fernando, jerónimo
Em data incerta – embora, de acordo com o Corpo Diplomático, provavelmente por volta de 1557 –, nasceu em Lisboa Jerónimo Fernando, que teve por pais Cristóvão Dias de Figueiroa e sua mulher Maria de Basto. Genealogistas como Noronha propuseram, para os ancestrais paternos do futuro prelado, uma ligação, ainda que por via bastarda, ao Rei D. Manuel I e, apesar de reconhecerem que esta linhagem era “reprovada por muitos”, elencaram, como seus sustentáculos, os testemunhos do cardeal D. Henrique e os “Senhores da Casa de Bragança” (NORONHA, 1993, 111). Outros autores, porém, afirmam não ter aquela ascendência qualquer viabilidade, “porque o motivo por que se pretende deduzir é mais para novela que para a verdade da História” (SOUSA, 1721, 340).
Apesar das dúvidas que a linhagem pudesse levantar, ou talvez por causa delas, D. Jerónimo Fernando decidiu deslocar-se à corte de Madrid para, aparentemente, requerer a justificação da sua ascendência e teria sido em atenção, por um lado, aos seus pretendidos laços familiares e, por outro, ao facto de a Diocese do Funchal se achar, ao tempo, vaga pela promoção de D. Fr. Lourenço de Távora para o bispado de Elvas que o Rei, Filipe II de Portugal, decidiu prover D. Jerónimo na mitra da Madeira.
Antes, porém, da viagem a Espanha, já a vida religiosa de D. Jerónimo Fernando se iniciara na Companhia de Jesus, onde militara e na qual se teria feito “muito bom teólogo” (NORONHA, 1993, 111). Depois, por razões desconhecidas, D. Jerónimo abandonou os Jesuítas e, tornando-se clérigo do hábito de S. Pedro, veio a ficar responsável por uma abadia. Eram estes, ao que se sabe, os créditos académicos e curriculares que podia apresentar quando se deu o seu provimento para bispo do Funchal, em 1619, lugar que presencialmente assumiu em 1621.
Ainda antes de se deslocar para a sua Diocese, e em resultado do atraso no pagamento dos ordenados eclesiásticos, D. Jerónimo Fernando mandou fulminar com censuras o provedor da Fazenda, Antunes Leite, assomando já nesta atitude uma demonstração das características pessoais que haveriam de lhe valer o cognome de “apóstolo bravo” (VERÍSSIMO, 2000, 290). Com efeito, o bispo, cuja personalidade veio a fazer com que passasse para a História como “irrequieto por natureza” e “áspero e desabrido no trato” (SILVA, 1946, 201), pautou parte da sua ação à frente dos destinos da Diocese madeirense por uma política de afrontamento e agressividade, ainda que, nas circunstâncias referidas, a atitude lhe tenha valido reprimenda real, pois, por provisão de 22 de novembro de 1621, o Rei ordenou ao prelado que retirasse a excomunhão ao provedor, atendendo a que a matéria não era tão grave que a justificasse, bem como lhe ordenou que, de imediato, embarcasse para o seu bispado. Por outro lado, não deixou o Monarca de reafirmar, no mesmo documento, que voltara a mandar que “com efeito e toda a pontualidade se paguem vossos ordenados e do clero dessa ilha”, pelo que, logo no ano seguinte, voltou D. Jerónimo a proceder contra o provedor e almoxarife pelas mesmas razões de atrasos no pagamento, segundo se pode ler nas Memorias… que D. Fr. Manuel Coutinho, futuro bispo do Funchal, mandou escrever por volta de 1737.
Na realidade, a crise económica que então se vivia, agravada pelo clima de insegurança que os barcos piratas que rondavam o arquipélago faziam piorar, estava a dificultar bastante o cumprimento dos deveres pecuniários por parte da Fazenda régia, não só ao clero como aos militares castelhanos, que chegaram ao ponto de solicitar ao provedor primazia na satisfação dos ordenados; naturalmente que esta petição não poderia deixar de indignar o bispo e demais clero, aos quais todas as provisões régias conferiam o primeiro lugar no pagamento dos ordenados, e que sobre isso mesmo escreveram ao Rei a 12 de agosto de 1622, protestando contra a posição do sargento castelhano que se atrevera a propor uma inversão das prioridades.
Uma vez que este prelado assumiu, por três vezes, o lugar de governador militar do arquipélago, em cujas funções teve sérios desentendimentos com outras instâncias regionais de poder, e que a forma como se comportou enquanto governador é distinta daquela que o caracterizou como bispo, parece conveniente tratar estas duas vertentes do episcopado de D. Jerónimo Fernando de forma separada. Com efeito, e ao arrepio do que afirma Boschi, quando diz que os bispos ultramarinos que exerciam funções políticas em substituição dos verdadeiros titulares quase se limitavam a fazer da função “um mero ato honorífico”, o caso de D. Jerónimo Fernando vem demonstrar que, por vezes, os prelados usavam efetivamente os poderes que lhe tinham sido confiados, não lhes repugnando interferir, por vários meios ao seu alcance, naqueles aspetos da vida regional que não tocavam ao espiritual (BOSCHI, 1998, II, 436). Nas circunstâncias particulares deste prelado, teria até sido a forma como desempenhou as tarefas de ordem militar a grande responsável pelo ápodo de “bravo” por que ficou conhecido.
Comece-se então, pela primeira das ocasiões em que o bispo ficou encarregado do cargo de chefe militar, o que aconteceu entre agosto de 1624 e abril de 1625. A razão que presidiu à designação de D. Jerónimo Fernando para o cargo de governador prendeu-se com a morte do anterior titular do cargo, D. Francisco Henriques; pouco depois de empossado, o prelado deparou com a necessidade de proceder à eleição da nova assembleia camarária. Por discordar da forma como se desenrolaram os procedimentos, D. Jerónimo deu voz de prisão a todo o senado, do que logo apelaram os camaristas para o Rei, que acabou por decidir de acordo com a reclamação da Câmara, por entender não ter o governador competência para interferir em tais atos da vida municipal.
A 10 de janeiro de 1625, foi designado novo governador, D. Fernão de Saldanha, que, no entanto, rapidamente faleceu, pelo que, a 1 de junho de 1626, D. Jerónimo Fernando viu-se novamente incumbido da chefia militar do arquipélago. Neste segundo período de exercício, o prelado voltou a estar envolvido em distúrbios resultantes do atropelo de jurisdições. O caso, agora, resultou do facto de o capitão do presídio ter decidido autorizar, à revelia do governador, dos oficiais camarários, dos guardas-mores da saúde e do provedor da Fazenda, a troca de víveres locais – mantimentos e vinho – por uma carga de escravos de São Tomé que se encontravam a bordo de uma esquadra de navios piratas holandeses. Pressionada pela escassez de alimentos de que a Ilha sofria, a população amotinou-se e saiu à rua, o que levou o comandante do presídio a apontar armas à cidade. Perante o agravamento da situação e a iminência de uma revolta popular, D. Jerónimo, em conjunto com os capitães, os vereadores e a nobreza, enfrentou a indignação popular e decretou o recolher obrigatório. Neste segundo período de governo militar, o Funchal voltou a ser atacado por piratas e, no dizer de Noronha, o bispo, para além de coordenar as manobras de defesa, terá mesmo chegado a embarcar pessoalmente nos navios que do porto do Funchal partiam para o combate.
O terceiro e mais atribulado período em que o prelado voltou a encarregar-se das funções do governo militar decorreu entre março de 1630 e abril de 1633, e ficou marcado por um reacender da conflitualidade com a Câmara, cujos vereadores foram, outra vez e pelas mesmas razões eleitorais, suspensos de funções, e a elas reconduzidos poucos meses depois, pois o Rei voltou a apreciar positivamente as queixas dos camaristas. Ainda durante este período, D. Jerónimo teve de haver-se por duas vezes com ataques de navios piratas, que conseguiu repelir ordenando a uma nau flamenga equipada com tripulação madeirense que lhes desse bem sucedida luta. Com estas vitórias ficaram as costas do Funchal “desassombradas” de piratas, salvaguardou-se o direito de entrarem no porto navios com bens essenciais à subsistência da população e demonstrou o prelado, uma vez mais, a capacidade de intervir em situações para as quais nada, na sua formação, o havia preparado (VERÍSSIMO, 2000, 143). Apesar de nem todas as atitudes assumidas por D. Jerónimo Fernando, enquanto governador, terem tido o melhor acolhimento por parte da Coroa, que por mais de uma vez desautorizou as decisões episcopais, a verdade é que Filipe III saberia que podia contar com o carácter destemido do bispo para resolver situações de cariz militar que aqueles tempos incertos permitiam prever. Seria isso mesmo, eventualmente, o que estaria na origem da afirmação do Rei exarada no documento em que, pela última vez, confiava ao prelado aquelas funções e onde declarava que o fazia por confiar que “vós me servireis neste governo, com a satisfação com que o fizestes das outras vezes” (ABM, CMF, t. IV, fl. 86).
Mas nem só de desentendimentos foram compostas as três prelatícias incursões nos domínios do governo militar. Com efeito, logo entre 1624 e 1625, D. Jerónimo tinha-se comprometido com a defesa da cidade, mandando continuar as obras das fortalezas do Pico e de Santiago, bem como outras fortificações da cidade, “muros e portas cavas e trincheiras” que fez de novo junto à Alfândega, no que despendeu as verbas recebidas da imposição do vinho (VERÍSSIMO, 2000, 318). Este tipo de preocupação voltou o antístite a evidenciar quando, em 1631, em colaboração com o comandante do presídio, novamente se ocupou da defesa da cidade, mandando instalar trincheiras, servidas por canhões, ao longo da praia. Mantinha-se atento ao perigo dos corsários: ao menor sinal de velas estranhas, tratava de averiguar a situação e, se fosse caso disso, de equipar embarcações para combate.
O outro ângulo importante sob o qual se impõe escrutinar a ação deste prelado é, obviamente, o do desempenho das suas funções episcopais, e, nesse contexto, parece possível afirmar-se não se ter pautado a intervenção do bispo pelos mesmos critérios que nortearam a sua prestação enquanto governador. Quer isto dizer que, na relação que estabeleceu com o clero e com os fiéis, não se encontraram atitudes de afrontamento ou agressividade, mas, pelo contrário, vontade de resolver as questões pendentes com respeito pelos intervenientes, com compreensão e, às vezes, compaixão pelas circunstâncias em que os diocesanos eram forçados a viver e a agir.
Assim, manifestando interesse em, logo que empossado, começar a exercer as funções episcopais, deliberou, ainda antes de abandonar o reino, em 1619, que se iniciasse um programa de visitações às paróquias do bispado, tendo, para isso, indigitado visitadores. Esta atitude demonstra que, embora fisicamente distante, cuidou de inquirir sobre as pessoas com qualidade para aquelas funções, nomeou-as, e fez com que se desse início a um programa visitacional intenso, ainda que muito delegado, pois o prelado só por três vezes se deslocou, em pessoa, às paróquias rurais.
No cumprimento das diretrizes recebidas, na deslocação à Tabua, em 1619, o licenciado João Rodrigues Cabral mais não fez que elogiar os fregueses que haviam contribuído para que se acabassem as obras da igreja, quase todas “à custa dos fregueses, por o reverendo vigário por sua curiosidade os incitar e aplicar a isso do que ele e todos são muito dignos de louvor” (ACDF, Tabua, Prov., fl. 55). No mesmo ano, mas na Fajã da Ovelha, o licenciado João Drumond voltava a elogiar a perfeição em que se encontrava o templo e apenas criticava a altura dos altares e o “desconcerto” dos livros das confrarias (ACDF, Fajã, Prov., fl. 52v). No Seixal, o mesmo João Drumond voltava a salientar a perfeição da igreja, à qual só faltava ser caiada e ter um sino (ACDF, Seixal, Prov., fl. 27v).
Em 1621, já chegado à Diocese, D. Jerónimo fez, então, o seu primeiro périplo paroquial e, na Tabua, recebeu queixas dos fregueses em relação à ausência dos pregadores da igreja da Ribeira Brava que lá deviam ir. O bispo prometeu averiguar e tomar providências. No Seixal, em 1622, o prelado, que fora informado de que a festa do orago, S.to Antão, se realizava em janeiro, “na gema do inverno”, o que era difícil e desconfortável, autorizou que se celebrasse em agosto, em dia que o vigário e os mordomos achassem “acomodado”. Na mesma freguesia, recebia ainda queixas dos fiéis em relação ao seu vigário, acusado de “ser mais largo que o necessário” na estação da missa. O bispo recomendou-lhe que cumprisse o seu dever, mas com “modéstia, humildade e mansidão”, o que bem demonstra como se encontrava a par do que Trento preceituava para a figura ideal de pároco (ACDF, Seixal, Prov., fl. 29). Em 1628, na Tabua, Pedro Moreira – futuro deão da Sé do Funchal, responsável pela sedição de 1668, que nesta altura era visitador – permitia ao pároco que fizesse a estação da missa sentado, tanto porque para isso tinha a autoridade de ministro de Deus, como porque era velho. Na mesma localidade, em 1634, o prelado, de novo em visita, solicitava aos clérigos da Ribeira Brava que, quando fossem àquela freguesia celebrar ofícios divinos, tivessem cuidado com as horas, pois era preciso não esquecer que alguns fiéis iam de longe e precisavam de recolher a casa por “caminhos tão ásperos como se sabe” (ACDF, Tabua, Prov., fl. 75). Em 1633, no Seixal, o visitador chegava mesmo a dizer não ter encontrado nada para prover, mandando apenas que se cumprisse o anteriormente destinado.
Outro episódio, ocorrido durante a visita do bispo a São Pedro, em 1622, dá igualmente conta de alguma benevolência na aplicação da justiça eclesiástica. O que se passara fora que, em pleno coro, dois cónegos se tinham desentendido, agredindo-se verbal e fisicamente, e chegando até a fazer sangue, para grande escândalo dos fregueses que a tudo assistiam. Informado o prelado da situação, cuja gravidade a fazia sacrilégio, decidiu não punir os capitulares com a excomunhão e a multa preconizadas nas Constituições do bispado, mas, atendendo à admissão da culpa e ao arrependimento mostrados, aplicou-lhes apenas alguns dias de prisão e multa.
Em 1632, deslocou-se D. Jerónimo à ilha do Porto Santo, o que pela primeira vez acontecia na história do bispado e é tanto mais de registar quanto as condições da navegação, em mares infestados de pirataria, facilmente poderiam ter demovido um prelado menos audacioso.
Claro que, um pouco por todo o lado, era preciso intervir corretivamente, pois havia falatórios na igreja, armas, animais e água nos adros, ornamentos em falta ou indecentes, contas e livros de confrarias por organizar, testamentos por cumprir, mulheres mal posicionadas dentro dos templos, revelia à missa, trabalho em dias santos, entre outras situações; mas as penalizações aplicadas e as sugestões apontadas não foram excessivas e, às vezes, chegavam a ser adiadas devido, e.g., a haver “falta de novidades” (ACDF, Tabua, Prov., fl. 68). No entanto, o bispo não deixava de salientar, na visita à Fajã, que “os provimentos das visitações não se fazem para estarem em mortório, senão para se fazer o que neles se provê, e se obedecer aos maiores como Deus quer”, o que significa que a vigilância estava ativa e a visita seguinte logo avaliaria o cumprimento do determinado (ACDF, Fajã, Prov., fl. 76).
Outra vertente da atuação episcopal de D. Jerónimo Fernando traduziu-se na realização de três sínodos, o primeiro dos quais celebrado logo em 1622 e de onde terá, provavelmente, saído uma ordenação de novo regimento e estatutos para a Sé, visto que aqueles que se tinham vindo a usar não se encontravam em conformidade com o novo cerimonial romano, conforme se lê em documento episcopal com data de 1 de dezembro de 1622. Outros dois sínodos foram reunidos em 1629 e 1634, tendo deles resultado diversas constituições, cujo teor, contudo, se desconhece.
Em 1632, consagrou o bispo a igreja de Santiago Menor, padroeiro da cidade, cuja tutela pertencia à Câmara Municipal. Mas se, por um lado, D. Jerónimo pôs todo o empenho na realização de cerimónias que duraram uma semana, foram abrilhantadas por sermões diários e congregaram povo e vereadores do Funchal, por outro, não se coibiu de procurar designar, ele próprio, o capelão para a referida igreja, ao que o senado logo se opôs, como lhe competia, lutando pela defesa das suas prerrogativas.
Este não foi, porém, o único desaguisado mantido pelo prelado com o senado funchalense a propósito de provimento de benefícios. A este respeito, todas as provisões anteriores apontavam para a preferência que se devia atribuir aos naturais da terra no preenchimento das apetecidas vagas na Sé e outras igrejas, mas nem sempre os prelados resistiam à tentação de colocar, em determinados lugares da hierarquia regional da Igreja, familiares ou protegidos seus que enfermavam do mal de serem “estrangeiros”. Assim, em 1634, o procurador do concelho comunicava à vereação ter notícias de que o bispo pretendia prover três familiares seus numa conezia e outros dois benefícios, ao que o senado logo se opôs, relembrando uma provisão de Filipe III sobre o assunto com data de 5 de maio de 1627.
Outros aspetos que singularizaram a ação deste bispo foram a grande assiduidade com que praticou a ordenação de clérigos de ordens menores e sacras, o que fazia normalmente uma vez por ano, e às vezes duas, e em sítios variados – ora na Sé, ora no Seminário, ora no oratório episcopal, ou, ainda, na igreja jesuíta de S. João Evangelista. Foi o prelado igualmente assíduo em cerimónias na Sé e em pregar, mostrando possuir também esse lado de difusor da palavra de Cristo que em Trento fora indicado como um dos atributos indispensáveis à figura episcopal. Para além de tudo isto, ainda se preocupou D. Jerónimo Fernando com a qualidade da música que se praticava na Sé, tendo pago do seu bolso o órgão grande para a Catedral.
Apesar de se ter notabilizado mais pelo dissenso que pelo consenso, nem sempre as intervenções de D. Jerónimo Fernando apontaram no sentido da divisão e do conflito. Como já anteriormente se viu, o bispo, em ocasiões de tumulto popular, havia assumido o ónus da pacificação dos ânimos e este mesmo comportamento voltou a ser evidenciado na altura em que a restauração da monarquia portuguesa deu azo a um levantamento popular contra o governador, suspeito de demasiada simpatia pelo partido espanhol. Em tal ocasião, o prelado usou de toda a sua influência para serenar os ânimos e impedir que os tumultos evoluíssem para situações mais graves. Segundo Gregório de Almeida, D. Jerónimo Fernando não se eximiu de mostrar profundo regozijo com a restauração da independência, tendo, no dia seguinte ao recebimento da notícia, a 10 de janeiro de 1640, ido, na companhia do governador, do capitão do presídio, da nobreza e do povo da Ilha, à Câmara, onde todos aclamaram o Rei “com inexplicável alegria e contentamento” (ALMEIDA, 1643, 310). A posição de apoio de D. Jerónimo à nova dinastia pode, de resto, comprovar-se pelo facto de o seu nome não constar de uma relação de desafetos enviada por D. João IV em agosto de 1640, e até pelo teor de um provimento exarado em 1643, no Seixal, onde, a propósito de um acrescentamento da igreja paroquial, se mandava que se usasse o dinheiro da fábrica grande, por estar o Rei, a quem pertencia a obra, “impossibilitado por razão das guerras e excessivos gastos que tem em conservar seu reino e a nós em liberdade e livrar-nos da sujeição e duros tributos com que os reis de Castela oprimiam estes Reinos” (ACDF, Seixal, Prov., fl. 42).
Em 1643, por razões que se desconhecem, decidiu o prelado deixar a Diocese e partir para Lisboa, sem no entanto resignar ao bispado, à frente do qual se manteve até à sua morte, em março de 1650. A 22 de dezembro de 1643, o prelado escrevia, já de Lisboa, aos seus colaboradores, comunicando estar à sua disposição para o que entendessem necessário. A comprovar que, apesar de todos os desentendimentos anteriores, a Câmara ainda recorria a ele, encontra-se um documento em que o senado apresentava ao prelado uma descrição da pobreza na Ilha.
O facto de as visitações se terem continuado a fazer a bom ritmo até 1649, assumindo os visitadores estar ao serviço do prelado, apesar da ausência deste em Lisboa, demonstra que a distância não apagou em D. Jerónimo o sentido da responsabilidade nem o compromisso com o estado da Diocese.
Ana Cristina Machado Trindade
Rui Carita
(atualizado a 06.01.2017)