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pastoral

“Pastoral” é um termo cujo uso se tem deslocado da ação dos pastores na cura de almas de toda a sociedade para a ação de diversos agentes em campos cada vez mais especializados. “Se a expressão ‘cura de almas’ apontava para o específico, este não era entendido como separação do viver quotidiano; pelo contrário. A partir do Iluminismo e da Revolução Francesa, o progressivo afirmar-se da secularização e da laicidade do Estado estabelecia fronteiras e proibições de acesso crescente. O contributo eclesial específico no interior tornava-se separação, quando não contraposição, marco de fronteira... Tratava-se então de determinar as formas do agir eclesial” (LANZA, 2012, 296). Na enciclopédia dos saberes, a teologia pastoral assumiu um aspeto cognoscitivo geral, enquanto teoria da práxis, e outro especificamente teológico: o horizonte da fé da Igreja. Fundamento da conotação teológica é o princípio da encarnação, já enunciado por Franz Xaver Arnold (1898-1969) como “divino-humano” e pela constituição dogmática Dei Verbum com a expressão gestis verbisque: “por ações e palavras”, Deus revela-nos que está connosco para nos libertar do pecado e da morte. De acordo com tal princípio e com a natureza e estrutura sacramental da Igreja, Sergio Lanza (1945-2012) definiu o objeto e o método da teologia pastoral: o seu objeto material é a pastoral como ação eclesial orgânica nas suas dimensões antropológica global, sociopolítica, cósmico-universal e escatológica; o objeto formal, por seu lado, descobre-se “aqui e agora”, de forma analítica e crítica, no horizonte hermenêutico da fé e no dinamismo do espírito. O adjetivo “teológico-pastoral” refere-se, não a uma realidade em parte teológica e em parte pastoral, mas à teologia pastoral. O método teológico-pastoral é constituído pelas dimensões kairológica (do grego “kairós”, com o significado de “ocasião”, “tempo oportuno”), criteriológica e operativa, presentes em toda esta sequência de fases: 1.ª) análise e avaliação; 2.ª) decisão e projeto; 3.ª) atuação e verificação. Assim, na primeira fase está presente, não só uma dimensão kairológica, mas também uma ativação de critérios idóneos de leitura da realidade, os quais, por sua vez, estão atentos à dimensão operativa, para a qual a fase de avaliação está orientada. Fases e dimensões relacionam-se entre si em termos de prevalência, por um lado, e de presença simultânea, por outro. Na fase de análise e avaliação, e.g., prevalece a dimensão kairológica, mas estão presentes também a criteriológica e a operativa. Entre a fase analítico-avaliativa e a projetual aprofundam-se os critérios (sem esquecer o kairós nem a ação), podendo voltar à leitura da situação para melhor a avaliar, de modo a entrar capazmente na fase projetual. O presente estudo está dividido precisamente segundo estas três fases. Edificação e missão são os dois grandes campos da ação pastoral, ambos movidos pelo impulso da nova evangelização e centrados na vivência das pessoas. No horizonte da nova evangelização, ponto central é a passagem do paradigma do cuidado das almas (centrípeto) ao da evangelização (dinâmico). Tarefa relevante da missão é chegar ao Homem onde ele nasce, estuda, trabalha, sofre, restaura as forças; não só em sentido físico-topográfico, mas também e sobretudo em sentido psicológico e cultural. Sem pretender ser exaustivo, o anúncio e o ensinamento da palavra de Deus, a oração, a liturgia, e o testemunho da caridade não são compartimentos estanques da pastoral, mas indicam um caminho ainda a percorrer, cujos âmbitos principais são a vida afetiva, o trabalho, o tempo livre, a fragilidade humana, a tradição, a educação, a cidadania, etc. “As áreas de exploração temática articulam-se segundo uma figura que vê no entrelaçamento entre o sujeito, a comunidade cristã e a sociedade, por um lado, e, por outro, a perspetiva ‘ad intra’ (comunhão) e ‘ad extra’ (missão) – a infraestrutura epistemológica adequada ao saber teológico pastoral. Como se nota, é praticamente impossível reduzir a um esquema rígido o campo multiforme da ação eclesial, guiado pelo Espírito Santo e interrogado pelos sinais dos tempos. É, todavia, possível identificar alguns âmbitos que a especificidade da fé cristã põe em particular evidência; tais âmbitos assumem carácter não passageiro, e podem, com razão, ser consideradas articulação normativa no campo disciplinar” (Ordo Anni Academici 1998-1999,1998, 244). A evangelização contempla âmbitos como a “primeira” e a “nova” evangelização, a missão ad fideles e a missão ad gentes, a evangelização e as culturas, o ministério pastoral, a procura religiosa, a evangelização da afetividade, a pastoral juvenil, a caridade da moral cristã, a família, a prática litúrgica, a paróquia, etc. Descrita a pastoral como ação eclesial orgânica nas suas diversas dimensões, advertimos a impossibilidade de este trabalho contemplar a maioria dos seus setores específicos. Superadas expressões como “catequese missionária” ou “de diáspora” nos países de antiga cristandade, posteriormente descristianizados, a atividade missionária (missionação) liga-se à catequese, à liturgia, ao exercício da caridade e da diaconia, à renovação da comunidade, etc., mas respeitando a especificidade destas. Não há esse respeito em expressões como “catequese kerygmática”, “catequese evangelizadora”, “pré-evangelização” ou “pré-catequese”, que pretendem preencher com formas espúrias o campo primeira evangelização. É neste campo da primeira evangelização (e designadamente de primeiro anúncio) que se situa a missão ad fideles, considerada como ação eclesial extraordinária de implantatio evangélica e eclesial. Desta colocação resulta que “a primeira evangelização, tem, por conseguinte, caráter kerygmático, mas não se reduz de modo nenhum à simples proclamação verbal do kérygma” (LANZA, 1994, 34). Enquanto primeira evangelização, a renovada missão ad fideles tem constituído uma forma apta ao almejado ardor missionário, que não deve ser confundido com os processos do tornar-se cristão (catecumenado ou educação cristã). A escansão teológico-pastoral daquele teólogo de Latrão prevê uma estrutura “em unidade de perspetiva sob a denominação de primeira evangelização, nas suas duas fases salientes: primeira evangelização ad extra, de carácter distintamente missionário; primeira evangelização na comunidade, com carácter de aprofundamento e de avaliação das motivações, em clima de acolhimento em vista da decisão de fé que conduz à entrada no catecumenado” (LANZA, 1994, 36) ou ao completá-lo, uma vez interrompido a certo ponto do itinerário por o “catecúmeno” se ter daí “afastado”, conforme prevê o Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos (Ritual…, 1995, § 295). A missão entre fiéis (ad fideles, por oposição a ad gentes), embora se dirija a maior parte das vezes a batizados, tem a caraterística de primeira evangelização ad extra, uma vez que a referida oposição não é taxativa. Requer-se, pois, em cada época, competência, parrêsia (i.e., franqueza, coragem), iluminação e capacidade, seja de atrair, seja de lançar pontes. E tal não pode ser deixando à mera iniciativa individual dos cristãos, mas propondo estruturas dinâmicas e formas aptas aos que se encontram afastados da comunhão do povo de Deus. O panorama teológico-pastoral pós-moderno, tanto a nível de identidade e método como das estruturas e formas de primeira evangelização, é nota dominante nos países de antiga evangelização como Portugal. O mesmo se diga da cristandade transplantada do território continental português para o que viria a constituir, desde 1514, a Diocese do Funchal. Forma de pastoral extraordinária, originalmente implantada pelos Jesuítas portugueses, a missão ad fideles poderia ter chegado, depois de 1566, por mão dos discípulos de Inácio de Loiola à Diocese que Leão X criara para o arquipélago povoado havia menos de um século e todos os territórios descobertos e por descobrir pelos Portugueses. Eduardo Nunes Pereira, porém, considera que, graças à sua preparação intelectual e espiritual, os Franciscanos se dedicavam à pregação, no que eram secundados pelo clero diocesano, mas não pelos Jesuítas, mesmo se “pelo seu estatuto e carta de dotação tinham obrigação da prédica [...]. Todos estes factos levam-nos a supor que a Companhia não atingiu o nível que alcançou em outras terras do Continente e Ultramar, porque veio a encontrar na Madeira, em pleno e seguro desenvolvimento, a Ordem Seráfica” (PEREIRA, 1968, II, 294), que, apesar da doação espiritual à Ordem de Cristo, em 1433, já “descobrira” espiritualmente o arquipélago. Graças a tal preponderância dos Franciscanos, a Diocese do Funchal continuou a celebrar com especial empenho o final do Advento, cantando antes da aurora as missas à Virgem do Parto. O Corpo de Deus, celebrado em clima diocesano, é prolongado ao longo do ano nas diversas paróquias e na sua diáspora. As visitas do Divino Espírito Santo, cada domingo em diferentes sítios de uma paróquia, dão à cinquentena pascal uma conotação pneumatológica.   Análise e avaliação Na sequência da renovação da Igreja em Portugal e do Sínodo dos Leigos que teve lugar em Roma em 1987, os bispos portugueses puseram em marcha um trabalho, realizado quer na área das dioceses e das paróquias, quer no seio dos movimentos e das associações para preparar um congresso nacional de leigos. O trabalho dos 2000 delegados nos dias 2 a 5 de junho de 1988 representa, por conseguinte, o culminar de um movimento mais amplo que gerou justas expectativas na nossa Igreja: no mínimo, uma sondagem global dos seus recursos humanos e da sua própria visão. É por esta capacidade de análise – devida tanto à qualidade dos métodos sociológicos como à larga participação eclesial – que nos debruçamos sobre este acontecimento. Neste âmbito, realizou‑se em cada Diocese um congresso de leigos, cujas conclusões seriam levadas ao congresso nacional, em Fátima. Foi o caso do primeiro congresso de leigos da Diocese do Funchal, de 5 a 7 de fevereiro de 1988, precedido de um estudo sociológico. O congresso do Funchal encomendou a uma empresa especializada em análises sociológicas um estudo de “interesse” teológico-pastoral de oito paróquias representativas da Diocese, cujos dados se apresentam a seguir. O congresso diocesano constatou que a generalidade dos madeirenses – quase todos católicos – procurava a Igreja para o batismo, a catequese, a primeira comunhão e o matrimónio, apesar de a frequência da eucaristia e da reconciliação revelar uma grande diferença entre as várias zonas da Diocese. Esta diferença era evidente do ponto de vista de uma religiosidade genérica, admitida pela quase totalidade dos inquiridos das paróquias rurais e por uma parte dos das paróquias suburbanas; menos evidente, à medida que os centros urbanos cresciam. Declarava-se católica a quase totalidade da população madeirense, excetuadas as paróquias mais populosas do arquipélago, como S. Pedro e S.to António. Também a prática era menor, aumentado à medida que nos aproximamos do meio rural. O congresso funchalense falava, em conjunto, da frequência dos sacramentos da eucaristia (prática dominical) e da reconciliação. Quanto ao primeiro, o estudo feito revelou que as razões do abandono da prática dominical na Diocese do Funchal não se prendiam com a consciência de ter perdido a fé, nem com a deficiência da assistência religiosa nem com preconceitos classistas; a privatização do facto religioso prevalecia sobre a indisponibilidade. Quanto à reconciliação, prevaleciam os que se confessam 1 ou 2 vezes por ano (paróquias de S.to António, Achada de Gaula, S. Vicente e Santana), logo seguidos daqueles que o faziam entre 3 e 11 vezes no mesmo ano (paróquias de Machico, S.ta Cruz, Loreto e Porto Santo). A alguns pontos percentuais estavam os que raramente ou nunca se confessavam; na paróquia de S. Pedro, na capital madeirense, quase metade dos inquiridos nunca se confessava. Dentro do universo dos inquiridos, indiferentemente do seu estatuto religioso, na capital quase metade dos inquiridos rezava diariamente, contra 11 % que nunca o faziam. Nas restantes paróquias, a percentagem dos que oravam diariamente oscilava entre os 70 % de S.ta Cecília e os 60 % de Machico, enquanto os que nunca o faziam representavam valores na ordem de 1 % (Achadas de Gaula e Loreto) a 9,1 % (Porto Santo). Quem mais ia à missa em 1989 eram os habitantes do Loreto (86 %), nomeadamente os jovens dos 15 aos 24 anos (81,5 %), os adultos dos 45 aos 54 anos (93,3 %) e todos os inquiridos com mais de 65 anos. Esta paróquia rural só era ultrapassada pela também rural Achada de Gaula, na faixa dos 25 aos 34 anos (75 %) e dos 55 aos 64 (95,3 %), e pela paróquia suburbana de S.ta Cecília, na faixa dos 35 aos 44 anos (100 %). Os mínimos da prática dominical em todas as faixas etárias registavam-se na paróquia de S. Pedro, no maior centro urbano da Diocese do Funchal. Concluiu-se que a prática dominical era percentualmente menor nos grandes aglomerados, salvo nas idades compreendidas entre os 25 e os 54 anos, em que algumas paróquias urbanas e suburbanas tinham mais prática que as rurais. Não é legítimo comparar as médias percentuais de um inquérito como o de 1989 com os resultados de recenseamentos da prática dominical em 1977 e 1991, uma vez que se trata de métodos sociológicos diferentes. Contudo, é possível comparar as tendências entre as faixas etárias em cada um dos anos. Os estudos eram unânimes em apresentar como menos praticantes os indivíduos com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos, em comparação com os mais velhos. Contudo, entre estes, os recenseamentos da prática dominical concordavam quanto à menor prática dos sexagenários, enquanto o inquérito de 1989 os considerava mais praticantes que os de meia-idade (25-54 anos). Acrescente-se ainda que os sucessivos recenseamentos revelaram uma diminuição da prática dominical das crianças e dos adolescentes. A descida dessa prática entre os adultos dos 40 aos 54 anos (-0,4 %) era compensada pela subida dos jovens adultos (25-39 anos). Quanto aos mais velhos, a subida foi maior entre os 55 e os 69 anos do que a partir dos septuagenários. O Boletim Diocesano do Funchal acusava, globalmente, a subida de presenças de homens com mais de 70 anos e das senhoras a partir dos 55, a diminuição dos lugares de culto, do número de celebrações e de presenças, e um ligeiro aumento do número de comunhões. As presenças diminuíram em todos os concelhos, exceto no Porto Santo e na Ribeira Brava. As comunhões, nestes dois concelhos, aumentaram 197,6 % e 59,55 % respetivamente. O concelho da Calheta manteve-se, quanto ao número de comunhões, na ordem dos 20,55 %. O concelho de Câmara de Lobos teve uma baixa de 750 presenças e um aumento de 1561 comunhões (27,35 %). O concelho do Funchal viu diminuído o número de presenças em 7500, com um aumento de 500 comunhões. Nos concelhos de Machico, Ponta de Sol, Porto Moniz e Santana (com uma diminuição acentuada), baixaram as presenças e comunhões. No concelho de São Vicente, baixou o número de presenças em mais de 1300 e aumentaram as comunhões em cerca de 200. As faixas etárias que mais diminuíram foram as de 7-14 e 15-24 anos. Estes números exigiam, no entender da Diocese, uma reflexão pastoral. A pastoral da juventude e da família, os cursos bíblicos, a animação litúrgica, uma atenção particular à população académica deveriam ser prioritários. Fazer uma análise da iniciação cristã dos madeirenses significa indagar o modo como se tornam cristãos, através da catequese, do exercício da vida cristã, da liturgia, da evangelização e edificação da Igreja. Além da prática dominical e do sacramento da reconciliação, o inquérito versou a iniciação cristã, na sua vertente tanto sacramental como catequética. Além disso, embora o matrimónio não faça parte da iniciação cristã, uma vez que na Diocese do Funchal era prática generalizada (no cumprimento da lei canónica) exigir a confirmação aos nubentes, importa analisar a relação entre ambos os sacramentos. Segundo a sondagem de 1988, os madeirenses eram batizados quase todos antes da “idade da razão”, não chegando a 1 % os que o faziam depois dos 15 anos. A relação entre a educação cristã, designadamente a catequese, e os sacramentos da iniciação cristã estava patente na proximidade percentual entre os que frequentaram a catequese (97,4 %) e os que fizeram a primeira comunhão (90,0 %). A diminuição dos catequizandos à medida que ia aumentando a sua idade explicava o menor número total de crismados (92,1 %). E o facto de 49,7 % dos inquiridos terem frequentado a catequese até aos 12 anos explicava que 50,3 % tivessem feito o crisma entre os 12 e os 14 anos. De facto, a catequese na Diocese do Funchal terminava por norma com a celebração da confirmação e – segundo os inquiridos – não havia catequese depois disso. Era a diretiva canónica um dos motivos que levava os jovens que se queriam casar catolicamente a receberem aquele sacramento, geralmente depois de concluído o itinerário catequético normal ou, por vezes, através de uma preparação ad hoc na iminência do matrimónio. O 1.º congresso de leigos da Diocese do Funchal concluiu que a paróquia era uma referência forte, sobretudo no meio rural, e que muitos cristãos afluíam a ela, mas poucos pertenciam a associações e obras religiosas. Na Madeira, a tradição associativa não parecia enraizada na população, a avaliar pela média de 22,2 % de associados nas mais diversas instituições. O dinamismo destas, de resto, não parecia depender da tipologia demográfica; os habitantes das paróquias de Santana (rural, 32 %) e de S.to António (suburbana, 29,5 %) eram os que mais se associavam. Idêntico fenómeno se registava entre os católicos dessas mesmas paróquias, cujos 21 %, sensivelmente, se situavam acima da média de associativismo, dos 960 católicos inquiridos: 14,6 %. Tal fenómeno invertia-se em zonas rurais como as Achadas da Cruz e o Loreto, onde as associações católicas contavam com maior percentagem de membros do que as suas congéneres não-católicas. Sobre as razões por que os católicos não se associam não se debruçou a comissão permanente de coordenação pastoral, pois o estudo de que dispunha não era conclusivo: 74,1 % dos inquiridos disse não ter razões e 58,9 % invocou falta de tempo. Por outro lado, só 12,4 % sabiam da existência ou não de um boletim paroquial e só uma média de 46 % o liam. No campo da informação, eram os meios regionais e nacionais que suscitavam maior interesse (20,2 % de assinaturas, 54,4 % de audiência radiofónica e 71,9 % de audiência televisiva), apesar das discrepâncias entre paróquias bem informadas como S.ta Cecília, e paróquias com défice de informação como o Loreto. A participação monetária (84,7 % dos 997 inquiridos) era, sem dúvida, superior ao interesse pela informação. Estava ligada, contudo, a um segmento bem determinado da vida eclesial, o culto, uma vez que a maioria contribuía através do ofertório da missa. Além disso, só em quatro paróquias havia uma maioria de inquiridos cuja segunda forma de participação não era meramente esporádica, uma vez que pagava quotas. O congresso funchalense avaliou ainda os baixos índices de participação na vida social, política, cultural e sindical e a pouca sensibilidade aos problemas sociais como: o alcoolismo, as drogas, o analfabetismo, a degradação moral, a corrupção, a desintegração da família, o papel subalterno da mulher, o conformismo face às desigualdades sociais, a habitação, os problemas dos jovens e dos deficientes. Os baixos índices de participação em associações de carácter genérico influíam, como se afirmou, no específico associativismo eclesial, mas, por outro lado, constituíam indício das preocupações e interesses dos cidadãos e, por reflexo, também dos cristãos. 12,6 % dos inquiridos não tinham nenhuma preocupação pelo mundo que os rodeava. Dos que as tinham, a maioria preocupava-se com a guerra ou com a saúde, prevalecendo esta preocupação nos meios rurais. Outras preocupações apontadas foram a fome e sobretudo as finanças. Tal elenco denota que os problemas são captados de um ponto de vista individualista, por um lado, e genérico, por outro, não se tendo em conta, por conseguinte, as situações concretas do próximo em sentido evangélico. Os trabalhos do congresso encerraram sob a nota da “participação corresponsável [...] nas tarefas de renovação da Igreja e da construção do mundo segundo o Evangelho” (CONGRESSO NACIONAL DE LEIGOS, 1988, 379). Analisando os “sinais dos tempos” presentes no mundo, os congressistas notaram que a inovação tecnológica, a internacionalização da economia, a integração europeia, o surgimento de novas realidades culturais tinham dado lugar a processos de mudança que, a par de muitos aspetos positivos, geravam tensões, conflitos e risco de agravamento de desigualdades e injustiças, e grande insegurança em relação a valores e modelos de vida. O congresso não dava, no entanto, a estes factos valor de determinismos cegos, contrapondo a um estilo de vida marcado pelo hedonismo e pelo individualismo e um modelo económico e social excessivamente competitivo escolhas conformes com a dignidade do homem e com o projeto do evangelho. O congresso discerniu, na Igreja, como bons “sinais dos tempos”: a comunhão, designadamente pela maior participação e abertura ao diálogo, e a corresponsabilidade traduzida na consciência de que há uma missão comum a toda a Igreja. Mas a ausência do espírito conciliar e a dificuldade de se comprometer na sociedade eram maus “sinais dos tempos” entre os cristãos portugueses do final de milénio. Esta auscultação dos leigos mereceu uma carta pastoral do episcopado, que pretendia ser, ao mesmo tempo, incentivo e programa para o esforço evangelizador em Portugal. A análise do quartel pós-conciliar (1965-1989) foi muito positiva quanto à evolução da Igreja, secundando o que já dissera o congresso do ano anterior. Mas os bispos foram mais concretos, enumerando como sinais positivos a renovação ou o surgimento de movimentos e associações laicais, nomeando a Ação Católica, a renascer de uma profunda crise, bem como a participação dos leigos na catequese e na vida litúrgica, organizativa e apostólica. Contudo, chamavam a atenção para a tentação individualista que atentava contra a dinâmica comunitária da missão da Igreja, uma vez que a participação tinha frequentemente a forma de poder e não de serviço, e havia gosto em participar, mas não profundidade na formação da fé, exigida pela missão. Eis a razão por que a missão da Igreja, inclusive as missões ad fideles, no pós‑congresso viria a fazer parte da instrução pastoral dos bispos portugueses intitulada A Formação Cristã de Base dos Adultos, de 1994. Decisão e projeto Os cristãos, e em particular os leigos, requeriam formação profunda e permanente para se empenharem na edificação da Igreja e na realização da sua missão. Muitos dos batizados não praticantes teriam chegado a essa atitude por falta de formação adequada. Por outro lado, num mundo caraterizado pelo princípio da competência na realização das tarefas profanas, a missão exigia cada vez mais competências específicas que só uma sólida formação cristã podia proporcionar. Por isso, a formação cristã era uma das mais urgentes prioridades pastorais. Esta prioridade seria apontada como prioridade da ação pastoral por vários congressos diocesanos, articulados com o congresso nacional dos leigos de 1998. De facto, a carta de 1989 quedava‑se pelas “grandes coordenadas da formação cristã”, remetendo para a instrução que só viria a lume em 1994 “o ritmo e o plano de formação permanente para os cristãos leigos” (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, 1989, § 23). Passamos à sua análise. Urgência da formação cristã dos adultos A catequese na infância de grande parte dos leigos adultos revelou-se insuficiente para interpretar as experiências da idade adulta, as questões sociais e morais, e para dar razões da própria da fé. A fé cristã é um dinamismo de vida sociológico, psicológico (idades evolutivas), razoável (não meramente racional), teológico e especificamente missionário (de alteridade). Cada concretização autêntica da fidelidade à vocação projeta para a missão; as exigências desta proporcionam a descoberta e vivência mais profunda daquela. Referindo‑se à exortação apostólica pós‑sinodal sobre os leigos, os bispos de Portugal consideravam decisivo o modelo comunional de Igreja, aqui incluída a missão dos cristãos leigos no mundo, a qual deve convergir para a experiência comunitária da fé. Da constatação de que se vivia um cristianismo passivo, sem identificação eclesial nem compromisso cristão, surgiu a necessidade de incrementar a consciência de que a missão da Igreja é obra de todos os seus membros e de realizar aquela eclesiologia de comunhão através de uma opção pastoral fundamental: edificar comunidades vivas de fé, de amor, de dinamismo missionário; só elas podem garantir a cada um dos fiéis a sua plenitude cristã e a toda a Igreja a fidelidade à missão. Entendida negativamente, a secularização foi considerada pela carta de 1989 como secularismo, i.e., perda da inspiração cristã dos comportamentos e dos critérios de discernimento da realidade: rutura entre a cultura e a fé, indiferença religiosa, pluralismo religioso, confusão moral, “ataque” de seitas, em suma, descristianização ou negação da dimensão transcendente de uma ordem secular justamente autónoma. Note-se que, vista positivamente, a secularidade sadia é um processo de autonomia da cidade secular que gera uma cultura em que germinam valores de matriz cristã – como a justiça, a paz, o respeito pela pessoa humana, a solidariedade, a participação, a dignificação do trabalho – e mesmo o regresso do sagrado como ambiente favorável ao despontar de tais valores. Os adultos são o alicerce da comunidade, que é, por sua vez, matriz da catequese e de toda a educação e formação cristã. É interessante notar que “fortalecer o alicerce da vida cristã” foi também a expressão usada em sede de “formação na perspetiva da nova evangelização”, como forma desta, que incluísse uma “iniciação cristã integral aberta a todas as componentes da vida cristã” (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTGUESA, 1994, § 4). Aludia-se à exortação apostólica Catechesi Tradendæ, de João Paulo II, adotando o seu sentido inclusivo de catequese enquanto ensino (ou educação) feito de forma sistemática, essencial e suficientemente completa, diferente de kerygma: “uma enunciação cristã integral, aberta a todas as outras componentes da vida cristã” (JOÃO PAULO II, 1979, § 21).   Missão ad fideles Um certo número de elementos da missão pastoral da Igreja tem um aspeto catequético, prepara a catequese ou desenvolve-a: o primeiro anúncio do evangelho ou pregação missionária pelo kerygma para suscitar a fé. Fazendo uma breve resenha histórica dos vários modos de formação, os bispos consideravam as missões ad fideles uma forma privilegiada de promover, após o Concílio de Trento, a conversão e o crescimento da fé dos adultos. Como se depreende, a Conferência Episcopal portuguesa reconheceu o multissecular valor das missões ad fideles em Portugal no âmbito da evangelização, aliás na linha das exortações apostólicas Evangelii Nuntiandi e Catechesi tradendæ, do discurso papal ao primeiro convénio nacional para as missões ad fideles e do Código de Direito Canónico. A pastoral da fé identificada pelos bispos portugueses como prioritária concretizava-se na formação cristã de base, em todos os seus âmbitos e níveis. O nível médio teria em vista a formação de líderes e o aprofundamento dos elementos fundamentais da fé cristã: Sagrada Escritura, mistério de Deus, Jesus Cristo, Igreja e história da Igreja, liturgia, antropologia, moral e doutrina social da Igreja. O nível superior formaria cristãos mais esclarecidos, capazes de orientar atividades pastorais, nomeadamente a formação de nível básico e médio. A formação permanente e a especializada teria por objetivo a preparação específica para o exercício de ministérios laicais ou serviços eclesiais. Dada a constatação de que era necessário cuidar do alicerce da vida cristã, i.e., da primeira evangelização, seria de esperar que fosse prioridade para Portugal o seguinte: a) nível de introdução, sensibilização ou kerygma, que tem em vista fazer o anúncio de Jesus Cristo como o único em quem encontramos a salvação, procurando despertar a fé e a conversão iniciais; àqueles que andam afastados ou não tiveram qualquer iniciação catequética é necessário apresentar os elementos primários e essenciais da fé de forma simples, acessível e testemunhal; b) nível básico, que tem em vista proporcionar uma visão de conjunto e atualizada da fé nos seus elementos integrantes (a história da salvação resumida no credo, os sacramentos, os mandamentos e a oração, conforme a genuína tradição catequética recolhida pelo Catecismo da Igreja Católica), abrangendo as várias dimensões da vida cristã. Torna‑se desde já claro que uma missão ad fideles que abranja o nível de introdução ou sensibilização enquanto visão básica de conjunto da vida cristã não pode ser um acontecimento limitado no tempo; deve incluir tempos prévios e subsequentes. Fernando Taccone recolheu as formulações que melhor caraterizam as missões ad fideles: anúncio extraordinário da palavra de Deus, proclamada por uma comunidade profética que, pela força do Espírito Santo e por mandato da Igreja, chama todo o homem à conversão, para tornar evangelizadora a comunidade evangelizada. É importante sublinhar o carácter extraordinário desta forma de ação eclesial, como fez Marciano Morra: não apresentar nenhuma novidade no contexto da vida sacramental, no exercício da caridade, mas pôr em movimento um conjunto de energias naturais e sobrenaturais que na pastoral ordinária dificilmente se libertam. Na missão ad fideles, ad populum, o povo é entendido enquanto realidade sociológica, religiosa e teológica, ao passo que a missão tem uma vertente social e outra religiosa. O povo é constituído sociologicamente ao longo dos tempos e das culturas como união de pessoas; o facto de estas exprimirem o transcendente torna‑o realidade religiosa e especificamente teológica ao haver uma especial convocação de Deus para uma missão de testemunho. A missão é apanágio de todo e qualquer povo, se bem que segundo tempos e modos diversos, mas é também a missão do povo de Deus, já indicada no êxodo e confirmada por Jesus Cristo que, enviado pelo Pai, manda os seus apóstolos para o meio do povo. Reza a tradição viva da Igreja nascente: “Assim, todo o apóstolo que vier ao vosso encontro seja recebido como o Senhor; mas não ficará senão um só dia; e, se houver necessidade, também o seguinte; se ficar três dias, é um falso profeta” (Didakhé, 1965, 4).   Atuação e verificação Quando o kairós é de nova evangelização, a perspetiva ad intra (comunhão) está ao serviço da perspetiva ad extra (missão), a edificação é campo de ação aberto à missão pastoral; o paradigma do cuidado das almas (centrípeto) cede ao da evangelização (dinâmico). Além disso, o objeto material da teologia pastoral é a ação eclesial orgânica; não apenas dos pastores. Daí evidenciarmos, seguidamente, alguns aspetos da ação do conjunto da Igreja do Funchal durante os episcopados posteriores ao Estado Novo.   O episcopado de D. Francisco Santana Nomeado e ordenado bispo em março, em maio de 1974 entrava D. Francisco Antunes Santana na Diocese do Funchal, onde permaneceria até morrer, em março de 1982. Na senda do Concílio do Vaticano II e do apelo do Papa Paulo VI, D. Francisco suscitou a colaboração da Diocese na dinamização e ação eclesial, pretendendo “ouvir mais do que falar” (CONSELHO DIOCESANO DO APOSTOLADO DOS LEIGOS, 1974, 22), atitude que muitos lhe reconheciam. “Sentindo a responsabilidade que pesa sobre todos nós neste momento [pós-conciliar e, em Portugal, revolucionário], num momento, por um lado, muito rico de valores humanos e cristãos, mas por outro lado também um momento de desafio à Igreja, vindo de dentro e de fora […] momento concreto da vida nacional” (Id., Ibid., 22), foi constituído o conselho diocesano do apostolado dos leigos com 76 membros de paróquias, associações e movimentos de âmbito diocesano, nacional e internacional atuantes na Diocese; estaria em articulação com os conselhos presbiteral, pastoral diocesano e pastoral paroquial. Pretendia-se atento às carências de apostolado da Diocese, promovendo a colaboração de todas as associações de fiéis, apoiando e dinamizando as iniciativas que melhor servissem os fins da Diocese, organizando uma estrutura de base, por paróquias e arciprestados, que assegurasse, em termos geográficos, uma real representatividade dos leigos na constituição dos futuros conselhos e, simultaneamente, facilitasse a rápida circulação de ideias e experiências. O dito conselho dispunha-se, em 1974, a ajudar, concretamente na paróquia, no arquipélago, no meio ambiente e na Diocese, à solução dos problemas principais da Igreja: as supostas desunião, desatualização e carência de clero; a deficiência da catequese e da educação moral e religiosa; a separação entre a vida e a fé; a inadequação da pastoral às realidades diocesanas; a falta de integração dos leigos. Tal ajuda concretizar-se-ia colaborando os presbíteros na evangelização dos demais fiéis, menos esclarecidos, a fim de se juntarem e poderem descobrir como atuar e desempenhar o seu papel de autênticos cristãos, organizando reuniões a fim de promoverem palestras, filmes, conferências, diálogos; de prepararem os conselhos das paróquias; de fazerem uma profunda reflexão e a transmitirem aos outros leigos e ao conselho presbiteral, e estimularem ações que, no conjunto da pastoral, permitissem dar à face da Igreja um aspeto de maior autenticidade. Em 1975, reunia-se o mesmo conselho de leigos, sendo objetivo principal desta assembleia debruçar-se sobre a criação de uma estrutura diocesana de base paroquial que respondesse à crise religiosa daquele tempo, a saber, os conselhos (pastorais) paroquiais. Antes, porém, questionados os grupos acerca de como encaravam o ateísmo ou o simples indiferentismo religioso existente no próprio meio, suas causas, e possíveis formas de, nesses ambientes, se dar uma resposta cristã, responderam que uma forma de reagir cristãmente é ter coerência, dando testemunho de fé e de vida inseridos no mundo, descobrir novas experiências de fé, fomentar uma catequese mais organizada e equipas paroquiais de entreajuda, não dividir a paróquia entre uma elite e os outros, estimular a disponibilidade dos leigos e a colaboração dos padres; criar cursos bíblicos; multiplicar experiências litúrgicas com participação mais direta em pequenos grupos, estar atento às atuações de certos padres progressistas, criticar o tradicionalismo do pároco, ajudando-o a ultrapassar os seus aspetos negativos; pôr em prática a doutrina social da Igreja; procurar que todos possuam independência económica, promovendo paralelamente um esclarecimento, reunir em conselhos as forças vivas da paróquia em espírito de Igreja; fomentar o aparecimento de grupos ativos nas paróquias, como o escutismo, os jovens cristãos, etc. (Id., Ibid., 19-26)   O longo episcopado de D. Teodoro de Faria Do múnus de D. Teodoro de Faria – segundo bispo do Funchal (entre maio de 1982 e maio de 2007) proveniente desta Diocese – podem destacar-se a organização das seguintes realidades: a Ação Católica; os acólitos; o arquivo documental e, especificamente, musical, da Diocese; a beatificação do Imperador Carlos da Áustria, na parte do processo que coube à Diocese; a biblioteca da Cúria Diocesana; a Cáritas diocesana; os cursos de cristandade; os conselhos económico, pastoral e de consultores da Diocese; a educação moral e religiosa católica nas escolas públicas, além das católicas; a formação de agentes culturais e pastorais pela Universidade Católica Portuguesa no Funchal; os jovens cristãos; a liturgia, mormente na Catedral; os meios de comunicação social, como o Jornal da Madeira, a Rádio Jornal da Madeira e o Posto Emissor do Funchal; as Misericórdias; o Museu Diocesano de Arte Sacra; a oração pelas vocações e a promoção vocacional; o Seminário Maior de N.ª Sr.ª de Fátima, sua escola teológica, formação dos diáconos e presbíteros, no país e no estrangeiro, desocupação do Seminário da Encarnação; visitas pastorais de maneira “pessoal e direta, exercida com humildade, paciência e caridade do Bom Pastor” (FARIA, 2010, 169); a visita do Papa João Paulo II à Diocese do Funchal. Este bispo velou pela conservação do património móvel e imóvel da Igreja, e impulsionou a construção duma casa de retiros, do edifício destinado à Cúria Diocesana, e de diversas igrejas e centros sociais paroquiais. Evoque-se ainda o papel dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica masculinos: Congregação da Missão (junto do Hospício Dona Maria Amélia, paróquia da Sé, no ensino, nas missões ad fideles, na direção espiritual do Seminário Maior de N.ª Sr.ª de Fátima); Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos (paróquias dos Romeiros, de S. João, de S. Paulo e da Ribeira Brava, Colégio Missionário, casa de formação dos próprios candidatos na paróquia de S.ta Luzia, Colégio do Infante D. Henrique na paróquia do Monte, Escola da Associação Promotora do Ensino Livre na paróquia do Imaculado Coração de Maria, pastoral juvenil e animação missionária, associação de leigos voluntários dehonianos); Ordem dos Carmelitas Descalços (Ordem do Carmelo Secular, ensino, catequese na igreja do Carmo, paróquia da Sé); Ordem dos Frades Menores franciscanos (paróquia da Sagrada Família, capela da Penha de França, na paróquia da Sé, Ordem Franciscana Secular); Ordem Hospitaleira de S. João de Deus (saúde mental no sítio do Trapiche, paróquia da Graça); Sociedade Salesiana de S. João Bosco (paróquia de Fátima com a Escola Salesiana de Artes e Ofícios, o Lar da Paz na paróquia de Água de Pena, cooperadores salesianos, movimento juvenil salesiano). E ainda a atividade dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica femininos: Companhia das Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo (Externato da Princesa D. Maria Amélia e Lar do Hospício Princesa D. Maria Amélia, ambos na paróquia da Sé, Casa da Sagrada Família e Refúgio de S. Vicente de Paulo, ambas na paróquia de Gaula); Congregação da Apresentação de Maria (Casa da Ave Maria na paróquia da Ribeira Brava, Externato de S. Francisco de Sales na paróquia de Gaula, Escola de S. Francisco de Sales na paróquia dos Prazeres, Colégio da Apresentação de Maria e Escola de D. Maria Eugénia de Canavial, ambos na paróquia de São Pedro, catequese e catecumenado, comunicação); Congregação das Irmãs Franciscanas de N.ª Sr.ª das Vitórias, Vitorianas (Abrigo de N.ª Sr.ª da Conceição na paróquia da Sé, Associação dos Amigos da Irmã Wilson, Colégio de S.ta Teresinha na paróquia de S.ta Luzia, enfermagem, catequese, Escola Arendrup na paróquia do Santo da Serra, Escola da Sagrada Família na paróquia de Santana, Escola de N.ª Sr.ª da Conceição na paróquia da Piedade (Porto Santo), Escola de S.ta Maria Madalena na paróquia da Santa, Escola de Sant’Ana na paróquia do Piquinho, Escola do Espírito Santo e Calçada na paróquia de Câmara de Lobos, Escola do S.to Condestável na paróquia da Camacha, Externato de S. João da Ribeira na paróquia de S. Pedro, Fundação de N.ª Sr.ª da Piedade na paróquia do mesmo nome (Porto Santo), Lar N.ª Sr.ª da Assunção na paróquia de São Gonçalo, Patronato de N.ª Sr.ª das Dores na paróquia de S.ta Maria Maior, Seminário Maior de N.ª Sr.ª de Fátima e Qt. das Rosas, ambos na paróquia da Sé); Congregação de S. José de Cluny (Escola da Fundação D. Jacinta Ornelas Pereira na paróquia do Estreito de Câmara de Lobos, Escola Superior de Enfermagem de S. José de Cluny na paróquia do Livramento); Congregação Portuguesa das Irmãs Dominicanas de S.ta Catarina de Sena (Abrigo de N.ª Sr.ª de Fátima na paróquia de S.to Amaro, Fundação Cecília Zino na paróquia da Nazaré); Fraternidade Missionária Verbum Dei (pastoral juvenil e universitária); Instituto das Franciscanas Missionárias de Maria (infantário e semi-internato de S.ta Clara, acolhimento aos turistas no Convento de S.ta Clara na paróquia de S. Pedro); Instituto Missionário das Filhas de S. Paulo (Paulinas Multimédia na paróquia da Sé, semanas bíblicas, comunicação radiofónica); Irmãs do Bom Pastor (casa paroquial da Ponta Delgada); Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus (Casa de Saúde Câmara Pestana na paróquia de São Gonçalo, Centro de Reabilitação Psicopedagógica da Sagrada Família na paróquia dos Álamos); Ordem de S.ta Clara (Mosteiro de N.ª Sr.ª da Piedade na paróquia do Carmo, Mosteiro de S.to António na paróquia da Visitação). Ao tempo de D. Teodoro de Faria, estavam ainda presentes na Diocese do Funchal os institutos seculares: Companhia Missionária do Coração de Jesus, Instituto Secular das Cooperadoras da Família e Servas do Apostolado.   D. António Carrilho e os quinhentos anos da Diocese Nomeado bispo do Funchal em março, em maio de 2007 D. António José Cavaco Carrilho entrou naquela Diocese, sobre a qual afirmou: “a Diocese pode parecer pequena, mas é grande a exigência apostólica [...] em saber acolher os valores e as tradições das gerações passadas, mas também olhar em frente no diálogo fé-cultura-vida […] no realismo da vida concreta e com o conhecimento, entretanto adquirido, das necessidades das pessoas e dos seus problemas, como também dos recursos, possibilidades e limitações que a Diocese tem para lhes responder da forma mais adequada” (CARRILHO, 2009, 283ss.,). As comemorações do quinto centenário da criação da Diocese do Funchal procuraram realizar um projeto pastoral trianual marcado por três dimensões: o kairós, os critérios e a ação. Tais dimensões estiveram presentes em cada um dos três anos. Por kairós entendeu-se a situação da Diocese e as mudanças em curso, mas também as caraterísticas permanentes que têm distinguido a vivência da fé naquela Igreja particular. O ano de 2011-2012 foi dedicado à Pessoa divina do Pai. O critério que regeu aquele primeiro ano encontra-se na real e íntima ligação da Igreja à história do Homem. Pretendeu-se uma comunidade alimentada pela palavra, com o objetivo de a edificar e de potenciar cristãmente coletividades, famílias e indivíduos à luz da Escritura, através de ações de âmbito geral relacionadas com o acolhimento; a palavra como alimento; a família, enquanto comunidade de vida e de amor; as estruturas de comunhão na paróquia e a valorização e divulgação, em cada comunidade, de histórias de vida que a edifiquem. Houve ações de âmbito paroquial, arciprestal e diocesano. A 12 de junho de 2011, abriu-se o triénio celebrativo com a presença do núncio apostólico em Portugal e a 3 de junho de 2012 realizou-se a festa diocesana das famílias. 2012-2013 centrou-se na Pessoa divina do Filho, a quem são devotadas as confrarias e as festas celebradas, sucessivamente em cada paróquia, após a solenidade de Corpus Christi, devoção que valeu ao arquipélago o epíteto de “ilhas do Santíssimo Sacramento”. Deste critério brotou o objetivo de renovar festas e tradições e passar de uma devoção cultural para a eucaristia, que é um verdadeiro culto espiritual. As ações de âmbito geral incidiram sobre os batizados e confirmados em Cristo, e a eucaristia ocupou o centro da ini­ciação e da vida cristãs. Pretendeu-se potenciar as festas do Santíssimo Sacra­mento, bem como convocar confrarias a ele devotadas e aos padroei­ros, no arquipélago e fora dele, refletir sobre o específico delas e dos diver­sos organismos e minis­térios, e ainda revalorizar a adoração eucarística. De entre as ações nos diversos âmbitos, destacou-se um congresso eucarístico diocesano e a solenidade do Corpo de Deus. 2013-2014 foi especialmente animado pela Pessoa divina do Espírito Santo na Igreja que está nestas “ilhas missionárias”, como muitos lhes têm chamado. Tal caraterística cumpriu o critério duma Igreja enriquecida com diversos dons do Espírito, que desceu sobre ela e suscitou testemunhas até aos confins do mundo. Foi objetivo daquele último ano de comemorações valorizar a presença do Divino Espírito Santo no chamamento, compromisso e envio dos crentes, e ir ao encontro de todos em ações de âmbito geral: potenciar as visitas das insígnias (não só pascais mas) do Divino Espírito Santo, como primeira evangelização para os não iniciados à fé; renovar a evangelização para os afastados; reforçar a comunidade dos praticantes, suscitando novos ministérios e vocações para a missão; atender à caridade, tradicionalmente praticada no bodo ou copa do Espírito Santo, quando se completam os dias de Pentecostes; e contactar as instituições locais e a emigração, como lugares missionários e ecuménicos. Entre 8 e 15 de junho de 2014, celebrou-se o 500.º aniversário da Igreja funchalense através da liturgia, da catequese e da cultura. Nesta semana jubilar, apresentaram-se: uma carteira de selos dos CTT; concertos; exposições de fotografia e arte sacra; o livro Diocese do Funchal: Oragos e Paróquias; uma medalha comemorativa; restauros na Sé do Funchal. Honrou esta Diocese a presença das igrejas de onde provém e daquelas que gerou, na pessoa dos seus bispos, mormente o cardeal Fernando Filoni, prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos e enviado especial do Papa Francisco. De 17 a 20 de setembro de 2014, na cidade do Funchal, um congresso internacional versou a história, a cultura e a espiritualidades daquela que foi a primeira Diocese global.   Héctor Figueira

Religiões

missões internas

As missões internas são as missões entre fiéis (ad fideles, distintas das missões ad gentes), chamadas paroquiais por alguns, ou populares por um grande número de teólogos pastorais: “Por missões populares propriamente ditas entende-se formas organizadas e metódicas de pregação extraordinárias e periódicas, que se afirmaram a partir do final do século XVI e realizadas por ‘missionários’ bem preparados, nas áreas rurais e urbanas, com o consentimento do ordinário do lugar por um espaço de tempo mais ou menos longo segundo as épocas, os ambientes e as condições religiosas das populações” (FAVALE, 1988, 961). Como se depreende, o conceito de missão interna corresponde a uma forma de ação eclesial datada, pelo que depende da época em que surgiu. Importa, por conseguinte, determinar a partir de quando se pode falar de missões internas em sentido próprio. A criação das missões internas As pregações de Advento e Quaresma da Alta Idade Média eram reservadas aos párocos e demais curas de almas. Só com Francisco de Assis (1181-1226) e seus frades menores (Franciscanos), e Domingos de Gusmão (c. 1170-1221) e seus pregadores, o ministério da palavra se abre a pessoas que não tinham sido ordenadas. Facto é que as missões dos sécs. XI e XII permaneceram ao nível da espontaneidade de Roberto d’Abrissel (c. 1045-1116), S. Domingos de Sora (951-1031) e S. Roberto Belarmino (1542-1621). Os Franciscanos, no séc. XIII, tiveram em S.to António de Lisboa o expoente dos tantos pregadores seus contemporâneos. Contudo, impõe-se distinguir a missão interna da pregação missionária itinerante – desenvolvida sobretudo depois da missio dada pelo Papa Inocêncio III aos Franciscanos, em 1209-1210, e aos Dominicanos, em 1216 –, pelo método segundo o qual se desenrolam, pela sua duração, os assuntos propostos e os meios de conversão. A pregação mendicante dos sécs. XIV e XV caracterizou-se pela quantidade de pregações, mas não pela sua qualidade; S. Vicente Ferrer (1350-1419) e S. Bernardino de Sena, pelo contrário, fizeram escola entre os vindouros. A pregação de um dia era comparada ao soar de trombetas que chama à conversão e à confissão. A introdução da reconciliação (sacramental e não só) como objetivo da pregação ficou a dever‑se a S. Vicente Ferrer, que se fazia acompanhar de muitos colaboradores. Contudo, segundo Carmelo Conti Guglia com Meiberg, na sua Historiæ Missionis Parœcialis Lineamenta (CONTI GUGLIA, 1990, 9), prevalecia o carisma pessoal e a espontaneidade das intervenções do ministro, condicionadas pela variedade das circunstâncias. De métodos propriamente ditos ainda não se podia falar, pois faltava um ordenamento de assuntos, motivos e meios coordenados e destinados a ajudar o processo psicológico da conversão, como acontecerá, durante o período pós-tridentino, nos exercícios e nas missões de S.to Inácio. Vicentinos, Oratorianos, Capuchinhos e Jesuítas parecem todos reclamar‑se criadores e especialistas das missões internas, o que ficará a dever‑se à diversidade de contextos em que aquelas formas de pastoral extraordinária se desenvolveram no séc. XVI. Capuchinhos e Barnabitas, v.g., intensificaram a pregação por ocasião da Adoração das Quarenta Horas, que se disseminou pela Europa após 1537; o venerável Silvestre Landini sj (m. 1554) percorreu a Itália central, e compôs o catecismo que os Jesuítas difundiram por toda a parte com a sua pregação; em França, S. João Francisco Régis (m. 1640) foi o apóstolo da catequese; em Espanha o beato João de Ávila (m. 1569) dedicava‑se à pregação missionária com os padres da escola sacerdotal. Embora se confunda amiúde pregação missionária com missões internas, e destas se fale referindo‑se datas anteriores ao seu aparecimento, as pregações itinerantes e penitenciais foram, de facto, sofrendo alterações que lhes deram a fisionomia de missão interna. Do pregador carismático, mesmo seguido de colaboradores e confessores, passava‑se ao grupo organizado, com distinção de ministérios, especialmente os de instrutor e pregador. Embora se situe esta mudança no tempo de S. Vicente de Paulo (m. 1660), Segneri (m. 1694) e outros, a descrição poderia aplicar‑se perfeitamente aos Jesuítas portugueses do segundo quartel de Quinhentos. Conti Guglia apresenta duas fases subsequentes desta evolução: primeiro, a passagem do dia único ao curso orgânico de instruções e meditações de uma semana a um mês e mais, com iniciativas que resultarão em modalidades e métodos diversos; depois, a passagem da pregação itinerante durante os tempos fortes da liturgia às missões em tempo oportuno para os ouvintes. As missões de Segneri, v.g., escolhiam os meses estivais por serem celebradas em campo aberto; outras preferiam os meses invernais porque os homens estavam mais livres, especialmente nas zonas agrícolas. Mais uma vez, encontramos convergências com as missões portuguesas dos Jesuítas quinhentistas, celebradas, v.g., do verão ao outono, até que a pluviosidade se tornasse um obstáculo intransponível aos missionários e às populações. O Portugal quinhentista parece ter partilhado da evolução que B. Peyrous descreve como emergente por toda a cristandade no decurso do séc. XVI. Graças às suas transformações progressivas, a missão tornou-se instrumento privilegiado do apostolado católico, especialmente depois de S. Vicente de Paulo. Entre os Jesuítas, o português Simão Rodrigues de Azevedo, o basco Inácio e o itálico Silvestre Landini foram contemporâneos. Azevedo nasceu em 1510, em Vouzela, foi cofundador da Companhia de Jesus e primeiro provincial em Portugal, de 1546 a 1552; morreu em Lisboa, em 1579. Historiadores jesuítas atribuem a instituição e o início das missões internas ao fundador, Inácio de Loyola (m. 1556) e aos seus companheiros, depois da sua chegada a Roma em 1537, reportando‑se às suas Constituitiones Circa Missiones, inseridas mais tarde nas Constituições da Companhia de Jesus, e ao livrinho dos Exercícios; e consideram como primeiro grande missionário ad fideles Silvestre Landini (m. 1554). Segundo Conti Guglia, porém, o documento que assinala o nascimento, a finalidade e a organização das missões metódicas (Instructio XII iis Qui ad missiones Fructificandi Causa Proficiscuntur, de 1595) deve‑se a Cláudio Acquaviva, nascido em Nápoles, em 1543, eleito superior geral em 1581, falecido em 1615, em Roma. De facto, já em 1590 a Epistola de Jubileo et Missionibus determinava que se fundassem em todas as províncias missões de 6 a 12 padres, devendo estes ir 2 a 2, a pé, às aldeias mais necessitadas da palavra de Deus, aí ficando o tempo necessário, pregando à maneira de S. Vicente Ferrer. A instrução de Acquaviva sobre as missões não dava a este termo nenhuma conotação ad gentes. Eis os elementos do método das missões internas que, no dealbar do séc. XVII, se desenvolveria e enriqueceria: tinham como fim salvar as almas que, por ignorância das coisas necessárias à salvação, viviam em estado de pecado e em perigo de condenação; deviam ser preparadas indagando junto do pároco quais os vícios mais difundidos entre os fiéis, e escolhendo algum leigo de confiança que pudesse ajudar especialmente na pacificação; queriam-se metódicas, consistindo o seu programa em ensinar a doutrina cristã, ouvir de confissão e fazer a paz; desenvolviam-se pela concentração vespertina do povo, o anúncio dos objetivos da missão, sem fins lucrativos inclusive pequenas ofertas, a promulgação da indulgência jubilar e a exortação à confissão, com o seguinte plano: pela manhã, confissão; à tarde, doutrina aos rapazes, raparigas e mulheres; para os homens, à tardinha, depois das ave-marias, à volta de uma hora de pregação acerca dos mistérios da fé, do credo e das consequências do pecado; cuidavam da formação do clero, especialmente no que diz respeito à validade dos sacramentos, às confissões e à pregação; deviam durar quanto aconselhasse a prudência, de modo a dar frutos. Em 1599, ainda no tempo de Acquaviva, a experiência acumulada permitiu escrever a epístola De Modo Instituendarum Missionum, em que se estabelecia que todos os Jesuítas, especialmente os professos, tendo em conta a sua idade e saúde, deviam participar em alguma missão, sem prejuízo do ensino nos colégios já existentes. Cada província devia fundar, pelo tempo de evangelização de determinada zona, residências dedicadas exclusivamente às missões internas. As missões internas jesuíticas Em 1540, Simão Rodrigues de Azevedo, sj, e Francisco Xavier, sj chegaram a Portugal; em 1541, fundaram a primeira casa da Companhia de Jesus em todo o mundo (S.to Antão); a 3 de setembro de 1759, o marquês de Pombal expulsaria os Jesuítas de Portugal, acusados de tentativa de regicídio de D. José I. Entretanto, “logo que houve pregadores suficientemente habilitados, enviou‑os Simão Rodrigues [de Azevedo] a evangelizar os povos, como Cristo enviara os seus discípulos a pregar a toda a criatura” (RODRIGUES, 1932, I, I, 639; itálico acrescentado). Estas palavras pareceriam indicar o envio de missionários ad gentes (aos povos), não fosse o contexto: “A atividade que desenvolveram os religiosos da Companhia de Jesus nas missões com que evangelizavam todas as províncias do norte ao sul de Portugal, é um acontecimento de relevo notável nos fastos da história portuguesa” (Id., Ibid., 638). De facto, o mesmo empenho, uma tão adequada preparação, a mesma radicação evangélica, a mesma relevância cultural presidiam à missão dirigida à metrópole e ad gentes. A fundação da Província Portuguesa da Companhia de Jesus data de 1546. Secundado pelo governo central da Companhia, um longo escol de missionários jesuítas calcorreou as paróquias de Portugal, ao longo de quase um século, de modo que, no generalato inaugurado em 1616, a própria Companhia de Jesus, com as reformas do geral Acquaviva, foi lentamente evoluindo numa linha de adaptação às exigências do seu tempo. De um só gesto, organizou os grupos dos místicos regenerados e as formas de ação espiritual que se destacaram desde 1630. Surgiu, então, uma série de estruturas de apoio à evangelização, designadamente: congregações – de casados e solteiros, e depois segundo categorias socioprofissionais –, casas de retiros, residências missionárias, e as missões internas, quer rurais quer urbanas. A avaliação do tecido social conduziu a um tipo de missão interna em áreas limitadas, durante três ou quatro semanas, visando objetivos determinados pela crescente secularização do séc. XVII: aprendizagem das orações e devoções essenciais, prática frequente dos sacramentos, sobretudo da confissão e da comunhão. Até aqui, nada de novo em relação às missões internas do séc. XVI. Porém, havia a perceção de que não bastava a catequização e iniciação fervorosa na fé, pois era necessário conseguir a perseverança na vida cristã dessas populações recém‑missiona­das. Tratava-se de fazer face às convulsões quietista, jansenista e iluminista (sécs. XVII e XVIII). Neste segundo período, os missionários portugueses eram já secundados por companheiros europeus na Suíça, na Alemanha, em Espanha, na França de Julien Maunoir (m. 1683) e de Jean‑François Régis (m. 1640), na Itália de Paolo Segneri (m. 1694). Os seus resultados foram consideráveis e profundos: conversões repentinas, reconciliação de inimigos desavindos, restituições, frequência de sacramentos, culto eucarístico, difusão de devoções marianas, da devoção ao coração de Jesus e aos santos da congregação inaciana. Apesar de divulgadas noutros moldes desde Quinhentos, estas missões internas difundiram‑se muito, em Portugal, desde 1710 e mesmo antes. Este incremento parece ser comum a toda a Europa, nos sécs. XVII e XVIII. As missões internas constituíram um fascinante fenómeno psicológico de massa e receberam uma estrutura mais orgânica. Segundo a historiografia posterior, havia nessa época três formas principais de missão interna, com as respetivas variantes: em Itália, Espanha e Portugal predominava uma única forma penitencial, dramática e emotiva; na Alemanha e em França, a pregação, mais racional, orgânica e formativa, era equacionada de uma forma mais catequética, sistemática e construtiva do que naqueles países mediterrânicos; a terceira forma de missão interna, desenvolvida, desde 1528, pelos Capuchinhos, caracterizava‑se pela vivacidade e adequação de linguagem, pela fundamentação bíblica e pela solenização da Adoração das Quarenta Horas. Em Portugal, os temas principais das pregações eram o fim do homem, a gravidade do pecado, a Paixão e morte de Jesus Cristo, a opção de vida, a necessidade da graça para alcançar a salvação eterna, a morte, o juízo, o Inferno e o Paraíso. O conteúdo geral inspirava-se nos Exercícios de S.to Inácio de Loiola. O género literário com que eram apresentados tais temas mostrava-se austero e imaginoso, sugestivo e comovente. Acompanhavam a missão várias práticas e manifestações religiosas: o uso de caveiras e evocação dos danados, procissões penitenciais onde os participantes levavam sinais de compunção – tais como cruzes, flagelos, correntes, roupa escura, capuchos e véus que cobriam o rosto; fogueiras de livros reprováveis, de lembranças de amor, de ligaduras mágicas, de feitiços; beijo do crucifixo por todos; pacificações com apertos de mão e abraços; confissões e comunhões gerais; solenes promessas de perseverança no bem, etc. Havia um forte apelo penitencial, carregado de drama e de emotividade, com o fim de mover os afetos dos ouvintes e os tornar ativamente participantes no seu caminho de conversão. Deste incremento dá‑nos conta, e.g., A. Franquelim S. Neiva Soares, num estudo acerca das missões jesuíticas a partir do Colégio de São Paulo, entre 1742 e 1748. Preparação e desenvolvimento das missões internas As missões internas, segundo testemunhos epistolares coevos, eram inauguradas com o envio de um grupo razoável de missionários, com fun­ções definidas. Nas reco­mendações dadas pelos superiores à despedida, encontramos referências à pobreza e ao proveito espiritual dos próprios missionários, e sobretudo um apelo à martyría , quando António Gomes, sj, v.g., os exor­tava a que procurassem guardar o evangelho à letra, e que não voltassem das suas missões senão apedrejados. Já no terreno, a primeira fase consistia na chegada dos missionários, quase sempre em grupos de dois, e no anúncio da missão: um levava o encargo da pregação; o outro servia‑lhe de auxiliar. Iam geralmente a pé e viviam do que lhe ministrava a caridade. A chegada às paróquias era invariável: em primeiro lugar, visitava-se o Santíssimo Sacramento nas igrejas a missionar, anunciava‑se o santo jubileu aos paroquianos congregados, e celebrava‑se missa com cânticos. No dia seguinte o missionário responsável confessava, por vezes durante várias horas. Num segundo tempo, operadas já algumas conversões, os missio­nários ao minis­tério da palavra, partilhando a tarefa de visitar as pessoas nos seus diversos ambientes: desavindos, doentes, en­carcerados. Os missionários, sem “palavras estudadas nem aformoseadas de cores retóricas”, suscitariam nos fiéis o desejo de “serem ensinados em suas vidas” (RODRIGUES, 1932, I, I, 660). Estes primeiros Jesuítas, mercê da sua só­lida formação, eram pedagógicos no uso da palavra, reduzindo os seus sermões a alguns itens, com ordem e clareza, para que facilmente se fixassem na memória. As autoridades civis tanto mandavam chamar à pregação, sob certa pena que se impunha, quanto eram, com a mesma radicalidade, alvo do pregador. É o caso daquele que pregou com veemência contra os “amancebados” e, em remate, dirigiu uma apóstrofe aos governadores da vila e, a grandes vozes, os intimou a que acudissem a “tamanha perdição” (RODRIGUES, 1932, t. i, vol. i, 640-668). No séc. XVIII, como no XVI, a vida austera dos próprios missionários, a sua vivência religiosa transbordante e a palavra inflamada arrastavam multidões, enchendo‑se as igrejas por onde passavam. Casos houve em que os procuraram pessoas que tiveram de andar légua e légua e meia debaixo de chuva. O pós‑missão – a verificação do sucesso de uma missão interna Da missão interna fazem parte a preparação, o desenrolar e o pós‑missão. Do modelo jesuítico de missão interna, não é fácil inferir a forma como, após o tempo em que a missão se desenrola, se verificavam os resultados da ação missionária. Porém, os ecos dos resultados, quer imediatos quer a médio e longo prazo, foram registados pelos missionários que rodeavam as povoações já missionadas ou que, sendo chamados a desenvolver nas mesmas comunidades uma nova missão interna, tinham ocasião de verificar a evolução dessas comunidades. Das missões internas dos Jesuítas portugueses de Quinhentos, pudemos verificar que a pregação – o kérygma e apelo à conversão – resultava na frequência de sacramentos e prática das boas obras, como subsídios a hospitais, visita a enfermos em necessidade, aos quais designadamente os missionários levavam a reconciliação de Deus, bem como esmolas recolhidas entre a população, com vista à conversão interior e à persistência dos frutos da missão, que era uma das preocupações dos missionários. Veja-se a descrição que Francisco Rodrigues faz de um destes processos: “Toda a vila deu uma volta, confessando‑se toda e quedando o costume de se confessar e comungar muito amiúde” (RODRIGUES, 1932, I, I, 651.). Nas palavras de outro historiador: “Os relatos destas duas missões parecem confirmar a mesma conclusão. O fervor dos missionários, as raras exceções referentes a amancebados e a outros desregrados enfraquecem sobremaneira a generalização de uma sociedade em decomposição moral. Muito pelo contrário, havia ânsia de palavra de Deus, de vida espiritual, de fervor religioso” (SOARES, 1997, 161ss.). O resultado das missões internas não era, porém, deixado só à livre iniciativa dos que lhe tinham aderido; para assegurar a duração dos seus frutos instituíam-se confrarias cujos estatutos obrigavam os seus membros a confessar‑se e comungar todos os meses e nas festas principais. Do Iluminismo às missões internas pós‑Vaticano II Com a expulsão dos Jesuítas de Portugal, em 1759, e sua supressão em todo o mundo, em 1773, as missões internas foram privadas das suas melhores forças. A Revolução Francesa (1789) trouxe uma onda de perseguição religiosa, de consequências prolongadas no tempo e para além do território francês, levando à suspensão de toda a atividade missionária. Quando esta recomeçou, os missionários regressaram aos métodos dos grandes líderes desaparecidos havia pouco tempo e cujo processo de beatificação estava em curso, com todos os estudos e a propaganda que tal comportava. Era o caso de S.to Afonso Maria de Ligório (Nápoles, 27/09/1696-Pagani, 01/08/1787), canonizado em 1839, declarado doutor da Igreja em 1871 e patrono dos confessores e moralistas em 1950. Em 1923, Pio XI proclamou padroeiro das missões entre os fiéis o franciscano S. Leonardo (Porto Maurício, 20/08/1676-Roma, 25/11/1751), canonizado, a 29 de junho de 1867, com S. Paulo da Cruz (Ovada, 03/01/1694-Roma, 18/10/1775). Paulo fora beber à espiritualidade dos Capuchinhos e de S. Francisco de Sales, segundo Tito Paolo Zecca, e juntou a si outros companheiros ad titulum missionis, com especial atenção para as zonas pastoralmente mais abandonadas e subdesenvolvidas, e os pobres, militares e fora de lei. Isto desmente o lugar-comum segundo o qual o séc. XVIII não teria sido pródigo em ardor apostólico. Na segunda metade de 1800, além do referido conservadorismo dos remanescentes institutos missionários, os novos não foram além da suplência daqueles que, entretanto, tinham desaparecido. Aliás, adotaram-lhes alguns métodos sem grande criatividade, que não fosse adaptá‑los às exigências da época: entraram em voga as conferências apologéticas e dialogadas para se opor às acusações e às lutas do racionalismo; utilizaram‑se cantos, procissões, calvários, renovação das promessas batismais, consagração a Nossa Senhora, frequência de sacramentos e procissão eucarística solene; boa imprensa, confrarias e associações. Diminuíram as coreografias e as manifestações públicas de penitência. Os institutos missionários já existentes viram‑se a braços com o espírito anticongregacionista, além das moléstias causadas pelas invasões e ocupações napoleónicas, um pouco por toda a Europa. Juntou‑se a esta conjuntura desfavorável a dificuldade de adaptação do modus faciendi à sociedade, cultura e religiosidade entretanto emersas. Tratava‑se de conciliar três valores: a fidelidade aos métodos canonizados pela tradição, a distinção entre a missão e outras formas de pastoral extraordinária, e as novas exigências em ordem aos frutos da ação missionária. A reorganização das instituições eclesiásticas, nomeadamente da Companhia de Jesus (1814), o crescimento numérico do clero secular e dos membros dos institutos já existentes e o nascimento de novos estiveram na origem de um relançamento das missões internas nalguns países da Europa depois do Congresso de Viena (1815). Contudo, as supressões, dispersões e secularizações – a que, intermitentemente, foram sujeitos os institutos religiosos no séc. XIX e no início do séc. XX em várias nações, nomeadamente Portugal, com as leis antirreligiosas da Monarquia Constitucional (1820-1910) – impediram-nos de prosseguir a sua ação, designadamente as missões internas. De facto, neste período, “dos institutos que entraram de novo em Portugal, nem todos tiveram tempo ou condições para se desenvolver” (OLIVEIRA, 1994, 213). Missão interna na Diocese do Funchal Congregação da Missão – uma presença atribulada na história portuguesa Entre esses institutos, encontra‑se uma sociedade de vida apostólica, os Vicentinos; também chamados Lazaristas ou Congregação da Missão, conservam, desde a sua fundação e atribulada entrada em Portugal, entre 1717 e 1738, o carisma da missão interna, e consagraram‑se especialmente a missões entre a gente dos campos. Concretamente no Funchal, a partir do segundo quartel de 1700, D. Fr. Manuel Coutinho (1725-1740) intensificou metodicamente o ensino da doutrina cristã (a catequese) e as missões religiosas (ad fideles) nas paróquias pelo clero regular. D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1757-1785), na linha do seu antecessor, introduziu exercícios espirituais pela Congregação da Missão ao clero da Diocese, que foi evangelizado durante 10 anos, não sem inúmeras dificuldades. O mesmo bispo sofreria pressões por parte do marquês de Pombal no sentido da expulsão dos Jesuítas, bem como por parte da maçonaria, já em expansão. À semelhança dos demais institutos e sociedades, os padres vicentinos foram expulsos em 1834, em consequência da aprovação do decreto de extinção das ordens religiosas, reentraram em 1857 e sofreram violentas perseguições por parte da maçonaria, que incluíram assassinatos. A Província Portuguesa da Congregação da Missão só seria restaurada em 1927, contribuindo para a reforma que D. Manuel Agostinho Barreto (1877-1911) levou a cabo no Seminário do Funchal. Eduardo Pereira regista, em 1939, os efeitos que tiveram na Diocese do Funchal estes acontecimentos: “A mais de um século de distância da extinção das congregações em Portugal verifica‑se que as freguesias rurais mais crentes e piedosas são as das circunscrições eclesiásticas da Calheta, Câmara de Lobos, Machico, Ribeira Brava e Santa Cruz, onde os frades da Ordem Primeira de São Francisco tiveram conventos e exerceram o ministério sagrado” (PEREIRA, 1968, 455). A fé só se teria mantido, por conseguinte, graças à profundidade das suas raízes; onde era mais superficial teria sucumbido. A Congregação da Missão no Hospício D.ª Maria Amélia A importância das ditas raízes seria crucial, pois a evangelização de fundo só foi possível com a pacificação das relações entre a Igreja e o Estado português. Contudo, uma investigação mais acurada das fontes revela que o espírito antirreligioso deste século liberal e republicano deixou grandes brechas na ação pastoral. A história dos Vicentinos no arquipélago da Madeira é prova disso, atendendo a toda a atividade aí desenvolvida, designadamente às largas dezenas de missões internas realizadas. Tendo regressado a Portugal em 1857, a Congregação da Missão só em 1862 volta à Diocese do Funchal, graças ao facto muito particular de a princesa D. Maria Amélia de Bragança, filha de D. Pedro (I do Brasil, IV de Portugal) e de D. Maria Amélia Napoleão Beauharnais, ter procurado cura para uma tuberculose no clima da Madeira, onde chegou em 1852 com sua mãe. Passados cinco meses, a 4 de fevereiro de 1853, morria a princesa, aos 21 anos, tendo a Rainha sua mãe perpetuado a memória da filha num hospício destinado a doentes pobres, vítimas da mesma doença. A soberana quis que as enfermeiras desta instituição fossem religiosas de S. Vicente de Paulo e foi assim que, em 1862, os Vicentinos voltaram à Madeira como capelães do Hospício D. Maria Amélia. Mas, segundo Bráulio Guimarães, logo em 31 de julho, os padres e as irmãs tiveram de sair do país por ordem do Governo português. O Elucidário Madeirense acrescenta que o Estado abrira “uma exceção para a Madeira, mas M. Étienne, superior geral da congregação, ordenou que as Irmãs da Caridade deixassem a direção do Hospício da Princesa D. Maria Amélia e recolhessem sem demora ao seu país, tendo saído do Funchal a 2 de agosto de 1862” (SILVA e MENEZES, 1921, 486). Facto é que a 15 de novembro de 1871 já tinham regressado. D. Manuel Agostinho Barreto, bispo do Funchal de 1877 a 1911, servir-se-ia dos padres vicentinos para o precederem em todas as freguesias onde ele mesmo fosse fazer a visita pastoral e presidir à administração do sacramento da confirmação. A Congregação da Missão reconhecia nesta missão uma necessidade pastoral a que o carisma de S. Vicente de Paulo poderia responder. Mercê deste encargo, e perante sucessivos pedidos, tanto do bispo como do P.e Ernst Johann Schmitz, irá para a Madeira um segundo sacerdote, o P.e Prévot; estava constituída a comunidade dos padres da Missão, podendo o P.e Schmitz dedicar-se às missões nas paróquias mais recônditas, a par das tarefas da capelania e, depois, do seminário, que dirigiu desde 1881. O lazarista distinguiu-se nesta instituição pelo seu trabalho científico no âmbito da zoologia, colaborando com o P.e Prévot e o P.e Varet, chegado em 1883. Desde sempre houve a preocupação da parte do bispo diocesano e da congregação de enviar para o Hospício confrades considerados capazes de missionar, pelo que entre eles houve, não só diretores e mestres, mas ministros do púlpito, em retiros espirituais, sermões de circunstância e missões. Distinguiram-se particularmente os padres José Maria Garcia e Pereira da Silva e, nas missões internas, os padres Prévot, Schmitz, Sebastião Mendes, e outros. À medida que foram regressando a Portugal, os Vicentinos viram restaurada a sua plena autonomia provincial. No Funchal, para uma frutuosa catequese, os padres do Hospício organizaram e editaram, curiosamente em 1911 – o ano da promulgação da Lei da separação das Igrejas do Estado –, um Catecismo Pequeno de Doutrina Cristã, extraído do catecismo mais completo da Diocese do Funchal. O centro catequético da Penha de França tornou-se exemplo e estímulo para as paróquias da Diocese, envolvendo, além dos 300 alunos de catequese, crianças e adultos que ali afluíam por ocasião das festas. Estas constavam de teatro e recitais, música e canções, tendo uma delas contado com distribuição de prémios e a presença de D. Manuel Pereira Ribeiro. Até à década de 1920, a atividade evangelizadora dos Vicentinos madeirenses estendia-se do ministério da palavra à promoção humana: duas bibliotecas, uma infantil e uma segunda que recebeu o nome de Utile Dulci (da expressão do poeta latino Horácio que significa “juntar o útil ao agradável”); sessões literárias e de animatógrafo; círculo de estudos; o Boletim Eclesiástico da Madeira (1911-1919) e a revista Esperança (1919-1939), do P.e Schmitz; a Obra de São Francisco de Sales para a imprensa e assistência infantil; as escolas populares do P.e Prévot e as escolas das Filhas da Caridade; o Seminário Diocesano e a União Sacerdotal Madeirense, agregada à União Apostólica de Paris em 1922; conferências e retiros para as Filhas de Maria e a Associação de São José; União Madeirense de Bordadeiras (1921); obra da Santa Infância, Conferência de São Vicente de Paulo, Associação Católica; Liga da Ação Social Cristã; Patronato de São Pedro que, ao longo dos anos 30, continuou a ser objeto da solicitude do P.e Manuel da Silveira, da comunidade dos padres da Missão na cidade do Funchal. No salão-cinema eram, de vez em quando, exibidos filmes selecionados, de valor artístico, recreativo e apologético. De facto, esta como outras atividades dos Vicentinos visavam a educação humana em geral e especificamente cristã, o que não destoava da sua missão, feita ad fideles e paroquial durante o período estival. Missões vicentinas na Diocese do Funchal (1879-1916) Estas missões enquadram-se numa série de missões quaresmais e preparativas das visitas pastorais de D. Manuel Agostinho Barreto, bispo do Funchal entre 1877 e 1911, que encarregou o P.e Tomás Vital, sj, de organizar as missões internas pelo menos desde 1879; no ano seguinte, convidou o P.e Schmitz, cm, para secundar o Jesuíta. Em 1880, junta-se-lhes outro Jesuíta, o P.e Villela, que permanece até 1882. Em 1880, o P.e Pinto também participou nas missões internas. Em 1883, tiveram lugar as missões orientadas, pela primeira vez, por dois padres da Congregação: o P.e Varet e o P.e Ernesto Schmitz. Se não contarmos os eventuais confessores e o clero diocesano, normalmente eram dois os missionários encarregados de uma missão interna, ou às vezes três. Só encontramos uma missão interna de que não se diz ter sido convocada pelo bispo diocesano, que teve lugar em São Roque. Algumas missões eram anunciadas de véspera e, em alguns casos, o povo tinha medo e vergonha de comparecer. A missão começava quando chegavam os missionários ou na manhã imediata, sendo anunciada pela comitiva que, não raro, os acompanhava , expediente usado amiúde para chamar a gente da paróquia. Durava, em média, 6 dias, atingindo um máximo de 10 ou ficando-se por um mínimo de 3 (tríduo). A jornada começava pelas 04.00 h, com meditação; às 05.00 h, havia missa, enquanto o outro padre confessava; às 07.00 h, era celebrada uma segunda missa, com homilia acerca dos mandamentos; às 08.30 h, o almoço; às 12.00 h, meia hora de cânticos; às 14.00 h, jantar; às 15.00 h, terço e ladainha com cânticos; pelas 15.30 h, prática e, em seguida, sermão até depois das 17.00 h; reconciliação, de novo, às 18.30 h. A necessidade de vários confessores – em regra escassos – determinava o envolvimento dos presbíteros das redondezas e mesmo de longe. Para “não ficar no abstrato, São Vicente propôs aos seus missionários o ‘pequeno método’. Ele divide o discurso em três pontos: motivos – natureza – meios [...]. O santo demonstra conhecer os três fins da eloquência, docere (converter o intelecto) – movere (estimular a vontade) – delectare (comover o sentimento), e assumi-los no seu método, se bem que o delectare seja substituído na tríade pelos meios. No fundo, o deleitar, o comprazer o sentimento, foi substituído por algo mais útil aos ouvintes: o serem ajudados a traduzir no concreto o que se disse” (MEZZADRI, 1998, 1663ss.). De facto, da análise feita ao caderno dos padres do Hospício, não sobressai nenhuma referência à eloquência dos missionários, mas tão-só à sensibilidade e ao entusiasmo do auditório. De emoção fala-se muito, sobretudo a respeito da habitual “despedida afetuosa”, mas sem complacência, como deixa transparecer a expressão “choradeira geral!” (FIGUEIRA, 1999, 63). O ministério da palavra nas missões madeirenses assume um papel eminentemente catequético, estendendo-se da doutrina à catequese sobre a penitência, passando pelo sermão acerca dos mandamentos, dos novíssimos, do juízo final, do perdão das injúrias e das grandes verdades da fé. Também de S. Vicente de Paulo se dizia que “o fruto da missão ia-o buscar principalmente ao catecismo” (MEZZADRI, Ibid., 1662). Havia igualmente o estilo mais devocional, como o sermão das bênçãos ou do jubileu. Em certa circunstância, um missionário jesuíta deparou com espíritos mal dispos­tos para ouvirem a doutrina, o que o obrigou a passar à moral. Um relator vicentino viu neste episódio aquela certa ductilidade que, segundo Mezzadri, permitia alguma adaptação às situações concretas quanto ao tipo e frequência das ações pastorais e do auditório, sempre ao serviço do critério de eficácia pastoral. Este critério era apanágio de S. Vicente de Paulo, bem como de Inácio de Loyola e de Azevedo, que também passou pela Madeira. As missões internas realizadas entre 1879 e 1910 atravessaram o conturbado período de transição da Monarquia Constitucional para a República, épocas de anticlericalismo exacerbado ou, pelo menos, de anticongregacionismo, em que o clima social geral era tenso, mercê das vicissitudes políticas. Em 1884, tumultos por causa das eleições (realizadas no final de junho), com cinco mortos entre os civis, na Madeira, levaram à suspensão das missões internas, por decisão do bispo do Funchal, D. António Agostinho Barreto. Em 1883, nas seis paróquias missionadas, só um dos párocos se confessou, ao passo que, no ano seguinte, se deu “um progresso”, segundo palavras do próprio bispo: confessaram-se cinco dos sete “vigários” e um “cura” (FIGUEIRA, 1999, 58ss.). Dado universal na verificação das missões internas era o número de comunhões e confissões, e de aderentes às Confrarias de Nossa Senhora da Caridade e da Caridade, fundadas em França, em 1617, por S. Vicente de Paulo. Posteriormente, os fiéis eram confiados, depois da missão, a associações como a do Coração de Jesus ou do Apostolado da Oração. Na ilha da Madeira, mais que na do Porto Santo, a passagem dos missionários a caminho da missão ad gentes era outro expediente que garantia a manutenção do espírito da missão interna no período que se lhe seguia. Novas missões internas As missões internas não primaram, até à década de 1960, pela novidade dos métodos, excetuando o jubileu de 1950, altura em que a Congregação dos Religiosos incentivou, a partir de Roma e com algum sucesso, a realização de missões internas nas diversas Igrejas locais. Na Diocese do Funchal, D. João António Saraiva (bispo do Funchal desde 1965 até 1972) promoveu a “missão diocesana em todas as paróquias”, confiando esta tarefa a Capuchinhos, Dehonianos e Redentoristas, como consta dos Livros dos Provimentos ou da Visitação do bispo diocesano a cada paróquia (PEREIRA, 1968, 431-437). Tais missões internas tinham já um carácter de corresponsabilidade, tanto em si como na articulação com a pastoral ordinária. O fim da década de 1960 trouxe uma profunda crise na Europa, que também pôs em causa as missões. A posterior retoma das mesmas ficou a dever‑se a uma renovada consciência da sua utilidade, sobretudo por parte dos que conservavam a memória desta forma de pastoral extraordinária, nomeadamente os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica, que as mantiveram no próprio carisma. O Magistério contemplou a retoma das missões internas periódicas. Identificam-se em seguida as caraterísticas comuns entre as diversas formas de missão interna, que, no seu conjunto, as tornam uma específica forma de ação eclesial. Universalidade É destinatário da missão interna o povo todo, sobretudo os que estão mais próximos dos locais de culto, mas de forma especial os que, apesar da proximidade geográfica, são excluídos sociológica e psicologicamente. Os métodos das missões internas do começo do séc. XXI parecem tender menos para a prática sacramental que para a construção da comunidade e para a atenção aos que andam afastados dos ambientes classicamente eclesiais. A corresponsabilidade substituiu o anterior papel subordinado dos consagrados e dos leigos. A ação missionária tomou por destinatário preferencial a família, indo ao encontro das pessoas nos bairros, nos domicílios ou em infraestruturas públicas, levando a palavra de Deus a pequenos grupos. Pretendeu-se penetrar no tecido social, saindo dos espaços eclesiásticos e procurando o homem pós-cristão, que “não só abjurou os princípios da religião cristã mas é propenso à negação de qualquer princípio moral e metafísico. É o homem que faz profissão de agnosticismo, de niilismo, de ‘pensamento débil’” (MONDIN, 1994, 51). Para isso, a família que dá acolhimento à missão convida pessoalmente as famílias que habitam no próprio bairro, dando preferência às que estão afastadas da prática religiosa. Os grupos e centros de escuta não se confinam ao tempo em que a missão se desenrola, sendo uma tentativa de evangelização, sobretudo dos adultos, uma ocasião de catequese: passada a curiosidade de um encontro para falar sobre a fé e a vida do dia-a-dia, passa-se à formação sistemática em torno da palavra de Deus, à oração, à celebração da missa, à vivência da fraternidade e do serviço eclesial e à evangelização do próprio meio, em concreta ligação com toda a paróquia de pertença. Eclesialidade A missão interna pôs com toda a acuidade a questão da territorialidade e das oportunidades da ação pastoral, i.e., a paróquia e pastoral ordinária, por um lado, e, por outro, os movimentos e acontecimentos que extravasam aquele âmbito. Segundo alguns autores, a itinerância, excecionalidade e periodicidade são caraterísticas a missão interna no conjunto da pastoral; outros preferem-na eclesial, local e estável, com vista a uma verdadeira e eficaz inculturação da mensagem a anunciar a partir do território. A eclesialidade também se afere pela organicidade entre a missão interna e a ação eclesial local. Se não provém de uma comunhão íntima e profunda com a Igreja diocesana, a missão arrisca‑se a nascer diminuída ou, pelo menos, privada de consistência eclesial e, por conseguinte, pobre de verdadeiros valores teológico-pastorais. A paróquia entra na categoria de eclesialidade enquanto estiver em plena comunhão com o bispo. A ela devem referir‑se, por sua vez, os grupos eclesiais, pois uma pastoral unitária é condição indispensável da eclesialidade de toda a missão. Os Vicentinos portugueses colocam uma interessante nota eclesial na própria equipa missionária, constituída por presbíteros, consagradas e leigos Territorialidade Dentro da Igreja particular, a marca local que João Paulo II reconheceu à paróquia na exortação Christifideles laici (n.º 26) faz dela o sujeito unitário da missão interna no território, mesmo no âmbito de arciprestados, unidades pastorais, ou entre paróquias de uma terra ou de uma cidade paroquial. Projetualidade As missões internas clássicas, realizadas apenas por consagrados, corriam o risco de ter pouca estabilidade, na ausência de um projeto de vida paroquial. Foram por isso criados grupos de escuta, com a dupla dificuldade de chegar aos que estão mais afastados, mas também àqueles que, estando próximos, se sentem incapazes de ser testemunhas do evangelho. Percebeu-se que a relação de proximidade só é possível a partir dos pequenos grupos. Carismaticidade Não se podia esquecer a dimensão profética que os consagrados e alguns movimentos laicais assumem como proprium, sem que tal signifique perder a simbiose entre missão e comunidade. O missionário, consciente do seu papel, exercita o discernimento num equilíbrio entre as exigências da comunidade local e o particular dom que entende comunicar‑lhe. Este discernimento é posto em ação sobretudo na fase da pré‑missão. A comunidade é o sujeito primeiro da missão, o que significa que toda a pastoral deve preparar a comunidade para a missão, a fim de esta não ser obra de especialistas ou delegados, mas de toda a população. Os carismas não podem, portanto, resumir-se aos ministeriais e aos de consagração. “O crescimento no Espírito exige (e, por sua vez, produz) uma comunidade atenta no dar largo espaço aos dons do Espírito [...] numa realidade onde a personalidade de cada um se exprime e desenvolve, não se refugiando numa interioridade separada (narcisismo espiritual) ou lançando-se de cabeça no empenho do fazer (ativismo), mas integrando as grandes polaridades (sujeito/comunidade, quotidiano/eterno) que caraterizam a espiritualidade cristã autêntica” (LANZA, 1998, 133). Essencialidade A missão interna é anúncio kerygmático e catequético porque visa o “anúncio global da fé para a salvação-conversão” e/ou a “primeira conversão ou reconversão contínua” (TACCONE, 1997, 193). O segredo da persistência da missão interna é visar a conversão individual e comunitária, a vivência dos tria munera. Lorenzo Chiarinelli, partindo do cenário de religiosidade genérica, de privatização da fé e das fraturas entre a fé e a vivência traçado pelo Magistério para o princípio do séc. XXI, identifica a prioridade: “antes de mais dizer Jesus Cristo”. Centrando o primeiro anúncio prevalentemente no âmbito do ministério da palavra, o autor convida a “abandonar-se na pobreza radical de ser forte só com a força da ‘palavra’. Não teria sentido organizar a ação evangelizadora à maneira das grandes campanhas publicitárias, com os meios habituais da propaganda e os recursos do poder” (CHIARINELLI, 1998, 140). Em suma, as pregações itinerantes e eminentemente laicais dos mendicantes foram dando lugar à sistematicidade da ação eclesial pós‑tridentina, por obra designadamente das missões internas desenvolvidas um pouco por toda a Europa de matriz latina. O Portugal de Simão Rodrigues de Azevedo, a Espanha de Inácio de Loyola, a Itália de Cláudio Acquaviva deram muitos companheiros para a missão entre fiéis. A França viu nascer a Congregação da Missão, de S. Vicente de Paulo, e tanto esta sociedade de vida apostólica como a Societas Jesu desenvolveram uma profícua atividade nas missões internas madeirenses num período nacionalmente conturbado para a vida cristã, em geral, e consagrada, em particular, como foi o do Liberalismo e da Primeira República.     Héctor Figueira (atualizado a 05.02.2017)

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