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A Madeira é alfobre de poetas: afirmou-o, em 1953, Horácio Bento de Gouveia, no artigo “A Madeira e a Poesia”, publicado na Voz da Madeira de 28 de maio de 1953. Na verdade, um olhar sobre o texto poético escrito na Madeira ou sobre os autores que nasceram no arquipélago permite-nos apreciar a quantidade de poetas cujos textos foram publicados em livro, em antologias, coletâneas, jornais e revistas. Por outro lado, parece claro que, nas obras que o tempo guardou, se encontram as características que marcaram a literatura portuguesa ao longo dos séculos, nomeadamente traços dos movimentos literários, os seus modelos, os seus temas, as suas formas de sentir e de dizer o mundo e a vida. Num artigo publicado em Das Artes e da História da Madeira (17 jul. 1949), um autor que assina com a letra F. faz uma resenha dos poetas que, do seu ponto de vista, mereceriam constar de uma antologia de autores madeirenses, desvendando os seus nomes ao percorrer as coletâneas até então publicadas: Cancioneiro Geral (Garcia de Resende), Romanceiro do Archipelago da Madeira (Álvaro Rodrigues de Azevedo), Flores da Madeira (Alfredo César de Oliveira e José Leite Monteiro), Álbum Madeirense (Francisco Vieira), Álbum Literário, Almanach de Lembranças Madeirenses e a coleção de poesias de Manuel Gonçalves, o Feiticeiro do Norte. Numa espécie de organização inicial, os poetas da Ilha são distribuídos por “géneros poéticos”, o que contribui, de algum modo, para marcar um caminho das letras madeirenses: epopeia, na qual, com as devidas ressalvas, inclui Francisco Paula de Medina e Vasconcelos; tragédia ou “os poemas trágicos”, cultivados por Manuel Caetano Pimenta de Aguiar, José Anselmo Correia Henriques e Alberto Figueira Jardim; poemas religiosos, com relevo para António Veloso Lira, cónego da Sé, e Troilo Vasconcelos da Cunha; autos e comédias, que, tendo como principal cultor Baltazar Dias, têm outros representantes: José António Monteiro Teixeira, Carlos Acciaioly Ferraz de Noronha, Francisco Clementino de Sousa e Francisco António Ferreira; elegia, representada sobretudo por Francisco Paula de Medina e Vasconcelos. O autor destaca, depois, as “Poetisas” – que não insere em nenhum género poético – que considera merecerem estar representadas, tendo todas elas como modelo D. Joana de Castelo Branco e Maria Helena Jervis de Atouguia e Almeida (Berta de Ataíde). Segue-se um último capítulo, intitulado “Lirismo”, destinado às peças que não cabem nos compartimentos anteriores. De entre os poetas, o autor cita Francisco Álvares de Nóbrega, Francisco Vasconcelos Coutinho, Luís António Gonçalves de Freitas, Joaquim Pestana, Luís de Ornelas Pinto Coelho e João Gouveia. A par destes poetas, outros são apresentados como dignos da designação “poetas madeirenses”: António Policarpo dos Santos Sousa, Viscondessa das Nogueiras, Alfredo César de Oliveira, Alfredo Paula Sardinha, Cândido Álvaro da Câmara, António Feliciano Rodrigues, Vitorino José dos Santos. No período da poesia palaciana portuguesa, as capitanias do arquipélago – Machico, Porto Santo e Funchal – são cortes em miniatura, onde se imita o que se passa em Lisboa. Os primeiros poetas residentes no arquipélago estão, de algum modo, associados aos primeiros capitães e donatários, encontrando-se representados no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, ao lado de outros autores continentais. Desses “poetas da ilha”, destacam-se, nos primeiros séculos de povoamento da Madeira (sécs. XV e XVI): Tristão Teixeira (m. 1506), filho de Tristão Vaz, conhecido, em Machico, como Tristão das Damas e, na corte de D. Manuel, por Tristão da Ilha, João Gonçalves da Câmara (1414-1501), filho de João Gonçalves Zarco, João Gomes (m. 1495), escudeiro de D. Henrique, Pedro Correia, um dos principais poetas da Madeira, genro de Bartolomeu Perestrelo, Duarte de Brito (m. 1514), casado com uma das netas de Zarco, que terá sido um dos primeiros poetas a introduzir o lirismo bernardiniano (de Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro) na literatura portuguesa, Manuel de Noronha (m. 1535), neto de João Gonçalves Zarco, Rui Dias de Sousa, casado com uma neta de Zarco, João Gomes de Abreu, casado com uma neta de Tristão Vaz, ou, ainda, Rui Gomes da Grã. O Funchal havia sido elevado à categoria de cidade em 1508, e tudo acontecia na azáfama de construções, de novidades que vinham do lado de lá do mar, do movimento do porto, por entre trocas comerciais e gente que se encontrava, a pretexto do comércio e das trocas que, ali, na babugem do mar, se operavam. Neste ambiente novo, a poesia dramática foi muito bem aceite. Talvez por esse motivo Baltazar Dias tenha sido tão admirado, quer pelo povo, quer pela nobreza, admiração para a qual também concorreu o facto de as suas obras serem herdeiras do humor de Gil Vicente, autor que agradava ao gosto popular, não obstante algumas só terem sido publicadas no séc. XVII: Auto da Malícia das Mulheres; História da Imperatriz Porcina, Mulher do Imperador Lodonio de Roma; Trovas sobre a Morte de D. João de Castro. A partir do séc. XVII, a cultura literária madeirense ganha um novo fôlego. Entretanto, aos poucos e sempre na esteira das modas do reino, vão escasseando os escritores eclesiásticos, dando-se lugar a uma liberdade de espírito que a literatura francesa preconizava. A Ilha recebe, deste modo, a influência das ideias e instituições literárias que chegam de França, a partir da corte de Luís XIV, modelos esses seguidos por Portugal, entre o reinado de D. João V e meados do séc. XVIII. Por esta época, as letras da Madeira são fortemente influenciadas pelo academismo e pelo arcadismo. De entre os poetas desta altura, destaca-se Manuel Tomás (1585-1665), que, apesar de não ser natural da Madeira – nascera em Guimarães –, se destacou com um poema épico de influência camoniana – A Insulana (Antuérpia, 1635) – que o liga à história da Ilha, onde viveu grande parte da sua vida e onde se crê ter sido cónego capitular da Sé. É um poema em 10 cantos, com os artifícios da escola gongórica, num tempo em que o classicismo já tinha perdido a sua pujança. Manuel Tomás é, assim, pioneiro da épica madeirense, escrevendo este longo poema sobre a descoberta da ilha da Madeira. No reinado de D. João V, duas coletâneas pretendiam recolher o que de melhor se escrevia em Portugal: Fénix Renascida e Postilhão de Apolo. Nelas encontramos poemas de alguns poetas da Ilha, do séc. XVII: Francisco Vasconcelos Coutinho (1665-1723), autor de Feudo do Parnaso (1729); Troilo Vasconcelos da Cunha (1654-1729), poeta e teólogo filho de Bartolomeu da Cunha, capitão general da Madeira, e autor do longo poema O Espelho do Invisível, no qual opta por um estilo que já foge da escola gongórica então dominante; António de Carvalhal Esmeraldo e Câmara, que ficou célebre pela Cythara de Aonio, uma única compilação poética, de 626 páginas, encontrada no convento de S.ta Clara. O movimento do porto do Funchal ganha uma atividade intensa no séc. XVIII, com o comércio e com os visitantes que prometem o turismo que há de vir. É nesta época que a estética da Arcádia Lusitana, fundada em 1755 em oposição ao academismo literário, e do contramovimento Nova Arcádia influenciam, na Ilha, funcionários e pequenos burgueses que começam a despontar para a literatura. Nesta linha, surge o poeta Francisco Manuel de Oliveira (1741-1819), autor de dois volumes de poesia, Escolhas de Poesias Orientais e Colecção Poética. Outro poeta que se destaca neste século é Francisco Paula Medina de Vasconcellos (1768-1826), que, na senda de Manuel Tomás, nos deixou os poemas heroicos Zargueida, Descobrimento da Madeira (1806) e Georgeida (1819). Ainda nesta viragem do século, surge um outro poeta nascido na Ilha, em Machico, Francisco Álvares de Nóbrega (1772-1806). Revela-se um arcádico de transição, apesar de escrever sobre a sua consciência e o mau fado que o persegue, afastando-se, por esse motivo, das linhas básicas dessa escola literária. Foi apelidado “Camões pequeno” e ficou conhecido pelos seus sonetos, alguns deles satíricos, outros anticlericais, que lhe valeram a prisão. Em 1804, publicou Rimas. Muitos dos seus outros poemas foram queimados pela Inquisição, depois da sua morte. Mónica Teixeira insere-o no grupo dos poetas pré-românticos. Entre finais do séc. XVIII e o séc. XX, surgem poetas que João Fortunato de Oliveira reuniu na antologia Flores Agrestes. Desses, nomeiam-se apenas, a título exemplar: José António Monteiro Teixeira (1795-1876), com obras publicadas em Portugal e em França, na medida em que desempenhou as funções de cônsul deste país no Funchal; Jacinto Augusto de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt (1824-1888), Visconde das Nogueiras, e João da Câmara Leme (1829-1902). Nas últimas décadas do séc. XVIII, o romantismo proliferava na Europa, caracterizando-se por uma visão do mundo contrária ao racionalismo e ao iluminismo e pela procura de um nacionalismo que viria a consolidar os Estados. No contexto romântico da ilha da Madeira, destacam-se alguns poetas, alguns dos quais pioneiros nas letras portuguesas, com colaborações frequentes em importantes revistas literárias regionais e nacionais, ao lado de grandes nomes da literatura portuguesa: Luiz da Costa Pereira (1819-1893), autor que fez parte da coletânea O Trovador, de Coimbra – e do grupo com o mesmo nome –, com os poemas “Recordação” e “O Orphão”; João de Nóbrega Soares (1831-1890), um assíduo colaborador da imprensa funchalense que revela uma arte poética muito pessoal e que, segundo Cabral do Nascimento, era o mais artista de todos os poetas desta altura; Luiz d’Ornellas Pinto Coelho (1843-1920) e Francisco Vieira (1849-1889), o compilador de Álbum Madeirense (1884), um romântico saudosista e nacionalista, ao gosto de Soares dos Passos, mas também de António Nobre. [caption id="attachment_14953" align="alignleft" width="192"] Fonte: Blog da Biblioteca Municipal do Funchal[/caption] As mentalidades começavam a mudar. É assim que, na aristocracia ou no seio da alta burguesia, surgem mulheres a participar de atividades e eventos ligados à arte e à literatura, a traduzir escritores estrangeiros e a organizar saraus artísticos no teatro ou em casas particulares. É o caso de Matilde de Sant’Ana e Vasconcelos (1824-1888), Viscondessa das Nogueiras, que tem poemas inseridos nas coletâneas Flores da Madeira, Album Madeirense e Prelúdios Poéticos; Matilde Olympia Sauvayre da Câmara (1871-1957), senhora ligada às artes – à música, ao teatro e à poesia; Berta de Ataíde, nome autoral de Maria Helena Jervis de Atouguia e Almeida (1847-1928), que editou Mosaicos, o seu livro principal; Joana da Piedade Velosa de Castel-Branco (?-1920), que colaborou em diversos jornais e revistas e editou, em Lisboa, As Minhas Flores, em 1905, e Fluctuações, em 1910; Eugénia Rego Pereira (1875-1947) e o seu livro Folhas Perdidas, em 1929; Maria Emília Acciaiuoli Rego e Georgina de Almeida, que têm poemas em Flores Agrestes, uma antologia de João Fortunato de Oliveira, poeta que organizou as primeiras coletâneas de autores madeirenses. Em 1883, Mariana Xavier da Silva publica Na Madeira. Offerendas, que merece da parte de Guiomar Torrezão, escritora e diretora do Almanach das Senhoras (1870), na “Introducção” que assina, um louvor também pelo facto de [ainda] ser rara a publicação da escrita feminina. No Funchal, entretanto, organizavam-se algumas associações de caráter cultural onde se liam os jornais nacionais e estrangeiros: o Clube Funchalense, o Clube dos Estrangeiros e o Clube da Associação Comercial do Funchal. Aí se lia, se conversava, se sabia do mundo. Não nos podemos esquecer de que a Ilha recebia influências das culturas de quem a ela chegava, sobretudo ingleses e franceses à procura da beleza da terra, da doçura do clima. Por outro lado, as famílias mais abastadas enviavam os seus filhos para a França, para a Inglaterra e para a Guiana Inglesa, a fim de estudarem nos melhores colégios. Em 1870, Joaquim Pestana (1840-1909) estreia-se na imprensa regional, no jornal Imprensa Livre, como poeta. O Diário de Notícias, onde publica quase diariamente – poemas e prosa poética – entre outubro de 1876 e outubro do ano seguinte, é o grande divulgador dos poetas românticos madeirenses. Escrevendo e publicando no contexto da ilha da Madeira, Joaquim Pestana é um dos poetas do seu tempo que mais se relaciona com o meio insular. Em Espinhos e Flores, o autor manifesta a sua natureza espiritual e a temática religiosa da sua produção literária. Foi o autor romântico que mais publicou no seu tempo, quer na ilha, quer no espaço nacional. Publicou em quase todos os jornais e nos principais almanaques nacionais: Almanaque Literário, Alagoano das Senhoras, Almanaque D. Luiz, Almanaque Insulano dos Açores e Almanaque da Madeira. Mónica Teixeira considera-o um “romântico insular”, na medida em que é coerente com a natureza e com a história da Ilha. O final do séc. XIX prima pelo aparecimento de algumas coletâneas literárias que reúnem os poetas da Ilha, nomeadamente aqueles cuja publicação se fazia nos jornais e nas revistas da altura, que se tornaram um meio eficaz de divulgação dos poetas da Madeira, dentro e fora da Ilha. O Diário de Notícias permite-nos, por exemplo, perceber as preferências literárias do público madeirense, que demonstra um gosto especial pelo texto poético. Em 1871, surge a primeira série da coletânea romântica Flores da Madeira (a segunda série há de aparecer em 1872), pela mão do Dr. José Leite Monteiro e do Cón. Alfredo César d’Oliveira. Nos poetas representados, é possível percorrer os valores locais do romantismo vivido na Madeira. Vários estudiosos se manifestaram acerca das duas séries desta compilação: Cabral do Nascimento e Teófilo de Braga, tecendo o primeiro uma crítica pouco abonatória aos poemas aí representados. Quase todos os poetas aí presentes seguem o rasto de Soares dos Passos, nas suas características ultrarromânticas, no seu tom fatalista, no ritmo muitas vezes laudatório, se bem que, nos poetas da Ilha, o estado de alma romântico seja atenuado pela beleza e pela doçura da natureza insular. Em 1874, uma outra coletânea poética surge, na Madeira, pela mão do poeta Francisco Vieira, Álbum Madeirense. Deve salientar-se que ter um poema integrado numa destas compilações era garantia do prestígio dos poetas. Nesta obra, estão publicadas 69 poesias, assinadas por 34 poetas, entre os quais 5 mulheres, alguns repetentes das coletâneas anteriores, recolhendo, desta forma, e uma vez mais, a produção literária local. No género almanaque, aparece, ainda, em 1883, o Álbum Poético e Charadístico que, além de poesias, inclui pensamentos, charadas e enigmas e recebe autores da Ilha e do continente. Da lista dos poetas aí representados, consta o nome de Joaquim Pestana. No entanto, na Ilha mais rural, surge uma outra voz, menos erudita e mais popular, um poeta que encontra eco junto das populações: Manuel Gonçalves (mais conhecido pelo Feiticeiro do Norte), nascido na freguesia do Arco de São Jorge, em 1858, onde veio a falecer em 1927. Foi agricultor, pedreiro e poeta. Era um homem do povo, analfabeto, com muita facilidade em fazer rimas. A sua poesia, dita sobretudo nos arraiais, ganhou adeptos por toda a Ilha: advoga as suas causas, não tem medo de contar a sua vida (igual à vida de outros camponeses que tinham, na terra, a base do seu sustento), é porta-voz dos anseios e das preocupações das gentes e reclama a atenção de quem governa. Emigrou para o Brasil em 1910, chegando a editar, naquele país, dois poemas. A maior parte da sua bibliografia está impressa em folhetos avulsos. O Funchal do primeiro quartel do séc. XX apresenta-se como uma cidade cosmopolita, onde, à semelhança do que acontecia no continente, se formavam tertúlias literárias. Mais uma vez, há que realçar o papel da imprensa. O Diário da Madeira projeta, então, outros autores do arquipélago, associados sob o nome de “os cinco vagabundos” – João Cabral do Nascimento, Luís Figueira de Castro, Álvaro Manso de Sousa, Rodolfo Ferreira e Visconde do Porto da Cruz, grupo esse que se alargará a Ernesto Gonçalves e a António da Cunha de Eça. Desfeita esta agremiação de intelectuais, forma-se outra com o Antonino Pestana, Manuel Pestana Reis, Eduardo Pereira, Fernando de Menezes Vaz e Juvenal de Araújo, entre outros. O séc. XX é de uma produção literária significativa na ilha da Madeira. Aí, com base no que se passa no continente, sobretudo nos centros culturais do país – Lisboa, Coimbra, no início do século, e Porto, na segunda metade de novecentos –, os autores experimentam as escolas em voga e adaptam-nas à sua insularidade: o romantismo, o modernismo e o grupo da Presença são exemplos deste caminho. A maioria dos poetas da época, apesar de, em alguns casos, publicarem livros individuais, faziam-se representar em coletâneas, em almanaques, como, por exemplo, o Almanaque Ilustrado do Diário da Madeira ou o Almanaque de Lembranças Madeirense, ou ainda na Revista Literária. Ressalte-se, aqui, alguns poetas que marcaram presença na vida literária do séc. XX: José Cruz Baptista Santos (1887-1959), jornalista que deixou, por entre a sua obra poética, Horas de Inspiração (1906), Rosas e Jasmins (1913) e Baladas, um inédito; Elmano Vieira (1892-1962), que deixou Livro Azul (1959) e muitos poemas dispersos em múltiplas publicações e antologias; António Feliciano Rodrigues (Castilho), que publicou, entre outros, Versos da Mocidade (1903), Versos Para os Meus Filhos (1910), Colar de Vidrilhos (1911) e Sonetos (1916). Na passagem para o modernismo, movimento para o qual a Madeira contribuiu com algumas páginas da sua literatura, um outro autor, João Gouveia (1880-1947), há de revelar-se muito importante para a história das letras madeirenses, na medida em que inaugura aquilo que, no entendimento crítico contemporâneo, pode ser considerado literatura regional, dado o seu sentir ilhéu e as marcas insulares da sua poesia. Fazem parte da sua obra, os livros de poemas Breviário (1900), Atlante (1903) e Almas do Outro Mundo (1908). De acordo com Mónica Teixeira, o poeta bebe a sua inspiração nos autores nacionais – António Nobre, Cesário Verde e Camilo Pessanha, assim como no poeta inglês Lord Byron, com quem partilha o seu amor à(s) ilha(s). A mundividência insular tem, no modernista Albino de Menezes (1889-1949), um seu representante. Por ele, apercebemo-nos das desigualdades (também culturais) entre a Ilha e o resto do país. A sua personalidade – e a sua escrita, obviamente – releva um sentimento de autor isolado, insulado, guardado pelo mar, que lhe cerra as portas do mundo, mas isolado por outras ilhas que se erguem dentro da própria Ilha. De entre todos os colaboradores de Orpheu, indicador das tendências literárias do seu tempo, foi Albino Menezes que figurou ao lado dos grandes nomes da literatura portuguesa desta época – Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros –, integrando-se nas expectativas sensacionistas dos dois primeiros. A sua vertente de poeta surge mais tarde: primeiro com quadras de natureza popularizante, publicadas no Diário de Notícias (27 jan. 1921) sob o título “Mulheres”, e, depois, com sonetos que reúnem características românticas, modernistas e decadentistas. O poema “Olá Vadio!”, publicado na Presença (n.º 5, 4 jun. 1927), é um dos mais conhecidos do autor, um texto claramente modernista que, apesar de descrever o movimento num cais de Lisboa, faz lembrar, pelos pormenores, a sua origem insular. Outros autores madeirenses da mesma geração inserem-se ainda nesta corrente, como Cabral do Nascimento (1897-1978), que revela um sentido renovador, inspirado numa sensibilidade lírica nacional, chamando a atenção para os perigos de uma ameaçadora rutura com os valores da cultura portuguesa. Teve um papel muito importante na cultura literária da Ilha e do país, como tradutor e organizador de coletâneas, nomeadamente de Líricas Portuguesas e O Livro de Cesário Verde. Como poeta, publicou, em Lisboa, no ano de 1916, o seu primeiro livro de poesia, As Três Princesas Mortas num Palácio em Ruinas, obra essa elogiada por Fernando Pessoa pelo seu caráter sensacionista. No entanto, havia de se distanciar das linhas do movimento de Orpheu, chamando-lhe Mónica Teixeira um “clássico moderno”, um autor com um caminho muito próprio que define a poesia dos seus livros: Além-Mar (1917), onde se denota um certo patriotismo insular, Descaminho (1926), Arrabalde (1928), Litoral (1932), Confidência (1945) e Digressão (1953). Filósofo Y, Príncipe d’Arcádia ou Cavaleiro do Cisne são os nomes autorais de outro poeta que se destaca na Ilha, sobretudo a partir dos anos 20 da centúria: Octávio José dos Santos ou Octávio de Marialva. Nascido no Funchal em 1898, onde viria a falecer a 3 de junho de 1992, da sua obra versátil, na medida em que toca vários temas – filosofia, teosofia, astronomia e esoterismo –, destaca-se a poesia, género no qual revela a sua permanente procura de harmonia com o universo. Publicou, entre outros livros de poesia, A Morte do Cisne (1923), A Sinfonia do Eu (1937) e Olimpo – 25 Poemas da Grécia (1991). Da geração da Presença, destaca-se, na Ilha, o escritor João Brito Câmara (1909-1967), delegado da Associação Portuguesa de Escritores (APE) na Madeira, entre 1956 e 1958. Foi diretor da página literária do semanário Eco do Funchal, o “Eco Literário”, que se revelou importante na divulgação de autores contemporâneos: Edmundo Bettencourt, Herberto Helder, Florival de Passos, Rogério Correia, Horácio Bento de Gouveia, Octávio de Marialva, Luís Marino e Baptista Santos. Foi, porém, como poeta que este advogado mais se distinguiu. Cabral do Nascimento assinou o prefácio do seu primeiro livro de poesia: Manhã (1927). Publicou, ainda, Relance (1942), Auto da Lenda (1943), um poemeto nacionalista com características épicas, Ilha (1940) e Poesias Completas (1967), cujo prefácio é da autoria de Fernando Namora. Edmundo de Bettencourt (1899-1973) foi, também, um dos fundadores da Presença, juntamente com José Régio, Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca. Colaborou em diversos jornais e revistas e consagrou-se um dos grandes poetas da época, na Madeira e no continente. Em 1930, publica O Momento e a Legenda, a sua primeira e solitária obra em mais de 30 anos. Só em 1963, Bettencourt volta a evidenciar-se com a publicação de toda a sua obra. Os Poemas de Edmundo Bettencourt integram, além de O Momento e Legenda, Rede Invisível, de 1930-31, Poemas Surdos, de 1934-40, e Ligação, escrito entre 1936 e 1962, e são prefaciados por Herberto Helder. Um outro poeta com algum significado nesta época é Carlos Agapito Camacho (1903-1994), que assina os seus textos sob o pseudónimo Santiago de Melo. Como poeta e ensaísta, colabora na imprensa, nomeadamente no Diário da Madeira e no semanário Trabalho e União, onde assina, sobretudo, artigos de crítica literária e crítica social, assumindo um discurso provocatório e fantástico e demarcando-se pela sua originalidade, pela ironia e pelo ritmo das frases, levando o Visconde do Porto da Cruz a chamá-lo “o ritmador da ironia”. Em 1928, surge integrado no segundo grupo da Presença, com quem politicamente mais se identifica, e publica os poemas “Insolação”, “Senti Saudades de Mim” e “Claro-Escuro” na Presença (n.º 28, vol. 2, ago.-set. 1930). “Insolação” virá a ser publicado, a 13 de dezembro desse ano, em Trabalho e União e Luís Marino publica-o na coletânea Musa Insular, caraterizando-o como um poeta modernista com estilo próprio. Octávio de Marialva dedica-lhe o soneto “Don Juan” que o Diário da Madeira publica no dia 10 de agosto de 1930. Em Musa Insular, Luís Marino reúne uma plêiade de 372 poetas madeirenses, entre o séc. XV e a data da publicação (1959) deste “espicilégio popular madeirense”, como lhe chama o próprio autor no prólogo da obra: desde João Gonçalves da Câmara (1414-1501) a Carlos Maximiliano Alves de Menezes Cabral (1942-), o último poeta referenciado nesta obra. Luís Marino é o nome literário de Luís Gomes da Silva (1909-1996). De entre a sua vasta produção literária, destacamos: Revoada de Sonhos (1932), Cardos e Papoilas (1944), O Pobre e o Rico (1950), O Canto do Cisne. Poemas (s.d.) e Bolas de Sabão (s.d.). [caption id="attachment_14724" align="alignleft" width="218"] António Aragão[/caption] Os anos 50 são essencialmente ligados à poesia e a uma certa afirmação do meio insular. Por esse motivo, à semelhança do que já havia acontecido no séc. XIX com Flores da Madeira, alguns dos poetas madeirenses são reunidos em coletâneas. Surge, de facto, em 1952, Arquipélago, uma publicação do jornal Eco do Funchal, na qual se destacam poetas como António Aragão, Carlos Cristóvão, Florival de Passos, Jorge Freitas, Rebelo Quintal, Rogério Correia e Silvério Pereira. É este o primeiro palco de Herberto Helder. Nascido no Funchal, em 1930, cedo se afastou da Ilha e abriu o seu mundo a outros mundos. Desde cedo, também, manifestou interesse por determinadas culturas que, ao longo do tempo, sofreram grandes mutações. É lá que o poeta vai beber a sua linguagem (quase) ritualística, a ideia de uma metamorfose contínua e a noção de poeta como alquimista, como um deus ou um mago possuído pela força animista da linguagem. O autor, considerado, hoje, um dos maiores vultos da literatura portuguesa, participa também num opúsculo, Poemas Bestiais, em 1954, com Carlos Camacho e Jorge Freitas, uma publicação que passa praticamente em silêncio pelo Funchal. Esta é uma obra provocatória, um pouco na linha de Arquipélago e de Aerópago, que aparece como uma resposta bem-disposta à primeira coletânea. Estas coletâneas permitiram desencadear uma certa consciência literária madeirense, pela mão de escritores como António Aragão (1921-2008), Cabral do Nascimento ou Edmundo Bettencourt (1899-1973). Os suplementos literários dos jornais continuam a desempenhar um papel fundamental na vida cultural e literária da Madeira na segunda metade do séc. XX. Pedra é um desses casos. Surge em duas séries: a 25 de março de 1965, no jornal Eco do Funchal, e a 22 de janeiro de 1967, no Comércio do Funchal. Um olhar descomprometido permite-nos perceber nomes até então desconhecidos no panorama literário madeirense: Vicente Jorge Silva, Luís Manuel Angélica, José de Sainz-Trueva, entre outros. Alguns dos autores do séc. XX deixaram a sua poesia dispersa na imprensa ou referenciada em coletâneas: César Pestana (1904-1986), por exemplo, ou João França (1908-1996), mais conhecido pela sua prosa. A partir dos anos 70, alguns poetas madeirenses são integrados em antologias organizadas no continente. É o caso de Poesia 70 (Porto, 1970), Poesia 71 (Porto, 1971) e Poemografias (Lisboa, 1985). Na Ilha, José António Gonçalves (1954-2006) é o responsável pela divulgação literária de muitos dos poetas insulares. Pelas suas mãos, também se organizaram antologias de poesia: Ilha (1975), Ilha 2 (1979), Ilha 3 (1991), Ilha 4 (1994) e Ilha 5 (2006), esta última organizada pelo seu filho depois da sua morte, Cadernos Ilha, que contou com 12 volumes publicados a partir de 1988, e Livros de Cordel, que teve 10 números. Para além disso, o poeta integrou, em 1973, o Caderno de Poesia & Crítica Movimento, lado a lado com António Ramos Rosa, Eugénio de Andrade, Pedro Tamen, José Bento, A. J. Vieira de Freitas, José Agostinho Baptista e Gualdino Avelino Rodrigues. Nos anos 70, foi o responsável pela página literária do Jornal da Madeira, “Poesia 2000”, e, nos anos 90, pelo suplemento cultural do jornal Notícias da Madeira. A ele se deve também uma vasta criação poética, de que salientamos: Os Pássaros Breves (1995), Pedra Revolta (2000), Esquivas São as Aves (2001), Memórias da Casa de Pedra (2002) e As Sombras no Arvoredo (2004). Verifica-se, nestes anos, a tendência para juntar os poetas da Madeira com os dos Açores numa antologia insular, um ensaio das afinidades entre poetas de ilhas, na medida em que alguns poetas refletiram sobre eventuais pontos de contacto das escritas ilhoas, ainda que as respostas dos dois arquipélagos pareçam ter sido diferentes ao longo dos tempos: por um lado, os Açores reagem mais facilmente às correntes que se erguem na Europa e na América; por outro, a Madeira aproxima-se mais do que vai acontecendo em território português. Surge, assim, Pontos Luminosos. Açores e Madeira, uma antologia de poesia do séc. XX que abriga também alguns poetas do início do séc. XXI: João Carlos Abreu (n. Funchal, 1935); Irene Lucília Andrade (n. Funchal, 1938); António Aragão (n. São Vicente Madeira, 1924); José Agostinho Baptista (n. Funchal, 1948); Isabel Aguiar Barcelos (n. Funchal, 1958); Edmundo Bettencourt (n. Funchal, 1889); João David Pinto Correia (n. Funchal, 1939); Ana Margarida Falcão (n. Funchal, 1949); A. J. Vieira de Freitas (n. Madeira, 1940); São Moniz Gouveia (n. Santo António da Serra, Madeira, 1967); Octávio de Marialva (n. Funchal, 1898); José Tolentino Mendonça (n. Machico, Madeira, 1965); José Viale Moutinho (n. Funchal, 1945); João Cabral do Nascimento (n. Funchal 1987); José de Sainz Trueva (n. Funchal, 1947); Ângela Varela (n. Camacha, Madeira, 1938), e alguns poetas açorianos. A Ilha continua a inspirar poetas. Os que mais se têm destacado no panorama literário são, sobretudo, aqueles que conseguiram ultrapassar as fronteiras basálticas da Ilha, alguns dos quais com grande projeção nacional e mesmo internacional. Organizados cronologicamente pela data do seu nascimento, ressaltamos alguns autores: Herberto Hélder (1930-2015), a sua vasta obra, que se iniciou como uma procura surrealista, experimenta o poder da palavra e propõe uma reflexão sobre a escrita. De entre a sua poesia, sublinham-se as obras seguintes: Poemacto (1961), Retrato em Movimento (1967), O Bebedor Nocturno (1968), Cobra (1977), O Corpo o Luxo a Obra (1978), Photomaton & Vox (1979), A Cabeça entre as Mãos (1982), As Magias (1987), Última Ciência (1988), Do Mundo (1994) e Poesia Toda (1973 e 1996). Irene Lucília Andrade (n. 1938) publicou O Pé Dentro d’Água (1980), Ilha que é Gente (1986), A Mão que Amansa os Frutos (1991), Estrada de um Dia Só (1995), Protesto e Canto de Atena (2002), Água de Mel e Manacá (2002). Ao longo do tempo, integrou coletâneas dedicadas à poesia insular: Ilha 2, Ilha 3 e Ilha 4, Duplo Olhar (1997), Poetti Contemporanei dell'Isola di Madera, (Itália, 2001), Saudades da Ilha – Evocações Poéticas da Ilha da Madeira (2003) e Pontos Luminosos – Açores e Madeira: Antologia de Poesia do Século XX (2006). Ângela Varela (n. 1938) é uma poetisa representada em jornais e revistas da Ilha e do continente, bem como nas antologias Ilha 3, com “Espaços de Passagem”, de 1991, e Ilha 4, com “Corpo – Ilha”, de 1994. João David Pinto-Correia (n. 1939), docente universitário na área da literatura, escreveu, entre outras obras, Este Branco Silêncio (1991) e Onze Mais um Poemas e Lugares (2001). A. J. Vieira de Freitas (1940-1982) publicou A Palavra que Somos (1971), Habitar o Tempo (1975) e Erosão (1982). A ele se deve, também, a coordenação da antologia Da Ilha que Somos (1977), que pretendeu transmitir a voz poética da insula. No prefácio que assina, o poeta explica que o insular intui a poesia a partir da limitação geográfica da Ilha. A obra reúne, assim, um conjunto de “jovens poetas”, alguns dos quais não madeirenses, que pretendem traduzir o complexo mundo do ilhéu. De entre os autores aí representados, destacam-se Fátima Dionísio, A. Brito Figueiroa, Carlos Alberto Fernandes e Laurindo Gois, estes três últimos ligados ao grupo Ilha. José de Sainz-Trueva (n. 1947) manteve, desde muito jovem, uma produção poética regular na imprensa regional e de Lisboa, bem como em revistas literárias e várias antologias publicadas no Funchal, no Porto e em Lisboa. Em 2013, publicou O Lento Arder das Coisas. José Viale Moutinho (n. 1945) é um dos poetas da Ilha que viveu grande parte da sua vida fora dela. Jornalista, cronista, investigador, contista e poeta, tem, entre muitas outras, as seguintes obras poéticas publicadas: Urgência (1966); Atento Como um Lobo (1975); Os Laços (1979); Quarteto de Viagens e Paixões (1980); Correm Turvas as Águas Deste Rio (1982); Piano Bar (1986); Máscaras Venezianas. Poemas (1987); Tretze Quadres de Mário Botas (1987); As Portas Entreabertas: Poesia 1975 – 1985 (1990); Un Caballo en la Niebla (1992), que foi considerado pela revista Leer (Madrid) um dos 100 melhores livros da déc. de 90; Caderno de Entardecer (1996); O Amoroso (1997 e 2004); Nomes de Árvores Queimadas (1997); Areias Onde Gregos se Perdem (1998); Poemas Tristes (2001); A Ilha do Ogre (2003); Outono: Entre as Máscaras (2003); Sombra de Cavaleiro Andante: Antologia Poética 1975-2003 (2004); Por um Bosque tão Sombrio e Outros Poemas (2007); São Coisas Tais Efeitos Só do Acaso? (2009). João Dionísio (n. 1947) foi um dos três madeirenses (com José de Sainz-Trueva e António Aragão) a participar numa nova vertente do experimentalismo apresentado nas antologias portuenses Poesia 70 e Poesia 71. Tem a sua obra poética dispersa por antologias várias. Recorrendo, com frequência, ao poema em prosa, publicou, por exemplo, A Cidade de Álea (1981), Os Açúcares ou o Ruído do Silêncio (1996), Uma Inquestionável Distância (1999) e Os Construtores da Memória (2000). José Agostinho Baptista (n. 1948) foi jornalista e tradutor, tendo sido responsável pela tradução em português de alguns autores de língua inglesa, como Walt Whitman e Tennessee Williams. Assumiu-se como um dos grandes poetas dos sécs. XX e XXI. Da sua vasta obra publicada, destacam-se os livros: Deste Lado Onde (1976); O Último Romântico (1981); Morrer no Sul (1893); Auto-Retrato (1986); Paixão e Cinzas (1992); Canções da Terra Distante (1994); Agora e na Hora da Nossa Morte (1998); Biografia (2000); Anjos Caídos (2003), que lhe mereceu o Prémio PEN de Poesia; Esta Voz é Quase o Vento (2004), que lhe valeu o Grande Prémio de Poesia APE/CTT; Quatro Luas (2006); Além-Mar (2007); Assim na Terra como no Céu (2014). José Tolentino Mendonça (n. 1965) é dos mais reconhecidos poetas da sua geração, tendo sido distinguido por diversos prémios literários, como o Cidade de Lisboa de Poesia, em 1998, e o PEN Clube Português, em 2004. À semelhança de José Agostinho Baptista, foi distinguido com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique, tendo sido considerado um dos 100 portugueses mais influentes em 2012 pela Revista do jornal Expresso. Da sua vasta obra literária, destacamos: Os Dias Contados (1990); Longe Não Sabia (1997); A Que Distância Deixaste o Coração (1998); Baldios (1999); De Igual Para Igual (2001); A Estrada Branca (2005); A Noite Abre Meus Olhos (2006); O Viajante Sem Sono (2009); A Papoila e o Monge (2013). A atividade poética da ilha da Madeira mostra-se, assim, intensa. Talvez a sua condição insular e os singulares fatores geográficos e culturais façam dela uma terra de poetas. Registe-se, pois, outros nomes que fazem parte da história literária da Ilha: Carlos Alberto Fernandes, Eurico de Sousa, Gualdino Avelino Rodrigues, Guilhermina Luz, Isabel Aguiar Barcelos, Jorge Freitas, Luís Viveiros, Laura Moniz (nome com que passou a assinar São Moniz Gouveia após alteração do nome civil), João Carlos Abreu, entre muitos outros poetas que terão, certamente, lugar na história da literatura que se faz na Ilha. Há outros poetas, porém, que, não tendo nascido na Ilha, dela fizeram a sua casa. De entre os muitos que se deixaram inspirar pela Madeira, sublinham-se alguns pela importância que o tempo lhes tem dado: João de Brito Câmara (1909-1967) nasceu em Lisboa, mas foi viver para o Funchal com quatro anos. Advogado, foi sócio do Instituto Cultural da Madeira e pertenceu à Associação Portuguesa de Escritores (de que foi delegado na Ilha, entre 1956 e 1958). Colaborou na imprensa regional. Escreveu Manhã (1927), Relance (1942), Auto da Lenda (1943), Ilha (1950) e Poesias Completas (1967). Maria Aurora Carvalho Homem (1937-2010), natural da Beira-Alta, escolheu a Madeira para viver a partir de 1974. Como poeta, publicou Raízes do Silêncio (1982), Ilha a Duas Vozes, com João Carlos Abreu (1988), Cintilações, poesia sobre aquarelas de Mellos (1995), Uma Voz de Muda Espera (1995) e 12 Textos de Desejo (2003). Carlos Nogueira Fino (n. 1950), apesar de ter nascido em Évora, residiu na Madeira desde 1959, optando pela Ilha como sujeito nos seus poemas. Dos seus livros de poesia, destacamos XXIII Poemas de Ilhamar (1987), Simbiose (1988), Este Cais Vertical (1989), Contemplação do Olhar (1992), (Pre)Meditação (1992), Segundo Livro de Ishtar (1994), Arco e Promontório (1997), Inquietação da Água (1998), O Deus Familiar (2001), Funchal (2004) e 39 poemas (2006). A poesia é voz antiga na Madeira. As suas raízes (con)fundem-se com as origens humanas da Ilha. No princípio, destacaram-se os poetas palacianos, depois os que beberam a sua arte no colégio religioso, seguidos dos que foram nascendo dos salões onde as tertúlias literárias aconteciam e nas páginas dos jornais. A Madeira foi acompanhando, ao longo da história da literatura, as correntes estéticas e ideológicas do resto do país. No entanto, muitos dos poetas de origem madeirense deixaram que a Ilha entrasse nos seus versos. Basta percorrer os títulos de algumas obras já citadas para perceber que o imaginário da Ilha está, de algum modo, presente nos poetas que citamos. Veja-se, por exemplo, as coletâneas Flores da Madeira, Álbum Madeirense e Ilha, ou nomes de obras como A Divina Ilha, de Albino Menezes, ou XXIII Poemas de Ilhamar, de Carlos Fino. A partir dos finais do séc. XX, os poetas madeirenses procuraram o estatuto de cidadãos do mundo, mais preocupados com os temas e os problemas que se colocam à humanidade do que propriamente com temas locais e regionais. A Ilh a, porém, parece continuar a desencadear vocações poéticas, na medida em que todos os anos aparecem novos poetas e novos livros de poesia, dando conta da importância deste espaço para a literatura.   Graça Maria Nóbrega Alves (atualizado a 11.12.2018)

Literatura

gabinetes de leitura

Cidade aberta à presença de estrangeiros, nomeadamente Ingleses, o Funchal do séc. XIX nem sempre respondia às solicitações culturais de quem visitava a cidade. O madeirense era pouco letrado e os estrangeiros queixavam-se do facto de não haver livrarias na cidade. Referiam-se, porém, à existência de gabinetes de leitura, lugares onde podiam conviver, ler jornais e revistas ingleses, em clubes onde pagavam quotas. Estes gabinetes eram, então, de acesso privado. Alguns dos estrangeiros que falam da ilha da Madeira referem-se-lhes. Em 1840, Fitch Taylor regista a sua existência no relato que faz da sua viagem à volta do mundo. O mesmo acontece no texto A Winter in Madeira, de 1850. Estes gabinetes revelam-se uma necessidade dos Ingleses e são referenciados nos guias de viagem. O Clube Inglês disponibilizava aos seus membros, para além dos jornais e das revistas, livros de tipologia diversa – desde ensaios e trabalhos científicos até “literatura ligeira da época” (DIX, 1850, 90). Nos começos do séc. XIX, a biblioteca deste clube detinha cerca de 2000 títulos – afirma-o um guia para viajantes e para “inválidos”. Este Clube Inglês, fundado em 1832, também conhecido como “english rooms”, situava-se na R. da Alfândega, entre as duas entradas do Blandy Brothers (Banqueiros Lda.), segundo consta do guia para o visitante assinado por Gordon Brown, o que evidencia a clara importância que esta estrutura teria para suprir as necessidades dos visitantes. Mediante uma quota semestral de 15 dólares, os estrangeiros poderiam conviver, jogar cartas ou bilhar, assim como consultar os mais recentes jornais, periódicos e livros ingleses. O gabinete de leitura do Clube Português não tinha livros, mas apenas jornais e revistas, em português. Não obstante verificar-se um maior interesse e uma maior divulgação dos gabinetes de leitura que servem os turistas que descobrem a Ilha, a verdade é que há referências a associações mais abrangentes, onde a preocupação com a leitura começa a fazer-se sentir. Numa nota a “Instrução pública”, relativa ao período monárquico-liberal, Álvaro Rodrigues de Azevedo remete para dois clubes recreativos, criados por associações particulares, com gabinetes de leitura: o União, criado a 10 de março de 1836, na Pr. da Constituição; e o Funchalense, estabelecido “ao Carmo, mas desde muitos anos também, no palácio da rua do Peru”. Este autor, nas notas que apõe a Saudades da Terra, faz menção de outro gabinete, inserido na Associação Comercial, que se situava à entrada da cidade, assim como “o princípio de uma biblioteca no Grémio Recreativo dos Artistas” (FRUTUOSO, 1873, 804-805). Na realidade, os estatutos de 1836 da Associação Comercial do Funchal já permitiam o acesso a periódicos, mapas, folhetos, livros e notícias, abrindo caminho para a instalação de um gabinete de leitura que, tal como o seu congénere do Clube Inglês, funcionava como um centro de encontro e convívio entre os sócios e os visitantes. No inventário de 1884 desta Associação consta a existência do mobiliário do gabinete de leitura, não havendo referência a qualquer armário, móvel ou estante para arrumação de livros e jornais, que estariam guardados fora do alcance dos utilizadores, na sala de sessões. Em 1897, é aprovado o projeto de regulamento da biblioteca e do gabinete de leitura desta Associação, clarificando as funções de cada um: o gabinete de leitura teria apenas o catálogo das obras existentes na biblioteca, e jornais, que um amanuense distribuía e recolhia diariamente e que eram facultados, mediante bilhetes de requisição, quer a sócios da Associação, quer a assinantes do gabinete. Nesse espaço, não era permitido fazer barulho, fumar, “levar para fora […], extraviar, mutilar ou danificar os jornais ali expostos” (MELLO e CARITA, 2002, 164), cabendo ao diretor da biblioteca zelar pelo bom funcionamento do gabinete. O gabinete, cujo horário era das 06.00 h às 21.00 h, permanecia aberto até mais tarde nos dias da chegada dos navios de Lisboa e dos paquetes ingleses que traziam notícias do mundo. Não temos conhecimento se as outras Associações que, entretanto, se formaram na cidade do Funchal teriam serviço semelhante. Na realidade, os gabinetes de leitura abriam as portas para a criação das bibliotecas públicas. No Funchal, à semelhança do que acontecia em outras cidades – sobretudo nas capitais dos distritos –, a Câmara fundou uma biblioteca pública, no dia 12 de janeiro de 1838, com um acervo constituído pelos 193 volumes da Encyclopedia Methodica, comprada aos herdeiros do conde de Canavial, e, em 1844, o município do Funchal solicita alguns livros do depósito das bibliotecas dos conventos extintos, tendo recebido, em 1863, 3060 volumes, em latim, português, francês, italiano e inglês. Um relatório americano dá conta dessa Biblioteca Municipal, em 1893. No começo do séc. XXI, as bibliotecas públicas oferecem serviços similares, agora gratuitos, apesar da necessidade de aquisição de um cartão de leitor/utilizador, que permite o acesso aos espaços das bibliotecas e dos centros de documentação, bem como à leitura, empréstimo e reserva de obras, à utilização de computadores e acesso à Internet, à visualização de conteúdos audiovisuais, entre outros serviços.     Graça Alves (atualizado a 01.02.2017)

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