moçambique
A mais antiga referência que existe sobre a região de Moçambique está relacionada com o açúcar da ilha da Madeira, pois foi com conservas madeirenses que Vasco da Gama, aquando da sua primeira viagem, presenteou o xeque de Moçambique. Isto aconteceu porque os Portugueses sabiam que aquelas conservas seriam presentes muito apreciados no mundo islâmico. Este foi um episódio que marcou o início das relações da Ilha com aquela região de África e que, ao longo dos tempos, permitiu outras oportunidades. No séc. XVI, em 1588, o primeiro bispo nomeado para o Japão, o Jesuíta madeirense Sebastião de Morais, faleceu em Moçambique, quando seguia de viagem para tomar posse do bispado. António de Abreu, do Arco da Calheta, andou pelo Oriente desde 1511 e prestou serviços importantes à Coroa. Em 1526, quando foi nomeado capitão-mor de Malaca, foi obrigado a invernar em Moçambique. Na centúria seguinte, em 1642, Francisco Fernandez Furna, dedicado ao tráfico de escravos, criou uma empresa para o comércio em Moçambique, na Índia e na China. Depois, foi muito importante, no cimentar das relações de Moçambique com a Madeira, a presença de madeirenses ilustres nesse terriório, e.g. Aires de Ornelas (1866-1930), D. Manuel Ferreira Cabral (1918-1981), e D. Teodósio Clemente Gouveia (1889-1962): o primeiro como governador-geral de Moçambique (de 1896 a 1906), o segundo como arcebispo de Moçambique (de 1936 a 1962) e o terceiro como bispo da Beira (de 1967 a 1971). É necessário ainda assinalar a passagem pelo Funchal, em viagem de retorno, do Maj. Joaquim Mouzinho de Albuquerque, que desempenhava o cargo de comissário régio em Moçambique. À sua chegada ao Funchal, a 7 de dezembro de 1897, foi muito saudado, com um jantar no Palácio de S. Lourenço e com um espetáculo de música e iluminações no Jardim Municipal. Partiu para Lisboa, no dia 12 de dezembro. É precisamente durante o período do governador natural da Camacha que surgiram dados sobre o movimento de emigrantes, assinalando-se, entre 1872 e 1915, através dos registos de passaporte, a intenção de 391 madeirenses emigrarem para Moçambique. Destes, apenas um manifestou concretamente o seu destino final – a Beira; pensa-se que os demais se dirigiam à então Lourenço Marques (posterior Maputo) e que, depois, se decidiram por outros destinos. Outros faziam de Lourenço Marques uma escala para entrarem na África do Sul, como foi o caso de Joe Berardo, que em 1963 aportou em Moçambique, e de outros que tentavam, desta forma, escapar à Guerra Colonial. Para o período de 1930 a 1948, existem dados sobre a emigração de madeirenses para Moçambique, através da documentação do arquivo da Agência Ferraz. Por aqui, sabe-se que saíram 122 madeirenses. Outras fontes indicam que, em 1935, saíram 226 madeirenses e que, num período de 10 anos, Moçambique recebeu 389 emigrantes da Ilha. O grupo associado à Agência Ferraz fixou-se maioritariamente na capital, e apenas 24 seguiram para outros destinos, e.g. Beira, Manhiça, João Belo, Vila Cabral, Quelimane, Ressano Garcia, Namaacha, São Jerónimo/Magude, Malhadugene. A proveniência destes também é maioritariamente da Calheta, com particular incidência para a freguesia do Estreito da Calheta, da qual partiram 33 madeirenses, representando 31 % das diversas freguesias do concelho, donde saíram 75 moradores. Se se considerar o perfil destes emigrantes, constata-se que foram maioritariamente ligados à terra, pois 49,2 % foram identificados, em termos profissionais, como agricultores e lavradores. Também havia indivíduos de outros ofícios (pedreiro, carpinteiro, padeiro, moleiro, mestre de obras, trabalhador) e de outras atividades (empregada doméstica, empregado de comércio, proprietário, construtor civil, estudante, funcionário público, comerciante). Atente-se que a Madeira podia ser também uma etapa para chegar aos altos cargos de administração em Moçambique, tendo-se verificado isto no caso de António Manuel de Castro e Mendonça, que foi governador da Ilha, de São Paulo, e, entre 1809 e 1812, de Moçambique. O mesmo sucederia com Gabriel Teixeira e Sebastião Xavier Botelho, que, da Madeira, passou para idênticas funções em Moçambique. Este grupo de madeirenses que saíram para Moçambique foi oriundo de diversas freguesias do Funchal (Santo António, São Martinho, São Gonçalo, Santa Maria Maior, São Pedro, Santa Luzia, Sé) e rurais (Estreito e Arco da Calheta, Calheta, São Vicente, Paul do Mar, Porto Moniz, Fajã da Ovelha, Ribeira da Janela, Prazeres, Santana, Gaula, Ponta de Sol, Madalena do Mar, Porto Santo, Ponta do Pargo, Porto da Cruz). O grupo mais numeroso, com 134 madeirenses (34 %), era proveniente do Estreito da Calheta. Deve-se ainda referir a emigração forçada, com a pena de degredo, que aconteceu em algumas situações. Em 1828, houve o degredo de Luiz Pimenta de Aguiar, por razões políticas, nunca regressando à Ilha. Seguiu-se o P.e João Rodrigues Pestana, da Calheta, em 1886. Em 1887, assinalou-se o degredo de João Reinolds, do Porto Santo. Os registos históricos documentaram muitos madeirenses que se dirigiram para Moçambique e tiveram um papel de relevo na colónia, e.g. militares, médicos e funcionários do Estado. O Com. João Inocêncio Camacho de Freitas, que foi governador civil da Madeira entre 1951 e 1969, procedeu a levantamentos hidrográficos em Moçambique. Outros, de que ficaram notícias, foram: Aires Ferreira Sousa (1867-1947); Alexandre José Sarsfield (1856-1926); Alfredo França Dória Nóbrega (1897-1979); Álvaro de Sousa Drumond Borges (n. 1897); António Américo da Costa Pereira (1879-1922); António Avelino Afonso (1872-1964); António Félix Pita Júnior (1895-1951); Cândido Augusto Pereira (1892-1956); Daniel Pereira Pestana (1824-1906); Elmano de Freitas Moura (n. 1932); Emanuel da Paz Correia Aguiar (n. 1940); Francisco Silvestre Varela (1883-1963); Gabriel Maurício Teixeira (1897-1973); Jacinto Ferreira Rodrigues Baptista (1883-1936); Jacinto Sebastião Spínola (1881-1951); Jaime de Campos Ramalho (1873-1935); Jaime Martinho Ferreira Leal (1888-1962); João António de Bianchi (1884-1969); João de Freitas Alves (1926-1998); João de Silvério Caldeira; João Gomes de Abreu (1888-1958); João Inocêncio Camacho de Freitas (1899-1969); Joaquim do Espírito Santo Mota de Vasconcelos (1902-1976); Jordão Abel Rodrigues (1880-1956); Jorge Teófilo Jardim Bulher (n. 1926); Jorge de Almada Schiappa de Azevedo (1905-1972); José Afonso (n. 1912); José Almada (1888-1979); José Carlos de Vasconcelos (1878-1933); José de Freitas Soares (n. 1908); José Gonçalves Costa (1899-1967); José Gonçalves Costa (1899-1968); José J. Ferreira; José Joaquim de Freitas Ferraz (n. 1821); Leonel Câmara (n. 1923); Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939); Luís Camacho Barbeito (1902-1971); Luís Vieira de Castro (1921-1984); Manuel de Sousa Brazão (1884-1923); Manuel Ferreira Rosa (n. 1898); Manuel Gonçalves Alegria (1919-1977); Manuel Leovegildo Rodrigues (1881-1959); Manuel Simão Rodrigues (n. 1932); Manuel Teodoro dos Ramos (n. 1925); Nicolau António de Sousa Drumond Borges (n. 1923); Teófilo de Andrade Rodrigues (1912-1980); Tomás de Jose Basto Machado (n. 1913); Tomás José Basto Machado (n. 1913); Vasco da Gama Andrade Rodrigues (n. 1909); Vasco da Gama Pestana (n. 1907); Vasco da Gama Rodrigues (1888-1977). Por fim, a testemunhar a influência e presença de madeirenses em Lourenço Marques, destaca-se, naquela cidade, uma casa típica da Madeira. Alberto Vieira (atualizado a 24.02.2018)
mcandrew, robert
Mercador e proprietário de barco nascido em Wandsworth, Londres, em 1802. Era filho do mercador e transportador de fruta William McAndrew. Com a morte do pai em 1819, assumiu, com o irmão, o negócio da família. A partir de 1830, MacAndrew manifesta o seu interesse pela história natural, entrando em 1834 para a Literary and Philosophical Society of Liverpool. Os negócios e viagens que realizou, em Portugal e Espanha, permitiram que reunisse coleções de conchas e que procedesse ao seu estudo. Estabeleceu contactos com Edward Forbes e com outros estudiosos da especialidade, como John Goodsir (1814-1867), James Smith (1782-1867) e John Gwyn Jeffreys (1809-1885). Pertenceu a diversas associações científicas, como a Linnean Society, da qual foi nomeado membro em 1847, e a prestigiada Royal Society, que integrou em 1853. Além disso foi, entre 1856 e 1857, presidente da Literary and Philosophical Society of Liverpool. Em 1872, recebeu, juntamente com Arturo Issel (1842-1922), o Prix Savigny da Académie des Sciences pelo estudo “Report on the Mollusca Testaceous Obtained during a Dredging-Excursion in the Gulf of Suez in the Months of February and March 1869”. Entre 1845 e 1870, publicou diversos estudos sobre os moluscos das costas atlânticas e mediterrânicas. De entre estes, assinala-se a publicação em 1853, na cidade de Liverpool, do estudo “On the Geographical Distribution of Testaceous Mollusca in the North-East Atlantic and Neighbouring Seas”, no qual refere 156 espécies de moluscos marinhos que encontrou nos mares da Madeira. Em 1873, MacAndrew doou a sua coleção de moluscos, que continha dezenas de milhares de espécies, e a sua biblioteca à Universidade de Cambridge. Faleceu no mesmo ano em Middlesex, Londres. Obras de Robert MacAndrew: “On the Geographical Distribution of Testaceous Mollusca in the North-East Atlantic and Neighbouring Seas” (1853); “Report on the Mollusca Testaceous Obtained during a Dredging-Excursion in the Gulf of Suez in the Months of February and March 1869” (1870). Alberto Vieira (atualizado a 01.02.2018)
pernambuco
O Brasil exerceu, ao longo da história, um certo fascínio sobre os insulares, que se encontram ligados ao seu processo de construção desde o início. Nos sécs. XVI e XVII, destacou-se a presença de madeirenses, de norte a sul do Brasil, como lavradores e mestres de engenho, que foram pioneiros na definição da agricultura de exportação baseada na cana-de-açúcar, funcionários, que consolidaram as instituições locais e régias, e militares, que se bateram em diversos momentos pela soberania portuguesa. O forte impacto madeirense nos primórdios da sociedade brasileira levou Evaldo Cabral de Mello a definir a capitania de S. Vicente como a “Nova Madeira”. Evaldo Cabral de Mello Neto e José António Gonsalves de Mello são aliás raros exemplos na historiografia brasileira de valorização desta presença madeirense. Os primórdios da colonização do Brasil estão ligados à Madeira, tendo-se estabelecido uma ponte entre a Ilha e as colónias do Brasil. Os primeiros engenhos açucareiros foram construídos por mestres madeirenses. Na Baía, em Pernambuco e em Paraíba encontramos muitos madeirenses ligados à safra açucareira, como técnicos ou donos de engenho. A Madeira também serviu de modelo no processo de colonização do Brasil, nomeadamente no que respeita aos regimes de capitanias hereditárias e das sesmarias, e ainda no aparelho administrativo e religioso, pois o Funchal foi sede de arcebispado entre 1514 e 1533, com jurisdição sobre o Brasil. O progresso económico do Brasil veio despertar a atenção da burguesia madeirense, que emigrou para essa colónia à procura das suas riquezas, em particular o açúcar. Neste sentido, são várias as famílias brasileiras com origem madeirense. É o caso das famílias pernambucanas Regueiras, Saldanha, Moniz Barreto e Cunha, que teve a sua origem no madeirense Pedro da Cunha Andrade. Aos agricultores e técnicos de engenho seguiram-se os aventureiros, os perseguidos da religião (os judeus) e alguns foragidos da justiça. Deste modo, a presença de madeirenses, ainda que mais evidente nas terras de canaviais de Pernambuco, espalhou-se por todo o espaço brasileiro, com focos de maior influência em S. Vicente, na Baía, nas Caraíbas e nos ilhéus. A situação teve eco na historiografia brasileira. Afrânio Peixoto afirmava, em 1936, que a “Madeira foi entreposto, estância de passagem para o Brasil” (VIEIRA, 2004, 14). O processo de transferência de pessoas ganha uma nova vertente no séc. XVIII, com a emigração de casais. Esta foi a solução para resolver os problemas sociais das ilhas e garantir a soberania das terras do Sul brasileiro. Em 1746, temos o envio de casais açorianos e madeirenses para o Sul, como garantia de defesa das fronteiras do Tratado de Madrid. A fundação da cidade de Portalegre é feita por um madeirense, sendo aqui a presença de colonos, fundamentalmente, açoriana. Nos sécs. XIX e XX, o Brasil continuou a ser um destino cobiçado pelos insulares. A história e o quotidiano registam de forma evidente esse movimento. Nos sécs. XVIII e XIX, as ligações comerciais das ilhas com o Brasil mantêm-se suportadas na oferta insular de vinho e vinagre, mantendo-se o retorno de açúcar e aguardente. No séc. XX, o Brasil continuou a ser o El Dorado para os insulares, nomeadamente os madeirenses, que encontram no Rio e em Santos a possibilidade de fuga às dificuldades da guerra ou às difíceis condições de sobrevivência. A Inquisição exercia a sua atividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia a jurisdição de todo o espaço atlântico. A ação do tribunal não era permanente e fazia-se através de visitadores enviados às ilhas. Na Madeira e nos Açores, realizaram-se três visitas: em 1575, por Marcos Teixeira, em 1591-1593, por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-1619, por Francisco Cardoso Tornéo; todavia, só é conhecida a documentação das duas últimas visitas. Nas ilhas, é manifesta a conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação. O Tribunal do Santo Ofício interveio apenas nas ilhas da Madeira e dos Açores, levando a julgamento alguns judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existente e pela sua insistente permanência. No intervalo de tempo entre as visitas, o tribunal fazia-se representar pelo bispo, o clero, os reitores do Colégio dos Jesuítas, os familiares e os comissários do Santo Ofício. A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os principais animadores do relacionamento e do comércio a longa distância. A criação do Tribunal do Santo Ofício em Lisboa obrigou os judeus a avançarem no Atlântico, por força da perseguição que lhes era movida, primeiro para as ilhas, depois para o Brasil. A diáspora fez-se de acordo com os vetores da economia atlântica, pelo que deixava um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi, sem dúvida, um dos principais móbeis da atividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. A par disso, o relacionamento com os portos nórdicos facilitou uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeros cuidados por parte do clero e do Santo Ofício na visita às embarcações que chegavam ao Funchal. Outra motivação para a deslocação dos madeirenses para o Brasil decorria da necessidade de defesa daquele território. A libertação do Maranhão, em 1642, foi obra de António Teixeira Mello, enquanto em Pernambuco a resistência aos holandeses foi organizada desde 1645 por João Fernandes Vieira. Assim, a defesa da soberania portuguesa foi conseguida também com o envio de companhias de soldados desde a Ilha. O envio de soldados madeirenses para o Brasil continuou ao longo do séc. XVII, deste modo, temos a ida, em 1631, de João de Freitas da Silva; em 1632, de Francisco de Bettencourt e Sá; em 1646, de Francisco Figueiroa e, em 1658, de D. Jorge Henriques com 600 homens. Em 1696, temos o envio de 100 soldados para o estado do Maranhão. Já em 1734, a nova leva teve como destino Santos. Em 1774, foram 200 soldados da Madeira na companhia de 1000 homens enviados ao Rio de Janeiro. Para Santa Catarina temos notícia do envio de militares nos sécs. XVII e XVIII, antecedendo o período de colonização insular. Francisco de Figueiroa está, desde 1628, ligado a diversas campanhas em Pernambuco, mas, em 1646, encontrava-se na Madeira quando recebeu do Rei a carta de patente de mestre de campo. O terço de Francisco de Figueiroa é constituído por quatro companhias, sendo uma comandada pelo Cap. Manoel de Azevedo, que já havia servido no Rio de Janeiro, na Baía e em Pernambuco. Manoel Homem d’El-Rei era o capelão nomeado pelo próprio mestre de campo, enquanto António Faria era o ajudante. A despesa deste serviço é coberta pela Provedoria da Fazenda no Funchal, com o dinheiro reservado para a fortificação da Ilha. João de Freitas da Silva, sobrinho de Braz de Freitas da Silva, foi morto em Pernambuco à testa da companhia de 100 homens que havia levantado. Em razão disso teve seu tio, em 07/08/1647, uma comenda de Cristo com 100 cruzados de pensão. Heitor Nunes Berenguer, filho de Cristóvão Berenguer, foi distinguido com uma comenda e hábito da Ordem De Cristo Para seu filho Belchior e uma promessa de 40$000 de pensão, por terem ambos servido na Baía e em Pernambuco (26/10/1648). Francisco foi capitão duma companhia enviada a Angola e serviu também em Pernambuco e Castela. Obteve 30$000 de tença nas obras pias, com hábito de Santiago e alvará de ofício de justiça para quem casasse com sua filha. Joane Mendes de Vasconcelos ajudou no Brasil a matar os flamengos e foi sargento e alferes. Em 12/08/1648, deu-lhe o monarca a mercê de 20$000 réis de pensão, em comenda de Santiago, ou um foro de Setúbal da mesma quantia e hábito daquela Ordem. Apoio financeiro-militar Em 1637, com a ocupação holandesa de Pernambuco, os madeirenses foram convidados a participar com uma finta de 13.000 cruzados, sendo 10.000 angariados pela capitania do Funchal e apenas 3.000 pela capitania de Machico, para as despesas com a restauração do Brasil; este valor foi cobrado a partir do real de água e do cabeção das sisas. Os madeirenses reclamaram, dizendo que o dinheiro fazia falta na Ilha, para a fortificação e preparação da defesa contra os corsários, apontando o caso de 1566. A propósito referem o gasto de 800 cruzados da renda da imposição do vinho com este fim, ao mesmo tempo que manifestam o seu desagrado pela despesa e o mal-estar criado com as três alçadas de 1615. Consideram, ainda, que este encargo sobre o preço do vinho podia afugentar os mercadores do porto. Já a vereação de Machico, em maio, apontava a pobreza da Ilha e as dificuldades que o mesmo finto iria causar aos madeirenses. No processo de defesa do Brasil, destacam-se várias personalidades madeirenses, que ficaram figurando no panteão de heróis libertadores de Pernambuco. Francisco de Figueiroa Nasceu na Madeira nos finais do séc. XVI. Em 1663, dizia ter mais de 60 anos. Foi o mais idoso dos participantes nas guerras de restauração, em Pernambuco. Começou a sua vida militar, em 1615, numa expedição comandada por Manuel Dias de Andrade, com o intuito de expulsar os piratas argelinos que se haviam fixado no Porto Santo. Em 1624, tomou parte na expedição que correu a costa de Portugal, comandada por D. Manuel de Menezes. No mesmo ano, tomou parte na chamada “jornada dos vassalos”, comandada por D. Fradique do Toledo Osório, que recuperou a Baía ao poder holandês. Em 1626, fez parte da armada que se destinava a proteger a frota da Índia nos mares próximos da Europa, onde costumava ser atacada por holandeses e ingleses. Esta expedição foi assolada por grandes temporais, fazendo muitos desaparecidos devido aos naufrágios. Figueiroa salvou-se a nado. Em 1628, embarcou na expedição sob comando de Rui Calaça Borges, com a missão de expulsar da ilha de Fernando de Noronha os holandeses que ali se haviam fixado, comandados pelo famoso pirata “Pé de Pau”. A 10 de janeiro do ano seguinte, estava de volta a Pernambuco. Em fevereiro desse ano, Figueiroa estava, de novo, a enfrentar os holandeses, sob o comando do Cap. Pereira Temudo, a quem coube defender as praias do Rio Tapado e Pau Amarelo, onde haviam desembarcado holandeses. O Cap. Temudo morreu em combate com os holandeses e Francisco Figueiroa foi o escolhido para o substituir. A 25 de fevereiro de 1629, foi mandado para o Forte de S. Jorge, para reforçar a guarnição do Cap. António de Lima, que acabaria derrotada pelos holandeses. Feitos prisioneiros, os portugueses foram obrigados a jurar não tomar arma de novo, o que Figueiroa, entre outros, se recusou a fazer, ficando prisioneiro por algum tempo. Em março, já era referido noutros serviços como capitão. A 10 de agosto, participou na guarnição das obras da trincheira de defesa do vau do Rio Beberibe, no Buraco de Santiago, que os holandeses destruíram a 23 de setembro. Tomou parte na refrega que se seguiu ao incêndio da casa de Francisco do Rego, nas Salinas, permanecendo aqui algum tempo, para defesa de várias casas que os holandeses incendiavam. A 10 de junho de 1631, Figueiroa distinguiu-se na defesa da Estância da Passagem dos Afogados. Em 1633, participou na defesa do Arraial do Bom Jesus, que era alvo de ataque dos holandeses. No ano seguinte, participou na defesa do cabo de Santo Agostinho e suas fortalezas, onde tinham desembarcado os holandeses. Em 1639, dirige-se a Angola, sendo nomeado almirante da expedição. A 20 de abril, a sua nau foi forçada a arribar à ilha da Madeira, por não trazer a carga bem arrumada, chegando a Luanda a 18 de outubro desse ano. Aqui, foi nomeado ouvidor-geral e corregedor da comarca. Exerceu bem estes cargos, administrando a justiça com a mesma qualidade com que guerreava. A 30 de maio de 1641, partiu do Recife uma expedição de 21 navios holandeses, com o objetivo de tomar Luanda e ocupar Angola, de forma a dominar o mercado de escravos da região, que era importante para o fornecimento de mão de obra para os engenhos de Pernambuco. A 17 de maio de 1643, os holandeses atacaram, de surpresa, o Bengo, matando e aprisionando os seus moradores, entre os quais o governador e o ouvidor, Francisco de Figueiroa. Do Bengo, os prisioneiros foram levados a Luanda e, daí, muitos embarcaram para o Recife, entre eles Figueiroa. Do Recife foi para a Baía e dali foi mandado para o reino, no ano de 1644. No princípio do ano de 1646, Figueiroa encontrava-se na Madeira, onde recebeu, em abril, uma carta de D. João IV, a nomeá-lo mestre de campo do terço das ilhas de Pernambuco, indicando-lhe o caminho do Brasil e recomendando que se fizesse acompanhar do maior número de gente das ilhas que pudesse, para socorrer o Brasil de ataques dos holandeses. Em 1647, chega à Baía e, em 1653, ao Recife, distinguindo-se em várias batalhas da guerra da restauração. Em reconhecimento pelos seus serviços, o Rei, em 1654, fez-lhe mercê de uma comenda da Ordem de Cristo, de Santo Ildefonso, do bispado de Coimbra da mesma ordem, e deu-lhe o governo de Cabo Verde e ainda o de Paraíba, caso João Fernandes Vieira não o quisesse. Mais tarde, perante recurso, o Conselho Ultramarino fez-lhe mercê do foro de fidalgo com moradia ordinária. O Rei, a 21 de abril de 1655, concedeu-lhe o foro e acrescentou a promessa do aumento da comenda de 120 para 150$. Não se sabe quando veio Figueiroa para Portugal, mas sabemos que já cá estava, em 1656. A 14 de março, é nomeado para o cargo de governador e capitão-general das ilhas de Cabo Verde, que governou até 1662. Aqui foi objeto de uma devassa, sendo preso, em 1664, solto no ano seguinte, e autorizado a regressar a Portugal. António de Freitas da Silva Foi capitão nas guerras de Pernambuco, general da Armada Real, comendador da Ordem de Cristo e participou na restauração do Brasil. Era descendente de João de Freitas da Silva que, em 1631, levantou, na ilha da Madeira, a suas expensas, uma companhia de 100 homens para servir em Pernambuco, logo após a tomada desta cidade pelos holandeses, perdendo aí a vida. João Fernandes Vieira (c. 1610-1681) São várias as teses sobre a sua filiação, que levantaram dúvidas e controvérsia. Diz-se que nasceu por volta do ano de 1610, filho segundo de Francisco de Ornelas Muniz, do Porto da Cruz; que tinha o nome de Francisco de Ornelas; que fugiu sozinho e por iniciativa própria para o Brasil, com apenas 10 anos, tendo mudado de nome, quando aí chegou, para João Fernandes Vieira. Em Pernambuco, cidade para onde se dirigiu e onde se fixou, serviu como assalariado e, depois, como auxiliar de marchante. No início das invasões holandesas ao Recife, apresentou-se como voluntário para servir na guerra e participou, em 1630, na defesa do forte de S. Jorge, tendo aí ficado três dias e três noites de sentinela. Nesta altura, já gozava de uma situação económica desafogada, dispondo de dois criados ao seu serviço. Em 1635, caiu o Arraial na posse dos holandeses e a amizade que o ligava a Jacob Stachouwer conduziu-o a uma aproximação aos holandeses, com quem estabeleceu estreitas ligações. Inicia-se, aqui, a sua ascensão social e económica na sociedade pernambucana do seu tempo. Em 1638, Stachouwer regressa à Holanda e faz de Vieira seu procurador, assumindo este a administração dos três engenhos daquele (do Meio, Ilhetas e Santana). Em 1639, Vieira era já uma figura de proa da comunidade portuguesa de Pernambuco, sendo o seu nome indicado, em junho desse ano, para o cargo de escabino de Olinda, não sendo, no entanto, o escolhido. A partir daqui, Vieira acomodou-se à governação holandesa, de forma a poder servir os seus interesses de senhor de engenho e de homem de negócios. Em 1640, Vieira considerou-se plenamente vitorioso na sua longa ascensão, de menino de açougue a senhor de engenho de amplos haveres. Após a compra dos três engenhos, que adquiriu a crédito, adiantou dinheiro à Fazenda Real e serviu de intermediário na compra de açúcar para a Companhia das Índias Ocidentais. Contratou a captura de escravos pertencentes aos emigrados de Pernambuco, arrematou o contrato da pensão dos engenhos e, ao mesmo tempo, negociava no Recife com loja de comércio, de que também o encarregara Stachouwer, comprando grandes quantidades de fazendas, de roupas e de escravos. Arrematou a cobrança dos três principais contratos das rendas da colónia. Representou os moradores portugueses da várzea do Capibaribe na assembleia que se reuniu de 27 de agosto a 4 de setembro de 1640. Em 1641, Vieira encarregou-se, por contrato com o Alto Conselho Holandês, de estabelecer dois trapiches nas margens dos rios Capibaribe e Beberibe, para recolher caixas de açúcar. Ainda neste ano, arrematou a cobrança de vários impostos, como os dízimos dos açúcares de Pernambuco, por 154.000 florins, e os de Itamaracá, por 5000 florins, as pensões dos engenhos de Pernambuco, por 29.000 florins, e o dízimo das freguesias de Iguaraçu, S. Lorenço, Paratibe e N.ª Sr.ª da Luz por 5.000 florins. Em outubro de 1641, os holandeses Laureus Cornelissem de Jonge e Jan Sybrantsen Schoutsen trespassaram-lhe o contrato da balança. Ao mesmo tempo, contraiu dívidas enormes. Tomou, à sua conta, os engenhos comprados a crédito por Stachouwer e por este em sociedade com Nicolaes de Ridder, já referidos, comprometendo-se a pagar por eles 119.000 florins. Além destes engenhos, adquiriu escravos e cobres. Vieira possuía também terras onde criava gado e cortava pau-brasil. Foi eleito escabino de Maurícia para os anos de 1641 e 1642, tendo sido reconduzido para o cargo no ano seguinte. Para manter toda esta situação económica, alimentou uma estreita amizade com os holandeses, a quem serviu de conselheiro, obsequiando-os com lautos banquetes. João Fernandes Vieira era por eles considerado como pelos serviços prestados aos holandeses. Comportou-se sempre com dissimulação pois, ao mesmo tempo que colaborava com os holandeses, não se afastou da fidelidade ao seu país, nem deixou de combater ao lado dos que lutavam contra a usurpação holandesa. Em 1638, após a conjura contra os holandeses, interferiu em favor dos presos. A partir de 1641 ou começos de 1642, Vieira fez parte do principal núcleo de reação contra os holandeses, que era o dos senhores de engenho e lavradores da Várzea do Capibaribe, do qual seu sogro era uma das figuras de proa. Todo o prestígio acumulado nestes anos iria fazer dele o chefe, do qual iria depender a vitória ou o fracasso da insurreição pernambucana. A partir de 1645, insatisfeito com o estado de coisas a que chegara a ocupação holandesa, João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros vão liderar a revolta dos naturais da terra pela restauração do território brasileiro, devolvendo-o à soberania portuguesa em 1654, num movimento a que chamaram Insurreição Pernambucana. O movimento começou no engenho S. João da Várzea, a 15 de junho de 1645, onde um grupo de 300 homens derrotou 1200 holandeses. Assim começou a guerra de restauração, que terminou em janeiro de 1654, com a capitulação do Recife. Na sociedade de então, o senhor de engenho era a figura de maior destaque, um verdadeiro senhor feudal, que possuía privilégios e integrava a chamada nobreza terratenente. João Fernandes Vieira rapidamente se tornou feitor-mor, fazendo crescer a sua riqueza graças aos seus esforços e às doações recebidas do seu empregador, Afonso Rodrigues Serrão, e de sua mulher, bem como da amizade com Jacob Stachouwer. Quando morreu, em Olinda, a 10 de janeiro de 1681, era proprietário de 16 engenhos e muitas terras onde criava gado, no Rio Grande do Norte, chegando a promover uma leva migratória de casais madeirenses e açorianos para o Nordeste brasileiro. Comércio Foi o açúcar a principal ou uma das principais causas da rede atlântica de negócios, que perdurou por alguns séculos. A Madeira, que até à primeira metade do séc. XVI havia sido um dos principais mercados do açúcar do Atlântico, cede lugar a outros (Canárias, São Tomé, Brasil e Antilhas). Deste modo, as rotas divergiram para novos mercados, colocando a Ilha numa posição difícil; por um lado, os canaviais foram abandonados na sua quase totalidade, fazendo perigar a manutenção da importante indústria de conservas e doces e, por outro lado, o porto funchalense perdeu a animação que o caracterizara noutras épocas. A solução possível para debelar esta crise foi o recurso ao açúcar brasileiro, usado no consumo interno madeirense, para as indústrias que dele precisavam, ou como animador das relações da Ilha com o mercado europeu. Por isso, os contactos com os portos brasileiros adquiriram uma importância fundamental nas rotas comerciais madeirenses do Atlântico Sul. Tal como refere José Gonçalves Salvador, as ilhas funcionaram, no período de 1609 a 1621, como o “trampolim para o Brasil e Rio da Prata” (SALVADOR, 1978, 247). É o mesmo quem esclarece que estas rotas podiam ser diretas, ou indiretas, sendo estas últimas traçadas através de Angola, São Tomé, Cabo Verde ou da costa da Guiné. O Brasil foi, a partir de finais do séc. XVI, o principal mercado para o vinho Madeira, onde era trocado por açúcar. A Coroa proibiu, em 1598, os mercadores e as embarcações provenientes do Brasil de fazerem escala na Ilha, como forma de defesa do açúcar local. A medida foi considerada lesiva para o comércio do vinho e favorável ao de La Palma. Os madeirenses reclamaram em 1621, obtendo autorização para comerciar o vinho no mercado brasileiro. A partir daqui, os contactos com o Brasil tornaram-se assíduos, afirmando-se pela sua posição dominante no consumo do vinho Madeira. Em 1663, Eduard Barlow conduziu 500 pipas ao Rio de Janeiro, justificando-se a escolha pelo facto de ser o único vinho que se adaptava aos locais quentes. Esta situação favoreceu a frequência do vinho no mercado brasileiro, nomeadamente na Baía e em Pernambuco. Este último porto recebeu, entre 1687 e 1694, um volume de 2249 pipas. As rotas comerciais definiam um circuito de triangulação, de que são exemplo as atividades comerciais de Diogo Fernandes Branco, no período de 1649 a 1652. Desde finais do séc. XVI, estava documentado o comércio do açúcar, servindo os portos do Funchal e de Angra do Heroísmo como entrepostos para a sua saída legal ou de contrabando para a Europa. Este comércio de açúcar do Brasil foi, por imperativos da própria Coroa ou por solicitação dos madeirenses, alvo de frequentes limitações. Assim, em 1591, ficou proibida a descarga do açúcar brasileiro no porto do Funchal, medida que não produziu qualquer efeito, pois, em vereação de 17 de outubro de 1596, foi decidido reclamar junto da Coroa a aplicação plena de tal proibição. Desde 1596 é evidente uma ativa intervenção das autoridades locais na defesa do açúcar de produção local, o que constitui uma prova evidente de que se promovia esta cultura. Em janeiro daquele ano, os vereadores proibiram António Mendes de descarregar o açúcar de Baltazar Dias. Passados três anos, o mesmo surge com outra carga de açúcar da Baía, sendo obrigado a seguir para o seu porto de destino, sem proceder a qualquer descarga. O não acatamento das ordens do município implicava a pena de 200 cruzados e um ano de degredo. Esta situação repete-se com outros navios nos anos subsequentes, até 1611, v.g.: Brás Fernandes Silveira, em 1597; António Lopes, Pedro Fernandes, “o grande”, e Manuel Pires, em 1603; Pero Fernandes e Manuel Fernandes, em 1606; e Manuel Rodrigues, em 1611. A constante pressão dos homens de negócios do Funchal envolvidos neste comércio veio a permitir uma solução de consenso para ambas as partes. Assim, em 1612, ficou estabelecido um contrato entre os mercadores e o município, em que os primeiros se comprometiam a vender um terço do açúcar da Madeira. Note-se que, desde 1599, estava proibida a compra e venda deste açúcar, sendo os infratores punidos com a perda do produto e a coima de 200 cruzados. Mas, a partir de dezembro de 1611, ficou estipulado que a venda de açúcar brasileiro só seria possível após o esgotamento do da Madeira. Por esse motivo, os vereadores entregaram Domingos Dias nas mãos do alcaide, sob prisão, por ter vendido 50 caixas de açúcar brasileiro aos ingleses. Em 1620, a transação do açúcar da Madeira e do Brasil era feita à razão de um por dois, ou seja, por cada caixa do Brasil deviam ser vendidas duas da Ilha, sendo o embarque feito por licença assinada por dois vereadores e um juiz. Para assegurar este controlo, os escravos e barqueiros foram avisados de que, sob pena de 50 cruzados ou dois anos de degredo para África, não poderiam proceder ao embarque de açúcar sem autorização da Câmara. Em 1657, a proporção entre o açúcar da Ilha e o do Brasil açúcar era de metade. Após a restauração da independência de Portugal, o comércio com o Brasil foi alvo de múltiplas regulamentações. Primeiro, foi a criação do monopólio do comércio com o Brasil, através da Companhia criada para esse efeito, depois, o estabelecimento do sistema de comboios para maior segurança da navegação. Desta situação, estabelecida em 1649, ressalva-se o caso particular da Madeira e dos Açores que, a partir de 1650, passaram a poder enviar, isoladamente, dois navios com capacidade para 300 pipas com os produtos da terra, que seriam, posteriormente, trocados por tabaco, açúcar e madeiras. Mais tarde ficou estabelecido que os madeirenses não podiam suplantar as 500 caixas de açúcar. Por determinação de 1664, estes navios pagavam um donativo de 50.000 réis, existindo no Funchal um comissário dos comboios, que procedia à arrecadação dos referidos direitos. No ano de 1676, era Diogo Fernandes Branco quem os administrava. De acordo com as recomendações do Conselho da Fazenda, a arrecadação dos direitos de entrada do açúcar do Brasil era lançada em livro próprio. Estes dados permitem avaliar a importância das relações comerciais entre a Madeira e o Brasil, assentes, predominantemente, no açúcar. Para o período de 1650 a 1691, foi possível identificar 39 navios provenientes da Baía, do Rio de Janeiro, de Pernambuco e do Maranhão, com mais de 10.000 caixas de açúcar. Destes, 18 são navios de Pernambuco, com 3343 caixas de açúcar e 71 caras (i.e., a primeira parte do açúcar da forma, que era o açúcar mais puro e de melhor qualidade). A partir da Baía, do Rio de Janeiro e do Recife, chegava o açúcar, a farinha de pau e o mel. D. Guiomar de Sá assumiu aqui um papel destacado na segunda metade do séc. XVIII. À sua conta, entraram na Ilha 2058 arrobas de açúcar branco e 438 de mascavado, com origem no Rio de Janeiro ou em Pernambuco. Um facto de particular interesse é a participação neste comércio das comunidades da Companhia de Jesus da Baía, do Rio de Janeiro e do Maranhão que, usufruindo do privilégio de isenção dos direitos, também colocavam açúcar das fazendas no mercado madeirense, conduzindo à Ilha 82 caixas de açúcar, sendo 7 do Maranhão, 65 da Baía e 10 do Rio de Janeiro. No séc. XVII, o grosso das exportações em torno do açúcar na Ilha tem como origem o Brasil: em 1620, do açúcar exportado do porto do Funchal, 23.560 arrobas eram do Brasil e 1992 da produção local, enquanto em 1650 surgem só 83 caixas do Brasil e 111 caixas de produção madeirense. Para o período de 1650 a 1691 conseguimos identificar 53 navios provenientes da Baía, do Rio de Janeiro, de Pernambuco, de Paraíba, do Pará e do Maranhão, que conduziram ao Funchal mais de 10.000 caixas de açúcar. O açúcar brasileiro foi, na segunda metade do séc. XVI, uma mercadoria importante do comércio na Ilha e das principais fontes de receita para o Erário Régio. Esse período marca o início da quebra do comércio, que teve repercussões evidentes no negócio de casca e conservas. Assim, em 1779, o governador João Gonçalves da Câmara refere que o comércio da casca estava quase extinto. O movimento das duas embarcações madeirenses consignadas ao comércio com o Brasil fazia-se com toda a descrição, conforme recomendava o Conselho da Fazenda, mediante as licenças, e a sua entrega deveria ser feita no sentido de favorecer todos os mercadores da Ilha. Para estes navios havia uma escrituração à parte na Alfândega. Mesmo assim, nos dados compilados é bem visível a presença, neste tráfico, de embarcações não autorizadas, como se pode verificar pelo movimento de entradas no porto do Funchal. Os navios não incluídos no número estabelecido para a Ilha declaram sempre ser vítimas de um naufrágio ou de ameaças de corsários, o que não os impede de descarregarem sempre algumas caixas de açúcar. Será esta uma forma de iludir as proibições estatuídas. Para o séc. XVIII, o movimento amplia-se, não obstante as insistentes recomendações para o respeito da norma estabelecida no século anterior. Nesta centúria, foi possível reunir 117 licenças para o período de 1736 a 1775, que equivaleram a 151 ligações com Pernambuco, que assumem uma posição dominante à frente da Baía. Neste circuito de escoamento e comércio do açúcar brasileiro, é evidente a intervenção de madeirenses e açorianos. A oferta de vinho ou vinagre era compensada com o acesso ao rendoso comércio do açúcar, tabaco e pau-brasil. Mas o trajeto destas rotas comerciais ampliava-se até ao tráfico negreiro, cobrindo um circuito de triangulação. Para isso, os madeirenses criaram a sua própria rede de negócios, com compatrícios fixos em Angola e no Brasil. Releva-se a figura de Diogo Fernandes Branco, cuja atividade incidia, preferencialmente, na exportação de vinho para Angola, onde o trocava por escravos que, depois, ia vender ao Brasil para conseguir açúcar. O circuito de triangulação fechava-se com a chegada das naus à Ilha, vergadas sob o peso das caixas de açúcar ou dos rolos de tabaco. A partir daqui iniciava-se outro processo de transformação do produto em casca ou conservas. Esta era uma tarefa caseira que ocupava muitas mulheres na cidade e arredores. Os mercadores, como Diogo Fernandes Branco, coordenavam todo o processo, de acordo com as encomendas que recebiam, uma vez que o produto, depois de laborado, deveria ter rápido escoamento. Os principais portos de destino situavam-se no Norte da Europa: Londres, Saint-Malo, Hamburgo, Rochela, Bordéus. Diogo Fernandes surge-nos neste circuito como o interlocutor direto dos mercadores das praças de Lisboa (no caso, Manuel Martins Medina), Londres, Rochela e Bordéus, satisfazendo a sua solicitação de vinho e derivados do açúcar a troco de manufaturas, uma vez que o dinheiro e as letras de câmbio raramente encontravam destinatário na Ilha. A par disso, manteve a sua rede de negócios apoiado em alguns mercadores de Lisboa e das principais cidades brasileiras. São múltiplas as operações comerciais registadas na sua documentação epistolar. À primeira vista, parece-nos que se especializou em duas atividades paralelas: o comércio de vinho para Angola e Brasil, e o de açúcar e derivados para a Europa. Esta situação repercute-se, de modo evidente, na produção e no comércio de casca, que era um dos principais sustentáculos da produção local de açúcar e importação do Brasil. Alberto Vieira (aualizado a 24.02.2018)
jamestown (ilha de santa helena)
É a capital da ilha de Santa Helena no Atlântico sul. Foi fundada em 1659 pela English East India Company e mereceu este nome em honra de James, duque de Yorke e futuro Rei James II de Inglaterra. Foi em Longwood House, próximo desta cidade, na parte norte da ilha, que Napoleão Bonaparte passou os últimos cinco anos da sua vida. À figura de Napoleão, associa-se um período fulgurante da história da Madeira, definido pela dominância do vinho e pela cada vez mais omnipresente posição do Inglês. Talvez por tudo isso, quando o fatídico Imperador passou pela Ilha, em agosto de 1815, a caminho do exílio, o cônsul inglês Henry Veitch não terá encontrado uma melhor lembrança para lhe ofertar que um tonel de vinho. A conjuntura europeia protagonizada por Napoleão fizera com que o vinho madeirense adquirisse uma posição dominante no mercado atlântico, fazendo aumentar a riqueza dos Ingleses, os principais comerciantes e consumidores. Diz a tradição que o tonel com o precioso néctar regressou à Ilha, reclamado pelo doador. O vinho regressado à Madeira multiplicou-se, em 1840, em centenas de garrafas, que fizeram as delícias de inúmeros Ingleses. Churchill, de visita à Ilha em 1950, foi um dos felizes contemplados. Quando se menciona o fim que teve Napoleão, todos, ou quase todos, reclamam a inevitável referência à passagem do mesmo pela Ilha a caminho do cativeiro em Santa Helena e também ao retorno dos seus restos mortais em 1840. Alguns recordam a importante peça literária que, a esse propósito, leu J. Reis Gomes, na sessão da classe de letras da Academia de Ciências, em 18 de janeiro de 1934, publicada, em separado, com o título O Anel do Imperador. Note-se que, na Madeira, o termo “vintage” se refere a um vinho feito de uma casta nobre, numa colheita especial que deve permanecer o mínimo de 20 anos encascado e 2 anos engarrafado. Particulares e empresas dispõem de coleções variadas deste tipo de vinho, sendo a mais famosa a de 1815, engarrafada em 1840 por John Blandy. É do vinho que Napoleão Bonaparte nunca bebeu no exílio em Santa Helena, conhecido como Waterloo Madeira. O desfecho funesto do Imperador Napoleão Bonaparte repercutiu-se de forma evidente na história da Madeira, sendo mais um fator favorável à quase total afirmação da comunidade britânica na Ilha. Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)
jamestown (california)
Foi a primeira cidade fundada pelos primeiros colonos americanos, em 14 de maio de 1607, na Virgínia, numa ilha da margem do rio James. Foi capital de colónia entre 1616 e 1699. Porém, as dificuldades geradas pelos mosquitos e o facto de a água ser imprópria para consumo levaram os colonos a procurar nova morada. Desta forma, a partir do séc. XVIII, a cidade perdeu importância e, nos princípios do séc. XXI, apresenta-se como uma herança em ruínas. Não existe conhecimento de quaisquer ligações diretas à Madeira, mas é muito provável que esses contactos tenham existido em relação ao vinho, cuja presença em solo norte-americano ficou documentada desde a segunda metade do séc. XVII. Jamestown é também um lugar em Tuolumne County, na Califórnia, que tem uma ligação com a Madeira, pois existem referências a madeirenses que aí se fixaram, de acordo com o estudo de Donald Warren sobre John Pereira. A afirmação da Califórnia como destino de emigração enquadra-se na corrida ao ouro, a partir de 1848. É neste quadro que se deve compreender a presença de madeirenses, a partir de Massachusetts ou diretamente da Madeira, por via ferroviária. John Pereira (1814-1902), filho de Francisco Pereira Camacho e Anna de Jesus, é um dos que partiu, em 1838, para os Estados Unidos. Primeiro, foi acolhido em Luisiana, mas a divulgação, a 24 de janeiro de 1848, da notícia da descoberta de uma pepita de ouro, nas margens do rio Yuba, fê-lo mudar de direção. Decidiu então partir à procura do Eldorado na Califórnia, deixando a mulher e filhos em Nova Orleães. Sabe-se que, passado algum tempo, eles se lhe juntaram, pois em 1853 nasceu o terceiro filho, em Jamestown. Foi um dos primeiros a subir o rio Yuba até Foster's Bar e a encontrar as desejadas pepitas de ouro, conseguindo um pecúlio de 1800 dólares, com que iniciou nova vida no acampamento de Jamestown. Com esta pequena fortuna, começou a comprar terrenos e a organizar o seu assentamento num rancho de 124 ha, onde cultivava hortaliças e plantou árvores de fruto, incluindo a vinha. No ano seguinte, não era o único madeirense atraído pelo ouro, estando já registados outros 23, alguns dos quais como trabalhadores no seu rancho. John Pereira era maçon e filiado no Partido Democrata, sendo considerado uma personalidade influente em Jamestown, na medida em que “acumulara bens imóveis de avultado valor e era conhecido de todos como cidadão empreendedor, patenteando muito interesse no bem-estar e no progresso da comunidade”; a par disso, “era um homem de acentuadas opiniões sobre todos os assuntos e, em tempos passados, exercia muita influência no comércio e na política” (WARREN, 2003, 2008). Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)
guanches
Guanches é a designação que mais se vulgarizou para os indígenas das Canárias, mas, na documentação camarária, são conhecidos como escravos «canarios». Na Madeira, estes aborígenes estão testemunhados, pelo menos, como escravos provenientes das ilhas Tenerife, La Palma, La Gomera e Gran Canária. Palavras-chave: Canárias; Escravos; Guanches. Nas Canárias, os guanches são entendidos como os habitantes oriundos da ilha de Tenerife, mas tal designação foi a que mais se vulgarizou para os indígenas das Canárias, sendo também testemunhada por Gaspar Frutuoso quando se refere à população daquelas ilhas de uma forma global. Mas, na documentação camarária do Funchal, são conhecidos como escravos canarios. Também preferimos esta designação à de canários, por forma a não se confundir com o pássaro do mesmo nome. Na Madeira, a presença destes aborígenes das ilhas Canárias está testemunhada, pelo menos, como escravos provenientes das ilhas Tenerife, La Palma, La Gomera e Gran Canária. A informação que sobre estes é possível reunir na documentação é escassa e muito esparsa. A presença dos guanches na Madeira, na condição de escravos, é um dos principais resultados da intromissão dos madeirenses na pretensão portuguesa de conquistar as Canárias. Decorridos apenas 26 anos desde o início do povoamento da Madeira, os madeirenses embrenharam-se na complexa disputa pela posse das Canárias, ao serviço do infante D. Henrique. Desta forma, já na primeira metade do séc. XV, surgiram algumas incursões com partida da Madeira, existindo notícia de três (1425, 1427, 1434), das quais resultou o aprisionamento de escravos. Com a expedição à costa africana de 1445, o madeirense Álvaro de Ornelas fez um desvio à ilha de La Palma, onde tomou alguns indígenas que conduziu à Madeira. Nas inúmeras viagens organizadas por Portugueses, entre 1424 e 1446, surgem escravos como mercadoria que, depois, era vendida na Madeira ou em Lagos. Nos anos de 1445 e 1446, estão também documentadas diversas expedições às Canárias, que contribuíram para o aumento da presa de escravos no arquipélago na Madeira. Em 1445, os dois capitães da ilha – Tristão Vaz e Gonçalves Zarco – enviaram caravelas de reconhecimento à costa africana, mas o fracasso da viagem levou-os, no retorno a procurar presa em La Gomera. Álvaro Fernandes fez dois assaltos em La Gomera e, em 1446, foi enviado por João Gonçalves Zarco, segundo Zurara, com a intenção de realizar alguma presa. É a partir daqui que devemos situar a importância que assumiram os escravos das Canárias na sociedade madeirense. A partir de meados do séc. XV, são assíduas as referências a tais servos na ilha da Madeira, identificados como pastores e mestres de engenho. Estranhamente, nos testamentos do séc. XV, não encontramos nenhuma indicação que abone a sua presença. Para além dos dois que possuía o capitão Simão Gonçalves da Câmara, sabe-se que João Esmeraldo, na Lombada da Ponta do Sol, era também detentor de escravos daquela origem, sem ser referido o número. Cadamosto, na primeira passagem pelo Funchal em 1455, fala-nos de um guanche cristão que se dedicava a fazer apostas sobre o arremesso de pedras. O principal estigma da sociedade madeirense para com este grupo estava relacionado com os fugitivos, que são apresentados como violentos e ladrões. E mesmo entre os demais, as relações não deveriam ser muito boas, uma vez que o senhorio da Madeira determinou, em 1483, uma devassa, seguida de ordem de expulsão, em 1490. De acordo com este último documento, todos os escravos canarios, oriundos de Tenerife, La Palma, La Gomera e Gran Canaria, excetuando-se os mestres de açúcar, as mulheres e as crianças, deveriam ser expulsos do arquipélago. Mas, neste caso, o infante apenas considerou os escravos forros. A 4 de dezembro de 1491, houve uma reunião extraordinária da Câmara para deliberar sobre o assunto. A ela assistiram o capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara, os oficiais concelhios e os homens bons. Ao todo eram 25, e destes, 11 votaram a favor da saída de todos, 9 votaram apenas pela saída dos escravos forros, e 4, pela sua continuidade na Ilha. Dos primeiros, registe-se a opinião de João de Freitas e Martim Lopes, que justificam a sua opção afirmando que todos os guanches, livres ou escravos eram ladrões. Para Mendo Afonso, não era assim que se castigava tais atropelos, pois existia a forca como solução. Em 1503, o problema ainda persistia, ordenando o Rei que todos eles fossem expulsos num prazo de 10 meses. Posteriormente, a Coroa retrocedeu, abrindo uma exceção para aqueles que eram mestres de açúcar e para dois escravos do capitão – Bastiam Rodrigues e Catarina –, por nunca terem sido pastores. As evidências da documentação, complementadas pelos usos e costumes, técnicas de construção e produção e, ainda, pela toponímia, são a expressão de uma relação histórica que abraçou ambos os arquipélagos. De facto, na Madeira, da presença dos canarios, muitas vezes identificados como mouros e índios, ficaram rastos evidentes na documentação, toponímia e tradição oral. No caso da toponímia, que identifica acidentes geográficos e grutas, é de salientar a sua localização no interior da Ilha, o que os relaciona com os fugitivos ou pastores, maioritariamente guanches. Assim, temos alguns vestígios de guanchismo em nomes como pico do Canario, Garachico, Massapez, ilhéu do Guincho; o primeiro parece associar-se à população em causa, e os outros são palavras com origem no dialeto dos guanches. Deste modo, associa-se-lhes a tradição relacionada com a construção de furnas para habitação no concelho da Ribeira Brava e também certos locais de culto religioso, como sucede com a capela cristã do séc. XVII na freguesia de S. Roque do Faial, que teria sido construída no local de um templo associado a estes, ditos mouros. Não é certo se o pico Canário (Santana) e o lugar do Canário (Ponta de Sol) se referem ao escravo ou ao pássaro, comum nestes arquipélagos. Note-se que, em abono do último caso, temos a referência de que João Esmeraldo era possuidor de escravos desta origem na sua Lombada que, não obstante estar perto da vila, pertencia à jurisdição do município do Funchal. Estão referenciadas grutas nos seguintes locais: cais do Campanário, Calhau da Pesqueira (Ponta do Pargo), Furna do Negro (Ribeira Seca), Ribeira da Tabua, Lapa do Castelhano (Paul da Serra), Eira da Moira (Serra de Água), Furna da Moira (Lugar da Serra). Todas as grutas do litoral e do interior denotam uma atualização recente, tornando-se difícil saber a autoria e o início do seu funcionamento. Nos casos das do Campanário e Ponta do Pargo, ligam-se à atividade do mar, enquanto as do interior, se estiverem próximas de terrenos agrícolas, são consideradas armazéns de guarda dos utensílios agrícolas e palheiros para o gado; por seu lado, as da zona de floresta denotam utilização por carvoeiros, pastores e viajantes. Estas estruturas são associadas a túmulos, identificados como originários de mouros, seguindo uma tradição peninsular em que tudo o que não é cristão é merecedor deste epíteto. A par disso, existem no interior da Ilha, nomeadamente na zona do Paul da Serra, diversas estruturas escavadas na rocha que poderão estar associadas à presença destes ou doutros grupos. A influência dos guanches, na condição ou não de escravos, não se fica pelos lugares recônditos da Ilha, pois também chegou ao meio social madeirense. Há ainda outras situações que testemunham esta mútua influência cultural, nomeadamente a generalização do consumo do gofio, que assumiu um papel fundamental na dieta das populações do Porto Santo, com a designação de “gofé”, mas que também surge na Madeira, e.g. na Camacha. Outra aportação desde as Canárias para a Madeira deverá estar nas técnicas ligadas aos meios de transporte do vinho. Assim, o uso de odres – os borrachos na nomenclatura madeirense – para transportar o vinho deverá estar relacionado com esta influência berbere, não obstante o seu uso peninsular, sendo referenciado em Lisboa para o transporte de mel e azeite. Em relação a esta influência canária, na generalização deste meio de transporte do vinho tenha-se em consideração a tradição dos guanches no tratamento dos couros, nomeadamente do gado caprino, que usavam como vestuário ou bota para transporte de líquidos (leite, vinho). O povoamento cinegético das ilhas Desertas com cabras das Canárias, por determinação da Câmara do Funchal de 28 de julho de 1481, poderá ser mais um elemento a corroborar esta situação, tendo em conta o uso preferencial, nos dois espaços, da pele de cabra com a mesma finalidade. Finalmente, tenha-se em conta que, quer os guanches (em Mesquer, na ilha de Fuerteventura) quer os berberes em Marrocos (em Marrakech), tinham instalações para o curtume de peles, cujas estruturas se apresentam semelhantes às que conhecemos na Serra de Água e Tabua, na ilha da Madeira. A situação destas estruturas da Ribeira da Serra da Água e Ribeira da Tabua, em pleno leito da ribeira, indicia, em hipótese, a sua relação com uma indústria de curtumes que deverá ter existido e a que não deverá ser alheia a presença de escravos canarios e mouriscos. Alberto Vieira (atualizado a 13.12.2017)