Mais Recentes

gabinetes de leitura

Cidade aberta à presença de estrangeiros, nomeadamente Ingleses, o Funchal do séc. XIX nem sempre respondia às solicitações culturais de quem visitava a cidade. O madeirense era pouco letrado e os estrangeiros queixavam-se do facto de não haver livrarias na cidade. Referiam-se, porém, à existência de gabinetes de leitura, lugares onde podiam conviver, ler jornais e revistas ingleses, em clubes onde pagavam quotas. Estes gabinetes eram, então, de acesso privado. Alguns dos estrangeiros que falam da ilha da Madeira referem-se-lhes. Em 1840, Fitch Taylor regista a sua existência no relato que faz da sua viagem à volta do mundo. O mesmo acontece no texto A Winter in Madeira, de 1850. Estes gabinetes revelam-se uma necessidade dos Ingleses e são referenciados nos guias de viagem. O Clube Inglês disponibilizava aos seus membros, para além dos jornais e das revistas, livros de tipologia diversa – desde ensaios e trabalhos científicos até “literatura ligeira da época” (DIX, 1850, 90). Nos começos do séc. XIX, a biblioteca deste clube detinha cerca de 2000 títulos – afirma-o um guia para viajantes e para “inválidos”. Este Clube Inglês, fundado em 1832, também conhecido como “english rooms”, situava-se na R. da Alfândega, entre as duas entradas do Blandy Brothers (Banqueiros Lda.), segundo consta do guia para o visitante assinado por Gordon Brown, o que evidencia a clara importância que esta estrutura teria para suprir as necessidades dos visitantes. Mediante uma quota semestral de 15 dólares, os estrangeiros poderiam conviver, jogar cartas ou bilhar, assim como consultar os mais recentes jornais, periódicos e livros ingleses. O gabinete de leitura do Clube Português não tinha livros, mas apenas jornais e revistas, em português. Não obstante verificar-se um maior interesse e uma maior divulgação dos gabinetes de leitura que servem os turistas que descobrem a Ilha, a verdade é que há referências a associações mais abrangentes, onde a preocupação com a leitura começa a fazer-se sentir. Numa nota a “Instrução pública”, relativa ao período monárquico-liberal, Álvaro Rodrigues de Azevedo remete para dois clubes recreativos, criados por associações particulares, com gabinetes de leitura: o União, criado a 10 de março de 1836, na Pr. da Constituição; e o Funchalense, estabelecido “ao Carmo, mas desde muitos anos também, no palácio da rua do Peru”. Este autor, nas notas que apõe a Saudades da Terra, faz menção de outro gabinete, inserido na Associação Comercial, que se situava à entrada da cidade, assim como “o princípio de uma biblioteca no Grémio Recreativo dos Artistas” (FRUTUOSO, 1873, 804-805). Na realidade, os estatutos de 1836 da Associação Comercial do Funchal já permitiam o acesso a periódicos, mapas, folhetos, livros e notícias, abrindo caminho para a instalação de um gabinete de leitura que, tal como o seu congénere do Clube Inglês, funcionava como um centro de encontro e convívio entre os sócios e os visitantes. No inventário de 1884 desta Associação consta a existência do mobiliário do gabinete de leitura, não havendo referência a qualquer armário, móvel ou estante para arrumação de livros e jornais, que estariam guardados fora do alcance dos utilizadores, na sala de sessões. Em 1897, é aprovado o projeto de regulamento da biblioteca e do gabinete de leitura desta Associação, clarificando as funções de cada um: o gabinete de leitura teria apenas o catálogo das obras existentes na biblioteca, e jornais, que um amanuense distribuía e recolhia diariamente e que eram facultados, mediante bilhetes de requisição, quer a sócios da Associação, quer a assinantes do gabinete. Nesse espaço, não era permitido fazer barulho, fumar, “levar para fora […], extraviar, mutilar ou danificar os jornais ali expostos” (MELLO e CARITA, 2002, 164), cabendo ao diretor da biblioteca zelar pelo bom funcionamento do gabinete. O gabinete, cujo horário era das 06.00 h às 21.00 h, permanecia aberto até mais tarde nos dias da chegada dos navios de Lisboa e dos paquetes ingleses que traziam notícias do mundo. Não temos conhecimento se as outras Associações que, entretanto, se formaram na cidade do Funchal teriam serviço semelhante. Na realidade, os gabinetes de leitura abriam as portas para a criação das bibliotecas públicas. No Funchal, à semelhança do que acontecia em outras cidades – sobretudo nas capitais dos distritos –, a Câmara fundou uma biblioteca pública, no dia 12 de janeiro de 1838, com um acervo constituído pelos 193 volumes da Encyclopedia Methodica, comprada aos herdeiros do conde de Canavial, e, em 1844, o município do Funchal solicita alguns livros do depósito das bibliotecas dos conventos extintos, tendo recebido, em 1863, 3060 volumes, em latim, português, francês, italiano e inglês. Um relatório americano dá conta dessa Biblioteca Municipal, em 1893. No começo do séc. XXI, as bibliotecas públicas oferecem serviços similares, agora gratuitos, apesar da necessidade de aquisição de um cartão de leitor/utilizador, que permite o acesso aos espaços das bibliotecas e dos centros de documentação, bem como à leitura, empréstimo e reserva de obras, à utilização de computadores e acesso à Internet, à visualização de conteúdos audiovisuais, entre outros serviços.     Graça Alves (atualizado a 01.02.2017)

História da Educação Literatura Sociedade e Comunicação Social

caldeira, joão da silveira

Uma importante informação abre a entrada relativa a João da Silveira Caldeira no Elucidário Madeirense: “escassos dados possuímos para a biografia deste madeirense” (SILVA e MENESES, 1984, I, 366). Ainda assim, o Elucidário apresenta-o como um médico e investigador na área da química, nascido na Madeira no terceiro quartel do séc. XVIII, que terá sido lente na Escola Militar do Rio de Janeiro e provedor da Casa da Moeda nessa cidade, informação que, no entanto, não nos parece correta. Confrontando estas indicações com outras, nomeadamente com uma relação de “Irmãos e Irmãs sepultados no Cemitério [de Catumbi, São Francisco de Paula, Rio de Janeiro] a partir de 1850, em carneiros arrendados e/ou em perpetuidade” (BARATA, Colégio Brasileiro de Genealogia, s.p.), parece-nos haver uma confusão entre dois homónimos – pai e filho –, na medida em que as referências apresentadas pelos dois documentos são similares, exceto no local e na data de nascimento: no registo n.º 54 desta relação, há referência a um João da Silveira Caldeira, filho de um outro João da Silveira Caldeira e de Bárbara Joaquina, sepultado no cemitério de S. João Batista, no bairro de Botafogo, dado como nascido a 28 de junho de 1800, no Rio de Janeiro, e falecido na mesma cidade, a 4 de julho de 1857, vítima de suicídio. Neste sentido, o pai terá nascido na Madeira e saído para o Brasil, onde terá nascido o filho, João da Silveira Caldeira, que veio a ser uma figura importante da cultura. João da Silveira Caldeira, filho portanto, era, então, médico formado pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, detentor do grau de doutor, com tese escrita em latim. Destacou-se na química, área na qual desenvolveu algumas investigações e trabalhos. Aperfeiçoou os seus estudos em Paris, tendo privado e aprendido com os químicos Louis Nicolas Vauquelin   (1763-1829) e André Laugier (1770-1832), e com o mineralogista René Just Haüy (1743-1822). Publicou, em 1926, a tradução anotada do Manual do Ensaiador de Vauquelin. Sobre a personalidade, refere Joaquim Augusto Simões de Carvalho, na Memoria Historica da Faculdade de Philosophia: “químico muito apreciado […]. É autor da memória sobre o ondeado metálico, publicada nos Annaes das Sciencias e Artes, e de outros trabalhos realizados no laboratório químico de Paris” (SILVA e MENESES, 1984, I, 188). Em Paris, foi preparador do Jardim das Plantas, cargo que manteve até regressar ao Brasil, onde, juntamente com o bispo de Anemuria e Manuel de Arruda Câmara, procedeu à revisão e publicação da obra Flora Brasiliensis, de  José Mariano da Conceição Veloso. Em 1823, fez parte da junta de diretores de uma escola do método de ensino mútuo para instruir as corporações militares. Nesse ano, foi nomeado diretor do Museu Imperial e Nacional e, no ano seguinte, criou o laboratório químico do Museu, o primeiro laboratório para análises fundado no país, do qual foi, também, o primeiro diretor. O Imperador, percebendo a importância deste laboratório, autorizou a compra, em Paris, de instrumentos solicitados por João da Silveira, que, deste modo, pôde contribuir para o desenvolvimento da investigação médica e da mineração do Brasil, realizando, então, as primeiras análises de combustíveis nacionais e de amostras de pau-brasil. Foi durante a sua gestão que o Museu passou a ser um estabelecimento consultivo, tendo, por essa época, o Governo imperial incentivado a participação de vários naturalistas estrangeiros, Natterer, von Sellow e Langsdorff, tendo este último oferecido ao Museu a sua própria coleção de mamíferos e aves da Europa. Durante a sua direção, o Museu recebeu ainda acervos vários, nomeadamente múmias, estatuetas funerárias, vasos, mãos e pés mumificados de origem egípcia, bem como vários objetos etnográficos oriundos do Pará e das ilhas do Pacífico. Na correspondência enviada para publicação, há referência a diversas pesquisas realizadas, nomeadamente em torno da obtenção do ácido cítrico puro e de zircónia pura, descoberta cujos créditos dividiu com o químico francês M. du Bois-Reymond. A Nova Nomenclatura Química Portuguesa, um dos primeiros compêndios de assuntos químicos no Brasil, datado de 1825, é assinada por João da Silveira Caldeira. Obras de João da Silveira Caldeira: Nova Nomenclatura Química Portuguesa (1825).     Graça Alves (atualizado a 14.12.2016)

Física, Química e Engenharia