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melo, antónio júlio de santa marta do vadre de mesquita e

António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1833-c. 1900), 3.º visconde de Andaluz, foi para a Madeira como secretário-geral do governador, D. Tomás de Sousa e Holstein, marquês de Sesimbra; porém, o marquês de Sesimbra não estaria um ano no lugar. António Melo foi nomeado para o lugar de governador civil do Funchal em setembro de 1879. Coube ao seu Executivo tentar acalmar a agitação política, que se devia à nomeação de nobres da Corte, o que não se enquadrava já na vida política portuguesa. Palavras-chave: Arranjos familiares; Governo civil; Partidos Políticos; Regeneração; Tumultos populares.   O governador civil do Funchal D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), do Partido Regenerador, foi exonerado em 1868 pelo Executivo do açoriano conde de Ávila, António José de Ávila (1806-1881), do Partido Reformista ou Partido Popular, então uma cisão do Partido Histórico (Partido Histórico e Partidos políticos). As complexas alianças entre estes partidos levaram o Governo de Lisboa a colocar em S. Lourenço duas figuras da aristocracia da Corte de Lisboa: o marquês de Sesimbra, D. Tomás de Sousa e Holstein (1839-1887), filho do duque de Palmela (1781-1850), como governador civil, e o 3.º visconde de Andaluz, António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1833-c. 1900), como secretário-geral. Estas duas escolhas foram alicerçadas em vagas ligações familiares às antigas famílias insulares e foram por certo resultado da pressão dos elementos do Partido Histórico, incapazes de compreender as novas realidades dos meados e da segunda metade do séc. XIX. O marquês de Sesimbra era casado com uma filha dos marqueses da Ribeira Grande, descendentes de Zarco, mas dos Açores, e viria a ser sogro do futuro conselheiro Aires de Ornelas e Vasconcelos (1866-1930); o visconde de Andaluz estaria para se casar com uma filha do barão da Conceição, Fortunato Joaquim Figueira (1809-1885), abastado proprietário que se havia fixado no Funchal nesse mesmo ano de 1868. O marquês de Sesimbra – ou de Cezimbra, como então aparece escrito – foi nomeado por decreto de 9 de setembro e viria a tomar posse a 17 de outubro de 1868, após Te Deum na catedral do Funchal celebrado à uma da tarde; disso nos dá conta o visconde de Andaluz, seu secretário-geral, que o comunicou às autoridades do Funchal, convidando-as para o evento. A administração do marquês ir-se-ia pautar por uma simples gestão administrativa, sendo praticamente toda a correspondência assinada pelo secretário-geral. Realizadas eleições em maio do seguinte ano de 1869, e passado o verão, o marquês de Sesimbra retirou-se, nos primeiros dias de setembro, para o continente, não completando um ano de governo na Madeira. Palácio e Fortaleza de São Lourenço. 1870. Arquivo Rui Carita O visconde de Andaluz tinha sido nomeado governador civil do Funchal por decreto de 4 de setembro, tomando posse a 8 do mesmo mês. Faria então uma proclamação aos “Habitantes do distrito do Funchal! Por decreto de 4 do corrente Houve por Bem Sua Majestade” nomeá-lo governador civil. Apelava então: “Auxiliai-me com o seu conselho e com as suas luzes […] pela prosperidade desta Terra, que eu hei de esforçar-me em promover os interesses dela com solicitude e dedicação” (ABM, Alfândega do Funchal, circular de 9 set. 1869). Era um discurso um pouco ultrapassado para a época, semelhante às proclamações liberais dos anos 30 e 40, conhecidas no Funchal durante a vigência da Junta Governativa de 1847 e o conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891) – proclamações que alguns anos depois ainda viriam a surgir, então ainda mais estranhas ao contexto político da época. O novo governador tentou fazer face à situação algo agitada que se vivia, não só política, como geral. No arquipélago, nem sempre se encontrava gente à altura para os vários locais diretivos e, ao mesmo tempo, não se conseguiam definir especificamente estruturas partidárias, daí resultando vagas organizações articuladas em relações pessoais em torno dos membros mais influentes das elites locais. Em maio de 1870, e.g., tendo o visconde de Andaluz suspendido o administrador do concelho de Santana, “não havendo naquela localidade pessoa com os requisitos necessários para, na atual conjetura entrar na referida vagatura”, solicitava à Casa Fiscal da Alfândega do Funchal a disponibilização do funcionário Joaquim Pinto Coelho (1817-1885) para ocupar o lugar (Ibid., Alfândega do Funchal, of. 23 abr. 1870) – uma nomeação acertada, considerando o tempo em que aquele funcionário ocupou o lugar da Alfândega. Nos inícios de 1870, por decreto de 2 de janeiro, procedeu-se à dissolução das Cortes e, a 3 de fevereiro seguinte, à reunião das assembleias eleitorais. Na Madeira, as eleições decorreram a 1 de maio, voltando a sair os nomes de Luís Vicente de Afonseca (1803-1878) e Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901). Porém, as eleições decorreram muito mal e, especialmente em Machico, ocorreram tumultos graves. Acontece que o governador destacara para os principais centros eleitorais forças de Caçadores 12, nem sempre comandados por elementos capazes de manter o sangue frio. As forças militares acabaram por se refugiar na igreja matriz e, acossadas pela populaça, fizeram fogo sobre a multidão, o que resultou em vários mortos (Tumultos populares). Houve também incidentes em outros locais, inclusivamente no Funchal. O Partido Popular, que se achava na oposição, tinha um certo domínio sobre as massas populares e quando Joaquim Ricardo da Trindade e Vasconcelos (1825-1906), então membro do Partido Fusionista, desembarcou no Funchal, ido precisamente de Machico, foi preso na Pontinha e conduzido à Pr. da Constituição para justiça popular. Evitou o assassinato o jovem Álvaro Rodrigues de Azevedo (1825-1898), uma das figuras prestigiadas do Partido Popular, que se interpôs entre os populares e Trindade e Vasconcelos. Como o visconde de Andaluz tinha feito vários contactos e estabelecido um pacto de não intervenção nos assuntos do Partido Popular, foi isso que aconteceu em relação a novas alterações da ordem pública em Machico, aquando dos funerais das vítimas do dia 1 de maio. Os acontecimentos de Machico produziram grande sensação na imprensa madeirense e, de imediato, no continente, sendo o visconde violentamente atacado nas Cortes e na imprensa de Lisboa. Em julho ainda apareciam na comunicação social de Lisboa abaixo-assinados respeitantes aos acontecimentos de Machico e à maneira pouco ortodoxa como haviam sido encaminhados juridicamente. Um conjunto de cinco guardas da Alfândega do Funchal, e.g., fora indiciado e preso “pelo crime de cumplicidade nas mortes e ferimentos feitos pela força militar dentro do templo de Machico” (A Revolução de Setembro, n.º 8416, Lisboa, 5 jul. 1870, 1). O despacho fora emitido pelo juiz da comarca oriental do Funchal, Cassiano Sepúlveda Teixeira, e os guardas não entendiam como podiam ser acusados de “crimes eleitorais e políticos” e de “crimes de violência contra membros da assembleia eleitoral” (Ibid.), quando o que estava em causa era uma série de mortes entre a população local, cujos autores tinham sido os soldados de Caçadores 12, como se queixam então os guardas António José Nunes, Jacinto Augusto Ferreira, Januário Esteves de Sousa, Augusto Celestino Lacerda e António Vieira. O visconde de Andaluz foi exonerado em poucos dias, por dec. de 14 de maio de 1870. Foi nomeado como governador do distrito do Funchal Afonso de Castro (1824-1885), que tomou posse a 19 desse mês de maio, mas que não estaria na Madeira senão oito dias, face a mais uma intentona militar do duque de Saldanha (1790-1876) em Lisboa. Poucos meses depois, e face ao insucesso das nomeações, D. João Frederico da Câmara Leme voltava a ocupar o lugar de governador civil. O 3.º visconde de Andaluz era bacharel em Direito e herdou o título de seu pai, Joaquim José dos Mártires de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1806-1863), que o tinha recebido por doação de sua tia materna, Maria Bárbara do Vadre de Almeida Castelo Branco, viúva do 1.º visconde, António Luís Maria de Mariz Sarmento, dado do casamento não ter havido descendência. Embora tenha sido uma situação algo insólita, o 3.º visconde de Andaluz, um ano depois do falecimento do pai, conseguiu a confirmação do título por carta régia do D. Luís (1838-1889), de 17 de dezembro de 1864. Casou-se no Funchal com D. Ana Joaquina Figueira, filha dos barões da Conceição. Desse casamento houve quatro filhas, tendo-se a mais velha casado com o conde de Vila Verde, D. Pedro de Almeida e Noronha Portugal Camões Albuquerque Moniz e Sousa (1865-1908). A 4 dezembro de 1890, o 3.º visconde de Andaluz ainda seria nomeado governador civil de Santarém, lugar que ocupou até 2 de janeiro de 1892. Terá falecido cerca de 10 anos depois.   Rui Carita (atualizado a 01.02.2018)

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ribeiro real, visconde do

Visconde do Ribeiro Real. 1885. Arquivo Rui Carita João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo. Casando-se, a 24 de junho de 1882, já com mais de 40 anos, com Teresa da Câmara Carvalhal, filha do 2.º conde de Carvalhal, recebeu o título de visconde do Ribeiro Real. Passara, entretanto, pela Junta Geral e depois pela presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia. Na sua vereação camarária ainda se fundou o corpo de bombeiros voluntários e procedeu-se a reformas urbanas na área do cemitério britânico, tendo hoje o seu nome o largo que fica mais a sul. Foi ainda cônsul de França e elevado a conde do Ribeiro Real, título que parece não ter usado. Faleceu em 1902. Palavras-chave: bombeiros voluntários; Câmara Municipal do Funchal; cemitério britânico; caminho de ferro do Monte; Teatro Municipal.     João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo, de São Pedro, no Funchal, e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo, de Ponta Delgada. Casando-se, a 24 de junho de 1882, com Teresa da Câmara Carvalhal (1857-c. 1925), filha do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888), recebeu o título de visconde do Ribeiro Real por decreto de 23 de março desse ano, sendo depois elevado a 1.º conde, por decreto de 16 de fevereiro de 1899, após a sua passagem pelo governo civil do Funchal, em 1897, como interino. Para além do cargo que ocupou na Junta Geral e da presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia (Teatro Municipal), ocupou também o lugar de cônsul de França. O futuro visconde do Ribeiro Real deveria ser uma figura muito discreta e reservada, não sendo fácil recuperar o seu percurso político e social. Casou-se bastante tarde para a época, já passando dos 40 anos, não havendo descendência do seu casamento. A primeira referência política a seu respeito é como procurador da Junta Geral, quando se pronuncia sobre a lei de 13 de maio de 1872, que criara as bases da nova regulamentação. Como vogal, João Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo esteve na reunião de 11 de março de 1874 e na de 11 de abril seguinte, aprovando as alterações que o vogal do conselho de distrito, visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875) mandou imprimir a 14 de abril desse ano. A sua ação mais relevante foi à frente da Câmara Municipal do Funchal, onde sucedeu ao sogro, 2.º conde de Carvalhal, que somente ocupara o lugar no quadriénio de 1882-1885 por ser, ainda, o maior proprietário latifundiário do Funchal, mas cujas funções tinham sido desempenhadas pelo vice-presidente, morgado João Sauvaire da Câmara e Vasconcelos (1828-1890). A partir de 1886, a Câmara do Funchal teve uma interessante atividade, entre outras coisas, acabando as obras do Teatro Municipal, apresentado aos funchalenses a 29 de julho de 1887, e inaugurado oficialmente a 11 de março de 1888. Nessa altura, teve o visconde de se defrontar com o primo, João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902), conde de Canavial e então governador civil, que queria ocupar o camarote da presidência, o que veio a acontecer, mas como convidado, pois o Teatro era propriedade da Câmara. A questão do camarote do Teatro ocupou então as primeiras páginas da imprensa da cidade. Foi durante a presidência do visconde do Ribeiro Real, quando tinha o pelouro dos incêndios o Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), então também médico do hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, que se fundaram os bombeiros voluntários do Funchal, serviço inaugurado oficialmente a 24 de setembro de 1888. A apresentação pública do inúmero material adquirido para esse serviço, de que existe abundante documentação fotográfica, foi feita junto à fachada do referido hospital, a 7 de abril de 1889. O primeiro quartel foi construído na antiga R. do Príncipe (assim designada em homenagem ao príncipe, depois D. João VI (1767-1826)), posteriormente R. 31 de Janeiro, passando, duas décadas depois, para a R. da Princesa (em referência a D. Carlota Joaquina (1775- 1830)), posteriormente R. 5 de Outubro. José Joaquim de Freitas era um republicano de arreigadas convicções (República), mas tal não obstou ao apoio que sempre lhe foi dado pelo visconde do Ribeiro Real, tendo-se registado, inclusivamente, um forte apoio das mais destacadas famílias funchalenses à criação dos bombeiros voluntários, existindo fotografias destes anos de inúmeros dos seus elementos fardados de bombeiros, independentemente da sua filiação partidária e, inclusivamente, nacionalidade; há mesmo fotografias de comerciantes britânicos, o que só se explica pelo apoio dado à iniciativa pelo visconde. João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo foi igualmente um dos principais impulsionadores do projeto do caminho de ferro do Monte, numa altura em que o projeto poderia ter sucumbido ao conflito de interesses entre os comerciantes britânicos radicados na Ilha e os financeiros alemães, que o apoiavam. Ao nível do Governo central, o apoio ao projeto não foi muito evidente, exceto na isenção de impostos que concedeu à Companhia do Caminho-de-Ferro do Monte, aquando da entrada na Alfândega do Funchal do material fixo e circulante para a via-férrea. O grande apoio partiu da Junta Geral, que adquiriu algumas ações, e, especialmente, da Câmara do Funchal, através do vereador João Luís Henriques e do presidente, o visconde do Ribeiro Real, tendo a Câmara adquirido 250 obrigações. As transformações ocorridas na malha urbana da cidade permaneceram e decorrem da urbanização envolvente do traçado da via-férrea e da montagem de uma série de instalações turísticas de apoio, como o Hotel do Bello Monte, e depois das instalações do Terreiro da Luta, consolidando a estruturação da freguesia de Santa Luzia e a ligação da cidade à freguesia do Monte, e contribuindo para a visão geral de anfiteatro que da encosta do Funchal. Foi também a vereação do visconde de Ribeiro Real que permitiu e apoiou a ampliação do cemitério britânico (Cemitério britânico), como contrapartida pela expropriação de uma faixa do terreno do mesmo. Foram então demolidas duas das vielas anexas entre aquele espaço e a R. dos Aranhas, do que resultou a R. 5 de Junho, depois R. Major Reis Gomes, onde viria a ser construído o largo com o seu nome. Os viscondes do Ribeiro Real habitaram o palácio de S. Pedro que, desde 1883, era partilhado com o Colégio de S. Jorge, dirigido pela futura M.e Mary Jane Wilson (1840-1916). Também ali faleceu, a 4 de fevereiro de 1888, o 2.º conde de Carvalhal, António Leandro Carvalhal Esmeraldo e, em 1897, ainda se instalou em parte do palácio o Clube Internacional. O visconde do Ribeiro Real seria elevado a conde do Ribeiro Real, a 16 de fevereiro de 1899, mas parece nunca ter usado o título, falecendo a 22 de março de 1902, altura em que se encontrava já retirado da vida pública, não havendo, por exemplo, qualquer referência a seu respeito na visita régia de junho de 1901. A condessa do Ribeiro Real, em 1921, deu início ao processo de venda do palácio, mas a mesma foi contestada pelos coproprietários, conde de Resende e família de Eça de Queiroz, descendentes de sua irmã, Maria das Dores Carvalhal (1855-1910). A a 20 de janeiro de 1923, a condessa mandou vender em leilão o recheio do palácio, momento em que se dispersou aquele importante espólio. Deverá ter falecido pouco depois dessa data. O espadim de honra do visconde do Ribeiro Real, como fidalgo da Casa Real, deve ter sido logo entregue à Câmara Municipal do Funchal, por legado do mesmo. A sua liteira, no entanto, com as armas de visconde envolvidas pelos atributos utilizados pela Câmara, um ramo de videira e outro de cana-de-açúcar, tal como o seu monograma, encimado por coroa de visconde, deve ter ido então a leilão, tendo passado a mãos particulares e depois ao Museu Quinta das Cruzes, sendo dos poucos exemplares deste tipo de transporte que sobreviveu. É provável que do leilão de 1923 tenha sobrevivido uma fotografia, onde aparece um dos dois óleos de Tomás da Anunciação (1818-1879), encomendados pelo 2.º conde de Carvalhal em 1865, e que fazem igualmente parte do acervo do Museu Quinta das Cruzes. No mesmo leilão deve ter sido vendido o retrato das duas filhas do 2.º conde de Carvalhal, depois depositado na Fundação Eugênia de Canavial.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

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junta de planeamento 1975

A transição da Madeira para o processo democrático foi de certa forma calma, se comparada com a agitação vivida no continente ou nas antigas colónias portuguesas de África. As forças militares e militarizadas não colocaram especiais problemas ao Movimento das Forças Armadas (MFA), e a primeira agitação, aliás vaga, decorreu na manifestação do 1.º de Maio, quando apareceu um cartaz a colocar em causa a presença no Funchal dos ex-governantes Américo Thomaz (1894-1987) e Marcello Caetano (1906-1980), com os dizeres “A Madeira não é caixote de lixo”. A notícia chegou a António de Spínola (1910-1996), que presidia à Junta de Salvação Nacional e se comprometera com Marcello Caetano, no quartel do Carmo, a fornecer-lhe proteção pessoal, pelo que poucos dias depois se encontrava na Madeira um delegado do Movimento, o Ten.-Cor. Carlos de Azeredo Pinto Melo e Leme (1930-) (Azeredo, Carlos de). A função do delegado do Movimento era a segurança das altas figuras do final do Estado Novo, mas, embarcadas as mesmas para o Brasil, a 20 de maio, teve de aguardar a nomeação do governador civil do Funchal (Governo civil), Fernando Rebelo (1919-2002) (Rebelo, Fernando Pereira), somente exarada a 7 de agosto. O novo governador tomou posse em S. Lourenço a 8 de agosto e, nesse mesmo dia, Carlos de Azeredo regressou ao continente, fixando-se no Porto. A 13 de setembro de 1974, o novo governador civil do Funchal – em consequência do pedido de exoneração de Rui Vieira (1926-2012), pedido que nunca fora aceite por Carlos de Azeredo – nomeava nova presidência para a Junta Geral. A 10 de outubro, a Junta Geral é dissolvido e é nomeada uma comissão administrativa, que também não resistiu muito tempo. As nomeações que se seguiram, essencialmente de elementos sem impacto político e social nas restantes estruturas locais, que não haviam sofrido especiais alterações, tornariam a situação geral insustentável a curto prazo. A instabilidade que se viria a desenvolver depois na Ilha levou a que, por solicitação dos elementos do Movimento na Madeira, o Ten.-Cor. Carlos de Azeredo, então graduado em brigadeiro, regressasse no final desse ano de 1974 ao Funchal. A 11 março de 1975, em Lisboa, entretanto, registava-se novo pronunciamento militar. O grupo mais moderado de forças políticas e militares ligadas ao Gen. António de Spínola, que não tinha aceitado o seu afastamento, a 30 de setembro, na sequência do falhanço da manifestação da “maioria silenciosa” de dois dias antes, nem, essencialmente, o acelerado processo de descolonização e de politização progressiva da sociedade portuguesa, movimentou-se. Os grupos mais politizados e a Comissão Coordenadora estavam, no entanto, atentos à movimentação, pelo que a mesma se saldou por um novo fracasso, sendo o Gen. Spínola definitivamente afastado, e tendo tido, inclusivamente, de abandonar o país. As notícias chegadas ao Funchal levaram à realização de manifestações de rua em apoio ao MFA. O processo foi acompanhado pelos comandos militares madeirenses, não tomando o Brig. Carlos de Azeredo qualquer posição, dependente, até certo ponto, que estava ainda do governador civil, Fernando Rebelo. Carlos de Azeredo encontrava-se nessa manhã numa cerimónia de distribuição de diplomas e condecorações na sede da Polícia de Segurança Pública do Funchal, à R. dos Netos, e, tendo sido informado pelo Maj. José Manuel Santos de Faria Leal (1936-2015) do que se passava em Lisboa, não interrompeu a distribuição. Escreveria mais tarde que continuou “calmamente na cerimónia” (AZEREDO, 2004, 205), mas, regressado ao palácio de S. Lourenço, acompanhou a situação, como os vários oficiais do seu gabinete, com a máxima apreensão. Com o pronunciamento de 11 de março, as forças mais à esquerda desenvolveram o que ficou conhecido por Processo Revolucionário em Curso e popularizado como PREC. No dia seguinte, a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado eram extintos e substituídos pelo Conselho da Revolução, a que se seguiria um plano de nacionalização da Banca, dos Seguros, dos Transportes, etc. Este período constituiu a fase mais marcante da tentativa de revolução portuguesa, durante o qual as tensões políticas e sociais atingiram uma virulência nunca experimentada. Principalmente o verão desse ano de 1975, o chamado “verão quente”, prestou-se a todo o tipo de violências numa sociedade considerada até então de brandos costumes e que nesse período parecia ter querido deixar de o ser. As forças madeirenses ligadas ao velho Movimento Democrático mostraram-se completamente incapazes de fazer face à situação e, a 20 março, Fernando Rebelo deixava o cargo de governador civil. Nesse mesmo dia, em Lisboa, onde fora chamado, desconhecendo o motivo e tendo tido então as mais sérias reservas e apreensões, Carlos de Azeredo tomava posse desse cargo, por despacho do ministro da Administração Interna. A nomeação de um elemento dado como próximo do Gen. António de Spínola não foi bem aceite nos sectores militares e civis continentais ligados ao PREC, que preferiam a nomeação do Maj. José Manuel Santos de Faria Leal (1936-2015), mas representou uma vitória para os sectores mais moderados e marcaria, na Madeira, o início da progressiva demarcação em relação ao processo continental. O Brig. Carlos de Azeredo, como governador civil – mas sempre fardado –, quase de imediato, a 25 de março, dava posse no Funchal à Junta de Planeamento para a Madeira, criada pelo dec.-lei n.º 139/75, promulgado no polémico dia 11 de março, pelo Presidente da República, Gen. Francisco da Costa Gomes (1914-2001), e publicado a 18 seguinte. O dec.-lei já considerava este órgão com um cariz transitório, mas com forte poder de decisão, sendo composto pelo governador civil, que presidia, com voto de qualidade, e por três vogais. Este órgão vinha um pouco na sequência do grupo criado alguns anos antes no âmbito da Junta Geral, a comissão regional de planeamento, mas já com funções deliberativas mais amplas, superintendendo, inclusivamente, sobre a mesma Junta Geral que, embora dissolvida, continuava em exercício. Foram então empossados como vogais João Abel de Freitas (n. 1942), Virgílio Higino Pereira (n. 1941) e José Manuel Paquete de Oliveira (1936-2016), que dirigia o Diário de Notícias. A presença de João Abel de Freitas, ligado à comissão do salário mínimo, e mesmo dos restantes elementos, pois que a sua nomeação fora acordada em Lisboa, não reunia o consenso alargado que alguns sectores locais requeriam, pelo que a Junta de Planeamento foi alvo de críticas no Jornal da Madeira, o que levou Carlos de Azeredo a convocar a S. Lourenço Alberto João Jardim (1943-), recentemente colocado à frente daquele jornal pelo bispo do Funchal, D. Francisco Antunes Santana (1924-1982), embora tal não tenha refreado os ataques daquele periódico à nova estrutura governativa regional. As críticas ainda aumentaram com o dec.-lei de 2 de julho de 1975, que alargava os poderes da Junta de Planeamento para proceder ao saneamento dos serviços do Estado e dos corpos administrativos, podendo suspender por 90 dias os funcionários desses organismos e nomear comissões para efetuarem reclassificações dos mesmos. Foi por esse diploma que se acrescentou um quarto elemento à Junta de Planeamento, dado como representante do comando militar, Faria Leal, que desde o início participava já em todas as reuniões. A Junta de Planeamento sofreria uma contínua contestação, não só local, dado que, como o governador Carlos de Azeredo anunciara na sua formação, tinha sido escolhida de cúpula, por decisão autocrática, logo sem a consulta das forças políticas já sumariamente colocadas no terreno, como igualmente dos círculos mais à esquerda do MFA nacional, que a consideravam não revolucionária. Poucos dias depois, comemorando-se o segundo 1.º de Maio em liberdade, deslocar-se-iam à Madeira dois conselheiros da revolução, o Com. Carlos de Almada Contreiras e o Maj. José Manuel Costa Neves, que participariam na manifestação, mas que quase não contactaram os elementos das forças armadas de S. Lourenço, limitando-se o Brig. Carlos de Azeredo a depois os acompanhar ao aeroporto. Ao contrário do ano anterior, também nenhum dos elementos militares da Madeira participou na mesma manifestação que, inclusivamente, levou a alguns incidentes na baixa da cidade, o que não acontecera no ano precedente. A Junta de Planeamento começou a conhecer dificuldades de articulação interna a partir das eleições de 25 de abril de 1975 (Eleições Autonomia), que elegeram a Assembleia Constituinte (sendo a organização dessas eleições a mais importante missão de que a referida Junta estava incumbida). Assim, se até então a sua nomeação de cúpula, como havia sido referido por Carlos de Azeredo na sua apresentação pública, era defensável por não ter havido eleições na Região, a partir daquela data, tal já não era sustentável. Acrescia a isto o desgaste do “verão quente” de 1975, que começara a 11 de março, e logo a 4 de abril registara uma tentativa de assalto ao palácio de S. Lourenço por uma manifestação de produtores de cana-de-açúcar – situação geral à qual Carlos de Azeredo deu uma resposta que não foi entendida como correta, nem pela esquerda, nem pela direita, tentando limitar a sua atuação a uma gestão negociada de crise, que nunca fora bem aceite por alguns elementos da Junta de Planeamento. A cisão foi iniciada pelo pedido de demissão de João Abel de Freitas, a 5 de agosto de 1975, pois que o mesmo não poderia ter sido feito pelo Maj. Faria Leal, dada a sua condição militar, pretendendo ambos a detenção de alguns empresários madeirenses por sabotagem económica. A demissão de João Abel Freitas foi imediatamente aceite pelo Brig. Carlos de Azeredo, e seguiu-se-lhe a demissão dos restantes membros. Estava assim aberto o caminho para a constituição de um novo órgão de gestão governativa da futura Região Autónoma da Madeira, que, embora ainda não democrático nem verdadeiramente representativo das forças políticas com representação no terreno, caminhava já nesse sentido: a Junta Governativa e de Desenvolvimento de 1976. Levaria, no entanto, mais de seis meses para ser negociada e tomar posse.     Rui Carita (atualizado a 09.06.2017)

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conselho do distrito

O Conselho do Distrito foi o mais importante órgão do governo da Ilha no Liberalismo, funcionando sob a presidência do governador civil. Dadas as constantes alterações políticas deste século, saindo o governador da Ilha, um dos seus membros ocupou esse lugar como governador interino. A primeira forma deste conselho foi o de Concelho da Prefeitura, criado pelo decreto de 6 de maio de 1832, passando, com o código administrativo de 31 de dezembro de 1836, a Conselho do Distrito. Era presidido pelo governo do distrito e composto por quatro vogais, o secretário-geral do distrito e três procuradores da Ilha, eleitos pela Junta Geral. Foi extinto pelo código administrativo de 17 de julho de 1886, que privilegiou as funções da Junta Geral. Palavras-chave: Administração-Geral; Governo Civil; Junta Geral; partidos políticos; Prefeitura; Liberalismo O Conselho do Distrito foi o mais importante órgão do governo da Ilha no Liberalismo, funcionando sob a presidência do governador civil. (Governo civil) Dadas as constantes alterações políticas deste século, saindo o governador da Ilha, foi um dos seus membros a ocupar esse lugar, como governador interino. A primeira forma deste conselho foi a de Conselho da Prefeitura, pois que a designação de governador civil fora, inicialmente, a de prefeito, tendo sido criado pelo decreto de 6 de maio de 1832; mas não há informação de ter sido montado com o prefeito e coronel de engenharia Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847). O código administrativo de Passos Manuel, do ministro Manuel da Silva Passos (1801-1862), de 31 de dezembro de 1836, criou o Conselho de Distrito, fazendo desaparecer o anterior Conselho da Prefeitura. Este Conselho, também designado por Junta de Governo do Distrito, era composto por quatro vogais, três dos quais procuradores da Ilha, eleitos pela Junta Geral (Junta Geral), sendo presidido pelo governador civil e secretariado pelo secretário-geral do distrito; este assumia, inicialmente, a função de governador interino na ausência do efetivo, função que foi desempenhada, ao longo da segunda metade do século, pelo vogal mais antigo, principalmente quando os chefes dos partidos políticos locais começaram a conhecer uma certa importância e representatividade. A Junta de Governo do Distrito ou Conselho do Distrito reuniu, pela primeira vez, ainda no palácio de S. Pedro, do conde de Carvalhal (1778-1837), a 18 de janeiro de 1836. Os seus primeiros membros foram, assim, Carvalhal, na presidência, e, na capacidade de vogal, João Agostinho Jervis de Atouguia, secretário-geral do distrito, Filipe Joaquim Acciauoli e Domingos Olavo Correia de Azevedo (1799-1855). O secretário foi, então, João Nepomuceno de Oliveira (1783-1846), oficial maior da secretaria do governo civil. Em maio, na primeira reunião em que participou o administrador-geral  António Gambôa e Liz (1778-1870), depois barão de Arruda (Liz, António Gamboa de), estiveram presentes Filipe Acciauoli, Olavo Correia de Azevedo, José Joaquim de Freitas e Abreu e Jervis de Atouguia, que aqui já aparece como secretário desse conselho. Com a institucionalização da Junta Geral, seriam eleitos três membros efetivos, que na reunião de 29 de julho desse ano foram Jerónimo Pinheiro, António Joaquim Jardim e Aires de Ornelas e Vasconcelos (1779-1852), tendo sido eleitos, como substitutos, Manuel Joaquim Moniz e Valentim de Freitas Leal. Nos meados do século, os vogais do conselho venciam de gratificação anual 240$000 réis, pagos pelo cofre do distrito. O Conselho do Distrito passou a funcionar no Palácio de S. Lourenço, onde ocupava duas salas. Alguns governadores, como José Silvestre Ribeiro (1807-1891), apoiaram-se neste Conselho, entre outras ações, e.g., na tentativa de levar avante a construção de um teatro no Funchal; o mesmo fez o governador D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878) (Leme, D. João Frederico da Câmara), quando o vogal mais antigo era o visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875). No entanto, a partir do momento em que neste Conselho passaram a ter assento os principais líderes partidários, o mesmo funcionou como palco de disputa de poder, como ocorreu, especialmente, com o visconde do Canavial (1829-1902). Tal levou, inclusivamente à nomeação, pelo Governo de Lisboa, de governadores civis substitutos e, mais tarde, com o aumento das competências da Junta Geral, à extinção deste Conselho, pelo código administrativo de 17 de julho de 1886.   Rui Carita (atualizado a 28.02.2017)

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tenente-general

Ao longo do séc. XVII, o governador e capitão-general passou a ter um tenente-general como assessor para os assuntos militares, com funções de inspetor, dispondo de um ordenado de 80$000 réis anuais; tratava-se de um cargo honorífico na prática, o qual inicialmente não foi registado na Provedoria da Fazenda. A primeira referência ao posto de tenente-general concerne à nomeação de D. José de Melo Fernando, um dos sobrinhos do bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), por três vezes governador da Madeira; o indigitamento não está datado e aparece seguido do de Nuno de Sousa Mascarenhas, a 6 de maio de 1645. D. José de Melo Fernando deve ter ido para o continente com o seu tio em meados de 1641, e supõe-se que a nomeação seja da primeira metade desse ano; Nuno de Sousa Mascarenhas foi para a Madeira com o Gov. Manuel de Sousa Mascarenhas (Mascarenhas, Manuel de Sousa), de quem era filho, o qual tomara posse do cargo a 11 de março de 1645. O cargo de tenente-general foi sempre contestado na Ilha, tendo prontamente havido queixas contra o Gov. Manuel de Sousa Mascarenhas, demitido cerca de um ano depois de tomar posse: por ocasião do seu despedimento, o despacho do Conselho da Fazenda de 28 de setembro de 1646, recebido pelo provedor Manuel Vieira Cardoso, instava Manuel Mascarenhas e devolver o dinheiro que mandara pagar ao filho, e que este se não “chame mais tenente-general sem mostrar provisão ou patente assinada por Sua Majestade” (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 968, fls. 182v.ss.). O lugar parecia, no entanto, ser necessário, uma vez que estabelecia a ligação do governador (enviado pela corte de Lisboa e sem especial sensibilidade para os problemas regionais) a outras entidades – por exemplo, os militares encarregados de levantar as companhias para os diversos domínios portugueses, como era o caso dos sargentos-mores (Sargento-mor) madeirenses, e os mestres-de-campo do continente. A precisão do cargo torna-se patente quando se considera que a Madeira se tornara especial campo de recrutamento daquelas levas de soldados pelo menos a partir de 1632, quando João de Freitas da Silva (c. 1605-1633) partiu do Funchal rumo ao Brasil com uma companhia de 90 homens e Francisco de Bettencourt de Sá (1602-1643) para ali encaminhou 70 soldados madeirenses (Pernambuco). A 19 de março de 1632, o Rei anuiu à proposta, feita pelo provedor da Fazenda Manuel Dias de Andrada, de enviar um terço (Terços) para o Brasil. Em 1638, Francisco de Bettencourt de Sá, então investido como mestre-de-campo, foi encarregado de levantar, nas ilhas da Madeira e dos Açores, um terço de 1000 homens com rumo à Corunha, o que originou protestos na Madeira. Nos finais de 1645 e inícios de 1646, foi constituído outro terço nas ilhas pelo mestre-de-campo Francisco de Figueiroa; esta unidade militar, composta de 110 soldados, era destinada à Baía, tendo saído do Funchal a 25 de julho de 1646. Em 1650, juntaram-se tropas na Madeira designadas para as fronteiras do Reino; em 1658, para as guerras do Alentejo. A 12 de abril 1660, a pedido da condessa da Calheta e de Castelo Melhor, D. Mariana de Lencastre de Vasconcelos e Câmara (c. 1590-1689) – embora só confirmada como donatária do Funchal a 14 de outubro –, era emitida carta patente de tenente-general da Madeira para Inácio da Câmara Leme (1630-1694). A carta apresenta a declaração expressa de que, se D. Mariana decidisse governar a Ilha, “como lhe pertence”, o tenente-general continuaria no cargo (ABM, Câmara Municipal do Funchal, liv. 474, fl. 154). O tenente-general viria a usufruir de um ordenado de 240$000 réis por ano, importância acrescida de 28$470 réis para palha e cevada. A criação deste posto sofreu a imediata contestação da Câmara do Funchal, dado que seria o tenente-general a assegurar o governo militar da cidade, para além de que o seu ordenado sairia da percentagem da renda da imposição aplicada às fortificações, entendendo a Câmara a verba como sua (o montante deveria servir nomeadamente para as obras das muralhas das ribeiras) (Defesa). O tenente-general substituiria o governador na sua ausência. Durante 12 anos, nos governos de Diogo de Mendonça Furtado (Furtado, Diogo de Mendonça), de D. Francisco de Mascarenhas (Mascarenhas, D. Francisco de) e de Aires de Saldanha de Sousa Meneses (Meneses, Aires de Saldanha de Sousa) parecem não ter ocorrido situações especialmente problemáticas, inclusivamente em 1668, quando uma sedição depôs o Gov. D. Francisco e nomeou interinamente como governador o morgado Aires de Ornelas e Vasconcelos (1620-1689). No entanto, o Gov. João de Saldanha de Albuquerque (Albuquerque, João de Saldanha de) viria a opor-se à existência do cargo de tenente-general após a sua tomada de posse a 20 de outubro de 1672. Deste modo, suspendeu Inácio da Câmara Leme, retirou-lhe o ordenado e deteve-o na fortaleza do Pico durante oito meses. O tenente-general recebeu uma sentença que lhe era favorável e foi novamente empossado; tinha, além disso, boas relações com a corte de Lisboa. Todavia, o conflito entre governador e tenente-general manteve-se: quando, por poucos dias, deixou a cidade, o governador preferiu que o bispo o substituísse, o que suscitou o protesto de Inácio da Câmara Leme. O assunto foi apresentado ao Conselho de Guerra a 25 de setembro de 1676, tendo este sido informado da queixa de que não “pertencia aos ministros eclesiásticos o governo militar”, o que demonstra tanto os princípios de centralização régia por que se regiam os membros do Conselho, como o seu desconhecimento das especificidades da expansão portuguesa. Os conselheiros recomendaram que o capitão-general fosse advertido de que, quando ausente do Funchal, deveria transferir as suas competências para o tenente-general “por ser o oficial maior de guerra que há naquela Ilha” e por lhe competir “essa proeminência”. As Câmaras Municipais da Madeira, através dos seus procuradores, tinham informado o Conselho de que o bispo do Funchal dava garantias de isenção e de respeito, enquanto o tenente-general, porque “natural da terra”, sendo “parcial e vingativo, inimigo de muitos homens nobres daquela Ilha, a quem com o poder do governo poderá vexar e molestar, de que se seguirão grandes discórdias e novidades”, atuaria contra os propósitos de paz do príncipe regente, o que não convenceu os membros do Conselho (ANTT, Conselho da Guerra, Consultas, cx. 103, mç. 35). O governador seguinte, Alexandre de Moura de Albuquerque (Albuquerque, Alexandre de Moura e), tomou posse a 9 de junho de 1676. Em janeiro de 1677, haveria de receber uma recomendação do príncipe regente no sentido de evitar futuros desentendimentos, pelo que deveria deixar o tenente-general encarregue dos assuntos militares; na mesma data, renovou-se a patente de tenente-general, a qual a Câmara do Funchal só posteriormente haveria de registar. Uma carta régia de 2 de junho de 1681 fixava que o tenente-general receberia uma tença anual de 20$000 réis, estabelecida a partir dos dízimos da renda da Deserta e do Bugio, em recompensa dos seus serviços, designadamente enquanto tenente-general da ilha da Madeira; por carta régia de 30 de abril de 1683, determinava-se ainda que o tenente-general deveria ter à sua porta uma guarda militar. No final de 1683, a Câmara do Funchal, ouvindo em vereação o juiz-de-fora, pediu ao Rei a suspensão do cargo de tenente-general, que o lugar não fosse provido, que o ordenado revertesse para a manutenção dos lázaros e enjeitados da Ilha, conseguindo aprovação da proposta pelo Conselho da Fazenda, com data de 10 de dezembro de 1683. No entanto, o alvará em causa citava que, em caso de necessidade, se poderia prover, “nos sobejos da Alfândega”, o lugar do tenente-general, o que levou a que o mesmo continuasse em funções. O Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme faleceria a 22 de novembro de 1694; a animosidade que, em vida, suscitara contra si levou ao seguinte apontamento do cura Francisco Bettencourt e Sá no livro de óbitos da Sé do Funchal: “faleceu o tenente-general que foi o primeiro e poderá ser o último” (ABM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 75, fl. 19v.) – o cura da Sé, porém, enganou-se, pois não fora o primeiro nem seria o último. A 13 de março de 1698 foi passada carta patente de governador da Madeira a D. António Jorge de Melo (c. 1640-1704), mestre-de-campo dos auxiliares de Lisboa. O governador solicitou a alguém da sua confiança “instruções de como se devia portar” “para fazer bem a sua obrigação”, e informações sobre quais os “interesses” envolvidos no lugar (BNP, Reservados, PBA 526, fls. 275-282). As informações recebidas demonstram um profundo conhecimento da Ilha, pelo que se supõe que tenham sido fornecidas pelo desembargador da Casa do Cível e do Conselho do Estado, o Dr. António de Freitas Branco (1639-c. 1700). Segundo essas “instruções”, o governador era assistido por um tenente-general, lugar que, de acordo com a documentação conhecida, não se encontrava preenchido. Data de 17 de março de 1699 a nomeação de Cristóvão de Ornelas de Abreu (1639-1709) como tenente-general, com um soldo de 40$000 réis “pagos pelos rendimentos da fortificação” (BNP, Reservados, cód. 8391, fl. 9); Cristóvão de Ornelas de Abreu era ex-governador da Colónia do Sacramento (posteriormente Uruguai), neto e filho dos sargentos-mores de Machico Jerónimo e João de Ornelas de Abreu (Sargento-mor). O ex-governador da Colónia do Sacramento só estaria esporadicamente na Ilha; por conseguinte, a 30 de julho de 1699, Inácio Bettencourt de Vasconcelos foi nomeado ad honorem, recebendo o soldo de sargento-mor. Cristóvão de Ornelas de Abreu faleceu a 7 de julho de 1709, sendo então nomeado, em carta de 4 de fevereiro de 1710, Inácio Bettencourt de Vasconcelos como tenente-general por D. João V; Inácio Bettencourt de Vasconcelos auferiria de 28$470 réis anuais “para fava e cevada do seu cavalo”, acrescentados ao soldo de 240$000, o que perfaria o vencimento anual de 268$470 réis (BNP, Reservados, cód. 8391, fl. 9). O novo tenente-general seria, no entanto, de idade avançada, o que justifica a carta de nomeação de Francisco Berenguer de Lemilhana (ou Francisco Berenguer de Andrada) a 15 de dezembro de 1716; esta nomeação é confirmada com novo alvará de mantimento, de 3 de junho de 1720, onde é referida a morte de Inácio Bettencourt de Vasconcelos. Ao longo do séc. XVIII, chegaram pontualmente a existir, no governo da Madeira, um coronel e um tenente-coronel com as habituais funções de inspeção: sabe-se, designadamente, de uma carta patente de coronel, passada por Duarte Sodré Pereira (Pereira, Duarte Sodré) a Jorge Correia de Vasconcelos Bettencourt a 10 de abril de 1710, a qual foi confirmada em Lisboa a 16 de novembro de 1712. Em 4 de abril de 1737, idêntica patente foi passada em Lisboa ao Cor. António de Brito Correia, o qual deveria ser pago no Funchal por intermédio de procuradores, algo que se supõe ser indicação de que não se deslocou à Madeira. Ao longo deste século, parece ter havido o posto de “ajudante do tenente-general”; por ocasião da tomada de posse do Cap.-mor Diogo Luís Bettencourt (m. 1771), a 8 de dezembro de 1756 em Machico, motivada “pelo falecimento de Francisco Ferreira Ferro”, faz-se referência ao “serviço de capitão de ordenanças e soldado pago, ajudante de tenente-general”, com um ordenado de 60$000 réis (ABM, Câmara Municipal de Machico, Registo Geral liv. 86, fl. 126; ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 974, fl. 94). O lugar de tenente-general não voltaria a ser preenchido. Contudo, nos finais do séc. XVIII, mais concretamente em 1784, com a possibilidade de esse posto ressurgir no âmbito da reforma das forças de “segunda linha” – os novos terços e as milícias (Milícias, Terços) –, a Câmara do Funchal alegou terem-se “perdido os papéis originais” do decreto de 19 de novembro de 1683, que extinguira o cargo (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 977, fls. 30-31). A reforma das forças militares portuguesas criaria um lugar de brigadeiro – e, depois, de general – na Madeira, no quadro das forças militares nacionais (Governo militar).   Rui Carita (atualizado a 23.01.2017)

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aljube

“Aljube” era a designação da prisão eclesiástica, que existiu em todas as dioceses portuguesas e não só, desde tempos muito antigos. A sua instalação no Funchal ocorreu com a chegada das primeiras diretivas do Concílio de Trento, em 1562, e com a vigência de D. Fr. Jorge de Lemos (c. 1510-1574), o primeiro bispo residente que a Madeira conheceu (Lemos, D. Fr. Jorge de). Situava-se, sensivelmente, naquele que veio a ser o Lg. João Gago e na rua que logo recebeu o nome “do Aljube”, durando todo o Antigo Regime. Saliente-se, no entanto, que o aljube servia de cárcere a todos aqueles que não fosse possível deter de outro modo, mas não aos eclesiásticos, que na generalidade eram presos na torre da Sé. Área da Sé com o Aljube-1804     Área da Sé com o Aljube-1805   Fr. Jorge de Lemos empreendeu uma vasta campanha de correção dos abusos resultantes da não residência de um prelado no Funchal, facto que permitira a instalação de um clima de pouca observância dos preceitos religiosos, muito especialmente dentro do novo quadro tridentino. Da veemência desta intervenção, adveio a fama de o bispo ser rigoroso e severo nas punições. O seu empenho na correção dos desmandos traduziu-se numa larga produção legislativa que acentuava a necessidade de as justiças secular e religiosa se auxiliarem mutuamente. Entrava-se, progressivamente, no período da Contrarreforma e, a 18 de fevereiro de 1558, o gabinete de D. Sebastião, à frente do qual se encontrava o cardeal D. Henrique e depois se haveria de colocar o P.e Martim Gonçalves da Câmara (c. 1539-1613), fazia publicar um alvará onde se ordenava que o corregedor da capitania do Funchal, o provedor dos resíduos e o juiz de fora se disponibilizassem para acudir ao bispo sempre que as pessoas condenadas, em visitação, a penas até 2$000 réis se recusassem a cumprir o castigo. Logo de seguida, a 12 de março, o gabinete régio promulgou uma nova determinação que obrigava o corregedor e outros oficiais de justiça na Madeira a prestarem ao prelado toda a ajuda e auxílio requeridos. Em 1564, o gabinete régio voltou a publicar outro alvará, insistindo que incumbia aos oficiais judiciais seculares punirem qualquer pessoa que afrontasse a justiça eclesiástica. Aljube e Câmara do Funchal -1870.   A produção de toda esta legislação demonstra bem a vontade régia de colocar os mecanismos de justiça mais diretamente dependentes da coroa ao serviço da administração eclesiástica, a quem, em contrapartida, era solicitado auxílio para intervir, nas pregações e visitações, caso fossem detetados devedores à Fazenda régia, mostrando bem a perfeita consciência da importância da Igreja, localmente representada pelos bispos, como instrumento do reforço da autoridade do poder central. O prelado era apresentado pelo Rei e pago pela Fazenda régia, sendo entendido como o número dois da hierarquia insular, pelo que, faltando futuramente o representante local do rei, aquele viria a assumiria o lugar, inclusivamente, com funções militares, embora tal ocorresse apenas alguns anos depois. Frestas das escadas da torre da Sé Deve-se, assim, ao bispo D. Fr. Jorge de Lemos a montagem do aljube. O edifício foi adquirido a 5 de março de 1562, a Mendo Ornelas de Moura e a sua mulher, moradores no Caniço. Consistia em umas “casas”, “com dois sobrados”, acima da “sé desta cidade, defronte da porta travessa da banda de cima, que partia duma parte com casas de Tristão de França e pela outra, com as dos herdeiros de Francisco Vieira (antigo prioste) e pela banda do norte, com os herdeiros de Tristão Vaz e da outra, com a rua pública”, tendo custado 80$000 réis, tudo “pago em dinheiro de contado” (ANTT, Cabido da Sé do Funchal, maç. 2, docs. 45 e 46). Com esta aquisição, ampliou-se a cerca da sé para norte e montaram-se as escadas no edifício, datando de 15 de abril de 1562 a autorização camarária para se fazer na “rua do concelho a escada do aljube” (Id., Ibid., doc. 46). A 6 de julho de 1562, por alvará régio, foi criado o lugar de aljubeiro, com uma remuneração anual de 4$000 réis e, a 12 de junho, foi ordenado “um acrescentamento de 2$000 ao dito aljubeiro, para ter de seu ordenado 6$000” (BNP, Índice do Registo da Provedoria..., 71v.-72). Nos anos seguintes registaram-se inúmeras prisões no aljube, essencialmente de populares, condenados por crimes diversos, como mancebia e prostituição.     Pormenor do Aljube e Câmara do Funchal -1870.   Pontualmente, no entanto, chegaram a estar ali presos (e por vezes na torre, por falta de espaço disponível) outros indivíduos, como vereadores e funcionários de justiça. Essa situação verificou-se, e.g., na vigência de D. Fr. Manuel Coutinho (1673-1742) (Coutinho, D. frei Manuel) ou de D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (c. 1710-1784). Foi em Oitocentos que a ocupação das prisões da cidade, incluindo o aljube, conheceu a sua máxima ocupação, com as alçadas de 1823 e de 1828, no contexto dos conflitos entre liberais e absolutistas. O aljube veio a ser demolido nos finais do séc. XIX, em data que não conseguimos apurar, mas ainda surge em fotografias da déc. de 70 dessa centúria. A sua memória perdura ainda na rua com o seu nome e, embora ao longo do liberalismo e do rotativismo tenha sido uma das artérias a que Câmara tentou atribuir mais vezes outras designações, nenhuma outra persistiu.   Rui Carita (atualizado a 17.08.2016)

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