teixeira, virgílio
Homenagem ao ator Virgílio Teixeira Galã do cinema dos anos 40, 50 e 60 do século XX, Virgílio Gomes Delgado Teixeira nasceu no Funchal a 26 de outubro de 1917. Desportista, fluente em inglês e de boa figura, Virgílio Teixeira, filho de Gastão Teixeira, comerciante e ex-emigrante em Demerara, começou por ser guarda-redes de futebol – alinhou pelo Sporting da Madeira e pelo Marítimo – e era bom em saltos acrobáticos e ténis. O seu primeiro contacto com a indústria do cinema – além dos filmes que ia ver – aconteceu numa partida de ténis com o realizador inglês Thorton Freeland, que passava férias na Madeira. Para não humilhar o adversário, Virgílio Teixeira deixou-o ganhar. O realizador não terá gostado mas, mesmo assim, disse ao madeirense para fazer as malas e o acompanhar até Londres, onde teria a porta aberta para uma carreira no cinema. Assim teria sido, se a situação política e a aproximação da Segunda Guerra Mundial não tivessem dificultado o seu percurso, pelo que o futuro ator regressou a casa. Em 1941, mudou-se para Lisboa e, por falar bem inglês, arranjou emprego na American Export Line, a única empresa que, na altura, fazia a ligação marítima entre a América e a Europa. Pouco tempo depois, mudou-se para uma companhia aérea, mas acabou por ser despedido por causa das noitadas. Vendo-se sem trabalho, penhorou os fatos e os sapatos numa tentativa de se manter pela capital; em desespero, pediu dinheiro ao pai que, em vez de um cheque, lhe mandou uma passagem para o Funchal. Virgílio Teixeira recusou e a decisão de ficar em Lisboa acabou por lhe abrir as portas do mundo do cinema. O convite para entrar em Ave de Arribação (1943) aconteceu pouco tempo depois, mas a fama só chegaria com Zé do Telhado (1945), a versão portuguesa do ladrão que rouba aos ricos para dar aos pobres. Este papel valeu-lhe o prémio de melhor ator do ano de 1945 e a sua vida no cinema estava apenas no começo; sem nunca ter estudado representação, o rapaz da Madeira iniciava uma carreira onde iria somar 92 participações em filmes, uma telenovela, séries televisivas e 2 papéis no teatro, ao lado de Carmen Dolores e de Eunice Muñoz. Antes de se mudar para Espanha - no fim dos anos 40 –, Virgílio Teixeira selou o seu estatuto de galã ao contracenar com Amália Rodrigues no filme Fado, História de Uma Cantadeira; a cena onde Júlio Guitarrista ensina a fadista Ana Maria é das mais célebres do cinema português. Viveu 12 anos em Espanha, e fez tantos filmes que chegaram a pensar que era espanhol; com efeito, o Sindicato Nacional do Espetáculo do país vizinho considerou-o, em 1955, um ator genuinamente espanhol. A conjuntura – o facto de os filmes rodados em Espanha ficarem mais baratos à indústria americana – permitiu-lhe contactar com atores, atrizes e realizadores de nome internacional, sobretudo americanos, abrindo-lhe portas em Hollywood. Virgílio Teixeira fez de Ptolomeu em Alexandre, o Grande (1956) e de general russo em Dr Jivago (1965) – e estes são apenas dois dos filmes em que participou. Virgílio Teixeira privou com atores como Ava Gardner, Lana Turner, Sofia Loren, Richard Burton, Tyrone Powell e Rita Hayworth. Nos cartazes dos filmes, o seu nome aparecia como Virgilio Texera ou John Texera. Em 1966, regressou à Madeira afirmando “Eu vim embora de Hollywood porque estava a sentir que aquilo ali começava a ser uma autêntica selva”. (SILVA, 2006, 60), mas, ao longo dos anos, continuou a participar em filmes, nomeadamente A Mulher do Próximo (1988), de José Fonseca e Costa Em 1984-85, entrou na telenovela Chuva na Areia, onde fazia o papel de homem rico mas, pesar de ter representado em mais alguns papéis, esta já não era a sua principal atividade, pois vivia dos negócios; foi também agente da Ibéria, delegado das Páginas Amarelas, da Rádio Televisão Comercial e da Sociedade Portuguesa de Autores. Teve uma curta passagem pela política, como vereador do PSD na Câmara Municipal do Funchal no início dos anos 80. Foi homenageado pela TVE e pelo Governo Regional da Madeira, sendo condecorado pelo Presidente da República com a comenda de oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Morreu no Funchal, com 93 anos, a 5 de dezembro de 2010. Marta Caires (atualizado a 08.12.2017)
câmara, joão de brito
João Brito de Câmara foi poeta e advogado, colaborou com a revista Presença e apoiou, a partir da Madeira, as candidaturas de Norton de Matos e Humberto Delgado à presidência da República. O homem que dá o nome a uma das maiores ruas do Funchal escreveu vários livros de poesia e ensaios sobre advocacia, e conduziu uma das mais importantes entrevistas ao poeta Edmundo Bettencourt, publicada em capítulos durante vários meses no suplemento literário do jornal Eco do Funchal, sob o título “O Modernismo em Portugal”. João Brito Câmara nasceu em Lisboa em 1909, mas era filho de madeirenses e, à exceção dos tempos de estudante em Coimbra, viveu sempre na Madeira. Concluiu o liceu no Funchal e logo depois, em 1927, inscreveu-se em Direito na Universidade de Coimbra, onde completou o curso com 17 valores. Durante os anos de estudante foi presidente da Associação Académica de Coimbra. Recém-licenciado, iniciou a vida profissional como delegado do procurador da República, mas exerceu esta função por pouco tempo. Em Outubro de 1932, abriu o seu escritório de advogado. Da carreira na advocacia, deixou dois livros publicados sobre dois casos comerciais. Antes de morrer, tinha em preparação um livro a que deu o título de Trabalhos e Casos. Em 1953, foi eleito delegado da Ordem dos Advogados na Madeira. João Brito Câmara considerava que as questões jurídicas na Madeira decorriam de “graves deficiências sociais ou da ineficácia dos serviços de investigação” (TEIXEIRA, 2002, 299). Durante o regime salazarista, o advogado e homem das letras assumiu-se como político. Já em 1931, quando estava em Coimbra, com o meio académico incendiado pela guerra entre republicanos, independentes e integralistas, tinha sido eleito presidente da Associação Académica. Regressado à Madeira, manteve-se como oposicionista a Oliveira Salazar. A 14 de abril de 1960 chegou a ser detido no Funchal para averiguações devido às suas posições políticas. Foi libertado em julho, depois de pagar uma fiança. O processo acabou por ser arquivado. O interesse pela poesia e pelo jornalismo começou quando ainda era aluno do liceu, altura em que fundou, com Pedro Gonçalves Preto e Nuno Rodrigues dos Santos, o quinzenário Alma Nova, da academia do Funchal, cujos colaboradores eram todos alunos do liceu. O jornal só teve três números, mas influenciou o jornalismo e as letras madeirenses. Pedro Gonçalves Preto foi depois diretor do jornal humorístico Re-nhau-nhau e João Brito Câmara seria, além de poeta e advogado, um dinamizador cultural. Enquanto delegado da Associação Portuguesa de Escritores na Madeira, promoveu saraus artísticos, exposições de arte e inscreveu muitos conterrâneos nesta associação, sem olhar às simpatias políticas de cada um. Nos anos 40 e 50 do séc. XX, grande parte da vida cultural da Madeira gira em torno do jornal Eco do Funchal, fundado em 1941. O Eco foi um importante meio de divulgação de poetas madeirenses como Herberto Hélder e Florival dos Passos. Brito Câmara foi diretor do suplemento literário Eco Literário deste jornal, e foi nessa qualidade que entrevistou Edmundo Bettencourt. O primeiro livro de poesia de João Brito Câmara foi publicado em 1927, com o título Manhã e prefácio de João Cabral do Nascimento. Nesse prefácio louvam-se as qualidades do livro que não cedeu à “velharia tão espalhada entre a gente nova que dá pelo nome de modernismo” (CÂMARA, 1967, 21). Sublinha-se ainda a qualidade do conteúdo, escrito por um rapaz de 18 anos, e prevê-se que o escritor terá um futuro auspicioso nas letras: “Por certo que estamos em face de uma criatura que pensa: aí labuta o gérmen de futuras especulações filosóficas, uma alma que interroga Deus sôfrega de conhecer o porquê das coisas e o mistério universal em que a humanidade se debate. Num rapaz de 18 anos, idade em que os seus confrades fazem da poesia um divertido xadrez de palavras sonoras, esta preocupação mental dá-nos o direito de profetizar para João de Brito alguma coisa mais que um banal futuro de versejador esperto” (CÂMARA, 1967, 22). Em Coimbra, o madeirense juntou-se ao grupo de estudantes universitários fundadores da Presença. Dois dos seus poemas foram publicados nesta revista, onde também escrevia Miguel Torga: “Dolência”, que está incluído na História da Poesia Portuguesa de João Gaspar Simões como ícone da “Geração Presença”, “exprime uma dimensão introspetiva no que diz respeito a sentimentos de mágoa” (TEIXEIRA, 2002, 311); e “Paisagem”, que “pode ser considerado o exemplo da diversidade presencista”. (TEIXEIRA, 2002, 313). No seu segundo livro, Relance, publicado em 1942, nota-se a evolução do olhar de Brito Câmara de uma perspetiva individualista para uma perspetiva social, com nítidas influências do neorrealismo, fruto do que via passar pelo tribunal. Além de poesia de intervenção, João Brito Câmara escreveu outros géneros literários. O Auto da Lenda é um poemeto que recria a lenda de Machim, os seus amores contrariados e a descoberta da Madeira. Esta ideia terá nascido de uma conversa com o famoso médico psiquiatra Aníbal Faria, seu contemporâneo. O poeta nunca escondeu o fascínio e a paixão pela Madeira. Ao longo da vida recusou vários convites para seguir a carreira de professor universitário em Coimbra, e, mais tarde, recusou a possibilidade de ir trabalhar para Curaçau. A sua inspiração vinha da Ilha, do mar, da terra, e quando se retirava para a casa de campo na Choupana tinha esta vista da Madeira. Esta casa serviu de título a um dos seus livros, Casa do Alto. Era o seu refúgio e também o espaço onde acolhia os amigos de passagem pela Madeira, nos quais se incluíam personalidades importantes das letras e da política dos anos 40 e 50. Alguns nomes destes amigos figuram na compilação Poesias Completas, de 1967. Este livro é uma despedida do poeta, que estava doente quando o escreveu e sabia que ia morrer. Os poemas foram dedicados a amigos como Mário Soares, Branquinho da Fonseca, Maria Lamas, Miguel Torga, entre outros. O prefácio, de Fernando Namora, tem como título “Um Poeta da Ilha da Madeira”; no seu desenvolvimento, consolida-se a ideia de este poeta ser “ilhéu no cerne e no timbre da sua poesia” (CÂMARA, 1967, 10). Fernando Namora, que era visita da casa da Choupana, sublinhava no mesmo prefácio que o “mar é uma estrada que chama o ilhéu para todos os continentes, mas também é o fosso que o limita; por mais que esse ignoto penedo rodeado de abismo imite e ouça o mundo, a ansiedade sente-se ali aprisionada” (CÂMARA, 1967, 11). Namora diz ainda sobre João Brito Câmara que este é um poeta sem grandes ousadias, mas que a sua poesia mantém uma toada única de um homem a lutar contra a tentação de se confinar a si mesmo: “O ilhéu pode misturar-se com as vidas que ao seu desterro arribam todos os dias do ano, pode sentir como seus os problemas alheios, mas o mar é sempre um cerco. O ambiente, por muito que a inquietude o dilate, asfixia a solidão” (CÂMARA, 1967, 11) João Brito Câmara morreu a 26 de Dezembro de 1967, no primeiro dia da oitava do Natal, antes de ver o seu último livro publicado. Na entrevista concedida ao Comércio do Funchal e publicada um ano após a sua morte, o poeta lamentava a morte que sabia aproximar-se dado o seu estado de saúde: “Eu gostaria de viver alguns anos mais. Creio que para o ano que vem já não verei estas árvores. Você não conhece ainda esta obsessão de voltar aos lugares que são nossos e que em breve estarão já perdidos” (TEIXEIRA, 2002, 290). Morreu aos 59 anos, na Madeira, e deixa escrito no poema “Resquício” o seu último desejo: “Mais por Beleza do que por Fama / Então – Senhor! – só peço que reste ao menos / Um verso só do meu rude canto!” Obras de João Brito da Câmara: Manhã (1927); Relance (1942); Auto da Lenda (1943); Lei, Verdade, Justiça! (História Breve de uma “Taluda”... Em Branco) (1950); Duma Gerência Técnica à Incompetência Absoluta (de Premeio com a Má Fé Contratual e a Renúncia) (1960); Casa do Alto (1967); Poesias Completas (1967). Marta Caires (atualizado a 25.01.2017)