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mcandrew, robert

Mercador e proprietário de barco nascido em Wandsworth, Londres, em 1802. Era filho do mercador e transportador de fruta William McAndrew. Com a morte do pai em 1819, assumiu, com o irmão, o negócio da família. A partir de 1830, MacAndrew manifesta o seu interesse pela história natural, entrando em 1834 para a Literary and Philosophical Society of Liverpool. Os negócios e viagens que realizou, em Portugal e Espanha, permitiram que reunisse coleções de conchas e que procedesse ao seu estudo. Estabeleceu contactos com Edward Forbes e com outros estudiosos da especialidade, como John Goodsir (1814-1867), James Smith (1782-1867) e John Gwyn Jeffreys (1809-1885). Pertenceu a diversas associações científicas, como a Linnean Society, da qual foi nomeado membro em 1847, e a prestigiada Royal Society, que integrou em 1853. Além disso foi, entre 1856 e 1857, presidente da Literary and Philosophical Society of Liverpool. Em 1872, recebeu, juntamente com Arturo Issel (1842-1922), o Prix Savigny da Académie des Sciences pelo estudo “Report on the Mollusca Testaceous Obtained during a Dredging-Excursion in the Gulf of Suez in the Months of February and March 1869”. Entre 1845 e 1870, publicou diversos estudos sobre os moluscos das costas atlânticas e mediterrânicas. De entre estes, assinala-se a publicação em 1853, na cidade de Liverpool, do estudo “On the Geographical Distribution of Testaceous Mollusca in the North-East Atlantic and Neighbouring Seas”, no qual refere 156 espécies de moluscos marinhos que encontrou nos mares da Madeira. Em 1873, MacAndrew doou a sua coleção de moluscos, que continha dezenas de milhares de espécies, e a sua biblioteca à Universidade de Cambridge. Faleceu no mesmo ano em Middlesex, Londres.   Obras de Robert MacAndrew: “On the Geographical Distribution of Testaceous Mollusca in the North-East Atlantic and Neighbouring Seas” (1853); “Report on the Mollusca Testaceous Obtained during a Dredging-Excursion in the Gulf of Suez in the Months of February and March 1869” (1870).   Alberto Vieira (atualizado a 01.02.2018)

Biologia Marinha Personalidades

posturas

Regulamentos provindos dos corpos administrativos locais, as câmaras municipais, no sentido de adaptar a legislação geral às condições específicas do espaço municipal, visando sempre o benefício da conservação da Ilha. A primeira informação que temos sobre a sua existência na Madeira resulta de uma recomendação feita pelo infante D. Fernando ao capitão do Funchal, a 3 de agosto de 1461, com a indicação de que não interferisse nas posturas e de que estas fossem impostas a todos os funchalenses. Palavras-chave: município; legislação; administração. Ocupam o lugar mais baixo da hierarquia da legislação; são regulamentos locais, provindos dos corpos administrativos, as câmaras municipais, que se faziam “na forma da lei”, no sentido de adaptar a legislação geral às condições específicas do espaço municipal e tinham sempre, como princípio fundamental, o “benefício da conservação da Ilha” (PACHECO, 2002, 96), como se afirmava em 1724. Tal como se dizia em 1524, a todos acometia a obrigação de guardar a ordenação régia e as posturas da câmara. A primeira informação que temos sobre a existência de posturas na Madeira resulta de uma recomendação feita pelo infante D. Fernando ao capitão do Funchal, a 3 de agosto de 1461, no sentido de este não interferir nas posturas e de todos os funchalenses as cumprirem. Depois, em 1468, o infante D. Fernando refere as posturas que Dinis Anes de Grãa, ouvidor do duque, dera aos moradores de Câmara de Lobos. Acrescente-se que, em 21 de junho de 1481, foi feita uma postura para apregoar as posturas. As posturas eram aprovadas em vereação, tombadas em livro próprio e depois divulgadas em público, pelo porteiro da Câmara, através de pregão. A 1 de abril de 1598, fez-se reunião da nobreza e do povo para ler as posturas, que foram depois apregoadas em praça pública. Foram também publicitadas através de edital ou na imprensa, a partir do séc. XIX. Até ao regime liberal, as mesmas eram lidas na praça do pelourinho pelo porteiro da câmara, como referimos, fazendo-o este com alguma frequência e por determinação da vereação. A primeira ordem nesse sentido é de 21 de julho de 1481. Esta faculdade manteve-se sempre como uma prerrogativa fundamental do direito e poder municipais. As alterações de regime, nos sécs. XIX e XX, não retiraram ao município esta capacidade de elaborar as suas posturas e regulamentos. A novidade mais significativa prende-se, certamente, com a sua impressão. Com a República, estas passaram a ser destinadas a regulamentar as situações de polícia urbana e rural, atendendo especialmente às medidas de salubridade pública. A Madeira usufruía, no séc. XV, de condições particulares, com o senhorio e as capitanias, que diferenciavam a sua administração da das demais partes do reino. Todavia, as cartas de doação definem a precariedade deste processo e a capacidade de mandar e julgar, e nunca de legislar. Neste último aspeto, deveriam os capitães sujeitar-se aos forais ou regimentos gerais do reino. A capacidade de legislar surgiu apenas com a afirmação do município. As posturas são a materialização desse anseio, sendo os seus capítulos uma tentativa de dar voz às aspirações de uma região, no caso, o município. A ela se reconhece, assim, o caráter autónomo da administração, sendo o poder assente na jurisdição local (foral e posturas) e no exercício dos magistrados eleitos, destes últimos, os juízes com alguma capacidade jurisdicional. As posturas municipais, mercê da sua dupla fundamentação, refletem, no enunciado, as ordenações régias, reescritas de acordo com as particularidades de cada município e os sentimentos comunitários do justo e do conveniente. A par disso, de acordo com as ordenações afonsinas, o legislador deveria atender “ao prol e bom regimento da terra”. Deste modo, o seu articulado era o espelho da vivência quotidiana do município e da adequação das ordenações e regimentos do reino às novas e particulares condições políticas e económicas locais. Tais condicionantes justificam o seu caráter precário e a permanente mudança desse código, o que conduziu a diversas compilações e originou constantes alterações do articulado; a reforma das posturas sucedeu-se com frequência, como se poderá verificar pela leitura das atas das vereações. Talvez, por isso, em muitos municípios, não se fez a necessária compilação em livro, ficando as posturas apenas lavradas nas atas das vereações em que foram aprovadas. Por outro lado, o facto de serem, por vezes, medidas legislativas de ocasião promovia a sua rápida inadequação e a necessidade da sua reformulação ou revogação. Note-se que, em 18 de julho de 1738, o município do Funchal reuniu em sessão para reformar as posturas, “por não se poderem observar em parte as posturas antigas” (Id., Ibid., 66). As posturas são a fonte mais importante para o estudo do direito local. A circunstância de refletirem, no seu enunciado, as preocupações e domínios de intervenção locais leva-nos a valorizá-las fortemente como fonte para o estudo e conhecimento da realidade municipal. Ao surgirem como normas reguladoras dos múltiplos aspetos do quotidiano do município, são o indício mais marcante da mundividência local. De acordo com as ordenações e regimentos concedidos, o município tinha atribuições legislativas particulares resultantes, nomeadamente, da necessidade de adaptação das disposições gerais do reino às condições do espaço a que seriam aplicadas; por um lado, tínhamos as disposições gerais, estabelecidas pela Coroa e, por outro, as normas de conduta institucionalizadas no direito consuetudinário, que impregna e define as particularidades da vivência local. O município português, nos sécs. XVI e XVII, dispunha de uma ampla autonomia e de uma elevada participação das gentes na governança. Todavia, com o decorrer da prática municipal, essa autonomia acabou por revelar alguns atropelos, que levaram a Coroa a limitar a sua alçada por meio da intervenção de funcionários régios como o corregedor. Tendo em consideração essa ambiência, os monarcas filipinos, aquando da união das coroas peninsulares (1580-1640), procuraram cercear os poderes dos municípios portugueses, procedendo a algumas alterações na sua orgânica. A intervenção e alçada dos cargos municipais definidas nas ordenações e regimentos régios não careciam de uma redefinição no código de posturas e, deste modo, o código das posturas apenas estabelecia normas para a intervenção dos funcionários municipais empenhados na sua aplicação: os rendeiros do verde e os almotacés. As normas para serviço destes funcionários municipais eram da exclusiva competência da vereação e homens-bons e surgem nas posturas. Aos almotacés competia a fiscalização do normal cumprimento das posturas. No ato de juramento deste ofício, insistia-se na necessidade de guardar as posturas e proceder a pregões. Por outro lado, os almotacés davam juramento aos jurados dos lugares para as fazerem cumprir. A partir da República, esta função de fiscalização passou para os guardas cívicos. No Antigo Regime, o município, representado através dos vereadores, eleitos de entre os homens-bons, detinha amplos poderes. Através do código de posturas, normas gerais de conduta aplicáveis a toda a jurisdição, o município intervinha na economia, por meio da regulação do abastecimento local, do aproveitamento das terras e das águas, da definição dos locais de compra e venda dos produtos, do controlo do armazenamento, transporte e distribuição de bens essenciais, como os cereais, do controlo dos preços, pesos e medidas. São poucos os registos e códigos de posturas para os municípios madeirenses. Muitos se perderam ou as compilações não aconteceram na forma da lei. De uma maneira geral, estes encontram-se avulsos em atas das vereações, sendo impressos, como referimos antes, apenas a partir da segunda metade do séc. XIX. Eis as posturas que estão disponíveis em compilações: para o Funchal, posturas, contas e taxas para contas, relativas aos anos de 1481, 1512, 1550, 1572, 1587, 1598, 1598, 1599, 1620, 1625, 1627, 1631, 1649, 1675, 1738, 1745, 1746, 1755, 1769, 1780, 1869-1885, 1920; e registo de regimentos e posturas, relativas a 1789-1851; para Câmara de Lobos, as respeitantes aos anos de 1852, 1855, 1859, 1860, 1863, 1864, 1865; para Machico, as posturas de 1598, 1627, 1780; para o Porto Santo, as de 1780, 1791, 1796. Desde o séc. XIX que a sua publicação é obrigatória, porém, só temos conhecimento da impressão das do Funchal (1849, 1856, 1890, 1895, 1912, 1954), Machico (1598, 1627, 1780, 1856), Porto Moniz (1859, 1890), Santana (1837, 1841), Calheta (1842), Porto do Moniz (1890), São Vicente (1897) e Ponta do Sol (1900). Recorde-se que, na República, a lei n.º 88 de 7 de agosto de 1913 (art. 100.º, n.os 3, 4, 5, 6 e 7; art. 104.º, n.os 1, 3 e 4) determina a obrigatoriedade da comissão executiva municipal proceder à sua publicação. O texto das posturas estabelece as normas que regulam o funcionamento dos cargos municipais e da administração da fazenda municipal, como já indicámos, as atividades económicas, desde a mundividência rural, oficinal e mercantil, às condutas de sociabilidade, através da regularização dos costumes e dos comportamentos de alguns grupos marginais, como as meretrizes, escravos e mancebos, e ainda as regras de salubridade dos espaços públicos. As caraterísticas ou vetores das sociedades e economias insulares refletem-se no articulado das posturas, vale a pena referi-lo de novo. Deste modo, a maior ou menor valoração de determinado tópico é, sem dúvida, resultado da sua premência no quotidiano insular. De acordo com a divisão em sectores de atividade económica, constata-se o predomínio do sector terciário. Esta tendência para a terciarização da realidade socioeconómica deverá resultar, por um lado, do facto de o meio urbano gerar um maior número de situações que carecem da intervenção do legislador e, por outro, da expressão plena do seu domínio na vida económica. É necessário ter em consideração que esta realidade varia nos diversos municípios. No Funchal, os sectores secundário e terciário encontram-se numa situação muito próxima, ao contrário do que sucede com Angra, onde o último tem uma posição dominante. O predomínio dos sectores secundário e terciário poderá resultar de diversos fatores. Em primeiro lugar, convém referenciar que as posturas incidem preferencialmente sobre a urbe, espaço privilegiado para a afirmação do sistema de trocas e oferta de serviços, reanimado pelo seu carácter atlântico e europeu. Além disso, a animação oficinal e comercial do burgo, pelo seu ritmo acelerado, implicava uma maior atenção, mercê também do maior número de situações anómalas. A mundividência rural perpetuava técnicas e relações sociais ancestrais, sendo a sua atividade regulada pela rotina e ritmo das colheitas e estações do ano. De facto, no meio rural, pouco ou nada mudava com o decorrer dos anos. Deste modo, o legislador municipal canalizou a sua atenção para o quotidiano do burgo, marcado pela sucessão de mudanças. Para as sociedades em que a faina rural se tornou importante e definidora dos vetores socioeconómicos, esse espaço não poderia ser menosprezado. A ocupação e exploração do espaço insular fez-se de acordo com os componentes da dieta alimentar do íncola (o trigo e o vinho) e dos produtos impostos pelo mercado europeu para satisfação das necessidades das praças europeias (o açúcar e o pastel). Todavia, o primeiro grupo agrícola, pela sua importância na vivência quotidiana das populações insulares, solicitava maior atenção do município, pelo que 58% das posturas relacionadas com a faina rural incidiam sobre esses produtos, enquanto o grupo sobrante merecia atenção de apenas 15%. A distribuição dos referidos produtos obedecia às orientações da política expansionista da Coroa e dos vetores de subsistência e condições climáticas de cada ilha. Tais condicionantes implicaram uma ambiência peculiar dominada pela complementaridade agrícola das ilhas ou arquipélagos. Deste modo, as posturas organizar-se-ão de acordo com essa característica do mundo insular atlântico, refletindo, no seu articulado, a importância desses produtos na vivência de cada burgo. A abundância ou carência do produto em causa definia situações diversas na intervenção do legislador. No primeiro caso, essa intervenção abrangia todos os aspetos da vida económica do produto. No segundo, incidia preferencialmente sobre o abastecimento do mercado interno, definindo aí normas adequadas ao normal funcionamento desses circuitos de distribuição e troca. Assim se justifica a similar importância atribuída às posturas sobre o vinho. A pecuária assumia, em todo o espaço agrícola insular, uma dimensão fundamental, graças à sua tripla valorização económica (faina agrícola, dieta alimentar e indústria do couro). O seu incentivo conduziu a uma valorização da intervenção municipal na venda de carne nos açougues municipais, bem como das indústrias de curtumes e calçado. Note-se que, ao nível da intervenção do legislador local, essa situação é apresentada na inversa, uma vez que a sua carência implicava uma regulamentação mais cuidada e assídua do senado do que a sua abundância. O desenvolvimento da indústria de couro tinha implicações ao nível da salubridade do burgo, pelo que o senado sentiu a necessidade de regulamentar rigorosamente esta atividade, definindo os locais para curtir e lavar os couros e o modo de laboração dos mesteres ligados a essa indústria. A par disso, procurava-se assegurar a disponibilidade desta matéria-prima para a indústria do calçado, proibindo-se a sua exportação. Esta situação, aliada a outras medidas tendentes à defesa da salubridade do burgo, revela que a pecuária tinha uma importância fundamental nestas ilhas; era daí que se extraiam a carne para a alimentação, os couros para a indústria de curtumes e o estrume para fertilizar as terras, além do usufruto da sua força motriz no transporte ou lavra das terras. Na realidade, era uma grande fonte de riqueza. Uma das mais destacadas preocupações dos municípios insulares resultava dos danos quotidianos do gado solto, não apastorado, sobre as culturas, nomeadamente nas vinhas, searas e canaviais. Daí a necessidade de delimitação das áreas de pasto e a obrigatoriedade de cercar as terras cultivadas. Além disso, um conjunto variado de pragas infestava, com frequência, as culturas, o que obrigava a uma participação conjunta de todos os vizinhos. No domínio agrícola, a atenção do município variava segundo as culturas predominantes. Assim, no Funchal, que abarcava uma das mais importantes áreas de produção açucareira da ilha da Madeira, essa preocupação incidiu sobre os canaviais e engenhos, definindo a cada um o complexo processo de cultura e transformação. Os componentes da dieta alimentar insular adquiriram uma posição relevante na intervenção dos municípios madeirenses, o que demonstra as grandes dificuldades no assegurar dessa necessidade vital. Tal preocupação, no entanto, era muito variável no tempo e no espaço, adequando-se à realidade agrícola de cada urbe e à sua conjuntura produtiva. Deste modo, o seu articulado, para além de refletir a dupla dimensão espaciotemporal, evidencia uma das componentes mais destacadas da alimentação das gentes insulares. Tudo isto resultará, certamente, do facto de a dieta alimentar manter a sua ancestral origem mediterrânica, sendo, deste modo, pouco variada, o que colocava inúmeras dificuldades no abastecimento do meio urbano e justificava o consumo reduzido de legumes e peixe, potenciando o consumo abusivo de pão e vinho. Sendo os mares insulares ricos em peixe e marisco, e toda a vivência dessas populações dominada pelo mar e extensa costa, não se percebe bem o desinteresse pelas riquezas alimentares marítimas em favor da carne. Note-se que as posturas referentes à carne são praticamente o dobro das que referem o peixe. Apenas no Funchal o peixe merece a atenção do legislador; aí regulamenta-se não só a sua venda, mas também a pesca. A importância relevante do pão e da carne na alimentação insular implicou uma redobrada atenção das autoridades municipais sobre a circulação e venda destes produtos, pelo que o código de posturas acompanha todo o processo de criação, transformação, transporte e venda dos mesmos. De igual modo, é atribuída particular atenção ao quotidiano que envolve a atividade das azenhas, dos fornos e do açougue municipal. O moleiro deveria ser habilitado e diligente no seu ofício, tornando-se obrigatório o exame e o juramento anual em vereação. Na sua ação diária, atribuía-se particular atenção ao peso do cereal e da farinha, bem como ao ato de maquiar; na Madeira, essa tarefa estava a cargo de um rendeiro dos moinhos. No Funchal, este domínio mereceu uma cuidada atenção nas posturas. A necessidade de precaver danos na farinha e farelo levou o legislador a proibir a existência de pocilgas e capoeiras nas imediações dos moinhos. Além disso, a animação do espaço circundante tornava necessária a intervenção do município na definição de normas de conduta social, no sentido de moralizar e disciplinar o comportamento dos frequentadores habituais do moinho. Deste modo, não era permitido às mulheres casadas ou mancebas permanecerem aí, ao mesmo tempo que lhes era vedada a prestação de qualquer serviço na moenda. Ao moinho sucedia o forno, coletivo ou privado, que assegurava a cozedura do pão consumido no burgo. A afirmação pública deste espaço resultava da existência das condições do ecossistema insular; na Madeira, após uma fase inicial em que estes eram privilégio do senhorio, assistiu-se a uma excessiva proliferação de fornos no burgo e arredores. Todavia, a maior parte do pão aí consumido era oriundo dos fornos públicos. Deste modo, o município procurava exercer um controlo rigoroso sobre o peso e preço do pão; ambos eram fixados em vereação, de acordo com as reservas de cereais existentes nos celeiros locais. Além disso, em momentos de penúria, era a vereação que procedia à distribuição dos cereais pelas padeiras. A preocupação com o abastecimento de pão surgiu apenas no Funchal, onde foi ativa a intervenção dos almotacés sobre o fornecimento dos cereais e farinha, fabrico do pão, verificação do seu peso, e estabelecimento do preço de venda ao público. Tenha-se em consideração que este município foi pautado, desde finais do séc. XV, por uma extrema carência de cereais, o que gerou, como é óbvio, esta especial atenção por parte da vereação. O açúcar, ao invés, afirmou-se na economia insulana como o principal incentivo para a manutenção e desenvolvimento do sistema de trocas. Tal situação, associada ao caráter especializado da safra do açúcar, tornou necessária a sua coordenação pelo código de posturas na Madeira. A intervenção municipal não se resumiu apenas aos canaviais e ao complexo processo de laboração do açúcar, mas também integrou outros domínios que contribuíam, de modo indireto, para o desenvolvimento da indústria em causa. Assim se justifica a extrema atenção concedida às águas e madeiras, elementos imprescindíveis para a cultura e indústria açucareiras. Neste domínio, a intervenção municipal adequou-se às condições mesológicas de cada área produtora, variando as suas iniciativas de acordo com a maior ou menor disponibilidade de ambos os fatores de produção. Na Madeira, desfrutando a Ilha de um vasto parque florestal e de abundantes caudais de água, não houve necessidade de intervir exageradamente neste domínio, reservando-se a atenção para a safra do engenho. As posturas definem os cuidados a ter com a cultura dos canaviais, o transporte da cana e lenha pelos almocreves, bem como a ação dos diversos mesteres no engenho. A esse numeroso grupo de agentes de produção que asseguravam a laboração do engenho era exigido o máximo esforço para que o açúcar branco extraído apresentasse as qualidades solicitadas pelo mercado consumidor europeu. Deste modo, concedeu-se especial atenção à formação dos mestres de açúcar, refinadores e purgadores, ao mesmo tempo, exigiu-se ao senhor uma seleção criteriosa dos seus agentes, que deveriam prestar juramento em vereação, todos os anos. Essa atuação era reforçada com a intervenção do lealdador, um oficial concelhio que tinha por missão fiscalizar a qualidade do açúcar laborado. O uso abusivo, por parte dos seus agentes, levou o município a estipular pesadas coimas para o roubo de cana, socas, mel e bagaço. Além disso, procurava-se evitar a existência de condições que apelassem ao furto, definindo-se a proibição de posse de porcos a qualquer agente que laborasse no engenho ou a impossibilidade do pagamento dos serviços ser feito em espécie. O processo de laboração e transformação de artefactos era um sector destacado de animação do burgo, ocupando um numeroso grupo de mesteres com assento em áreas ou arruamentos estabelecidos pelo município. A necessidade de um apertado sistema de controlo sobre a classe oficinal, no sentido de promover a qualidade dos artefactos produzidos, e de tabelar os produtos e as tarefas, condicionou essa enorme atenção do legislador insular, ocupando cerca de 20 % das posturas em análise. De acordo com as posturas do séc. XVI, podia-se adquirir potes, alguidares, panelas, tigelas, vasos, púcaros, fogareiros, luminárias, canjirões, mealheiros, talhas. As posturas do séc. XVI referem a prática corrente de alagar o linho nas ribeiras da cidade, com muito dano das águas, pelo que se recomendava o uso de poços separados. A sua cultura espalhou-se por toda a Ilha, ganhando uma posição de destaque nas freguesias do norte, como foi o caso de São Jorge e Santana. Os alfaiates localizam-se na cidade do Funchal, o que poderá significar que, no meio rural, o corte do vestuário era caseiro. Aliás, é aqui que encontramos maior informação sobre esta atividade nas posturas municipais. O município não só regulamentava o feitio das diversas peças de vestuário, como também determinava os preços do produto. É necessário ter em consideração que essa expressão da vida oficinal do burgo não é igual em todas as posturas dos municípios estudados. Apenas no Funchal é patente a sua maior incidência e a variedade dos ofícios abrangidos, sendo menor nos municípios açorianos. A maioria dos ofícios referenciados pertence ao sector secundário e terciário, tendo o primário fraca representatividade. Tal situação expressa a importância que ambos os sectores de atividade assumiam nos municípios e resulta do facto de estes domínios serem mais vulneráveis às mudanças do devir histórico e propiciadores da fraude e furto. Os ofícios são o esqueleto em que assenta a vivência do burgo, pois vivificam e animam toda a atividade dos arruamentos e praças. Donde o grande empenhamento demonstrado pelo código de posturas, onde se destaca a atividade transformadora e o sector da alimentação, sendo maior, no primeiro caso, na indústria do calçado e, no segundo, na moenda do cereal e venda de carne. Também nos sécs. XVI e XVII, os ofícios indicados nas posturas incidem sobre os sectores secundário e terciário, com especial destaque para a atividade transformadora e sector alimentar. O facto vai ao encontro da visão geral do articulado das posturas, mantendo-se, aqui, o predomínio do sector terciário. Apenas no Funchal o secundário se aproxima deste, mercê do elevado desenvolvimento da estrutura oficinal, situação contrastante com a exígua referência e sobriedade dos municípios açorianos, por exemplo. A intervenção do legislador municipal na faina oficinal orientava-se no sentido da regularização dessa atividade. Aí se definia, de modo rigoroso, o processo de laboração e a tabela de preços para as tarefas e artefactos. A qualidade do serviço e produto não resultava apenas da concorrência na praça, mas, fundamentalmente, da vigilância das corporações e da exigência do exame ao aprendiz. O juramento anual associado à necessidade de prestação de fiança completava o controlo municipal. Todavia, na Madeira, os ourives e tanoeiros deveriam apresentar, em vereação, a sua marca, para que constasse nos livros da câmara. A oficina dá lugar ao mercado ou praça, espaço privilegiado para a distribuição e escoamento dos artefactos. Aí, o município redobrava a sua atenção, de modo a estabelecer regras regulamentares do sistema de trocas. Esta surge como uma das suas principais preocupações, pois das posturas que consideramos, cerca de 28% incidem sobre o mercado, repartindo-se essa atuação entre o abastecimento de bens alimentares e artefactos. Nesse domínio, é dada particular atenção aos pesos, medidas e preços. A praça domina o espaço urbanizado, estabelecendo uma peculiar compartimentação dessa área, de acordo com as exigências dos vetores internos e externos da vida económica. Aos edifícios da fiscalidade sucedem-se os armazéns e lojas de venda, orientados a partir desse centro. A importância deste espaço no quotidiano está justificada por uma dupla intervenção, primeiro, submetendo os diversos ofícios à prestação anual de juramento e fiança, depois, por meio de uma intervenção permanente dos almotacés. À vereação estava acometida também a tarefa de estabelecer os preços de venda ao público dos diversos géneros de produção local. Todos os anos, entre outubro e janeiro, eram estabelecidos preços para os produtos colhidos no concelho: vinho, cereais, cebolas, feijão, favas, batata, carne, laranjas, limões, inhame, vimes, cana doce. As atas das vereações e as posturas municipais revelam-nos muitos dos problemas resultantes do abastecimento de bens alimentares e artefactos no mercado madeirense. As posturas são a face visível da intervenção reguladora do município no mercado e comércios interno e externo. Para o mercado local, a intervenção assentava num apertado sistema de vigilância, como antes afirmámos, incidindo sobre os preços de venda de mais bens alimentares e artefactos, fixados em vereação. Já para o mercado externo, a intervenção ia no sentido de limitar as trocas com o exterior aos excedentes ou produtos a isso destinados, de forma a evitar situações de rotura com o abastecimento local, mas quase sempre com grande insucesso, pois, num edital da Câmara do Funchal de 1784, refere-se “o abuso inveterado e a extraordinária relaxação que praticam infinitas pessoas em fraude das posturas deste senado, estabelecidas contra os que exportam para fora da terra géneros que a ela são precisos” (ARM, Câmara Municipal..., Editais, lv. 235, fls. 27-28v.). Mas, porque as posturas e regulamentos protecionistas entravam em conflito com os interesses dos comerciantes e até do próprio Estado, as câmaras perderam estas prerrogativas, em 1836. A ação do município delineava-se de acordo com o nível de desenvolvimento socioeconómico de cada cidade. Os espaços de grande animação comercial necessitavam de maior atenção e de uma regulamentação exaustiva do movimento de entrada e saída, orientada de diferentes formas. A defesa da produção interna implicava, necessariamente, condicionamentos no movimento de entrada. Por outro lado, a carência, nomeadamente de bens alimentares, conduziu ao estabelecimento de medidas incentivadoras da sua entrada e de um controlo rigoroso do seu transporte e armazenamento. Estas últimas posturas estavam apoiadas na limitação imposta à sua saída ou reexportação. Estão incluídos neste caso: cereais, vinho, azeite, pescado, gado, carne, biscoito, linho e couro. Todavia, a intervenção dos municípios insulares foi variável, em consequência de uma situação socioeconómica diversa. Pela importância que têm na vivência das populações insulares, os cereais merecem redobrada atenção no código de posturas. Com efeito, as posturas adaptaram-se à conjuntura cerealífera municipal e insular, o que conduziu a uma permanente mobilidade do seu articulado: de facto, foram das poucas posturas que se alteraram com uma periodicidade mensal ou anual. A fragilidade do plano económico insular, associado à sua extrema dependência do mercado europeu e atlântico, condicionou o nível de desenvolvimento do sistema de trocas, marcado por múltiplas dificuldades no abastecimento. Deste modo, as autoridades municipais fizeram incidir a sua ação sobre o sistema de trocas, de maneira a assegurar a subsistência das populações insulares. Como referimos, o articulado das posturas frumentárias ia ao encontro da conjuntura particular de cada município e, no geral, do mundo insular. Aí definiam-se medidas compatíveis com as reservas de cereais existentes nos granéis públicos e privados, dando-se particular atenção ao preço, peso do pão e contingentes para exportação. É de salientar que, em todos os municípios, quanto ao fabrico da farinha e à necessária intervenção do moleiro, era comum a preocupação dos munícipes e governantes. O vinho faz parte do grupo de culturas ou produtos atingidos por este tipo de medidas protecionistas, mercê da sua importância na dieta e sistema de trocas insulares. As posturas estipulavam medidas de proteção da cultura, nomeadamente em face da depredação do gado nos vinhedos e dos furtos de uvas, bem como normas para a venda do vinho atavernado. No primeiro caso, fixaram a proibição da venda de uvas sem indicação ou licença do dono. No segundo, procuraram evitar os processos fraudulentos na sua venda, com a fuga ao pagamento da imposição e à baldeação de vinhos de diferentes qualidades. Assim, cada taberna só podia dispor de duas pipas de vinho (branco e tinto) e ambas varejadas e abertas por um oficial concelhio, o rendeiro do vinho. A época de abertura do vinho novo, que, de acordo com a tradição, se celebrava pelo S. Martinho (patrono dos alcoólicos, em parceria com S. Plácido e S.ta Bebiana), tinha também expressão nas posturas municipais, definindo, desde tempos recuados, a proibição de beber e vender vinho novo antes desta data (11 de novembro). A carne e o peixe, produtos cuja venda e manuseio exigiam especiais cuidados, ocupam também um lugar de destaque nas posturas. Estabeleceram-se normas reguladoras de todo o processo de circulação e venda. Assim, não era permitida a sua venda fora da praça e, mesmo aí, teria que ser feita por agentes habilitados pela vereação. Deste modo, aos proprietários de barcos, arrais ou pescadores estava vedado o comércio a retalho. Ambos os produtos deveriam ser almotaçados e, depois, postos à venda. A carne, para além do seu corte obrigatório no açougue pelo marchante, que arrematava semanalmente o seu fornecimento ao concelho, tinha a venda permanentemente vigiada por um oficial concelhio. A venda por peso ou medida facilitava o dolo dos vendedores pouco honestos que falsificavam os meios de medição. Deste modo, o município era obrigado a redobrar a sua vigilância sobre o retalhista, sendo o seu alvo principal as vendedeiras. Daí o estipular-se o uso obrigatório de pesos e medidas aferidos pelo padrão municipal, em todas as ilhas, sendo a respetiva conferência anual e a cargo do almotacel. A preocupação do legislador insular incidia mais sobre as questões económicas, que, pela sua importância na vivência quotidiana, justificavam redobrada atenção. A sociabilidade, no acanhado espaço insular, não implicava uma intervenção permanente do município. Além disso, a marginalidade não era preocupante, mercê da coação exercida pela limitação espacial, que impossibilitava uma fácil evasão e proliferação. Em certa medida, essa relativa mobilidade das sociedades insulares, abertas às influências do meio exterior, contribuiu para que se desvanecessem as cambiantes típicas. A urbe, espaço compartimentado da realidade insular, era animada com a ação dos diversos agentes económicos nos domínios da produção, transformação, transporte e comércio. Essa múltipla sociabilidade, resultante de uma escala de estratos socioprofissionais, de forasteiros, vizinhos e marginais, implicava a necessária definição de convivência social adequada à normalidade do quotidiano e relacionamento social. A marginalidade, em terras onde a mão de obra detém uma importante componente escrava, resulta deste grupo social ou daqueles que a ele já pertenceram, os libertos. A eles associam-se os vadios, os mancebos de soldada e as meretrizes. Enquanto os escravos estavam relacionados, preferencialmente, à safra do açúcar, as meretrizes abundavam nas cidades portuárias como o Funchal. Os escravos constituíam, todavia, a principal preocupação dos municípios no domínio social. Deste modo, no articulado das posturas, estabeleceram-se minuciosamente os padrões de comportamento do grupo, estipulando-se os limites da sua sociabilidade, além de outras formas de delimitação ou segregação social. Assim, ao escravo era vedado o acesso a casa própria e mesmo a possibilidade de coabitar na urbe: deveria residir nos anexos da fazenda ou quinta do senhor, não podendo ausentar-se sem a anuência do mesmo. Fora do seu apertado circuito de movimentação, o escravo deveria ser identificável pelo sinal e não podia usar arma, nem permanecer fora de portas após o toque para recolher. Em face disto, o seu quotidiano deveria restringir-se ao serviço da casa e terras do senhor. Acresce que ninguém, nem mesmo os libertos, poderia acolher, alimentar ou esconder qualquer escravo foragido. A defesa da moral pública, devidamente regulamentada nas ordenações do reino, mereceu as necessárias adaptações nas sociedades atlânticas, definindo o espaço e as formas de convívio social locais. Com a finalidade de proteger a reputação da mulher casada, delimitou-se a área de intervenção e convívio da mancebia e coagiu-se o sexo oposto a manter um comportamento regrado com as mulheres na fonte, ribeira e via pública. A promoção das necessárias condições de vida do burgo completou-se com a já referida procura de um nível adequado de salubridade do espaço de convívio e de labor social. A premência das doenças, nomeadamente a peste, colocava a obrigação de o município intervir com medidas sanitárias. Estas acentuaram-se em determinadas áreas, de acordo com o nível de salubridade e de ruralidade associado à animação da atividade oficinal predominante. Da intervenção do município nesse domínio, é de destacar o facto de as preocupações sanitárias resultarem, em parte, da presença considerável de animais no burgo e da sua circulação no local, do uso abusivo da água das fontes, poços, levadas e ribeiras para lavar ou beber e para o uso industrial, mais o necessário asseio das ruas e praças públicas. Daí a necessidade de pôr termo a essa tendência exacerbada de ruralização do meio urbano, delimitando a área de circulação e, no caso da Madeira, a construção de abrigos para os animais, conhecidos como palheiros. A água doce, elemento vital do quotidiano e faina agrícola, particularmente nas ilhas, mereceu atenta regulamentação por parte dos municípios, onde se procurou regularizar o uso do bem, de modo a evitar o seu furto e dano com as atividades artesanais, sobretudo, aquelas que trabalhavam com o linho e o couro. A fonte, espaço privilegiado do quotidiano da urbe, teve especial atenção neste contexto, restringindo-se o seu uso como bebedouro para animais ou estendal de roupa. O Funchal era, sem dúvida, de todos os municípios, aquele que desfrutava de melhores condições de salubridade. A sua situação geográfica, talhada por três ribeiras, associada à delimitação do espaço agrícola, assim o permitem afirmar. Note-se que, nas atas das vereações, bem como no código de posturas, a preocupação com o asseio das ruas e praças é pouco relevante. A adesão da população a estas normas de conduta é atestada pelas infrações, prontamente combatidas pela vereação através das coimas. Por um lado, esta fiscalização repressiva e, por outro, a assídua divulgação das regras, através dos pregões do porteiro da câmara, fizeram com que estas medidas fossem do conhecimento dos munícipes. Aos infratores das normas era imposta uma coima, que consistia em açoites, na prisão ou numa pena pecuniária, que revertia como receita para a câmara. O rendeiro e o alcaide tinham o encargo de aplicar as penas. A coima estabelecida no código de posturas reforçava o articulado da postura, mercê da relação existente entre o valor da mesma e a importância atribuída pelo município a cada aspeto regulamentado. Este regime penal municipal estava a cargo dos rendeiros e do alcaide, procedendo o primeiro à cobrança e o segundo à captura do transgressor, com a prisão estipulada. Note-se que a coima não se resumia apenas ao pagamento pecuniário, podendo ser um misto de moeda e prisão, perda do produto em causa ou, ainda, pagamento dos danos. Com o Estado Novo, as multas aplicadas aos transgressores das posturas passaram a ser partilhadas com o Estado, que arrecadava 25 % do seu valor. Ainda ao nível das sanções, no caso das posturas sobre os danos provocados pelo gado, acumulava à pena o pagamento dos danos. A partir do séc. XIX, com o aparecimento da imprensa periódica, a lista dos infratores, como as posturas, passou a ser publicada nos jornais. A intervenção do município, a este nível, era implacável, conforme se poderá verificar, consultando o resumo das receitas municipais e das intervenções assíduas da vereação. O código de penalizações variou com o decorrer dos tempos, de acordo com as áreas em questão, adequando-se à realidade socioeconómica que lhe servia de base. A taxa era estabelecida de acordo com o grau de gravidade e transgressão. As penas assumiam uma forma diversa na sua aplicação, que podia ser, como antes, o pagamento em dinheiro, variando entre 50 a 6000 reis; uma pena de prisão, que podia ir até 30 dias e era complementada pela indemnização pelos danos causados, nomeadamente, pelo gado nas culturas agrícolas, implicando a perda do produto ou artefacto produzido ou transacionado. A primeira reincidência dos infratores podia conduzir à oneração da coima. Usualmente, a primeira vez era punida com pena dobrada e a segunda podia implicar açoites, desterro perpétuo ou temporário. O valor da pena pecuniária, bem como o número de dias de prisão eram estabelecidos pela vereação, segundo uma tabela ou matriz que deveria existir em cada município. Esta oscilava entre os 500 e os 2000 réis, podendo, em situações excecionais, atingir um valor superior a 1500 réis. As penas extraordinárias incidiam preferencialmente sobre os aspetos que assumiam maior importância para a vivência do burgo ou que eram suscetíveis de fácil infração. Assim, os ofícios de moleiro, vendeiro, carniceiro e boieiro situam-se entre os mais onerados pela coima. O mesmo sucedia com a regulamentação do comércio externo, sobretudo, em relação à saída do vinho, cereais, linho e couro. A eficácia da aplicação e arrecadação das coimas dependia, em certa medida, do empenho do denunciante, mercê do usufruto de parte da coima. Em todas as localidades, o denunciante recebia parte significativa da pena, entre 1/3 e 1/2. As frações sobrantes eram aplicadas de modo diverso: quando em três partes, essa quantia era dividida pelo acusador, cativos e concelho; quando em duas, atribuía-se metade ao acusador e a restante ao concelho. A formulação destas posturas não é original, uma vez que tem o seu fundamento na legislação do reino, por um lado, e no código de posturas de Lisboa, por outro, tendo-lhe servido ambos, de certo modo, como matriz. As ordenações régias definiram os parâmetros de atuação do legislador insular. O facto de o modelo institucional do município de Lisboa ter sido a base para a constituição do madeirense e de este ter, por sua vez, influenciado o articulado institucional da nova sociedade madeirense que teve repercussão nos Açores, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Brasil, conduziu a essa influência em cadeia. A partir daqui, conclui-se que o município de Angra foi o que manteve maior fidelidade ao postulado das ordenações do reino, embora se tenha afastado do articulado das posturas de Lisboa, ao invés do que sucedeu nos municípios do Funchal e Ponta Delgada. Tendo em conta a anterioridade do processo de ocupação madeirense e o facto de o código de posturas funchalense ser o mais antigo, é natural que este tenha influenciado, de forma importante, a elaboração das de Angra e Ponta Delgada. Confirma-se assim que a influência do modelo institucional madeirense foi decisiva para a organização da estrutura institucional açoriana e que essa não se limitou aos aspetos formais. É de salientar o número significativo de posturas específicas de cada município que, a par da maior incidência em alguns domínios, se diferenciam dessa realidade. Estas situam-se maioritariamente no domínio da agricultura e da produção artesanal, aspetos típicos do múltiplo processo de desenvolvimento socioeconómico de cada município ou ilha. Um dos seus traços mais peculiares assenta nos sectores da faina açucareira, do pastel, do pascer do gado e do aproveitamento dos recursos do meio. As situações resultantes dessas formas variadas de exploração dos recursos implicavam uma maior atenção do legislador local, até porque não se encontravam situações similares em Lisboa. Nesta última cidade, insistia-se mais no asseio do espaço urbano e na atividade oficinal e de troca do que na faina agrícola. Os códigos de posturas das novas sociedades do Atlântico português resultaram de uma simbiose das ordenações régias com os usos e costumes de cada burgo, como ficou exposto. A influência das posturas do reino ter-se-á verificado nos primórdios da criação destas novas sociedades, mercê da transplantação das normas de sociabilidade continental e dos usos e costumes dos locais de origem dos primeiros povoadores. Naturalmente, o devir do processo histórico condicionou uma evolução peculiar destas sociedades, o que conduziu a uma sistematização original deste direito nas ilhas, algo evidente nas posturas insulares, sobretudo, quinhentistas e seiscentistas. De facto, o código de posturas insulares dos sécs. XV e XVI surge como a expressão mais lídima do direito local do novo mundo. A sua elaboração fez-se, pois, de acordo com as condições subjacentes à criação das novas sociedades insulares e atlânticas. Convém referenciar, ainda, que, se considerarmos as posturas como reflexo das manifestações multiformes da vivência socioeconómica, será lógico admitir uma diversa formulação em relação ao articulado das cidades litorais e interiores do continente. Assim, as cambiantes peculiares da mundividência insular definem, como vimos, o código e articulado das posturas insulares. Confrontadas as posturas das ilhas portuguesas com as das Canárias, neste domínio, surgem algumas diferenças pontuais, pois o direito municipal não se adequa à relativa autonomia definida pelos alvarás e regimentos régios. Deste modo, na Madeira e nos Açores, onde as autoridades locais usufruíam de amplos poderes e a sua capacidade legislativa estava entravada pela insistência das ordenações régias e regimentos, o legislador (açoriano-madeirense) foi forçado a afinar pelo mesmo diapasão peninsular, submetendo-se ao articulado das posturas de Lisboa. Ao invés, nas Canárias, os munícipes beneficiavam de ampla capacidade legislativa, elaborando o código de posturas de acordo com as solicitações da vida local. Esse rasgo de originalidade acentuou-se, em todos os municípios, apenas no domínio socioeconómico.   Alberto Vieira (atualizado a 15.02.2018)

Direito e Política

impostos e direitos

É a principal fonte de receita do Estado. É uma das formas de o Estado fazer face à despesa pública. Incidem sobre o património, a renda e o consumo, de que resulta a designação de diretos, para os dois primeiros, e de indiretos para o último. De acordo com a distribuição da taxa ou quota, podemos, também, defini-los como de capitação, soma fixa, contingente ou repartição. Atente-se às designações: por um lado, temos a indicação de direitos, que aparece com frequência no período senhorial, que vai até 1497, e que define os privilégios que o senhorio tem sobre os colonos pelo facto de possuir determinada jurisdição. Já o imposto nos remete para a ideia de algo que é posto por força da autoridade. A lista de tributações que onerava o arquipélago é extensa e estas aparecem sob múltiplas designações ao longo do tempo. Assim, temos: contribuições − contribuição sumptuária, contribuição sobre as rendas de casa, contribuição predial, contribuição para a segurança social, contribuição pessoal, contribuição pessoal e única, contribuição industrial de seguros, contribuição para o fundo de desemprego, contribuição extraordinária para as estradas, contribuição industrial, contribuição de registo sobre transmissões a título gratuito, contribuição especial, contribuição autárquica, contribuição de juros, contribuição de registo ou de registo sobre transmissões a título oneroso, contribuição de registo sobre transmissões a título gratuito; impostos − imposto adicional (1882-1911), imposto automóvel, imposto complementar (1890-1911, 1928-1988), imposto de camionagem em transporte público de passageiros (1940-1986), imposto de capitais (1923-1988), impostos de chancelaria (1797-), imposto de circulação (-2007), imposto de compensação (1955-1990), imposto de consumo sobre bebidas alcoólicas (1985-), imposto de consumo sobre cerveja (1985-), imposto de consumo sobre o café (1986-1992), imposto de consumo sobre o tabaco (1986-), imposto de criados e cavalgaduras (1801-1860), imposto de estradas (1850-1860), imposto de jogo (1989-), imposto de justiça, imposto de mais-valias (1965-1988), imposto de pescado (-1970), imposto de produção relativo à industria extrativa de petróleos e minérios radioativos e afins (1970-), imposto de registo (1929-), imposto de rendimento (1880-1882), imposto de rendimento global (1922-), imposto de rendimento sobre juros (-1922), imposto de salvação nacional (1928-1941), imposto de 6 % sobre o pescado fresco (1843-), imposto de sisa, imposto de selo (1797-1988), imposto de selo sobre o património, imposto de selo sobre as especialidades farmacêuticas (-1984), imposto do selo sobre os produtos de perfumaria e de toucador (-1966), imposto do selo sobre aguardente ou álcool provenientes da destilação de vinho, borras de vinho, bagaço de uvas e água-pé, de produção alheia (-1966), imposto do selo sobre as cartas de jogar (-1966), imposto de trabalho, imposto de transações (1966-1984), imposto de transações sobre as prestações de serviços (1966-1984), imposto de transmissão de propriedade (1838-1860), imposto de turismo (-1984), imposto de uso, porte e detenção de arma (1949-), IVA (1984-), imposto de valorização (1935-), imposto de viação (1860-1880), imposto do cadastro (1945-), imposto especial sobre motociclos, barcos de recreio e aeronaves (1983-1991), imposto especial sobre o consumo (1999-), imposto especial sobre o jogo (1994-), imposto especial sobre veículos ligeiros de passageiros e mistos (-1990), imposto extraordinário (1898-1911), imposto ferroviário (1951-1984), imposto geral sobre as transações (1922-1929), imposto interno de consumo (-1991), imposto mineiro e de águas minerais (1967-1998), imposto municipal de prestação de trabalho (-1979), IMI – imposto municipal sobre imóveis (2003-), IMT – imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (2003-), imposto para a amortização das notas do banco de Lisboa (1848-1860), imposto para a defesa e valorização do ultramar (1961-), imposto para o serviço nacional de bombeiros (1979-), imposto para o serviço de incêndios (1949-1988), imposto pessoal sobre o rendimento (1922-1928), imposto profissional (1929-1988), imposto sobre a indústria agrícola (1963-1988), imposto sobre a aplicação de capitais (1922-1988), impostos sobre a despesa, imposto sobre a industria agrícola (1963-1988), imposto sobre a produção de petróleo (1971-), imposto sobre a venda de veículos automóveis (1973-2007), imposto sobre as rendas de casa, imposto sobre sucessões e doações (1838-2003), imposto sobre as transmissões de propriedade (1838-1860), imposto sobre as transmissões a título puramente benéfico, imposto sobre boîtes, night clubs, discotecas, cabarets, dancings e locais noturnos congéneres (1983-1992), imposto sobre derivados do petróleo (1928-), imposto sobre minas (1927-1964), imposto sobre o açúcar, imposto sobre o álcool (1992-), imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (1999-), imposto sobre o consumo (1867-), imposto sobre o consumo das bebidas alcoólicas (1993-), imposto sobre o consumo de bebidas engarrafadas e de gelados (-1966), imposto sobre o valor das transações (1922-1984), imposto sobre os lucros e fortunas (1920-), ISP – imposto sobre os produtos petrolíferos (1986-), imposto sobre veículos (1972-), imposto suplementar sobre os vencimentos (1941-), imposto sobre consumos supérfluo ou de luxo (1961-), impostos sobre o património, IRC – imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (1988-), IRS – imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (1988-), imposto sobre o rendimento global dos funcionários públicos (-1922), imposto sobre o rendimento pessoal global (1933-), imposto sobre o rendimento de capitais (1962-1988), imposto sobre os lucros excecionais ocasionados pelo estado de guerra (1942-), imposto sobre os prédios (1801-), imposto sobre o rendimento do petróleo (1971-1988), ISV – imposto sobre veículos (2007-), imposto sucessório (1870-2003), imposto suplementar (1940-1950), imposto suplementar sobre mercadorias importadas (1922-),; e taxas ou prestação pecuniária resultante de uma relação do contribuinte com o bem ou serviço público − custas judiciais, taxa burocrática, TCE – taxa de conservação dos esgotos, taxa de propriedade industrial, taxa de radiodifusão, taxa de salvação nacional, taxa municipal de transporte, taxa militar, taxa de regularização da situação militar, taxa social única. Também há impostos diretos e indiretos de acordo com a incidência. No grupo dos indiretos, a quota do imposto corresponde à razão direta dos produtos ou dos valores que o produto apresenta no mercado, incidindo sobre os valores permutados, pelo que as situações que estabelecem são passageiras e os valores incertos e invariáveis. São impostos indiretos: imposto de selo (1797-), contribuição pessoal (1860-1872), contribuição de rendas de casa (1872-1911), contribuição sumptuária (1872-1922), imposto de transações (1922-1929 e 1966-1987), taxa de salvação nacional (1928-1966) e imposto sobre o valor acrescentado (1987-). As leis n.º 64/77, de 26 de agosto e n.º 6791, de 20 de fevereiro, definem estes impostos como os que recaem sobre o consumo, onerando a utilização da riqueza ou do rendimento, estando neste grupo: IVA (imposto sobre o valor acrescentado), imposto sobre os produtos petrolíferos, imposto sobre os veículos, imposto sobre o tabaco, IUC (imposto único de circulação), IMT (imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis), imposto aduaneiro, imposto de selo, imposto automóvel, imposto sobre o consumo do tabaco, imposto sobre o consumo das bebidas alcoólicas, imposto sobre o álcool, imposto para o Serviço Nacional de Bombeiros. Deveremos considerar, ainda, os chamados direitos banais, resultantes do uso obrigatório de fornos, moinhos e lagares dos senhores mediante pagamento dos respetivos direitos de utilização. Com a Revolução Liberal, determinou-se a sua abolição, o que já havia acontecido em relação a alguns, por decreto de 20 de março de 1821, com expressão na Constituinte de 7 de abril de 1821. Outro decreto de 26 de abril de 1821 aboliu os serviços pessoais, os direitos banais e as prestações pagas pelos moradores de um lugar apenas em reconhecimento do senhorio, mas a abolição de todos estes só foi conseguida por lei de 22 de fevereiro de 1846. Com efeito, no início da ocupação da Madeira, o senhorio usufruía de direitos banais que passou para os capitães, por carta de doação. Na Carta de Doação da Capitania de Machico (1440), encontramos privilégios de fruição própria, como o domínio exclusivo dos moinhos exceto nos braçais, e a posse dos fornos de poia, exceto de fornalha para uso próprio e o exclusivo, sob condições da venda de sal. Já na Doação do Porto Santo (1446), são acrescentados direitos sobre serras de água e outros engenhos. Resquício disso é o Lg. dos Moinhos, no Funchal, onde o capitão detinha um conjunto de azenhas que se serviam da água da ribeira de Santa Luzia. O último moinho foi destruído em 1910. De acordo com as cartas de doação, os moinhos ficavam em poder dos capitães que cobravam a maquia, i.e., um alqueire em 12, sobre todos os que aí moessem cereais. Para além destes impostos de âmbito nacional, houve outros cuja incidência aconteceu apenas na Ilha, como foi o quarto/quinto/oitavo do açúcar, o imposto das estufas e da aguardente, a que se juntam alguns adicionais a diversos impostos, como forma de encontrar receitas para cobrir as despesas de instituições locais como a Junta Geral, a Junta Agrícola da Madeira e a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal. Formas de arrecadação A forma da coleta dos direitos da Fazenda Real variava entre a perceção direta, a cargo de funcionários da Fazenda, e o arrendamento feito por particulares. No primeiro caso, procedia-se ao lançamento e à arrecadação, efetuados diretamente pelos serviços respetivos da Fazenda Real, enquanto no segundo se entregava esta coleta aos chamados arrendatários ou rendeiros que haviam feito os lanços e que se obrigavam ao pagamento do valor arrematado em quartéis. A arrematação era o ato que determinava e conferia ao arrematante o poder de arrecadação das rendas, em troca do pagamento de um valor fixo em prestações, conforme estabelece o contrato de arrendamento. Desta forma, a Fazenda Real assegurava, anualmente, os réditos necessários para a sua despesa, deixando de estar dependente das boas ou más cobranças dos direitos. Para além disso, não necessitava de sustentar uma logística para a cobrança, a arrecadação e o armazenamento dos produtos tributados. Na primeira metade do séc. XVI, os direitos sobre o açúcar e os direitos da Alfândega despertaram o interesse de diversos comerciantes, que intervieram no seu arrendamento. Para o efeito, foram constituídas várias sociedades, sendo de referir que para o período de 1506-1508, os quartos foram arrendados a Martim de Almeida, Fernão Alvares, Benoco Amador, Quirino Catanho, Álvaro Dias, Feducho Lamoroto, João Lombarda e Henrique Vamdura. No mesmo período, os direitos da Alfândega ficaram nas mãos de Martim de Almeida, Benoco Amador, Onésimo Castanho, Álvaro Dias, João Lombardo, Francisco Viola Maroto. Finalmente. Para o período de 1516-18, quer os direitos do açúcar, quer os da Alfândega, foram arrematados por uma sociedade composta por Simão Acciaioli, Lopo de Azevedo, Luís Dória, Benedito Morelli, António Spínola, Duarte Fernandes, Gonçalo Pires e Gregório Álvares. Este processo era realizado de forma anual, mas, em 1581, a Provedoria estabeleceu um contrato de seis anos com Manuel Duarte e Heitor Mendes para os referidos tributos, no que mereceu a reprovação das Câmaras. O rendeiro deveria proceder à entrega do valor estabelecido e satisfazer o valor correspondente à redízima das capitanias. Estes rendeiros deveriam entregar ao almoxarife os produtos e o dinheiro necessários para o pagamento das despesas dos ordenados, das tenças, das ordinárias e dos padrões de juro, conforme lista prévia de autorização estabelecida pelo provedor da Fazenda. Depois disto, os mesmos rendeiros deveriam proceder a duas entregas da quantia estabelecida em Lisboa, na segunda metade do séc. XVI à Casa da Mina, em datas fixas: no dia de S. João Baptista e no fim de dezembro. Quando os rendeiros não satisfaziam o valor estabelecido para o arrendamento, o provador intimava os cinco recebedores eleitos pela Câmara a executar os bens do arrendatário. O contrato estabelecia a obrigatoriedade de apresentação de fiança, que funcionava como garantia do seu pagamento. Quanto às miunças, o arrendamento era feito na Câmara, na presença do provedor da Fazenda, sendo a atividade controlada pelos recebedores da Câmara, com poderes para aceitar ou rejeitar os lanços. O anúncio do lançamento destas rendas fazia-se em praça pública, pelo pregoeiro. A partir do aparecimento da imprensa diária, passou a ter divulgação nos jornais. Em 10 de junho de 1854, um anúncio do delegado do Tesouro no Funchal, publicado no Seminário Oficial n.º 6, informava que estavam em praça, para arrematação, os dízimos do vinho, dos cereais, dos legumes e da fruta de espinho. Esta primeva forma de perceção dos direitos, que assentava no arrendamento foi definida nas Ordenações Afonsinas (liv. 1, tit. 3). Apenas os direitos das alfândegas eram cobrados por funcionários (liv. 2, tit. 50). Por alvará de 9 de maio de 1654, foi determinado que a cobrança da décima passasse a ser feita por comissões populares, ficando proibido o seu arrendamento, para, segundo se diz, “não se acrescentar moléstia aos povos”. A partir do séc. XVIII, com Montesquieu, ganhou expressão a forma de perceção direta, considerada como mais justa e feita sem opressão. Entre nós, estas ideias fazem-se sentir a partir da lei de 22 de dezembro de 1761: “proíbo que em tempo algum sejam contratados, ou arrendados d’aqui em diante os direitos [...] e que estes passem ao tesoureiro geral dos seus recebimentos.” De acordo com a mesma lei, o regime de contratos abrange o da Alfândega da ilha da Madeira. A lei não anula as situações anteriores e continuaram a coexistir situações de contratos, sendo de referir, para a Madeira, os contratos da Alfândega, dos 2 %, dos dízimos e miunças da ilha da Madeira. O decreto n.º 22 de 16 de maio, que estabeleceu a nova forma de administração da Fazenda, não interfere no sistema de arrecadação tributária, embora refira a necessidade de criação de recebedores gerais de província e concelhios. Todavia, a partir de então, é quase nula a representação da forma de arrendamento, que se resume ao subsídio literário, do tabaco, do sabão, real de água e dízimos. A cobrança dos impostos passa a estar a cargo dos recebedores de comarca. Reformas fiscais A lei de 22 de dezembro de 1762, que criou o Erário Régio, marca um dos momentos mais significativos da reforma fiscal do Antigo Regime, em que se estabeleceu, de forma clara, a centralização da contabilidade pública. A partir da Revolução de 1820, esboçaram-se mudanças no sistema tributário que a instabilidade política e a guerra civil não permitiram concretizar em plenitude. A Revolução Liberal de 1820 veio determinar uma nova atitude da administração fiscal e tributária: as contas passaram a ser publicadas e o governo foi obrigado a submeter às Cortes, para aprovação, o Orçamento e as contas. A Constituição de 1822 abriu caminho a uma mudança total da administração financeira. A reforma estabelecida passou por uma uniformização dos diversos tributos e uma adequada racionalização das receitas. A faculdade de lançar imposto passou do rei para as Cortes (art.124.º, II), que passaram a fixar os impostos e a despesa pública e a determinar todos os aspetos relacionados com as alterações do sistema (art. 103.º), ficando ao rei atribuída apenas a função de decretar a sua aplicação (art. 123.º). A mesma estabelecia as regras financeiras pelas quais se regia, de acordo com o novo sistema (arts. 224.º a 236.º). Consagraram-se os princípios da generalidade e igualdade tributária (art. 225.º), sendo os impostos lançados de forma proporcional aos rendimentos (arts. 216.º, 223.º, 228.º). O secretário de Estado dos Negócios da Fazenda (arts. 152.º, 227.º) ficava com o encargo de preparar o orçamento, que deveria ser submetido às Cortes. A nova Constituição, outorgada por D. Pedro IV a 19 de abril de 1826, reafirmava e reforçava as normas da administração fiscal e da fazenda, consagrando o princípio de que ninguém estava isento do pagamento de contribuições. A principal alteração aconteceu no Regime Constitucional, com a reforma de José Xavier Mouzinho da Silveira (1780-1849), ministro da Fazenda, de maio a junho de 1823 e de março de 1832 a janeiro de 1833. Os primeiros passos foram dados nos Açores, em 1832, com a publicação dos primeiros decretos, seguiu-se o resto do país, a partir de 1834. A sisa foi reduzida à transmissão onerosa de imóveis (dec. n.º 13, de 19 de abril), os direitos aduaneiros foram reformados (dec. n.º 14, de 20 de abril), os dízimos abolidos (dec. n.º 40, de 30 de julho), bem como os foros (dec. n.º 42, de 13 de agosto). Esta reforma provocou uma profunda alteração, com o fim do sistema fiscal senhorial e dos privilégios e exclusivos da Igreja. Ao Estado foi dada, a partir de então, a faculdade de estabelecer e arrecadar impostos. Entretanto, estabeleceram-se algumas alterações em alguns impostos, mas a política, até à instauração da república, foi quase sempre marcada pelo aumento da tributação, através de diversos adicionais aos impostos diretos e indiretos. A Constituição de 1838 voltou a afirmar a generalidade dos tributos (art. 24.º). Por outro lado, era a Câmara dos Deputados quem tinha poderes sobre os impostos (art. 54.º), enquanto as Cortes ficaram com a missão de os votar e de estabelecer o valor da receita e da despesa (art. 37.º), bem como da forma de pagamento da dívida pública e da venda dos bens nacionais. Previa-se, já, a criação de um Tribunal de Contas para verificar e liquidar as contas do Estado (art. 135.º). O ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda ficava obrigado a apresentar, anualmente, as contas e o Orçamento, nos primeiros 15 dias da legislatura (art. 136.º). A partir de 1851, com a estabilização do regime político, apostou-se em reformas globais do sistema fiscal, que foram, porém, acontecendo de forma espaçada, ao longo do tempo. No Ato Adicional de 1852, estabeleceu-se que os impostos eram votados apenas por um ano. Já a Constituição de 1911 era clara ao afirmar que ninguém era obrigado a pagar um imposto que não tivesse sido aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Até as taxas e os impostos locais deveriam passar pelo Congresso da República. A prática dos governos foi distinta e, por diversas vezes, tivemos a criação de imposto sem o beneplácito do Congresso. Sucedeu assim em 1832 e, posteriormente, na situação de instabilidade vivida entre 1917 e 1926. Até à instauração da república, a principal novidade fora o imposto de rendimento, criado em 1880, mas que teve vida efémera por força das convulsões populares que gerou. Em 1911, a República debateu-se com várias dificuldades de carácter financeiro que não permitiram encarar soluções – que só viriam a acontecer em 1922. A lei n.º 1368, de 21 de setembro de 1922, reformou o sistema fiscal, apostando na sua modernização, no sentido da tributação do rendimento real e da criação de um imposto geral de rendimento. Ao mesmo tempo, a necessidade de equilibrar as contas do Estado obrigou à criação de um adicional de 25 % e depois, em 1924, de 40 % sobre a contribuição predial rústica, a contribuição industrial e o imposto sobre a aplicação de capitais. Com o Governo da Ditadura Militar e do Estado Novo, tivemos a mais importante reforma fiscal, resultado dos trabalhos de uma comissão presidida por Oliveira Salazar. Essas reformas surtiram efeito a partir de 1928, com especial destaque para o período em que Salazar foi ministro das Finanças; no essencial, repuseram a situação de 1922, ajustando-se, obviamente, à conjuntura da guerra e do processo de desenvolvimento económico, o que conduziu ao aparecimento de novos impostos. Esta reforma foi posta em prática em função de três decretos – n.º 15.290, de 30 de março de 1928, n.º 15.466. de 14 de maio de 1928 e n.º 16.731, de 13 de abril de 1929 – e perdurou no tempo, chegando até 1963. Desta forma, a Constituição de 1933 não alterou significativamente a Constituição Liberal, acentuando o princípio de que nenhum cidadão está obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados de acordo com a Constituição e aprovados pela Assembleia Nacional (art. 8º, n.º 16). A medida mais diferenciadora desta reforma diz respeito ao orçamento que assenta na Lei de Meios, autorizando a receita e despesa aprovada pela Assembleia Nacional e o Orçamento em si. No período de 1958 a 1965, houve nova reforma fiscal, ditando que a tributação passasse a ser feita sobre os rendimentos reais, da qual resultaram vários códigos publicados nos anos imediatos. Com o regime democrático, estabelecido em abril de 1974, a reforma fiscal só veio a acontecer na déc. de 80 do séc. XX, por força da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, o que obrigou a uma harmonização fiscal comunitária. Em 1984, surgiu o IVA e, em 1988, o IRS e o IRC. A Constituição de 1976 determina que é a Assembleia da República que tem o poder de fazer as leis sobre o orçamento; ao governo era dada a faculdade de legislar nesta matéria apenas quanto à sua regulamentação. Por outro lado, todos os textos constitucionais consagram o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei fiscal. Um dos aspetos que se evidencia aqui é o da integração da Segurança Social no orçamento e da integração do plano e do orçamento. Com a revisão constitucional de 1982, deixou de existir a Lei do Orçamento e o Orçamento Geral do Estado, passando a existir unicamente o Orçamento de Estado. Entretanto, a Segurança Social, que tinha orçamento autónomo desde 1977, passa a estar integrada no Orçamento de Estado. Quanto ao sistema tributário, a Constituição de 1976 é clara relativamente à criação de imposto, que só pode acontecer por lei da mesma. Também a legalidade da sua cobrança depende de autorização anual, estabelecida na Lei do Orçamento. Quanto à forma da sua aplicação, releva-se os princípios da generalidade e igualdade. O imposto é entendido, ao mesmo tempo, como uma forma de suprir as necessidades de financiamento das despesas públicas e de repartir com justiça a riqueza e os rendimentos. O principal enfoque tributário incide sobre a proposta de criação de um imposto sobre o rendimento, a necessidade de proceder a uma unificação dos impostos que incidem sobre as empresas, e normativas acerca do imposto sobre as sucessões e doações e dos impostos que incidem sobre o consumo. Instituições Para assegurar este quadro de arrecadação e administração das receitas dos impostos, foram surgindo, ao longo do tempo, estruturas adequadas, algumas assumindo carácter particular nas ilhas, ajustando-se às condições locais e aos tributos cobrados, que em algumas situações, no caso dos que incidiam sobre as culturas e aproveitamento dos recursos, eram distintos dos do continente do reino. A criação dos almoxarifados acontece, na Madeira, com a criação das capitanias, existindo um para cada uma. A esta repartição competia a arrecadação dos direitos devidos ao duque e senhor da Ilha. A partir do séc. XVI, estão integrados na Provedoria da Fazenda Real. Entretanto, na déc. de 80, do séc. XV, o almoxarifado do Funchal foi desdobrado em almoxarifados da Alfândega e dos Quartos, para superintender os serviços da Alfândega e da arrecadação dos direitos sobre a produção de açúcar. O da Alfândega funcionava na dependência da Contadoria, com o intuito de coordenar o trânsito de entrada e saída de mercadorias, existindo um no Funchal e outro em Machico. Na déc. de 50 do séc. XVI, estes foram, de novo, unidos, passando a chamar-se almoxarifado da Alfândega e dos Quartos. Nos começos da centúria seguinte, o almoxarife foi extinto, sendo substituído pelo feitor. Na Madeira, foi criado, em 1467, para proceder ao processo de lançamento e arrecadação do tributo, o quarto (1467) e, depois, quinto (1516) que recaía sobre o açúcar. A partir de 1508, surgem as comarcas para a administração do lançamento e da arrecadação do quinto sobre o açúcar. Foram criadas cinco comarcas, sendo uma em Machico (Santa Cruz) e quatro no Funchal (Funchal, Ribeira Brava, Câmara de Lobos e Ponta de Sol). A Contadoria encarregava-se de arrecadar as rendas e de proceder aos pagamentos. A primeira referência de que dispomos ao cargo de contador data de 1470, pelo que este organismo terá sido criado pelo senhor da Ilha, o infante D. Fernando, na déc. de 60. Tinha a superintendência dos almoxarifados, um para cada capitania. As Alfândegas, criadas posteriormente, estarão também sob a sua supervisão. Aliás, o contador do duque será também o juiz das Alfândegas. Com a reforma pombalina de 1761, foram criadas quatro contadorias com funções distintas. As Alfândegas foram criadas, na Madeira, por ordem de D. Beatriz, em 1477, como forma de combater a fuga aos direitos por parte dos madeirenses. Para o efeito, criou-se uma em cada capitania, mas foi a do Funchal que assumiu a função de primaz, a partir de 1509, passando a controlar todo o movimento de entradas e saídas. Entretanto, a partir de 1507, dá-se a criação de postos alfandegários em Ribeira Brava, Ponta de Sol, Calheta, Machico e Santa Cruz, como forma de facilitar a saída do açúcar produzido nestas localidades. Esta medida fora já autorizada por carta da infanta D. Beatriz, de 1483. Os dois últimos, Machico e Santa Cruz, foram extintos em 1515, para dar lugar à Alfândega de Santa Cruz. A partir de 1509, desaparecem todas as alfândegas e postos alfandegários fora do Funchal, passando a existir uma única Alfândega, com sede no Funchal, que centraliza todo o movimento de entrada e saída de mercadorias. Apenas Santa Cruz poderá, ainda, manter o despacho de mercadorias de exportação para Lisboa. Com D. Manuel, acontece uma profunda alteração na estrutura da Fazenda Régia, com o aparecimento da Provedoria da Real Fazenda do Funchal (1508-1755). A Provedoria era o órgão de cúpula de administração da Fazenda Régia na Ilha, com alçada sobre as capitanias do Funchal, de Machico e do Porto Santo; Francisco Álvares, que à data exercia o cargo de contador e juiz da Alfândega, foi nomeado provedor. A Provedoria da Fazenda superintendia a Alfândega, a Contadoria e exercia competência sobre os resíduos, os órfãos, as capelas e os concelhos. A Provedoria dependia do vedor da Fazenda e, a partir de 1591, do Conselho da Fazenda. Por resolução régia de 6 de abril de 1775, ordenou-se a substituição da Provedoria pela Junta da Real Fazenda. A Junta da Real Fazenda do Funchal (1775-1832) era presidida pelo governador e capitão-general, sendo composta pelos seguintes deputados: corregedor da comarca, juiz de fora, como procurador da Fazenda, um tesoureiro geral, eleito pela Junta, e um escrivão da Fazenda e da receita e despesa da Tesouraria Geral. Foi criada, também, a Contadoria Geral para uma adequada escrituração de todas as contas, de acordo com novas normas contabilísticas, a cargo de um contador geral, sob a supervisão de um deputado escrivão da Fazenda. A Junta da Real Fazenda do Funchal detinha a administração e arrecadação dos dinheiros e das rendas reais. Assim, a Contadoria Geral encarregava-se da arrecadação dessas rendas, nomeadamente a imposição do vinho e das estufas, enquanto ação do subsídio literário, e procedia à cobrança e administração dos dinheiros do subsídio literário; a repartição do Erário Régio superintendia todos os dinheiros das rendas reais da Ilha. A esta competia, através do Almoxarifado da Alfândega do Funchal, a arrecadação dos dinheiros e das dívidas que, ulteriormente, eram usados no pagamento dos ordenados aos militares, religiosos e demais oficiais régios, nas obras de fortificação e das igrejas, assim como nas suas alfaias e nos seus ornamentos. A Junta foi extinta com as demais existentes, no reino e nas províncias ultramarinas, pelos decs. n.os 22, de 16 de maio de 1832, e 65, de 28 de junho de 1833, mas, na Madeira, esta situação só aconteceu por decreto de 23 de junho de 1834, que a substituiu, interinamente, por uma Comissão. Durante o período de 1834 a 1843, a administração da Fazenda esteve a cargo desta Comissão Interina da Fazenda Pública da Província da Madeira e da Casa da Comissão Liquidatária das Dívidas de Estado no Distrito do Funchal. Estes serviços continuaram na superintendência do governador, adequando-se a nova estrutura administrativa a 7 de fevereiro de 1843, altura em que passaram para a Repartição de Fazenda do governo civil, em conformidade com as alterações estabelecidas pelo decreto de 12 de dezembro de 1842. Entretanto, foi criado, pelo dec. n.º 22, de 16 de maio de 1832, o cargo de recebedor geral, para superintender os negócios da Fazenda no distrito, o que se estendeu à Madeira em 1 de julho de 1835. Este passou a designar-se recebedor do distrito por decreto de 28 de julho de 1835. Por decreto de 12 de setembro de 1846, deu lugar ao de contador da Fazenda e, a 13 de dezembro de 1849, ao delegado do Tesouro. A Administração da Fazenda dos Distritos Administrativos foi criada por decreto de 10 de novembro de 1849, que estabeleceu a reforma da Fazenda Pública. Pelo regulamento de 28 de janeiro de 1850, estas repartições são separadas dos governos civis e ficam subordinadas ao delegado do Tesouro, que estava na dependência direta do Ministério da Fazenda.   Funcionários Às instituições supracitadas corresponde um quadro de funcionários que assumem diversos papéis na administração tributária. O almoxarife é o oficial do fisco, a quem estavam acometidas as tarefas de cobrar as rendas e proceder aos pagamentos. Com a doação das ilhas à Ordem de Cristo e a fundação das capitanias, o infante D. Henrique estabeleceu para cada uma delas um almoxarife, que tinha a seu cargo a administração dos direitos que eram devidos ao senhorio. Este era apoiado pelos chamados homens do almoxarifado, dois para cada almoxarifado. No período de arrendamento a particulares, deveremos apenas considerar o rendeiro, i.e., aquele que arremata as rendas. As rendas ou direitos eram arrecadados por rendeiros que as haviam arrematado através de lanços. Depois de lançada a renda, deveria conferir-se a seriedade dos credores e fiadores através de pregões, por nove dias, de forma a decidir-se pela arrematação. Concluído o processo da arrematação da renda, quer o rendeiro, quer os credores, ficavam com os seus bens cativos até ao momento em que saldassem o contrato. Terminado o contrato, e entregues todos os quartéis estabelecidos no ato do arrendamento, o almoxarife passava uma carta de quitação. Caso não tivesse acontecido a boa cobrança, a Fazenda Real mandava executar os bens do rendeiro, ou do seu fiador, até à sua total liquidação. De acordo com os Regimentos de 1516 e as Ordenações de 1521, quando arrematavam rendas superiores a 20$000, eram considerados rendeiros do rei e detinham privilégios especiais, sendo dispensados de servir na guerra e nas armadas, e não podendo ser presos, salvo em casos de homicídio ou de flagrante delito, durante o período de duração do contrato de renda. Devido aos problemas com a arrecadação das rendas, nomeadamente das sisas, eram autorizados a andar armados. Os estimadores estavam sob a alçada dos rendeiros do ramo dos direitos do açúcar. De acordo com a renda arrematada, temos o chamado rendeiro do verde, a quem competia arrecadar a renda do brabo ou do verde, proveniente do lançamento das coimas por incumprimento das posturas municipais e das ervagens, do corte de árvores e suas ramas. Para além disso, tinha a missão de salvaguarda das terras em face dos danos dos gados soltos. Nas suas obrigações incluía-se varrer a praça, em especial nos dias festivos, dar os ramos para o dia de Ramos e, no dia de Páscoa, apresentar uma dança das espadas. Após a sua eleição, o rendeiro devia prestar juramento e apresentar um fiador que se comprometesse, em caso de falha, a assegurar a renda arrematada; o fiador podia proceder à arrecadação da renda em caso de falta do rendeiro. Ao porteiro cabia proceder à cobrança das rendas dos foreiros; no entanto, quando surgiam pagadores mais renitentes, a decisão cabia à vereação, que mandava proceder contra os devedores. Foi, e.g., o que sucedeu com D. João de Herédia que, em 1681, devia ao concelho da Ponta de Sol 32$700, tendo sido intimado a pagar pelos oficiais camarários. O porteiro da Alfândega tinha à sua guarda o selo da Alfândega e as mercadorias que estavam depositadas nos armazéns da mesma. Na Capitania do Funchal, o cargo era acumulado com o de porteiro dos contos e do almoxarifado. O porteiro dos contos era o funcionário da Casa dos Contos, que tinha à sua guarda os livros dos contos, e que provia as diversas repartições do material necessário ao seu funcionamento. Acumulava as funções de porteiro da Alfândega, selador dos panos e porteiro do Almoxarifado. O porteiro das sisas, como o nome indica, era o funcionário que tinha por função executar as sisas. Alealdadores eram aqueles que procediam ao alealdamento do açúcar nos engenhos, uma operação de fiscalização destinada a atestar a qualidade de fabrico do produto. Eram eleitos, anualmente, pelo Senado da Câmara. Ainda, em 1505, D. Manuel estabeleceu que os canaviais dos estimadores deveriam ser avaliados pelos antecessores no cargo. O contador era o funcionário que presidia à contadoria, competindo-lhe defender os interesses reais. Era o oficial do topo da Fazenda senhorial na Ilha e tinha sob a sua alçada o almoxarife e o escrivão. Tal como o almoxarife, era nomeado pelo duque. De acordo com estas obrigações, os contadores procediam, em janeiro, às arrematações das rendas, providenciando o envio do caderno dos registos aos vedores da Fazenda até finais do mês. Deviam deslocar-se ao reino para prestar contas, sendo substituídos por pessoas da sua confiança. Na ilha da Madeira, a primeira indicação da presença deste cargo é de 1470, estando provido Diogo Afonso, que passou a acumular com o de juiz da Alfândega a partir de 1477. Em 1498, exercia o cargo Francisco Álvares que, na sua ausência em Lisboa, foi substituído por João Roiz Parada. Em 1508, com a criação da Provedoria da Fazenda, o contador passa a acumular o cargo de provedor, passando a designar-se provedor da Fazenda. Com a reforma pombalina da Fazenda, em 1761, foram criadas quatro contadorias no Erário Régio, cada uma presidida por um contador geral. Este estava obrigado a entregar ao tesoureiro-mor dois balanços anuais das contas, de acordo com o sistema das partidas dobradas, um a 10 de janeiro e outro a 10 de julho. Com a reforma liberal, aparece a figura do contador de Fazenda, nomeado pelo Rei, sob proposta do Conselho de Estado, que tinha como missão superintender a Contadoria Geral. Para a Madeira, pela resolução régia de 6 de abril de 1775, foi estabelecida uma Contadoria Geral sob a inspeção do deputado escrivão da Fazenda, a cargo de um contador geral, para escrituração das contas. Este cargo foi mudando de designação em consonância com as reformas tributárias. A Constituição de 1822 estabelecia, para cada distrito, um contador de Fazenda, de nomeação régia, para superintender, nos distritos, os serviços da Contadoria da Fazenda. O cargo foi criado por decreto de 12 de setembro de 1836. O provedor da Fazenda tinha atribuições e posição semelhantes ao ouvidor-mor, que perdeu essa qualidade a partir de 1478. Em 1508, com a criação da Provedoria da Fazenda no Funchal, o então contador Francisco Álvares passa a acumular com o cargo de juiz da Alfândega e provedor, passando a designar-se provedor da Fazenda. Competia-lhe, também, a supervisão do arrendamento dos direitos reais e da sua cobrança e os pagamentos feitos pelo almoxarife, tendo como subalternos um escrivão e um porteiro. Encontrava-se, igualmente, na sua alçada a resolução de alguns pleitos relacionados com o processo de arrendamento das rendas da Alfândega até ao valor de 2$000. De acordo com o Regimento de 1550, deveria superintender o processo de arrecadação dos direitos do açúcar, proceder ao arrendamento das miunças, elaborar a folha de pagamento de ordenados, côngruas, tenças e padrões, por onde o almoxarife deveria proceder aos pagamentos, e examinar os livros de contas de receita e despesa dos almoxarifes e recebedores. Feita esta conferência, o provedor passava aos almoxarifes e recebedores a quitação do seu recebimento pelo vedor da Fazenda, em Lisboa. Também a partir de então, o cargo perde o carácter patrimonial e passa a ser ocupado em regime de comissão de serviço. Esta situação resultou dos abusos cometidos por Simão Esmeraldo, que conduziram a uma reclamação da Câmara do Funchal, em 1542. Desta forma, em 1554, a Coroa enviou à Ilha o doutor Pedro Fernandes, na qualidade de juiz de fora e provedor e juiz da Alfândega. Mas esta situação excecional deixou de ser possível passados oito anos, uma vez que a Coroa, em 1562, proibiu a acumulação, pelo juiz de fora, dos cargos de provedor e juiz da Alfândega, sendo o licenciado Lourenço Correia o último a acumular estas funções, por provimento de 1559. Em 1582, com a nomeação do licenciado João Leitão para o cargo, a Coroa filipina associou-o ao de corregedor. Mas em 1606, com a nomeação do novo provedor da Fazenda, Manuel de Araújo de Carvalho, volta-se à separação dos cargos. O provedor é o interlocutor direto na Ilha, dos vedores da Fazenda e, depois de 1581, no Conselho da Fazenda. De acordo com informação de 1768, sabemos que este continuava a servir de vedor da Fazenda na ausência do seu proprietário ou seu ouvidor. Por feitor da Alfândega, entende-se aquele que a administrava e que veio substituir o almoxarife, tendo a seu cargo a coordenação do serviço de vigilância das atividades da Alfândega, como sejam o despacho das mercadorias e a cobrança da dízima de entrada e saída. Ainda, a partir de 1550, o feitor da Alfândega do Funchal tinha a função de mandar confecionar as conservas para guarda-reposte do Rei e o despacho do açúcar dos direitos reais na Ilha. Por alvará de 2 de julho de 1550, o Rei enviou João Simão de Sousa ao Funchal, com a função de feitor da Alfândega do Funchal, para tratar de assuntos deste serviço, com poderes de despacho com o juiz dos feitos da Fazenda. Era coadjuvado por um escrivão. Na segunda metade do séc. XVI, a Alfândega do Funchal apresentava dois feitores, enquanto a de Santa Cruz tinha apenas um. A primeira referência documental a este cargo surge apenas em 1532, relativamente à Alfândega do Funchal. Papel fundamental tinha o escrivão, pois dele dependia a escrituração das contas. Também aqui vamos encontrar uma variedade de designações, de acordo com a instituição ou atividade. Assim tivemos o escrivão da Alfândega, que escriturava todos os registos. No séc. XVI, a Alfândega do Funchal dispunha de dois, sendo um encarregado do registo dos despachos de entrada e o outro de saída. Acumulavam funções na Alfândega de Santa Cruz. O escrivão do almoxarife era o oficial subalterno do almoxarife que procedia ao lançamento em livro das rendas. O escrivão do contador era o oficial subalterno do contador que tinha por função lançar as contas; quando o contador acumulava as funções de juiz de Alfândega, este era também escrivão do juiz da Alfândega. O escrivão da Fazenda e contos era o funcionário da Provedoria da Fazenda, subalterno do provedor, que assistia aos despachos, emitia os mandados de pagamento despachados pelo provedor, e registava as provisões régias sobre os pagamentos e outros assuntos da Fazenda no livro do registo dos contos; este oficial acumulava, desde 1521, as funções do escrivão das execuções. O soldo era de 6$407 reais em dinheiro e emolumentos, devidos pelos mandatos de pagamento. O escrivão da renda da imposição tinha por função escriturar as rendas da imposição, i.e., os direitos pagos pela venda do vinho em público nas tabernas. O escrivão da ribeira tinha por função, a partir de 1513, fazer o registo de todos os bens que não passavam pela Casa da Alfândega; tinha despacho na ribeira ou calhau. O escrivão das execuções tinha funções acumuladas pelo escrivão da Fazenda e contos. O escrivão das sisas realizava o registo de todos os atos relacionados com o tributo, como da repartição do cabeção e, no caso de não estar encabeçado, todas as transações sujeitas a sisa. O escrivão do almoxarifado da Alfândega e quintos era o funcionário subalterno do almoxarifado que auxiliava o almoxarife em todas as operações do expediente; era ele quem fazia o registo de todo o movimento financeiro, das provisões régias que determinavam os pagamentos, nos livros de receita e despesa, e passava os conhecimentos de quitação dos pagamentos realizados. No Almoxarifado de Machico, acumulava as funções do escrivão dos quintos; estava associado ao quintador, correspondendo, igualmente, um a cada, pelo que houve quatro no Funchal e um em Santa Cruz. Deveria estar presente no processo de arrecadação dos direitos do açúcar para lançar, em livro próprio, as quantidades e qualidades entregues pelo lavrador ao quintador. O escrivão das pipas de vinho para o donativo vem referenciado, em 1647, na lista de funcionários do município do Funchal, tendo a função de lançamento das pipas relacionadas com o donativo de guerra. A execução das dívidas competia ao alcaide, que poderia designar-se de acordo com a sua esfera de ação. Assim o alcaide das sisas era o oficial que tinha por missão executar as dívidas das sisas. O alcaide do mar tinha como missão coordenar o serviço marítimo de carga e descarga das mercadorias, de forma a evitar qualquer extravio. Em Machico, existiram dois com estas funções sendo um para a sede da capitania e outro para a vila de Santa Cruz. Na primeira localidade, o mesmo acumulava as funções de guarda da ribeira. O procurador da Fazenda ou solicitador da Fazenda era o oficial da Fazenda que tinha o encargo de proceder à arrecadação das dívidas à Fazenda Real. Em 26 de novembro de 1561, Fernão Lopes foi nomeado para este cargo. Era apoiado, nas suas funções de execução das dívidas, pelo alcaide do mar e pelo inquiridor dos feitos da Alfândega. Em algumas situações, temos a nomeação de solicitadores para missões específicas de cobrança de dívidas, como sucedeu, em 1558, com Manuel de Figueiró, a quem foi atribuída a missão de proceder à cobrança das dívidas não satisfeitas ao almoxarife Simão Rodrigues. Em 1573, o mesmo foi nomeado executor de todas as dívidas da Madeira. Para proceder à execução das dívidas, o executor deveria notificar os devedores e colocar os seus bens em execução, através de pregão público. Passados os 30 dias, se não houvesse nenhum lanço, o executor atribuía um valor ao produto em causa, e este passava a fazer parte dos próprios da Coroa. Ao procurador dos feitos da Fazenda competia a defesa dos interesses da Fazenda Real em todas as situações de contencioso sobre os direitos reais. Desta forma, estava informado sobre os feitos que corriam com o provedor da Fazenda, o vedor e o juiz da Alfândega. Deveria ser licenciado. Com a mesma alçada, temos ainda outros funcionários, como o juiz da Alfândega, que superintendia a administração da Alfândega. Encontramos o Regimento para estes cargos em Lisboa (1520) e no Porto (1535). Na Madeira, este cargo aparece em 1477, com a criação das Alfândegas, sendo exercido pelo contador do duque, pelo que era acumulado pelo mesmo. A ele competia, não só o julgamento dos casos sobre a administração da Fazenda, como a coordenação da ação dos oficiais da repartição, estabelecendo o horário de serviço e os produtos que podiam ser despachados, no calhau, sob a sua supervisão. A partir do séc. XVI, esta função de despacho passa para o feitor, que assume a função de coordenação e supervisão das questões ou pleitos que envolvam a Alfândega. Existiram dois: um para cada Alfândega da Ilha, apenas a partir de 1563, altura em que foi provido o primeiro juiz da de Santa Cruz sendo, até então, o cargo acumulado com o do Funchal. Todavia, em meados do séc. XVI, o do Funchal acumulava as funções com o de Machico, separando-se, a partir de 1563, com a nomeação de Tomé Alvares Usadamar. O juiz da imposição do vinho tinha o encargo de julgar as causas relacionadas com a imposição do vinho, um direito lançado para as despesas de funcionamento das câmaras municipais. O juiz das sisas, encarregado de julgar os feitos relacionados com o rendeiro ou recebedor das sisas e era eleito pela câmara para mandatos trienais. Tinha ao seu serviço um escrivão. Para a Madeira, temos referência a alguns cargos específicos, como o estimador, o quintador e o arrieiro-mor. O estimador do açúcar ou avaliador era aquele que procedia à estimativa ou avaliação da produção dos canaviais para, sobre a mesma, ser lançado o tributo. O ofício foi criado em 1467, sendo quatro o número de postos, em que se incluía o escrivão do Almoxarifado. Com a reforma do sistema de tributação de 1515, este cargo foi extinto pois a cobrança do quinto do açúcar deixou de estar baseada no estimo. Os estimadores eram eleitos pela vereação, de entre a lista de homens bons do concelho, para um período de três anos, devendo ser confirmados pelo senhor da Ilha. Recebida a confirmação, deveriam prestar juramento em Câmara, na presença do contador. No estimo de 1494, refere-se um João Adão, com a indicação de estimador por parte do povo e Martim Gomes, escrivão e estimador por parte do duque. A partir de 1495, a sua indicação passou a ser feita por sorteio, com o método dos pelouros. Os eleitos eram residentes na localidade onde deveriam proceder ao estimo e atuavam em conjunto com o almoxarife e seu escrivão. Em casos em que fossem suspeitos de favorecerem alguns dos agricultores, o almoxarife podia substituí-los. O arrieiro-mor era o funcionário encarregado de conduzir os vinhos às tabernas. Era uma forma de controlo da venda do vinho em público, para se lançar a imposição deste produto. Este ofício ainda se mantinha em 1804, altura em que João Pombo solicitou a propriedade vitalícia do mesmo. O quintador ou recebedor dos quintos era o funcionário que arrecadava o quinto, criado em 1515, para substituir o quarto sobre os açúcares, que recaía sobre a produção dos engenhos. O quintador dispunha de um livro (livro dos quintos) onde lançava todo o movimento de arrecadação do imposto. Competia-lhe, ainda, passar os respetivos comprovativos de pagamento, documentos que permitiam a saída do açúcar do engenho e que deveriam ser apresentado na Alfândega no momento de saída, ficando depois arquivados na Casa dos Contos, com acesso limitado ao provedor da Fazenda, ao almoxarife e ao feitor da Alfândega. No início, estes eram escolhidos pelos oficiais régios de entre os moradores e não tinham carta de ofício; depois, passaram a ser providos por carta régia. Pedro Fernandes teve nomeação régia para o cargo em 1545, funções que já exercia há 12 anos. O seu número era equivalente em Machico. No séc. XVI, na Calheta, existiu um regime especial em que um oficial régio e um morador se substituíam, de forma trienal, no exercício do cargo. Para cada uma das antigas comarcas – Funchal, Calheta, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Santa Cruz – era provido um quintador. Nas primeiras localidades, era apoiado por um escrivão. Ambos tinham de soldo um moio de trigo por ano. O seu provimento manteve-se no séc. XVII, mesmo com a produção reduzida ou sem qualquer significado comercial. Nos sécs. XVII e XVIII, manteve-se a mesma estrutura de arrecadação dos direitos da Coroa, mas adaptada à dimensão da cultura. Por mandado de 20 de dezembro de 1686, foi ordenada a extinção, a partir de 30 de julho, dos quintadores do açúcar de Santa Cruz, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta, pelo facto de a Ilha já não produzir açúcar. Mas cedo se reconheceu o erro de tal medida, uma vez que o açúcar continuou a produzir-se, ainda que em quantidades inferiores. O recebedor ou rendeiro é o funcionário que recebe as rendas. Há outros recebedores, relacionados com as instituições: o recebedor do almoxarife, oficial subalterno encarregado do recebimento das rendas e o recebedor da Fazenda dos distritos, criados por decreto de 24 de abril de 1836, com o objetivo de procederem à cobrança das receitas da Fazenda e enquadrados numa política que facilitasse a sua cobrança; o recebedor das alfândegas, que tinha o encargo de receber e arrecadar os direitos alfandegários; o recebedor dos direitos e das rendas do rei, que tinha o encargo de receber todos os direitos do rei; o recebedor dos contratadores das rendas, que era o funcionário encarregado pelos contratadores das rendas de proceder à sua arrecadação; beneficiavam da mesma jurisdição que estava acometida aos almoxarifes, podendo o cargo referir-se a uma renda específica – daí o recebedor da imposição, que tinha o encargo de receber e arrecadar o dinheiro da imposição do vinho, e o recebedor da miunça, ou carreteiro, que recebia o dízimo ou miunça e o transportava ao local de recolha. Em caso de contrato de arrendamento, era apresentado pelos rendeiros ao provedor da Fazenda, perante o qual prestava juramento; noutras circunstâncias, era nomeado pelo próprio provedor. Para além disso, deveria dar conta ao escrivão dos quintos da recebedoria da sua área, em relação aos produtos arrecadados e seus proprietários. A Fazenda Real tinha celeiros e adegas para a recolha dos cereais e do vinho, de onde procedia à sua distribuição, de acordo com as ordinárias estabelecidas por alvará régio, em género. Muitas vezes, os clérigos recebiam as suas ordinárias na terra. No caso em que a sua arrecadação era feita por rendeiros, esta função de redistribuição das ordinárias da lista era desempenhada pelo próprio rendeiro. Por fim, o recebedor da sisa tinha o encargo de receber e arrecadar as sisas.   Documentação e Impostos A 14 de julho de 1836, o Palácio da Inquisição ao Rossio, edifício onde estava instalada a Junta de Juros e a Contadoria do Tribunal do Tesouro, foi alvo de um incêndio que destruiu toda a documentação, tendo sido esta, depois, transferida para o Palácio dos Almadas, também no Rossio. O dec.-lei n.º 28.187, de 17 de novembro de 1937, criou o Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, que teve como fundo principal toda a documentação existente na Direcção-Geral da Fazenda Pública, proveniente de diversos serviços, extintos em 1934, da secretaria geral do Ministério dos Negócios da Fazenda, dos Cartórios da extinta Casa Real e das Companhias Geral, de Comércio e Navegação para o Brasil, a Índia e Macau. Com a sua extinção, pelo dec.-lei n.º 106-G/92, de 1 de junho, o acervo foi integrado nos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. A cultura contabilística em Portugal foi muito precária, atingindo, de forma particular, as políticas arquivísticas de preservação de fundos documentais a ela ligados. Olhando aos espólios disponibilizados pelos arquivos públicos, nota-se esta pouca atenção e uma insuficiente preservação do património documental relacionado com a atividade financeira e contabilística do Estado e das instituições públicas. A documentação da Provedoria da Fazenda do Funchal (1508-1775) e da Junta da Real Fazenda do Funchal (1775-1832), um dos principais suportes para este tipo de informação, é muito incompleta. A documentação deste núcleo é posterior a 1640, com particular incidência para o período que vai de meados do séc. XVIII ao fim desta instituição, em 1834. Mesmo assim, as disponibilidades documentais são limitadas. Assim, para os rendimentos globais, a informação é mais completa a partir das últimas décadas do séc. XVIII. Quanto aos diferentes impostos cobrados e sob a sua administração, o panorama é idêntico. Há informação sobre os direitos do açúcar (1600, 1689-1766), para um período em que o mesmo tem uma importância relativa. Dos demais tributos, temos a assinalar apenas: bula da santa cruzada (1611), dízimos (1766-1768, 1775-1833), dízima (1768-1773, 1775-1838), décimas (1809-1833), novos direitos (1649-1833), papel selado (1803-1825), selo (1810-1834), sisa (1810-1842), subsídio literário (1776-1834) e 4,5 % da imposição da carne (1775-1842). Das alfândegas da Ilha, aquilo que resta da documentação prende-se com a do Funchal e é ainda mais incompleto. Na Torre do Tombo, estão os documentos recolhidos no séc. XIX, que vão até ao ano de 1834; no Arquivo Regional da Madeira, está disponível a documentação posterior a esta data e até 1970, recolhida entre 1951 e 1975. A Alfândega do Funchal apresentava, por força da atividade de exportação do açúcar e do vinho, uma receita significativa no quadro das alfândegas nacionais. Mas a informação sobre os direitos de entrada e saída da mesma, a principal receita da instituição e da Ilha, aparece de forma lacunar desde 1650. Para o período anterior, e que medeia entre a sua criação em 1477 e esta centúria, faltam dados. Temos dados avulsos para os anos de 1505, 1506, 1523-1524. Atente-se ao facto de que, para o período áureo do açúcar, não dispomos de documentação que permita com exatidão asseverar o rendimento do senhorio e da Coroa; para além desta ausência dos registos da receita de entrada e saída, não dispomos de informação capaz para saber da importância do rendimento com outras cobranças de direitos, nomeadamente o quarto (1467), o quinto (1515) e o oitavo (1675). Faltam, ainda, registos e documentos importantes das instituições mais recentes, como a Junta Geral do Funchal (1832-1895, 1901-1976), não dispondo os arquivos da Região de todos os orçamentos e contas, e.g.. É evidente uma indisciplina financeira, uma confusão e falta de eficácia tributária, com inúmeros tributos, taxas e impostos, muitos dos quais nunca foram cobrados, a que se soma a incúria na preservação da documentação. O panorama é deveras desolador e torna quase impossível um trabalho, no âmbito da história financeira para os sécs. XV a XVIII, um dos períodos mais pujantes da economia madeirense. Para além disso, é notória uma disparidade dos dados financeiros apresentados nas publicações e nos documentos das várias entidades. A primeira questão prende-se com a deficiente cultura contabilística que sempre existiu. Por outro lado, as informações estatísticas só permitem seriações a partir do séc. XIX e, mesmo nesta centúria, os dados são, muitas vezes, escassos. No que diz respeito ao período até ao séc. XIX, as lacunas são imensas. No que diz respeito aos séculos anteriores a XIX, como referimos, os dados são avulsos e não permitem as necessárias seriações. Até à altura em que foi criado o Erário Régio, em 1761, carecemos de uma contabilidade centralizada, para além de não dispormos de orçamentos ou cômputos, quer da receita, da despesa ou da dívida pública. Faltam os livros dos contadores da Provedoria da Fazenda, os registos completos da Alfândega. No caso da despesa, são de significativa importância os orçamentos do Estado a partir de 1834, que, embora estivessem já estabelecidos na Constituição Liberal de 1822, só tiveram execução a partir desta data. Entretanto, os dados estatísticos são posteriores, uma vez que, só a partir de 1875, temos a informação oficial através do Anuário Estatístico. Recorde-se que o Instituto Nacional de Estatística só foi fundado em 1935, embora seja evidente, a partir de 1836, uma preocupação das estruturas de poder central no sentido da recolha de informação estatística. Deste modo, em 1836, surgiu, no Ministério do Reino, o primeiro serviço oficial de estatística, que ficou conhecido como Comissão Permanente de Estatística e Cadastro do Reino. Também o Código Administrativo de Passos Manuel, publicado no mesmo ano, impunha a todas as autoridades dos distritos a recolha deste tipo de informação. O Código de Costa Cabral (1842) segue as mesmas orientações, atribuindo aos governadores civis responsabilidade quanto ao cadastro e à estatística dos distritos. Em 1857, foi criada a Comissão Central de Estatística, que tinha como objetivo dirigir os vários níveis institucionais e centralizar a publicação de dados. Poucos anos depois, em 1859, foi criada a Repartição de Estatística do Ministério das Obras Públicas. Relativamente aos períodos anteriores, a informação disponível é, deste modo, avulsa.   Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

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pautas aduaneiras

As pautas aduaneiras podiam ser únicas ou múltiplas (ou seja, o objeto era alvo de uma tributação única ou variável, de acordo com a sua origem ou condições de importação), ou mistas. A partir da década de 30 do séc. XIX, ocorreram diversas alterações nas pautas, as quais foram apontadas por vários madeirenses como responsáveis pelas dificuldades comerciais do arquipélago. Palavras-chave: Alfândegas; Pautas.   As pautas aduaneiras eram tabelas de mercadorias, com as respetivas taxas de importação e exportação. Estas pautas podiam ser únicas ou múltiplas, ou seja, o objeto era alvo de uma tributação única ou variável, de acordo com a sua origem e as suas condições de importação. Havia, ainda, as chamadas pautas mistas, que contemplavam as duas situações. A necessidade da sua quase permanente adaptação às novas circunstâncias do mercado obrigou as autoridades a criarem comissões para a sua revisão. As alfândegas foram criadas na Madeira em 1477 e o seu funcionamento em termos de regulamentação das taxas foi estabelecido por regimentos (1499). Na documentação da antiga Alfândega do Funchal, existem: as avaliações de artigos de produção e indústria inglesa (1811); a Pauta Geral da Alfândega grande de Lisboa – impresso, cópia e emolumentos (1782-1836); e a Pauta Geral e inglesa para a avaliação das mercadorias (1834). A Pauta Geral da Alfândega era um documento onde se estabeleciam as normas precisas para avaliação dos géneros, sob o ponto de vista fiscal. Foi estabelecida em 1782, por D. Maria I, para a Alfândega de Lisboa, e tornou-se aplicável a todas as do reino, tendo-se mantido até 1832. Entretanto, em 1818, D. João VI, no Brasil, determinou, por alvará régio de 25 de abril, alterações aos direitos pagos nas Alfândegas de Portugal e do Brasil. O facto de as pautas terem sido estabelecidas, de forma geral, para o país, ignorando as especificidades, nomeadamente dos arquipélagos insulares, criou várias situações penalizadoras que fizeram levantar a voz dos insulares. O debate político local, nomeadamente após a revolução liberal, será muitas vezes alimentado em torno destas pautas e dos seus efeitos positivos ou negativos para a vida económica local, insistindo-se na necessidade de adaptações ou de uma pauta específica. Pelo dec. n.º 14, de 20 de abril de 1832, fez-se a reforma da Pauta Aduaneira, a que se seguiu outra, pelo dec. de 10 de Janeiro de 1837. A partir desta data, a Pauta passou a ser geral para todo o país, deixando de existir pautas específicas para cada Alfândega. É nítida uma intenção livre-cambista, mas a necessidade de receita impediu um maior progresso. A 4 de julho de 1835, foi criada uma comissão para proceder à revisão da Pauta. A nova Pauta entrou em vigor pelo decreto de 10 de janeiro de 1837. A Madeira não foi ouvida e apenas foram considerados os interesses da burguesia comercial do Porto e Lisboa. Por essa razão, a referida Pauta revelou-se danosa para as demais regiões, nomeadamente para a Madeira, tendo por isso merecido a contestação dos madeirenses, por permitir a entrada livre de vinhos e aguardentes do continente. Mesmo assim, alguns artigos considerados ruinosos para a Madeira foram suspensos pelas Cortes, por influência do deputado Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, que fora governador e era então deputado eleito pela Madeira. No séc. XIX, a cobrança dos direitos de exportação no Funchal estava regulamentada por duas Pautas: a geral e a inglesa. A última, feita de acordo com o tratado de comércio com Inglaterra (1810), determinava privilégios especiais aos Ingleses. Diogo Teles de Menezes (1788-1872), diretor da Alfândega, decidiu, por sua iniciativa, fundir ambas e criar uma nova Pauta Alfandegária, que motivou um aceso protesto da Associação Comercial do Funchal, que fora criada em 1836. Em 1839, a Associação Comercial submeteu à Câmara do Funchal uma proposta de alteração da Pauta, que não foi contemplada. Todavia, na revisão da Pauta de março de 1841, a Madeira continuaria a manter o regime de exceção para os vinhos aguardentes e os cereais. Neste mesmo ano, surgiu, no Funchal, uma comissão auxiliar da comissão permanente da Pauta Geral das Alfândegas. As diversas alterações e reformas da Pauta Aduaneira que tiveram lugar ao longo do séc. XIX (em 1837, 1841, 1850, 1852, 1856, 1860, 1870, 1882, 1885, 1887, 1892, 1924 e 1926) sempre mereceram reparos dos madeirenses, que a apontaram como responsável pelas dificuldades comerciais do arquipélago, nomeadamente devido à falta de competitividade com os portos vizinhos das Canárias. Com efeito, a Pauta será motivo de permanente reclamação, porque a Madeira está numa situação distinta dos demais portos do reino e as medidas protecionistas apenas ponderam as condições de Portugal continental. A este propósito, diz-nos Paulo Perestrelo da Câmara: “Finalmente deve-se contemplar, na massa dos males, que, ultimamente mais tem pesado sobre a Madeira, a lei das Pautas, que com os seus efeitos proibitivos, nada mais tem feito, senão aperfeiçoar a ciência do contrabando, dando cabo de um comércio já tão enfraquecido. A mania de tudo mudar, levou esses novos legisladores á demencia de por a Madeira na mesma escala de produções e interesses que Portugal, com quem esta ilha não pode comerciar, pois abundando em vinhos excelentes, não os consome aquela, a quem também não pode fornecer os artefactos, de que carece. A Madeira só pode negociar com países não vinhateiros, e deles receber os artigos de que carece, mas com direitos suaves” (CÂMARA, 1841, 95-96). Assentando a economia da Ilha apenas no comércio do vinho e, sendo este o principal alvo das tributações, era difícil conseguir algum lucro e competitividade no mercado externo. Por outro lado, a Madeira necessitava de importar tudo aquilo de que precisava para a sua manutenção, desde manufaturas a cereais. Na mesma linha, a possibilidade de trazer para a Madeira parte da navegação oceânica, como forma de animar o movimento do porto comercial, passaria por medidas que favorecessem essa situação, face às melhores condições oferecidas por outros portos como os das Canárias. Neste caso, existiria a necessidade de estabelecer condições mais favoráveis à entrada e saída no porto do Funchal, através da criação de infraestruturas e de medidas fiscais que não fossem penalizadoras, nomeadamente quanto à entrada e saída do carvão, o principal meio de combustível a partir desta centúria. O grande objetivo era fazer do Funchal a principal estalagem do oceano. Uma pauta penalizadora destas importações era, portanto, prejudicial para a Madeira, fazendo aumentar o clamor por soluções aduaneiras que tivessem em conta esta situação específica, que raras vezes merecia a aprovação e o entendimento dos pares e das autoridades da metrópole. As Pautas necessitavam de permanente atualização, criando-se para o efeito comissões específicas. A Comissão Revisora foi criada para aceitar as reclamações sobre as mesmas e propor a sua reforma, de acordo com a situação da indústria nacional e com as alterações das pautas estrangeiras. Reorganizada por decreto de 31 de março de 1845, foi extinta em 28 de dezembro de 1852, para dar lugar à Comissão para as Pautas Aduaneiras que, por sua vez, deu lugar, por decreto de 25 de outubro de 1859, à Comissão Revisora da Pauta Geral da Alfândega, que estava incumbida da missão de proceder à realização da estatística das fábricas e oficinas do país, à recolha de informações sobre a produção, o consumo e a exportação dos seus produtos e, ainda, ao estudo sobre a importação de produtos das indústrias estrangeiras. Foi substituída, a 3 de novembro de 1861, pelo Conselho Geral das Alfândegas. As reformas das Alfândegas foram estabelecidas pela portaria de 14 de outubro de 1864 e pelos decretos de 7 de dezembro de 1864, bem como de 28 de agosto e de 23 de dezembro de 1869, tendo o corpo auxiliar das Alfândegas sido transformado num serviço de rondas volantes. O decreto de 7 de dezembro de 1864 estabelece a reorganização das Alfândegas, com a extinção da Administração Geral do Pescado, e constitui duas circunscrições: a marítima e a da raia. Na Alfândega do Funchal, a regulamentação de toda a atividade da repartição, bem como o cômputo e a arrecadação dos direitos de entrada e saída regulavam-se através das Pautas de 1843, 1850, 1856, 1860, 1885 e 1887, e por meio das cartas de lei de 1844-1845. Os serviços da Alfândega diferenciavam-se dos do Almoxarifado por estes apenas poderem proceder à cobrança, funcionando, assim, como recebedoria. Com a Pauta de 1892 foram consideradas algumas especificidades locais das ilhas, com salvaguarda o comércio do açúcar na Madeira, nos Açores e no continente, com uma taxa reduzida de 1/4 do seu valor monetário. Com a implantação da República, introduziram-se alterações na cobrança dos direitos, sendo de destacar que apenas em 9 de fevereiro de 1915 se suspendeu a cobrança do imposto de farolagem no porto do Funchal, uma medida reclamada havia muito tempo, que ganhou força de lei pela intervenção do visconde da Ribeira Brava. Por força da desvalorização da moeda e da Primeira Guerra Mundial, ficou determinado, pelo dec. n.º 41.333, de 18 de abril de 1918, que os direitos de importação seriam pagos em ouro. Criaram-se, assim, dificuldades à exportação, assim como à entrada de mercadorias. Por outro lado, o dec. n.º 4682, de 27 de abril de 1918, estabeleceu sobretaxas relativas à importação de diversas mercadorias. A oneração fiscal das importações continuou, pois, pelo dec. n.º 6263, de 2 de dezembro de 1919, e foram duplicados todos os direitos e sobretaxas de importação estabelecidos em 1918, permanecendo a exigência do pagamento em ouro, mas aplicada apenas de metade do valor. Posteriormente, o dec. n.º 1193, de 31 de agosto de 1920, determinou que o quantitativo integral dos direitos e sobretaxas fosse exigido em ouro. A Pauta única nacional vigorou, por todo o séc. XIX, dando lugar, com a reforma de 1921, ao regime de pauta múltipla. Em 1922, insiste-se na falta de funcionários, mas a principal reclamação recaía sobre o quase permanente aumento das pautas, numa altura de grave crise económica, marcada por descidas, quase contínuas, da moeda portuguesa. Pelo dec. n.º 8747, de 31 de março de 1923, foi aprovada nova Pauta Aduaneira em que foram abolidas algumas sobretaxas. Ao mesmo tempo, em 17 de março, criou-se um adicional de 2 % sobre todos os direitos de importação para acudir às despesas com a Misericórdia do Funchal. Depois, a 10 de março do ano seguinte, surgiu mais um adicional de 5 % para o serviço de incêndios. A Pauta foi revista pela lei n.º 1668, de 9 de setembro de 1924, e não gerou consensos; era uma forma de regularizar o comércio externo no pós-Primeira Guerra Mundial. A 12 de outubro de 1926, os combustíveis sólidos ou líquidos passam a ser taxados a 0,5 % sobre o seu valor. No quadro da lista de produtos das pautas alfandegárias, os valores cobrados pelas farinhas e os cereais mereceram, por parte dos madeirenses, uma atitude de permanente repulsa, tendo em conta a dificuldade que tinham em se prover dos mesmos. Com o regime da Ditadura Militar, ocorreu uma reforma da Pauta, consoante o dec. n.º 17.823, de 31 de dezembro de 1929, que era já a expressão plena da mudança das conjunturas mundiais, política e económica. Todavia, as medidas protecionistas continuaram a marcar presença, como se poderá verificar pelos decs. n.º 20.935, de 26 de fevereiro de 1932, que impunha um adicional de 20 % aos direitos de importação, e n.º 24.115, de 29 de junho de 1934, por meio do qual foi estabelecido o regime de proteção de bandeira, ao serem taxadas, através de um adicional de 13,5 %, as mercadorias exportadas em navios estrangeiros. Já o dec.-lei n.º 30.252, de 30 de dezembro de 1939, duplicou o valor dos direitos de exportação específicos e fez incidir 2,5 % sobre a taxa dos direitos de exportação ad valorem. Esta situação perdurou até 1947. No período da guerra, a principal atenção foi para a exportação de volfrâmio.A partir de 1948, com a entrada de Portugal na Organização Europeia de Cooperação Económica, e depois em 1959, com a adesão à Associação Europeia do Comércio Livre, foram operadas outras mudanças nas pautas, pelo dec.-lei n.º 42.656, de 18 de novembro de 1959. Este processo culmina, em 1962, com a adesão de Portugal ao Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio. Entretanto, em 1961, havia sido criada uma zona de comércio livre entre Portugal e as colónias que, por ter sido um fracasso, foi abolida em 1971. Em 1972, Portugal assinou um tratado de associação à Comunidade Económica Europeia que seria o início de uma caminhada para a sua integração nesta comunidade em 1986, com reflexos evidentes, também, nas pautas aduaneiras, como expressado no dec.-lei n.º 19/92, de 5 de fevereiro, que aprovou a Pauta dos Direitos de Importação que conduziu à aplicação da Pauta Aduaneira comum, a partir de 1 de janeiro de 1993. Com a entrada de Portugal na CEE, houve uma alteração das pautas alfandegárias. Assim, a Pauta Aduaneira comum, um dos elementos constitutivos da união aduaneira, é publicada anualmente por regulamento comunitário, que altera o regulamento de base (regulamento CEE n.º 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à Pauta Aduaneira comum). A Pauta Aduaneira compreende, entre outros elementos, os direitos de importação e a nomenclatura combinada das mercadorias. Além desta, existe a Pauta de Serviço, que é o documento onde se estabelecem as informações sobre a tributação das mercadorias importadas de países terceiros. Constam ainda da mesma as medidas de política comercial comum, nomeadamente restrições quantitativas, direitos aduaneiros, direitos anti-dumping, suspensões e contingentes pautais, bem como as medidas de âmbito nacional, tais como o imposto sobre o valor acrescentado, os impostos especiais de consumo e as informações complementares sobre as condições de desalfandegamento das mercadorias. A Pauta de Serviço é elaborada com base nos elementos integrados da Pauta Integrada das Comunidades Europeias (TARIC) que são recebidos, diretamente, de Bruxelas. Contém, igualmente, informações de carácter nacional (taxas do IVA e informações sobre as condições a respeitar na importação e exportação de mercadorias). Por fim, existe a Pauta Integrada da Comunidade Europeia, que é a Pauta Aduaneira comum, em sentido lato, atendendo a que o regulamento anual não contém diversos elementos essenciais para o desalfandegamento das mercadorias, nomeadamente taxas dos direitos aduaneiros a aplicar no âmbito de regimes pautais preferenciais, suspensões de direitos de importação, direitos anti-dumping, licenças de importação, medidas de vigilância, proibições, etc.   Alberto Vieira (atualizado a 19.12.2017)

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ferraz, joão higino

Filho de João Higino Ferraz e neto de Severiano Alberto Ferraz, foi um destacado técnico e cientista do engenho Hinton entre 1888 a 1946, tendo sido o responsável por muitas das inovações introduzidas nos processos de produção de açúcar e de vinho. Palavras-chave: açúcar; vinho; engenhos; Hinton. Nascido no Funchal em 1863, é filho de João Higino Ferraz e neto de Severiano Alberto Ferraz (1792-1856), o primeiro a construir um engenho a vapor na ilha da Madeira, em 1856. Terá também sido o seu avô quem estabeleceu, entre 1848 e 1856, uma fábrica da família na Ponte Nova, onde João Higino começou a trabalhar e cuja direção assume em 1882. Era um jovem de 18 anos que se tornava responsável pela fábrica e que se manteve no cargo de direção até 1886, altura em que a família foi forçada a vender o edifício e os equipamentos em praça pública. Liquidada a fábrica, esteve dois anos sem emprego até que, em 1888, arrendou, em sociedade com o tio, João César de Carvalho, a fábrica de destilação da Ponte Deão, de Severiano Cristóvão de Sousa. No ano imediato, entrou para a fábrica do Torreão, da firma William Hinton & Sons, como técnico de fabrico de açúcar e álcool, assumindo a gerência industrial e técnica. Num manuscrito lavrado pela mão do próprio, João Higino Ferraz diz que, em 1900, assinou contrato com a fábrica do amigo Harry Hinton, a que ficou vinculado até à morte, em 1946. Todavia, e de acordo com o primeiro copiador de cartas, sabemos que estava ao serviço da firma desde 18 de outubro de 1898, como se pode confirmar pela carta enviada ao amigo e patrão Harry Hinton, solicitando a sua presença no engenho em construção para poder decidir sobre a forma de disposição das máquinas. No sentido de dar continuidade ao processo de modernização da fábrica do Torreão, esteve de visita aos complexos industriais franceses que laboravam a beterraba para o fabrico de açúcar. A visita foi proveitosa, refletindo-se nas modernizações do sistema do engenho de Hinton. Esta experiência terá sido importante para a saída que fez, em 1930, a Ponta Delgada (São Miguel), para dar alguns ensinamentos sobre o processo de fabrico de açúcar, nomeadamente a fermentação do melaço. Em julho de 1927, embarcou para o Lobito com Charles Henry Marsden (1872-1938), um engenheiro natural de Essex responsável pela modernização do engenho da casa Hinton, para montar uma estrutura mais moderna no engenho Cassequel, propriedade da casa Hinton. Aí permaneceu 103 dias, regressando ao Funchal a 13 de dezembro de 1928. O diário da saída, compilado numa agenda, documenta o processo de montagem da fábrica e as dificuldades de adaptação das peças ao conjunto da estrutura. Em 1945, lamentava-se: “sou pois técnico em fabricar açúcar e álcool, desde 1884 a 1945 = 61 anos. Não tenho direito a ter o título de técnico de fabricar açúcar e álcool oficialmente em Portugal? […] Desejava pois obter o título oficial de técnico de fabricar açúcar e álcool ou como técnico prático de fabricar açúcar e álcool” (FERRAZ, 2005b, 44). Mas acabou por morrer sem que fosse reconhecido o seu gigantesco trabalho como técnico, tendo sido a principal alma da permanente atualização tecnológica e química da fábrica do Hinton, que foi na época uma das mais avançadas tecnologicamente. A ideia está presente também no testemunho do próprio: “Nestes longos (60) anos assisti a variados sistemas de fabrico, desde quase do início de maneiras antigas no fabrico do açúcar de cana, destilação, etc., etc., acompanhando sempre os progressos nestas indústrias até hoje, principalmente desde 1900 a 1944, na fábrica do Torreão, onde pusemos em trabalho consecutivamente os sistemas os mais aperfeiçoados e mais modernos no fabrico de açúcar e álcool” (Id., 2005a, 39). Na correspondência com Harry Hinton, transparece uma perfeita sintonia entre os dois, que favoreceu o processo de permanente atualização tecnológica e química; partilhavam a mesma paixão pela indústria e desenvolvimento do engenho do Torreão. João Higino Ferraz não receia manifestar, diversas vezes, a amizade que o prende ao patrão. Em 1917, confessa: “Harry Hinton é um dos meus melhores amigos”. Passados 10 anos, confessa que a viagem a África sucedeu apenas “para ser agradável ao senhor Hinton a quem devo amizade e reconhecimento” (Id., Ibid., 40). João Higino Ferraz era o superintendente, mas acima de tudo um cientista que procurava aperfeiçoar os conhecimentos de química e tecnologia, através do confronto entre a literatura estrangeira e a sua capacidade inventiva. Manteve-se, assim, atualizado através da leitura de publicações, fundamentalmente francesas. Nos estudos, manifesta-se um cientista arguto que não detém a atenção apenas na cana sacarina, pois estuda e opina sobre o uso de outros produtos no fabrico de açúcar e álcool, como é o caso da batata e da aguardente.   Se confrontarmos a literatura científica mais significativa dessa altura, de finais do séc. XIX até à Segunda Guerra Mundial, verificamos que os conhecimentos e as técnicas mobilizados no engenho de Hinton são permanentemente atualizados e que se pautam por padrões de qualidade, integrando informações sobre os métodos mais avançados, como os estudos dos engenheiros químicos e industriais que marcaram o processo tecnológico do momento. Aliás, mantém contacto com inúmeras associações científicas europeias, como era o caso da Association des Chimistes de Sucrerie et de Distillerie. Na correspondência, surgem assiduamente nomes de cientistas europeus, como Barbet e Naudet. É de João Higino Ferraz o invento de um aparelho de difusão cujos direitos cedeu, em 19 de novembro de 1898, à firma William Hinton & Sons. Naquilo que resta da sua biblioteca, encontra-se um conjunto valioso de tratados de química e tecnologia relacionados com o açúcar. Sob a sua orientação, foram feitas várias experiências e adaptações dos sistemas tecnológicos importados. Em 1929, em carta ao amigo Avelino Cabral, que estava no Lobito, refere: “Como tenho tido tempo estou em estudos e experiências com o fermento Possehl’s no laboratório, e tenho obtido coisas bastante curiosas nas culturas feitas”. Ainda em carta ao mesmo refere a utilidade das inovações e experiências: “para que a parte comercial de uma indústria dê o resultado, é necessário ver também a parte industrial ou técnica” (Id., Ibid.). Apenas em 1922 temos informação de quanto auferia João Higino Ferraz pelos serviços prestados à fábrica Hinton. Para o novo contrato a celebrar reclamava 63 libras mensais, sendo o câmbio realizado mensalmente, ficando “com pulso livre para fazer e dirigir as minhas pequenas indústrias fora de açúcar, álcool e aguardente, não prejudicando por estes meus trabalhos a direcção técnica da fábrica de açúcar e álcool do Torreão” (Id., Ibid.). João Higino Ferraz fica para a história como um dos principais obreiros da modernização do engenho do Hinton ocorrida na primeira metade do séc. XX. Enquanto esteve à frente dos destinos da fábrica, de 1898 a 1946, foi imparável na sua adequação aos novos processos e inventos que iam sendo divulgados, não se coibindo mesmo de fazer algumas experiências com o equipamento e os produtos químicos. Opina sobre agronomia, bem como sobre mecânica e química, mantendo-se sempre atualizado sobre as inovações e experiências na Europa, nomeadamente em França. Da sua lista de contactos e conhecimentos fazem parte personalidades destacadas do mundo da química e da mecânica. Assim, para além dos contactos assíduos com Naudet, refere-nos com frequência os estudos de Maxime Buisson, M. E. Barbet, M. Saillard, F. Dobler, M. D. Sidersky, Luiz de Castilho, M. H. Bochet, M. Effort e M. Gaulet. À frente do engenho, a sintonia e empenho de Ferraz e Hinton fizeram com que a Ilha apresentasse, entre finais da centúria de oitocentos e inícios da seguinte, uma posição destacada no sector, atraindo as atenções a nível mundial. O Hinton acolhe especialistas de todo o mundo, na condição de visitantes ou como contratados para a execução dos trabalhos especializados. O Eng.º Charles Henry Marsden foi um deles, tendo aí trabalhado entre 1902 e 1937, altura em que saiu doente para Londres, onde faleceu no ano seguinte. A sua presença está documentada pelo menos em 1918, 1929 e 1931. Destaca-se também o Eng.º químico agrícola Maxime Buisson, que, em 1902, trabalhava no laboratório. Para o fabrico de açúcar, contratavam-se os afamados cuiseurs em França, de forma a seguir-se à risca as orientações de Naudet. O empenho de João Higino Ferraz não ficou por aqui, pois apostou também no processo de vinificação, âmbito no qual protagonizou algumas inovações que marcaram as primeiras décadas do séc. XX. A documentação disponível refere o seu empenho no processo de fabrico de vinho, aguardentes e outras bebidas, como a cidra, a cerveja e o vinho espumoso. A partir de 1905, J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedeu com o fabrico do açúcar, manteve-se permanente atualizado sobre a tecnologia francesa de fabrico de todo o tipo de bebidas fermentadas e destiladas. São frequentes as referências a equipamentos franceses, bem como a um conjunto de títulos sobre o tema, de que era possuidor de alguns exemplares. Na déc. de 20, construiu uma vinharia onde foi possível montar o aparelho de evaporação Barbet e um moderno sistema de refrigeração. Ao nível da destilaria, devemos assinalar a sua presença em Almeirim, em 1916, para montar um aparelho francês. As experiências levaram-no a produzir cidra, cerveja e malte, e, com vinho branco, xarope de uva, vinho de mesa e espumoso – que chamava de “fantasia” para não se confundir com o francês –, vinagre, vinho cidre maltine, licores finos, anis escarchado e genebra, que vendia localmente e exportava para alguns mercados como a Alemanha. Por outro lado, tentou imitar os vinhos franceses, o sauterre e o champagne. Da sua lista de experiências, constam ainda as que fez para o fabrico de geleia de pêro, marmelada de bagaço de pero e fermento puro de uva para uso medicinal. Ferraz apostou, pois, no aperfeiçoamento do processo de vinificação, sendo a sua vinharia um exemplo disso. Neste contexto, fez diversas demonstrações sobre o uso dos processos Barbet e Sémichon, sendo defensor da necessidade da compra da uva ao agricultor, medida que contribuía para um maior aproveitamento das massas vínicas e para um maior cuidado no acompanhamento do processo de vinificação que defendia. Numa época em que o vinho jaquet, casta americana, dominava a produção, fez ensaios para o seu uso com o vinho Madeira e com o vinho de mesa para consumo local. Além disso, apresentou um vinho de mesa ligeiramente gasoso, pelo processo de M. Mercey, que, no seu entender, deveria competir com a cerveja. Sucede que, nas experiências de 1914, o vinho posto à venda não teve grande aceitação, porque as garrafas haviam perdido parte do gás carbono por causa da má qualidade da rolha. Mesmo assim, retoma essas experiências em 1927. J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedeu com o conde de Canavial, bateu-se por mudanças radicais no processo de fabrico do vinho, apelando ao abandono das técnicas tradicionais a favor das vantagens das descobertas entretanto ocorridas na centúria de oitocentos no processo de vinificação, com os sistemas Barbet e Sémichon. Todas as experiências e ensaios eram sempre fundamentados com estudos científicos de carácter químico, nomeadamente franceses, e com a apresentação de equipamentos, maioritariamente com origem na tecnologia açucareira, que o mesmo adaptava, pelas suas próprias mãos, ao fabrico do vinho. A tudo juntava estudos minuciosos de viabilidade económica do novo produto, no sentido de convencer a Casa Hinton ou outros parceiros, mas o gosto madeirense não se mostrou favorável à novidade. Os conhecimentos adquiridos com o fabrico de açúcar no engenho do Hinton foram fundamentais para estes ensaios, mas o sucesso da iniciativa não foi coroado de êxito, pelo que acabará por abandonar esta atividade em 1942. O arquivo do engenho do Hinton é, por força das circunstâncias atrás descritas, fundamental para o conhecimento da história contemporânea da agricultura madeirense. Todavia, a forma conturbada como sucedeu o processo de desmantelamento da estrutura para a construção de um jardim público conduziu a que toda esta memória desaparecesse. Felizmente, tivemos a possibilidade de encontrar alguns testemunhos avulsos no arquivo particular de João Higino Ferraz. A documentação disponível, copiadores de cartas, livros de notas e apontamentos, constitui um acervo raro na história da técnica e da indústria. Não se conhecem casos idênticos de livros de apontamentos em que o técnico documenta, quase minuto a minuto, o que sucede na fábrica, desde os percalços do quotidiano às questões técnicas e laboratoriais. Para além disso, se tivermos em conta que a mesma documentação abrange um período nevrálgico da história de indústria açucareira, marcada por permanentes inovações no domínio da metalomecânica e da química, compreendemos claramente a importância deste tipo de espólio, que mais se valoriza pelo facto de ser, até aos começos do séc. XXI, o único divulgado e conhecido. O conjunto de nove livros referentes às cartas abarca um período crucial da vida do engenho do Hinton (1898-1937), marcado por profundas alterações na estrutura industrial, por força das inovações que iam acontecendo. A partir deste acervo de cartas, é possível conhecer tudo isso, mas também deduzir algo mais sobre o funcionamento desta estrutura. Ao mesmo tempo, ficamos a saber que João Higino Ferraz era, em Portugal, uma autoridade na matéria, prestando informações a todos os que pretendessem montar uma infraestrutura semelhante. Assim, em 1928, acompanhou a montagem do engenho Cassequel, no Lobito, onde a família Hinton tinha interesses, e esteve, em junho de 1930, em Ponta Delgada, nos Açores, a ensinar a fermentar melaço de açúcar de beterraba, na Fábrica de Santa Clara. Harry Hinton surge, em quase toda a documentação, como um interveniente ativo no processo, conhecedor das inovações tecnológicas e preocupado com o funcionamento diário do engenho, nomeadamente com a sua rentabilidade. J. H. Ferraz informava-o, de forma quase diária, de tudo o que se passava. A proximidade do Funchal aos grandes centros de decisão e inovação tecnológica da produção de açúcar a partir de beterraba, na França e Alemanha, associados aos contactos de H. Hinton e ao seu espírito empreendedor fizeram com que a Madeira estivesse na primeira linha da utilização da nova tecnologia. Em 1911, documentam-se diversas experiências com equipamento. Além disso, funcionava como espaço de adaptação da tecnologia de fabrico de açúcar a partir da beterraba para a cana sacarina. Daí as diversas deslocações de J. H. Ferraz a França (1904 e 1909) e os permanentes contactos com alguns estudiosos e fábricas. Tenha-se em conta que o mesmo era sócio da Association des Chimistes em França, sendo por isso leitor assíduo do seu Bulletin. Por outro lado, alguns inventores, como Naudet e engenheiros de diversas unidades na América (Brasil e Tucuman), Austrália e África do Sul, estavam em contacto com a realidade madeirense, fazendo, por vezes, deslocações para estudar o caso do engenho madeirense. A erudição de J. H. Ferraz era vasta, dominando toda a informação que surgia sobre aspetos relacionados com o processo industrial e químico do fabrico do açúcar. Para além da leitura do Bulletin de l’Association des Chimistes, temos referências à leitura do Journal de Fabricants de Sucre, e podemos documentar na sua biblioteca a existência de diversas obras da especialidade, muitas delas referenciadas nos livros de notas ou cartas. Aliás, nas cartas que manda a Harry Hinton quando este se encontra no estrangeiro, pede-lhe frequentemente publicações recentes. O corpo documental provém do arquivo privado de João Higino Ferraz e pode ser seccionado em três partes fundamentais: uma primeira constituída por nove copiadores de cartas; uma segunda formada por vários volumes de livros de notas; e, por fim, documentação avulsa. Esta organização do arquivo pessoal de J. Higino Ferraz é, de certa forma, artificial, dado que não foi feita pelo autor; trata-se de uma elaboração arquivística, que decorre da análise do conteúdo e da tipologia dos vários documentos que o compõem. A primeira parte, composta por nove livros onde Higino Ferraz conservou, em cópia, muita da correspondência por si remetida, e não só, cobre o período de 1898 até 1937, com um hiato temporal provavelmente entre finais de 1913 e inícios de 1917, e outro possivelmente de janeiro a outubro de 1919. Julgamos que estas lacunas estariam contempladas em dois volumes autónomos; contudo, se existiram, esses livros não ficaram para a posteridade. A designação “copiador de cartas” foi adotada devido ao facto de os dois primeiros livros, que cobrem o período de 1898 a 1913, terem esse título na capa – não aposto por João Higino Ferraz, mas como denominação da finalidade dos volumes. Entendeu-se por bem atribuir a mesma designação a todos os livros, seguida da referência aos lapsos de tempo que abarcam. Cumpre ainda acrescentar que nem toda a correspondência remetida por João Higino Ferraz está presente nestes livros e que nem toda a documentação neles inserida é composta por epístolas. Ver-se-á que de algumas cartas enviadas, sobretudo as datilografadas, guardou o autor cópia sob a forma avulsa, estando as mesmas – aquelas a que tivemos acesso – transcritas na secção da documentação avulsa. Fizemos preceder cada carta transcrita de uma informação sumária concernente à data, ao destinatário e ao local, quando possível, para permitir uma mais rápida perceção por parte do leitor. Ao longo da transcrição, demo-nos conta de que alguma informação exarada nos copiadores não era, com efeito, composta por epistolografia, mas sim por relatórios, cálculos, estimativas de produção, lucros e despesas, etc. Antepusemos a cada um dos informes deste teor a menção à sua data e ao se destinatário, se conhecido fosse, e uma breve caracterização. Uma segunda secção deste espólio documental transcrito é constituída por anotações e apontamentos vários – inscritos em livros autónomos –, versando sobre produtos, processos, aparelhos e técnicas industriais de produção, bem como sobre a transformação de açúcar, álcool e aguardente; quase todos estes volumes têm título atribuído por João Higino Ferraz, que é respeitado e aceite por nós. Ainda que algo artificial, a denominação dada a este conjunto, “livros de notas”, advém dos próprios títulos atribuídos pelo autor. A última secção é constituída por documentação avulsa, abarcando: documentos epistolares, saídos do punho de Higino Ferraz (particularmente cópias de cartas) ou tendo-o como destinatário (sendo seus autores, por exemplo, Harry Hinton, Marinho de Nóbrega ou Antoine Germain); documentos referentes a aparelhos, processos e técnicas de fabrico e transformação de açúcar, álcool e aguardente (à imagem da informação exarada nos livros de notas); anotações manuscritas que João Higino Ferraz lançou nos forros da capa ou folhas de guarda de alguns livros ou manuais por si usados, que versavam sobre a cultura e produção de cana sacarina e seus derivados; e, ainda, apontamentos autobiográficos. Dividimos esta documentação em duas subsecções: a primeira, composta por todos os documentos que têm por autor Higino Ferraz; a segunda, por todas as fontes que foram produzidas por outros indivíduos. O arquivo privado deste técnico açucareiro, que morre em 1946, permite-nos, pois, ter acesso a informações que ilustram vários aspetos da sua vida pessoal e familiar, nomeadamente as suas condições de vida, relações de amizade e conceções políticas, sociais e económicas. Ao mesmo tempo, esta documentação reveste-se de especial interesse para a história da Madeira da primeira metade do séc. XX, sobretudo no que respeita à história da indústria açucareira nas suas vertentes económica, social e técnica, mas também nos seus meandros e implicações políticas.   Alberto Vieira (aualizado a 06.01.2017)

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almada, joão francisco de

Nascido em Santana, na ilha da Madeira, a 9 de julho de 1874, era filho de João Francisco de Almada e de Maria Emília Cardoso de Almada. Casou-se a 23 de outubro de 1907 com Ilda Beatriz Pinto Prado de quem teve três filhos: Maria Prado de Almada, Manuel Prado de Almada e António Manuel Prado de Almada. Estudou no Liceu do Funchal e, depois, entrou na Faculdade de Medicina de Coimbra, concluindo a licenciatura a 26 de julho de 1899. De regresso à Madeira, fixou morada em Santana ao ser nomeado subdelegado de saúde do concelho, por alvará de 17 de junho de 1905. Depois, a 21 de outubro de 1905, assumiu as funções de médico municipal da Câmara Municipal do Funchal, passando a residir na cidade, onde desenvolveu um importante trabalho como médico. Da sua ação como médico ao serviço da população madeirense, destaca-se o facto de ter sido o impulsionador da luta contra a tuberculose na Madeira. Assim, a ele se deve a criação do primeiro dispensário de luta antituberculosa, no Campo da Barca, posteriormente designado por Centro Dr. Agostinho Cardoso. Agostinho Cardoso (1908-1979), genro deste médico e também profissional da mesma área, seguiu a mesma linha de luta contra a tuberculose, daí ter o seu nome vinculado ao centro do Campo da Barca. Devemos, ainda, ter em conta a ação de João Francisco de Almada no sentido da instalação do sanatório da Qt. de Santana, no Monte, que foi inaugurado a 8 de dezembro de 1940 e que viria a receber o seu nome a 2 de julho de 1942, por deliberação da comissão executiva da ANT – Assistência Nacional aos Tuberculosos. A par disso, foi diretor clínico do Hospital Princesa D. Amélia e dos manicómios de Câmara Pestana e Casa de Saúde do Trapiche. Acresce, ainda, a sua ação no sentido da mudança do Hospital da Misericórdia do centro do Funchal (das instalações onde depois funcionaria o Governo regional) para o local dos Marmeleiros, no Monte. A sua obra em prol da Madeira e da saúde da sociedade madeirense foi reconhecida em vida, tendo sido agraciado, a 7 de dezembro de 1933, pela comissão administrativa da Câmara Municipal, com o título de cidadão benemérito da cidade do Funchal. Depois, em 1937, recebeu do Governo francês o grau de oficial da Academia, pelo trabalho como presidente da comissão de receção ao cruzeiro médico francês que teve na Madeira, em 1932 e em 1936. João Francisco de Almada faleceu no Funchal a 14 de junho de 1942. A lembrança da sua memória e da sua obra está registada publicamente na designação atribuída ao Hospital Dr. João de Almada e no busto em bronze, obra do escultor Anjos Teixeira, de 1974, que foi inaugurado a 22 de março de 1988 no pátio do referido Hospital (Qt. de Santana, Funchal). É ainda de referir a existência, na Quinta Grande (freguesia do concelho de Câmara de Lobos), desde 9 de julho de 1998, do caminho Dr. João Francisco de Almada, o que se relaciona com o facto de a Qt. do Pomar, na Quinta Grande, ter sido propriedade familiar por via da sua esposa.   Alberto Vieira (atualizado a 13.11.2016)

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