar as ações destas instituições. No início do ano de 1957, foram criadas federações de casas do povo, pela necessidade de assegurar a coordenação das suas diferentes atividades e de garantir uma proteção mais eficaz ao trabalhador rural (dec-lei n.º 41.286, de 23 de setembro de 1957). Mais tarde, as casas do povo e as suas federações são reorganizadas pela lei n.º 2144 de 29 de maio de 1969, que revoga o dec.-lei 23.051, de 23 de setembro de 1933, embora continuando em vigor a legislação complementar e a legislação sobre as federações das casas do povo em tudo o que não contrariasse as disposições daquela lei. As casas do povo são caracterizadas naquele diploma como “organismos de cooperação social, dotados de personalidade jurídica, que constituem o elemento primário da organização corporativa do trabalho rural e se destinam a colaborar no desenvolvimento económico-social e cultural das comunidades locais, bem como a assegurar a representação profissional e a defesa dos legítimos interesses dos trabalhadores agrícolas e a realização da previdência social dos mesmos trabalhadores e dos demais residentes na sua área” (lei n.º 2144, de 29 de maio de 1969, cap. i, sec. i, base i). As casas do povo podiam ser também criadas por iniciativa do ministro das Corporações e Previdência Social nas zonas onde se considerassem necessários os fins de previdência e adquiriam personalidade jurídica com a aprovação, por alvará, dos seus estatutos. Passava a haver três categorias de sócios (efetivos, contribuintes e protetores), que tinham direito de utilizar os serviços e de aproveitar as vantagens e benefícios concedidos pela casa do povo, e o dever de pagar as quotas e cooperar no desenvolvimento da organização. Os sócios efetivos eram os trabalhadores das atividades agrícolas, silvícolas e pecuárias, por conta de outrem, quando chefes de família ou maiores de 18 anos, residentes na área; os sócios contribuintes eram os produtores agrícolas da região; os sócios protetores constituíam-se pelas entidades ou pessoas que contribuíam para as receitas de forma voluntária. Após a Revolução de 25 de abril de 1974, estas entidades sofrem alterações profundas. No final daquele ano são extintas as federações das casas do povo e é-lhes retirada a função de representação profissional dos trabalhadores agrícolas, pelo dec.-lei n.º 737/74, de 23 de dezembro, passando estes a ser representados pelos sindicatos. Pouco tempo depois, pelo dec.-lei n.º 549/77, de 31 de dezembro, instituiu-se um sistema unificado de segurança social, alterando o contexto de previdência social dos trabalhadores rurais e residentes na mesma área, e criaram-se centros regionais de segurança social e de saúde, transferindo-se funções desempenhadas pelas casas do povo para estes serviços locais. Em 1982, por meio do dec.-lei n.º 4/82, de 11 de janeiro, reestruturam-se novamente as casas do povo. Estas passam a ter o estatuto jurídico de pessoas coletivas de utilidade pública, de base associativa, tendo como finalidade o desenvolvimento de atividades de carácter sociocultural e a cooperação com o Estado e com as autarquias locais, com vista a promover o desenvolvimento e o bem-estar das comunidades, especialmente as do meio rural. A sua criação seria feita por requerimento subscrito por um mínimo de 50 pessoas em condições de se inscreverem como sócias da instituição a criar, e aprovados pelo ministro dos Assuntos Sociais, adquirindo personalidade jurídica pela publicação do despacho de aprovação no Diário da República. Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, de acordo com o disposto no art. 34.º daquele diploma, seriam publicados decretos regulamentares regionais para a sua execução, com as adaptações consideradas necessárias. Neste sentido, ainda em 1982, publica-se na Madeira o dec. reg. regional n.º 20/82/M, de 1 de outubro, que aprova o Estatuto das Casas do Povo. Aquele diploma define-as como “instituições de base associativa dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira e que se constituem por tempo indeterminado e se destinam ao desenvolvimento cultural, recreativo e desportivo das comunidades” (cap. i, sec. i, art. 1.º). Assim, atividades como teatro, música, artes visuais, folclore, artesanato, desporto, formações, entre outras, deveriam ser promovidas por estas entidades, por iniciativa própria ou em colaboração com organismos públicos ou privados e contariam com apoio técnico e financeiro do Governo regional, para a realização dos seus objetivos. Também se procede à criação de uma Comissão Provisória de Apoio às Casas do Povo, integrada no Serviço de Extensão Rural, na dependência da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas. Dos seus estatutos constarão, obrigatoriamente, a denominação com a expressão “Casa do Povo”; a área abrangida e localização da sede; o modo e condições de admissão, saída e exclusão dos associados, seus direitos e deveres e sanções pelo não cumprimento desses deveres; os poderes da assembleia geral e as atribuições da respetiva mesa; a composição da direção, suas atribuições e modo de substituir os seus membros durante as suas faltas e impedimentos; as condições necessárias para a constituição e funcionamento da assembleia geral e para o exercício do direito de voto e as condições em que pode ser deliberada a dissolução da casa do povo, conforme regulamentado no cap. I, sec. III, art. 6.º daquele diploma. Os sócios são as pessoas singulares com mais de 18 anos, devidamente recenseadas, que residam habitualmente na respetiva área e que requeiram a sua inscrição e são constituídos em três categorias: os efetivos (antigos sócios das casas do povo que não tenham anulado a sua inscrição ou os indivíduos que a requeiram), os honorários (agraciados pela assembleia geral) e os beneméritos (que voluntariamente contribuam com doações ou donativos de vária ordem e reconhecidos pela assembleia geral). O cap. II define os sócios das casas do povo, seus direitos e deveres (arts. 11.º a 17.º). Os órgãos são constituídos pela assembleia geral e pela direção, cujo mandato tem uma duração de três anos (órgãos e respetivas competências regulamentados no cap. III, arts. 18.º-45.º). Aquele diploma regula ainda os procedimentos eleitorais para os corpos gerentes (cap. VI, sec. XIII, arts. 48.º-65.º), os trabalhadores (cap. IV), as receitas (cap. V) e estabelece também que as dúvidas e os casos omissos serão resolvidos por despacho do secretário regional da Agricultura e Pescas, ouvida a Comissão Provisória de Apoio às Casas do Povo. Em 1990, deu-se a autonomização das casas do povo em relação ao Estado. Estas deixaram de estar sob a sua tutela, passando o seu regime a ser o estabelecido pelas disposições do Código Civil aplicáveis às associações de direito privado (dec.-lei n.º 246/90, de 27 de julho). No começo do séc. XXI, a Madeira contava com 41 casas do povo, que foram alterando os seus propósitos, de acordo com as transformações político-sociais e respetiva legislação. No âmbito dos seus objetivos, as casas do povo promovem, ao longo do ano, diversas iniciativas de cariz sociocultural, formativas, desportivas, recreativas e de ocupação de tempos livres, por iniciativa própria ou em colaboração com organismos públicos ou privados, como o Governo regional, as secretarias regionais, as câmaras municipais, as juntas de freguesia, os comerciantes locais, entre outras. Assim, como forma de preservar as tradições e o património da freguesia, promover a localidade, os produtos típicos e também dinamizar o comércio, surgem eventos dedicados à mostra e promoção de produtos característicos da terra, como a Festa da Castanha, a Festa da Cereja, a Mostra da Sidra, a Exposição do Limão, a Mostra do Brigalhó (tubérculo que só existe em zonas húmidas do Curral das Freiras), entre muitos outros. Estas festas e mostras de produtos apresentam uma vertente gastronómica, com várias barracas montadas para vender iguarias e bebidas, e contam com um programa de animação variado, com atuações musicais e outros géneros artísticos. Algumas casas do povo atuam também no campo social, na gestão de centros de dia e de convívio, para os mais idosos, e na aposta em projetos socioeducativos como a Universidade Sénior; na organização de atividades de tempos livres para as crianças; na assistência às famílias carenciadas e aos mais desfavorecidos; e na disponibilização de serviços para apoiar as pessoas em situação de desemprego, designados de Polos de Emprego. Destaca-se ainda a criação de grupos musicais, de folclore, de dança, de teatro, entre outros grupos de animação, que representam a respetiva casa do povo, sobretudo em eventos realizados na Madeira, e noutros fora da Ilha. De referir ainda a junção das casas do povo em associações, como a Associação de Casas do Povo da Região Autónoma da Madeira (ACAPORAMA) e a Associação para o Desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira (ADRAMA). A ACAPORAMA foi fundada a 5 de abril de 1991, com a finalidade de representar todas as casas do povo da Região e de organizar, promover, coordenar e dirigir ações e projetos no âmbito dos objetivos que se propõem, assim como administrar fundos que lhe sejam atribuídos ou confiados. A ADRAMA foi constituída a 16 de agosto de 1994, tendo 13 casas do povo como outorgantes (Calheta, Campanário, Faial, Ilha, Ponta Delgada, Ponta do Sol, Porto Moniz, Ribeira Brava, Santana, São Jorge, São Roque do Faial e São Vicente), com os objetivos de promover, dinamizar, acompanhar e gerir ações de desenvolvimento, de valorização, de património, de defesa do ambiente e qualidade de vida da população de cada concelho da sua área de intervenção. Segue-se um breve historial das casas do povo criadas na Região Autónoma da Madeira, com um resumo de atividades desenvolvidas e sua localização. Casa do Povo de Água de Pena – Foi fundada a 24 de abril de 1993 e tem a sua sede na Est. Regional 237, n.º 3, ao Sítio da Igreja, freguesia de Água de Pena, concelho de Machico. Resumo de atividades: Organização e participação em cortejos de Carnaval na freguesia e no concelho de Machico; festejos de São João com a realização de marchas populares e ceia típica; visitas aos presépios da freguesia, pelo Natal e o Cantar dos Reis na noite de 5 de janeiro; feiras do livro; passeios pela Ilha e viagens ao Porto Santo; formação (cursos de informática, pintura decorativa e costura, ateliers de artes visuais, entre outros); palestras, ações de sensibilização e ciclos de conferências; aulas de ioga; disponibilização de um centro de dia e de convívio; projeto REUTIPARTI (reutilização e partilha), que consiste no conserto de móveis e sua entrega a famílias carenciadas. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Folclórico de Danças e Cantares da Casa do Povo de Água de Pena (fundado a 29 de julho de 1979 e integrado na Casa do Povo em 1994) e Grupo Coral das Casas do Povo do concelho de Machico (formado a 14 de abril de 1994). Casa do Povo do Arco de São Jorge – Foi fundada em 1996 e localiza-se no Sítio dos Poços, freguesia do Arco de São Jorge, concelho de Santana. Resumo de atividades: Celebração de tradições madeirenses como o varrer os armários, pelo Santo Amaro, que inclui um concurso de vassouras, um cortejo e visitas aos presépios da localidade; os santos populares, com a realização da marcha de São João; festejos do pão-por-Deus com os utentes dos diversos centros sociais do concelho; participação no cortejo de Carnaval, em Santana; organização da Semana de São José, com um programa de animação musical, atividades desportivas e culturais; colaboração no Concerto Anual da Primavera, promovido pela Qt. do Arco; realização de vários cursos de formação e palestras. Possui várias infraestruturas, ao serviço das gentes da freguesia, nomeadamente, um Centro de Dia e de Convívio para os idosos, um Núcleo Bibliotecário e Centro Multimédia denominado Feiticeiro do Norte, a gestão do Museu do Vinho e da Vinha, a empresa de inserção Doces Tradições (criada em 2005, com o apoio do Instituto Regional de Emprego); ajuda domiciliária aos idosos e distribuição de refeições ao domicílio, em todo o concelho. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Tuna d’Arco da Casa do Povo do Arco de São Jorge. Casa do Povo da Boaventura – Foi fundada em 1959. Localiza-se no Sitio do Serrão, R. da Casa do Povo, freguesia da Boaventura, concelho de S. Vicente. Resumo de atividades: Organização do evento anual Feira das Sopas do Campo, realizada no primeiro fim de semana de junho, que inclui um cartaz de animação variada; promoção, na época natalícia, da Mostra de Iguarias Tradicionais de Natal, em dezembro (desde 2006), e do Encontro de Romarias de Natal, em janeiro (desde 2003); concertos com grupos regionais; encontros de grupos corais; bailes de Carnaval; Festa da (Bio) Diversidade; atelier de escrita criativa; proporciona a frequência de cursos de curta duração, entre os quais os cursos de culinária e higiene alimentar, culinária tradicional de Natal, artes decorativas e arte floral. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Instrumental; Grupo de Dança Dance Power; Grupo de Acordeões; Grupo de Instrumentos Tradicionais; Grupo de Despique Rei do Feijão. Casa do Povo da Calheta – Constituída a 30 de agosto de 1973, situava-se, então, no edifício do Hospital da Calheta, no Lombo da Estrela. Alguns anos mais tarde mudou as suas instalações para a ER 222 – Est. da Calheta, n.º 697, freguesia e concelho da Calheta. Com a Revolução de 25 de abril de 1974 teve um período de alguma estagnação, até 1986, ano em que foram aprovados os novos estatutos e a constituição da Casa do Povo da Calheta, a 29 de setembro. Resumo de atividades: Disponibilização de variadas ações formativas (entre as quais os cursos de informática, inglês, alemão, secretariado e trabalho administrativo, contabilidade e fiscalidade, segurança e higiene no trabalho, competências e técnicas turísticas, formação de formadores, bordados, ponto cruz, tapeçaria de arraiolos, tela, rendas antigas, macramê, corte, confeção e design, confeção de bonecas de pano, bijuteria, borracha EVA, arte floral); reconhecimento e validação de competências a adultos do concelho, através do Centro de Novas Oportunidades (protocolo de colaboração celebrado em 2008, com a Escola Profissional de Hotelaria e Turismo da Madeira); formação musical (instrumentos de cordas); organização de passeios pela ilha da Madeira; disponibilização dos serviços de um Polo de Emprego (iniciado como Clube de Emprego, no ano 2000). Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Instrumental da Casa do Povo da Calheta (formado em 1985); Grupo da Escola de Formação Musical. Casa do Povo da Camacha – Criada em 1937, está situada no Lg. Conselheiro Aires de Ornelas, freguesia da Camacha, concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: Organização do Festival de Arte Camachense - ART’Camacha, habitualmente no mês de agosto, que tem associado um programa extenso e variado de animação; Gala de Folclore Maria Ascensão; Dia do Emigrante, com ações de cariz religioso, desportivo e cultural; jogos tradicionais Jogos da Quaresma (na Páscoa); promoção da tradição Função do Porco e o Cantar dos Reis (pelo Natal); concertos musicais; passeios de catamarã e de caminhadas pela Ilha; na área da formação tem realizado cursos de línguas (alemão, inglês), informática, artesanato (bordados e rendas), contabilidade, secretariado, suporte básico de vida, arte floral, workshops de escrita criativa e de pinturas faciais, entre muitas outras formações, conferências e ações de sensibilização em diversas áreas; aulas de ioga e de zumba; organização de atividades de ocupação de tempos livres para as crianças em férias escolares. No desporto, apoia uma equipa de futsal e outros atletas que participam em provas de atletismo regionais. Disponibiliza um centro de convívio e centro de dia aos idosos da freguesia, a Academia Sénior e os serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha (fundado a 1 de novembro de 1948); Tuna de Bandolins (criada em 1978); grupo Teatro Experimental da Camacha (formado em 1987); Grupo Coral (criado em 1990). Casa do Povo de Câmara de Lobos – Criada em 1973, situa-se na Est. João Gonçalves Zarco, freguesia e concelho de Câmara de Lobos. Resumo de atividades: Organização da I Mostra de Cinema ao Ar Livre (2011); projeto de artes teatrais denominado Sementes (2011); projeto Green Steps (2013); concurso Joeiras no Ilhéu (desde 2011, inserido no projeto Memórias d’Outrora, dos Cursos Educação e Formação de Adultos da Escola Básica da Torre); colaboração na realização da Corrida de Carros de Pau (desde 2013); lançamento de balões de S. João, na baía de Câmara de Lobos; passeios náuticos de catamarã e passeios pedestres; comemoração do Dia Mundial da Criança, com animação diversa, para as crianças do concelho; programa formativo (cursos de inglês, alemão, francês, informática, secretariado, contabilidade, pastelaria, culinária e higiene alimentar, bordado Madeira e arte floral, entre outros); palestras e conferências de temas variados; aulas de ginástica; participação em provas desportivas (torneios de futsal, futebol de 11 e atletismo); projeto socioeducativo da Universidade Sénior (desde 2012). Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de dança contemporânea R-evolução – Núcleo Experimental de Dança da CPCL; Grupo de Acordeões; Tuna Sénior; Grupo de Teatro da Universidade Sénior da Casa do Povo de Câmara de Lobos. Casa do Povo do Campanário – Fundada a 8 de setembro de 1972, localiza-se na R. Com. Camacho de Freitas, freguesia de Campanário, concelho da Ribeira Brava. Resumo de atividades: Participação em eventos como o Cantar dos Reis e Marchas dos Santos Populares (S.to António, S. Pedro e S. João), em vários concelhos da Madeira; organização de um cortejo de Carnaval na localidade; colaboração na execução de tapetes florais, no Funchal, pela Festa da Flor; participação em iniciativas tradicionais da sua freguesia (Festa do Espírito Santo, no período pascal, e Cortejo das Açucenas, em setembro); convívios de Natal; programa formativo (cursos de bordados, costura, tapeçaria, arte floral, culinária, informática, entre outros); participação em torneios com uma equipa de futsal; serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo do Campanário (fundado em 1981); Grupo Coral (fundado em 1996); Grupo de Cordas; Grupo de Cantares; Grupo de Teatro. Casa do Povo do Caniçal – Fundada a 1 de maio de 1992, localiza-se no Sítio da Banda do Silva, freguesia do Caniçal, concelho de Machico. Resumo de atividades: promoção de eventos como a Festa do Pescador (desde 2009), Marchas dos Santos Populares, Cantar dos Reis, festas de Natal, Dia da Mãe, Gala dos Amantes do Fado, Noite Branca (para comemorar a chegada do verão) e cortejo de Carnaval; formação diversa (cursos de secretariado, costura, ponto Cruz, iniciação à tela, rendas de filé, arte floral, culinária e higiene alimentar, pastelaria, entre outros); aulas de pilates e de ginástica aeróbica; participação em provas desportivas, com as suas equipas, nas modalidades de futsal e de futebol de 11; serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo do Caniçal (apresentado oficialmente a 4 de julho de 1993, embora já estivesse formado desde janeiro de 1991, como Grupo Cultural e Recreativo do Caniçal); Grupo Coral das Casas do Povo de Concelho de Machico (constituído em abril de 1994); Grupo Musical da Casa do Povo do Caniçal São de Leste (formado a 4 de dezembro de 1998); Grupo de Teatro da Casa do Povo do Caniçal (iniciado em novembro de 2003). Casa do Povo do Caniço – Foi fundada em janeiro de 1998. Localiza-se na R. Dr. Francisco Peres, Edifício Jardins Caniço, Loja 21, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: organização de passeios a pé pelas levadas da Madeira; realização de concursos (de fotografia Cidade do Caniço, literário O Melhor Conto de Duas Páginas e culinário O Docinho do Caniço); feira mensal de artesanato, denominada Made in Caniço; organização de um evento anual, o Festival de Verão, no qual decorrem diversas atividades de demonstração das ações realizadas ao longo do ano; disponibilização de uma variedade de cursos (informática, inglês, alemão, português para estrangeiros, bordado Madeira, barretes de orelhas, modelagem em barro, pintura em tela, em tecido e em vidro, fotografia digital, arte floral, culinária, entre outros); palestras e conferências em áreas diversas; aulas de ioga, ballet, danças rítmicas, ginástica e instrumentos de cordas; serviços de um Polo de Emprego. Dispõe de um espaço denominado Galeria da Casa do Povo do Caniço, no qual tem promovido diversas exposições individuais e coletivas e possui um Núcleo Museológico, onde se encontra uma exposição permanente, composta por vários documentos, jornais, cartazes, peças de artesanato e fotografias, com o intuito de preservar a memória da localidade. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Etnográfico O Brinquinho da Casa do Povo do Caniço (fundado a 31 de agosto de 2008); Grupo de Ballet; Grupo de Dança; Grupo de Aeróbica. Casa do Povo do Curral das Freiras – Criada a 30 de agosto de 1973, tem a sua sede localizada na Est. Cónego Camacho, na freguesia do Curral das Freiras, concelho de Câmara de Lobos. Resumo de atividades: organização do espetáculo Cantar dos Reis, a 5 de janeiro, no centro da freguesia, com a participação de grupos de vários locais da Madeira; Mostra do Brigalhó (tubérculo característico da zona), uma festa realizada no mês de maio (desde 2002); Mostra da Ginja & Doçaria – Arraial da Ginja, certame que decorre, habitualmente, no primeiro fim de semana de julho; Festa da Castanha, no mês de novembro (desde 1983); celebrações várias, ao longo do ano, em datas assinaladas, como nos santos populares e no Carnaval; organização de atividades de tempos livres, no verão, para as crianças em férias escolares; projeto Vale Só(r)isos, criado em 2013, com o objetivo de prestar apoio domiciliário e ceder equipamentos aos idosos ou pessoas dependentes; apoio a famílias carenciadas da localidade e estabelecimento de parcerias com outras instituições regionais, como a Casa do Voluntário, através do programa Vale de Afetos, que tem como principal finalidade combater a solidão e o isolamento social e prestar apoio pessoal e social; criação de uma empresa de inserção, Panela de Ferro (apoiada pelo Instituto de Emprego da Madeira); criação de uma Casa de Emergência para acorrer às situações de catástrofe ou de elevado risco social, financiada pela Fundação EDP e inaugurada a 20 de abril de 2012. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo do Curral das Freiras (criado a 1 de novembro de 1987); Grupo de Danças Infantis e Grupos Corais (adultos e infantis). Casa do Povo do Estreito de Câmara de Lobos – Criada por alvará de 26 de fevereiro de 1970 e inaugurada três meses depois, a 28 de maio. Mudou várias vezes de instalações, tendo começado no Sítio da Ribeira da Caixa, passando para o Sítio da Ribeira Fernanda e depois para a R. Cap. Armando Pinto Correia, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos. Após a Revolução de 25 de abril de 1974, passou por um período de inatividade de cerca de 15 anos. Em setembro de 1990, por despacho da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura, a instituição foi reativada, tendo os seus corpos gerentes tomado posse a 14 de dezembro desse ano. Resumo de atividades: participação nas Marchas Populares em diversas freguesias da Madeira; celebração do Carnaval e do Dia da Criança; organização do Cantar das Janeiras; realização do evento Mostra de Artes de Palco, com a participação de diversos grupos e artistas nas áreas artísticas da música, dança e teatro; cursos de formação (bordado Madeira, pintura em tecido, borracha EVA, corte e confeção de vestuário e artes decorativas, entre outros); participação em torneios de futsal; ocupação dos tempos livres das crianças; disponibilização de serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Teatro Grutcape (criado em 1993); Grupo de Teatro Infantil O Palquito. Casa do Povo do Faial – Fundada a 21 de abril de 1993. Está localizada na R. João Fernandes Vieira, Sítio da Igreja, freguesia do Faial, concelho de Santana. Resumo de atividades: Organização da Festa da Anona, evento anual, que se realiza desde 1991, com o objetivo principal de divulgar a produção da anona, apoiar os agricultores e promover o fruto e demais produtos confecionados à base de anona, como licores, pudins, bolos, batidos, e que inclui um programa de animação variado; apoio de provas realizadas na freguesia, como o Rali do Faial/Trap (2016) e Campeonato de Super Trial 4x4 Resistência 2016. No âmbito da formação, tem proporcionado cursos como informática, boas práticas agrícolas, culinária e higiene alimentar, secretariado, entre outros. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Tuna da Casa do Povo do Faial. Casa do Povo da Fajã da Ovelha – Foi fundada a 20 de maio de 2002 e tem a sua sede na E.R. 222 – Est. da Fajã da Ovelha, n.º 164, freguesia da Fajã da Ovelha, concelho da Calheta. Resumo de atividades: realização do Encontro de Cânticos da Festa, no mês de janeiro (desde 2008), com grupos oriundos de vários concelhos da Região; organização da Festa do Figo e do Tabaibo, no mês de agosto (desde 2014) e de Semanas culturais (com palestras, exposições e animação musical); celebração do dia do Casa do Povo, do Dia da Mãe e convívios com os emigrantes; participação no desfile de Carnaval do concelho, na Festa da Flor, no Funchal, na elaboração de tapetes de flores e nas marchas populares, em várias freguesias da Madeira; concursos de presépios de Natal, de enfeites de fontanários e de karaoke; organização de passeios (a pé) pela Ilha; cursos de formação em diversas áreas (culinária, costura, arranjos florais, informática, entre outros) e várias ações de sensibilização; ensino de música e práticas de instrumentos (acordeão, rajão, viola e bandolim); participação em provas desportivas (torneios de futsal e atletismo); disponibilização de um Centro de Convívio Sénior. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Cordas da Fajã da Ovelha (formado em 1995 e integrado na Casa do Povo em 2006). Casa do Povo de Gaula – Foi fundada em 1986 e tem a sua sede no Centro Cívico de Gaula, na R. D. Júlia Graça de França, freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: organização do cortejo de Carnaval na freguesia e de uma festa de S. João, com as marchas populares e a tradicional ceia; convívio de Natal para os utentes; celebração de dias assinalados como o Dia da Árvore e o Dia do Pai; cursos (informática, alemão, francês, inglês, pintura em tecido, culinária, costura, artes florais, entre outras ações de formação e de sensibilização); aulas de zumba, aeróbica, ginástica de manutenção, dança, instrumentos musicais e coro. Promove, desde 2013, em parceria com a Câmara Municipal de Santa Cruz, o projeto Academia Sénior, destinado aos utentes com idade igual ou superior a 55 anos. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Tuna Amadis da Casa do Povo de Gaula (fundada em 1986); Grupo de Aeróbica Fitness Team; Grupo de dança Prestige Dance; Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula; Grupo Coral Infantil; Grupo de Viola e Acordeão; Grupo de Dança de Salão Criança. Casa do Povo da Ilha – Fundada a 23 de janeiro de 1991. Localiza-se no Sítio do Granel, freguesia da Ilha, concelho de Santana. Resumo de atividades: promoção da Exposição Regional do Limão, em parceria com outras entidades públicas, para divulgar uma das principais produções agrícolas da freguesia, que inclui um programa de animação variado; organização da Semana Cultural da Ilha, no mês de novembro; celebração de datas assinaladas como o Dia do Pai, Dia da Mãe, Dia da Criança e Dia do Emigrante e do Cantar os Reis; participação na Festa dos Compadres, em Santana; comemoração dos santos populares; realização de concursos no Entrudo e por ocasião de São Martinho; organização de passeios a pé, visitas culturais e jogos tradicionais; disponibilização de diversos cursos de formação. Apoio à população mais idosa, através do Centro de Convívio, criado em 2007 e criação de uma empresa de inserção social, denominada Ao seu Lar, iniciada em junho do mesmo ano, através de uma medida do Instituto Regional de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupos de Dança da Casa do Povo da Ilha (formado em 1999); Grupo de Teatro da Casa do Povo da Ilha (iniciado em 2002). Casa do Povo do Imaculado Coração de Maria – Foi fundada a 22 de setembro de 2004 e localiza-se na R. da Levada, na freguesia do Imaculado Coração de Maria, concelho do Funchal. Resumo de atividades: participação nas Marchas Populares, em várias freguesias da Madeira, e no espetáculo Vamos Cantar os Reis, no Funchal; promoção de passeios e vários convívios para os seus utentes; participação em provas desportivas (torneios de futsal e atletismo, colaborando na organização do Circuito do Livramento, da Associação de Atletismo da Madeira); aulas de ginástica. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Cantares e Tocares da Casa do Povo do Imaculado Coração de Maria. Casa do Povo do Jardim da Serra – Foi fundada a 29 de janeiro de 1997 e situa-se no Centro Cívico do Jardim da Serra, Rotunda das cerejeiras, n.º 2 – A, freguesia do Jardim da Serra, concelho de Câmara de Lobos. Resumo de atividades: organização da Festa da Cereja, evento que se realiza, habitualmente, num fim de semana, no mês de junho e conta com um vasto e variado programa de animação; apoio e participação em cortejos de Carnaval, no Cantar dos Reis e na ornamentação de fontanários por ocasião das festas dos santos populares; celebração de dias assinalados como o Dia da Mãe, da Criança, do Pai, dos Namorados; promoção de concursos, realização de jogos tradicionais, organização de passeios e de convívios com os seus utentes; oferta formativa em diversas áreas; colaboração e participação em provas de atletismo e de futsal. Casa do Povo de Machico – Localiza-se na R. do Infante D. Henrique, n.º 29, Sítio da Pontinha, freguesia e concelho de Machico. Resumo de atividades: participação e colaboração nos desfiles de marchas, pelos santos populares, no centro da cidade de Machico e organização do Concurso de Fontanários; celebração do Natal, participação na animação tradicional após as Missas do Parto, com a Romaria da Festa e no Cantar dos Reis; comemoração e convívio na Festa dos Fachos; organização de passeios pela Ilha; participação em provas desportivas, nas modalidades de futsal e de futebol de 11. No âmbito da formação, promove diversos cursos, como alemão, inglês, informática, secretariado, culinária costura e arte floral, entre outras ações formativas e de sensibilização. Organiza atividades de tempos livres, no verão, destinadas às crianças, e dispõe de um Gabinete de Apoio Psicológico, aberto a toda a comunidade (desde 1 de fevereiro de 2016). Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral das Casas do Povo do concelho de Machico (formado a 14 de Abril de 1994); Grupo de Teatro; Tuna. Casa do Povo do Monte – Foi criada a 18 de junho de 1999 e localiza-se no Caminho dos Saltos, n.º 248, freguesia do Monte, concelho do Funchal. Resumo de atividades: participação nas Marchas Populares, em várias freguesias da Madeira; colaboração na organização do arraial do Monte, no mês de agosto; organização de passeios por toda a Ilha e também ao Porto Santo; Noite de Fados, festas de comemoração do final do ano, participação em várias Missas do Parto em diversas paróquias; apoio à Gala Internacional de Etnografia e Folclore Manuel Ferreira Pio, organizado pelo Grupo de Folclore Monteverde; formação (artes decorativas, corte e confeção de vestuário, entre outros); participação em provas desportivas com uma equipa futsal. Casa do Povo de N.ª S.ra Piedade do Porto Santo – Está situada na ilha do Porto Santo, na R. Manuel Gregório Pestana, freguesia e concelho do Porto Santo. Para além das atividades desportivas e culturais, atua no campo social, apoiando a população porto-santense, sobretudo a população idosa. Em 2013, e.g., foram realizadas parcerias com a Associação de Desenvolvimento da Costa Norte da Madeira para a distribuição de equipamentos telefónicos pelos idosos do Porto Santo que residiam sós e com algumas dificuldades de mobilidade; e com os Bombeiros Voluntários do Porto Santo, para assegurar o apoio a estes idosos, em situação de emergência. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Banda Filarmónica da Casa do Povo de N.ª S.ra da Piedade (fundada em 1987, tendo a sua primeira apresentação pública ocorrido a 12 de maio de 1988). Casa do Povo do Paul do Mar – Foi fundada a 4 de fevereiro de 2000 e localiza-se no Sítio da Lagoa, freguesia do Paul do Mar, concelho da Calheta. Resumo de atividades: organização da Festa da Lapa, evento de cariz gastronómico e cultural com uma vertente de animação variada; festejos de Carnaval e natalícios; enfeites dos fontanários pelos santos populares; organização de ações como o mercado do livro madeirense, sessões de cinema, fados, teatro e música; realização de passeios e visitas culturais e recreativas a diversos locais na Região; formação (cursos de culinária e higiene alimentar; tapeçaria; costura; decoração floral, entre outras); criação, em 2004, do Centro de Artesanato da Casa do Povo do Paul do Mar. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo As Peixeiras; Banda Municipal Paulense; Grupo Coral Totus Tuus (fundado a 2 de abril de 2005); Quinteto Paulense (criado em 2008); Grupo Wave Boys (estreou-se em 2008). Casa do Povo de Ponta Delgada – Foi criada a 9 de janeiro de 1990 e localiza-se no Sítio dos Enxurros, freguesia de Ponta Delgada, concelho de São Vicente. Resumo de atividades: celebrações festivas típicas do Natal, Carnaval, Páscoa, arraial do Senhor Bom Jesus da Ponta Delgada; convívios em datas especiais como o Dia dos Avós, Dia do Pai e Dia da Mãe, S. Martinho, pão-por-Deus; promoção da Festa da Rainha S.ta Isabel, realizada a 4 de julho, com diversas atividades e animação e, em outubro, o certame Até ao Lavar dos Cestos é Vindima, uma iniciativa cujo objetivo principal é recordar e mostrar aos mais jovens a azáfama das vindimas de outros tempos; participação em alguns eventos que se realizam na Região, como feiras, festas religiosas e municipais, marchas populares, atividades desportivas; disponibilização de diversos cursos de formação. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral Juvenil Clave de Sol; Grupo de Dança A Sintonia; Grupo de Teatro. Casa do Povo da Ponta do Pargo – Fundada em 11 de junho de 1996, localiza-se no Sítio do Salão, na freguesia da Ponta do Pargo, concelho da Calheta. Resumo de atividades: organização da Festa do Pero (realiza-se durante um fim de semana, no mês de setembro, e inclui um cortejo etnográfico, um programa de animação musical e pavilhões de exposição e venda de produtos agrícolas); organização de jogos tradicionais e de um torneio do jogo do pião (no domingo de Páscoa); participação com um grupo de marchas populares nas festas do Concelho da Calheta; disponibilização de vários cursos, em áreas que vão desde o bordado Madeira e artesanato à informática. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Cantigas Norte a Sul da Casa do Povo da Ponta do Pargo (criado em 2007). Casa do Povo da Ponta do Sol – Fundada a 1 de outubro de 1973, situa-se na R. Príncipe D. Luís, n.º 3, freguesia e concelho da Ponta do Sol. Resumo de atividades: organização de variados eventos ao longo do ano, como a Feira Regional da Cana de Açúcar e seus derivados, nos Canhas (desde 2006); Mostra Regional de Banana, na Madalena do Mar (desde o ano 2000); desfiles de Carnaval, na Vila da Ponta do Sol; marchas populares; concurso de fontanários; concurso de presépios; construção de um presépio público; espetáculos de teatro, corais e instrumentais; Feira Cores; passeios pela Madeira; atividades de verão para as crianças; cursos de formação em várias áreas; aulas de ginástica rítmica, ballet, patinagem, música, acordeão, harmónica, teatro. No âmbito do desporto, destaca-se o atletismo e as gincanas (carros, motos e bicicletas). Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Instrumental da Casa do Povo da Ponta do Sol; Tuna de Bandolins; Grupo de acordeões; Grupo de Violas. Casa do Povo do Porto da Cruz – Localiza-se no Sítio Casas Próximas, freguesia do Porto da Cruz, concelho de Machico. Resumo de atividades: organização da Festa da Uva e do Agricultor, em setembro, por ocasião das vindimas; colaboração em iniciativas como o Mercado Agrícola e de Artesanato do Porto da Cruz; passeios, jogos tradicionais e jogos de cartas; concursos (de fotografia intitulado Porto da Cruz – Paisagem, Costumes e Tradições e de vinho americano, para os produtores); cursos de formação. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo do Porto da Cruz, que nasceu como Grupo Folclórico e Recreativo do Porto da Cruz, em 1974. Casa do Povo do Porto Moniz – Foi fundada em 1973 e situa-se no Sítio da Santa, freguesia e concelho de Porto Moniz. Resumo de atividades: convívios em datas especiais como o Dia Internacional da Família, Dia da Mulher e Natal; participação no desfile de Carnaval na vila do Porto Moniz; passeios e visitas culturais a museus da Madeira; organização de atividades de ocupação para estudantes em férias e programas de lazer para a terceira idade; gestão de três centros de convívio para idosos (no Seixal, na Ribeira da Janela e na Santa); colaboração na organização de provas desportivas, como a de atletismo no circuito do Porto Moniz. Ao nível da formação profissional, promove cursos como francês, inglês, informática, primeiros socorros e segurança, saúde e higiene na hotelaria e restauração, entre outros. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo de Porto Moniz. Casa do Povo da Quinta Grande – No dia 24 de julho de 1995, foram aprovados os seus estatutos e, a 28 de setembro desse ano foram inauguradas as suas instalações, num edifício partilhado pela Casa do Povo, pela Junta de Freguesia e pelo ensino pré-primário. A 11 de setembro de 2005, mudou-se para novas instalações, no Centro Cívico Quinta Grande, na Est. P.e António Silvino de Andrade, freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos. Resumo de atividades: participação no cortejo de Carnaval do concelho; festejos dos santos populares (Festa de S. João, ornamentação dos fontanários locais e participação em marchas de S.to António, S. João e S. Pedro, em várias freguesias); celebração do Dia Mundial da Árvore, do Dia Mundial da Criança e do dia da freguesia (24 de julho), festejos de Natal e Cantar dos Reis; disponibilização de formação em várias áreas; organização de atividades de ocupação dos tempos livres das crianças. No campo do desporto, promove e participa em torneios de futsal, futebol, atletismo, ciclismo, estafetas e jogos tradicionais. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo da Quinta Grande (integrado na Casa do Povo em janeiro de 1996, antes denominado Grupo Folclórico da Quinta Grande); Grupo de dança Soul Dancers (fundado em 2001). Casa do Povo da Ribeira Brava – Fundada a 29 de agosto de 1973, situa-se na R. Juvenal José Ferreira, freguesia e concelho da Ribeira Brava. Resumo de atividades: organização e participação nas marchas dos santos populares em diversas freguesias da Madeira; concerto de Natal, na Igreja Paroquial da Ribeira Brava; espetáculo alusivo ao Cantar dos Reis; cursos de formação profissional de eletricidade, rececionismo e administração, auxiliar de ação educativa, contabilidade e ainda diversas ações formativas nos cursos de culinária, costura, arranjos florais, rendas antigas, inglês e informática, entre outros; aulas de música (viola, braguinha, rajão e acordeão); realização anual do espetáculo musical FestiBrava. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Folclore da Casa do Povo da Ribeira Brava (formado a 26 de julho de 1980); Grupo de Concertinas (fundado em 2007); Orquestra Bandolística Ribeirabravense (fundada em 2002); Grupo de Acordeões; Orquestra Tuna Infanto-Juvenil Ribeirabravense. Casa do Povo de Santana – Foi fundada a 27 de outubro de 1986 e localiza-se no Sítio do Pico, freguesia e concelho de Santana. Resumo de atividades: organização, em parceria com outras entidades locais e regionais, do Circuito de corridas de carros de pau, do evento 48 Horas a Bailar – Festival Regional de Folclore de Santana e do Encontro de Coros Infanto-Juvenis da Cidade de Santana; formação variada, como os cursos de informática, artes decorativas, culinária, arte floral, entre outras; formação de cordofones; participação em torneios de futebol. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo de Santana; Grupo de Teatro; Grupo Coral Juvenil. Casa do Povo de Santa Cruz – Fundada em 1973, localiza-se na R. das Rosas n.º 13, freguesia e concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: animação nas Festas de S.to Amaro, em janeiro; organização, em parceria, do Cortejo de Carnaval e de marchas populares de S. João, no concelho; organização dos eventos Encontro Regional de Teatro das Casas do Povo da RAM, encontros de folclore e Sons e Sabores da Madeira, que inclui um cartaz de animação variado; celebração do Natal com diversas atividades alusivas àquela época festiva; realização de palestras, workshops e formações em diversas áreas, aulas de ginástica e de ioga; participação em torneios de futsal; serviços de um Polo de Emprego. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore da Casa do Povo de Santa Cruz (fundado em 1982); Classe de Violas; Grupos de Danças Latin Street Dancers e Jovidancers; Escola de Música Coral e Instrumental; Grupo Coral; Grupo Teatro ao Minuto. Casa do Povo de Santa Maria Maior – A mais recente das Casas do Povo da Madeira foi constituída a 18 de setembro de 2015, localizando-se na freguesia de Santa Maria Maior, concelho do Funchal. Resumo de atividades: organização da Expo Tropical – 1.ª Mostra de Frutos e Sabores Subtropicais (2016); passeios de catamarã; passeios lúdicos e excursões pela Ilha; participação no I Campeonato de Futsal das Casas do Povo da RAM; aulas de zumba; entrega de 100 cabazes com uma diversidade de géneros alimentícios a famílias carenciadas da freguesia (dezembro 2015). Casa do Povo de Santo António – Foi das primeiras casas do povo a ser criada na Madeira, situando-se na freguesia de Santo António, concelho de Funchal. Esta casa foi inativada, de acordo com um artigo publicado no DN, no dia 14 de outubro de 2013. Segundo aquele periódico, o encerramento da instituição aconteceu no ano de 2013, por dificuldades financeiras (PASSOS, 2013, 3). Casa do Povo de Santo António da Serra – Criada a 24 de fevereiro de 1995, situa-se no Sítio da Ribeira de Machico, freguesia de Santo António da Serra, concelho de Machico. Resumo de atividades: organização do evento Mostra da Sidra, com um programa de animação variado; realização da tradição do Cantar dos Reis no largo da freguesia; ciclos de cinema; convívios alusivos ao Dia dos Namorados, Dia dos Avós e Dia do Pai; formação nas áreas da culinária, tapeçaria, costura, arranjos florais, pintura e informática, entre outros; aulas de zumba; aulas de cordofones e de piano; organização de ATL para as crianças em férias de verão. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Cultural e Recreativo da Casa do Povo de Santo António da Serra (fundado em 1998); Grupo de Dança; Grupo de Tocares e Cantares. Casa do Povo do Santo da Serra – Situa-se no Sítio dos Casais Próximos, freguesia de Santo António da Serra, concelho de Santa Cruz. Resumo de atividades: organização de eventos como a Mostra da Sidra, o Cantar dos Reis no largo da freguesia, de uma Festa das Tosquias nos Terreiros (Santo da Serra), e Mostra de tradições madeirenses: Vimes, Bordados, Licores e Receitas Tradicionais Casa do Povo de São Jorge – Localiza-se no Sítio da Achada Grande, freguesia de São Jorge, concelho de Santana. Resumo de atividades: participação nas marchas populares em várias freguesias da Madeira; organização da Semana de São José; cursos de formação em diversas áreas; gestão do Centro Social Municipal da Ribeira Funda – Santana. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo Coral e Grupo de Dança da Casa do Povo de São Jorge. Casa do Povo São Martinho – A 5 de junho de 1991 foram lançadas as bases para a criação da instituição, cujas instalações, situadas na R. do Brasil, no Bairro da Nazaré, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, foram oficialmente inauguradas a 28 de setembro de 1995. Resumo de atividades: celebração da festa de S. João, com um jantar tradicional; participação nas Marchas Populares em várias freguesias da Madeira; celebração de dias assinalados como o Dia dos Namorados, dos Avós, da Mulher; festejos do Carnaval; organização de iniciativas como o Cantar os Reis; realização de convívios, excursões pela Ilha, visitas culturais e viagens fora da Região (França, 2016; Espanha, 2015 e Itália, 2014); formações em diversas áreas e palestras; disponibilização de um centro de dia e de convívio; participação em torneios com uma equipa de futsal. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Folclore Cultural e Recreativo da Casa do Povo de São Martinho; Grupo Coral; Grupo de Tocares e Cantares. Casa do Povo de São Roque – Fundada a 1 de abril de 2004, situa-se na Est. Com. Camacho de Freitas, n.º 807, freguesia de São Roque, concelho do Funchal. Resumo de atividades: organização da Festa de N.ª S.ra da Alegria, em São Roque, realizada anualmente, num fim de semana do mês de agosto; concursos de artes florais, de “joeiras” (papagaios de papel), campeonatos de damas, de cassino (jogo de cartas) e jogos tradicionais; formação em diversas áreas; participação em provas de futsal; disponibilização de um Polo de Emprego; campanha de recolha de livros usados para ajudar as crianças e jovens da freguesia. Casa do Povo de São Roque do Faial – Fundada a 23 de janeiro de 1991, localiza-se no Pico do Cedro Gordo, freguesia de São Roque do Faial, concelho de Santana. Resumo de atividades: organização do evento Festival da Truta/Rota da Sidra/Encontro de Grupos Culturais do Concelho de Santana; promoção de diversos eventos e celebrações, ao longo do ano, como o Dia do Turista, do Doente, do Pai, da Mãe, da Criança, do Emigrante, do Idoso, de São Martinho, do pão-por-Deus, entre outros; organização de um cortejo de Carnaval; concurso literário e concurso de fontanários; edição do livro “Guardar Memórias e Abrir Horizontes… As Tradições e Costumes de São Roque do Faial” (2008); lançamento da revista Por Terras Tabaqueiras (2009); promoção de atividades de verão para as crianças; centro de convívio destinado aos idosos da freguesia. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Orquestra de Bandolins (formado em 2005); Tunacedros (fundada em 1987); Grupo Coral (fundado a 22 de Setembro de 1991); Grupo Recreativo (fundado a 24 de julho de 1999); Grupo de Tocares e Cantares Camponeses (criado a 29 de outubro de 2002). Casa do Povo de São Vicente – Localiza-se no Sítio do Pé do Passo, freguesia e concelho de São Vicente. Resumo de atividades: organização do concurso Festival da Canção Vozes do Norte (desde 2002); concurso de enfeites dos fontanários de São João e ceia típica; participação em provas desportivas como futebol de praia. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Banda Filarmónica da Casa do Povo de São Vicente (fundada em 1989); Grupo de Folclore da Casa do Povo de São Vicente (fundado em 1986). Casa do Povo da Serra de Água – Foi fundada a 14 de agosto de 1996 e localiza-se na R. Dr. Jordão Faria Paulino, freguesia da Serra de Água, concelho da Ribeira Brava. Resumo de atividades: organização do evento Mostra da Poncha e do Mel da Serra de Água que inclui um programa de animação variado; mostra de artesanato; participação em atividades como Cantar dos Reis, desfile de Carnaval e marchas populares em várias freguesias da Região; celebrações do Dia da Paróquia, a 14 de agosto, e do aniversário da fundação da Casa do Povo; realização da Festa do Espírito Santo na Encumeada, em parceria com a Paróquia, a Junta de Freguesia, o Município da Ribeira Brava e festeiros; organização de passeios e caminhadas pela Madeira; formação diversa; aulas de dança infantil; zumba; ioga; viola; práticas de teclado; canto; participação em torneios com uma equipa de futsal. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de dança infantil SA Team; Grupo de Amigos da Casa do Povo da Serra de Água; Grupo de Cantares; Grupo de Acordeões; Grupo das Marchas Populares. Casa do Povo da Tabua – Fundada a 11 de novembro de 2003, localiza-se no Sítio da Praia, freguesia da Tabua, concelho da Ribeira Brava. Resumo de atividades: organização de um jantar pelo S. João e de romagens para participar nas Missas do Parto; formação em várias áreas; aulas de ginástica e de zumba. Grupo(s) afeto(s) à instituição: Grupo de Castanholas da Casa do Povo da Tabua (formado em 2006); Grupo de Acordeões; Grupo de Tocares e Cantares.   Sílvia Gomes (atualizado a 28.01.2017)

Cultura e Tradições Populares História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social

convento das mercês

Com a prosperidade de algumas famílias madeirenses na segunda metade do séc. XVII, um certo fervor religioso e as necessidades da época de concentração de propriedades nos morgadios, que colocava a maior parte dos elementos femininos numa situação de resguardo social, também a família Berenguer de Leminhana, herdeira de um importante morgado na Calheta, fundou um pequeno recolhimento, em terreno quase anexo ao Convento de S.ta Clara. Este convento, tal como o da Encarnação destinava-se a “donzelas nobres”, havendo assim necessidade de outro, a que, em princípio, tivessem acesso as filhas das restantes famílias. Acrescia ainda que, com o tempo, a não obediência a algumas regras conventuais nesses conventos levantara algumas críticas e apontava também para a necessidade da fundação de um mosteiro de regras mais rígidas. No entanto, muito provavelmente para além de tudo isso teriam estado questões de prestígio social e de afirmação económica por parte da família dos fundadores. Neste quadro nasceu a fundação do que foi inicialmente recolhimento de N.ª Sr.ª das Mercês, em 1654, por Gaspar Berenguer de Andrada (1603-1691) e sua mulher Isabel de França Andrade (c. 1610-1659), senhores do morgado do Lombo do Doutor, fundado por Pedro Berenguer de Leminhana e ao qual se juntara a terça de Rodrigues Annes, “o coxo”, na Ponta do Sol. A ideia inicial era fundar uma capela e só depois se associou a ideia de um recolhimento religioso, dentro de uma regra mais rígida que a regra urbanista de S.ta Clara, e conseguindo-se, nessa sequência, alvará régio a 25 de agosto de 1661, confirmado em 17 de agosto de 1665 pelo Papa Alexandre VII, que elevou assim esta casa a mosteiro da primeira ordem de S.ta Clara, ou da Regra da Terceira Ordem de S. Francisco, de severa e estrita observância, as Capuchinhas, que deste modo se manteve através dos tempos até ao momento da sua extinção, mas prolongando-se depois nos novos mosteiros da mesma regra: o de S.to António do Lombo dos Aguiares e o da Piedade, na Caldeira de Câmara de Lobos, e inclusivamente para os Açores e para o Brasil. A família Berenguer distinguira-se francamente nas terras do Brasil, onde o fundador do Convento estivera na luta contra os Holandeses, encontrando-se esta família ligada, e.g., a João Fernandes Vieira (c. 1613-1681), que se casara com Maria César, filha de Francisco Berenguer de Andrade, tio do fundador do Convento e distinguindo-se igualmente naquelas terras outros membros, como o P.e Agostinho César e os seus irmãos Francisco Berenguer de Andrade e Luísa Berenguer, que se casou com o capitão-mor de Paraíba Manuel Pires Correia. Os instituidores encontravam-se ligados à família Lira e França e esta, por seu lado, também à família de Diogo Fernandes Branco (1583-1644), um dos mais destacados comerciantes da sua época e que se associou a João Fernandes Vieira. Não teriam sido, em princípio, os interesses económicos a presidirem decididamente à ideia de fundação do Convento das Mercês, pois que face à regra por que se optara, não podia possuir bens de raiz, pautando-se toda a sua vida económica por uma enorme austeridade. No entanto, também teriam pesado outros fatores de prestígio e afirmação social, patentes, e.g., nas dificuldades experimentadas logo nos primeiros tempos, inclusivamente, na legalização, pela autoridade eclesiástica, da capela inicial de N.ª Sr.ª das Mercês. As duas filhas de Gaspar de Berenguer e de Isabel de França, Maria e Margarida, e.g., haviam entrado para o Convento de S.ta Clara, onde haviam de professar e, se houvesse um recolhimento de que os Berenguer fossem patronos e instituidores, tal não só não acarretaria especiais encargos económicos, como configuraria outro protagonismo social. A doação do terreno para a capela teve a data de 4 de setembro de 1655 e, perante o projeto e o espaço da propriedade onde se deveria levantar, teria sido o P.e João Ribeiro da companhia de Jesus, primeiro confessor das freiras da Encarnação, a insistir com a doadora para o levantamento também, anexo à capela, de um recolhimento para “donzelas nobres” (NORONHA, 1996, 283). Os alicerces foram abertos a 12 de outubro de 1655, e a 20 do mesmo mês, com a assistência do governador general, Pedro da Silva da Cunha, do reitor do Colégio do Funchal, P.e Manuel Fernandes e demais nobreza local, foi celebrada missa, na qual pregou o cónego e escritor António Veloso de Lira (1616-1691), parente próximo de Gaspar Berenguer, altura em que se benzeu a primeira pedra e que foi colocada pelo governador, o qual mandou depois festejar o ato com salvas de artilharia da fortaleza de São João do Pico. Num curto espaço de tempo as obras iniciais encontravam-se em condições de receber as primeiras recolhidas, o que ocorreu no dia de Corpus Christi, a 15 de junho de 1656. Entraram “sete donzelas de exemplar virtude” (Id., Ibid.), entre as quais a irmã mais nova do fundador, sob o nome de Inês de Jesus, com Isabel da Cruz, Isabel de Jesus, Madalena do Sacramento, Catarina da Paixão, Maria da Encarnação e Isabel de São Francisco, que depois passou para o recolhimento do Bom Jesus da Ribeira. Nos meses seguintes ainda entrariam outras, perfazendo em pouco tempo o número de dezassete recolhidas. O recolhimento, entretanto, mesmo com o apoio, por certo, do Cón. Veloso de Lira, não tendo solicitado autorização ao vigário e provisor do bispado, o cónego e deão Pedro Moreira (c. 1600-1674), que aliás não havia estado no lançamento da primeira pedra, tal como parece não ter estado nenhum membro da comunidade franciscana, embora tenha estado presente o reitor do Colégio dos Jesuítas do Funchal, o que configurava, em princípio uma situação anómala, pelo que conheceu dificuldades de institucionalização pela autoridade eclesiástica. Álvaro Rodrigues de Azevedo (1825-1898) descreve, nos seus comentários à obra de Gaspar Frutuoso, as dificuldades de autorização levantadas pelo deão do Funchal na instituição do recolhimento da Mercês e na autorização da igreja ter sacrário, que só teriam sido ultrapassadas após um acidente ocorrido com o deão no Mar da Travessa, a caminho do Porto Santo. Segundo a lenda recolhida, provavelmente, nos escritos de um dos confessores do futuro Convento das Mercês, provavelmente o P.e Neto, a embarcação que transportava o Cón. Pedro Moreira ter-se-ia virado e, temendo o pior, o cónego teria evocado N.ª Sr.ª das Mercês, só então percebendo a reserva que estava a colocar à autorização canónica da capela e do recolhimento dos Berenguer. Regressado ao Funchal e aproveitando uma visita que efetuou à igreja matriz de S. Pedro, onde fora beneficiado, resolveu fazer uma visitação às Mercês, a 12 de fevereiro de 1658, autorizando a existência de sacrário na igreja. O deão e vigário geral Pedro Moreira teria ficado muito bem impressionado com o recolhimento, já organizado internamente com uma regente, auxiliada por uma vigária e uma escrivã, prometendo, inclusivamente, tomar as recolhidas “por filhas e súbditas em seu próprio nome e dos futuros bispos da diocese do Funchal” (ABM, Conventos, Convento de N.ª S.ra das Mercês, 268, 5v.), o que, em princípio era prometer demais, desde que se alcançasse licença do rei para se erigirem em mosteiro e com a regra depois determinada pela Santa Sé. Foi pedida licença a Lisboa para a instituição do mosteiro com o apoio do poderoso deão, o qual parece ter passado a uma grande proximidade da família Berenguer, vindo depois um dos irmãos do Cap. Berenguer a ser integrado no cabido da sé do Funchal, o futuro Cón. Bartolomeu César Berenguer. O pedido dos Berenguer, regente e recolhidas foi acompanhado de idêntico pedido do cabido, da câmara do Funchal, como “câmara da Ilha”, do governador e do provedor da fazenda. A partir de 1660, as recolhidas organizavam-se, inclusivamente, como instituídas em convento de capuchas e respeitando a mais rígida clausura, à semelhança do mosteiro da Madre de Deus de Lisboa, dentro das normas da primeira regra reformada de S.ta Clara, embora sem terem ainda compromisso canónico. O nome de capuchinhas, quase de imediato, tornou-se uma referência e ficou como topónimo na travessa que passava a norte do futuro convento. O alvará régio emitido a 25 de agosto de 1661, embora só enviado de Lisboa a 20 de dezembro de 1663, fazendo referência ao pedido da Madeira, “por ser obra tão do serviço de Deus, Nosso Senhor e pia devoção dos moradores da Ilha”, ficando o mosteiro como professo na primeira regra de S.ta Clara, “assim como é o mosteiro da Madre de Deus desta cidade de Lisboa”, que também patrocinara a instituição (NORONHA, 1996, 284). Fica por padroeiro e fundador o Cap. Gaspar Berenguer de Andrade, pois, entretanto, já havia falecido Isabel de França. Ao mesmo padroeiro, para si e seus sucessores no padroado, ficavam “dois lugares de freiras para sempre”, estabelecendo-se um quantitativo de vinte e um membros para a comunidade capuchinha, que seria governada pelos prelados do Funchal e, na sua ausência, pelo deão “que ora é” e pelos vigários gerais que se seguirem e, faltando esses, pelas dignidades que se seguirem (ABM, Conventos, Convento de N.ª S.ra das Mercês, liv. 268, fls. 5v.-6). Em face da chegada do mesmo alvará, a 5 de julho de 1664, o Cap. Berenguer, a regente e as recolhidas solicitavam ao deão Pedro Moreira nova visita ao futuro mosteiro para autorização canónica. A visitação ocorreu a 21 de julho de 1664, depois de consultado o comissário do Convento de S. Francisco, indo o deão acompanhado pelo vigário de S. Pedro, freguesia de quem o futuro convento dependia, e pelo escrivão eclesiástico e de visitações, P.e Francisco da Fonseca. Entraram na igreja de N.ª Sr.ª das Mercês, “a qual achou muito ornada e decente”, por haver nela sacrário “como há, por sua licença”, onde se encerrava o Santíssimo, e no interior do recolhimento, referindo os dormitórios, o coro superior, o parlatório, o refeitório, a cozinha e a cerca, e “as mais partes altas e concernes à clausura das religiosas”. O experiente deão percebeu de imediato as limitações do local para um futuro convento de estrita observância, assunto que atravessará toda a história da instituição, determinando levantar o muro que corria até ao Convento de S.ta Clara, “seis a oito palmos” (cerca de 1,30 m a 1,75 m) e o que ia até às casas do Cap. Cristóvão de Atouguia da Costa, “oito a dez palmos” (entre 2,00 m 2,20 m), “por razão da rocha que está fronteira à cerca” donde se devassava “o serrado” (ABM, Conventos, Convento de N.ª S.ra das Mercês, liv. 268, fls. 5v.-6). Na altura da visitação de junho de 1664, eram superioras do recolhimento a regente M.e Maria dos Prazeres, a vigária da casa, M.e Isabel da Cruz, e a escrivã, M.e Madalena do Sacramento. Nessa altura, assentou-se na necessidade de um confessor, um capelão, um feitor e um servente de fora. Os bens do convento foram determinados concretamente para a manutenção do futuro mosteiro, dotando-o o fundador e seus filhos, o ainda P.e Bartolomeu César Berenguer, José de França Berenguer (1638-1719), futuro patrono e o P.e Gaspar Berenguer de Andrade, dado o falecimento dos três filhos mais velhos, a 1 de julho de 1665, feita na nota do tabelião Manuel Fernandes Silva, perante o deão e as recolhidas, com 14 moios de trigo das suas propriedades na Ponta do Sol, Calheta, Estreito da Calheta e Porto do Moniz. Avaliando-se cada moio em 18$000 réis, dava um total de 252$000 réis, o que correspondia a 630 cruzados anuais, soma bastante avultada para a época. Igualmente se assentou que a sustentação de cada freira seria anualmente de 25 cruzados; do sacerdote-confessor, 40; o capelão e feitor, 40 cada; e o servente de fora, 25. A dotação inicial de instituição da capela havia sido de três moios de trigo anuais, no morgado da Ponta do Sol, a que se somaram depois mais onze para o mosteiro em outras propriedades de várias freguesias, importância bastante significativa para a época e o que viria a criar inúmeros problemas aos descendentes. No testamento do herdeiro, José de França Berenguer, aprovado a 29 de março de 1719, refere-se que o dote feito “a que se obrigava todos os nossos bens quanto bastassem para renderem cento e trinta mil réis” (Ibid., Conventos, Convento de N.ª S.ra das Mercês, liv. 85), pelo que se deduz ter havido posterior alteração à inicial dotação de 250$000 réis, do que se haveriam de queixar depois as freiras. Tal não deixou, no entanto, de motivar futuras disputas entre os herdeiros, tal como entre o deão e o cabido pela superintendência sobre o Convento. Com a chegada do breve apostólico de 17 de agosto de 1665 ao Funchal, a 20 de dezembro do seguinte ano de 1666, comunicado às religiosas o seu conteúdo pelo deão, novamente se procedeu a auto de vistoria, então a 6 de junho de 1667, tendo comparecido a madre regente, Inês de Jesus; a vigária do coro, Catarina da Paixão; as M.es Maria do Sacramento e Isabel de Jesus, porteiras; a M.e Isabel da Cruz, vigária da casa; e a M.e Francisca do Espírito Santo, sacristã. O recolhimento tinha na altura 18 freiras e as preocupações dos visitadores foram para a segurança da clausura: se todas as portas tinham “bons ferrolhos e boas fechaduras”, se as várias grades eram de ferro e “bem fortes para a segurança da clausura interior”, etc. Foram vistos os dois dormitórios, com um total de vinte celas e mais três, da enfermaria, consideradas bastantes (Ibid., Conventos, Convento de N.ª S.ra das Mercês, liv. 14). Face à vistoria positiva do deão Pedro Moreira e do escrivão da câmara eclesiástica Francisco da Fonseca, foi dada autorização para a passagem à fundação do convento, tendo sido escolhida pelo deão em S.ta Clara a nova madre do Convento de N.ª Sr.ª das Mercês, a Ir. Branca de Jesus, filha de João Bettencourt de Freitas e de Isabel Moniz, que ali professara em 1636. Para a fundação foi escolhido o dia de S.to António, 13 de julho de 1666. Estando nesse dia a M.e Ana do Evangelista à porta do Convento de S.ta Clara, da parte de dentro inúmeras freiras e, na de fora, o deão e vigário geral, acompanhado de Fr. Domingos da Assunção, comissário do Convento de S. Francisco e do de S.ta Clara, libertada dos seus votos de obediência à abadessa, “fechada numa cadeira (que são as carroças desta Ilha)”, a mesma frase utilizada anteriormente na fundação do Convento da Encarnação, deslocou-se a nova madre “acompanhada de muito povo” para o Convento das Mercês (Ibid., liv. 14). A nova prelada era esperada à porta do mosteiro, na parte de dentro, pela regente M.e Inês de Jesus e demais irmãs, e entrando o deão na clausura, apresentou-lhes a nova madre “eleita e confirmada por ele”. Após algumas exortações retirou-se, sendo fechada a clausura e levando as irmãs a sua prelada para dentro do Convento, entoando o hino Te Deum Laudamus e “dando graças a Nosso Senhor pela grande mercê que lhes fez”, deu-se início à canónica fundação do mosteiro (APE, cx. 26, doc. 1). A fundação e a construção do Convento das Mercês encontram-se ligadas a várias lendas piedosas. A primeira refere o aparecimento de N.ª Sr.ª das Mercês a Isabel de França ou a “certo religioso, grande servo de Deus” (NORONHA, 1996, 283), a ser assediada por um “esquadrão de demónios, disparando flechas contra ela”, prodígio depois representado num medalhão pintado no teto da igreja (FRUTUOSO, 1873, 592-593) e que estaria na base da fundação da primeira capela. A segunda refere as dificuldades económicas da construção do recolhimento, tendo aparecido a Virgem em sonhos a Isabel de França, dizendo-lhe que fosse ao seu jardim, onde estava uma “pedra de moinho e, junto da mesma outra pedra branca” debaixo da qual tiraria o dinheiro, quanto bastasse para acabar a obra. Assim, teria acontecido e voltando segunda vez, foi pressentida pelo marido, que quando chegou junto da mesma, querendo também continuar a retirar dinheiro “achou carvão” (Id., Ibid.). Outra lenda vinculada ao Mosteiro e propagada pelos cronistas religiosos tenta colar as questões que opuseram o Gov. Francisco de Mascarenhas (c. 1632-c. 1695) a vários nobres e religiosos, e que levaram à grave sedição que depôs o governador, ao facto de – entre outras razões - o mesmo ter tentado parar as obras do Convento das Mercês (Sedição de 1668). A sedição ocorreu a 18 de setembro de 1668 e foi planeada, em princípio, pelo deão Pedro Moreira, envolvendo de início os dois padres Agostinho César Berenguer e Bartolomeu César Berenguer, tio e sobrinho, aos quais aderiu de imediato o Cap. Gaspar César Berenguer, que aproveitou o levantamento e a colaboração do padre para libertar o filho José de França Berenguer, que estava preso em São Lourenço. À sedição associaram-se os frades de S. Francisco, mas não os padres do Colégio do Funchal, até porque a prisão do governador ocorrera quando o mesmo ia visitar a quinta do Pico, contando depois para Roma que teriam ficado incomunicáveis vários meses, por não quererem assinar a representação contra o governador. O Cap. Gaspar Berenguer seria o elemento eleito no Funchal para ir a Lisboa apresentar as razões dos revoltosos e, regressado, informou que as mesmas tinham sido aceites, o que não era verdade. Algum tempo depois apresentava-se no Funchal um novo governador e um juiz desembargador para averiguação do sucedido, arrastando-se o processo por anos, mas não havendo qualquer referência às obras do Convento das Mercês e, ao que parece, praticamente ninguém cumpriu as penas por que foi condenado. A situação económica do Convento nunca foi folgada, embora logo em 1661, tenham as freiras conseguido a isenção da contribuição para as despesas de guerra, constituída por uma maquia de cada alqueire de trigo. Nos anos seguintes queixavam-se ao príncipe regente D. Pedro, da grande pobreza em que viviam pela falta de esmolas dos moradores e dado serem os donativos o seu único património. Com essa exposição obtiveram, em 1676, uma esmola anual de dezasseis mil réis, paga pelos sobejos da alfândega do Funchal, tal como alguns anos depois, em 1715, recebiam nova mercê anual de quarenta mil réis para pagamento do confessor “que lhe ministre o pasto espiritual” (BNP, Reservados, fl. 75v.). A Coroa e os devotos financiavam a manutenção da sacristia, tal como os “hábitos e túnicas”, acrescentando o cronista Henrique Henriques de Noronha (1667-1730) que, para além do confessor, a Fazenda real também pagava o capelão “que apresenta o ordinário” (NORONHA, 1996, 284), verba que, contudo, não foi possível detetar nos registos da Alfândega. A coroa concedia: em janeiro de 1752, a mercê anual de uma arroba de cera para a festa de S. José, com vencimento de 3 de novembro do ano anterior ano de 1751 e, em de janeiro de 1784, a de mais duas arrobas de cera, com o mesmo vencimento de 3 de novembro, para a festa do Santíssimo e “outras da dita igreja” (BNP, Reservados, fls. 75v.-76). Nos inícios do séc. xix a coroa continuou a apoiar o serviço da sacristia com donativos, instituídos em 1803 e 1819. A sucessão da administração e padroado do Convento foi regulada pelo fundador, pela anterior escritura de 1 de julho de 1665 e por testamento feito em 21 de dezembro de 1686. No entanto, nos finais do séc. XVII, nos inícios de fevereiro de 1697, com mais uma situação de sé vacante, o cabido extrapolava os seus direitos e apoderava-se do controlo e superintendência sobre o Convento, que taxativamente e, segundo se encontrava estabelecido, era do bispo e, na sua ausência, do vigário geral, ou de quem o substituía, citando-se mesmo, que “não ao dito cabido”, mas ao “vigário geral dariam obediência e aceitariam de suas mãos as leis de seu governo”. O pleito subiu à coroa e, enquanto não havia resposta, o cabido acordou em resolução de 5 de fevereiro desse ano de 1697, que as capuchas reconhecessem “a ele Reverendo Cabido por seu prelado” (ANTT, Cabido da Sé do Funchal, liv. 3, 61v.-62). Nos anos seguintes foi a vez de se desentender a família dos padroeiros. O neto do padroeiro José de França Berenguer (1638-1720) casara-se com Maria de Castelo Branco, da qual tivera seis filhos. Ao falecer, já o seu filho mais velho, João de Andrade Berenguer (1671-1716), havia falecido, pelo que o pai deixou em testamento o segundo filho, Agostinho César Berenguer e Atouguia, como seu herdeiro, acrescentando: “e a quem nomeio na administração do padroado do Convento de Nossa Senhora das Mercês” (ABM, Conventos, Convento de N.ª S.ra das Mercês, liv. 268, fl. 84). Acontece que o irmão mais velho, João de Andrade Berenguer havia casado com Tomásia de França e Andrade, com a qual teve dois filhos, João de Andrade Berenguer, entretanto falecido em 1716 e Antónia Josefa (1697-1743), casada com Jorge Correia Bettencourt, filho do Ten.-Gen. Inácio de Bettencourt de Vasconcelos (c. 1700-1720) (Tenente-general). Antónia Josefa e Jorge Correia Bettencourt disputaram o padroado do Convento das Mercês com o tio e, tomando posse da Diocese o bispo jacobeu D. Fr. Manuel Coutinho (1673-1742), a 22 de julho de 1725, ao ter conhecimento da disputa, dentro do seu estilo pessoal mandou recolher toda a documentação do Convento no paço episcopal, afastando do padroado os vários herdeiros do Cap. Gaspar Berenguer e assumindo o controlo de toda a administração. Todos os herdeiros se queixaram do bispo em Lisboa e em Roma, mas o bispo mostrou-se inflexível. Não foi por acaso que um dos grandes opositores ao episcopado de D. Manuel Coutinho tenha sido o Cón. Bartolomeu César de Andrade, que pagou por isso longos períodos de prisão na torre da sé do Funchal. O assunto percorreu todo o séc. XVIII e ainda em 1788, o bispo D. José da Costa Torres (1741-1813) dava conhecimento ao ministro Martinho de Melo e Castro da situação, que muito afetava a vida das religiosas. O assunto só veio a ter desfecho já nos inícios do séc. XIX, por sentença de 19 de abril de 1807, a favor dos descendentes de Antónia Josefa Correia Bettencourt, então Ana Cândida Berenguer de Atouguia Neto casada com Henrique Correia de Vilhena (1769-c. 1830), representante da casa Torre Bela. Quase 100 anos depois, seriam igualmente os Torre Bela a apoiarem os núcleos das freiras do Convento das Mercês, quando em 1910 tiveram de abandonar o edifício e fixarem-se no Sítio da Palmeira e da Torre em Câmara de Lobos. Nos inícios do séc. XVIII, o cronista Henrique Henriques de Noronha descrevia o Convento, começando por elogiar a primeira madre abadessa, M.e Branca de Jesus, que, tendo professado em S.ta Clara na segunda regra, “instruiu na primeira as novas religiosas, de sorte que parecia a aprendera por muitos anos”, numa “destreza e agilidade” que era de admirar. A primeira abadessa recebera “as instruções do seu governo” do mosteiro da Madre de Deus, “daquela observância”, tendo-se tornado uma insigne prelada e nas suas mãos haviam professado 26 noviças, retirando-se no fim da vida para S.ta Clara “para lograr no fim das ações da sua vida a que merecia eterna pelas suas virtudes” (NORONHA, 1996, 284). O edifício do mosteiro tinha então suficientes “cómodos para capuchas”, com todas as oficinas necessárias e alguma extensão de cerca interior, com uma levada de água. A igreja era bem proporcionada e a capela-mor tinha “comungatório” e era dotada com um “vistoso retábulo” de N.ª Sr.ª das Mercês, “obra de Martim Conrado, insigne pintor estrangeiro”, única informação documental que se possui na Ilha sobre este pintor que executou perto de uma dezena de retábulos para a Madeira. O corpo da igreja tinha ainda dois altares colaterais, dedicados a S.ta Maria Madalena e S.ta Catarina de Alexandria, que o cronista apelida de “Santa Catarina Maior”, pinturas hoje na sacristia da matriz de S. Pedro do Funchal, atribuíveis, provavelmente a última, à oficina de António de Oliveira Bernardes (c. 1650-c. 1732). Havia ainda um altar de N.ª Sr.ª da Conceição, com uma “nobre” confraria de sacerdotes, o que era uma originalidade, pois que se encontravam proibidas as confrarias masculinas em conventos femininos. No pavimento da capela-mor estavam sepultados os padroeiros, referindo o cronista Henrique Henriques de Noronha que Isabel de França “cuja vida foi exemplar de virtudes”, acrescentando que “se afirma que apareceu resplandecente” à madre soror Isabel de Jesus, uma das primeiras recolhidas do futuro Convento, “certificando-a que por essa fundação, a aliviara Deus das penas do Purgatório, reduzindo-as a cinco anos somente”. Refere o cronista que se venerava na igreja uma relíquia do mártir S. Faustino, “uma canobla de um braço” (pedaço oco de osso), que fora enviada em 1725 pelo marquês Otaviano Acciauoli, que pertencera à marquesa sua mulher e que lhe foi dada pelo papa Inocêncio XIII, seu tio. Noronha ocupa ainda vários capítulos do seu trabalho com “as virtudes de algumas religiosas deste mosteiro” (Id., Ibid., 285-299), mas que serão eclipsadas posteriormente com as figuras das madres Brites da Paixão (c. 1632-1733) e Virgínia Brites da Paixão (1870-1929), a última, inclusivamente, foi obreira da resistência, manutenção e renascimento desta instituição religiosa na Madeira, de onde viria a irradiar para os Açores e para o Brasil. A vida interna espiritual do Convento das Mercês era muito rígida e não poucas vezes as candidatas não “passavam” no noviciado. Se alguma candidata entrasse sem vocação, as abadessas não descansavam enquanto a mesma não regressasse à família. Conta Henriques de Noronha que logo nos primeiros anos, sendo abadessa a M.e Inês de Jesus, irmã do fundador, sucedeu que entraram sem vocação “certas moças a quem seus parentes quiseram dar aquele estado” (Id., Ibid., 287). A madre, mesmo incorrendo no desagrado do prelado que facilitara a entrada das jovens, procurou convencê-las a sair do mosteiro, tendo conseguido que o deixassem “por sua vontade”. O bispo, segundo o cronista, acabou por pedir desculpa à abadessa. O cronista, no entanto, escrevia de acordo com o pensamento da sua época e foram muitos, com certeza, os casos de vocação perfeitamente forçada. O caso da M.e Isabel Filipa de Santo António, registado no Tribunal do Santo Ofício de Lisboa de onde dependia o bispado é digno de registo. A freira em questão era filha de uma das mais nobres famílias do Funchal, os Câmara Leme, tendo-se chamado Isabel Filipa Telo de Meneses e Sá e, antes de entrar para o Convento das Mercês, segundo depois declarou ao Cón. Hugo Maguiére, de origem irlandesa, ter-se-ia apaixonado, ainda adolescente, por um indivíduo de condição inferior. Falecidos os pais, a tutela da jovem passou ao irmão mais velho, Jacinto da Câmara Leme que, perante a hipótese de um casamento desigual, negociou com o Convento a sua entrada nas Mercês, onde viria a professar, em princípio obrigada. A M.e Isabel Filipa de Santo António com a revolta que experimentava, praticou os mais desvairados desacatos no Convento, blasfémias, gritos, e até a uma tentativa de homicídio a todas as irmãs em religião, esmagando vidros num almofariz para misturar com a comida, uma sopa de favas, como veio a especificar. Chegadas as coisas a este ponto, entendeu a madre superiora não poder manter a situação nas paredes da instituição, denunciando o caso ao comissário do Santo Oficio, o Cón. Hugo Maguiere, que ouviu a madre em questão que, sem especiais remorsos, se assumiu como responsável pela morte de dois dos seus irmãos, que envenenara. Como, entretanto, na realização do processo tinham disponibilizado à madre os serviços de um advogado, ela decidiu usá-lo para o que verdadeiramente pretendia, e que mais não era que sair do Convento. Nas diligências para satisfazer os desejos da sua cliente, o causídico apelou para o Papa a pedir a dispensa dos votos da M.e Isabel Filipa, alegando que, apesar de já terem decorrido os cinco anos que a lei permitia para a revogação dos votos, a infeliz religiosa nunca dispusera, dentro desse tempo, dos recursos necessários à realização dos trâmites, pelo que tentava, agora, atingir aquele desígnio. Após endosso do papa, o bispo da Diocese, na altura D. Fr. João do Nascimento (c. 1690-1753), viu-se encarregado de encontrar uma solução para o caso e, apesar de já muito doente, ainda decidiu que a anulação dos votos não seria possível, condenando a freira a pedir à comunidade perdão de joelhos e a ser transferida para outra casa religiosa. Consultando os arquivos do Convento das Mercês, a M.e Isabel Filipa não consta. No entanto, consta a entrada de uma sobrinha sua, Vicência Juliana Câmara Leme Meneses Sá e Acciauoli, em 1760, com 13 anos de idade, poucos anos depois deste processo, filha de Francisco Aurélio da Câmara Leme e de Antónia Maria de Meneses Sá e Acciauoli. O mosteiro de N.ª Sr.ª das Mercês sofreu importantes obras de reconstrução nos meados do séc. XVIII, essencialmente a cargo da fazenda régia, dadas as complexas disputas entre os descendentes dos iniciais padroeiros. Por mandado do conselho da fazenda de 20 de julho de 1746 foi feita mercê de oitocentos mil réis, a favor do dito Convento, “por uma só vez” e pelas sobras das dívidas dos almoxarifes, para se efetuar o conserto dos muros da cerca, do dormitório, casa do noviciado e do coro da igreja (ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, liv. 19, fl. 177 v.), ainda havendo, com data de 9 de agosto de 1752, novo mandado do conselho da fazenda de mais quatrocentos mil réis para se acabarem as obras. No final do séc. XVIII e quando as instituições anteriores se tornavam menos rígidas, continuavam as freiras capuchinhas a lutar pelo seu completo isolamento, tendo sempre como principal preocupação, o muro que cercava o Convento. No início de 1782, e.g., o governador determinou uma rigorosa vistoria à cerca do Convento, “a pedido da madre abadessa e demais religiosas”, pois que as grades e a cerca eram devassadas em vários sítios e, o que era pior, “muitas pessoas têm a temerária ousadia de abrir buracos e encostarem escadas e outros instrumentos aos muros da dita casa; para assim poderem ver as procissões e outros atos religiosos em que as mesmas clausuradas se entretêm”. Ora tudo isso era “diametralmente oposto à modéstia e recolhimento daquela clausura” (ABM, Governo Civil, 535, liv. 11), pelo que o Cap. Eng.º José António Vila Vicêncio (c. 1720-1794) procedeu a uma completa inspeção a toda a cerca do Convento, de que elaborou relatório, procedendo-se, de novo a obras pontuais nos muros. O exemplo mais notável de profundo recolhimento e da total entrega a uma vida interior e espiritual foi, muito provavelmente, o da vida da M.e Brites da Paixão (c. 1632-1733). Filha natural do 6.º morgado do Caniço, Aires de Ornelas e Vasconcelos (1620-1689), foi o pai que lhe ofereceu a célebre imagem do Senhor da Paciência com quem a irmã falava como se fosse viva – segundo a tradição dos mosteiros das Mercês, depois de S.to António do Lombo dos Aguiares, para onde a imagem foi transferida –, que levou consigo para a casa paterna, no Lombo dos Aguiares, ao ser expulsa do mosteiro com as suas irmãs, em 1910. Foram-lhe atribuídas inúmeras graças, quer em vida, quer depois da morte, ocorrida em 1929, dedicando-lhe o povo um certo e especial culto, que levou o P.e Fernando Augusto da Silva (1863-1949) a iniciar o seu processo de beatificação, que abriu oficialmente em 2006 e em 2016 ainda corria. Foi com naturalidade que, algumas décadas depois, entrou para o Convento uma humilde rapariga de 17 anos, natural do Lombo dos Aguiares, que haveria de assumir o nome de Virgínia Brites da Paixão (1870-1929), devido ao facto de ser uma grande admiradora das virtudes da madre que ostentara aquele nome, existindo entre ambas muitos factos em comum. Foi com base na sua devoção e na da sua orientadora espiritual que surgiu depois o Convento de S.to António do Lombo dos Aguiares. Em 1834, com a implantação das diretivas do novo governo liberal e no âmbito da reforma geral eclesiástica empreendida pelo ministro e secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, que ficou conhecida por “mata frades”, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo decreto de 30 de maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando as de religiosas, sujeitas aos respetivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo. Se para os conventos urbanistas o controlo das entradas e, inclusivamente, de saídas, fora mais ou menos fácil, para os conventos de capuchinhas, no entanto, tal não era fácil, dada a completa clausura ali praticada. Pelo que, embora proibidas de admitir noviças e, igualmente, de efetuarem profissões de fé pela lei de 5 de agosto de 1833, com a complacência, senão aquiescência das autoridades religiosas, continuaram a fazê-lo. As instruções de 31 de janeiro de 1862 determinaram a altura em que oficialmente o Convento passou à posse do Estado, já vindo a ser feitos inventários desde 1858. As autoridades civis, no entanto, ao longo do liberalismo foram mudando a sua posição inicial e perante o respeito popular de que gozava o Convento das Mercês, o mesmo manteve-se ao longo do séc. XIX. A M.e Ana Joaquina das Mercês morre em 26 de março de 1895 e, com a morte da última religiosa professa à data dos decretos de 28 e 30 de maio de 1834, o Convento foi oficialmente extinto. Os bens foram incorporados nos próprios da Fazenda Nacional, procedendo-se de novo à inventariação do Convento da Mercês, em setembro e outubro 1895, data da única planta do extinto convento que se conhece, levantada e desenhada por Joaquim António de Carvalho (ANTT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2076). Em 2010, Nélson Veríssimo localizou uma aguarela do Convento das Mercês, feita no Funchal, a 18 de setembro de 1877, pelo pintor Edward John Poynter (1836-1919), muito provavelmente da varanda do Reid’s Santa Clara Hotel (Arquitetura do Turismo de Lazer), cujo paradeiro se desconhece. Na data da extinção do Convento, não havia arquivo e somente foi localizada uma pequena caixa de madeira com documentos por classificar. Os arquivos do Convento teriam sido assim já retirados pela Fazenda do Funchal, entre 1858 e 1862, integrando depois o acervo do governo civil e tendo sido, posteriormente, incorporados no arquivo regional. Só depois, a citada caixa, seguiu para Lisboa, para a Torre do Tombo. Dos vários inventários também não consta a célebre imagem do Senhor da Paciência, provavelmente já retirada do Convento pelas irmãs, pois acompanhou a M.e Virgínia da Paixão para o Lombo dos Aguiares e foi entregue ao Convento de S.to António ali instituído. Restavam no Convento da Mercês, à data da morte da M.e Joaquina, 19 professas, todas entradas posteriormente à legislação do primeiro liberalismo, que progressivamente foram requerendo autorização para continuar no Convento, pedido para o qual foram contando com o apoio das autoridades religiosas e civis insulares. A forma mais ou menos legal para a situação foi dada pela lei de 11 de abril de 1901, que autorizou as religiosas a organizarem-se numa Associação de N.ª Sr.ª das Mercês e, embora o Convento se encontrasse extinto, podiam as “associadas” permanecer no antigo edifício. A extinção efetiva do Convento veio a ocorrer com a implantação da República. De forma irrevogável, as pobres freiras foram, na noite de 13 de outubro de 1910, recolhidas em carro fechado e levadas para o andar térreo do Palácio de S. Lourenço, onde “aguardavam ser reclamadas pelas respetivas famílias” como noticiou o Diário de Notícias do dia seguinte (FONTOURA, 2000, 284). A Câmara Municipal do Funchal, logo em novembro desse ano, solicitava a cedência do imóvel para instalação da cadeia civil, sendo elaborado um termo de entrega do mobiliário e da igreja do Convento, algumas alfaias, livros, e outros objetos, ao Mons. João Luís Monteiro (1850-1923), mas os objetos mais valiosos, como eram as pratas da igreja, não fizeram parte da entrega. Parte do espólio de caráter religioso do suprimido Convento foi transferido para o Convento de S.ta Clara, e daí para a igreja matriz de S. Pedro. A transferência da cadeia civil da comarca não se chegou a efetuar e, em 1911, a câmara solicitou a demolição da igreja, sacristia e adro para ampliação da Trav. das Capuchinhas e da R. das Mercês. Em 1915, por pedido do presidente do Instituto de Beneficência Auxílio Maternal do Funchal, Henrique Augusto Rodrigues (1856-1934), coproprietário e fundador do Bazar do Povo e membro destacado do partido republicano, e com a concordância do governador civil, José Vicente de Freitas (1892-1952), foi entregue a este Instituto o que restava do velho e arruinado edifício, pouco depois totalmente demolido. No final do séc. XX, mais precisamente a 8 de setembro de 1998, no seguimento de uma sugestão das irmãs clarissas ao Governo Regional, foi descerrada junto àquela artéria uma pequena peça escultórica, da autoria de Ricardo Velosa, que pretendia evocar o antigo mosteiro de N.ª Sr.ª das Mercês que ali existiu entre 1667 e 1910, com dois baixos-relevos em bronze. Se o edifício do velho Convento das Mercês desapareceu totalmente, o espírito corporizado pelas irmãs manteve-se, mais ou menos recatadamente, como era timbre nestas freiras, que mantiveram, inclusivamente, o hábito nas suas residências de família. Serviu de elo de ligação entre as irmãs a M.e Virgínia Brites da Paixão que, embora residente no Lombo dos Aguiares, passava longos períodos nos vários núcleos residenciais. A madre faleceria em 1929, na residência de família do Lombo dos Aguiares e já não veria renascer o seu convento, desta feita junto da antiga capela de N.ª Sr.ª da Piedade, em Câmara de Lobos, instituído oficialmente em 13 de abril de 1931.     Rui Carita (atualizado a 01.03.2017)

Religiões Sociedade e Comunicação Social

convento de santa clara

A necessidade da instituição de um convento feminino no Funchal foi logo sentida com a consolidação do povoamento, tendo cabido a João Gonçalves da Câmara (1414-1501), segundo capitão donatário do Funchal, a iniciativa da fundação de um Mosteiro de S.ta Clara, não só para recolhimento das suas filhas, como de outras pessoas que desejassem seguir a vida monástica, o que então não se podia fazer no Funchal, por falta de casa destinada a esse fim. A família do 2.º capitão do Funchal assumia-se como a primeira família da Madeira, o que dificultava o casamento dos seus membros na Ilha, pelo que quatro das suas filhas se encontravam por casar. A dificuldade já havia ocorrido com as filhas de João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471), tendo o Rei D. Afonso V (1432-1481) enviado quatro moços fidalgos do reino para as desposarem. O Convento de S.ta Clara foi autorizado por bula de Sisto IV, Eximiae devotionis affectus, datada de 4 de maio de 1476, que concedia o padroado do futuro convento, ainda não construído, a João Gonçalves da Câmara, a sua mulher Maria de Noronha e aos descendentes. A autorização para ser construído o Mosteiro de S.ta Clara com base na igreja de S.ta Maria de Cima, onde a família Câmara estabelecera o seu panteão, foi recebida na Ilha através de uma carta do duque D. Manuel (1469-1521), datada de 17 de julho de 1488, de acordo com a carta que recebera do Papa. Como, até então, a missa dominical se realizava ora em Conceição de Cima ora em S.ta Maria do Calhau, que era sede única da paróquia da capitania do Funchal, determina o duque na carta de 1488 que, dado que a igreja da Conceição de Cima ia ser integrada no futuro convento, a alternância da missa passasse para a capela camarária de São Sebastião até se construir a “igreja grande” (Arquivo Histórico da Madeira, XVI, 1973, 212-213), que haveria de ser acabada para Sé. As obras do convento ter-se-ão iniciado logo nos anos seguintes, estando o edifício pronto por 1495. Havendo já, para a fundação do convento, nova bula do Papa Alexandre VI, Ex Muinto Nobis, de 29 de março de 1495, transmitida por D. Manuel a 13 de junho de 1496, aguardava-se a ocupação no Natal desse ano. Visto que tanto o capitão como as novas freiras ainda se encontravam no continente, a ocupação do convento ocorreu no domingo de 8 de novembro de 1497, depois da chegada das fundadoras, como escreve Henrique Henriques de Noronha. O 2.º capitão tinha enviado para o convento da Conceição de Beja duas filhas, mas uma faleceu ali, pelo que só regressou D. Isabel de Noronha, a primeira abadessa, cargo que ficou na família. No Funchal, tinha ficado D. Constança de Noronha, encarregada das obras, pois o pai estava fora, que recebeu no Funchal o pai e a irmã, assim como Joana de Albuquerque, Maria de Melo, Maria Passanha e Ana Travaços, freiras vindas do reino, e algumas educandas, que entraram no novo convento, tal como a irmã mais nova, D. Elvira de Noronha, que ficara no Funchal. Henrique Henriques de Noronha (1667-1730) (Noronha, Henrique Henriques de) deve ter seguido o texto de Gaspar Frutuoso (1522-1591), pois cita a entrada de D. Elvira e de D. Joana, o mesmo fazendo na sua genealogia. Não segue assim o texto de Jerónimo Dias Leite (c. 1537; c. 1593), que refere o falecimento de uma das filhas do capitão do Funchal enviadas para Beja, embora não enuncie o nome, que é confirmado pelo testamento do 2.º capitão do Funchal, de 1499, onde o mesmo refere ter falecido D. Joana de Noronha em Beja e ali se encontrar sepultada. O protagonismo teria sido sempre de D. Constança, que ficara a dirigir as obras e que, por breve do Papa Leão X, Exponi Nobis, de 25 de novembro de 1513, teve autorização de entrar como secular para o convento, vindo a sepultar-se na mesma campa que a irmã, D. Isabel de Noronha, cuja laje se encontra no corredor junto do coro de baixo, e tem a seguinte inscrição: “Aqui jaz Dona Constança de Noronha, que fundou este mosteiro e sua irmã, Dona Isabel, primeira abadessa, filhas do segundo capitão desta ilha”. Esta situação é confirmada em carta do corregedor D. Gaspar Vaz, escrita no Funchal em 20 de maio de 1542, em que comenta que o cargo de abadessa terá sido ocupado, durante as primeiras décadas, por familiares de João Gonçalves da Câmara, visto que a D. Isabel de Noronha terá sucedido a sobrinha, D. Brites de Ataíde, filha de Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530) e da segunda mulher, D. Isabel da Silva. Refere Gaspar Vaz que até então andaram “as abacias de parenta em parenta, todas Noronhas” e que, nesse ano, frei Nuno, visitador e guardião do convento de São Francisco, tinha ordenado nova eleição “e, com suas pregações e bom Regimento”, tinham eleito as freiras uma abadessa, também dessa “linha”, que viera de Portugal, “por nome Aparícia, virtuosa pessoa e para muito” (ANTT, Corpo Cronológico, pt. i, mç. 72, doc. 9). Foi devido ao seu prestígio que o padroado dos Câmaras se tornou significativo e se manteve, inclusivamente com os condes e marqueses de Castelo Melhor, pois o direito do padroeiro já não tinha a intensidade que atingira na Idade Média. Este assunto tinha já sido exposto a D. Manuel antes de 1489, respondendo o então duque de Beja a 11 de junho desse ano que, para o futuro convento, “não deveriam entrar estrangeiras, mas filhas e parentes dos principais da terra” (Arquivo Histórico da Madeira, vol. XVI, 220). Assim, com D. Brites de Ataíde, também tinham entrado as irmãs D. Isabel e D. Maria de Noronha, todas filhas do 3.º capitão do Funchal, em cumprimento das diretivas régias. Com a eleição da madre Aparícia, a situação mantinha-se. A direção das obras deve ter continuado, nos anos seguintes, a cargo de D. Constança, que se manteve como administradora do convento até 1526, ano em que renunciou a favor de sua irmã, a abadessa D. Isabel e devem ter sido dirigidas pelo mestre João Gonçalves, que, até junho de 1503, data em que foi enviado a Lisboa, esteve à frente das obras da nova igreja, cuja coordenação tinha sido do 2.º capitão do Funchal. Não temos quaisquer informações sobre a estruturação do convento nesses anos, limitando-se a planta de Mateus Fernandes (III) (c.1520 – 1597), de 1570, arquivada no Rio de Janeiro, a mencionar: “Mosteiro de freiras posto sobre a ponta duma rocha” (BNB, cart. 1090203) - embora pareça ocupar, nesta representação, um espaço maior que o dos anos seguintes. Gaspar Frutuoso não vai muito mais longe na sua descrição do Funchal, de cerca de 1590: “mosteiro de freiras da observância, de grandes rendas e maiores virtudes”, dando a indicação de que teria 70 religiosas, das quais eram “sessenta de véu preto”, ou seja, professas, voltando a referir estar “sobre uma rocha muito forte, muito murado”, com boas vistas para o mar e poucas para terra, por os muros serem altos e de pedra e cal, “ainda que não é muito grande cerca” (FRUTUOSO, 1968, 115). Pelos edifícios existentes no início do séc. XXI, tudo leva a crer que a igreja já tinha avantajadas dimensões, tendo-se aproveitado a anterior pequena capela da Conceição de Cima para capela-mor da futura igreja, local onde foram enterrados os dois primeiros capitães. Terá sido deslocada, provavelmente, a porta da capela inicial, o elemento mais antigo de todo o conjunto, cujo portal de mármore é datável entre 1450 e 1460, e foi do continente, provavelmente das oficinas da área de Sintra ou Pero Pinheiro. Também deve ter sido deslocado o túmulo de Martim Mendes de Vasconcelos (c. 1420-1493), genro de Zarco, que será provavelmente anterior às obras do convento, tendo sido adossado na parede dos dois coros do futuro convento. Os chãos de ambos os coros possuem azulejos mudéjares de Sevilha, datáveis dos finais do séc. XV aos inícios do XVI, e, não parecendo obra facilmente desmontável, teriam sido dos primeiros do futuro convento. Das obras de 1490 a 1495, são também a arcaria dos claustros, de um gótico algo arcaico, mas elegante, uma série de pequenas portas de arco apontado, de acesso ao coro de baixo e à torre, e o piso inferior dos claustros e o superior, de acesso ao bloco de dormitórios para nascente que foi reformulado nos séculos seguintes. Contemporânea dessa fase das obras foi também a torre do convento, dos sécs. XVII e XVIII, tendo sobrevivido apenas a base da mesma, com portas góticas e larga estrutura de pedra aparelhada, com várias marcas de canteiro. Alguns anos depois, temos referência a alguma imponência ou altura desta construção, pois que, segundo escreve Gaspar Frutuoso, tendo os corsários franceses cercado o convento, a 3 de outubro de 1566, o defendeu Sebastião Mendes que ali tinha uma filha, tendo inclusivamente, a partir do campanário, derrubado com um tiro de arcabuz um francês que tentara subir o muro do edifício. Julgando estar o convento guarnecido por “gente de guerra”, os franceses afastaram-se para atacarem a fortaleza do Funchal, permitindo a saída das freiras para o Curral, “com cruz alevantada, sem impedimento de pessoa alguma” e levando consigo o guardião franciscano frei Baltazar Curado (Id., Ibid., 329-330). Dos primeiros anos de funcionamento do convento, se não de mesmo antes, será o cadeiral do coro de cima, dotado de um conjunto de cadeiras muito simples e austeras, separadas por colunelos oitavados, com pequenos capitéis e bases ressalvadas e trabalhadas (Cadeirais). As cadeiras são dotadas de misericórdias, para aliviar os longos tempos de oração e canto de pé, com pequeno espaldar e remate ressalvado sobre as costas, assentes no que deve ser o estrado original e com o chão revestido a azulejos mudéjares de base relevada, a chacota, com vidrado de óxido de cobre. A decoração do chão do coro de baixo é mais variada, utilizando já azulejos de aresta e corda seca, provavelmente nem todos de Sevilha, mas de outras oficinas mudéjares da Andaluzia, com várias cores de vidrado, pequenas losetas e tijoleira (Azulejaria). O Cap. João Gonçalves da Câmara, por escritura de 11 de setembro de 1480, comprara a Rui Teixeira e Branca Ferreira, moradores no Campanário, a propriedade do Curral, pela importância de 23$500 réis “de cinco ceitis ao real” e 50 cruzados de oiro, cuja área era desde o Passo da Cruz e Ribeira dos Socorridos “até onde ela nasce, de arrife a arrife, de uma a outra banda” (ANTT, Convento de S.ta Clara…, liv. 11, 63, liv. 18, 173). Como o convento foi fundado dentro da regra urbanista, ou segunda regra de S.ta Clara, que previa a existência de propriedades, foi com este prédio rústico, o mais vasto e importante que este convento chegou a possuir, que o fundador dotou o Mosteiro por ocasião de nele serem admitidas as suas filhas como religiosas. Pouco depois, toda esta área deixava de ser somente o Curral, para passar a ser o Curral das Freiras, especialmente depois da célebre fuga das religiosas em outubro de 1566. Pela edificação e proteção económica do Mosteiro também se interessou D. Manuel que, em alvará de 13 de julho de 1496, concedeu às freiras autorização para terem bens de raiz até ao valor de 200.000 réis, tanto em terras compradas, como provenientes de doações. O Convento de S.ta Clara obteve ainda dispensa de pagamento de foro das suas propriedades, ao qual, na altura, todos os conventos estavam obrigados durante um ano, e, por outro alvará de 4 de janeiro de 1512, o privilégio de poder ter uma pessoa leiga de fora com poderes para penhorar, executar e constranger os seus caseiros. As freiras voltaram a ter privilégio para possuir bens de raiz por alvará de D. Sebastião, de 7 de março de 1566. O convento gozava ainda de privilégios gerais, concedidos por D. Afonso V em 2 de abril de 1459, em que se isentava os Franciscanos do pagamento de fintas, taxas e tributos, como era a sisa e a dízima, “portagem costumada de peão”, nem de vinho, carne e pescado. O longo documento de isenção refere ainda tudo o que comprassem para seus mantimentos, “para seus vestidos e necessidades”, materiais que comprassem para reparação de seus mosteiros e casas, assim como pedra, cal, areia, madeira, pregadura, tabuado, cavalgaduras e animais de carga, “com seus aparelhos, que para servidão comprarem”, “posto que os tornem a vender”, etc. O mesmo se passava na área da alimentação “e coisas que sejam dadas, deixadas, que eles possuir não possam, e quaisquer joias e ornamentos”, que também comprassem ou lhes vendessem para os serviços divinos, assim como vestimentas, capas, livros, imagens e quaisquer outras coisas “que para isso pertencerem” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Avulsos, mç. 1, doc. 4). Desde os finais do séc. XV que as propriedades do convento foram crescendo, espalhando-se por toda a Ilha, especialmente na capitania do Funchal: arredores da cidade, Câmara de Lobos, Estreito de Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Campanário, etc. Dada a diversidade de dimensões e os contratos que implicavam a sua exploração, houve que constituir um cartório próprio para fazer face aos problemas de organização e administração com os contratos e o pagamento de rendas, que iam desde dinheiro a géneros, pagos por centenas de foreiros, colonos ou simples arrendatários. O arquivo e cartório do Convento de S.ta Clara do Funchal é testemunho da grande empresa económica e agrícola que as freiras constituíram, tendo sido organizado, a partir dos meados do século XVII, por Sebastião de Teive. Ao longo do séc. XVII, as freiras negociaram em propriedades, vendendo, e.g., parte das propriedades que possuíam em São Vicente numa tentativa de concentrar os seus bens no sul da Ilha. Possuíam então prédios urbanos, moinhos e engenhos, mas também quintas e serrados, serras de água, etc. Funcionando como uma verdadeira empresa, chegaram a armar navios para o Brasil e a emprestar dinheiro a juros de 5 %. Um dos problemas com que se debateram nos inícios do séc. XVI foi o da água, rapidamente resolvido. O Convento herdara uma propriedade na Fundoa em São Roque, que pertencera a D. João de Noronha, com duas fontes, de que tomou posse a 13 de agosto de 1524. A 3 de janeiro de 1527, as freiras assinaram um contrato com o mestre Gomes Annes, da Ponta do Sol, e com o bacharel Lopo Dias, para a construção de um aqueduto no Pico dos Frias - “um cano de pedra e cal com alcatruzes” -, cedendo, em contrapartida, dois lugares no convento para as filhas do bacharel e outros dois para as do mestre. A 25 de outubro de 1578, haveriam de vender 2/3 da água do aqueduto aos irmãos Francisco, Gaspar e Diogo Frias, coproprietários da quinta com esse nome na base do pico que ficou, algum tempo depois, como Pico dos Frias, tendo sido com essa serventia que, por novo contrato, os irmãos Frias venderam aos padres da companhia de Jesus (Colégio dos Jesuítas), a 30 de julho de 1600, a quinta em questão. A partir de 1600, os padres ampliaram o aqueduto, onde quase podia passar um homem acocorado, trazendo a água de nova captação na Fundoa e levando-a até ao Colégio, no centro do Funchal. Embora o contrato salvaguardasse a água do convento, várias vezes houve interrupções do fornecimento, chegando as freiras a queixar-se, em 1664, de se encontrarem muito prejudicadas “nos lucros cessantes” dos doces e conservas que deixaram de fabricar por falta de água, e no que tinham “as suas negociações” (ANTT, Convento de S.ta Clara…, avulsos, livs. 11 e 16). Os cortes de água chegaram a levar as freiras a abandonar a clausura para se irem queixar ao Funchal, que era o desvio mais grave de disciplina de uma casa monástica. O insólito foi registado em versos gongóricos por António de Carvalhal Esmeraldo de Atouguia e Câmara (1662-1731), na Cítara de Aónio, e levou à intervenção régia, em 1712 e 1721, atribuindo-se a sua fiscalização ao provedor da Fazenda, através da nomeação de olheiros “para semanalmente visitarem o dito cano” (BNP, reservados, cód. 8391, 1775, 75-75v.). Os problemas da água, no entanto, manter-se-iam no século seguinte, especialmente quando o aqueduto passou para a administração régia, com o confisco dos bens dos Jesuítas. Este aqueduto encontra-se na base de várias lendas locais, contando-se que por ele comunicavam ilicitamente os padres jesuítas com as freiras de S.ta Clara, lendas depois ampliadas também aos Franciscanos, não contando, claro, com a quase impossibilidade de vencer por túnel o desnível entre o centro do Funchal e a ponta alcantilada de rocha onde se construiu o convento das clarissas. A comunidade foi constituída inicialmente para um número reduzido de freiras, que foi aumentando, tendo chegado, nos fins do séc. XVI, a mais de 100 religiosas, como regista o “Recenseamento dos fogos, almas, etc.” tirado pelos “róis de confissões” de 1598 (BGUC, manuscritos, cód. 210, 1598). Entre 1602 e 1677, entraram 173 noviças, pelo que, por 1720, o número de professas tinha aumentado para bastante mais de 100. Acresce ainda a este número, pelo menos, igual número de noviças, recolhidas leigas, servas, escravas e pessoal externo, onde se incluía um almocreve, um tabelião e outro pessoal. Face ao aumento do número de religiosas, fruto da prosperidade atingida pelas famílias terra-tenentes com a exportação do vinho, conseguindo assim verbas para os avultados dotes de entrada no convento, as freiras abalançaram-se a importantes obras, reformulando toda a igreja, mandando fazer um monumental sacrário de prata (Sacrários) e construindo várias capelas. O dote de entrada era, no início do séc. XVII, de 200$000 réis, além de mais 1$000 para alimentos durante o noviciado e propinas, sendo aumentado, em 1703, para 600$000 réis. A vida de uma candidata começava por um contrato que definia as condições da sua entrada no convento, o valor do dote, etc., sendo ainda necessário um breve do Papa e uma patente do provincial. Após o noviciado, para o qual as candidatas respondiam a uma série de perguntas, de que se elaborava auto e que ficava registado no Livro de Auto de Perguntas, seguia-se o estágio e a profissão, cerimónia que se fazia junto à grade do coro baixo, na presença do bispo ou de um seu representante, do escrivão da câmara eclesiástica e outras testemunhas, como o capelão do convento e o confessor da futura professa. A vida interna do convento complicou-se de alguma forma na segunda metade do séc. XVII com o estabelecimento da custódia de São Tiago Menor, pois ficou na dependência da mesma e o seu provincial a presidir ao capítulo que efetuava a eleição das abadessas, quase todas dos vários ramos da família Câmara. Passou assim a haver continuamente queixas ao bispo da interferência dos padres de S. Francisco nas eleições do Convento de S.ta Clara. Depois da eleição da abadessa procedia-se à eleição dos diversos cargos do convento: vigária da casa, escrivã, porteira-mor, segunda e da campainha, escutas da roda e das grades, assistentes do médico e vigárias de coro. Havia ainda outros cargos não vinculados a eleição, como rodeira-mor e segunda, mestra de noviças, mestra das confissões, sacristã, enfermeira-mor, escrivã e ajudante da escrivã, administradora do serrado ou cerca do convento, regente, saleira, forneira, azeiteira, provisora e duas discretas, que assistiam aos contratos efetuados junto da roda. As chamadas religiosas de véu preto, i.e., as freiras professas eram semanalmente chamadas a capítulo, para se tomarem as decisões mais importantes, que implicavam os assuntos gerais de património do convento e que só podiam ser tomadas por esse órgão colegial. De três em três meses, a madre abadessa dava ainda conta ao capítulo dos gastos e das receitas internas, que eram anualmente presentes ao bispo, ou ao seu representante, para aprovação. Entre os finais do séc. XVI e os inícios do XVII, foram os coros dotados de altares, cujas tábuas pintadas e as esculturas vieram de Lisboa, revestindo-se as paredes do coro de cima com azulejos pseudoenxaquetados que, dada a sua existência em várias igrejas da região e não se conhecerem exemplares no continente, devem ter sido uma encomenda da Fazenda Régia do Funchal. Entre 1620 e 1630, as freiras encomendaram em Lisboa novos azulejos policromos. No entanto, aquando da sua chegada ao Funchal, as imagens de figuras seminuas de inspiração indiana (nagas ou najiras) não teriam recebido a melhor aceitação, acabando por ser colocados depois como barras e remates junto da sanca superior da nave da igreja, a cerca de 10 m de altura. Das mais de 10 capelas desta época, subsistiu a de S. Gonçalo de Amarante, montada entre 1640 e 1660, onde poderia ter havido uma capela anterior, pois restou no chão um pequeno painel de azulejos de majólica, em princípio de produção nacional e datáveis dos últimos anos do séc. XVI. O retábulo de S. Gonçalo foi pintado por Martim Conrado, sendo a talha da oficina talha de Manuel Pereira (c. 1600-1679) e os azulejos da parede de uma oficina de Lisboa, datáveis de 1640 a 1660. De capelas anteriores, restaram os retábulos da Natividade, depois remontado na portaria, com um conjunto heterogéneo de pinturas das primeiras décadas do séc. XVII, e de S.to António, com a pintura central de uma boa oficina portuguesa e o pormenor quase insólito de apresentar os panos laterais pintados, pelo que parece ser uma oficina luso-oriental. Nos claustros, subsistiu a capela da Ressurreição, montada entre os finais do séc. XVII e os inícios do XVIII, com as paredes totalmente revestidas a azulejos de padrão camélia, datáveis de 1680, sensivelmente, mas a enquadrarem uma tela de Nossa Senhora da Candelária, das oficinas de Tenerife, nas Canárias, muito provavelmente já dos meados do séc. XVIII. Pelos anos de 1660 a 1667, quando se fizeram obras nos coros, foram as paredes da igreja totalmente revestidas por azulejos das oficinas de Lisboa com os padrões em voga nos conventos das clarissas dessa época. Foram aplicados, assim, azulejos do chamado padrão de S.ta Clara, porque presente em inúmeras igrejas dos conventos de clarissas, com pequenas variantes, embora também apareçam noutras igrejas, e o padrão Marvila, o mais complexo padrão de azulejos de tapete da segunda metade do séc. XVII, constituído por 12 azulejos diferentes (padrão de 12 x 12), demonstrando bem as potencialidades económicas do Convento de S.ta Clara do Funchal nesses anos. Por esta altura, também iniciaram as freiras de S.ta Clara um peditório para a feitura de um monumental sacrário de prata. Tudo leva a crer que a primeira encomenda foi feita ao prateiro José Dias de Araújo, que recebeu idêntica encomenda da Confraria do Santíssimo da Sé do Funchal e que, nos inícios de 1658, fugiu para o Brasil com a prata, de que muito se queixaram as freiras e os confrades da Sé. As freiras voltaram a fazer um peditório, tendo o trabalho sido entregue, em 1666, ao já velho prateiro e ourives Simão Lopes (c. 1610-1669). Como o trabalho não avançava e temendo que pudesse acontecer outro desvio, optaram por entregar o trabalho a uma equipa constituída pelos ourives António Neto (c. 1630-1707), António Araújo Feio (c. 1630-1706) e António Soares (c. 1650-1725). O sacrário foi dado por terminado a 12 de agosto de 1671, altura em que se encontrava enquadrado por talha do imaginário Manuel Pereira, com o qual trabalhara um marceneiro francês não identificado. O montante de toda a obra orçou em mais de um conto de réis. Perto dos finais do séc. XVII, visitava o Convento de S.ta Clara o depois célebre médico e naturalista inglês Hans Sloane (1660-1753), que recolheria pelo mundo uma série de curiosidades que viriam a constituir o núcleo inicial do Museu Britânico, em Londres. Em viagem para as Índias Ocidentais, na companhia do duque de Albmarle, ancorou a 21 de outubro de 1687 no Funchal e, embora só estivesse na cidade três dias, como médico já conhecido e tendo, inclusivamente já estado na Madeira, foi convidado pelo cônsul a ir a terra e, pela madre abadessa de S.ta Clara para se deslocar ao convento para ver algumas freiras que estavam doentes. Escreveria este médico inglês que as freiras “sofriam de clorose, muitas delas devido à vida solitária, melancólica, sedentária e falta de exercício”, e que, depois de as consultar, se deliciara com uma bela refeição de frutas e compotas; e acrescenta então que “os doces e a mobília do quarto tinham sido feitos pelas próprias freiras. Até agora, quer as compotas, quer o mobiliário, nunca vi coisas tão boas” (ARAGÃO, 1981, 162-163). A opinião não deve ser levada à letra, salvo nas compotas, pois não cremos que as freiras executassem trabalhos de marcenaria e carpintaria. Mas tudo leva a crer que no Convento de S.ta Clara haveria uma oficina de marcenaria, onde por certo não trabalhariam as freiras, ainda que os arranjos finais, provavelmente de douramento e pintura, pudessem ser feitos por elas. Acresce que a opinião de um especialista e colecionador internacional como Hans Sloane, depois elevado a barão e membro da Royal Society, onde sucedeu como presidente a Isaac Newton (1643-1727), segundo a qual nunca vira “coisas tão boas”, é um elogio indubitavelmente a ter em linha de conta. Nos inícios do séc. XVIII, o número de religiosas subia para 170, sendo 70 supranumerárias, muitas das quais não eram professas nem tinham feito votos. A comunidade albergava ainda mais de 100 criadas, a que recorriam várias religiosas para seu serviço privativo, repartindo-se por 12 dormitórios, o que numa casa de vida apertada e austera, como deveria ser um mosteiro, constituía um abuso. Havia então em S.ta Clara 17 capelas, uma das quais exterior; eram elas: da Ascensão do Senhor (no claustro), da Porciúncula, da Ressureição do Bom Jesus, do Sacramento (que era no claustro e de que ficaram as portadas), da Assunção (coro de cima?), da Senhora, da Senhora do Rosário, de Belém, da Encarnação (na portaria), do Desterro, da Conceição da Senhora, de S. José (de que só ficou a imagem), de S. Francisco, de S.ta Clara, de S. João, de S.to António (cujo altar passou para o coro de baixo) e de S. Gonçalo de Amarante. Neste elenco, não parece entrar o altar do Calvário ou da Piedade, no coro de baixo, nem o do Ecce Homo, no coro de cima. Também não é referida por Henrique Henriques de Noronha a capela de Nossa Senhora da Piedade, levantada nos meados do séc. XVII por Duarte Pestana e onde foi sepultada sua filha Beatriz Pestana, na “ilharga da igreja da banda da rua” (ANTT, Convento de S.ta Clara…, liv. 18, p. 172), indicação de que só terá sido incluída no convento depois de 1720, constituindo a sacristia, mas mantendo a laje sepulcral de Beatriz Pestana. Henrique Henriques de Noronha descreve a igreja de S.ta Clara quase como era conhecida nos começos do séc. XXI, embora com mais altares. Existiam então na nave os altares dos Reis Magos, de S.ta Clara, de S.ta Ana, de Nossa Senhora da Piedade e de S.ta Quitéria, parecendo que na reforma de 1770 a 1790, altura em que ali teria trabalhado a equipa do mestre Estêvão Teixeira de Nóbrega (1746-1833), alguns dos altares passaram a outra evocação, pois desapareceu o de S.ta Clara e o de S.ta Ana, passando a haver um de S. José e outro de S.to António. Sobre a capela-mor refere a “gradinhola para as comunhões, na forma em que dispõe o Cerimonial Romano”, e as lajes tumulares dos capitães do Funchal, referindo a não existência da laje do 4.º capitão, João Gonçalves da Câmara III (1489-1530), embora o Nobiliário Genealógico o dê como ali enterrado (NORONHA, 1948, 112). Nesta descrição, salvaguarda que, como faleceu de peste, “ou não se lhe assinalou a sepultura, ou se lhe deu em outra parte, como era costume fazer-se aos que faleciam deste mal” (Id., Ibid., 265). Regista que aos pés da sepultura do 3.º capitão se encontrava a de seu neto, o 1.º conde da Calheta (1512-1580), com o lapso de escrever que faleceu em Lisboa, quando de facto, faleceu no Funchal. O curioso é que, depois, o 1.º conde da Calheta teria passado para a sepultura do avô, ou vice-versa, como já regista o Elucidário. Esta obra informa que, em março de 1919, tendo-se levantado o tabuado, se descobriu, do lado da epístola, a laje em questão, referente à sepultura dos dois, com duas linhas intermédias da inscrição raspadas, acrescentando: “de cuja circunstância não sabemos dar cabal explicação” (SILVA e MENESES, 1998, I, 209). Em 1748, a cidade do Funchal sofreu um forte terramoto e, numa primeira fase, incrementou-se uma série de devoções incentivadas pelo bispo franciscano D. Fr. João do Nascimento (c. 1690-1753), de que resultou, em S.ta Clara, a fundação da Confraria das Escravas de Nossa Senhora do Monte, entre 1750 e 1751; esta parece não ter tido especial continuidade, não havendo referências à existência de confrarias no Convento de S.ta Clara, visto que, logicamente, o mesmo já funcionava como uma irmandade. Entre 1765 e 1769, as freiras possuíam um total de 105 propriedades, que rendiam entre 9 e 10 contos de réis. Recebiam, ainda, pelo aluguer de várias casas, quase mais 20 contos, bem como 130 foros, pagos em trigo, que rendiam 19 moios e 15 alqueires, no valor de mais 500 réis, e ainda outro tanto de foros pagos em dinheiro. Os juros, a 5 %, do capital que tinham emprestado ultrapassavam um conto de réis. Estes anos, no entanto, representaram uma nova fase de relação entre as instituições religiosas e o poder centralizador da Coroa e do bispado do Funchal, restringindo-se, a partir de 16 de julho 1764, as entradas de noviças nos conventos e passando a haver um completo controlo sobre os seus rendimentos. Periodicamente, passaram a ser enviados pelo governador mapas com a relação das religiosas, anotando o que se dava diariamente a cada uma, tal como o rendimento e as despesas da comunidade. Com a passagem dos bens dos Jesuítas para a Fazenda Real e algum vazio de poder no controlo dos mesmos bens, veio a apropriar-se da água do aqueduto o morgado António João Correia Bettencourt, que a desviou para a sua Qt. da Achada. A questão levou a queixas das freiras e à intervenção do corregedor Francisco Moreira de Matos, em 1770, a favor das mesmas, a quem de direito pertencia a propriedade de 1/3 das águas em questão. Dada a origem nobre da maior parte das freiras de S.ta Clara, a sua posição foi quase sempre levada em linha de conta, não se escusando, por exemplo, o governador a determinar ao juiz pedâneo de Câmara de Lobos, em 1781, que, sempre que houvesse peixe para vender, se deveria guardar uma parte para as irmãs de S.ta Clara. Com efeito, a vida da maior parte das instituições madeirenses debatia-se com dificuldades na aquisição de peixe, mas tal não parece acontecer com este Convento, embora poucas vezes fosse possível localizar a origem do pescado. As contas anuais do convento, repartidas por quartéis, abrem sempre com a indicação do número de dias e a descriminação dos “dias de peixe” e de carne, indicados como “de vaca”. No primeiro quartel da vigência da madre Antónia Caetana de Santa Teresa, e.g., de maio a agosto de 1783 – as eleições eram sempre a 19 de maio, pelo que a marcação da vigência de uma nova abadessa começava nesse mês –, “houve noventa e dois dias, trinta e três de peixe, sessenta e três de vaca e seis providos” (de jejum?). As freiras adquiriram então peixe fresco, incluindo bacalhau e arenques, sendo estes últimos essencialmente para as serviçais e os moços de recados. Ao longo do século, também aparece a aquisição de sardinha e salmão (fumado?), embora este último quase desapareça nos finais do séc. XVIII. Saliente-se que as aquisições de peixe são essencialmente para os dias normais, pois para os inúmeros dias de festa as aquisições não referem peixe, mas carne, enchidos, frutas e doces (ANTT, Convento de S.ta Clara…, liv. 53, fls. 7-8). Um dos aspetos mais interessantes dos conventos femininos do Funchal é a indicação da aquisição de tabaco em todos os quartéis do ano, à volta dos 30$000 a 40$000 réis. O tabaco destinava-se a ser “repartido pelas religiosas e demais obrigações” do convento, entendendo-se como tal ofertas aos padres que se deslocavam ao convento, a feitores e outras entidades. A 11 de abril de 1771, registam-se 26$000 réis da aquisição de tabaco, sendo 3 réis despendidos com os padres do enterro da madre Ana Vitória e com o padre diácono, no dia oitavo e na festa de S.ta Maria Madalena (Ibid., liv. 53, fl. 10). Quando havia jejum, paralelamente ao peixe, ou em sua substituição, comiam-se ovos. A par do trigo aparece igualmente o arroz e, em épocas especiais, o cuscuz. Não se encontraram referências ao consumo de inhame por parte dos inúmeros serventes e escravos, o que era normal na Madeira, sendo apenas referido nos finais do século, nem ao de milho pelas freiras. A única referência encontrada de aquisição de milho destinou-se à alimentação dos homens que trabalhavam na cerca do Convento. O centeio também não se destinava às freiras, mas à alimentação da criadagem, servindo para fazer pão de mistura. Entre os vegetais, os mais citados são o agrião, a couve, a fava, a ervilha, o feijão, a lentilha, o nabo e a abóbora, para além de uma série de grãos não especificados. Um dos aspetos mais interessante da cozinha das freiras de S.ta Clara, que por certo não se afastaria muito da cozinha das casas abastadas do Funchal, era a excecional variedade das especiarias, com cravo-da-índia e do Maranhão, pimenta, canela, erva-doce, açafrão, almíscar, cominhos e gengibre, entre outras. Por último, referimos um dos aspetos que celebrizaram os conventos portugueses e que seria mencionado por todos os viajantes estrangeiros, como já em 1687 referira o médico inglês Hans Sloane: os doces e, logicamente, a obesidade geral das freiras. As próprias Constituições e Estatutos recomendavam a distribuição de determinadas iguarias nos principais dias festivos, como Natal, Páscoa e festa da Madre (S.ta Clara), não só às freiras em geral, como aos principais doadores e benfeitores do convento, entre o que se designava por “obrigações da casa” e “obrigações de fora”, que também se encontra no similar convento da Encarnação do Funchal (GOMES, 1995, 130-135). Pela leitura dos livros de receita e despesa de S.ta Clara, apercebemo-nos de imediato de uma maior autonomia deste convento, com muito mais propriedades, logo necessitando de menos aquisições no mercado local. Assim, as freiras recebiam das suas propriedades uma série de “miudezas que vieram para o convento”, como, por exemplo, em 1783: 19 canadas de manteiga; 41 canadas de leite do Curral; 7 sacos de inhame da horta da Calçada, o que até esta data não havia aparecido; 200 peras do foro pago na Calheta; 4 sacos de marmelos da Caldeira; 12 sacos de batatas; 4 sacas de castanhas verdes; 45 alqueires das ditas, secas; 6 alqueires de nozes; 170 abóboras; 370 cabos de cebolas; 4 cestas de alhos; 4 feches de canas da horta da Calçada; e 80 canecas de melado “que se repartiram pelas freiras” (ANTT, Convento de S.ta Clara…, liv. 53, fl. 7), quantitativos e proveniências que se mantêm mais ou menos ao longo do século. As freiras, no entanto, adquiriam ainda muita coisa no mercado local, principalmente para as suas inúmeras festas, fora dos já citados dias de peixe e dias de vaca. Assim, encontramos aquisições de perus, leitões, cabritos e coelhos, para além de aquisições específicas em Lisboa, o que no Convento da Encarnação não acontecia. No citado ano de 1783, veio de Lisboa uma pipa de azeite “com trinta almudes e seis canadas, a dois mil e trezentos réis a canada”, havendo também referência a amêndoa “que se mandou vir de Lisboa”. Ao longo de todos os quadrimestres existem verbas para pão-de-leite e broa para a merenda. Havia ainda festas especiais com manjares específicos: “talhadas de cidra, na eleição da abadessa”, a 19 de maio; carne de porco e de carneiro, a 24 de dezembro; “argolinhas” pelo Natal; “bolo de mel a 6 de janeiro”; “broa pelo São Pedro”; “bolo na festa da Conceição”; “sonhos na entrada do Advento”; etc. Importava-se do Brasil, especificamente, e.g., mel de cana para a confeção do bolo de mel (15 canadas em 1783, a 250 réis cada) e açúcar, posteriormente “purificado” no convento. Com base nestes condimentos se faziam “as obrigações”, como uns “pratinhos de ovos reais, que se deram às freiras no dia de São João”, que também aparecem referidos como oferta para fora (Ibid., livs.36-82). Nos meados do séc. XVIII, o Convento de S.ta Clara ter-se-á fechado um pouco mais sobre si próprio, datando dessa época uma petição inédita: a remoção do carneiro com os despojos de João Gonçalves Zarco, que estava colocado no centro da capela-mor e que, alegaram as freiras, interferia com os seus ofícios religiosos. A petição enviada ao marquês de Castelo Melhor, como representante da família Câmara, instituidora e patrona do convento, teve a data de julho de 1768 e, sendo autorizada, foi a sepultura removida no ano seguinte para o coro de baixo num carneiro em madeira pintada, com a inscrição de ter sido removida a 22 de fevereiro de 1769. Com as restrições advindas da centralização dos meados do século, as freiras não baixaram nunca os braços e foram-se queixando, sucessivamente, da situação em que se encontrava o convento por terem sido extintos os seus bens de raiz, como em 1777, quando solicitaram a revogação da decisão conseguindo manter parte dos mesmos, pois eram o único rendimento que tinham para o seu sustento. Voltavam a escrever à Rainha em 1793, quando o número de religiosas baixara para 63, solicitando a entrada de 17 noviças que assegurassem o prosseguimento da instituição, visto que, nessa data, as freiras eram “quase todas inábeis por idosas, e enfermas”, ficando apenas algumas que se ocupavam dos ofícios religiosos e existindo a necessidade de novas “para continuarem os ofícios divinos e substituírem aquelas”. Afirmaram ainda que o número, na altura da criação do mosteiro, seria de “cem religiosas professas” (o que não era verdade, pois fora de 60), acrescentando que as suas rendas bastavam “para o sustento de mais de oitenta”. A autorização foi concedida, mas a 22 de março de 1796 ainda se não tinha conseguido completar o número de 80 religiosas (Ibid., avulsos, mc. 25, fl. 33). No primeiro quartel do séc. XIX, estava este número reduzido a cerca de 70 e não estariam somente em causa as restrições governamentais, mas todo um outro enquadramento social e económico. O dote com que cada religiosa entrava por ocasião da sua admissão era de 800.000 réis, o dobro que fora no séc. XVII, para além de outras despesas, atingindo aproximadamente um conto de réis, não sendo fácil às pessoas pouco abonadas em meios de fortuna fazer parte desta comunidade religiosa. Neste primeiro quartel do século, voltaria a Madeira a ser ocupada por forças inglesas, face à invasão do território continental por forças francesas e espanholas, instalando-se as mesmas, a partir do dia 25 de dezembro de 1807, conforme fora previsto em Londres, nas fortalezas da baía da cidade, e depois no antigo Colégio dos Jesuítas. O número de forças inglesas, no entanto, era muito superior ao da ocupação de 1801-1802, pelo que houve que procurar outras alternativas, alvitrando-se a cedência do Convento da Encarnação, dadas as poucas freiras que ali viviam, tal como as que subsistiam no Convento de S.ta Clara, onde, entretanto, havia perfeitamente espaço para ambas a comunidades. A 7 de janeiro de 1808, as poucas freiras da Encarnação entraram em S.ta Clara e a abadessa elaborou uma relação das mesmas. Após a ocupação inglesa, em 1814, as freiras da Encarnação regressaram ao seu convento, que os prelados tentavam fechar desde os inícios do séc. XVIII, pois só dava problemas. As autoridades civis e eclesiásticas, tanto de Lisboa como do Funchal, tentaram, por várias vezes, reunir numa só as comunidades de S.ta Clara e da Encarnação, mas nunca conseguiram realizar a projetada reunião dos dois mosteiros, apesar de terem, inclusivamente, obtido um breve pontifício que a autorizava. Com a vigência do governo liberal, em 1834, no âmbito da Reforma geral eclesiástica empreendida pelo ministro e secretário de Estado Joaquim António de Aguiar, e executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837) pelo decreto de 30 de maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens, ficando as de religiosas sujeitas aos respetivos bispos até à morte da última freira, data do encerramento definitivo. Os bens dos conventos femininos foram sendo progressivamente incorporados na Fazenda Nacional, mas não imediatamente, pois só em 1890, no mês de novembro, por falecimento de Maria Amália do Patrocínio, última sobrevivente, encerrou o convento da ordem urbana de S.ta Clara, embora o edifício tivesse sobrevivido. Os bens do convento, entretanto, também se haviam depreciado. Em 1844, por exemplo, foi pedido ao vigário geral, bispo eleito de Castelo Branco e vigário capitular, o Con. Januário Vicente Camacho (1792-1872), autorização para as freiras de S.ta Clara utilizarem o dinheiro da arca do cabido, num quantitativo de dois contos de réis, dados os grandes atrasos causados em parte pela aluvião de outubro de 1842, que afetara as fazendas do convento, e os diminutos preços dos vinhos, achando-se a mesma comunidade sem meios de sustentar as “religiosas, criadas e mais pensões anexas” à mesma corporação. O vigário geral despachou favoravelmente a petição, “atendendo às circunstâncias extraordinárias” em que se achavam as “vendas do convento”. Existiam então já somente 10 freiras discretas em S.ta Clara: Jerónima do Céu, abadessa, Genoveva Rita do Céu, vigária da casa, Maria Júlia do Espírito Santo, mais digna, Ana Vicência de Santa Rita, madre da Ordem, Maria Eloro Assy, imediata, Margarida Jacinta de Cortona, Francisca Maria das Mercês, Ana Josefa da Natividade e Luzia Cândida das Mercês, discretas, e Carlota Matilde da Conceição, escrivã do convento (ABM, Arquivos particulares, Rui Carita, 1844). Nos anos seguintes, as religiosas do Convento de S.ta Clara, pressionadas pelo governador, José Silvestre Ribeiro, haveriam de participar na célebre grande exposição de Londres, de 1851, que daria origem às exposições universais, ganhando, com as suas “belas flores de penas”, a medalha de prémio na classe 29.ª. As freiras tinham-se especializado, desde os meados do século anterior, neste tipo de trabalhos, sendo registada pelos mais diversos visitantes, ao longo de todo o séc. XIX, a visita quase obrigatória a S.ta Clara e a aquisição desses trabalhos artesanais no chamado turismo romântico. Na ocasião, o periódico O Archivista noticiava que coubera à Madeira “a glória de colher uma palma no pacífico combate da indústria que acabava de pelejar-se no palácio de Cristal” de Londres, informando que haviam concorrido 17.000 expositores e só haviam sido atribuídos 2918 prémios. Registava assim “com a mais viva satisfação” o prémio atribuído às freiras de S.ta Clara “naquele brilhante teatro da indústria”, que fora a exposição realizada em Londres (FREITAS, 1852, 404-407). Os descendentes do fundador, que foram os capitães donatários do Funchal, e depois os condes e marqueses de Castelo Melhor, sempre se consideraram não só como padroeiros desta igreja e do convento, como também os “seus legítimos senhores e proprietários”, pelo que, em outubro de 1867, reivindicaram a posse e propriedade do convento, como também fizeram os Lomelino em relação ao Convento da Piedade de S.ta Cruz, mas o processo não teria sequência. Com o falecimento da última sobrevivente, a madre Maria Amália do Patrocínio, no mês de novembro de 1890, encerrou o convento da ordem urbana de S.ta Clara. Face ao novo ciclo político da época, fortemente dedicado ao novo projeto ultramarino português, por decreto de 12 de março de 1896, era o convento cedido à Congregação das Franciscanas Missionárias de Maria, a fim de ser ali estabelecido um instituto de preparação do pessoal feminino destinado às missões religiosas das antigas colónias portuguesas (SILVA e MENESES, 1998, I, 311), que começou a funcionar ainda nesse ano. Com a implantação da República e o espírito anticlerical desses primeiros anos, logo em finais de 1910 a concessão era cancelada e as irmãs franciscanas abandonavam o convento. Os decretos de 31 de outubro de 1912 e de 22 de setembro de 1913, entretanto, concediam os edifícios à Câmara Municipal do Funchal, à S.ta Casa da Misericórdia e à Associação do Auxílio Maternal, para a instalação de instalações hospitalares e assistenciais, mas cuja efetiva ocupação para esse efeito nunca chegou a acontecer. Entre outras hipóteses, chegou a ser alvitrada pelo então bibliotecário da Câmara do Funchal, Adolfo César de Noronha (1873-1963), nomeado em 11 de dezembro de 1914, a instalação no local de um museu de arte, aproveitando os bens artísticos ali depositados, inclusivamente provenientes do extinto Convento de São Francisco, iniciativa que não contou com o apoio das várias entidades regionais. Como os desígnios dos decretos de 1912 e 1913 não foram preenchidos, o Estado voltou a tomar posse do Mosteiro de S.ta Clara e, alterada a situação política, pelos decretos de 25 de janeiro de 1927 e 12 de junho do mesmo ano, o Ministério das Finanças autorizou a cedência ao Ministério das Colónias das diversas dependências do extinto mosteiro. A direção foi de novo entregue às Franciscanas Missionárias de Maria que, em 1928, voltaram com um objetivo bem determinado: estabelecer uma escola secundária para formar religiosas para enviar às missões do Ultramar e ainda um infantário e ensino primário, chegando a acolher cerca de 400 crianças. Embora encontrassem as instalações muito degradadas e em mau estado de conservação, souberam ultrapassar as dificuldades com a ajuda de vários quadros regionais, em especial de Romano de Santa Clara Gomes (1869-1949), então envolvido nas várias ações dos movimentos católicos insulares. O Convento de S.ta Clara voltara a ser ocupado por religiosas franciscanas, quase na sequência das iniciais ideias que haviam presidido à sua fundação, havia mais de 500 anos, numa adaptação a novas funções e realidades. Alguns anos depois, a 12 de dezembro de 1917, um submarino alemão bombardeou o Funchal, no quadro da Primeira Grande Guerra, em princípio para atingir o centro de comunicações do cabo submarino, na Calç. de S.ta Clara, mas atingindo a igreja, cuja capela-mor ficou parcialmente destruída, tendo ficado ferido o P.e Manuel da Silva Branco, que ali celebrava a Eucaristia, o sacristão e duas mulheres, uma das quais viria a falecer pouco depois. Nos anos seguintes, o retábulo seria restaurado, embora a pintura de Nossa Senhora da Conceição, de Alfredo Miguéis (1883-1943), só viesse a ser reposta em 1930, encontrando-se assinada com data de 1 de maio desse ano. A 26 de setembro de 1940, pelo decreto n.º 30.762, era publicada a classificação da igreja e todas as dependências existentes do antigo Mosteiro de S.ta Clara como monumento nacional. Em 1951, realizava-se nas salas do convento uma exposição de ourivesaria sacra e, em 1954, uma exposição de escultura religiosa; os conteúdos de ambas viriam a ser o acervo do Museu de Arte Sacra do Funchal, inaugurado a 1 de junho de 1955, no antigo paço episcopal. Em 1958, a antiga escola franciscana transformava-se no Colégio Missionário Ultramarino do Funchal, onde se formaram inúmeras religiosas que se deslocaram nos anos seguintes para as missões ultramarinas portuguesas. Na déc. de 50, o colégio missionário obtinha inclusivamente a cedência do forte de São João Batista do Desembarcadouro, em Machico, para colónia de férias. Em 1962, entretanto, um incêndio destruiu duas grandes salas na ala frente à Calç. de S.ta Clara e pátio interior, levando a nova e larga intervenção da Direção-Geral dos Monumentos Nacionais, iniciada nos finais da década de 1940 e inícios de 50. Na déc. de 90, as obras passaram à responsabilidade da Direção dos Assuntos Culturais e, em 1997, a zona envolvente e não construída para sul, incluída na antiga cerca do convento, foi cedida para instalação da secção de azulejos da Casa-Museu Dr. Frederico de Freitas.     Rui Carita (atualizado a 01.03.2017)

Religiões Sociedade e Comunicação Social

junta de planeamento 1975

A transição da Madeira para o processo democrático foi de certa forma calma, se comparada com a agitação vivida no continente ou nas antigas colónias portuguesas de África. As forças militares e militarizadas não colocaram especiais problemas ao Movimento das Forças Armadas (MFA), e a primeira agitação, aliás vaga, decorreu na manifestação do 1.º de Maio, quando apareceu um cartaz a colocar em causa a presença no Funchal dos ex-governantes Américo Thomaz (1894-1987) e Marcello Caetano (1906-1980), com os dizeres “A Madeira não é caixote de lixo”. A notícia chegou a António de Spínola (1910-1996), que presidia à Junta de Salvação Nacional e se comprometera com Marcello Caetano, no quartel do Carmo, a fornecer-lhe proteção pessoal, pelo que poucos dias depois se encontrava na Madeira um delegado do Movimento, o Ten.-Cor. Carlos de Azeredo Pinto Melo e Leme (1930-) (Azeredo, Carlos de). A função do delegado do Movimento era a segurança das altas figuras do final do Estado Novo, mas, embarcadas as mesmas para o Brasil, a 20 de maio, teve de aguardar a nomeação do governador civil do Funchal (Governo civil), Fernando Rebelo (1919-2002) (Rebelo, Fernando Pereira), somente exarada a 7 de agosto. O novo governador tomou posse em S. Lourenço a 8 de agosto e, nesse mesmo dia, Carlos de Azeredo regressou ao continente, fixando-se no Porto. A 13 de setembro de 1974, o novo governador civil do Funchal – em consequência do pedido de exoneração de Rui Vieira (1926-2012), pedido que nunca fora aceite por Carlos de Azeredo – nomeava nova presidência para a Junta Geral. A 10 de outubro, a Junta Geral é dissolvido e é nomeada uma comissão administrativa, que também não resistiu muito tempo. As nomeações que se seguiram, essencialmente de elementos sem impacto político e social nas restantes estruturas locais, que não haviam sofrido especiais alterações, tornariam a situação geral insustentável a curto prazo. A instabilidade que se viria a desenvolver depois na Ilha levou a que, por solicitação dos elementos do Movimento na Madeira, o Ten.-Cor. Carlos de Azeredo, então graduado em brigadeiro, regressasse no final desse ano de 1974 ao Funchal. A 11 março de 1975, em Lisboa, entretanto, registava-se novo pronunciamento militar. O grupo mais moderado de forças políticas e militares ligadas ao Gen. António de Spínola, que não tinha aceitado o seu afastamento, a 30 de setembro, na sequência do falhanço da manifestação da “maioria silenciosa” de dois dias antes, nem, essencialmente, o acelerado processo de descolonização e de politização progressiva da sociedade portuguesa, movimentou-se. Os grupos mais politizados e a Comissão Coordenadora estavam, no entanto, atentos à movimentação, pelo que a mesma se saldou por um novo fracasso, sendo o Gen. Spínola definitivamente afastado, e tendo tido, inclusivamente, de abandonar o país. As notícias chegadas ao Funchal levaram à realização de manifestações de rua em apoio ao MFA. O processo foi acompanhado pelos comandos militares madeirenses, não tomando o Brig. Carlos de Azeredo qualquer posição, dependente, até certo ponto, que estava ainda do governador civil, Fernando Rebelo. Carlos de Azeredo encontrava-se nessa manhã numa cerimónia de distribuição de diplomas e condecorações na sede da Polícia de Segurança Pública do Funchal, à R. dos Netos, e, tendo sido informado pelo Maj. José Manuel Santos de Faria Leal (1936-2015) do que se passava em Lisboa, não interrompeu a distribuição. Escreveria mais tarde que continuou “calmamente na cerimónia” (AZEREDO, 2004, 205), mas, regressado ao palácio de S. Lourenço, acompanhou a situação, como os vários oficiais do seu gabinete, com a máxima apreensão. Com o pronunciamento de 11 de março, as forças mais à esquerda desenvolveram o que ficou conhecido por Processo Revolucionário em Curso e popularizado como PREC. No dia seguinte, a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado eram extintos e substituídos pelo Conselho da Revolução, a que se seguiria um plano de nacionalização da Banca, dos Seguros, dos Transportes, etc. Este período constituiu a fase mais marcante da tentativa de revolução portuguesa, durante o qual as tensões políticas e sociais atingiram uma virulência nunca experimentada. Principalmente o verão desse ano de 1975, o chamado “verão quente”, prestou-se a todo o tipo de violências numa sociedade considerada até então de brandos costumes e que nesse período parecia ter querido deixar de o ser. As forças madeirenses ligadas ao velho Movimento Democrático mostraram-se completamente incapazes de fazer face à situação e, a 20 março, Fernando Rebelo deixava o cargo de governador civil. Nesse mesmo dia, em Lisboa, onde fora chamado, desconhecendo o motivo e tendo tido então as mais sérias reservas e apreensões, Carlos de Azeredo tomava posse desse cargo, por despacho do ministro da Administração Interna. A nomeação de um elemento dado como próximo do Gen. António de Spínola não foi bem aceite nos sectores militares e civis continentais ligados ao PREC, que preferiam a nomeação do Maj. José Manuel Santos de Faria Leal (1936-2015), mas representou uma vitória para os sectores mais moderados e marcaria, na Madeira, o início da progressiva demarcação em relação ao processo continental. O Brig. Carlos de Azeredo, como governador civil – mas sempre fardado –, quase de imediato, a 25 de março, dava posse no Funchal à Junta de Planeamento para a Madeira, criada pelo dec.-lei n.º 139/75, promulgado no polémico dia 11 de março, pelo Presidente da República, Gen. Francisco da Costa Gomes (1914-2001), e publicado a 18 seguinte. O dec.-lei já considerava este órgão com um cariz transitório, mas com forte poder de decisão, sendo composto pelo governador civil, que presidia, com voto de qualidade, e por três vogais. Este órgão vinha um pouco na sequência do grupo criado alguns anos antes no âmbito da Junta Geral, a comissão regional de planeamento, mas já com funções deliberativas mais amplas, superintendendo, inclusivamente, sobre a mesma Junta Geral que, embora dissolvida, continuava em exercício. Foram então empossados como vogais João Abel de Freitas (n. 1942), Virgílio Higino Pereira (n. 1941) e José Manuel Paquete de Oliveira (1936-2016), que dirigia o Diário de Notícias. A presença de João Abel de Freitas, ligado à comissão do salário mínimo, e mesmo dos restantes elementos, pois que a sua nomeação fora acordada em Lisboa, não reunia o consenso alargado que alguns sectores locais requeriam, pelo que a Junta de Planeamento foi alvo de críticas no Jornal da Madeira, o que levou Carlos de Azeredo a convocar a S. Lourenço Alberto João Jardim (1943-), recentemente colocado à frente daquele jornal pelo bispo do Funchal, D. Francisco Antunes Santana (1924-1982), embora tal não tenha refreado os ataques daquele periódico à nova estrutura governativa regional. As críticas ainda aumentaram com o dec.-lei de 2 de julho de 1975, que alargava os poderes da Junta de Planeamento para proceder ao saneamento dos serviços do Estado e dos corpos administrativos, podendo suspender por 90 dias os funcionários desses organismos e nomear comissões para efetuarem reclassificações dos mesmos. Foi por esse diploma que se acrescentou um quarto elemento à Junta de Planeamento, dado como representante do comando militar, Faria Leal, que desde o início participava já em todas as reuniões. A Junta de Planeamento sofreria uma contínua contestação, não só local, dado que, como o governador Carlos de Azeredo anunciara na sua formação, tinha sido escolhida de cúpula, por decisão autocrática, logo sem a consulta das forças políticas já sumariamente colocadas no terreno, como igualmente dos círculos mais à esquerda do MFA nacional, que a consideravam não revolucionária. Poucos dias depois, comemorando-se o segundo 1.º de Maio em liberdade, deslocar-se-iam à Madeira dois conselheiros da revolução, o Com. Carlos de Almada Contreiras e o Maj. José Manuel Costa Neves, que participariam na manifestação, mas que quase não contactaram os elementos das forças armadas de S. Lourenço, limitando-se o Brig. Carlos de Azeredo a depois os acompanhar ao aeroporto. Ao contrário do ano anterior, também nenhum dos elementos militares da Madeira participou na mesma manifestação que, inclusivamente, levou a alguns incidentes na baixa da cidade, o que não acontecera no ano precedente. A Junta de Planeamento começou a conhecer dificuldades de articulação interna a partir das eleições de 25 de abril de 1975 (Eleições Autonomia), que elegeram a Assembleia Constituinte (sendo a organização dessas eleições a mais importante missão de que a referida Junta estava incumbida). Assim, se até então a sua nomeação de cúpula, como havia sido referido por Carlos de Azeredo na sua apresentação pública, era defensável por não ter havido eleições na Região, a partir daquela data, tal já não era sustentável. Acrescia a isto o desgaste do “verão quente” de 1975, que começara a 11 de março, e logo a 4 de abril registara uma tentativa de assalto ao palácio de S. Lourenço por uma manifestação de produtores de cana-de-açúcar – situação geral à qual Carlos de Azeredo deu uma resposta que não foi entendida como correta, nem pela esquerda, nem pela direita, tentando limitar a sua atuação a uma gestão negociada de crise, que nunca fora bem aceite por alguns elementos da Junta de Planeamento. A cisão foi iniciada pelo pedido de demissão de João Abel de Freitas, a 5 de agosto de 1975, pois que o mesmo não poderia ter sido feito pelo Maj. Faria Leal, dada a sua condição militar, pretendendo ambos a detenção de alguns empresários madeirenses por sabotagem económica. A demissão de João Abel Freitas foi imediatamente aceite pelo Brig. Carlos de Azeredo, e seguiu-se-lhe a demissão dos restantes membros. Estava assim aberto o caminho para a constituição de um novo órgão de gestão governativa da futura Região Autónoma da Madeira, que, embora ainda não democrático nem verdadeiramente representativo das forças políticas com representação no terreno, caminhava já nesse sentido: a Junta Governativa e de Desenvolvimento de 1976. Levaria, no entanto, mais de seis meses para ser negociada e tomar posse.     Rui Carita (atualizado a 09.06.2017)

Direito e Política História Militar História Política e Institucional

imprensa católica

A Igreja Católica vê na imprensa e na sua influência sobre a formação da opinião pública um instrumento central da expressão da cultura e do pensamento, pelo que está ligada a vários títulos e movimentos editoriais. A imprensa católica acompanhou o crescimento e a especialização do sector, muito unida, no seu início, a membros da hierarquia e leigos católicos comprometidos neste campo. A atenção a este fenómeno parte dos próprios papas e já Leão XIII, em 1882, escreve a carta Cognita Nobis sobre a imprensa católica, favorecendo o aparecimento de publicistas e jornalistas católicos, nomeadamente entre os eclesiásticos. Em 1895, a Santa Sé realizou um inquérito em vários países sobre a situação do jornalismo católico em cada um deles. O mesmo aconteceu em Portugal, num estudo do militante católico Manuel Frutuoso da Fonseca que concluiu que, entre 1840 e 1895, foram publicados 66 jornais católicos, embora algumas destas publicações tenham tido um número pouco significativo de exemplares (FONTES, 2002). Nos finais do séc. XIX desenvolveu-se o chamado apostolado da “boa imprensa", com destaque para o Congresso dos Escritores e Oradores Católicos (Porto, 1871-1872) e o Congresso dos Jornalistas Católicos Portugueses (Lisboa, 1905), realizado por proposta de Abúndio da Silva, iniciativa que estaria na origem da criação de comissões diocesanas da Liga da Boa Imprensa. A primeira exposição da imprensa católica, realizada em dezembro de 1943, revelava a existência de mais de uma centena de títulos, incluindo entre os quotidianos O Jornal do Funchal. A tipologia da altura dividia as publicações em imprensa católica “oficial”, “oficiosa” e “independente”. O decreto do Concílio Vaticano II sobre os meios de comunicação social, Inter Mirifica, publicado em 1966 pelo papa Paulo VI, retomava as preocupações com a promoção da “boa imprensa”, com a intenção de formar e promover uma opinião pública em consonância com a doutrina e os princípios católicos, para conseguir um “critério cristão” sobre todos os acontecimentos. A imprensa na Madeira e o seu contexto político O surgimento da imprensa na Madeira está intimamente associado à revolução liberal de 1820, que veio colocar em causa o primado ideológico e político do catolicismo, situação que se viria a agravar com a expropriação e expulsão das ordens religiosas, e com uma crescente intromissão reguladora do poder político na esfera religiosa. O processo de secularização laicizante das sociedades liberais gerou novos protagonismos e novas autonomias, o que levou a Igreja Católica a servir-se da imprensa para a sua afirmação e expressão doutrinal. O advento do liberalismo representou na Madeira, como em todo o reino português, um momento particularmente delicado para a Igreja Católica, a qual procurou manter-se alerta, reagindo à dinâmica efetiva da maçonaria, que começou a tornar-se ativa e congregadora de muitas personalidades notáveis. Além disso, o ideário católico foi também colocado em causa pelo proselitismo protestante, num choque que acabaria num raro episódio persecutório. Esta dinâmica é retratada na imprensa católica e acabaria por servir de rampa de lançamento para o séc. XX, que levou ao arquipélago movimentos com novas estratégias para envolver mais os leigos e aproximar a Igreja Católica das populações. Face à grande taxa de analfabetismo, a imprensa periódica chegava inicialmente a um grupo muito reduzido da sociedade madeirense, sobretudo no Funchal (além desta cidade, apenas se conhece a imprensa na Ponta de Sol e Santa Cruz), mas nem por isso deixou de ser um meio de divulgação cultural e de combate político. Neste contexto, a 2 de julho de 1821, Nicolau Caetano de Bettencourt Pita iniciava a publicação de O Patriota Funchalense, o primeiro periódico que apareceu na Madeira, com edição bissemanal. No total foram publicados 214 números. Esta publicação empenhou-se na defesa do evento revolucionário de 1820 e permite fazer uma leitura do papel assumido por alguns membros do clero da Diocese do Funchal face à mudança política. O jornal mostra, de forma geral, opiniões favoráveis à aceitação da revolução liberal, elogiando a abertura e a colaboração ativa de vários clérigos (alguns dos quais ali escreviam) na promoção das vantagens da nova ordem nacional. O redator de O Patriota Funchalense elenca os párocos de Santana, Estreito de Camara de Lobos, Campanário, Monte, São Jorge, Ponta Delgada, Machico e Gaula, sublinhando as virtudes e ideias liberais destes e outros membros do clero. Noutro número, tecem-se louvores ao vigário da Ribeira Brava, P.e Januário Vicente Camacho, que promoveu na sua paróquia a aclamação da Constituição. Outra figura particularmente referida é a do P.e João Manuel de Freitas Branco, vigário de São Jorge que foi eleito deputado pela Madeira às Cortes de 1822. No mesmo concelho, o Cón. Jerónimo Álvares da Silva Pinheiro, vigário de Santana, abraçou com entusiasmo o movimento liberal, tornando-se um grande “propagandista revolucionário”. No seu Elucidário Madeirense, Fernando Augusto da Silva associa esta atividade à maçonaria, acusando o Cón. Silva Pinheiro de ter pertencido às sociedades secretas a quem atribui a revolução liberal, posição que justifica com os artigos que o sacerdote escrevia no Patriota Funchalense, sob o pseudónimo de “Estrela do Norte”. A figura do “cura constitucional” era apresentada no jornal O Patriota… como a do verdadeiro homem da Igreja ao serviço da causa da nação, por oposição aos que se “atrevem” a não aceitar a nova ordem política. Em 1823, a 17 de fevereiro, o P.e João Crisóstomo Spínola de Macedo, suplente nas eleições para as Cortes Constituintes, lança o segundo jornal publicado no Funchal, que tinha o título de O Pregador Imparcial da Verdade, da Justiça e da Lei, e que foi publicado durante 34 números. O primeiro exemplar publica uma mensagem relativa às circunstâncias “terribilíssimas” que derivavam do que o sacerdote classificava como “desastrosos” acontecimentos políticos, numa crítica que se prolonga pelas quatro páginas do periódico (O Pregador Imparcial, Funchal, 17 fev. 1823, 1). A lei de censura, estabelecida por decreto de 12 de junho de 1823, acabaria por silenciar a voz dos jornais que então se publicavam: O Patriota Funchalense, O Pregador Imparcial da Verdade, A Atalaia da Liberdade e O Regedor. A partir daqui, verificou-se um período de interregno na imprensa, que só retornou em 1827, com O Funchalense. Joaquim Azevedo e José Ramos publicaram em 1991 um inventário da imprensa católica publicada entre 1820 e 1910. Em relação ao Funchal, além do referido jornal do P.e João Crisóstomo Spínola de Macedo, encontramos em 1858 o Almanach Ecclesiasticum, dirigido pelo P.e António Ribeiro de Vasconcelos. Esta publicação era impressa em Coimbra, mas destinava-se à Diocese do Funchal. No mesmo ano, era publicado A Verdade, órgão da Associação Católica. Em 1875 seria publicado um jornal católico com o mesmo título, dirigido por João Batista de Freitas Leal. Entre 1866 e 1867 são publicados 13 números do Comércio do Funchal, sob a direção do Cón. Abel Martins Ferreira. Este jornal reaparece em 15 de maio de 1910 e é suspenso em 15 de agosto do mesmo ano. O Cón. Alberto César de Oliveira dirige, entre 1872 e 1874, A Lâmpada, publicação de comentário à atualidade política e diocesana que viu serem publicados 51 números. Inocêncio Camacho dirigiu durante 44 números, entre 1879 e 1880, o Religião e Progresso, que se apresentava na sua capa como jornal “religioso, literário, político e científico”, no qual se publicaram, por exemplo, explicações catequéticas sobre figuras bíblicas. Em 1885 era publicado no Funchal O Domingo Catholico, periódico mensal da Obra de Santificação Do Domingo, instituição católica presente em Portugal e no Brasil. O Cón. António Vicente Varela dirigiu durante 191 números (1889-1891) a publicação O Látego, folha política, noticiosa e literária. A Quinzena Religiosa da Ilha da Madeira, órgão da Liga Dominical e da Obra Salesiana dirigido por João Macedo, é publicada a partir de 1900. Em 1911 passa a ser também o órgão da Juventude Católica da Madeira. O órgão oficial da Diocese, Quinzena Religiosa (1901-1912, 254 números), tem como diretor o Cón. António Manuel Ribeiro, que viria a estar na origem do Jornal da Madeira (JM). Foi suspenso em 15 de Setembro de 1910, reiniciando-se a sua publicação em Fevereiro de 1911. Entre 1901 e 1902 foram publicados no Funchal 25 números de A Cruz. Os seminaristas da Diocese editaram, entre 1907 e 1908, a revista de formação católica e social A Esperança. A Ponta do Sol viu nascer, em 1909, o Brado d' Oeste, uma publicação com direção e propriedade de Clemente de Freitas da Silva que se prolongou durante 858 números, até 1918. A partir de 1917 teve como diretor o P.e João Vieira Caetano.   Origem do Diário de Notícias e do Jornal da Madeira Em 1876 o Cón. Alberto César de Oliveira surge com o primeiro jornal diário da Madeira, o Diário de Notícias (DN); 30 anos depois aparece o Jornal, fundado em 1906 pelo Cón. António Manuel Pereira Ribeiro, que desde 1932 passou a chamar-se Jornal da Madeira. As duas publicações viriam a tornar-se as principais referências da imprensa escrita na RAM nas décadas seguintes. A primeira edição do DN do Funchal surgiu a 11 de outubro de 1876, dando origem ao jornal diário mais antigo da Madeira. Na redação e direção do DN, o Cón. Alfredo de Oliveira foi coadjuvado pelo escritor madeirense João de Nóbrega Soares No dia 8 de fevereiro de 1882, seis anos após a primeira edição, Alexandre Fernandes Camacho Júnior, que era proprietário do Diário da Manhã, suspendeu o mesmo e adquiriu o DN, que voltou a mudar de proprietário dois anos depois, ao passar para as mãos de Tristão Câmara. Nos finais do ano 1896, o DN teve a sua sede no centro do Funchal concentrando lá a sua redação, administração e tipografia. Por ocasião da implantação da República, em outubro de 1910, o matutino madeirense pertencia a João Martins, proprietário e editor. Em 1911, o jornal passa a incluir um novo secretário da redação e editor, Francisco da Conceição Rodrigues, um defensor dos valores democráticos, que veio a ocupar a direção do DN,. Em março de 1926, a comissão executiva da Câmara Municipal do Funchal homenageou o DN dando esse mesmo nome a uma das ruas mais movimentadas do Funchal, denominação que se manteve até 1935. Em 1927, foi a vez de Feliciano Soares assumir a direção do DN, seguindo-se o jovem advogado Alberto de Araújo, que se manteve no cargo até maio de 1974. Entretanto, o jornal tinha sido adquirido pela família Blandy, de origem britânica e ligada ao comércio do vinho na Ilha. Armindo Abreu sucedeu a Alberto de Araújo na direção, mas ali permaneceu apenas um mês, tendo sido substituído pelo sociólogo José Manuel Paquete de Oliveira, que tinha sido chefe de redação do JM nos finais da década de 50 (antes de ser ordenado padre), sob a direção do Cón. Agostinho Gonçalves Gomes, então deputado na Assembleia Nacional. Na génese deste periódico encontra-se o Jornal, com o subtítulo “Diário da Tarde”, que veio a público a 27 de março de 1906 pela mão do Cón. António Manuel Pereira Ribeiro; em 22 de novembro de 1923, passou a ser publicado com o título Jornal da Madeira, mas a 1 de janeiro de 1927 foi novamente publicado o n.º 1 de O Jornal, que a 6 de maio de 1931 passou a ter o subtítulo “Diário Regionalista”. No dia 1 de maio de 1932 – data que é assinalada como a de fundação do periódico – foi adquirido pela Diocese do Funchal e continuou a publicar-se com o título O Jornal e o subtítulo “Diário da Manhã”, iniciando-se a sua Série II. A 1 de maio de 1952 voltou a ser publicado com o título Jornal da Madeira, mantendo-se a mesma numeração. O JM apresenta-se como um órgão de comunicação social de inspiração cristã, na tradição do Jornal.   República e Igreja Como aconteceu na revolução liberal de 1820, a nova situação política provocada pela implantação da República, a 5 de outubro de 1910, encontrou forte repercussão na imprensa católica. A reação partiu do próprio episcopado, com uma pastoral assinada por todos os bispos residenciais do continente e pelo coadjutor de Viseu, com data de 24 de dezembro de 1910. A Igreja mostrava a preocupação de proteger a imprensa católica e pedia aos jornalistas que deixassem de lado quaisquer polémicas “irritantes”. Na Madeira, em 1912 começa a ser publicado o Boletim Eclesiástico da Madeira, dirigido pelo Cón. António Manuel Pereira Ribeiro, que viria a ser bispo do Funchal entre 1915 e 1957, depois de ter sido vigário capitular durante três anos. Numa circular de 23 de abril de 1917, D. António Manuel Pereira Ribeiro critica as notícias e informações tendenciosas de quem acusa de promover o “vírus do erro, da desgraça, da irreligião, da licenciosidade e do impudor” (Boletim Eclesiástico da Madeira, Funchal, maio de 1917, 45). Neste ponto, a Madeira seguia o panorama nacional, com novas lideranças eclesiásticas: em diversas dioceses, sobretudo a partir de 1914, assistiu-se ao surgimento de boletins diocesanos que espelhavam de forma orgânica a ação mais autónoma dos bispos face ao regime. O advento da República, com o seu anticlericalismo radical inicial e o regime de separação Igreja/Estado, veio a formar uma elite de militantes católicos no Funchal, com destaque para Juvenal Henriques de Araújo, Antonino Pestana e Manuel Pestana Reis. Surgiram associações caritativas e de ensino, como a Associação Protetora da Mocidade, com a Escola de Artes e Ofícios, fundada em 1921 pelo P.e Laurindo Pestana, e entregue, em 1925, aos Padres Salesianos, e a Liga de Ação Social Cristã (1922), a que se somou a chegada de novas congregações religiosas, como os Irmãos de S. João de Deus (1922) e as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração (1925). O aumento da formação e militância, com os Círculos Católicos e a Juventude Católica, ajuda a um ressurgimento da imprensa católica, com destaque para a revista Esperança (1919-1938) e o jornal Correio da Madeira (1922-1932), onde foi redator, entre outros, o P.e Eduardo Clemente Nunes Pereira. A tentativa falhada de ressuscitar o combate anticlerical inicial, materializada nos jornais A Luz (1919-1922), O Vigilante (1918-1920) e A Razão (1920-1921), não conseguiu impedir a instalação de congregações religiosas, sinal de um bom entendimento entre as autoridades civis e religiosas. A hierarquia católica acabou por acatar o novo regime e colaborar com as instituições políticas vigentes. A 22 de janeiro de 1917, uma pastoral dos bispos apelava à organização dos católicos e à apresentação de candidatos próprios nas eleições para deputados, atitude que pode ser vista como um novo paradigma de atuação da Igreja, que levou ao reforço da sua presença na sociedade portuguesa de então. Ideologicamente, é possível encontrar nalguma imprensa católica da época o legado filosófico e político do tradicionalismo legitimista de um grupo de homens, reunidos à volta da Nação Portuguesa (1914-1926) e do diário A Monarquia (1917-1925), que via na República um mal anunciado desde o liberalismo. Nascia, então, o Integralismo Lusitano, movimento de doutrina e de ação política, inspirado em França, com uma aproximação doutrinária e ideológica entre legitimistas e integralistas, apesar da dificuldade de entendimento no campo monárquico em geral em relação à questão dinástica. A posição da Igreja e dos monárquicos viu-se reforçada pela chegada à Madeira, nos finais de 1921, do ex-imperador Carlos de Áustria, exilado com a esposa, Zita de Bragança Bourbon Parma, neta do rei D. Miguel, e os sete filhos de ambos. O ex-imperador era profundamente católico, tendo escolhido como capelão pessoal o Cón. Homem de Gouveia, visitando as igrejas da cidade e passeando sozinho com a mulher na baixa, tendo recolhido enorme simpatia durante a sua permanência na Ilha. A Igreja na Madeira, no entanto, procurava distanciar-se das questões dos monárquicos e as posições mais radicais dos integralistas eram rejeitadas pela maioria dos elementos do Centro Católico, que se apresentavam, através do Correio da Madeira, a defender independência na política ativa, como propunham as pastorais dos bispos portugueses. A polémica teve como um dos seus protagonistas Alfredo de Freitas Branco, o visconde do Porto da Cruz, o qual surge em vários periódicos a atacar os católicos que se aliavam à República contra as forças monárquicas. O discurso republicano nestes anos passou, essencialmente, pelo DN do Funchal, cujo chefe de redação era Domingos Reis Costa, presidente da comissão executiva da Junta Geral e que seria deputado em 1925. Ao contrário do que aconteceia no JM, as notícias são, essencialmente, vinculadas a partir de jornais de Portugal continental. Em 1921 começou a ser publicado o boletim da Diocese do Funchal, Vida Diocesana, com direção do P.e Manuel Gomes Jardim.   Autonomia O discurso ligado ao integralismo lusitano, por sua vez, foi veiculado no arquipélago, essencialmente, pelo JM, propriedade da Gráfica Madeirense Lda., que tinha como principal acionista o diretor do jornal, Luís Vieira de Castro, assumidamente monárquico, que chegou a líder regional desta causa. No editorial do primeiro número de 1923, abordava-se o tema da descentralização, criticando-se o liberalismo que eliminara as atribuições conferidas pelos velhos forais. O JM procura assumir nesta época um estilo mais claramente de imprensa específica regional, pretendendo libertar-se do noticiário nacional. A esta atenção pela atualidade local somou-se a promoção de uma nova orientação política, nomeadamente a luta regionalista. O periódico tem assim uma orientação ideológica e formativa, que o leva a dedicar mais espaço e atenção aos problemas regionais. O movimento regionalista não se centrou apenas no combate pela autonomia, contando com personalidades que se evidenciaram no estudo e na promoção da história e da cultura madeirenses. Neste contexto, destacam-se as comemorações do V Centenário do Descobrimento da Madeira, que decorreram nos anos de 1922 e 1923, e o projeto de publicação do Elucidário Madeirense, de Fernando Augusto da Silva (em colaboração com Carlos Azevedo de Meneses), uma das personalidades ligadas à chamada tertúlia “O Cenáculo”, que retomava alguns textos publicados em vários jornais do Funchal como o Heraldo da Madeira, o Diário da Madeira e o DN. Fernando Augusto da Silva também coordenou a publicação comemorativa do centenário da Comissão de Propaganda e Publicidade (1922). Durante a República existiram condições para a proliferação dos periódicos, que assumiram um destacado papel no debate público e na promoção da cultura madeirense, como veículo de propaganda política e cultural. O regime de ditadura imposto pelos militares em 1926 introduziu a censura, conduzindo a uma perda de influência da imprensa, em particular a que estava ligada a sectores da oposição, como o trimensário humorístico Re-nhau-nhau, que se publicou de 1929 a 1977, e, a partir da década de 1960, o semanário Comércio do Funchal. Um decreto do bispo D. David Sousa, de 24 de novembro 1960 e que entrou em vigor a 1 de janeiro de 1961, aumentou significativamente o número de paróquias da Diocese do Funchal, criando 50 que foram desmembradas das 52 já existentes e ficando a Diocese com 102 paróquias. Esta decisão repercutiu-se no número de boletins locais. D. João Saraiva, seu sucessor, teria de enfrentar queixas e ações da Censura por causa da orientação do JM. No pós-25 de Abril, ganha relevo a relação entre o futuro presidente regional, Alberto João Jardim, designado como diretor do JM por D. Francisco Santana (1924-1982), bispo do Funchal entre 1974 e 1982, e este prelado, que centralizou a resistência ao gonçalvismo na Madeira. As mudanças políticas que se seguiram ao final do Estado Novo começaram a ser mais visíveis a partir das comemorações do 1.º de Maio, uma manifestação preparada pelo chamado Grupo do Comércio do Funchal e pelo grupo dos “padres do Pombal”, sacerdotes considerados progressistas, com ligações ao movimento de operários católicos, que divulgavam as suas opiniões em vários artigos. O JM, que passou a ser propriedade do Governo Regional, não deixou de divulgar os valores cristãos e contou, desde então, com uma tradição de textos de opinião e documentos oficiais assinados pelos vários bispos diocesanos, com uma atividade assinalável de D. Teodoro de Faria, e a direção, entre 1978 e 2003, do Cón. Tomé Velosa, que faleceu em 2010. Ao referido bispo deve-se a aposta num serviço diocesano próprio para as Comunicações Sociais e a criação de umde pastoral, que viu a luz do dia a 26 de março de 1989. Enviado gratuitamente para todas as paróquias, casas religiosas e movimentos apostólicos, o Boletim assumia-se como um órgão de informação sobre a vida da Diocese. Em nota pastoral de 1996, o prelado diocesano sublinhava que a evangelização não dispensa os meios modernos de comunicação social. João Paulo II, o primeiro papa a visitar o arquipélago, a 12 de maio de 1991, recordou o 35.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que se assinalava nessa data, apelando a um sentido de responsabilidade moral por parte dos profissionais do sector. D. António Carrilho, 32.º bispo do Funchal, sublinharia que a ação evangelizadora da Igreja se tornava mais visível com os meios de comunicação social, tendo promovido a criação de um Gabinete de Informação, uma preocupação que se estendeu ao renovado site da Diocese: www.diocesedofunchal.pt (acedido a 28 out. 2015).   Meios católicos A análise dos dois últimos séculos revela a importância que a imprensa católica veio a ocupar na relação da Igreja com o todo da sociedade e na definição do seu papel no debate público; esta intervenção manifestou-se ao longo das sucessivas revoluções e transformações políticas que agitaram o universo católico, o seu sentido de crença e o exercício da cidadania, numa dinâmica que acompanhou o alargamento da rede de títulos a nível da informação geral, da propaganda religiosa e da doutrinação social, num inédito horizonte de laicidade e pluralismo. A este novo relacionamento dos católicos com a sociedade madeirense correspondeu a utilização de meios modernos, da imprensa às tecnologias da comunicação digital. A necessidade de promover a “boa imprensa” levou a um empenhamento direto de várias figuras eclesiásticas, a começar pelo próprio episcopado, nesta tarefa, com a criação de órgãos de comunicação próprios de dimensão regional, e de uma rede de boletins paroquiais que fortaleceu a dinâmica de reaproximação dos fiéis. Na passagem para o séc. XXI, a presença da Igreja Católica na comunicação social fez-se cada vez menos através de meios próprios. O anuário católico da Conferência Episcopal Portuguesa registava em 2014 a existência de 513 meios de comunicação ligados à Igreja (jornais, revistas, boletins, rádios, editoras, tipografias, livrarias), dos quais três na Diocese do Funchal: - O Posto Emissor do Funchal, oficialmente inaugurado a 28 de maio de 1948. É uma sociedade por quotas, pertencendo a maioria do capital social à Diocese do Funchal, que assume no seu estatuto editorial o quadro de valores e princípios da doutrina cristã. - A Rádio Jornal da Madeira. Nascida em 1989, em complementaridade com a atividade do próprio JM, apresenta-se como um órgão de comunicação social de perspetiva cristã. - A Paulinas Livraria do Funchal. Com o carisma de evangelizar através dos meios de comunicação mais modernos, na linha do seu fundador, o Beato Tiago Alberione, as Irmãs Paulinas instalam-se no Funchal em 1972, criando no ano seguinte a Livraria Paulinas. Este estabelecimento nasceu e desenvolveu-se como um polo de difusão da edição religiosa (livros e produtos multimédia) na Madeira. As Paulinas marcaram também presença na rádio, criando programas semanais de natureza religiosa: “A verdade vos libertará”, começado a emitir em 1974 na Rádio Madeira; “Ama e Viverás” inaugurado no Posto Emissor do Funchal em 1978; e “Amanhã é Festa” iniciado em 1981 na Antena 1 Madeira. - O suplemento Pedras Vivas (JM), com 12 páginas, publicado ao domingo, que é o principal espaço dedicado à Igreja Católica na imprensa madeirense, num jornal detido na quase totalidade (99,98 %), pelo Governo Regional da Madeira. A 27 de agosto de 2015, a Diocese do Funchal anunciava, em comunicado divulgado através da sua página na Internet, o final da sua participação na empresa Jornal da Madeira, Lda., em ordem à sua privatização, reservando para si o título original de Jornal da Madeira e do suplemento semanal Pedras Vivas. A 1 de setembro de 2015 era publicado o primeiro número do novo matutino regional JM, já sem a participação da Diocese do Funchal. O periódico apresentou-se como “herdeiro de um legado histórico e civilizacional de tradição judaico-cristã que moldou o povo madeirense” (“Estatuto editorial”, JM, Funchal, 01 set. 2015, 1).   Imprensa regional Alexandre Manuel, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, apresentou em 2013 um trabalho sobre a imprensa regional da Igreja Católica em Portugal, revelando que os seus cerca de 800 títulos são lidos por cerca de metade da população portuguesa com mais de 15 anos. O estudo confirma que o caminho da imprensa católica em Portugal no séc. XXI foi cada vez mais de aposta na proximidade e na regionalização, face ao fracasso de projetos nacionais, em particular de um jornal de referência – a última experiência aconteceu, por iniciativa do Patriarcado de Lisboa, com o semanário Nova Terra, em 1975. O percurso da imprensa católica na Madeira mostra, a este respeito, que a questão da presença da Igreja no debate público não se limita ao facto de dispor de “púlpitos” próprios para transmitir a sua mensagem, mas se reflete na aposta por estar representada nos locais onde se faz opinião. O panorama geral da imprensa na Região foi traçado pela ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social –, a qual contabilizava, a 7 de dezembro de 2009, um total de 728 jornais locais e regionais, dos quais apenas 11 (1,5 % do total) na Madeira.   Imprensa missionária Em 2014, a Associação de Imprensa de Inspiração Cristã tinha como único associado registado da Diocese do Funchal a revista trimestral O Reino do Coração de Jesus, fundada pelos religiosos dehonianos em 1958. Aos católicos madeirenses, no entanto, chegam várias publicações das ordens e congregações religiosas no país, como a Boa Nova, a revista missionária mais antiga em Portugal, mensalmente publicada desde 1924 pela Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas; Missões Franciscanas, mensário da Ordem Franciscana publicado desde 1937; Acção Missionária, jornal lançado em 1940 pela Congregação do Espírito Santo; Fátima Missionária, revista publicada desde 1955 pelo Instituto Missionário da Consolata; Além-Mar, revista publicada desde 1956 pelos Missionários Combonianos que, desde 1966, editam também uma revista para o público juvenil, Audácia. Além destas publicações missionárias, cerca de centena e meia de congregações e institutos de vida consagrada masculinos e femininos, bem como as ordens terceiras, possuem, por norma, publicações informativas ou de carácter espiritual e formativo, com títulos de grande circulação como a revista mensal Família Cristã, publicada em Portugal desde 1954 pelos Paulistas.   Octávio Carmo

Religiões Sociedade e Comunicação Social

invejidade

O termo é considerado no “vocabulário madeirense”, sinónimo de “inveja”, mas não será bem assim. A melhor definição que encontramos é dada por Alberto Arthur Sarmento quando fala sobre os problemas em torno da construção e do funcionamento da estufa de John Light Banger, no Funchal, em 1768: “É termo bem característico madeirense – a invejidade, significando a inveja mal reprimida, encapotada, que mói e ginga, repisa e muito gira, a lançar mão de todos os meios para se alastrar, procurando anular a sombra que a escurece e molesta, húmida e fria, infiltrante, deprimindo o que é alheio, a roçar-se a esquina, para realização dos seus fins. É a inveja dinâmica, sem sentido, nem direção, impando uma coragem embexigada pela vacina do medo” (SARMENTO, 1944, 29). A inveja é um dos sete pecados capitais e pode ser entendida como o desejo de alguém em relação a determinados atributos, posses ou status do outro. Este sentimento materializa-se através de uma certa atitude do olhar, a que se chama “mau-olhado”, “olho gordo” ou “roxo”. Através do pensamento ou de tal atitude do olhar, atingimos os outros, provocando danos. Daí a necessidade de “limpar” ou desfazer esta energia. Para afastar os efeitos da invejidade, usam-se plantas, raízes, sementes e ervas, sob a forma de defumações e banhos que têm o efeito de purificar, proteger ou curar. Nos jardins de muitas casas madeirenses, há uma planta de alecrim, em conjunto com uma pimenteira e arruda, com o mesmo objetivo. O alecrim é mesmo conhecido como a “erva das bruxas”, sendo usado “para defesa dos domicílios e amuleto pessoal contra a inveja e mau olhado” (PEREIRA, I, 1989, 189). Para sarar esta inveja, é usual os madeirenses socorrem-se de curandeiros, que fazem umas rezas apoiados nas referidas plantas. E Sarmento refere-nos uma das muitas preces que existem na tradição popular: “Eu te curo de olhado mal invejado e empresado, em o nome que o padre te pôs na pia, com o nome de Deus e da Virge-Maria e das três pessoas da Santíssima Trindade. Se está mal invejada, no seu comer, ou no seu beber, no seu vestir, no seu calçar, no seu ter, na sua boniteza, na sua formosura [...] na sua gordura, no seu andar; quem invejou com mau mado não torne a invejar. Arrebenta-te, cão, vai-te p’ra o inferno. Alecrim verde, que nasce no campo, tirai este mal e este quebranto. Home bom, mulher irada, palhas aguadas, por onde este mal entrou por lá saia. Credo, três vezes credo, arrebenta cão nas profundas do inferno” (SARMENTO, 1912, 114-115). A diversidade destas rezas, o numeroso grupo de curandeiros que existe em quase todas as localidades da Madeira, bem como a insistente presença das plantas em questão nos jardins locais, nomeadamente na entrada das casas, indiciam que, no começo do séc. XXI, esta tradição se mantinha ativa na Madeira e que a inveja tinha aí um terreno fértil para medrar. Neste período, ao grupo de plantas que, por tradição, os madeirenses sempre usaram, juntaram-se outras, como a chamada língua de sogra ou espada de S. Jorge (Sansevieria trifasciata), o asplênio (Asplenium nidus) e as zamioculcas (Zamioculcas zamiifolia). Daqui ressalta a importância que, cada vez mais, a etnobotânica tem no quotidiano dos madeirenses: sabemos que, de forma clara, as plantas e flores deixaram de ter apenas uma função ornamental para se adequarem a outros papéis, em termos energéticos e espirituais, servindo para a “limpeza” e proteção espiritual de pessoas e casas. A invejidade é um traço comportamental que se torna mais notado em espaços pequenos, definidos pelos madeirenses como poios, mesmo na sociedade global do séc. XXI: ninguém larga o seu poio, ou seja, os seus hábitos, usos e costumes, as suas atitudes e os seus sentimentos. Não há estudos de caráter sociológico sobre os comportamentos dos madeirenses nos sécs. XX e XXI que permitam entender este particular. Também no campo da história, faltam estudos ou relatos que permitam entender a diversidade de atitudes e comportamentos que definem o madeirense. A invejidade é a cobiça refinada e destrutiva que limita o progresso e o convívio social. Não é visível em poucas palavras, manifestações e olhares. Funciona como uma mão invisível que todos negam, mas que está presente de forma diária nas atitudes, nos desejos e nas palavras da população e que se torna expressiva, por exemplo, na literatura popular madeirense, nas quadras que o povo canta. Com efeito, encontramos aí um discurso moral no sentido da sua erradicação: “Inveja é pranta ruim / Que lavra por toda terra. / Se traz raízes no mar / Já bota as folhas na serra” (PORTO DA CRUZ, 1954, 14). Na imprensa, como na literatura, é frequente o tema da invejosidade ou da inveja, atitude que aparece como um dos males que assola a Ilha. Assim, em 1874, alguém que assinou sob o pseudónimo de J. Fausto afirmava: “Das mesquinhas intrigas de inveja, de que está desgraçadamente infecionado o solo madeirense” (Estrella Litteraria, 1874, 4). Depois, em 1912, o já citado Alberto Arthur Sarmento, num conto sobre “A camada de olhado”, refere que a invejidade “em matéria de malefícios era d’arromba” (SARMENTO, 1912, 150). Ainda o mesmo autor, na questão sobre a estufa para beneficiação do trigo construída junto ao Pilar de Banger, dedica um capítulo ao que chama “a invejidade” para ilustrar os problemas decorrentes da construção dessa obra (Id., 1944, 30). Para além disso, temos alguns ditados populares que são expressivos, quanto à generalização da inveja. Em 1952, pode ler-se no periódico Re-nhau-nhau o seguinte adágio popular: “Se a inveja fosse tinha toda a gente andava tinhosa” (Re-nhau-nhau, 10 abr. 1952, 2). Depois, em 1996, afirmou-se no mesmo que “ambições, invejas, caprichos, interesses, egoísmos andam com os homens por onde eles vão para todos os rumos, não há direção que não sigam essas fraquezas da raça humana” (Id., 14 jan. 1996, 4). Vale a pena recordar que, em 1882, no Diário da Tarde, ao comentar-se os problemas e as reclamações em torno da ação do visconde de Canavial, foi afirmado: “ Ai! Se a inveja fosse tinha...” (Diário da Tarde, 21 dez. 1882, 2). É certo que estamos perante uma atitude universal, mas que ganha significado e evidência em espaços pequenos e a pequenez do “poio” pode ser um meio facilitador da sua propagação. Talvez por essa razão, Ferreira de Castro acentuou a questão, escrevendo “todos [...] os seus ódios, as suas invejas” (CASTRO, 1977, 159) e a escritora Agustina Bessa Luís, ao escrever sobre a Madeira, refere “a inveja e o ódio de muitos séculos” (LUÍS, 1996, 16).     Alberto Vieira (atualizado a 04.02.2017)

Cultura e Tradições Populares Sociedade e Comunicação Social